ANÁLISE DE ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS SOBRE...

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ISSN 2176-1396 ANÁLISE DE ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS SOBRE PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA EM MANUAIS DO PROFESSOR DE LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA Laís França Campos Rocha 1 - PUCPR Rosane de Mello Santo Nicola 2 - PUCPR Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Considerando a concepção interacionista de ensino de língua, esta pesquisa realiza uma breve análise das orientações metodológicas sobre a prática de análise linguística proposta em três manuais do professor de livros didáticos de Língua Portuguesa do 1º ano do Ensino Médio aprovados no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). O objetivo é verificar se o trabalho com essa prática ocorre de forma integrada com as demais, conforme defende Geraldi (2001). É função do manual do professor dos livros didáticos de Língua Portuguesa o aprofundamento das bases teórico-metodológicas que alicerçam o livro do aluno, propiciando ao docente melhor autonomia no desenvolvimento das atividades nele propostas (MARCUSCHI, 2002). A análise linguística define-se, ao lado das demais práticas (leitura, oralidade e produção escrita), como unidade de ensino na qual se analisam os recursos expressivos da língua, isto é, aspectos gramaticais, discursivos, estilísticos, pragmáticos, fonológicos, entre outros (GERALDI, 2003a). O estudo comparativo dos manuais do professor envolveu o tratamento de informações selecionadas nos textos escritos exclusivamente pelos autores, não sendo consideradas citações diretas sem comentários, por se entender que a voz do autor precisa estar diretamente enunciada quando se trata de expor a proposta do trabalho com a prática de análise linguística do livro didático. Não é suficiente para o manual do professor a exposição teórico-metodológica apresentada sem a transposição didática reveladora das características da obra. Os resultados demonstram que a prática de análise linguística constitui o tópico menos desenvolvido nos três materiais analisados. Ocorrem confusões terminológicas e algumas inconsistências conceituais. Apenas um manual apresenta, de maneira mais completa, as orientações metodológicas ao professor, propondo integração entre as práticas; entretanto o discurso didático suplanta a exposição dos pressupostos teóricos. Por outro lado, 1 Pós-graduanda em Desenvolvimento Editorial com Ênfase em Materiais Didáticos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Educação pela PUCPR, Professora dos cursos de Letras da PUCPR , Membro do Centro de Ensino e Aprendizagem da PUCPR (CrEAre), Coordenadora do Eixo Temático de Língua Portuguesa da PUCPR. Coordenadora do curso de especialização em Desenvolvimento Editorial com Ênfase em Materiais Didáticos. Realiza estudos sobre gêneros textuais e revisão de textos nos domínios editorial e escola. E-mail: [email protected].

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ISSN 2176-1396

ANÁLISE DE ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS SOBRE PRÁTICA

DE ANÁLISE LINGUÍSTICA EM MANUAIS DO PROFESSOR DE

LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA

Laís França Campos Rocha1 - PUCPR

Rosane de Mello Santo Nicola2 - PUCPR

Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas

Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Considerando a concepção interacionista de ensino de língua, esta pesquisa realiza uma breve

análise das orientações metodológicas sobre a prática de análise linguística proposta em três

manuais do professor de livros didáticos de Língua Portuguesa do 1º ano do Ensino Médio

aprovados no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). O objetivo é verificar se o

trabalho com essa prática ocorre de forma integrada com as demais, conforme defende Geraldi

(2001). É função do manual do professor dos livros didáticos de Língua Portuguesa o

aprofundamento das bases teórico-metodológicas que alicerçam o livro do aluno, propiciando

ao docente melhor autonomia no desenvolvimento das atividades nele propostas

(MARCUSCHI, 2002). A análise linguística define-se, ao lado das demais práticas (leitura,

oralidade e produção escrita), como unidade de ensino na qual se analisam os recursos

expressivos da língua, isto é, aspectos gramaticais, discursivos, estilísticos, pragmáticos,

fonológicos, entre outros (GERALDI, 2003a). O estudo comparativo dos manuais do professor

envolveu o tratamento de informações selecionadas nos textos escritos exclusivamente pelos

autores, não sendo consideradas citações diretas sem comentários, por se entender que a voz do

autor precisa estar diretamente enunciada quando se trata de expor a proposta do trabalho com

a prática de análise linguística do livro didático. Não é suficiente para o manual do professor a

exposição teórico-metodológica apresentada sem a transposição didática reveladora das

características da obra. Os resultados demonstram que a prática de análise linguística constitui

o tópico menos desenvolvido nos três materiais analisados. Ocorrem confusões terminológicas

e algumas inconsistências conceituais. Apenas um manual apresenta, de maneira mais

completa, as orientações metodológicas ao professor, propondo integração entre as práticas;

entretanto o discurso didático suplanta a exposição dos pressupostos teóricos. Por outro lado,

1 Pós-graduanda em Desenvolvimento Editorial com Ênfase em Materiais Didáticos pela Pontifícia Universidade

Católica do Paraná (PUCPR). E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Educação pela PUCPR, Professora dos cursos de Letras da PUCPR , Membro do Centro de Ensino e

Aprendizagem da PUCPR (CrEAre), Coordenadora do Eixo Temático de Língua Portuguesa da PUCPR.

Coordenadora do curso de especialização em Desenvolvimento Editorial com Ênfase em Materiais Didáticos.

Realiza estudos sobre gêneros textuais e revisão de textos nos domínios editorial e escola. E-mail:

[email protected].

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um dos manuais apresenta a divisão literal das práticas de ensino de língua, podendo ser

considerado de abordagem mais tradicional.

Palavras-chave: Análise Linguística. Livro didático. Manual do professor.

Introdução

Segundo Borges (2012), historicamente, o ensino de português se confunde com o

ensino da gramática do português, considerada tradicionalmente o assunto por excelência da

disciplina de Língua Portuguesa (LP). No passado, essa realidade era compreensível, uma vez

que somente uma classe privilegiada, que já dominava a norma padrão, tinha acesso à escola e

o que restava a ser aprendida era a gramática, hoje, denominada tradicional porque se trata de:

“[...] uma visão teórica sobre a linguagem surgida na antiguidade clássica e que constitui a base

teórica da quase totalidade das gramáticas até praticamente o século XXI.” (BORGES, 2012,

p. 3).

A partir de 1970, houve mudança no discurso sobre o currículo da disciplina, isto é,

iniciou-se um movimento contra a gramática e a favor de sua substituição por atividades ligadas

ao texto e ao ensino de língua padrão. Embora esse movimento tenha despertado novas

interpretações para o ensino de LP, segundo Borges (2012), ainda não houve uma mudança

efetiva na sala de aula: a gramática tradicional continua sendo privilegiada no contexto de

ensino da língua materna.

Ainda para Borges (2012), um dos fatores da permanência da gramática tradicional na

escola está no material de apoio com o qual conta o professor, como livros didáticos e

dicionários, que são invariavelmente construídos sobre a perspectiva teórica da gramática

tradicional. Assim:

Professores que não são preparados para ensinar outra coisa que não a gramática,

materiais didáticos e de consulta que privilegiam a teoria tradicional e,

contraditoriamente, um discurso de que não se deve ensinar gramática na escola são

fatores parcialmente responsáveis pelo caos a que o ensino de Língua Portuguesa

atingiu (BORGES, 2012, p. 4).

Nesse contexto, Bagno (2007) considera o livro didático (LD) um dos elementos que

compõem, juntamente com a gramática tradicional e o os métodos tradicionais de ensino, o

círculo vicioso do preconceito linguístico, que se forma desta maneira: “[...] a gramática

tradicional inspira a prática de ensino, que por sua vez provoca o surgimento da indústria do

livro didático, cujos autores – fechando o círculo – recorrem à gramática tradicional como fonte

de concepções e teorias sobre a língua” (BAGNO, 2007, p. 72-73).

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Marcuschi (2002), especificamente sobre o escopo do presente artigo, o manual do

professor dos LD de LP, afirma que sua função é aprofundar com o professor as bases teórico-

metodológicas que alicerçam o livro do aluno e propiciar ao docente segurança e autonomia no

desenvolvimento das competências (habilidades e conteúdos) e atividades propostas pelo LD.

Para isso, o Ministério da Educação (MEC) exige que sejam apresentados os pressupostos

teórico-metodológicos com sugestões de leitura complementar para o professor.

Conforme o Guia (2015), cada seção ou unidade de um LD corresponde, em geral, a

uma aula; ou, com mais frequência, a uma sequência de aulas, articuladas em torno de um

determinado tópico. A série completa dessas unidades e seções contém, em princípio, a

programação de todo um ano ou série de um determinado segmento de ensino. Por essas

características, um LD contém um planejamento de ensino próprio, implicado na sequência de

unidades, ainda que essa sequência permita alguma escolha ou adaptação por parte do professor.

Os LDs são considerados pelo Guia (2015) instrumentos relativamente recentes no

Ensino Médio; por outro lado, têm-se mostrado mais permeáveis às novas orientações para o

ensino de LP, procurando subsidiar as práticas docentes por elas preconizadas.

Desse modo, a fim de analisar a abordagem da prática de análise linguística em manuais

do professor de LD de LP, a presente pesquisa toma como base a concepção interacionista de

ensino de língua e seleciona três LD aprovados no ano de 2015 pelo Programa Nacional do

Livro Didático (PNLD), a saber: Língua Portuguesa, de Roberta Hernandes e Vima Lia Martin,

da Editora Positivo (doravante Material 1); Novas Palavras, de Emília Amaral, Mauro Ferreira

do Patrocínio, Ricardo Silva Leite e Severino Antônio, da Editora FTD (doravante Material 2);

Língua Portuguesa: linguagem e interação, de Carlos Emílio Faraco, Francisco Marto de Moura

e José Hamilton Maruxo Júnior, da Editora Ática (doravante Material 3).

Desenvolvimento

A fim de realizar um estudo comparativo dos manuais do professor dos LD do 1º ano

do Ensino Médio, as obras mencionadas foram selecionadas com base em três critérios

relevantes para o presente estudo: obtiveram aprovação no PNLD; são produzidas por editoras

tradicionais na publicação de livros didáticos; apresentam autores com formação acadêmica

compatível com a tarefa de produção de LD de LP.

O primeiro critério justifica-se pelo fato de que o PNLD subsidia o trabalho pedagógico

dos professores por meio da distribuição de coleções de LD aos alunos da rede pública de

ensino. O segundo critério remete à longa trajetória das editoras nos editais de aprovação do

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PNLD, desde a criação desse órgão, bem como à experiência dos profissionais agregada ao

comprometimento com o público quanto à qualidade de suas obras, o que contribui para que

esses materiais apresentem conteúdos baseados em teorias atuais de ensino. O outro critério

refere-se à formação acadêmica dos autores dos livros selecionados porque se julga importante

considerar a bagagem teórica que cada autor traz, além da experiência em sala de aula.

A respeito desse último critério, é pertinente afirmar que, após pesquisar3 os currículos

dos autores, verificou-se que: i) no Material 1, a área de concentração de estudos das autoras é

Literatura; ii) no Material 2, dos quatro autores, três são da área da Educação e um possui

Mestrado na área de Teoria Literária; iii) no Material 3, dos três autores, dois são licenciados e

um possui Mestrado em língua e literatura francesa e Doutorado na área da Análise do Discurso.

Com base nessas informações, é possível constatar que a maioria dos autores em questão

parecem não ter embasamento sólido para promover a transposição teórico-prática da análise

linguística para os LD de Ensino Médio, exceto um dos autores do Material 3, José Hamilton

Maruxo Júnior. Além disso, não se encontram registros de atualização acadêmica de dois

autores, licenciados em meados de 1970.

Diante desse quadro, cabe questionar se não há necessidade de o PNLD passar a

considerar a compatibilidade entre a formação acadêmica dos autores de um mesmo LD e sua

proposta metodológica. Trata-se de mais um critério qualitativo do complexo processo de

avaliação4. Conforme alerta Moreira (2009, s/p):

Com o PNLD e o Guia de Livro Didático, as editoras com vistas a se manter no

mercado, passam a produzir os LDs para atender os critérios dessa avaliação. As

editoras aumentam a complexidade na produção do LD com funcionários cada vez

mais especializados, formando uma grande equipe, com editores, revisores,

diagramadores, assessores, criadores de arte e divulgadores. O LD deixa de ser um

produto individual ou autoral à medida que se complexifica como mercadoria.

Por outro lado, não se nega que a experiência em sala de aula seja importante para a

criação de um material didático de LP, no entanto consideram-se essenciais sólidos

conhecimentos de linguística para os autores de LD dessa área.

Especificamente sobre análise linguística, pode-se situá-la como uma das práticas

discursivas propostas na perspectiva sociointeracionista, sendo as demais: leitura, oralidade e

produção escrita. Geraldi (2001) defende-as de forma integrada:

3 A análise dos currículos dos profissionais baseou-se nas informações constantes nas folhas de rosto dos próprios

livros didáticos, no Currículo Lattes e em outras fontes eletrônicas. 4 Marcos Bagno e Circe Maria Fernandes Bittencourt já apresentam essa preocupação em seus trabalhos de 2013

e 2010, respectivamente.

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Essas práticas, integradas, no processo de ensino-aprendizagem, têm dois objetivos

interligados:

a) tentar ultrapassar, apesar dos limites da escola, a artificialidade que se institui na

sala de aula quanto ao uso da linguagem;

b) possibilitar, pelo uso não artificial da linguagem, o domínio efetivo da língua

padrão em suas modalidades oral e escrita (GERALDI, 2001, p. 88).

Diante de muitas discussões acerca do ensino de gramática na escola, concluiu-se que a

questão não é “se ela deve ou não ser ensinada” e sim “para quê e como ensiná-la”. Partindo da

necessidade de se inovarem as propostas de ensino de gramática, Geraldi (2003b) cunhou a

expressão “análise linguística”, o que contribuiu para denominar uma nova perspectiva de

reflexão sobre o sistema linguístico e sobre os usos da língua.

Como mencionado neste trabalho, as propostas curriculares para o ensino de língua, em

meados de 1990, instauraram modificações, como a organização em torno dos eixos didáticos:

leitura, oralidade, produção escrita e análise linguística. Segundo Geraldi (2003a), a análise

linguística seria, ao lado das demais práticas, a unidade de ensino em que se analisam os

recursos expressivos da língua, isto é, aspectos gramaticais, discursivos, estilísticos,

pragmáticos, fonológicos, entre outros. O trabalho com a análise e reflexão da língua passa a

constituir, portanto, uma das práticas fundamentais para que os alunos sejam formados

enquanto cidadãos conscientes da complexidade da dinâmica social, das múltiplas escalas de

valores empregadas a todo o momento nas relações com outras pessoas por meio da linguagem.

Assim também os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de LP explicitam que as

atividades de análise linguística incitam reflexão sobre a linguagem, consideram o texto como

unidade básica de ensino e podem ser classificadas quanto a seus fins, a saber: atividades

epilinguísticas e atividades metalinguísticas.

Franchi (1987) entende a atividade epilinguística como a prática consciente e estimulada

da linguagem proveniente da reflexão que todo falante natural de uma língua realiza. Uma

análise epilinguística ocorre, portanto, quando há operação sobre a própria linguagem, isto é, a

comparação de expressões, atribuição de novas significações às formas linguísticas, seleção dos

recursos linguísticos que melhor se ajustam às intenções comunicativas, entre outras ações do

usuário da língua. Para Travaglia (2001), as atividades epilinguísticas podem ou não ser

conscientes, o que significa que a atividade “[...] inconsciente se relaciona com a gramática de

uso [...]” (TRAVAGLIA, 2001, p.34) e a “[...] consciente parece se aproximar mais da

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gramática reflexiva, todavia, de qualquer forma há uma reflexão sobre os elementos da língua

e de seu uso relacionada ao processo de interação comunicativa” (TRAVAGLIA, 2001, p.34).

Ainda segundo Franchi (1987), as atividades metalinguísticas podem ser caracterizadas

como análises sistemáticas em que se objetiva tratar da própria língua, descrevendo-a em

quadro nocional intuitivo ou teórico. Assim, é por meio da metalinguagem que se torna possível

trabalhar com conceitos e nomenclaturas que descrevem os fenômenos linguísticos. Entretanto,

esse é apenas o tipo de reflexão adotado na orientação do ensino tradicional de língua.

Por outro lado, na perspectiva da análise linguística, Silva (2010, p. 955) explica que:

As atividades escolares devem partir do uso efetivo da língua, entendido aqui como o

exercício pleno, circunstanciado e com intenções significativas da própria linguagem,

para a reflexão epilinguística e desta para a metalingüística, para, depois, tornar ao

uso. Assim, dizemos que a AL configura-se como uma prática de ensino que tem o

uso da linguagem como seu ponto de partida e de chegada.

Conforme afirmam alguns linguistas (GERALDI, 2006; BAGNO, 2011), o trabalho

com a análise linguística enquanto atividade metalinguística não diz respeito à “gramática

contextualizada” – expressão que tem aparecido no discurso de vários autores de LD –, que se

resume no tradicional ensino de nomenclaturas e classes gramaticais, por meio do uso do texto,

ou seja, o texto apenas como pretexto para ensinar gramática tradicional do qual ocorre a

extração de palavras e frases para se trabalharem questões sistemáticas da língua.

Sobre as atividades metalinguísticas, Geraldi (2002, p. 63-64) destaca:

Todas essas considerações mostram a necessidade de transformar a sala de aula em

um tempo de reflexão sobre o já-conhecido para aprender o desconhecido e produzir

o novo. É por isso que atividades de reflexão sobre a linguagem (atividades

epilinguísticas) são mais fundamentais do que aplicação a fenômenos sequer

compreendidos de uma metalinguagem de análise construída pela reflexão de outros.

Aquele que aprendeu a refletir sobre a linguagem é capaz de compreender uma

gramática – que nada mais é do que o resultado de uma (longa) reflexão sobre a língua;

aquele que nunca refletiu sobre a linguagem pode decorar uma gramática, mas jamais

compreenderá seu sentido.

A ação de pensar e falar sobre a linguagem constitui, assim, uma atividade de natureza

reflexiva, ou seja, quando há interação, há sempre uma atividade de reflexão e, portanto, uma

atividade de análise linguística. Na prática pedagógica dessa perspectiva, parte-se da palavra e

da contrapalavra do aluno e do professor, ou seja, os papéis de docente e discente são deslocados

para a condição de interlocutores, pois se considera que o sujeito está no centro da linguagem

e a significação só se constitui no discurso.

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Partindo dessa abordagem de análise linguística, primeiramente, será feita uma análise

textual comparativa dos manuais presentes nos materiais 1, 2 e 3, a fim de observar como é

exposto o encaminhamento metodológico das seguintes práticas e se estão integradas: leitura;

oralidade; produção escrita; análise linguística.

Na sequência, por meio de quadros, serão sintetizadas as principais características

metodológicas de cada manual do professor presente nas obras selecionadas, de acordo com as

práticas de ensino de língua propostas.

Cabe ainda destacar que, para o estudo comparativo dos manuais do professor, a seleção

de informações estabeleceu um critério: somente os textos escritos exclusivamente pelos

autores poderiam ser considerados, ou seja, as citações diretas sem comentários não tiveram

seleção de informações para os quadros a seguir, por se entender que a voz do autor precisa

estar diretamente enunciada quando se trata de expor a proposta do trabalho com a prática de

análise linguística do LD de LP. Não é suficiente para o manual do professor a exposição

teórico-metodológica apresentada sem a transposição didática reveladora das características da

obra.

Tal critério origina-se nos diferentes estudos realizados sobre o LD, em que se conclui

que à medida que o LD se torna uma mercadoria, o autor perde autonomia. Moreira (2009, s/p)

afirma:

[...] o LD como mercadoria, como objeto da indústria cultural, impõe uma forma de

leitura organizada por profissionais e não exatamente pelo autor. Essas práticas de

editoração do LD impedem a identificação do escritor do texto. Uma coisa é certa,

não podemos falar hoje em total autonomia ou liberdade do autor.

Nesse sentido, retoma-se que “enquanto uma forma lingüística for apenas um sinal e for

percebida pelo receptor somente como tal, ela não terá para ele nenhum valor lingüístico”

(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004, p.94). Ao não fazer comentário na citação direta, há uma

subutilização do texto que dever oferecer suporte teórico.

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Quadro sinóptico do manual do professor do Material 1 selecionado para análise

Prática de leitura Prática de escrita Prática de oralidade Prática do uso da

língua

- É o elemento central em

torno do qual são

pensadas as atividades de

trabalho com a língua

materna.

- Trabalhar com a leitura

torna a reflexão sobre os

usos e funções da

linguagem algo

contextualizado.

- Oferece grande

variedade de tipos e

gêneros textuais e

apresenta uma

diversidade temática, o

que garante ao professor

um trabalho amplo e

dinâmico com a leitura.

- Estão presentes textos

literários e textos de

esfera jornalística, textos

não verbais, etc. O

objetivo é que os alunos

entrem em contato e

desenvolvam habilidades

de leitura de textos

variados, tanto em termos

de composição, quanto de

linguagem. (p.11)

- As atividades de leitura

promovem uma

abordagem ativa do texto:

interação; compreensão

nas esferas literária e

linguística; interpretação;

expansão dos sentidos

atribuídos à leitura.

- Os alunos irão responder

às perguntas, comparar

textos, fazer analogias,

imaginar situações

relacionadas à temática e

posicionar-se a respeito.

(p.12)

-Essa prática recebe

tratamento organizado e

estruturado; fornece

ferramentas para a

concepção inicial da

produção, o planejamento

e a execução textual.

- Escrita articulada à

prática de leitura e às

reflexões linguísticas.

- O ato de produzir um

texto deve ter uma

finalidade, um propósito

definido para que a

atividade não se

transforme em um

procedimento

exclusivamente escolar.

- Ampliar o escopo da

tarefa de escrita e conferir

a ela a maior

funcionalidade possível.

(p.15)

- Reescrita do texto:

possibilidade de

desenvolver o potencial de

refletir

metalinguisticamente.

- Reescrita do texto: o

aluno passa a ser o analista

do próprio texto; aspectos

como os de coesão e

coerência podem ser

revistos.

- A questão do interlocutor

(para quem se escreve)

pode tornar-se mais

evidente.

- Reescrita:

aprimoramento do

conjunto da produção

textual, não uma atividade

pura e simples de correção

de aspectos pontuais

(ortografia, pontuação

etc.) (p.15)

- A prática de

oralidade não se

restringe à conversa

informal; compreende

um leque de

manifestações: são

exposições públicas,

debates, discursos,

narrativas de tradição,

canções, peças de

teatro, declamações,

etc.

- O objetivo é fazer

com que os alunos

percebam que

manifestar-se por

meio da fala não

significa

exclusivamente

conversar, mas, sim,

incorporar uma série

de aspectos que

entram em jogo em

cada tipo específico de

interação oral.

- Trabalha com

conhecimentos

gramaticais e

linguísticos de

forma didática e

organizada, tendo

o texto como ponto

de partida.

- Conduz a

reflexão sobre

contextos

funcionais e

significativos.

(p.13)

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Quadro sinóptico do manual do professor do Material 2 selecionado para análise

Prática de leitura Prática de escrita Prática de oralidade Prática do uso da

língua

- Considera-se a

prática de leitura na

abordagem literária e

no trabalho de

redação e leitura,

principalmente. (p.

16)

- Na parte do manual

do professor

destinado à

Literatura,

recomenda-se ao

professor alguns

procedimentos

essenciais na

abordagem dos

textos, para a

aquisição cumulativa

e progressiva de

habilidades: antes,

durante e após a

leitura.

-A seção Comentário

tem por objetivo

apresentar as

conclusões

decorrentes do

processo de leitura.

- Parte-se de

propostas de leitura e

produção de caráter

subjetivo,

relacionadas ao

desenvolvimento de

experiências de

autodescoberta, de

autoexpressão, como

diário pessoal, para se

chegar a situações

mais pragmáticas de

uso da linguagem

- Organização com

base na exploração de

diversos gêneros

textuais; retomada das

modalidades clássicas

da escrita (descrever,

narrar, dissertar).

- Ao longo dos

capítulos, propõem-se

atividades de produção

escrita que se dividem

em discussões orais,

nas seções Em tom de

conversa e E mais...

- As atividades de fala,

leitura e escrita são

sistematicamente

complementares e

mobilizam a ideia de

ler como atribuir

sentidos, articulando

os exercícios de

produção.

- Na seção Critérios de

avaliação e

reelaboração as

orientações de

reescrita dos textos

produzidos pelos

alunos desenvolvem-

se progressivamente,

fornecendo-lhes

elementos para

realizarem

autoavaliação,

avaliação horizontal

(com os colegas) e

avaliação vertical

(coordenada pelo

professor).

- A oralidade não é

tratada em uma seção

específica; está atrelada

ao processo de leitura

como apoio/suporte às

práticas de leitura e

produção escrita.

- As propostas de

leitura e produção de

textos orais e escritos,

sistematicamente

interdependentes,

articulam-se a uma

grande diversidade de

contextos, estratégias e

sugestões de processos

de avaliação.

- Optou-se, tanto na

exposição teórica como

nos exercícios, ora por

uma, ora por outra

abordagem (ensino

prescritivo ou descritivo)

que pareceu mais

adequada.

-Seção Atividades: é

composta de exercícios

alinhados a uma

abordagem mais

tradicional do ensino de

gramática (argumenta-se

a representatividade

desses tipos de exercícios

em processos de seleção

de cursos superiores).

Seção Da teoria à

prática: análise das

características textuais

(ou discursivas) de um

texto (tira humorística,

texto publicitário, notícia

de jornal etc.). O objetivo

é evidenciar como

determinados elementos

gramaticais estudados

naquele capítulo foram

utilizados como recursos

linguísticos. (p. 14)

- O subtítulo Agora é a

sua vez introduz

atividades

fundamentadas, sempre

que possível, em

proposições de estudos

linguísticos da

atualidade,

principalmente da

gramática textual, da

semântica, da

pragmática, e da análise

do discurso.

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Quadro sinóptico do manual do professor do Material 3 selecionado para análise

Prática de leitura Prática de escrita Prática de oralidade Prática do uso da língua

- Os capítulos assumem a

forma de uma sequência

didática que inicia com a

leitura e interpretação de

textos (objetivo:

desenvolvimento de

habilidades leitoras).

- Buscou-se variar o máximo

possível os gêneros, tipos,

contextos de produção.

As atividades de leitura,

análise e produção de textos

constituem o eixo em torno do

qual se organizam os

capítulos.

- Há, via de regra, um texto

principal e demais textos

propostos de forma

autônoma. (p. 384)

- Priorizaram-se os temas

transversais na seleção de

textos, que compõem uma

coletânea rica e variada, que

abrange um espectro bastante

amplo de modelos de

comunicação.

- Foram privilegiados textos

publicados em portadores de

grande divulgação (imprensa

escrita), como também os de

caráter literário.

- Proporciona ampla

variedade de textos literários

de qualidade: desde os

“clássicos” até a literatura

contemporânea.

- Procurou-se oferecer a

versão original dos textos

(literários).

- Utilização de textos

integrais, sempre que

possível.

Sempre que possível, houve a

preocupação de explicar para

o professor alguns dos

procedimentos que orientam

o percurso de mediação da

leitura.

- Dispensou-se especial

atenção às componentes

pragmáticas da leitura:

mobilização de competências

linguísticas, enciclopédias,

lógicas e retórico-

-Concebeu-se cada

capítulo como um

percurso de produção

de texto, cujo

resultado final é a

divulgação dessa

produção.

- Processo de produção

escrita: i) descoberta

do gênero por meio de

leitura; ii) introdução

de temas de suposto

interesse dos alunos;

iii) trabalho de

produção escrita com

base em pequenos

projetos; iv) leitura e

reescrita; v)

publicação. (p. 391)

- O objetivo mais

amplo é a formação de

cidadãos escritores

proficientes.

- Avaliação: o que

importa

essencialmente é

menos o produto e

mais o processo.

- Na seção Linguagem

oral é proposto um

trabalho com textos

que pertencem aos

gêneros da oralidade.

- O trabalho com a

oralidade está centrado

no estudo dos atos de

fala e das situações de

comunicação.

- A cada unidade,

chama-se a atenção

dos alunos para

determinada situação

de comunicação oral

real e, pouco a pouco,

são trabalhados os atos

de fala presentes

nessas situações.

- Paralelamente,

procuram-se estudar as

noções de registro, dos

níveis de linguagem e

da enunciação.

- Depois da análise,

apresentam-se as

propostas de produção

oral: encenação de

diálogos, debate e

exposições orais.

- As atividades buscam

levar os alunos à

percepção das

diferenças e das

semelhanças entre as

modalidades orais e

escrita, sublinhando as

especificidades de

cada uma delas e, ao

mesmo tempo,

estimula-se a produção

de textos orais formais.

- No livro do aluno,

além de orientações e

roteiros de análise de

textos orais, há

também transcrição de

extratos autênticos de

gêneros orais. (p. 388)

- A distribuição das

atividades de produção

oral pelos três volumes

da coleção obedeceu a

um critério

progressivo: no 1º ano

- A distribuição dos

conteúdos estudados

levou em conta a tentativa

de articular a análise e a

reflexão linguística ao

estudo dos gêneros

textuais e da literatura.

-Na seção Gramática

textual, há a proposta de

reflexão sobre a estrutura

discursiva que sustenta os

textos estudados, bem

como trabalha algumas

questões linguísticas e

discursivas pertinentes ao

gênero estudado. (p. 391)

- Acredita-se que ao reler

os textos e analisá-los sob

a perspectiva linguístico-

discursiva, a partir de um

roteiro de questões

problematizadoras, os

alunos percebam como se

valer das estruturas

lógicas, semânticas e

sintáticas da língua [...]

- Nos roteiros de questões

problematizadoras sempre

se mobilizam

conhecimentos

linguísticos. (p. 386)

- Na seção Língua –

análise e reflexão as

questões são voltadas para

o estudo gramatical com o

objetivo de mobilizar os

conhecimentos

linguísticos que os alunos

já detêm, de forma que

consigam ampliá-los com

outros conceitos.

- A sequência dos

conteúdos de gramática

sistemática procura

atender a um critéro

semântico: orientação, em

grande parte, pela

produção de textos.

- Buscou-se articular a

gramática sistemática e a

gramática textual.

- Há preocupação em

seguir a Nomenclatura

Gramatical Brasileira

(NGB) quando se faz

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17662

Discussão

No primeiro quadro, do ponto de vista quantitativo, destaca-se o menor

desenvolvimento das informações apresentadas na coluna que sintetiza a análise linguística,

considerada como a prática menos embasada metodologicamente em comparação com as

demais (leitura, escrita e oralidade). Cabe lembrar que o conteúdo sintetizado no quadro

priorizou o texto dos autores, isto é, não foram reproduzidas as informações de citações diretas,

utilizadas quatro vezes no Material 1, sem apresentar comentários das autoras, explicando-as

pragmáticas envolvidas no

ato de ler.

- Os textos são comentados

com informações

consideradas imprescindíveis

à compreensão do professor e

devem ser tratadas como os

demais elementos

peri/paratextuais.

- Sugere-se a adoção de uma

abordagem que parta do uso

de estratégias de pré-leitura

(exploração do título, do

contexto de produção do

texto, da situação de

comunicação veiculada pelo

texto, sua finalidade, a

identificação de

características

macroestruturais do gênero,

entre outras), passar pelo

levantamento de hipóteses

sobre o conteúdo do texto,

produção de inferências

globais e locais durante a

leitura e culminar na

checagem e/ou nas

retomadas, realizadas após as

leituras. (p. 385)

- Com o propósito de ajudar

os alunos a desenvolver

estratégias próprias de leitura,

as atividades da seção Para

entender o texto são

compostas de questões que

objetivam problematizar o

texto lido, permitindo a

descoberta e a consciência de

como os elementos da língua

escrita se articulam para

produzir textos e permitir

interpretações. (p.386)

inicia-se pelos gêneros

orais que se supõe já

serem de

conhecimento dos

alunos: a tradição oral,

a leitura em voz alta,

entre outros.

Introduzem-se pouco a

pouco outros gêneros,

como a exposição oral

e o debate regrado.

- Problematizam-se

exemplos de extratos

da oralidade por meio

de questões de análise

e reflexão e propõe-se

seu reemprego em

situações de

comunicação baseadas

em modelos, em

vivências ou situações

de transposição.

- Os gêneros orais são

trabalhados no interior

e ao longo de capítulos

nos quais se tematiza

um gênero escrito.

- Nos projetos

propostos ao final de

algumas unidades,

podem incluir-se

algumas produções

orais.

- As atividades orais de

um capítulo podem

requerer que as

atividades orais dos

capítulos precedentes

tenham sido

realizadas. (p. 389).

necessário lançar mão de

conceitos e classificações.

- Foram incorporados

alguns conceitos em geral

não discutidos em

gramáticas normativas e

ausentes da NGB (os mais

recorrentes dizem respeito

à enunciação e à

modalização).

- Sempre que necessário,

procurou-se trabalhar, do

ponto de vista gramatical,

aspectos como a coesão e

a coerência textuais (ver p.

390).

- A seção Prática de

linguagem objetiva

amarrar o estudo textual e

gramatical proposto em

cada unidade. Nessa seção

há atividades de reflexão

sobre o uso da língua. (p.

391).

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ou progredindo para explicar como a prática de análise linguística é de fato trabalhada no livro

do aluno. Além disso, ainda que se proponha uma integração entre a prática de leitura e de

análise linguística, não há as orientações metodológicas sobre isso ao professor.

Referindo-se à prática de leitura, é importante ressaltar a seguinte afirmação: “Esta

coleção oferece grande variedade de tipos e gêneros textuais e apresenta uma diversidade

temática, o que garante ao professor um trabalho amplo e dinâmico com a leitura.” [grifo

nosso] (ALVES; MARTIN, 2013, p. 11). As expressões destacadas remetem mais à linguagem

da propaganda que a linguagem pedagógica, comprometendo os pressupostos teórico-

metodológicos adotados. Nesse caso, na introdução desse manual do professor, informa-se que

a perspectiva do material é sociointeracionista e discursiva, porém o trecho anterior a essa

afirmação limita a concepção a duas características: a variedade de gêneros e a diversidade

temática como garantia do trabalho do professor com a leitura. Entende-se que tais

características não são suficientes para a amplitude e dinamicidade do trabalho focado na

aprendizagem das competências leitoras.

Em seguida, o manual apresenta apenas duas esferas: a literária e a jornalística. A

primeira é tradicionalmente abordada nos LD; já a segunda e os textos não verbais – ainda que

não se mencionem os gêneros – permitem melhor a abordagem sociointeracionista e discursiva.

Não há aporte metodológico suficiente para o desenvolvimento das habilidades de leitura dos

alunos, visto que não se mencionam palavras-chave para a compreensão dessa prática, tais

como: situações de aprendizagem, estratégias de leitura, compreensão global do texto,

intencionalidade, suporte, situação sociocomunicativa ou planejamento de leitura.

Quanto à prática de escrita, é pertinente observar que embora esteja mais bem

desenvolvida que a prática de leitura, também não apresenta claramente os procedimentos

metodológicos adotados para o livro. Há menção à reescrita e à coesão e coerência, porém não

há qualquer exposição sobre produção de gêneros textuais e contextos de produção – o que

dizer, a quem dizer, por que dizer etc.

Duas últimas inadequações relacionadas ao Material 1 merecem ser elencadas por meio

das citações: i) “[...] as atividades relacionadas à leitura proporcionam aos alunos oportunidades

de explorar a compreensão (nas esferas literária e linguística), a interpretação e a expansão dos

sentidos atribuídos à leitura.” [grifo nosso] (ALVES; MARTIN, 2013, p. 12); ii) “Esta coleção

trabalha com os conhecimentos gramaticais e linguísticos de forma didática e organizada

[...]”[grifo nosso] (ALVES; MARTIN, 2013, p. 13).

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A primeira inadequação refere-se à confusão terminológica na expressão destacada, uma

vez que “[...] a noção de esfera permeia a caracterização do enunciado e dos seus tipos estáveis,

os gêneros, no que diz respeito ao seu tema, à sua relação com os elos precedentes (enunciados

anteriores) e com os elos subsequentes (a atitude responsiva dos co-enunciadores).” (GRILLO,

2006, p. 146). Entende-se, ainda, que as esferas se referem também ao grupo social em que o

falante se insere, representando discursivamente sua ideologia, por exemplo. A esfera literária

engloba, portanto, a comunidade de escritores e leitores da cultura ficcional. Tal conceito de

esfera não se aplica ao termo “Linguística”, pois se trata de uma ciência cujo estatuto científico

deve-se “[...] à observância de certos requisitos que caracterizam as ciências de um modo geral.

[...] a linguística tem um objeto de estudo próprio: a capacidade da linguagem, que é observada

a partir dos enunciados falados e escritos. [...]” (MARTELOTTA et al., 2015, p. 20).

A segunda inadequação refere-se à redundância presente na expressão conhecimentos

gramaticais e linguísticos, uma vez que o conhecimento linguístico engloba o conhecimento

gramatical, isto é, a capacidade de refletir sobre a língua em uso pressupõe a articulação de suas

regras internas. Nesse caso, para não haver redundância, a expressão mais adequada seria:

“conhecimentos linguísticos e discursivos”.

Por fim, por meio das informações sintetizadas no primeiro quadro, é possível constatar

que as autoras não propuseram a integração da prática de análise linguística com as

demais (leitura, escrita e oralidade). Especificamente sobre a metodologia do trabalho com a

prática de oralidade, por exemplo, há total desconexão com as atividades de produção escrita e

com a abordagem de variações linguísticas.

Referente ao Material 2, julga-se pertinente reproduzir as palavras que os autores

expõem na apresentação do manual do professor:

A utilização eficiente deste livro pressupõe a compreensão de que ele é um

instrumento auxiliar nas aulas de Língua Portuguesa. Procuramos preservar a

autonomia do professor, possibilitando um uso flexível do livro [...] A organização

em três grandes setores – Literatura, Gramática e Redação e leitura – visa a essa

flexibilidade, pois desobriga o uso linear do livro didático, permitindo a construção

de programas adequados às condições específicas de cada unidade escolar, de cada

turno e mesmo de cada turma. (AMARAL et al., p. 4, 2013).

A desarticulação entre os estudos da linguagem é explícita nesse material, isto é, optou-

se por fragmentar em três grandes áreas – Literatura, Gramática e Redação e leitura – os estudos

da língua, favorecendo a sistematização dos cursos voltados única e exclusivamente à

aprovação em vestibulares, nos quais há um professor para cada uma das chamadas “frentes de

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17665

ensino” de língua. Diante dessa divisão, as práticas de linguagem são consideradas

independentes ou desarticuladas, constituindo disciplinas autônomas.

Analisando as informações sintetizadas no quadro 2, é possível depreender, ainda, a

prioridade no tratamento dado ao conteúdo quando se propõe a integração das práticas, que, de

modo geral, seguem a ordem tradicional de ensino: leitura > discussão oral > produção escrita.

A conexão entre os setores do livro é prometida por meio de uma seção intitulada E mais...; o

professor, por sua vez, é orientado a fazer tal articulação, sem ter, contudo, suporte

metodológico suficiente para tal tarefa.

Quanto aos pressupostos teórico-metodológicos adotados, é explícita a escolha da

abordagem da gramática tradicional em alternância com uma abordagem baseada no ensino

descritivo da língua. Há, assim, um discurso que justifica essa opção:

A exposição teórica, considerando a exiguidade do tempo de que o professor dispõe

para trabalhar cada tópico e as incontornáveis limitações de espaço próprias de um

livro didático, atém-se, em cada capítulo, ao que julgamos essencial num curso básico

de Língua Portuguesa para o Ensino Médio. [...] A seção Atividades é composta de

exercícios que visam à fixação dos conceitos e da terminologia apresentados na

exposição teórica. [...] são de resolução mais rápida e, em boa medida, alinhados a

uma abordagem mais tradicional do ensino de gramática. Essa abordagem, por sua

significativa representatividade em processos de seleção dos cursos superiores,

incluindo os de universidades públicas, não pode deixar de ser contemplada em uma

obra didática que tenha, entre seus objetivos, contribuir para a continuidade da vida

escolar do estudante. [grifos dos autores] (AMARAL, Emília et al., p. 14, 2013).

Nesse contexto, as atividades que objetivam a análise linguística são apresentadas

unicamente na seção Agora é sua vez, totalmente dissociadas da abordagem tradicional de

gramática, consolidando a dicotomia inadequada “conhecimentos gramaticais e conhecimentos

linguísticos”. Não há, portanto, intenção de integração da análise linguística com as demais

práticas. Por meio da análise do último quadro, é possível perceber que, quantitativamente, o

Material 3 é o que mais oferece embasamento metodológico. A maior parte do manual do

professor, no entanto, oferece um longo discurso didático, sem se ater aos pressupostos teóricos

adotados para o ensino de língua. Assim, são apresentadas metodologias para o ensino por

projetos, bem como sugestões de temas para possíveis atividades que promovam a

interdisciplinaridade.

Na prática de oralidade, é pertinente destacar a associação incorreta de gênero oral com

leitura em voz alta. Essa visão do oral, profundamente dependente da escrita, significa mera

oralização da escrita, prejudicando a noção da dimensão comunicativa da linguagem oral que,

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para cumprir sua finalidade última, ser instrumento de interação social, precisa levar em conta

a situação comunicativa de interlocução e as necessárias adaptações aos contextos sociais.

Sobre a seção em que se objetiva concretizar o trabalho com a oralidade, os autores

explicam: “O movimento interno da seção consiste no seguinte: problematizam-se exemplos de

extratos de oralidade por meio de questões de análise e reflexão e propõe-se seu reemprego em

situações de comunicação baseadas em modelos, em vivências ou situações de transposição.”

(FARACO; MOURA; MARUXO JÚNIOR, 2013, p.389). Por meio dessa descrição, é possível

depreender uma tentativa de integração entre a prática de análise linguística e a oralidade; no

entanto, o resultado parece ser o exercício do reemprego de fragmentos de oralidade em outras

situações de comunicação preestabelecidas, focadas na dicotomia certo/errado.

Referindo-se à prática de leitura, é possível reconhecer, mais uma vez, o discurso mais

voltado à propaganda do material do que às propostas metodológicas, uma vez que se verifica

o destaque a um aspecto da tradição do ensino de literatura nos LD de Ensino Médio: a ampla

variedade de textos literários de qualidade, desde os “clássicos” até a literatura contemporânea.

Com o intuito de articular o ensino de gramática às demais práticas, os autores separam

em seções diferentes o trabalho de reflexão sobre a língua: na seção Gramática textual, há um

enfoque na reflexão sobre a estrutura discursiva que sustenta os textos estudados e “[...] está

fortemente articulada com outras: ‘Linguagem oral’, ‘Literatura: teoria e história’ e ‘Produção

escrita’ [...]” (FARACO; MOURA; MARUXO JÚNIOR, 2013, p.386); a seção Língua –

análise e reflexão trata exclusivamente dos estudos gramaticais, porém, busca-se “[...] articular

a gramática sistemática e a gramática textual a fim de evidenciar aos alunos a função do estudo

gramatical: contribuir para a aprendizagem da língua.” (FARACO; MOURA; MARUXO

JÚNIOR, 2013, p.390), ou seja, ainda que haja a explícita opção em seguir a Nomenclatura

Gramatical Brasileira (NGB), os autores se comprometem em incorporar “[...] alguns conceitos

em geral não discutidos em gramáticas normativas e ausentes da nomenclatura gramatical

oficial.” (FARACO; MOURA; MARUXO JÚNIOR, 2013, p.390).

O último material analisado apresenta, portanto, intenções claras de integração da

prática de análise linguística com as demais, porém, ainda se constata a fragmentação, por meio

de seções, do trabalho com as práticas. Além disso, mais uma vez, é possível observar a

desarticulação entre o ensino de gramática e a análise linguística.

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17667

Considerações Finais

Em conclusão, pode-se afirmar que a prática de análise linguística constitui o tópico

menos desenvolvido nos três materiais analisados. As confusões terminológicas e as

inconsistências conceituais detectadas apontam para a necessidade da reavaliação do processo

de aprovação dos materiais do PNLD quanto a esse quesito.

Dos manuais do professor analisados, considera-se o Material 3 o mais completo quanto

às orientações metodológicas ao professor. Ainda que seja constatado um discurso didático, ao

invés da exposição dos pressupostos teóricos para livros de LP, os autores demonstraram maior

preocupação na articulação das práticas, pois, apesar de apresentá-las separadamente,

menciona, sempre que possível, a intenção de integrá-las.

Na apresentação do manual do professor do Material 3, há uma crítica aos LD que

apresentam como proposta a divisão literal das práticas de ensino de língua, como disciplinas

autônomas, considerando-os extremamente tradicionais. Na análise do presente estudo,

constatou-se tal perfil no Material 2.

Por fim, a análise do Material 3 revelou o tratamento da análise linguística de modo não

integrado, além de excessivas citações diretas sem comentários pelas autoras, o que demonstra

o desconhecimento e/ou o despreparo para oferecer ao professor orientações metodológicas

suficientes para desenvolver o trabalho proposto no LD.

Este estudo aponta para a falta de orientação aos professores no momento da escolha e

do uso efetivo de LD de LP, o que certamente contribuiria para a formação contínua desses

profissionais, permitindo-lhes praticar o que propõem os documentos da esfera oficial, ou seja,

uma metodologia baseada numa perspectiva enunciativo-discursiva de ensino de Língua

Portuguesa, principalmente para o ensino de gramática.

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