Análise de Poemas de Alberto Caeiro
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Escolas l João de Araújo Correia
Ciências e Tecnologias
12.º ANO
Professora: Rosa M. Ferrão
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HETERÓNIMO – Alberto Caeiro
O heterónimo Alberto Caeiro nasceu em Lisboa a 16 de Abril de 1889 e morreu de
tuberculose, na mesma cidade, em 1915. No entanto, viveu quase toda a sua vida numa quinta
no Ribatejo com a sua tia-avó, pois ele era órfão de pai e mãe desde muito cedo. Não teve
profissão nem educação literária para além da 4.ª classe. Era de estatura média, louro e de
olhos azuis.
Alberto Caeiro é o mestre de todos os outros heterónimos e que Pessoa opõe a si
mesmo, com o qual tem de aprender a viver sem dor, a envelhecer sem angústia, a morrer
sem desespero, a não procurar encontrar sentido para a vida, a ser um ser uno, ou seja,
não fragmentado, e a sentir sem pensar. É o criador do Sensacionismo, porque vive de
sensações, sobretudo visuais, afirmando que é preciso “saber ver sem estar a pensar”, sem
tentar “encontrar um sentido às coisas”, porque “as coisas não têm significado: têm
existência”. Recusa a introspeção e a subjetividade e abre-se ao mundo exterior com
passividade e alegria. É o poeta do real objetivo. Identifica-se com a Natureza, vive segundo
o seu ritmo, deseja nela se diluir, integrando-se nas leis do Universo, como se fosse um rio ou
uma árvore. Não quer saber do passado nem do futuro, ou seja, vive o presente. É lírico,
instintivo, ingénuo, inculto em relação à sabedoria escolar.
Pessoa cria uma biografia para Caeiro que se encaixa com perfeição na sua poesia,
como se observa nos poemas da série O Guardador de Rebanhos. Segundo Pessoa, foram
escritos na noite de 8 de Março de 1914, de um só fôlego, sem interrupções. Esse processo
criativo espontâneo traduz exatamente a busca fundamental de Alberto Caeiro: completa
naturalidade. Nasceu em 1889, em Lisboa, e morreu em 1915, mas viveu quase toda a sua vida
no campo. Não teve profissão, nem educação quase nenhuma: apenas a instrução primária. Era
de estatura média, frágil, mas não o aparentava. Era louro, de olhos azuis. Ficou órfão de pai e
mãe muito cedo e deixou-se ficar em casa a viver dos rendimentos. Vivia com uma tia velha,
tia-avó. Escrevia mal o Português. É o pretenso mestre de Álvaro de Campos e de Ricardo
Reis. É anti metafísico; é menos culto e complicado do que Ricardo Reis, mas mais alegre e
franco. Alberto Caeiro nega a metafísica e valoriza a aquisição do conhecimento através das
sensações não intelectualizadas. É contra a interpretação do real pela inteligência; para ele o
real é a exterioridade e não devemos acrescentar-lhe as impressões subjetivas. É atraído pela
infância, como sinónimo de pureza, inocência e simplicidade, porque a criança não pensa,
conhece pelos sentidos como ele. Poeta da Natureza, na sua perpétua renovação e sucessão, da
simplicidade da vida rural e para ele a vivência da passagem do tempo não existe, são só
vivências atemporais: o tempo é ausência de tempo. Considerado o mestre dos demais
heterónimos e do próprio ortónimo de Fernando Pessoa, calmo, naturalmente conciliado
consigo mesmo e com o mundo, Alberto Caeiro possui a sabedoria que os outros invejam.
Alberto Caeiro é o mais objetivo dos heterónimos. Busca o objetivismo absoluto,
eliminando todos os vestígios da subjetividade. É o poeta que se volta para a fruição direta da
Natureza; busca “as sensações das coisas tais como são”. Opõe-se radicalmente ao
intelectualismo, à abstração, à especulação. Neste sentido, é o oposto de Fernando Pessoa
“ele-mesmo”, é a negação do mistério, do oculto.
Constrói os seus poemas a partir de matéria não-poética, mas é o poeta da Natureza e
do olhar, o poeta da simplicidade completa, da objetividade das sensações e da realidade
imediata negando mesmo a utilidade do pensamento fazendo com que a relação com Pessoa
Ortónimo elimine a dor de pensar, ao anular o pensamento metafísico e ao voltar-se apenas
para a visão total perante o mundo, elimina a dor de pensar que afeta Pessoa.
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Caeiro canta o viver sem dor, o envelhecer sem angústia, o morrer sem desespero, o
fazer coincidir o ser com o estar, o combate ao vício de pensar, o ser um ser uno, e não
fragmentado. Em relação às suas características estilísticas, o estilo é discursivo, com um
pendor argumentativo. Utiliza um discurso em verso livre e espontâneo, proximidade da
linguagem do falar quotidiano, muito simples, tom familiar, simples e natural; ausência de
preocupações estilísticas, uso de paralelismo de construção, de simetrias, de comparações
simples, número reduzido de vocábulos (dando uma impressão de pobreza lexical) pouca
adjetivação, predomínio de substantivos concretos sobre o adjectivo, através da comparação,
uso de verbos no presente do indicativo ou no gerúndio e frases predominantemente
coordenadas, uso de paralelismos de construção e de comparações simples; liberdade estrófica
e do verso e a ausência de rima.
Poema primeiro– Alberto Caeiro
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove
mais.
Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias,
Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se
diz
E quer fingir que compreende.
Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural .
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.
Neste poema, Alberto Caeiro apresenta-se como um simples “guardador de rebanhos”,
que só se importa em ver de forma objetiva e natural a realidade, com a qual contacta a todo o
momento. Daí o seu desejo de integração e de comunhão com a natureza. Para Caeiro,
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“pensar” é estar doente dos olhos. Ver é conhecer e compreender o mundo, por isso, pensa
vendo e ouvindo, afirmando que “pensar é não compreender”.O paradoxo no entanto é
inegável. Caeiro recusa o pensamento mas usa o pensamento, analisa a sua própria maneira de
pensar.
O poeta compara-se a um pastor que anda pelos campos a guardar rebanhos. Neste
caso, os seus rebanhos são os seus pensamentos não se tratando então de um pastor
verdadeiro. Ao afirmar que nunca guardou rebanhos, está a reforçar a ideia que não pensa e
que o próprio ato o enerva. Há uma parte de si que se comporta de facto como um pastor, a sua
alma. Ela é caracterizada como íntima da natureza ("Conhece o vento e o solo"), marcada pela
sedução da viagem ("E anda pela mão das Estações/A seguir" - preocupada sobretudo com
olhar ("e a olhar"). E a relação da alma com a natureza, profundamente íntima, não é uma
relacão qualquer, já que a alma ("Conhece o vento e o sol/E anda pela mão das Estações"). O
poeta, em consequência de possuir uma alma assim, tem acesso a toda a paz que uma Natureza
sem gente faculta - ela vai sentar-se a seu lado .O sujeito poético identifica-se profundamente
com a natureza, pois afirma que anda ao ritmo das estações, compara os seus estados de
espírito com momentos de natureza.
Mesmo assim, o poeta fica triste "Mas eu fico triste". E dá imagem da sua tristeza e
desilusão, como quando um bem acaba e se converte num mal.
É de notar também as aliterações e os jogos de sons para exprimir o modo como o pôr
do sol acontece à noite entrada, e daí como a tristeza interfere com o poeta. Esse pôr do sol é
"Para a nossa imaginação" o que é sempre mais excessivo do que na realidade. O poeta fica
triste de uma tristeza natural e justa, por isso ele não se excede, conforma-se ("Mas a minha
tristeza é sossego"). Tal tristeza é natural e justa ("E é o que deve estar na alma" -) quando a
alma se ocupa em pensar ("Quando já pensa que existe" -), e não dá pela natureza pelas flores
que as mãos colhem ("E as mãos colhem flores sem ela dar por isso").
A alma do poeta encontra-se dividida - uma parte devotada à simplicidade , à paz , à
natureza, à sensibilidade, e outra à tristeza, ao pensamento. É merecido, ser triste quando o
pensamento invade a alma. Os seus pensamentos aparecem ruidosamente ("Com um ruído de
chocalhos" destituídos de simplicidade ("Para além da curva da estrada”, ou seja são
contentes. O poeta não lamenta que eles sejam contentes, porque sê-lo-iam de qualquer
modo ("Em vez de serem contentes… seriam… contentes"). O que ele lamenta é saber que
eles são contentes. Se o não soubesse,"Em vez de serem… tristes,/Seriam alegres". E tudo
porque pensar 3 incomoda como "andar à chuva/Quando o vento cresce e parece que chove
mais". É o pensamento que gera a infelicidade, e não a tristeza em si mesma. O
poeta confessa-se sem ambições nem desejos. Ser poeta é para ele a sua "maneira de estar
sozinho" .Ele considera um só desejo: ser cordeirinho que simboliza o desejo do poeta de ser
pacífico, natural, ingénuo, desprovido de pensamento), ou ser o rebanho todo (para melhor
fruir a felicidade); e
justifica-o pela necessidade de ultrapassar a tristeza que por vezes o invade. E tal tristeza é
representada simbolicamente através do pôr do sol, da nuvem (que "passa a mão por cima da
luz" - v.37), personificada, ofuscando-lhe a felicidade). É nessa condição de pastor/poeta, sem
ambição que não seja a de tentar ultrapassar a tristeza, a nuvem, o silêncio, que ele, ingénuo e
simples, deseja saudar todos quantos o lerem .Ele institui-se assim em mestre, sediado no
coração da natureza, procurado por muitos interessados na sua doutrina, na sua filosofia, a
quem acena Saúda-os sugerindo-lhes tudo quanto é simples e objectivo, pacífico e suave,
ingénuo e natural - o sol, a chuva, a casa, a janela aberta, a cadeira predilecta, a árvore antiga,
a criança despreocupada… E quanto a si, deseja fazer-se passar por qualquer coisa natural
alheia ao acto de pensar.
Concluindo, o poeta vê o mundo sem necessidade de explicações, sem princípio nem
fim, e confessa que existir é um facto maravilhoso; por isso, crê na “eterna novidade do
mundo”. Para Caeiro o mundo é sempre diferente, sempre múltiplo; por isso, aproveita cada
momento da vida e cada sensação na sua originalidade e simplicidade.
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Poema nono - Alberto Caeiro
Sou guardador de rebanhos
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheira-la
E Comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto.
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado no realidade
Sei a verdade e sou feliz.
O presente poema insere-se na linha daquilo por que Caeiro se pretende fazer passar -
por um pastor ingénuo e simples, que guarda o rebanho dos pensamentos feitos sensações (vv.I
a 3 - notar as metáforas). Para ele, os pensamentos e as sensações confundem-se. Diz que pensa
"com os olhos e com os ouvidos/E com as mãos e os pés/E com o nariz e a boca" (vv.4 a 6 -
notar o polissíndeto, a disposição anafórica e a sinestesia, para exprimir a complexidade de
sensações com que o pensamemo se identifica). Pensar… é ver e cheirar; saber o sentido… é
comer um fruto (vv.7-8), colhido da natureza.
Sendo o pensamento isso (por isso - v.9), é desse modo que o poeta sente a realidade
(v.13), sabe a verdade, é feliz (v.14 - notar a gradação). Mas esses sentir, saber e ser ("isso")
tem o seu ambiente próprio - que é uma vez mais o do bucolismo, o da serenidade da natureza:
"num dia de calor", deitado "ao comprido na erva", de "olhos quentes" fechados (sensíveis,
atentos a tudo, permeáveis às sensações - vv.9 a 12).
Só um senão parece atravessar-se: o de, por gozar tanto esse dia de calor, o poeta se
sentir "triste de gozá-lo tanto" (v.10).
Numa primeira impressão, o poeta pretenderá dizer que goza até ao limite do possivel,
admitindo a variação em grau das sensações da tristeza ao gozo, do gozo à tristeza outra vez.
Mas, numa observação mais atenta, infere-se ainda o apelo à moderação (felicidade), a
condenação de todo esse excesso de sensações. E isso compreende-se se se tiver em conta que, a
partir de determinada intensidade, as sensações passam de agradáveis a desagradáveis, de prazer
a dor.
Aliás, nesta linha de convite à fruição moderada das sensações e de combate aos
excessos (que gerarão infelicidade), será interessante reparar na estrutura do texto. Nota-se que
ele possui um rigor lógico muito cuidado, e as três estrofes que o constituem, dispostas
simetricamente (ou seja: possuindo a primeira e a última o mesmo número de versos, seis, e a
intermédia dois), sugerem esse mesmo apelo ao equilibrio - o que acontece igualmente com o
número par de versos das estrofes.
Para além de tudo isto, Caeiro aparece-nos empenhado na descoberta de uma
possibilidade de solução para o profundo problema de Pessoa. O desdobramento da
personalidade, operado por este último, ficcionando outras personalidades, tem nessa procura de
solução uma das finalidades principais. Através da tentativa aqui operada, essa busca de solução
é feita numa proposta de bucolismo. Só que se trata de uma tentativa logo antevista como inútil
para o poeta triste - triste por ansiar tão profundamente essa solução e não conseguir realizá-la.
É, por fim, empenhado nessa realidade (a do bucolismo) que o poeta sente todo o corpo
deitado: seria (caso se concretizasse a solução Caeiro, para Pessoa) o ponto de equilíbrio
recuperado - saber a verdade e ser feliz (v.14). É isso que Pessoa a todo o momento mostra
procurar, por si mesmo e recorrendo às mais díspares personalidades e situações. Não
encontrando o que procura, continua mesmo assim a procurar - teimosamente.
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Poema v do "Guardador de rebanhos"– Alberto Caeiro
Há metafísica bastante em não pensar em nada. O que penso eu do mundo? Sei lá o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso. Que ideia tenho eu das cousas? Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma E sobre a criação do Mundo? Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos E não pensar. É correr as cortinas Da minha janela (mas ela não tem cortinas). O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério! O único mistério é haver quem pense no mistério. Quem está ao sol e fecha os olhos, Começa a não saber o que é o sol E a pensar muitas cousas cheias de calor. Mas abre os olhos e vê o sol, E já não pode pensar em nada, Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos De todos os filósofos e de todos os poetas. A luz do sol não sabe o que faz E por isso não erra e é comum e boa. Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores? A de serem verdes e copadas e de terem ramos E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar, A nós, que não sabemos dar por elas. Mas que melhor metafísica que a delas, Que é a de não saber para que vivem Nem saber que o não sabem? «Constituição íntima das cousas»… «Sentido íntimo do Universo»… Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada. É incrível que se possa pensar em cousas dessas. É como pensar em razões e fins Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.
O sentido do quinto poema do Guardador de Rebanhos acaba por ser o sentido íntimo
de todo o livro: a ausência de pensamento deve reger a maneira de pensar dos homens que se
querem libertar e encontrar a natureza.
Para Caeiro, metafísica tem um sentido extremamente restrito, muito menor do que o
seu sentido original e etimológico - é tudo o que vai além da simples sensação. Toda e qualquer
análise do que é visto pelos sentidos é metafísica, e é uma ilusão, porque o pensamento afasta o
homem do seu destino, que é ser natural, ser apenas mais um ser vivo na natureza.
O paradoxo no entanto é inegável. Caeiro recusa o pensamento mas usa o pensamento,
analisa a sua própria maneira de pensar. É uma armadilha a que Caeiro não pode escapar, a não
ser caindo nela e libertando-se de seguida das suas presas.
A extrema negatividade do poema serve de contraponto a esta tarefa enorme. Caeiro nega tudo
o que é positivo para todos os outros homens, como que confirmando a sua personalidade única
e o seu desafio original.
Ele é um original entre os homens - esta é uma conclusão que nem Fernando Pessoa
pode negar, perante as evidências da revolução do pensamento de Caeiro. Mas por detrás deste
despir da metafísica, da simplicidade, escondem-se múltiplas interpretações. A menor das quais
não será o objetivo egoísta do "mestre do mestre"; que inventa para si mesmo um templo e um
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deus menor para que se sinta livre do compromisso de viver. É Pessoa afinal que justifica a
presença de Caeiro a si próprio, na medida em que Caeiro o permite viver um novo e extasiante
período da sua própria vida.
Poema XXXIII do "Guardador de rebanhos"– Alberto Caeiro
O Guardador de Rebanhos não é “poesia sincera”. Ou seja, não é poesia verdadeira, no
sentido em que poesia verdadeira apela ao que de humano o poeta sente, quando a escreve.
Pessoa-Caeiro não é sincero, porque na realidade a única poesia sincera de Pessoa não é aquele
poesia bucólica e primitiva de Caeiro, que fala de não querer conhecer, de não se poder
conhecer, mas antes a poesia de Álvaro de Campos, que chora pelos aniversários que celebra
sozinho, ou dele mesmo hortónimo, que lamenta “o menino de sua mãe”, perdido para as noites
do seu passado sem regresso.
Esta poesia “insincera” de Caeiro nada mais era que uma necessidade higiénica, de
escrever algo puro e limpo, que livrasse o mundo de todas as filosofias, de toda a metafísica, de
toda a confusão de ter de interpretar o mundo e fazer um sentido de tudo o que nos rodeia. Isto
explica que o Guardador de Rebanhos seja escrito num impulso, num só dia, sem reflexão, e
que mais tarde pouco ou nada volte a surgir de Caeiro. Ele esgotara a sua necessidade (e a sua
utilidade).
“O meu olhar azul…” assim se inicia o poema. De facto era azul o olhar de Caeiro,
como testemunha o próprio Álvaro de Campos, nas suas «notas para a recordação do meu
mestre Caeiro» publicadas na revista Presença em 1931. De saúde frágil, olhos azuis e cabelo
louro. Este azul que Pessoa identifica com o céu, com a natureza e de seguida liga ao seu
próprio olhar, como se entre o olhar e a natureza não existissem obstáculos, nomeadamente o
intelecto, a análise, o pensamento. Pensar-se-ia que quando Caeiro olha, os seus olhos são uma
continuação da própria natureza, o azul do seu olhar, o mesmo azul do céu que ele perscruta,
calmo e silencioso. “azul e calmo porque não se interroga nem se espanta”. Azul e calmo,
porque não tem de pensar porque o céu é azul, como os seus olhos o são.
Porque não pensa Caeiro no porquê do céu ser azul? Ele próprio nos responde: “Se eu
interrogasse e me espantasse, não nasciam flores novas nos prados…”. É inútil, e sobretudo
inconsequente, pensar no porquê das coisas, pois as coisas são o que são. É de uma brutal
objectividade esta visão filosófica da realidade.
Ele próprio o diz – nas suas palavras – de seguida. Mesmo que o Sol mudasse e flores
nascessem de novo no prado, ele preferia não as ter e preferia o Sol antigo, pois tudo é como é,
tudo deve ser aceite como é, nada deve ser intelectualizado. Aceitar é uma forma de pacificar,
pois pensar, para Caeiro, é ser inimigo da Natureza, que não quer ser entendida, só contemplada.
Pois nós mesmos somos Natureza, e se a questionamos, só nos questionamos a nós próprios,
enredamo-nos mais profundamente nas questões que pensamos nos poderão salvar da
ignorância. Quando a verdadeira ignorância é querer saber mais, não estar contente com a
realidade, com a maneira singela e absoluta da realidade. Nós somos passageiros, fenómenos
como um raio ou chuva que cai, participantes, parte de uma intrincada sinfonia, que não tem de
ser escrita para ser compreendida, que não tem de ser analisada para ser mais bela.
Caeiro é simples como a Natureza que chama casa e mãe. Repare-se que é a mesma
Natureza certa e imutável que lhe dá a segurança, algo triste é certo, de ter sempre certeza, de
nunca poder ser abandonado, talvez rancoroso da traição e abandono da sua “mãe humana”,
rancoroso e temente da traição “da vida em sociedade”, que tarda sempre em o realizar a ele,
talvez porque ele busque demasiado essa realização.
"Dizem que em cada coisa..."– Alberto Caeiro
O poema que se inicia com "Dizem que em cada coisa uma coisa..." pertence ao
conjunto de poemas de Caeiro denominado como "Poemas Inconjuntos" e está datado de
5/6/1922. Data desde já curiosa, visto que Caeiro morre (segundo a sua biografia) em 1915.
O facto é que este pequeno (e curioso pormenor) nos indica desde logo a natureza de
certos poemas "tardios" de Caeiro. São poemas onde o autor é claramente o mesmo, mas onde
os assuntos, as temáticas, ou mesmo as abordagens às temáticas podem ser muito variadas e
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diferentes, se as compararmos com as temáticas e perspectivas presentes no grande livro de
Caeiro, a sua obra-prima, o "Guardador de Rebanhos". Esta diferença é ainda mais notória num
outro conjunto de poemas, denominado "Pastor Amoroso".
Neste poema podemos ver um Caeiro um pouco diferente do Caeiro do "Guardador de
Rebanhos". É um Caeiro com maiores dúvidas, que põe em questão algumas certezas que
estabelecera no seu "livro".
Põe em dúvida a sua própria natureza:
Dizem que em cada coisa uma coisa oculta
mora.
Sim, é ela própria, a coisa sem ser oculta,
Que mora nela.
Mas eu, com consciência e sensações e
pensamento,
Serei como uma coisa?
Que há a mais ou a menos em mim?
Seria bom e feliz se eu fosse só o meu corpo —
Mas sou também outra coisa, mais ou menos que só
isso.
Que coisa a mais ou a menos é que eu sou?
A segunda estrofe é uma estrofe atípica em Alberto Caeiro, que sempre insiste na visão
que passa na primeira estrofe: as coisas são o que são e nada mais do que isso, porque pensar no
que as coisas são é "estar doente dos olhos". Mas vemos como ele aqui se questiona a si próprio,
coisa que normalmente ele não faria.
Todo o seu discurso subsquente é profundamente anti-Caeiro:
Sou, corpo e alma, o exterior de um interior qualquer?
Ou a minha alma é a consciência que a força universal
Tem do meu corpo por dentro, ser diferente dos outros?
No meio de tudo onde estou eu?
E isto revela que Caeiro - que é visto sobretudo como um anti-metafísico, como alguém
que renega o pensar em favor de um objectivismo total da realidade, que se quer aproximar à
Natureza ao ponto de ser parte integrante dela e nada mais - teve momentos de dúvida, numa
época tardia (mesmo post mortem!). Mas não deixa de ser o mesmo indíviduo em busca das
mesmas explicações.