Análise de transpaixão, de waldo motta

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Transpaixão, Waldo Motta Manoel Neves

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Transpaixão, Waldo Motta

Manoel Neves

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O ESTILO tradição e ruptura

Waldo Motta começa a publicar em fins dos anos 1980 – sua obra se filia três correntes modernas

tradição erudita linhas de vanguarda poesia marginal

sonetos

décimas

odes

gestas

Modernismo

[primeira geração]

coloquialismo

poema minuto

poesia engajada

gay

afro [poesia religiosa e social]

termos chulos

Segundo Iumna Simon, Motta dá um tratamento elevado ao q a sociedade considera baixo, menor

homossexualismo partes baixas do corpo termos de calão

Sempre fui considerado um poeta indecente, obsceno. Isto porque eu sempre misturei baixo calão com alto calão. Palavras difíceis, eruditas com palavras sujas, enlameadas, gosmentas. E não só por esta mistura de registros, também pela temática. Eu sempre me assumi como homossexual, não é uma palavra da qual eu goste, mas não tenho outra. E sempre fui muito místico. Logo, nas minhas pesquisas, estudos, aquilo que para muita gente não tem nada a ver eu descobri que tem muito a ver. Sexualidade com religião. O mais chocante de tudo é que nas minhas pesquisas quanto mais eu procuro Deus, o sagrado, eu sempre acabo chegando aos 'países baixos', a uma geografia muito interessante do corpo humano. [Depoimento de Waldo Motta]

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TRANSPAIXÃO uma coletânea

Publicado pela primeira vez em 1999, Traspaixão é uma coletânea que aborda quatro poéticas:

social metafísica [existencial] metalinguística erótica

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A POESIA SOCIAL poesia e identidade

ILHA DAS CAIEIRAS

Sobre pernas tíbias, erguidas na lama,

barracos de tábuas, zinco e papelão

lembram caranguejos de puãs cambaias, jururus e sérios em conciliábulo.

E dando mais corda à imaginação,

vejo uma horda de bichos apáticos,

vasto cemitério de carneiros sonsos

pascendo o acérrimo capim do abandono.

Como também vejo um curral palustre

repleto de bois a muuu-gir, coral

afogado em dores – uivos ao olvido

Mas bois que, cansados de ser reles gado,

pudessem, um dia, saltar no pescoço

da grei de vampiros que infesta a noite.

forma: sete quadras, redondilha menor, rimas nos versos ímpares

tema: denuncia as péssimas condições de vida dos moradores do pântano [curral palustre]

a pobreza e a exclusão social despersonalizam os moradores do mangue [zoomorfismo]

[caranguejos, bichos apáticos, carneiros sonsos, bois]

os exploradores são comparados a morcegos [metáfora]

A Ilha das Caieiras é visto como um lugar de abandono e exclusão social

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A POESIA SOCIAL poesia e identidade

PRECEITUÁRIO PARA RACISTAS COM RECEITA DE REBUÇADO...

Quem atiça o tição sabe do risco que corre, sabe que ao bulir com fogo é arriscado se queimar, é arriscado provocar a ebulição de quanto há tanto vem nos enchendo o caldeirão da paciência.

Portanto, todo cuidado é pouco quando se atiça o tição, quando se bole com o fogo, pelo risco de transformar rebuçado em ração para a racinha ordinária dos racistas.

ambiguidades

atiçar o tição: agir desrespeitosa e preconceituosamente

atiçar o tição: atitude que leva a uma reação intensa [pôr fogo]

engajamento

o locutor aconselha os racistas:

a demonstração de intolerância racial pode levar à sublevação

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A POESIA SOCIAL poesia e identidade

PRECEITUÁRIO PARA RACISTAS COM RECEITA DE REBUÇADO...

Quem atiça o tição sabe muito bem do risco de atear fogo em tudo, sabe que, ao provocar a ebulição da massa é arriscado explodir o angu em todo mundo;

sabe que, súbito, tudo, tudo pode ficar preto & vermelho, como queiram, num belíssimo incêndio, um incêndio inusitado. Pois quem atiça o tição atira mais lenha aos sonhos que nos abrasam, braseiro oculto sob o borralho dessa vida borralheira.

forma: quatro estrofes irregulares; redondilha maior

título: ambiguidade

rebuçado: doce + carrasco que oculta a face + coisa boa + coisa má

influência africana: receita + angu

título: ambiguidade

angu: prato da culinária brasileira + confusão, desordem

sugestões

1) preconceito racial velado;

2) preconceito racial gera[rá] desordem, problema, confusão.

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A POESIA METAFÍSICA poesia e reflexão

OBSESSÃO

Não posso esconder: – Deus é um troço que me incomoda,

inseto algures na noite em claro,

inquieta pulga que me passeia

fazendo cócegas.

Deus me aflige como doença

que progredisse secretamente.

Deus é um bicho de estimação.

Se o escorraço,

Deus me perdoa e volta, à-toa.

Deus me persegue como um remorso.

estrofes irregulares; predomínio de tetrassílabos

visão singular de Deus

a) está sempre por perto;

b) perdoa, mas persegue;

c) está associado aos seres baixos;

d) dócil e cruel;

e) provoca atração e repulsão do locutor.

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A POESIA METAFÍSICA poesia e reflexão

HERÓICO

Se me encontro em perigo ao diabo e a Deus bendigo.

Na luta de mim comigo quem me vence é meu amigo.

forma: quadra com versos heptassilábicos

tema: angústia do eu e sua relação com o sagrado

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A POESIA METAFÍSICA poesia e reflexão

TURBA

Quereis fugir, ondas em pânico? Não há onde ir.

forma: terceto com versos tetrassilábicos; concisão: diálogo com a poesia pau-brasil

tema: o eu, angustiado e sem saída; aproxima-se da poesia marginal.

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A POESIA METALINGUÍSTICA poesia-vida

RETROSPECTIVA

Nestes anos de poesia, sempre a mesma cantiga, sempre a rasgar o verbo,

as vestes da mentira.

Tudo o que consegui foi que as pessoas de bem ficassem de mal comigo.

A meia dúzia de amigos que tinha virou fumaça.

Tadinhos, era demais a minha conduta oblíqua.

Destes anos de poesia, o saldo se resume na pedraria inútil que me atiram,

nos rapapés e o azedume que os meus olhos destilam.

forma: quatro estrofes irregulares; versos livres e brancos

tema: indissociação entre vida e poesia [influência anos 1970]

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A POESIA METALINGUÍSTICA poesia-vida

HABEAS CORPUS

A poesia é meu aval, sinal na testa – in hoc signo vinces, crachá que trago

na lapela do meu lado mais escroto. Com ela, pinto e bordo os canecos, viro e mexo, remexo, fecho horrores neste reino de alimárias, só de birra, Os cães salientes rilham os dentes,

fis-su-ra-dís-si-mos da saliva, mas ainda que me queiram a cabeça,

por enquanto, meus bichinhos, vão morder os beiços de cegueira

e me engolir em seco, rabinho entre as pernas.

forma: uma estrofe com doze versos; versos livres e brancos

metalinguagem: a poesia se liga ao lado mais escroto + opção gay [seleção vocabular]

metalinguagem: a poesia é o modo encontrado pelo locutor para assumir sua identidade

e provocar a sociedade careta, conservadora

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A POESIA ERÓTICA Deus e o Corpo

ENCANTAMENTO

Ó Deus serpentecostal que habitais os montes gêmeos,

e fizestes do meu cu o trono do vosso reino,

santo, santo, santo espírito que, em amor, nos forjais,

felai-me com vossas línguas, atiçai-me o vosso fogo,

dai-me as graças do gozo

forma: uma estrofe; redondilha maior; versos brancos

o discurso do eu-poético mistura Deus e Sexo [sagrado-profano] e celebra a homossexualidade

apropriação sarcástica do discurso religioso [fusão de campos semânticos distintos]

oração às avessas [enoja o senso comum, celebra prazer gay de existir].

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A POESIA ERÓTICA Deus e o Corpo

VEM COMIGO, MEU AMADO

Vem comigo, meu amado, fervamos o leite cósmico. Celebremos nosso gozo no cristântrico festim. Vem, querido, preparar

o teu mosto em meu lagar e fazer o vinho santo. Vem destilar a mirra

do monte dorsal e o mel que mana da rocha viva.

forma: uma estrofe [décima]; redondilha maior; versos brancos

pastiche do discurso bíblico [Cantares, de Salomão]: versão gay

ambiguidade: o locutor cria nódulos semânticos

denotativamente eles se referem ao discurso bíblico, conotativamente remetem à prática gay.

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A POESIA ERÓTICA Deus e o Corpo

PELO RABO

PELO RABO FISGUEI LEVIATÃ

forma: haicai [diálogo com a poesia marginal]; maiúsculas [sugere destaque, grito]

ambiguidade

o locutor fisgou, pescou o monstro marinho [arpoou a cauda do monstro]

por intermédio da prática homoafetiva, o locutor pacificou a sociedade [fez o Contrato Social]

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A POESIA ERÓTICA Deus e o Corpo

NO CU

NO CU DE EXU A LUZ

forma: haicai [diálogo com a poesia marginal]; maiúsculas [sugere destaque, grito]

entrecruzamento do discurso poético com o religioso [de tradição iorubá]

Exu: orixá que propicia a comunicação, que abre [ilumina] os caminhos

fusão do sagrado e do profano; elevação de elementos baixos [cu], profanos

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A POESIA ERÓTICA Deus e o Corpo FESTA DA PENHA

Em meio aos romeiros, que nem santas, lá vai o Bicharéu rumo ao Convento. Tanto fervor e sacrifício compensa, no caminho a pegação é óóó-ti-ma!

forma: quadra [caráter tradicional, popular]

ambiguidades

pregação-pegação, santos-santas, Bicharéu [monte de bichas, bichas condenadas pela Igreja]

fusão do sagrado com o profano – crítica à Igreja Católica

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BIBLIOGRAFIA uma análise de “Transpaixão”, de Waldo Motta

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BIBLIOGRAFIA uma análise de “Transpaixão”, de Waldo Motta

Blog   overmundo.   A   poesia   desbundada   eró0ca   de   Waldo   Mo5a.   Disponível   em:  h5p://www.overmundo.com.br/overblog/a-­‐desbundada-­‐poesia-­‐ero0co-­‐mis0ca-­‐de-­‐waldo-­‐mo5a.  Acesso  em  12  abr.  2013.  

MOTTA,  Waldo.  Transpaixão.  Vitória:  EDUFES,  2008.  

SIMON,   Iumna  Maria.  Sobre   a   poesia   de  Valdo  Mo8a/Dossiê   30   anos   sem  Guimarães  Rosa.  Revista  USP,  São  Paulo,  n.  36,  ,  p.  172-­‐77,  dez/jan/fev  1997-­‐98.