Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

17
Universidade Federal de Viçosa Cap - COLUNI, 1ª Série, Turma C Professoras: Mariana e Ofélia. Análise do Conto: À Procura de um Reflexo (Livro: Doze Reis e a Moça No Labirinto do Vento – Marina Colasanti Feito por: Laura Scofield, 10, Lisandra Oliveira, 17, Luíza Sobreira, 26, Maria Luíza Ribeiro, 34. Viçosa, 2015

description

Este seminário foi elaborado for alunas do Ensino Médio. Sua abordagem consta elementos como simbologia, intertextualidade e linguagem do conto À Procura de Um Reflexo do livro "Doze Reis e a moça do labirinto do vento" de Marina Colasanti.

Transcript of Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

Page 1: Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

Universidade Federal de ViçosaCap - COLUNI, 1ª Série, Turma C

Professoras: Mariana e Ofélia.

Análise do Conto:

À Procura de um

Reflexo(Livro: Doze Reis e a Moça No Labirinto do Vento – Marina Colasanti

Feito por: Laura Scofield, 10, Lisandra Oliveira, 17, Luíza Sobreira, 26,Maria Luíza Ribeiro, 34.

Viçosa, 2015

Page 2: Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

Introdução

O presente trabalho foi elaborado com o objetivo de analisar o conto “À

Procura de um Reflexo” – Livro Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento,

Marina Colasanti- relacionando-o com a obra como um todo, abordando sua

temática, a linguagem utilizada, a simbologia por detrás dos personagens e da

linguagem e, principalmente, como o conto aborda conflitos humanos e

contemporâneos.

Os contos de Marina Colasanti são característicos e conseguem colocar

em sintonia a ideologia, o texto, o gênero, os personagens e o tema abordado

tornando suas obras contemporâneas e exclusivas. “À procura de um reflexo”,

assim como muitos dos escritos de Marina, apresentam problemáticas relativas

às crises de identidade na pós-modernidade. É interessante a forma na qual

Marina aborda essas cisões identitárias, reorganizando elementos de contos de

fadas tradicionais e ao mesmo tempo rompendo com a forma antiquada dos

mesmos. A construção da identidade é o tema foco do conto estudado.

Apesar de parecer uma simples história maravilhosa contemporânea, o

conto tem muitas reflexões, indo muito além de um simples entretenimento. A fim

de entender o “algo a mais” que Marina Colasanti coloca em seu conto,

desenvolvemos uma série de analises contextuais apresentadas abaixo.

Page 3: Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

Desenvolvimento

• Marina Colasanti

Marina Colasanti tem características de escrita muito marcantes e específicas.

Isso pode ser observado em seus contos de fadas, nos quais a preferência é por

abordar temas de natureza existencialista. Esses fazem parte do mundo interior

e exterior do público alvo, que tem idades bem distintas entre si, contribuindo,

assim, com a atemporalidade e universalidade da obra.

Em seus contos, Marina procura mesclar situações ilusórias com o âmbito real,

muitas vezes contemporâneo, o que dá origem, então, a um conto de cunho

fantástico. Posteriormente, a fantasia de seus contos é relacionada a assuntos e

situações atuais, promovendo uma reflexão acerca do conto tratado.

(http://rascunho.gazetadopovo.com

.br/corte-radical/)

• Contos Maravilhosos

Os contos maravilhosos, apesar de serem acusados de

alienantes por alguns estudiosos, são importantes recursos na formação da

personalidade, no desenvolvimento emocional da criança e na formação do

Page 4: Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

leitor, por oferecer significados em diversos níveis, enriquecendo a sua

existência de muitos modos. O caráter simbólico, o tom coloquial, a presença do

maravilhoso, a indeterminação temporal e espacial e os personagens tipificados,

são elementos determinantes do gênero que concorrem para a identificação do

leitor com a obra. Trabalhando em nível do inconsciente, os contos de fadas

desvelam-nos, de forma alegórica, problemas cruciais de nossa existência e

oferecem-nos pistas para a conquista da nossa maturidade.

• Resumo da obra

' O conto “À Procura de um reflexo” trata basicamente da história de uma

moça que, ao se olhar no espelho para tecer suas tranças, não enxerga seu

rosto e, por isso, resolve ir ao lago em busca dele. Lá, não encontra na água a

sua imagem e é conduzida a uma caverna. Nesse ambiente cavernoso, cheio de

espelhos e bacias com água, a moça conhece a Dama dos Espelhos, que a

desafia a encontrar o que tanto procurava, ou seja, a imagem perdida. Ao

procurar de bacia em bacia o rosto perdido, depara-se com novos reflexos.

Nenhum era aquele que mais desejava. Até que a moça atira no espelho a bacia

onde está seu rosto, ocasionando o desaparecimento da Dama dos Espelhos.

Depois, sai da caverna e, ao se ajoelhar para beber água no córrego, vê seu

rosto, que tanto procurava, sorrindo para ela.

• Temática do conto

A temática do conto é bastante interessante e atual, ela representa a

busca por si próprio. No conto, a personagem principal, em uma manhã

aparentemente normal, percebe que se perdeu e que não está sendo capaz de

se encontrar. A história se desenvolve revelando os caminhos que a menina

percorre para, enfim, encontrar-se e aceitar-se por completo.

• Linguagem do conto

A linguagem do conto é, em geral, simples, porém, existem algumas

palavras menos usuais, e assim, desconhecidas pela maioria das pessoas. No

Page 5: Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

entanto, essas palavras não comprometem a interpretação do conto como um

todo.

“Nos contos colasantianos, o narrador constrói o seu

discurso, valendo-se dos recursos da linguagem poética. O

texto em prosa é estruturado com frases curtas, com a

acentuada presença de paralelismos, de rimas e ritmos

próprios do discurso poético, além de figuras simbólicas

muito sugestivas. As histórias ganham, pois, uma roupagem

rica de elementos ritualísticos e de temáticas pós-

modernas, como a ênfase à abordagem da solidão, do

individualismo e da procura da identidade em tempos pós-

modernos.” (Revista Literatura em Debate, v. 8, n. 14, p. 23-

46, ago. 2014.)

Por ser um conto, e ainda mais, um conto fantástico, a linguagem

empregada em À Procura de um Reflexo é literária, com o uso recorrente de

palavras e expressões no sentido conotativo e o também a utilização de várias

figuras de linguagem, o que engrandece o texto. Uma das figuras de linguagem

mais presentes é a prosopopeia ou personificação, que atribui características

humanas a seres inanimados e que pode ser vista, por exemplo, nos seguintes

trechos:

“-Como quer que eu saiba, se tantos vêm se procurar em mim? - respondeu o

lago desdenhoso. (...)” (Página 56, 5º parágrafo)

“O medo, entre rochas, bateu asas.” (Página 58, 3º parágrafo)

“Gotas pingavam do alto, gemendo nas poças em que o córrego parecia

desfazer-se.” (Página 58, 3º parágrafo.)

Além da prosopopeia, outras figuras de linguagem recorrentes são:

Hipérbato: transposição ou inversão da ordem natural das palavras de uma

oração, para efeito estilístico.

Page 6: Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

“-Imagem minha, -murmurou aflita- onde está você?”(Página 56, 2º parágrafo)

“Cochila quase a moça.” (Página 59, 9º parágrafo)

“-De quem é este rosto, Senhora? - pergunta a moça tentando controlar o visgo

do espanto.” (Página 59, 8º parágrafo)

Paranomásia: consiste em aproximar palavras com sons parecidos.

“Flutuam as tranças louras, como algas.” (Página 61, 1º parágrafo)

“Em cada remanso, em cada refluxo, em cada redemoinho procurou rosto ou

rasto.” (Página 58, 2º parágrafo)

Antítese: Oposição entre sentido de duas palavras “(...) presente o rosto,

ausente o que do rosto conhecia.” (Página 56, 1º parágrafo)

Aliteração: Gerada por série combinada de sons. No exemplo do conto, tem-se a

repetição do “s”, sugerindo ruído do espelho se quebrando.

“Estilhaça-se a luz. Estronda a gruta, enquanto dos cristais a prata se espatifa.

O ar estala, extingue toda a chama. Esverdinhando o rosto, as mãos

esgatinhando o peito, a Dama estremece, se escama, se esvai. Um grito se

estrangula. E estroçada no chão ela estertora.” (Página 62, 4º parágrafo)

Além disso, a linguagem conta com várias perguntas retóricas e adjetivos,

que facilitam a imaginação da história pelo leitor. Tais fatores aproximam

determinado interlocutor dos personagens e do contexto, criando uma atmosfera

de cumplicidade. O leitor é cativado pela história e pela maneira em que ela é

contada.

• Simbologia invocada pela linguagem e personagens

A simbologia invocada pela linguagem e personagens se dá pelo sentido

que determinadas palavras e expressões despertam, mesmo que esse seja tão

sutil que acaba passando despercebido. Nos contos, cada palavra é escolhida

Page 7: Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

de forma a contribuir com o que o autor deseja passar com sua obra, portanto, é

importante que essa simbologia, ou seja, os sentidos internos de cada palavra e

expressão sejam descobertos para que se entenda o texto em toda sua

complexidade.

No primeiro parágrafo do conto, um aspecto interessante da linguagem é

a repetição da palavra inútil no seguinte fragmento:

“Inútil passar um pano no espelho. Inútil passar as mãos no rosto.” (Página 56,

1º parágrafo)

A repetição é muito utilizada na linguagem para dar ênfase a certa ideia, e

nesse caso não foi diferente. Porém, a repetição dessa palavra também fez com

que, no contexto da história, ficasse mais clara a necessidade de a personagem

promover uma busca mais profunda, tendo em vista que simplesmente “passar

um pano ou as mãos” seria inútil. Sendo assim, nesse fragmento, a linguagem

utilizou-se de suas técnicas a fim de levar o leitor a esta conclusão implícita. Ao

trazermos tal impressão para a realidade do texto, podemos prová-la certa, pois

encontrar a si próprio é algo muito complexo para que uma busca superficial

seja capaz de desvendar.

A repetição como forma de dar ênfase e promover determinado

significado é ainda utilizada em outros momentos no conto, porém, não convém

citar todos, tendo em vista que a interpretação é praticamente a mesma.

Ainda na primeira página do texto, outra frase chama a atenção pelo seu

sentido oculto:

“E duas lágrimas quebraram a lisura da margem.” (Página 56, 4º parágrafo)

Na realidade do conto, essas lágrimas surgem em razão da tristeza da

moça e enquanto ela procura a si própria no lago. Quando é dito que as lágrimas

quebram a lisura da margem, fica subtendido que a tristeza e a busca da moça

incomodaram um ambiente antes harmonioso (o lago). Portanto, fazendo uma

interpretação mais profunda dessa frase, que ao ser analisada rapidamente

Page 8: Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

parece apenas uma forma de embelezar o texto, é possível chegar à conclusão

que a procura por si próprio afetaria não só a pessoa que se busca, mas

também tudo aquilo que a rodeia, podendo despertar diferentes sentimentos em

cada um desses “sujeitos”.

Além disso, ainda se tratando da interação entre a moça e o lago, é dito:

“-Como quer que eu saiba, se tantos vêm se procurar em mim? - respondeu o

lago desdenhoso. - Talvez tenha sido levada pelo córrego, com outras

miudezas.” (Página 58, 1º parágrafo)

Nesse caso, a resposta do lago, que, assim como no tópico anterior, é um

sujeito na busca da menina, tem como função explicitar outra reação possível

daquilo que nos rodeia em relação a nossos conflitos pessoais. Ele,

desdenhoso, diminui a busca e sentimentos da garota, porém, a mesma,

determinada, o que fica mais claro no decorrer do conto, continua seu caminho.

Isso representa outra dificuldade enfrentada por quem se procura: aprender a

conviver com comentários desdenhosos e manter o foco.

Outra análise interessante pode ser feita no seguinte fragmento:

“E em cada quieto olho d’água se defronta com uma nova imagem, sem que

nenhuma seja aquela que mais deseja.” (Página 60, 3º parágrafo)

Nesta parte do texto, o fato de a menina ver em cada olho d’água uma

nova imagem significa que a personalidade dela é constituída pela fusão das

várias identidades que possui. E, tendo em vista que o conto gira em torno da

busca pelo autoconhecimento e aceitação de todas as partes do ser, pode-se

perceber também que, ao se deparar com imagens que a menina não desejava

ver, existe um sentimento de negação de um pouco do que ela é. No final do

conto, quando, por fim, a menina sorri, podemos chegar a conclusão que ela

aceitou todas as partes que agora conhece de si.

Na frase: “Por mais que sentisse a pele sob os dedos, ali estava ela como

se não estivesse presente o rosto, ausente o que do rosto conhecia.” (Página

Page 9: Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

56, 1º parágrafo), fica explícito o desconhecimento da menina acerca de si

mesma, que a impediu de observar sua imagem. Era por essa razão que ela não

era capaz de enxergar seus traços, sua sombra e seus reflexos.

Mudando um pouco a forma de interpretação, a fim de trazer o foco da

análise para as palavras e seus significados simbólicos, ressaltaremos, agora, a

importância do espelho no conto. De acordo com o Dicionário dos Símbolos, o

espelho assume a figuração de superfície que reflete a “verdade, o conteúdo do

coração e da consciência”. Sendo assim, é por isso que a menina vai à procura

de sua imagem no espelho, a fim de conhecer a si mesma e encontrar-se,

mesmo que, no início do conto, ela tenha buscado apenas a imagem que havia

formulado sobre si mesma.

Além disso, a caverna e a saída da menina desta representam também o

processo de busca pelo qual passa a garota. A caverna, de acordo com o

dicionário de símbolos, seria “símbolo da exploração do eu interior e lugar de

amadurecimento do sujeito”. Ao entrar na caverna escura e que desperta medo,

a menina mostra seus sentimentos de anseio e temor em relação a sua busca

pelo autoconhecimento, porém, é lá que ela se tornará forte para aceitar e

encontrar o que tanto procura. É uma trajetória desafiadora e difícil, levando em

consideração que a menina já tinha uma imagem feita de si mesma e que,

mesmo que buscasse se conhecer, ainda não estava pronta a se livrar das

antigas concepções. Podemos ver essa busca como um dilema, em que a

menina busca a si mesma por ter se perdido, mas ainda mostra-se receosa com

o que pode encontrar.

Ainda nesse ambiente, os sentimentos despertados, como no seguinte

fragmento: “Trancada na gruta entre velas acesas, a moça não sabe do tempo.

Sabe apenas que não quer afastar-se de si mesma, deixar seu rosto sozinho na

água fria. E ali, junto dele, sem ousar acariciá-lo com medo de romper-lhe os

traços, deixa as horas passarem em silêncio.” (Página 61, 7º parágrafo),

demonstram que ainda existia certo apego da menina em relação a sua antiga

imagem, remetendo a negação da mesma às suas outras identidades e à

Page 10: Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

possibilidade de uma parte dela diferente daquela que ela, vaidosamente, todos

os dias, cultuava. Ela ainda se agarrava a aquilo que ela considerava que era,

mesmo que fosse frio e não reagisse de forma alguma à sua presença, o que

pode ser visto quando ela se questiona por que sua reflexo não sorri ao “vê-la”

pela bacia.

Durante o conto, a menina é movida e instigada pelo estranhamento. Ela

sai a busca de si mesma em razão do fato estranho que foi não se encontrar

para fazer as tranças, logo depois se depara com a estranheza da carverna, a

discrepância da tão bela dama com o ambiente em que se encontrava e o

sorriso também estranho dessa senhora. Ela se depara com várias situações

estranhas e, no final, aceita a própria estranheza de ser formada por mais do

que aquilo com o qual ela se deparava, aceitava e cultuava.

A respeito da simbologia invocada pelos personagens, a protagonista

mostra-se comum. Em nenhum momento é dito que é dotada de extraordinária

beleza, mas mesmo assim, quando se perde, a garota procura incessantemente

por si. Isso pode indicar o caráter ordinário da busca por si próprio, que não

depende de um fator maior que o incentive. Apenas existe, pois a

autodescoberta é essencial na vida de qualquer ser. No decorrer do conto, fica

claro que a menina enfrenta dificuldades, que são representadas pelo medo, e

por alguns outros fatores mais implícitos, como por exemplo, a água trançada

em seus tornozelos, que representa a dificuldade de “andar contra a

correnteza”¹, porém, ela não desiste de sua missão, o que mostra alguém

determinado a buscar-se mesmo que para isso tenha que vencer muitas

barreiras. Em sua relação com a mulher da caverna dos espelhos, a menina

mostra-se tímida e acuada no primeiro momento, porém, quando aparece a

necessidade da utilização de um pouco de “força”, ela mostra-se capaz de

aplicar a mesma e terminar “vencendo” aquela batalha que, depois de uma

análise mais profunda, fica claro que era contra ela mesma. A Dama dos

Espelhos era, na verdade, uma parte dela, o “duplo” que ela não era capaz de

aceitar.

Page 11: Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

No que diz respeito à interpretação da simbologia da mulher da caverna

dos espelhos, ela se mostra amarga e fria. Solitária, gosta da visita da menina,

mesmo que provavelmente saiba o que a mesma significa. Tendo em mente que

a Dama dos Espelhos representa uma parte marginalizada da e pela menina,

podemos concluir que a solidão, vivenciada pelas “duas” mostra o quão

vaidosas e orgulhosas elas eram, levando em conta que eram capazes de viver

satisfeitas apenas com a própria presença. No conto, o pontapé inicial para a

busca da menina por si foi o fato de ter se perdido, já que não era capaz de ficar

sem si própria e não tinha mais ninguém.

A Dama dos Espelhos, no primeiro momento, é representada com grande

beleza. Porém, o rosto pálido que é visto na primeira bacia que a menina avista

é da mulher, que não seria tão bela assim. Isso mostra a relatividade da beleza.

Essa mulher, que se mostra bela, é na verdade diferente da imagem que passa,

o que suscita uma reflexão a respeito do que as pessoas são verdadeiramente,

o que elas são capazes de transperecer e até que ponto de escondem. De

acordo com os conceitos já citados a respeito do “duplo”, a Dama seria uma

parte da personalidade da menina que havia sido marginalizada pelo ego da

mesma, pois a garota não era capaz de se aceitar por inteiro. No final do conto,

a menina ajoelha-se, o que pode ser interpretado como um sinal de rendimento

e de aceitação. Neste momento, a menina aceita seu duplo e todas as partes²

de sua personalidade que era antes incapaz de aceitar. Em razão disso, ela

sorri, mostrando que sua busca está completa.

“Lá fora, na claridade da manhã que apenas se anuncia, o córrego

mantém o antigo trote, água fresca e cantante que parece chamá-la. E a moça

se aproxima, se ajoelha, estende o queixo, boca entreaberta para matar a sede.

Mas no manso fluir da margem outra boca a recebe. Boca idêntica à sua, que no

claro reflexo do seu rosto de volta lhe sorri.” (Página 62, 7º parágrafo)

1: A correnteza seria o senso comum, que normalmente procura nos tender à

acomodação.

Page 12: Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

2: Essas outras partes já foram citadas, sendo todas aquelas imagens vistas,

inicialmente, pela menina nos olhos d’águas. As imagens que ela não desejava

ver.

• Intertextualidade no conto

No conto "À procura de um reflexo" é possível notar temas comuns no

contexto da pós-modernidade, como a busca pelo duplo. Essa temática já foi

abordada em épocas mais antigas, por Plauto (Os menecmas, 206 a.C.) e

William Shakespeare (Comédia dos erros, 1592-1593), além de outros artistas.

No entanto, suas concepções do duplo não promoviam a visão de uma

fragmentação do reflexo, deixando de lado a discussão sobre a identidade de

quem era duplicado e não tratando-o como "representação de uma cisão

interna" (LISBOA, Ana Maria - 2000, p.121) .

Podemos relacionar a ausência de um reflexo no conto, explicitada no

trecho "[...] procurando-se para tecer tranças, não se encontrou", com a

presença do duplo como uma imagem independente e solta, que não depende

do seu sujeito. Essa concepção também é presente em A incrível história de

Peter Schelmihl, de Chamisso, em que o protagonista vende sua alma ao diabo

e desprende-se do seu outro eu. Em ambas a sombra é o duplo ameaçador, que

se torna um "bem necessário" para o sujeito, o qual precisa desse reflexo para

assegurar a sua própria existência , pois “o sentido é justamente o que é

fornecido não por ele mesmo, mas pelo outro...” (ROSSET, 2008, p.74).

Baseando-se na concepção do duplo que é presente em "À procura de

um reflexo" e na obra de Chamisso, podemos chegar a conclusões semelhantes

ao do filósofo Clément Rosset e afirmar que, se a ilusão do real (o outro eu) não

está no sujeito, ela estará em outro lugar, ou seja, fora dele. Logo, as

personagens dessas obras buscaram-se além de si, não possuindo

conhecimento próprio até se encontrarem . No conto de Marina Colasanti, a

moça não via a sua imagem exatamente porque não a conhecia.

É viável ver a busca pelo duplo como a busca pelo sentido, pelo

Page 13: Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

autoconhecimento. Tal ato pode ter uma iniciativa temerosa, pois o medo,

normalmente, é envolvido em momentos de descobertas pessoais. A obra Corda

Bamba, de Lygia Bojunga, demonstra bem essa situação relacionando tudo o

que está em nossa mente à um corredor de portas fechadas, que seriam os

fragmentos de nossa identidade, "nós mesmos não abrimos todas as portas,

porque suspeitamos que o que há do outro lado não será agradável de ver (...)

Vivemos numa espécie de alarme em relação a nós mesmos, que talvez seja

não querermos saber quem somos na realidade" (SARAMANGO, José).

Em "À procura de um reflexo", a moça, sem sombra de dúvida,

demonstrou medo ao abrir as portas que levariam-na ao seu descobrimento, "[...]

o medo, entre rochas, bateu asas.". Entretanto, sua persistência lhe mostrou o

caminho, "[..] viu brilhar a claridade". Tal sentimento de temor pode ser

fundamentado pela imprevisibilidade do que está atrás da porta, "Algum dia, em

qualquer parte, em qualquer lugar, indefectivelmente, pode encontrar-te-ás a ti

mesmo e essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga das tuas horas."

(NERUDA, Pablo) .

Na fábula A ilha, de Ricardo Kelmer, assim como no conto de Marina

Colasanti, questionamentos funcionam como um elemento precursor à busca

por si : "Era uma ilha que vivia no meio do oceano. Levava uma vida tranquila,

sem grandes questionamentos. Conhecia outras ilhas e com elas se

comunicava. Um dia, porém, uma ideia inquietou a ilha: se toda vez que a maré

baixava, uma porção de terra se descobria, então até que ponto haveria terra?

Até que ponto a ilha existia?" (Passagem de A ilha) ; "Imagem minha, [...] onde

está você?" (Trecho de À procura de um reflexo) . Em ambas as obras é notável

a importância de questionar para descobrir . A moça nunca teria achado o seu

duplo se não tivesse se perguntado onde ele estava, assim como a ilha, que

nunca conseguiria criar um conceito sobre si se não estivesse questionado-se.

• Forma como o conto aborda conflitos humanos e contemporâneos

A abordagem dos conflitos humanos é feita de forma brilhante. Sem fazer

Page 14: Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

com que seus contos tomem um caráter educativo e escolar, Marina Colasanti é

capaz de passar morais sólidas e muito importantes para a construção de um

indivíduo.

No conto À Procura de um Reflexo, o conflito que é mais desenvolvido é o

que diz respeito à busca por si próprio no mundo contemporâneo, cheio de

forças contrárias e influências, que podem tornar mais cômodo simplesmente se

utilizar de uma “ideologia própria” já criada. Com a quantidade perfeita de

personagens, Marina é capaz de representar cada um dos sujeitos que

influencia essa busca, desde aqueles secundários, como o rio e o córrego, que

representam as dificuldades, até a menina e a Dama, que representam o que o

desconhecimento de si mesmo pode resultar e como ele influencia na aceitação

e formação de quem um indivíduo é verdadeiramente.

Marina Colasanti aborda os conflitos humanos de forma profissional,

relacionando sua história com importantes conceitos psicanalíticos, como o

Duplo que, como já foi dito foi proposto por Sigmund Freud, Otto Rank e

Clément Rosset.

Em seu conto, são tratadas questões como a instabilidade, a incerteza e

a dúvida, que marcam a pós-modernidade, com o auxílio de uma personagem

que, com dificuldades, vai à procura de sua unidade, de encontrar sua imagem

perdida. A unidade que a menina busca seria encontrada quando ela aceitasse

todas as partes de seu ser, ou seja, todas as fragmentações de sua identidade.

Nos dias de hoje, em que a busca por se enquadrar nos padrões

propostos pela sociedade é tão constante que chega a ser doentia, muitas

vezes, as pessoas renunciam à sua identidade, pois ser apenas a parte de si

que agrada as outras pessoas facilita o processo de inserção social. Porém, o

que muitas vezes não é notado, e que Marina destaca em seu conto, é o que

essa marginalização de pedaços da identidade pode causar. Quando as

pessoas optam por não serem elas mesmas por completo, elas entram em um

processo no qual podem acabar perdendo-se, pois reprimir a si mesmo pode

Page 15: Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

levar ao desconhecimento do que um indivíduo verdadeiramente é.

No conto, a menina não busca a inserção na sociedade, pois é tão grande

sua vaidade, que se faz feliz sozinha, saindo de seu estado de estagnação

apenas quando não consegue mais a própria companhia, no caso, o seu reflexo

no espelho. Ao analisar o conto e relacioná-lo com a atualidade contemporânea,

podemos perceber que a exclusão da própria identidade é a conseqüência dos

anseios pessoais que diferem para cada pessoa. No caso do conto, a menina

seleciona partes de si, pois não é capaz de se aceitar por inteiro, e, no exemplo

que foi citado nessa discussão, as pessoas omitem parte de si para buscar a

aceitação da sociedade. É importante ressaltar que o que leva as pessoas a

marginalizarem a si próprias não é, neste trabalho, tão focalizado, como as

conseqüências desse processo, tendo em vista que o primeiro é individual,

possuindo razões diversas e, por isso, não pode ser tratado, em sua integridade,

no contexto geral que buscamos analisar; e, o segundo, por expressar

conseqüências, em grande parte, comuns e que já foram analisadas por

estudiosos, é mais fácil de ser generalizado, tendo em vista que as

conseqüências geradas seriam praticamente as mesmas, com apenas algumas

variáveis.

Conclusão:

Em suma, À Procura de um Reflexo é um conto muito enriquecedor e a

Marina conseguiu, de uma forma muito interessante e convidativa, abordar um

tema bem contemporâneo. Esse processo de autoconhecimento, tão necessário

em uma sociedade pós-moderna na qual boa parte das pessoas parece estar

robotizada pela sua rotina, idiotizada pelos aparelhos eletrônicos e pela mídia

alienante, constitui uma das principais preocupações da literatura infantil

contemporânea. Nesse sentido, Marina continua a escrever contos de fadas em

pleno século XXI com o propósito de se valer de estruturas consagradas da

tradição popular para operar transformações nas invariantes narrativas a partir

de novos revestimentos figurativos, que abarcam temáticas caras à pós-

modernidade. A literatura infanto-juvenil, produzida nas duas últimas décadas do

Page 16: Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

século XX e no século XXI problematizam questões referentes à diversidade

cultural e às múltiplas identidades que atravessam o indivíduo. No caso

específico de “À procura de um reflexo”, a perda do reflexo corresponde à perda

de referências que ancoravam o sujeito em um sistema social. A longa travessia

identitária permite que o sujeito, no mergulho das trevas de seu inconsciente

(metaforizado pela caverna) possa ser iluminado pela aceitação de si mesmo.

Referências bibliográficas

• Principal referência : COLASANTI, Marina. Doze Reis e a moça no

labirinto do vento. 12ª edição. São Paulo, GLOBAL EDITORA. 2005.

• Fontes virtuais:

• http://www.apoiopsicologico.psc.br/principais-conceitos-psicologia-

analitica-jung/

• http://www.facevv.edu.br/Revista/05/raphaela%20magalhaes.pdf

• http://www.escritas.org/pt/biografia/marina-colasanti

• http://analisetextual1.blogspot.com.br/2012/05/iconicidade-lexical-na-

obra-de-marina.html

• http://revistas.fw.uri.br/index.php/literaturaemdebate/article/viewFile/14

42/1796

• http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/autoconhecimento

• http://www.citador.pt/frases/citacoes/a/hugo-von-hofmannsthal

• http://www.revistainvestigacoes.com.br/Volumes/Vol.22.N1/

HYPERLINK

"http://www.revistainvestigacoes.com.br/Volumes/Vol.22.N1/Investigac

Page 17: Análise do conto À Procura de Um Reflexo de Marina Colasanti

oes-Vol22-N1-artigo02-Adilson-dos-Santos.pdf"Investigacoes

HYPERLINK

"http://www.revistainvestigacoes.com.br/Volumes/Vol.22.N1/Investigac

oes-Vol22-N1-artigo02-Adilson-dos-Santos.pdf"-Vol22-N1-artigo02-

HYPERLINK

"http://www.revistainvestigacoes.com.br/Volumes/Vol.22.N1/Investigac

oes-Vol22-N1-artigo02-Adilson-dos-Santos.pdf"Adilson-dos

HYPERLINK

"http://www.revistainvestigacoes.com.br/Volumes/Vol.22.N1/Investigac

oes-Vol22-N1-artigo02-Adilson-dos-Santos.pdf"-Santos.pdf

• http://blogdokelmer.com/2010/06/10/a-ilha-uma-fabula-do-

autoconhecimento/