Análise do Discurso - Livro Texto 1

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Análise do Discurso

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Análise do Discurso

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Professora conteudista: Siomara Pacheco Ferrite

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SumárioAnálise do DiscursoUnidade I

1 DISCURSO, SUJEITO, FORMAÇÃO DISCURSIVA E FORMAÇÃO IDEOLÓGICA ...............................31.1 Polifonia, intertextualidade, interdiscursividade ........................................................................8

Unidade II

2 A ANÁLISE DO PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO APLICADO AO TEXTO ................................ 162.1 Nível fundamental ............................................................................................................................... 172.2 Nível narrativo ....................................................................................................................................... 192.3 Nível discursivo ..................................................................................................................................... 242.4 Análise do texto Brejo da Cruz ....................................................................................................... 33

2.4.1 Nível narrativo ......................................................................................................................................... 342.4.2 Nível discursivo ........................................................................................................................................ 392.4.3 A semântica do discurso em Brejo da Cruz .................................................................................. 452.4.4 Isotopia e coerência textual em Brejo da Cruz ........................................................................... 48

2.5 Estruturas fundamentais em Brejo da Cruz .............................................................................. 51

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(...) todo corpo físico pode ser percebido como símbolo (...). E toda imagem artístico-simbólica ocasionada por um objeto físico particular já é um produto ideológico

(Bakhtin, 1975, p.31)

Caro aluno,

Iniciaremos o estudo referente ao discurso. Este pressupõe o texto, uma vez que o primeiro é manifestação do segundo. Ao enunciarmos uma sentença, temos uma intenção, que é manifestada linguisticamente, mas há todo um contexto, uma cena enunciativa por trás dessa manifestação. É o que iremos estudar.

Apresentamos, então, a ementa da disciplina:

Atualmente, os estudos discursivos concebem o discurso, de modo geral, como a prática social de produção de textos. Todo discurso é um construto social, não individual e analisável a partir de sua estrutura e de suas determinações sociais, históricas e ideológicas. A análise do discurso francesa é uma área da linguística que se particulariza por analisar formações discursivas e ideológicas presentes e enraizadas/atravessadas em um texto. É muito utilizada para a análise de textos polêmicos, relacionados aos contextos político, pedagógico, religioso, jurídico, científico, midiático e também artístico, de protesto ou ainda que evidenciem minorias marginalizadas, em busca das ideologias que trazem em si. As categorias teóricas mais

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importantes da análise do discurso francesa são: sujeito, ideologia; formações discursivas e formações ideológicas; intertextualidade, interdiscursividade e intradiscursividade; condições de produção do discurso; polissemia e efeitos de sentido. Também é entendido como análise semiótica do discurso o estudo do texto e do discurso que procura trilhar o percurso gerativo dos sentidos por meio dos níveis de análise: fundamental, narrativo e discursivo.

Tendo em vista ser amplo o conceito de linguagem, uma vez que esta abarca tanto a humana quanto a animal, tanto a verbal (que tem por base a palavra) quanto a não verbal (gesto, dança, entre outras formas de expressão), torna-se importante ressaltar que a linguística propõe-se a estudar a linguagem verbal humana.

A ciência que estuda todo e qualquer sistema de signos denomina-se semiologia (segundo Saussure) ou semiótica (conforme Pierce), sendo a linguística uma parte dessa ciência mais geral, além de ser caracterizada pelo foco no estudo das línguas naturais, sistemas de signos que correspondem à forma de comunicação mais desenvolvida e de maior uso.

Foi no século XX que a linguística passou a ser considerada uma ciência, a partir dos estudos de Saussure, que deixou clara a necessidade de se estudar a língua enquanto sistema convencionado na e pela sociedade, sob o ponto de vista sincrônico.

Pierce, filósofo norte-americano, contemporâneo de Saussure, dedicou-se aos estudos semióticos. A semiótica, ou ciência dos signos, desenvolvida por esse filósofo, tinha por objeto o estudo da linguagem e da comunicação. Essa noção de signo implica que um elemento A, de qualquer natureza, tem a função de representar um elemento B. Para melhor compreensão, imaginemos um pedestre que, ao atravessar a

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rua, observa o sinal verde para ele e vermelho para o motorista, o que lhe permite a travessia.

Os estudos linguísticos, em seus primórdios, eram realizados de um ponto de vista unidisciplinar, ou seja, estudava-se a língua pela língua, sem se relacionarem outras ciências ao se analisar esse objeto. Do mesmo modo, era feito o estudo da linguagem.

Todavia, por volta dos anos 1960, houve insatisfação quanto a esse ponto de vista unidisciplinar e, com o intuito de ampliar os estudos referentes à língua, observaram também a necessidade de essas investigações fazerem interface com outras ciências, tornando-as inter, multi, transdisciplinares. É nesse contexto que se originam outras investigações, dentre elas o que se denomina análise do discurso.

A expressão análise do discurso não diz respeito simplesmente a analisar as palavras e o significado delas, não se restringe à verificação de como se manifesta, em língua, o pensamento humano.

Assim, devemos entender que o texto é uma forma de representação do que se pretende dizer, ao compreendermos que a linguagem é utilizada pelo homem para “dizer” o mundo, ou seja, as coisas, os objetos não têm uma relação direta com as palavras. Estas são elaboradas a partir da linguagem verbal humana.

1 DISCURSO, SUJEITO, FORMAÇÃO DISCURSIVA E FORMAÇÃO IDEOLÓGICA

É nessa concepção de linguagem que devemos introduzir a noção de discurso, um conceito que não tem uma única definição, mas que devemos entender como a parte mais abstrata de análise, uma vez que o texto é a materialidade dele. Portanto, o discurso encontra-se na instância da

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enunciação, ou seja, no processo e não no produto da comunicação humana.

Nessa perspectiva, o discurso pressupõe sujeitos inscritos em estratégias de interlocução, em posições sociais ou em circunstâncias históricas. Assim, analisar o discurso não é como fazer análise de um texto do ponto de vista gramatical, ou lexical, ou mesmo semântico. É preciso ir além disso: é necessário verificar, em primeiro lugar, a cena enunciativa.

Desse modo, a linguagem é concebida como forma de ação, em que os sujeitos interagem por meio do texto, mas se manifestam de acordo com o lugar do qual falam. Esse lugar não é físico, geográfico, mas um espaço de enunciação em que o sujeito se constitui de acordo com as regras determinadas por ele. Essa forma de analisar a linguagem é do paradigma atual, que se denomina pragmática, no qual se considera a língua em seu uso efetivo.

Essa visão da língua tem origem na teoria dos atos de fala, a qual defende que o sujeito da enunciação verbaliza ações, como prometer, permitir, batizar, interrogar, informar etc. E esses atos estão relacionados a um modo de dizer que se constitui pelo espaço enunciativo, ou seja, o eu fala para um tu, de um lugar e em um determinado tempo, elementos que definem uma cena enunciativa:

Eu TuAqui

Agora

O lugar, como já fora dito, não é físico, é uma prática social. É como se fôssemos personagens representando papéis em determinados cenários. Essa encenação ou “cenografia” determina as condições de produção do discurso e está relacionada a uma prática. Por exemplo, uma mesma pessoa pode falar do lugar de pai, ou de médico, ou de cliente etc., de acordo com cada prática social do mesmo indivíduo.

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Disponível em: <http://clubedamafalda.blogspot.com/>.

Veja: nessa tirinha, a personagem Mafalda está representando a criança que vai comprar um presente para o dia dos pais. Nesse contexto, podemos observar a “voz” da sociedade que avalia o comportamento dos indivíduos no mundo capitalista, no qual há um modelo a ser seguido, que determina a necessidade de comprar um presente para o pai nesse dia. A personagem, então, é uma figura para representar esse discurso cuja ideologia é contrária ao mundo capitalista.

Como se vê, o sujeito não é a pessoa, o homem no mundo, mas ele se constitui conforme a prática discursiva em que se circunscreve. Para tanto, partimos da noção de formação discursiva, de Focault, para quem o sujeito, ao mesmo tempo em que se constitui em seu discurso, é assujeitado pela instituição social que representa. O eu dirige-se ao tu de acordo com a convenção social do discurso, quer dizer, ele fala conforme as condições de produção que cerceiam a prática discursiva.

Para a AD (análise do discurso de linha francesa), o discurso é um campo de regularidades, no qual várias posições de subjetividade podem manifestar-se, e o sujeito constitui-se nesse campo. Com o intuito de ilustrar, pensemos em um jogo de futebol e nas regras que há nele. Cada jogador, em sua posição, deve respeitar as regras, senão sofrerá a sanção dada pelo árbitro.

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É assim que podemos verificar, por exemplo, que um mesmo fato pode ser noticiado de maneiras diferentes. Se procurarmos textos em jornais de um mesmo dia de publicação, observaremos que cada jornal tem um discurso diferente, e o jornalista elabora seu texto de acordo com essa formação discursiva, que é uma espécie de “contrato” entre os indivíduos pertencentes a uma mesma prática.

Devemos lembrar, ainda, que todo discurso é investido de ideologia, isto é, todo discurso é investido de valores sociais de determinados grupos. Conforme Bakhtin (1929, p. 32),

todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica (...). O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor semiótico.

A cena enunciativa consiste no sujeito que se encontra em uma comunidade discursiva, que, por sua vez, tem uma formação discursiva e esse sujeito constitui-se em seu espaço e assume a voz da ideologia do grupo que representa.

O enunciado, segundo Bakhtin (1928), funde-se entre a materialidade do signo, a comunidade e a extensão de sentido. O discurso é a estratégia de como dizer o que se pretende, daí seu caráter ideológico.

É necessário, ainda, analisar as múltiplas vozes que se encontram cruzadas no interior de um discurso, tendo em vista que o sujeito assume o “papel” de representar o “que se quer dizer” por meio do “como se diz”, o que significa que o locutor expressa-se pela voz de enunciador(es) em uma alteridade, em que o outro está na voz do eu.

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Desse modo, há o que Bakhtin denomina “horizonte ideológico”, que permeia e orienta a construção do discurso, e há, ainda, um diálogo entre textos, que pressupõe um contexto histórico-social no qual se situam os sujeitos produtores e receptores da mensagem produzida e formalizada em língua.

Vejamos um exemplo:

Disponível em: <http://www.nanihumor.com/2009/07/caso-sarney-operacao-cala-boca.html>.

Nessa charge, podemos observar o discurso popular e o discurso político em dialogia. O primeiro pode ser resgatado a partir da expressão linguística “cala a boca”, que nesse contexto tem a representação de uma recompensa a quem age de acordo com o esperado, isto é, a quem se corrompe, por exemplo, não dizendo a verdade sobre um fato mediante uma recompensa em dinheiro.

Quanto ao discurso político, o leitor tem de conhecer o contexto brasileiro em que a corrupção passou a ser uma atitude normal entre aqueles que se encontram no poder

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e usam este para chantagear os outros, premiando os que participam desses atos. Deve, ainda, o leitor ter conhecimento sobre fatos ocorridos com personalidades específicas que se encontram representadas no texto, como o senador José Sarney e o presidente da República, Luís Inácio da Silva.

Ideologicamente está representado o discurso da corrupção, em que o silêncio tem seu preço. Como se trata de um texto que recorre a outros signos, além das palavras, a leitura deve ser feita integralmente, observando-se os elementos não verbais, que representam essa negociação do silêncio por meio da figura de um cofre e de quantias em dinheiro tapando a boca dos personagens, além da caricatura dos personagens em foco, que são o presidente e o senador da República. Linguisticamente, há a intertextualização entre enunciado clichê “cala boca”, o título “Cala a boca” e a expressão “emendas parlamentares”.

A formação discursiva do enunciador de uma charge pressupõe uma avaliação implícita no texto produzido nesse contexto. É um texto opinativo, em que se encontra normalmente um tema do cotidiano, sobre o qual há um julgamento implícito na organização textual. Para tanto, há investimento ideológico da linguagem utilizada, conforme observamos e analisamos.

1.1 Polifonia, intertextualidade, interdiscursividade

Com a pragmática, entende-se que o discurso é uma prática social que está em interdiscursividade com outros campos discursivos e que o texto é um tecido de vozes e de intertextos.

Na medida em que o “eu” enuncia, dirige-se ao “tu”, há interação. O enunciador fala de um lugar determinado, instaurado pela prática social discursiva, dentro da qual assume um determinado papel. As condições de interação “eu/tu” é,

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como qualquer uso da linguagem, expressão de ideologia(s). Os gêneros do discurso determinam essas condições de produção do texto para a manifestação do(s) discurso(s).

O sujeito enunciador representa uma heterogeneidade de vozes no interior do texto, e esta pode ser tanto “manifesta” (explícita) quanto “constitutiva” (implícita), compreendendo-se a primeira como a que é citada, isto é, traz marcas explícitas de outro(s) enunciador(es), ao passo que a segunda é interdiscursiva e/ou intertextual, isto é, relaciona-se às ideias e não à expressão linguística de outro(s) texto(s)/discurso(s).

A “heterogeneidade manifesta” apresenta-se nas manifestações explícitas, que podem ser recuperadas a partir de várias fontes de enunciação. Entre essas manifestações está a intertextualidade, definida por Maingueneau como o tipo de citação que uma formação discursiva determina como legítima, por meio de sua própria prática social. Assim, uma formação discursiva é entendida como “o que se pode e deve dizer” em um determinado tipo de discurso.

O mesmo autor diferencia a intertextualidade da interdiscursividade. A primeira é situada pelos intertextos, enquanto a segunda situa-se na relação interdiscursos.

Aos mesmos fatores, Koch (2009) dá a classificação de intertextualidade em sentido restrito e intertextualidade em sentido amplo. De modo restrito, a intertextualidade pode ocorrer explícita ou implicitamente; é explícita quando se pode resgatar a fonte, já a implícita não possibilita muitas vezes essa identificação.

É preciso, ainda, relacionar essa intertextualidade e/ou interdiscursividade à noção de polifonia. Para tanto, deve-se retomar a teoria de Ducrot (1984), que postulou a necessidade de se diferenciar locutor de enunciador, devido às múltiplas vozes existentes em um discurso.

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Ducrot formula a sua teoria polifônica tendo em vista o conceito de polifonia de Bakhtin, que o autor transpõe para o nível linguístico, na perspectiva da semântica da enunciação, e mostra que em um mesmo enunciado ressoam várias vozes. Com tal posição, Ducrot declara que o objetivo é contestar a unidade do sujeito falante, ou seja, a ideia de que cada enunciado é produzido por um único autor (aquele que se diz eu). Assim, o linguista propõe distinguir os locutores e os enunciadores em uma mesma enunciação.

O locutor é definido por ele como um ser que no enunciado é apresentado como seu responsável, todavia, como a enunciação é vista como uma ficção discursiva, o locutor não coincide necessariamente com o produtor físico do enunciado. Nesse sentido, Ducrot diferencia o locutor propriamente dito do responsável pela enunciação, pois este é o ser empírico, origem do enunciado. Os enunciadores, por sua vez, são definidos como seres cujas vozes estão presentes na enunciação sem que lhes possa, contudo, atribuir palavras precisas.

A polifonia é, portanto, a incorporação das vozes de outros enunciadores, isto é, do(s) interlocutor(es), terceiro(s), a opinião pública em geral ou o senso comum. Tal incorporação é feita no próprio discurso, de modo a se apresentar como o coro de vozes que se manifesta em cada discurso, na medida em que o pensamento do outro é constitutivo do eu. Logo, a produção de sentidos está condicionada pela alteridade. É assim que a polifonia pode estar relacionada tanto à intertextualidade implícita quanto à explícita.

Em síntese, para Ducrot, o enunciador está para o locutor assim como a personagem está para o autor. O locutor, por meio do enunciado, dá existência aos enunciadores (que correspondem aos pontos de vista presentes no texto).

A heterogeneidade do discurso postulada por Maingueneau tem relação com a polifonia de Ducrot, e ambas noções têm como

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princípio norteador o conceito de dialogia de Bakhtin. Pode-se dizer que linguagem é um fenômeno essencialmente polifônico e que o conceito de polifonia recobre o de intertextualidade.

Quando tratada de forma ampla, a intertextualidade, por ser implícita, torna necessário buscar o(s) intertexto(s) e/ou interdiscurso(s) para o(s) qual(is) o texto é uma retomada ou uma refuta. Quando tratada de forma restrita, por ser explícita, deve-se buscar o(s) intetexto(s) que mantém(êm) relações expressivas com o texto base.

A teoria dos atos de fala, dos filósofos de Oxford, como Austin e Searle, postula que o locucional diz respeito ao locutor, enquanto o ilocucional relaciona-se ao interlocutor, e o perlocucional, no efeito produzido pelo ato de fala, não está centrado nem no locutor nem no interlocutor. Brandão (1997) parte dessa teoria e acrescenta seu ponto de vista. Salienta, em relação aos atos ilocutórios, a contribuição de Searle (1969), que propõe isolar o componente ilocutório ao se definir as condições de emprego dos atos de linguagem, postulando a existência de três atos: o da enunciação, o proposicional e o ilocutório.

Dessa forma, dois enunciados diferentes podem ter o mesmo conteúdo proposicional, mas valores ilocutórios distintos. O contexto é que permitirá estabelecer a força ilocutória da enunciação. Todavia, segundo Brandão, é preciso passar da visão logicista de Austin e Searle para a visão pragmática de Ducrot.

A refuta é uma forma de negação, diferenciada por Brandão em formal e semântica. Quanto à primeira, trata-se de uma forma explícita de negação, ao passo que a segunda se faz de forma implícita. Ela acrescenta, ainda, a noção postulada por Ducrot e Barbault, que diferencia negação polêmica da descritiva: a primeira, como a que marca sempre uma atitude de oposição em relação a um enunciado positivo, sendo, dessa forma, de uma modalidade de julgamento; já a segunda corresponde a uma descrição de um estado de coisas, em que não há julgamento.

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Segundo Brandão (1997, p.81),

enquanto a negação descritiva mantém o pressuposto de frase positiva e nega apenas o posto, a negação polêmica caracteriza-se por poder contestar tanto o pressuposto quanto o posto do enunciado que ela rejeita.

Nesse sentido, segundo Ducrot, quando se trata de enunciado de caráter polifônico, tem-se um ato ilocutório com o conflito de duas atitudes antagônicas, atribuídas a dois enunciados distintos.

A refuta, segundo Brandão, é um macroato da linguagem, sendo esta caracterizada por uma relação de ordem argumentativa, contendo o ato ilocutório de refutação dois componentes: um componente negativo e um argumentativo, sendo esse último um traço que orienta um enunciado, conforme Ascombre e Ducrot (apud Brandão, 1997). A argumentação, nesse sentido, é vista como um ato linguístico fundamental, ou seja, um elemento básico que estrutura o discurso. É essa orientação argumentativa que constrói a coesão/coerência textuais.

Visando à argumentação como forma de ação sobre o “outro”, Brandão parte da noção de adesão postulada por Perelmean e postula a existência de dois movimentos na articulação de um discurso argumentativo: um de desconstrução e outro de construção, que objetivam uma transformação. Nessa perspectiva, postula o movimento de negação existente na argumentação, sob o enfoque de ao mesmo tempo em que a argumentação está voltada para o “outro”, o percurso argumentativo está bem marcado por uma anulação desse “outro”, pois visa à afirmação de seu próprio discurso.

Dessa forma, o discurso polêmico é um discurso desqualificante. Polemizar é, segundo a estudiosa,

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tentar falsear a fala do outro, é desqualificar o discurso do adversário numa situação em que duas posições antagônicas se confrontam e se afrontam (ibidem, p. 93).

Como a argumentação, segundo Brandão, está centrada no discurso, esta é sóciointeracional, ou seja, ela é feita por um sujeito e dirigida a outros sujeitos que também estão em ação. Assim sendo, a noção de dialogia é a base para o fator de intertextualidade.

Já, no que diz respeito à interdiscursividade, Maingueneau (1987) postula que por haver heterogeneidade e polifonia, um discurso não pode ser autofundado, nem ser definido com uma única formação discursiva. Um discurso sempre está em interdiscursividade com outros discursos ali presentes, que definem o seu universo discursivo. Nesse sentido, situa-se a noção de alteridade e interdiscursividade.

No que diz respeito à teoria da enunciação, por haver polifonia, há uma dispersão de eu, porém este luta pela monofonização realizada por ele, assume a posição de sujeito de intenções, deixando no texto enunciado as marcas de sua subjetividade (cf. Kerbrat-Orewcchioni, 1980).

Cabe ressaltar, também, que há diferenças entre as relações interacionais e interativas, segundo a teoria da ação: a relação interacional é definida por “eu/tu” e a interativa por “eu/texto”.

Nesse sentido, não se podem deixar de levar em consideração as relações interacionais e interativas na produção textual-discursiva para a construção argumentativa de um texto, uma vez que ele será o produto da relação interativa e o processo discursivo da relação interacional comunicativa.

Brandão (1997) chama a atenção, ainda, para o fato de a teoria da argumentação na língua, proposta por Ascombre

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e Ducrot, estar articulada à teoria da polifonia. Nesta, Ducrot postula a existência de um diálogo para a significação, não estando tal teoria, portanto, relacionada ao valor de verdade/falsidade, que é a base da lógica.

Ducrot (1984), nesse sentido, tem por ponto de partida o conceito aristotélico de “topos”, que se define por três propriedades:

a universalidade (o topos é um princípio comum aceitável pela comunidade em que se inserem locutor e alocutário); a generalidade (o princípio argumentativo deve ser reputado válido, além da situação na qual é aplicado, para um grande número de situações análogas); a gradualidade (os topoi são de natureza gradual na medida em que relacionam escalas, gradações entre as quais estabelecem uma correspondência, implicando a possibilidade de comparações em termos de mais e de menos).

O conceito de “topoi” está relacionado à noção de ideologia, uma vez que os topoi apresentam princípios gerais e concorrentes mobilizados nos enunciados quanto à intenção argumentativa do locutor (cf. Brandão, 1997, p. 120). A intenção argumentativa em relação aos “topoi” é a de modificar crenças comuns estabelecidas na comunidade discursiva, utilizando a monofonização de várias vozes para persuadir o alocutário.

Leia atentamente o texto abaixo:

Disponível em <http://depositodocalvin.blogspot.com/search/label/Calvin>.

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Observe a avaliação que há implícita nesse texto. Há uma representação do mundo dos adultos e do mundo das crianças, em que o segundo grupo está sendo avaliado pelo primeiro. Na fala do personagem Calvin fica subentendido que os adultos são manipulados pelas crianças. Portanto, há uma negação da crença comum de que o adulto é quem “manda” e a criança “obedece”. No discurso da criança há, na verdade, estratégias que levam o adulto a concordar com ela. É isso que está sendo colocado em questão.

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