Análise dos falsos aumentativos no Português do Brasil · Anais da III Jornada de Descri c~ao do...

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9 Anais da III Jornada de Descri¸ ao do Portuguˆ es, p´aginas 9–14, Fortaleza, CE, Brasil, Outubro 21–23, 2013. c 2013 Sociedade Brasileira de Computa¸c˜ao Análise dos falsos aumentativos no Português do Brasil Roana Rodrigues 1 , Oto Araújo Vale 1 1 Departamento de Letras Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Caixa Postal 676 13.565-905 São Carlos SP Brasil [email protected], [email protected] Abstract. This study analyzes the suffix -ão and -ona on nouns, adjectives, adverbs and numeral in order to establish a typology of false augmentative in Brazilian Portuguese. Despite being a known phenomenon often mentioned in literature, it never was described in details. In addition to descriptive interest in itself, we intend to conduct a direct application in the creation of resources for Natural Language Processing (NLP). Resumo. O presente trabalho analisa o comportamento morfológico dos sufixos -ão e -ona em substantivos, adjetivos, advérbios e numeral com a finalidade de se estabelecer uma tipologia dos falsos aumentativos no português do Brasil. Apesar de ser um fenômeno conhecido e muitas vezes mencionado na literatura, nunca apresentou nenhum estudo minucioso, tampouco, uma descrição de toda a sua amplitude. Além do interesse descritivo em si, pretende-se realizar uma aplicação direta na constituição de recursos para o Processamento de Linguagem Natural (PLN).

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Anais da III Jornada de Descricao do Portugues, paginas 9–14, Fortaleza, CE, Brasil, Outubro 21–23, 2013.

c©2013 Sociedade Brasileira de Computacao

Análise dos falsos aumentativos no Português do Brasil

Roana Rodrigues1, Oto Araújo Vale

1

1Departamento de Letras – Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

Caixa Postal 676 – 13.565-905 – São Carlos – SP – Brasil

[email protected], [email protected]

Abstract. This study analyzes the suffix -ão and -ona on nouns, adjectives,

adverbs and numeral in order to establish a typology of false augmentative in

Brazilian Portuguese. Despite being a known phenomenon often mentioned in

literature, it never was described in details. In addition to descriptive interest

in itself, we intend to conduct a direct application in the creation of resources

for Natural Language Processing (NLP).

Resumo. O presente trabalho analisa o comportamento morfológico dos

sufixos -ão e -ona em substantivos, adjetivos, advérbios e numeral com a

finalidade de se estabelecer uma tipologia dos falsos aumentativos no

português do Brasil. Apesar de ser um fenômeno conhecido e muitas vezes

mencionado na literatura, nunca apresentou nenhum estudo minucioso,

tampouco, uma descrição de toda a sua amplitude. Além do interesse

descritivo em si, pretende-se realizar uma aplicação direta na constituição de

recursos para o Processamento de Linguagem Natural (PLN).

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1. Uma tipologia dos falsos aumentativos no Português do Brasil

O fenômeno dos falsos aumentativos no português do Brasil, assim como dos falsos

diminutivos, é sempre retomado em livros didáticos e mencionado por alguns linguistas,

dentre os quais pode-se citar Bechara, 1970; Cunha, 1982; Celso e Cunha, 1985;

Mattoso Camara Jr., 1986; Laroca, 2005; Azeredo, 2008. Suas análises, em geral,

buscam demonstrar a importante diferenciação entre flexão (fenômeno marcado pela

obrigatoriedade e sistematização) e derivação – onde se enquadram os morfemas aqui

tratados –, que é o processo de criação de novas palavras, cuja implantação não é

obrigatória e regular.

Constatamos que é comum em língua portuguesa encontrarmos mesmas

construções morfêmicas com distintos significados e é a partir dessas construções que

nos deparamos com os falsos aumentativos e falsos diminutivos. Dessa maneira, o

sufixo -ão em portão não alude ao aumentativo dos lexemas porto ou porta, da mesma

maneira que -inha em camisinha não se refere, única e exclusivamente, ao diminutivo

de camisa.

ATabela 1 nos mostra o número de lexemas analisados para a criação das

tipologias aqui propostas. O estudo baseou-se nas palavras terminadas em -ão e -ona

encontradas, primeiramente, nos dicionários de língua protuguesa Aurélio (2009) e

Houaiss (2009) e, em seguida, no corpus do NILC/São Carlos (Núcleo Interinstitucional

de Linguística Computacional) sediado no Instituto de Ciências Matemáticas e de

Computação da Universidade de São Paulo em São Carlos e disponibilizado no site da

Linguateca.

Tabela 1. Lexemas analisados nos dicionários Aurélio e Houaiss e no Corpus do NILC

2. Análise dos dicionários Aurélio e Houaiss

Inicialmente, pretendia-se constatar – através da observação das entradas terminadas em

-ão e -ona nos dicionários Aurélio (2009) e Houaiss (2009)– se os morfemas em pauta

se referiam ao aumentativo do lexema e/ou se tratava-se de um falso aumentativo.

Entretanto, no decorrer do trabalho, foi possível verificar diversos elementos recorrentes

nas diferentes classes gramaticais analisadas (substantivo (N), adjetivo (Adj), advérbio

(Adv) e numeral) e, por isso, optou-se por ampliar o estudo e realizar uma classificação

mais detalhada.

Como são poucos os estudos no português do Brasil sobre o tema, houve certa

dificuldade para realizar esta classificação, que conta, além das classes gramaticais, com

Dicionários Aurélio e Houaiss Corpus do NILC

Lexemas terminados em -ão 5906 833

Lexemas terminados em -ona 397 132

Total 6303 965

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as seguintes entradas: a) forma aumentativa (Forma Aum.); Forma Original (Forma

Orig.); Original (Orig.); Aumentativo (Aum.); Falso Aumentativo (FAum.); Sinônimo

(Sin.); Substantivo (N); Adjetivo (Adj.); Advérbio (Adv.); Numeral; Ato/Efeito;

Intensidade e Apreciação. Também listamos os campos semânticos mais recorrentes

(química, física e botânica). A classificação supracitada pode ser observada na Tabela 2.

Tabela 2. Lexemas terminados em -ão e -ona dos dicionários Aurélio e Houaiss

Lexemas que se referem a elementos e processos químicos foram classificados

como falso aumentativo e se enquadram no campo semântico da química, como é o caso

acetona, dipirona. Palavras analisadas como ato/efeito geralmente são derivadas de

verbos e consideradas no presente trabalho como falso aumentativo: administração: ato,

processo ou efeito de administrar. Falso aumentativo também são os casos em que a

forma original (Orig) coincide com a forma aumentativa (Aum): amazona > amazona

ou situações em que o sufixo -ão ou -ona não possuem valor de aumentativo, mas de

diminutivo: pontilhão > ponte: pequena ponte. Bonzão > bom: muito bom e capona >

capa: capa grande são exemplos de aumentativos reais que representam intensidade e

algo de grande dimensão, respectivamente.

3. Análise do Corpus do NILC

Com o intuito de aprofundar o tema, o segundo passo foi sistematizar como tais

morfemas se apresentam em uso. Para isso, analisamos o Corpus do NILC/São Carlos

que contém textos brasileiros do registro jornalístico, didático, epistolar e redações de

alunos; disponibilizado no site da Linguateca (Centro de recursos – distribuído – para o

processamento computacional da língua portuguesa).

É válido ressaltar que, mesmo encontrando uma significativa quantidade de

ocorrências, não classificamos os verbos (pois todos os verbos terminados em -onar,

quando conjugados na terceira pessoa do singular do presente do indicativo, terão a

terminação -ona), tampouco analisamos nomes próprios.

Como o sufixo -ão aparece em muitas palavras pelo seu caráter de ato/efeito e/ou

por derivar de verbos, viu-se a necessidade de extrair do corpus apenas as mil primeiras

ocorrências dos lexemas terminados com este sufixo. Alguns casos, tidos como

interessantes na análise dos dicionários, não foram computados nesta primeira busca,

Au

réli

o

Ho

ua

iss

Fo

rma

Au

m.

Fo

rma

Ori

g.

Ori

g

Au

m

FA

um

Sin

.

N

Ad

j

Ad

v

Nu

mer

al

Qu

ímic

a

Fís

ica

Bo

tân

ica

Ato

/efe

ito

Inte

nsi

da

de

+ + acetona acetona + - + - + - - - + - - - -

+ + administração administração + - + - + - - - - - - + -

+ + amazona amazona + - + - + - - - - - - - -

+ + bonzão bom - + - - - + - - - - - - +

+ + capona capa - + - - + - - - - - - - -

+ + pontilhão ponte - - + - + - - - - - - - -

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então realizamos uma nova tabela para acrescentá-los. Na primeira análise das mil

palavras estudadas, sistematizamos 777 e na busca realizada posteriormente, agregamos

56 entradas ao nosso trabalho.

A classificação nesta segunda etapa deu ênfase na questão do uso, por isso as

principais características analisadas foram: a) forma aumentativa (Forma Aum.); Forma

Original (Forma Orig.); Original (Orig.); Aumentativo (Aum.); Falso Aumentativo

(FAum.); Sinônimo (Sin.); Substantivo (N); Adjetivo (Adj.); Advérbio (Adv.);

Numeral; Ato/Efeito; Intensidade (por exemplo: grande > grandão, muito grande);

Apreciação (por exemplo: novela > novelão, uma novela muito boa); e Exemplos

retirados do corpus. A Tabela 3 nos mostra algumas ocorrências.

Tabela 3. Lexemas terminados em -ão e -ona do Corpus NILC

Assim como observado na análise dos dicionários, lexemas como batalhão e

carona nos mostram que alguns falsos aumentativos assim o são por possuírem a forma

original (Orig) idêntica à forma aumentativa (FAum). Bolona e Bolão podem ser

entendidos com o aumentativo de bola, no entanto, bolão também significa um grande

prêmio em dinheiro o que lhe dá a classificação de falso aumentativo. Já calorão >

muito calor e carrão > carro bom, novo, moderno são palavras entendidas como

aumentativas por denotarem intensidade e apreciação, respectivamente.

4. Considerações Finais

Pode-se afirmar que os resultados obtidos foram satisfatórios, pois as listas geradas

conseguiram aprofundar o problema dos falsos aumentativos no português do Brasil,

evidenciando a amplitude de tal fenômeno.

Afirmamos, portanto, que entendemos por aumentativo não apenas algo de

tamanho grande, mas também aquilo que pode denotar intensidade (bonzão: muito

bom; chuvão: chuva forte) e apreciação (mãezona: mãe boa). Assim, anotamos como

Fo

rma

Au

m.

Fo

rma

Ori

g.

Ori

g.

Au

m.

FA

um

.

Sin

N

Ad

j

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v

Nu

mer

al

Ato

/efe

ito

Inte

nsi

da

de

Ap

recia

ção

Ex

emp

lo

batalhão batalhão + - + - + - - - - - -

No batalhão selecionado, há

representantes de várias

gerações

bolona bola - + - - + - - - - - - Ou descer numa bolona como

a Madonna

bolão bola - + + - + - - - - - - Já há um bolão de apostas

entre parlamentares

calorão calor - + - - + - - - - + - dá sede e calorão

carona carona + - + - + - - - - - - Ciro deu carona a seu colega

até o restaurante

carrão carro - + - - + - - - - - +

Tem muita gente que passa

de carrão importado e

estaciona para observar os

outros

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aumentativos lexemas como: capona: capa grande; cestão: cesto ou cesta de grandes

proporções; assim como caladona: muito calada; tardão: muito tarde; etc.

Já os falsos aumentativos podem ocorrer, sobretudo, nas seguintes situações:

i) quando os sufixos -ão e -ona não denotam apenas algo de tamanho grande,

intensidade ou apreciação: bandejão > bandeja: restaurante que serve refeição à preço

popular; macacão > macaco: roupa, traje informal; orelhão > orelha: espécie de cabine

telefônica; quentão > quente: bebida preparada com aguardente.

ii) quando os sufixos -ão e -ona são inerentes ao lexema, ou seja, a forma

aumentativa é igual à forma original: almeirão, avião, batalhão, poltrona, vulcão;

iii) quando a forma original e a forma aumentativa possuem uma relação de

sinonímia: purona > pura (cachaça). Tal classificação, no entanto, não se aplica à

análise do corpus, pois em uso os sufixos aumentativos, mesmo possuindo um

significado similar à sua forma original, tendem a transmitir um juízo de valor.

iv) quando o acréscimo dos sufixos aumentativo (-ão/-ona) tem valor de

diminutivo: caravelão > caravela: caravela pequena; escotilhão > escotilha: escotilha

de pequenas dimensões;

A análise dos dados do corpus do NILC foi fundamental para constatar como tais

morfemas se apresentam em uso e, desse modo, evidenciar que o acréscimo dos

morfemas -ão e -ona às palavras possuem uma intenção, mesmo que seja a de enfatizar,

ironizar e/ou demonstrar carinho.

Desse modo, constatamos que os aumentativos, em uso, apresentam uma grande

quantidade de acepções que se fazem claramente compreendidas de acordo com o

contexto em que são expressas. Já a questão dos falsos aumentativos, em número

bastante elevado, se associa a campos semânticos mais específicos (listados,

principalmente, nos dicionários).

Com os resultados das listagens, procura-se contribuir para enriquecer os

dicionários eletrônicos do software Unitex (PAUMIER, 2002; MUNIZ, 2004),

permitindo um maior refinamento nas buscas e evitando ambiguidades desnecessárias.

Além dessa aplicação específica, o resultado da pesquisa também poderá vir a ser

utilizado por pesquisadores – colaborando com a descrição de outros fenômenos da

língua em níveis superiores, como a sintaxe e o discurso.

5. Referências Bibliográficas

AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo:

Publifolha, 2008.

BECHARA, E. Moderna Gramática Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 1970.

CAMARA Jr., J. M. Problemas de linguística descritiva. Petrópolis, RJ: Vozes, 1971.

CUNHA, C. Gramática de base. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura,

1982.

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CUNHA, C. e CINTRA, L. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

FERREIRA, A. Novo dicionário Aurélio da língua Portuguesa. Rio de Janeiro:

Positivo, 2009.

HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. São Paulo: Editora Objetiva,

2009.

LAROCA, M. N. C. Manual da morfologia do português. Campinas, SP: Pontes, 2005.

MUNIZ, M. 2004. A construção de recursos lingüístico-computacionais para o

português do Brasil: o projeto de Unitex-PB. Dissertação (Mestrado) USP - São

Carlos, 2004.

PAUMIER, S.. Unitex Manual. Université Marne-la-Vallée, 2002.

SANTOS, P. B. Um estudo sobre a produtividade dos sufixos aumentativos. Disponível em:

<http://www.filologia.org.br/vcnlf/anais%20v/civ6_18.htm>. Acesso em: 22 ago. 2012.