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53 HU Revista, Juiz de Fora, v. 42, n. 1, p. 53-60, jan./jun. 2016 Análise dos resultados de neurólises em pacientes com hanseníase Arnaldo Gonçalves de Jesus Filho * Elmano de Araujo Loures * Samir Haikal Junior ** Leandro de Furtado Simoni * Paulo Randal Pires *** Simone Gonçalves de Jesus **** RESUMO O objetivo deste estudo é avaliar a eficácia da neurólise cirúrgica no tratamento da neurite periférica em pacientes com hanseníase. Trata-se de um estudo retrospectivo de vinte e cinco pacientes hansenianos sub- metidos à neurólise com média de idade de 39,4 anos. A perda sensitiva foi quantificada pelo método dos monofilamentos de Siemmens-Weistein e a dor foi informada pelo paciente através de escala numérica analó- gica. As variáveis foram analisadas pré e pós operatoriamente. O Teste da Binomial, utilizado para a análise comparativa entre as avaliações sensitiva, mostrou variação não significativa estatisticamente (p > 0,05) nas medições pré e pós-operatórias, indicando ausência de progressão da parestesia. Houve melhora significativa da dor em todos os pacientes. Conclusão: a neurólise cirúrgica foi eficaz no alívio da dor e interrompeu a progressão da perda sensitiva na neuropatia periférica de hansenianos. Palavras-chave: Hanseníase. Neurite. Complicações. Nervos periféricos. Síndromes de Compressão Nervosa. Parestesia. Nervo ulnar. Cirurgia. * Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Universitario da Universidade Federal de Juiz de Fora - MG . E-mail : arnaldofilho2004@ hotmail.com ** Hospital da Baleia –Belo Horizonte -MG, Hospital Maria Amelia Lins- Belo Horizonte -MG e Hospital das Clinicas da Universidade Federal de Minas Gerais-Belo Horizonte – MG. *** Hospital Madre Teresa – Belo Horizonte -MG e Hospital Maria Amelia Lins- Belo Horizonte –MG. **** Nucleo de Ortopedia e Fisioterapia – Juiz de Fora-MG . 1 Introdução A hanseníase é uma moléstia de evolução prolongada (EICHELMANN et al., 2013) com grande potencial incapacitante (BELLO; DENGZEE; IYOR, 2013; LUSTOSA et al., 2011), atinge principalmente as camadas mais pobres da população (HACKER et al., 2012), apresentando endemicidade em todas as macrorregiões brasileiras. A neurite hansênica cursa com um infiltrado inflamatório crônico ou subagudo, que pode ocupar o endoneuro, o perineuro e o epineuro, provocando uma lesão progressiva das fibras mielínicas e amielínicas, com consequente substituição do tecido nervoso periférico por tecido fibroso (PANDEY; NAYAK; MEHNDIRATTA, 2013; SKACEL et al., 2000; VALLAT et al., 1991). O M. leprae tem predileção por regiões anatômicas com temperaturas mais baixas, como pele, orelha, testículos e nervos mais superficiais. Por isso, os nervos mais comumente afetados são os sensitivos cutâneos, o ulnar, mediano, tibial e fibular (IKEHARA et al., 2010). O tratamento inicial das neurites é geralmente conservador, mas existem casos em que a cirurgia é a melhor opção (CLARO, 1995; DUERKSEN; VIRMOND, 1990; JAMBEIRO et al., 1999; SKACEL et al., 2000). Provavelmente, não há outra doença que produza tanta incapacidade física, social e emocional como a hanseníase (BELLO; DENGZEE; IYOR, 2013; DUERKSEN; VIRMOND, 2011; IKEHARA et al., 2010; WIJK et al., 2013). A hipótese deste trabalho é mostrar, após o tratamento de neurólise externa, a melhora tanto em sensibilidade como em alívio da dor e mostrar a eficácia do tratamento cirúrgico na neurite periférica em paciente com hanseníase.

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53HU Revista, Juiz de Fora, v. 42, n. 1, p. 53-60, jan./jun. 2016

Análise dos resultados de neurólises em pacientes com hanseníase

Arnaldo Gonçalves de Jesus Filho *

Elmano de Araujo Loures*

Samir Haikal Junior**

Leandro de Furtado Simoni*

Paulo Randal Pires***

Simone Gonçalves de Jesus****

Resumo

O objetivo deste estudo é avaliar a eficácia da neurólise cirúrgica no tratamento da neurite periférica em pacientes com hanseníase. Trata-se de um estudo retrospectivo de vinte e cinco pacientes hansenianos sub-metidos à neurólise com média de idade de 39,4 anos. A perda sensitiva foi quantificada pelo método dos monofilamentos de Siemmens-Weistein e a dor foi informada pelo paciente através de escala numérica analó-gica. As variáveis foram analisadas pré e pós operatoriamente. O Teste da Binomial, utilizado para a análise comparativa entre as avaliações sensitiva, mostrou variação não significativa estatisticamente (p > 0,05) nas medições pré e pós-operatórias, indicando ausência de progressão da parestesia. Houve melhora significativa da dor em todos os pacientes. Conclusão: a neurólise cirúrgica foi eficaz no alívio da dor e interrompeu a progressão da perda sensitiva na neuropatia periférica de hansenianos.

Palavras-chave: Hanseníase. Neurite. Complicações. Nervos periféricos. Síndromes de Compressão Nervosa. Parestesia. Nervo ulnar. Cirurgia.

* Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Universitario da Universidade Federal de Juiz de Fora - MG . E-mail : [email protected]** Hospital da Baleia –Belo Horizonte -MG, Hospital Maria Amelia Lins- Belo Horizonte -MG e Hospital das Clinicas da Universidade Federal de Minas Gerais-Belo Horizonte – MG.*** Hospital Madre Teresa – Belo Horizonte -MG e Hospital Maria Amelia Lins- Belo Horizonte –MG.**** Nucleo de Ortopedia e Fisioterapia – Juiz de Fora-MG .

1 Introdução

A hanseníase é uma moléstia de evolução prolongada (EICHELMANN et al., 2013) com grande potencial incapacitante (BELLO; DENGZEE; IYOR, 2013; LUSTOSA et al., 2011), atinge principalmente as camadas mais pobres da população (HACKER et al., 2012), apresentando endemicidade em todas as macrorregiões brasileiras.

A neurite hansênica cursa com um infiltrado inflamatório crônico ou subagudo, que pode ocupar o endoneuro, o perineuro e o epineuro, provocando uma lesão progressiva das fibras mielínicas e amielínicas, com consequente substituição do tecido nervoso periférico por tecido fibroso (PANDEY; NAYAK; MEHNDIRATTA, 2013; SKACEL et al., 2000; VALLAT et al., 1991).

O M. leprae tem predileção por regiões anatômicas com temperaturas mais baixas, como pele, orelha, testículos e nervos mais superficiais.

Por isso, os nervos mais comumente afetados são os sensitivos cutâneos, o ulnar, mediano, tibial e fibular (IKEHARA et al., 2010). O tratamento inicial das neurites é geralmente conservador, mas existem casos em que a cirurgia é a melhor opção (CLARO, 1995; DUERKSEN; VIRMOND, 1990; JAMBEIRO et al., 1999; SKACEL et al., 2000).

Provavelmente, não há outra doença que produza tanta incapacidade física, social e emocional como a hanseníase (BELLO; DENGZEE; IYOR, 2013; DUERKSEN; VIRMOND, 2011; IKEHARA et al., 2010; WIJK et al., 2013).

A hipótese deste trabalho é mostrar, após o tratamento de neurólise externa, a melhora tanto em sensibilidade como em alívio da dor e mostrar a eficácia do tratamento cirúrgico na neurite periférica em paciente com hanseníase.

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2 mateRial e métodos

Estudo de coorte retrospectivo, foram selecionados, para uma análise, prontuários de 30 pacientes com diagnóstico de hanseníase, atual ou prévio, submetidos à neurólise de nervos periféricos no período de 21/09/2006 a 19/04/2007.

Critérios de inclusão: diagnóstico de hanseníase, neuropatia periférica, deformidades neuropáticas.

Critérios de exclusão: patologia associada não neurológica, prontuário incompleto.

Dos 25 indivíduos, 18 eram do gênero masculino e 7 do gênero feminino; percebe-se que a maioria (72%) dos pacientes estudados é do sexo masculino. Os dados foram coletados por meio de prontuários e exames clínicos de pacientes, preenchendo-se ficha padronizada, e analisados por pesquisador único. A média de idade foi de 39,4 anos (³55 anos; £19 anos; desvio padrão ±11). Todos os pacientes foram avaliados, pré e pós operatoriamente, quanto às queixas álgica e parestésica. Foi pesquisado o uso ou não de corticoide no pré e pós-operatório.

No Brasil, há uma grande prevalência de hanseníase, sendo que grande parte destes pacientes apresentam marcadas deformidades ou incapacidades físicas. (Fotografia 1).

O estudo foi aprovado no comitê de ética do hospital de realização do projeto, e não foi solicitado aos pacientes assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido, por se tratar de revisão de prontuário.

Fotografia 1 – Atrofia da musculatura intrínseca da mão como sequela da neurite periférica da hanseníaseFonte: Os autores (2013)

A principal causa destas deformidades é a neuropatia periférica, que se caracteriza por um processo inflamatório causado, direta ou indiretamente (reação imunológica), pelo Mycobacterium leprae, levando a compressão neural intrínseca e/ou

extrínseca (Fotografia 2) e, consequente, disfunção do nervo.

Fotografia 2 – A seta indica o nervo ulnar espessado e a sua compressão no túnel cubital

Fonte: Os autores (2013)

A dor foi classificada em leve, moderada e grave; sendo considerada como dor leve aquela que cedia sem o uso de medicação, como moderada aquela que cedia com o uso de analgésicos comuns, e grave a dor que não cedia com o uso de analgésicos comuns. Usou-se uma escala numérica analógica de 0 a 10 na qual o menor valor significava ausência de dor e o maior valor a dor de maior intensidade possível na percepção do paciente.

A sensibilidade cutânea foi avaliada pela técnica estesiométrica dos monofilamentos de Siemmens-Weistein (Fotografias 3) por terapeuta ocupacional.

Fotografia 3 – EstesiômetroFonte – Sobrinho et al. (2001)

Este sistema é constituído por sete monofilamentos, que são diferenciados por cores e espessuras padronizadas e crescentes. Cada cor representa uma espessura de filamento que imprime determinada

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pressão sobre a pele (Quadro 1), demonstrando o nível de sensibilidade cutânea da região testada (JAMBEIRO et al., 1999; LEHMAN et al., 1997; SOBRINHO et al., 2001).

Os pacientes portadores de hanseníase e suas sequelas são acompanhados periodicamente por equipe multidisciplinar que inclui dermatologista, ortopedista, oftalmologista, terapeuta ocupacional, enfermeira e fisioterapeuta em um hospital de referência nesta patologia. Foram realizadas quatro PIs, em tempos diferentes, para monitorar a evolução do quadro. A primeira PI foi a realizada na admissão do paciente ao Serviço de Hanseníase; a segunda PI, foi realizada imediatamente antes do procedimento cirúrgico, sendo denominada PI pré-operatória.

Depois, se registrou uma primeira PI pós-operatória e uma segunda medição durante o seguimento de médio prazo. As principais medidas descritivas para idade e para o tempo entre as PIs são demonstradas na Tabela 1 e no Gráfico 1.

O Gráfico 1 mostra os tempos médios (colunas ou barras verticais) entre as PIs realizadas, bem como o desvio padrão (linha vertical em cima da coluna). O intervalo de amplitude maior, de acordo com essas medidas, foi entre a primeira PI e a PI pré-operatória, pois além da média ser grande (mais ou menos 470 dias), o desvio padrão também é grande (mais ou menos 530 dias). O menor tempo deu-se entre a 1ª PI pós-operatória e a PI pré-operatória.

QuadRo 1Legenda dos monofilamentos de Siemmens-Weisten

Monofilamentos deSiemmens-Weistein Peso (g) Interpretação do teste

Verde● 0,05 Sensibilidade normal na mão e no pé.

Azul● 0,20 Sensibilidade diminuída na mão e normal no pé;

Dificuldade para discriminar textura (tato leve).

Violeta● 2

Sensibilidade protetora diminuída na mão;Incapacidade de discriminar textura;Dificuldade para discriminar formas e temperatura.

Vermelho (fechado)● 4 Perda da sensibilidade protetora da mão e, às vezes, no pé;

Perda da discriminação de textura; Incapacidade de discriminar formas e temperatura.

Vermelho(marcar com x)⊗

10Perda da sensibilidade protetora no pé;Perda da discriminação de textura;Incapacidade de discriminar formas e temperatura.

Vermelho (circular)○

300 Permanece apenas a sensação de pressão profunda na mão e no pé.

Preto● Sem resposta Perda da sensação de pressão profunda na mão e pé.

Fonte: Sobrinho et al. (2001)

tabela 1Medidas descritivas para a idade e para o tempo mensurado entre as PIs. A média de tempo foi expressa em anos para a idade, e em dias

para o tempo entra as PIs

Variáveis N Média DP1 CV2 Mín. Centil25

Centil50

Centil75 Máx.

Idade 25 39 11 27 19 31 43 48 55

T1 28 468 535 114 2 74 281 787 1967

T2 23 189 75 40 90 126 179 222 333

T3 32 87 78 89 16 36 70 93 332

T4 23 258 58 23 161 215 238 297 354Legenda: 1 Desvio padrão; 2 Coeficiente de variação (%); Mín. = Mínimo; Máx. = Máximo; T1 = tempo entre a PI pré-operatória e a 1ª PI; T2 =tempo entre a 1ª PI pós-operatória e a última PI; T3 = tempo entre a PI pré-operatória e a 1ª PI pós-operatória; T4 = tempo entre a última PI e a PI pré-operatóriaFonte: Os autores (2013)

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As medidas descritivas para o tempo mensurado entre as PIs e a cirurgia encontram-se demonstradas na Tabela 2.

A média de tempo foi expressa em dias. Podemos observar que a média de tempo entre a cirurgia e a última PI (T7) foi de 230 dias, com desvio padrão de 65 dias, sendo bem maior que a média de tempo entre a 1ª PI pós-operatória e a cirurgia (T6).

Os nervos submetidos à neurólise foram ulnar, mediano e tibial, em ordem decrescente de incidência, sendo que o nervo ulnar esquerdo foi o mais frequentemente abordado (Tabela 3). Os 25 pacientes tiveram 32 nervos submetidos à descompressão cirúrgica com epineurotomia externa. As análises estatísticas comparativas entre as avaliações neurológicas de prevenção de incapacidade do pré e pós-operatórios foram calculadas com base nas 32 cirurgias/nervos. As demais avaliações foram calculadas com base nos 25 pacientes.

Podemos observar que 7 pacientes tiveram 2 nervos abordados simultaneamente, portanto há um total de 32 nervos operados para 25 pacientes.

Como a amostra é de 32 nervos, sendo que em alguns casos temos apenas 23 informações completas, o teste estatístico escolhido para avaliar a significância entre esses quadros clínicos é o Teste da Binomial, que é um teste não-paramétrico, idealizado para uma

amostra independente, em que a variável qualitativa é dicotômica e cujas características são designadas por sucesso e insucesso. Este teste compara as frequências observadas com as que se espera obter com uma distribuição Binomial.

4 Resultados

Quanto à doença hansênica, a amostra possuía 11 portadores da hanseníase Virchowiana, 7 da Mista ou Indeterminada, 2 da Tuberculoide. Cinco não foram classificados. Todos os indivíduos usaram prednisona no pré e no pós-operatório. A Tabela 4 mostra o resultado da 1ª PI realizada para os 32 nervos acometidos.

Gráfico 1 – Média e desvio padrão dos tempos entre as PIs (em dias)Fonte: Os autores (2013)

tabela 2Medidas descritivas para o tempo mensurado entre as PIs e a cirurgia

Variáveis N Média DP1 CV2 Mín. Centil25

Centil50

Centil75 Máx.

T5 32 44 48 108 1 14 28 55 191T6 32 43 38 88 8 15 28 54 141T7 23 230 65 28 113 194 221 257 347

Legenda: 1 Desvio padrão; 2 Coeficiente de variação (%); Mín. = Mínimo; Máx. = Máximo; T5 = tempo entre a data da cirurgia e a PI pré-operatória; T6 = tempo entre a data da cirurgia e a1ª PI pós-operatória; T7 = tempo entre a data da cirurgia e a última PIFonte: Os autores (2013)

tabela 3Demonstra os nervos submetidos à neurolise. Em um total de 25

pacientes,

NervosNº de

pacientes operados

Nº de nervos

operados

# 1 nervo por paciente

Ulnar esquerdo 07 07

Ulnar direito 04 04

Mediano esquerdo 01 01

Mediano direito 01 01

Tibial esquerdo 04 04

Tibial direito 01 01

## 2 nervos por paciente

Ulnar esquerdo + Tibial direito 03 06

Ulnar + Mediano esquerdos 02 04

Ulnar + Mediano direitos 02 04

Total 25 32Legenda: # Pacientes que foram submetidos à neurolise de apenas 1 nervo; ## Pacientes que foram submetidos à neurolise de 2 nervos simultaneamenteFonte: Os autores (2013)

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tabela 4Resultado da análise da 1ª PI

Teste de Siemmens-Weistein Nº de nervos envolvidos

● Verde 9

● Azul 3

● Violeta 5

● Vermelho (fechado) 2

⊗ Vermelho (marcar com x) 1

○ Vermelho (circular) 4

● Preto 4

Não realizaram a 1ª PI 4

Total 32Fonte: Os autores (2013)

O Gráfico 2 mostra a distribuição do quadro clínico entre as PIs realizadas.

Observa-se no Gráfico 2 que, na PI pré-operatória em relação à primeira PI, houve 57% de quadros clínicos piores. Por outro lado, tem-se na última PI, em relação à PI pré-operatória e em relação à primeira PI pós-operatória, que os quadros clínicos de melhora são de 52% e 65,2%, respectivamente.

A Tabela 5 apresenta os resultados do teste Binomial para as quatro situações envolvidas no Gráfico 2.

tabela 5Teste Binomial para a evolução dos quadros clínicos entre as PIs

Quadro clínico/situaçãoFrequências

Valor pAbs. # %

Primeira PI x PI pré-operatória 0,0125

Não Melhorou 21 75

Melhorou 7 25PI pré-operatória x Primeira PI pós-operatória 0,1102

Não Melhorou 21 66

Melhorou 11 34

Primeira PI pós-operatória x Última PI 0,4049

Não Melhorou 9 39

Melhorou 14 61

PI pré-operatória x Última PI 1,0000

Não Melhorou 11 48

Melhorou 12 52Legenda: # AbsolutoFonte: Os autores (2013)

O teste binomial avalia as seguintes hipóteses: H0 = se a proporção de melhoras no quadro clínico é considerada estatisticamente igual à proporção de não melhoras; versus H1 = se essas proporções são diferentes (proporção de não melhoras maior que a de melhoras). Adotando um nível de significância

Gráfico 2 – Distribuição do quadro clínico entre as PIs realizadasLegenda: * 28 nervos analisados; ** 23 nervos analisadosFonte: Os autores (2013)

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de 5%, percebe-se que, entre a primeira PI e a PI pré-operatória, o valor p foi menor que o nível de significância de 0,05 e assim temos razões suficientes para rejeitar a hipótese nula (H0) de igualdade entre a proporção de melhoras e não melhoras e, observando os valores amostrais, nota-se uma tendência forte para que a proporção de não melhoras seja maior que a de melhoras.

Nas outras três situações (PI pré-operatória x Primeira PI pós-operatória; Primeira PI pós-operatória x Última PI; e PI pré-operatória x Última PI), com um nível de significância de 5%, se aceita a hipótese nula de igualdade entre as proporções de melhoras e de não melhoras, pois os valores p são maiores que 0,05. Este resultado indica uma proporção de melhoras maior que a de não melhoras.

Na análise da queixa álgica constatou-se que todos os 25 pacientes queixavam-se de dor no pré-operatório, sendo que 04 pacientes apresentaram dor leve, 13 relataram dor moderada, e 08 queixaram-se de dor severa. No pós-operatório imediato, 25 (100%) pacientes referiram melhora acentuada da dor, evoluindo na escala numérica analógica.

5 dIscussão

O próprio espessamento nervoso é também importante fator compressivo, pois o nervo tende a ser comprimido nos pontos onde o seu trajeto passa por canais sem capacidade de acomodação desse volume (VALLAT et al., 1991).

Este espessamento nervoso foi observado em nosso estudo c mostrou que mesmo os pacientes com neuropatia periférica leve já apresentavam algum grau de espessamento nervoso.

Os pontos naturais de estreitamento anatômico do trajeto dos nervos periféricos, como o canal carpiano no punho, o ligamento de Osborne no cotovelo e o túnel do tarso no tornozelo, são, frequentemente, causadores das compressões extrínsecas devido ao aumento de volume do nervo e devem ser abordados. Nesse caso, a abertura desses pontos compressivos extrínsecos, como em qualquer síndrome compressiva, pode ser o diferencial no prognóstico funcional desse nervo (VALLAT et al., 1991).

Em nosso estudo, após pesquisada a neuropatia, os pontos compressivos foram liberados em todos os casos, concordando com a literatura já apresentada.

De acordo com a literatura, pode haver, após a cirurgia de neurólise externa, um certo grau de necrose caseosa, o que não foi observado em nosso estudo.

A maioria das neurites em hanseníase deve ser inicialmente tratada com esteróides, anti-inflamatórios,

imobilização e fisioterapia (DUERKSEN; VIRMOND, 1990).

A média de tempo foi expressa em dias. Podemos observar que a média de tempo entre a cirurgia e a última PI (T7) foi de 230 dias, com desvio padrão de 65 dias, sendo bem maior que a média de tempo entre a 1ª PI pós-operatória e a cirurgia (T6).

As indicações cirúrgicas de neurólise externa são: (1) Neurite não responsiva ao tratamento conservador por quatro semanas; (2) Episódios de neurites recorrentes nas tentativas de se diminuir a dose do corticosteróide; (3) Abscesso de nervo; (4) Contraindicação para o uso de corticoides.

A técnica dos monofilamentos de Siemmens-Weisten é rotineiramente utilizada como parte da avaliação dos pacientes com hanseníase nas chamadas PIs. Constitui-se em um método simples, de baixo custo e satisfatório para quantificar a perda sensitiva e, consequentemente, auxiliar na análise dos resultados das neurólises (JAMBEIRO et al., 1999; LEHMAN et al., 1997; SOBRINHO et al., 2001).

O Teste Binomial mostrou uma evolução do percentual de pacientes que tiveram a sensibilidade melhorada entre as avaliações pré e pós operatórias e entre a pós-operatória precoce e tardia.

Entre as avaliações inicial e pré-operatória ocorreu piora da sensibilidade e da dor. O Gráfico 2 revela que na primeira comparação o percentual de não melhoras era estatisticamente maior que o de melhoras, por isso o valor p foi menor que 0,05, indicando uma diferença significativa entre estes percentuais.

Na segunda comparação, o teste foi não significativo, indicando uma igualdade entre os percentuais de melhoras e não melhoras, ou seja, o percentual de melhoras aumentou após a cirurgia, embora o valor p ainda seja considerado baixo (11%). A não significância do teste aumentou com o passar das avaliações, valores p iguais a 40,5% e 100% para a 3ª e 4ª comparações, respectivamente, mostrando que houve uma evolução positiva, estatisticamente significativa, de melhoras. Pode-se observar também que, à medida que o tempo entre a cirurgia e as PIs aumenta, há um aumento mais significativo do percentual de melhoras (Tabela 2 e Gráfico 2.

Foi realizada transposição anterior subcutânea do nervo ulnar em 06 pacientes que apresentaram instabilidade deste nervo após a neurólise externa, mas como quatro pacientes não realizaram a última PI, resolveu-se não discriminá-los no trabalho. Houve uma tendência à piora da sensibilidade cutânea na primeira PI pós-operatória, a qual melhorou nos dois pacientes que fizeram a última PI, embora sem atingir os padrões pré-operatórios. Esta piora inicial talvez se explique pela desvascularização adicional do

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CLARO, L. B. L. Hanseníase: representações sobre a doença.

Cadernos de saúde pública, Rio de Janeiro, v. 11, n. 4, p. 631-638,

out./dez. 1995.

DUERKSEN, F.; VIRMOND, M. A mão em hanseníase. In:

PARDINI, A. G. Cirurgia da mão: lesões não-traumáticas. Belo

Horizonte: Medsi, 1990. p. 281-321.

6 conclusão

O estudo trata de um tema importante no tratamento ao portador de hanseníase, no sentido de proporcionar o alívio da dor sem intensificar a perda sensitiva após o procedimento da neurólise nestes indivíduos.

A maior dificuldade desse estudo foi encontrar, tanto na literatura médica nacional quanto na internacional, trabalhos contemporâneos semelhantes que abordem esse tema. Essa dificuldade talvez seja reflexo dessa doença ter controle adequado com medicações e, com isso, ter ocorrido uma diminuição acentuada das sequelas relacionadas à hanseníase nos grandes centros formadores de opinião. Mas infelizmente, nas regiões subdesenvolvidas, ainda temos elevada prevalência dessa patologia. Acredito que esse tema ainda deva ser explorado, tanto na literatura nacional quanto na internacional, para preencher as muitas lacunas ainda existentes.

Os nervos submetidos à neurólise foram o ulnar, mediano e tibial, em ordem decrescente de incidência, sendo que os resultados não são comparáveis, quando do tratamento com outras neuropatias.

Baseando-se nos dados obtidos, concluímos que a neurólise externa dos nervos periféricos em pacientes com neurite hansênica, nas indicações descritas, foi eficaz no alivio da dor , não ocorrendo nenhuma progressão da perda sensitiva após o procedimento.

nervo provocada pela transposição anterior. Neste caso, seria conveniente um seguimento de longo prazo em estudo especificamente direcionado a este procedimento, já que a média de tempo entre a cirurgia e a 1ª PI pós-operatória foi de apenas 43 dias (máximo = 141; mínimo = 8; desvio padrão ± 38), como demonstrado na Tabela 2.

A limitação do estudo deve-se essencialmente ao número limitado de indivíduos e à condição social da amostra que dificulta o seguimento de longo prazo. O outro obstáculo encontrado se relaciona com a origem do paciente, visto que 64% dos pacientes eram oriundos do interior de Minas Gerais, dificultando o seguimento destes por um período maior. Este grupo representou a maioria dos que não realizaram a última PI.

A complicação mais comum foi a infecção, quase sempre superficial. Ocorreu com maior frequência nas neurólises dos nervos tibiais, sendo que a administração de cefalexina tratou adequadamente todos esses casos.

A neurólise externa tem suas indicações precisas e pode ajudar na prevenção de deformidades, além de alívio da dor. Contudo, não se presta para tratar deformidades e atrofias já estabelecidas, quando outras modalidades de tratamento terão melhor indicação (MALAVIYA; RAMU, 1982).

Analysys of the results of neurólises in patients with leprosy

abstRact

The objective of this study is to evaluate the efficacy of surgical neurolysis in the treatment of peripheral neuritis in leprosy patients. It is a retrospective study of twenty-five leprosy patients underwent neurolysis with a mean age of 39.4 years. The sensory loss was graded by the method of monofilaments Siemmens-Weistein and pain was reported by the patient using a numeric analog scale. The variables were analyzed pre and post operatively. The Binomial Test used for comparative analysis between sensory evaluations showed no statistically significant variation (p > 0.05) in measurements before and after surgery, indicating no progression of paresthesia. There was significant improvement in pain in all patients. Surgical neurolysis was effective in relieving pain and preventing progression of sensory loss in leprosy peripheral neuropathy.

Keywords: Leprosy. Neuritis. Complications. Peripheral nerves. Nerve compression syndromes. Paresthesia. Ulnar nerve. Surgical.

referêncIas

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Enviado em 06/04/2014

Aprovado em 08/06/2016