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Análise Social

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Noêmia Lazzareschi

1ª edição

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© 2007 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

L432 Lazzareschi, Noêmia.

Análise social. - Curitiba : IESDE Brasil S.A., 2007

108 p.

ISBN: 978-85-7638-719-0

1. Ideologia 2. Análise social 3. Sociedades industriais 4. Compe-tências profissionais. I. Título

CDD 320.5

IESDE Brasil S.A Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

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Noêmia Lazzareschi

Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mestre em Ciências Sociais do Trabalho pelo Institut Supé-rieur du Travail da Université Catholique de Lou-vain (Bélgica). Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP). Professora do departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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A promessa e as tarefas das Ciências Sociais13 | Condições históricas do nascimento das Ciências Sociais

19 | As Ciências Sociais

As sociedades industriais capitalistas25 | Emile Durkheim

27 | Max Weber

28 | Karl Marx

30 | A estrutura das sociedades industriais capitalistas

32 | As empresas

As diferentes formas de administração do processo de trabalho no capitalismo moderno39 | A acumulação primitiva do capital

40 | A divisão tecnológica do trabalho

41 | Taylorismo e fordismo

45 | Impactos do taylorismo/fordismo sobre o trabalhador

48 | Os Anos Dourados

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A crise econômica mundial, a globalização da economia e a reestruturação produtiva59 | A crise da economia mundial

61 | A globalização da economia

67 | A reestruturação produtiva ou a nova lógica organizacional

68 | O desemprego e as novas relações de trabalho

Novas competências profissionais

Referências

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IntroduçãoA

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Historicamente situados, o mundo empresarial e o mundo do trabalho repercutem em seu inte-rior as condições econômicas, políticas, sociais e culturais hoje universalmente existentes, devendo ser considerados um microcosmos delas derivado. Frutos sociais do processo histórico mundial, são, no entanto, ao mesmo tempo seus produtores, irradiando universalmente as suas inovações tecnológicas e organizacionais das quais surgem novos produtos e serviços que inundam os mer-cados e determinam, em grande parte, novos estilos de vida. Processo social universal e mundo empresarial e do trabalho estão, pois, em relações recíprocas, constituindo uma só realidade social, objeto de estudo das Ciências Sociais.

Assim, a disciplina Análise Social tem como objetivo apresentar os subsídios teóricos produ-zidos pelas Ciências Sociais e, em especial, pela Sociologia, para a compreensão das interrela-ções entre a sociedade e o mundo empresarial e do trabalho.

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As diferentes formas de administração do processo de trabalho no capitalismo moderno

A acumulação primitiva do capital

A estrutura econômica da sociedade capitalista tornou-se possível graças à acumulação primitiva do capital ainda na estrutura econômica da sociedade feudal, anterior, portanto, à acumulação capitalista, como resultado de “pro-cessos idílicos” (aventureiros), sobretudo violentos, de obtenção de riquezas.

As descobertas de ouro e de prata na América, o extermínio, a escravização das populações indígenas, forçadas a trabalhar no interior das minas, o início da conquista e pilhagem das Índias Orientais e a transformação da África num vasto campo de caçada lucrativa são os acontecimentos que marcam os albores da era da produção capitalista. Esses processos idílicos são fatores fundamentais da acumulação primitiva. Logo segue a guerra comercial entre as nações européias, tendo o mundo por palco. Inicia-se com a revolução dos Países Baixos contra a Espanha, assume enormes dimensões com a guerra antijacobina da Inglaterra, prossegue com a guerra do ópio contra a China etc.

Os diferentes meios propulsores da acumulação primitiva se repartem numa ordem mais ou menos cronológica por diferentes países, principalmente Espanha, Portugal, Holanda, França e Inglaterra. Na Inglaterra, nos fins do século XVII, são coordenados através de vários sistemas: o colonial, o das dívidas públicas, o moderno regime tributário e o protecionismo. Esses métodos se baseiam em parte na violência mais brutal, como é o caso do sistema colonial. Mas, todos eles utilizavam o poder do estado, a força concentrada e organizada da sociedade para ativar artificialmente o processo de transformação do modo feudal de produção no modo capitalista, abreviando assim as etapas de transição. A força é o parteiro de toda sociedade velha que traz uma nova em suas entranhas. Ela mesma é uma potência econômica. (MArX, 1971, livro I, v. II, p. 868-869)

Max Weber também se refere aos processos de acumulação da riqueza anteriores ao capitalismo moderno que caracterizaram as formas de capitalismo irracional. Dentre esses processos,

[...] a ocupação e exploração de grandes regiões fora da Europa. As aquisições coloniais dos Estados europeus deram lugar, em todos eles, a uma gigantesca acumulação de riquezas dentro da Europa. O meio empregado para este acúmulo de riquezas foi o monopólio dos produtos coloniais, as possibilidades de colocação nas colônias, isto é, o direito de transportar-lhes as mercadorias, e, finalmente, as oportunidades de ganho que oferecia o transporte, mesmo entre a metrópole e as colônias, tal como foram asseguradas pela Ata de Navegação Inglesa, de 1651. Tal acumulação de riquezas ficou garantida, sem exceção, por todos os países, mediante o exercício do poder, o que se revestiu de várias formas, isto é, o Estado tirava das colônias lucros imediatos; administrando diretamente suas riquezas, ou cedendo-as a determinadas sociedades, em troca de certos pagamentos. (WEBEr, 1980, p. 136)

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Assim, se a acumulação primitiva do capital foi obtida mediante atividades aventureiras, como, por exemplo, as grandes navegações que permitiram a colonização, e/ou sobretudo mediante a violência cristalizada na escravidão e no extermínio dos povos indígenas, a acumulação do capital nas sociedades modernas resulta tão-somente da eficácia e eficiência da administração empresarial, isto é, da capacidade de explorar ao máximo, racionalmente, todos os recursos e/ou meios e/ou fatores da produção. resulta, portanto, da organização racional do trabalho no interior das empresas, do cálculo econômico permanente e da análise racional, probabilística em termos matemáticos, dos mercados nacionais e internacionais, frutos de múltiplas determinações: econômicas, políticas, sociais, culturais universais.

Neste capítulo, a atenção se volta para as implicações sociais e humanas do processo de racionalização do interior das empresas, isto é, das diferentes formas de organização racional do processo de trabalho que marcaram o século XX e determinaram, em grande parte, os mercados de trabalho.

A divisão tecnológica do trabalho

A primeira expressão da racionalização do interior das empresas indus-triais foi a divisão do processo de trabalho em operações especializadas atribuídas a diferentes trabalhadores, já no século XVIII, conforme nos demonstrou Adam Smith (1937, p. 4-5) em A Riqueza das Nações.

Um homem estica o arame, outro o retifica e um terceiro o corta; um quarto faz a ponta e um quinto prepara o topo para receber a cabeça; a cabeça exige duas ou três operações distintas: colocá-la é uma função peculiar, branquear os alfinetes é outra e até alinhá-los num papel é uma coisa separada: e o importante na fabricação de um alfinete é deste modo dividido em cerca de dezoito operações que, em algumas fábricas, são executadas por mãos diferentes, embora em outras o mesmo homem às vezes execute duas ou três delas.

Os efeitos econômicos altamente positivos da divisão do trabalho, isto é, o aumento da produtividade do trabalho, devem-se, segundo Adam Smith, a três diferentes circunstâncias:

Este grande aumento na quantidade de trabalho que, em conseqüência da divisão do trabalho, o mesmo número de pessoas é capaz de executar, deve-se a três diferentes circunstâncias: primeira, ao aumento da destreza de cada trabalhador individualmente; segunda, à economia de tempo que em geral se perde passando de uma espécie de trabalho a outra; e, finalmente, à invenção de grande número de máquinas que facilitam e abreviam o trabalho, e permitem que um homem faça o trabalho de muitos. (SMITH, 1937, p. 7)

Ao longo do século XIX, a divisão do processo de trabalho acentuou-se e foi por Marx denominada divisão tecnológica do trabalho por conformar-se

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às exigências da introdução de novos instrumentais de trabalho, isto é, às exigências de um sistema de máquinas que, ao desenvolver-se, propiciou uma total reorganização do interior da fábrica.

No entanto, até o final daquele século, o trabalho industrial ainda era realizado por operários profissionais, conhecedores da matéria-prima e de todas as etapas de sua transformação num produto final. Seu conhecimento advinha da experiência vivida no chão da fábrica e lhes garantia autonomia profissional. Dada a inexistência de uma programação da produção, predominava a organização autônoma do trabalho do operário profissional ou qualificado, que Alain Touraine, sociólogo francês, qualificou de Sistema Profissional ou Fase A do processo de organização e de qualificação do trabalho. A qualificação do operário é, sobretudo, indicada por seu poder de comando e decisão sobre o próprio trabalho a partir do conhecimento da totalidade do processo produtivo.

Esta independência, essa liberdade profissional do operário em relação à empresa que o emprega é inseparável da unidade profissional das categorias operárias, num ofício determinado, unidade fundada na sucessão hierarquizada de níveis de aprendizagem e decisão. (TOUrAINE, 1973, p. 449)

Nesta fase, a divisão tecnológica do trabalho, em estágio pouco avançado, preservava o trabalho profissional altamente qualificado.

Taylorismo e fordismo

Porém, nas últimas décadas do século XIX, Frederick Taylor, engenheiro norte-americano, desenvolveu um novo método de organização do processo de trabalho industrial, apresentado em sua obra Princípios de Administração Científica, publicada em 1911, com a qual ficou conhecido como o pai da administração científica, também denominada “taylorismo”, para aumentar o volume de produção, a fim de atender a demanda crescente pela conquista de novos mercados e “assegurar o máximo de prosperidade ao patrão e, ao mesmo tempo, o máximo de prosperidade ao empregado.” (TAYLOr, 1966, p. 29), sendo esse o principal objetivo da administração.

O ponto de partida da obra de Taylor é a sua constatação de que o traba-lhador é, por princípio e definição, vadio, trabalhando muito menos do que é fisicamente capaz, tal como afirma nessa passagem extravagante que, com certeza, a todos atordoa já pelo título “Vadiagem no Trabalho”:

Os ingleses e americanos são os povos mais amigos dos esportes. Sempre que um americano joga basquetebol ou um inglês joga cricket, pode-se dizer que eles se esforçam, por todos os meios, para assegurar a vitória à sua equipe. Fazem tudo a seu alcance para

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conseguir o maior número possível de pontos. O sentimento de grupo é tão forte que, se algum homem deixa de dar tudo de que é capaz no jogo, é considerado traidor e tratado com desprezo pelos companheiros.

Contudo, o trabalhador vem ao serviço, no dia seguinte, e em vez de empregar todo o seu esforço para produzir a maior soma possível de trabalho, quase sempre procura fazer menos do que pode realmente – e produz muito menos do que é capaz; na maior parte dos casos, não mais do que um terço ou metade dum dia de trabalho, é eficientemente preenchido. E, de fato, se ele se interessasse por produzir maior quantidade, seria perseguido por seus companheiros de oficina, com mais veemência, do que se se tivesse revelado um traidor no jogo. Trabalhar menos, isto é, trabalhar deliberadamente devagar, de modo a evitar a realização de toda a tarefa diária, fazer cera, [...] é o que está generalizado nas indústrias e, principalmente, em grande escala, nas empresas de construção. (TAYLOr, 1966, p. 32)

Essa citação inicial é bastante esclarecedora da intenção única de Taylor que é a de encontrar resposta à pergunta fundamental tanto para o capita-lista quanto para o seu preposto: como fazer o trabalhador trabalhar mais? A resposta é o taylorismo.

Ao criar e atribuir à gerência as funções de planejamento e controle do trabalho, com o estudo de tempos e movimentos para a eficaz realização das tarefas inerentes aos diferentes postos de trabalho; seleção e treinamento do pessoal; fixação do volume de produção a ser obtido de cada um dos trabalhadores; elaboração de programas de incentivo em dinheiro ao trabalhador, Taylor fez surgir uma nova estrutura administrativa com fundamento na idéia de tarefa e deu início à chamada Fase B ou Sistema Técnico de organização do trabalho.

A idéia da tarefa é, quiçá, o mais importante elemento na administração científica. O trabalho de cada operário é completamente planejado pela direção, pelo menos, com um dia de antecedência e cada homem recebe, na maioria dos casos, instruções escritas completas que minudenciam a tarefa de que é encarregado e também os meios usados para realizá-la. [...] Na tarefa é especificado o que deve ser feito e também como fazê-lo, além do tempo exato concebido para a execução. (TAYLOr, 1966, p. 51)

Partindo do princípio da divisão tecnológica do trabalho e da especiali-zação do operário, Taylor estabeleceu cargos e funções, definindo o conteúdo e o modo de execução das tarefas de cada um e suas inter-relações com às dos demais, sob a supervisão da gerência. Iniciava-se, assim, o processo de total dissociação entre a concepção do projeto do resultado e do processo de trabalho e o trabalho de execução do projeto, isto é, dissociação entre trabalho intelectual e trabalho manual. O operário tornou-se um mero executor de tarefas previamente prescritas.

A Fase B ou Sistema Técnico é marcada, portanto, pela centralização da organização e do controle da produção que permite e aprofunda a fragmen-tação e a especialização das atividades industriais, fazendo surgir o operário

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especializado ou semiqualificado, simples condutor de máquinas e executor de tarefas preestabelecidas, embora não elimine o trabalho qualificado, concentrado, agora, nas oficinas de manutenção e ferramentarias, onde pas-saria a constituir redutos sempre ameaçados do antigo sistema de trabalho.

Os operários especializados estão sujeitos à organização centralizada do trabalho. Já não representam um potencial profissional suscetível de utilizações diversas. Definidos pelo posto de trabalho e, em grande parte, intermutáveis, a sua especialização não é análoga à dos operários das manufaturas, cuja habilidade, mesmo reduzida à execução de trabalhos parcelares, continuava a ser o princípio definitivo. (TOUrAINE, 1973, p. 454)

Assim, não mais havia necessidade de “homens extraordinários”, com exceção dos membros da gerência. As práticas de seleção e treinamento visavam apenas conhecer as aptidões dos candidatos a um emprego e treinar os selecionados de acordo com o método planejado. “A seleção, então, não consistiu em achar homens extraordinários, mas simplesmente em escolher entre homens comuns os pouco especialmente apropriados para o tipo de trabalho em vista.” (TAYLOr, 1966, p. 76). Daí deriva o princípio da escolha do homem certo para o trabalho certo, cujas qualidades deveriam ser a força física e/ou a rapidez de percepção e reação na inspeção de qualquer objeto, mas de todos, sem exceção, a qualidade essencial deveria ser a capacidade para a obediência estrita.

Sem dúvida, o taylorismo permitiu aumentar consideravelmente a produtividade do trabalho, reduziu os custos de produção e os preços das mercadorias e, sobretudo, permitiu aumentar consideravelmente os lucros dos capitalistas, “assegurando ao máximo a prosperidade do patrão”. Mas, e quanto à prosperidade do empregado? A “prosperidade do empregado”, acreditava Taylor, estaria assim assegurada:

Na tarefa, é especificado o que deve ser feito e também como fazê-lo, além do tempo exato concebido para a execução. E, quando o trabalhador consegue realizar a tarefa determinada, dentro do tempo-limite especificado, recebe aumento de 30 a 100% do seu salário habitual. (TAYLOr, 1966, p. 51)

A nova organização do trabalho, caracterizada pela centralização e controle da produção pela gerência, tornou-se a forma predominante de administração do processo produtivo até as últimas décadas do século XX, porque o taylorismo foi aperfeiçoado por Henry Ford I, o pai da indústria automobilística, com a introdução, em 1914, de uma inovação tecnológica: a esteira automática de produção ou sistema automático de transporte de peças e ferramentas para intensificar ainda mais o ritmo de trabalho, agora totalmente controlado pela gerência que pode imprimir, com um simples apertar de botão, o ritmo que quiser ao trabalho de todos.

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O fordismo caracteriza o que poderíamos chamar de socialização da proposta de Taylor, pois, enquanto este procurava administrar a forma de execução de cada trabalho individual, o fordismo realiza isso de forma coletiva, ou seja, a administração pelo capital da forma de execução das tarefas individuais se dá de uma forma coletiva, pela via da esteira. (MOrAES NETO, 1989, p. 36)

Ford, diferentemente de Taylor, considerava o trabalhador não apenas um produtor de mercadorias, mas também um consumidor. Por isso, aumentou os salários de seus trabalhadores e instituiu a jornada de trabalho de oito horas como incentivo ao consumo, além de distribuir alguns benefícios, como restaurantes, transporte, hospital e assistência social, por ter compreendido que a produção padronizada em massa, graças à nova organização do processo de trabalho inaugurada em suas fábricas com a construção da linha de montagem com esteira rolante – esteira de produção – requeria consumo de massa. Compreendeu também que o “fordismo” seria adotado nos mais diferentes setores da atividade econômica, inclusive nos escritórios onde a esteira de produção era movida pelo “office boy interno”, e poderia ser responsável pelo surgimento da sociedade de consumo de massa, o que de fato aconteceu devido à adoção, na década de 1930, de políticas intervencionistas de Estado, isto é, de políticas de proteção às economias nacionais, de proteção do emprego, de regulamentação das relações de trabalho, de fortalecimento dos sindicatos, que garantiram a elevação dos salários e o consumo em massa.

No entanto, é duvidosa a pretensão de Taylor, extensiva ao fordismo, de considerar essa forma de administração do processo de trabalho de “científica”. Trata-se muito mais de justificar a intensificação do trabalho pela ciência do que propriamente demonstrar o caráter verdadeiramente científico dessa organização do trabalho, pois, como ressalta Salm (1990, p. 64) “[...] a Ergono mia – estudo dos tempos e movimentos – não pode ser vista como algo objetivo, mas sujeito a negociações e compromissos.” o que nos permite afirmar que o taylorismo/fordismo se fundamentam no conhecimento empírico, mas não propriamente científico, dos efeitos positivos da disciplina e obediência rígida às normas da empresa, racionalmente elaboradas, para o aumento da produtividade do trabalho. Além disso, considere-se que o ingresso de parcelas importantes da classe operária ao consumo de bens industrializados, graças ao aumento dos salários e/ou ao salário por rendi-mento e ao baratea mento das mercadorias devido ao aumento da produ-tividade do trabalho, foi uma razão suficiente para justificar a submissão – não muito passiva, é verdade – a essa nova forma de administração do trabalho.

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A análise crítica do taylorismo/fordismo nos remete à questão do conflito de classes nas sociedades capitalistas e ao problema fundamental com o qual se defronta o capitalista e, nos dias de hoje, o administrador que o representa: como obter a colaboração do trabalhador e fazê-lo trabalhar mais e melhor? Em princípio, ninguém quer trabalhar para enriquecer o outro em troca apenas de um emprego de cujo salário extrai o estritamente necessário para a sua sobrevivência. Taylorismo e fordismo foram as respostas encontradas pelo capital, ao longo do século XX, para enfrentar esse problema, mas os trabalhadores sempre reagiram – e sempre reagem – às condições impostas, organizando-se politicamente em sindicatos e em movimentos sociais reivindicatórios de diferentes naturezas, muitos deles bem-sucedidos que lhes garantiram alguma melhoria nas condições de trabalho e de vida. Conciliar interesses divergentes é o desafio maior a ser confrontado pelo capital, pelo administrador, pelos governos estabelecidos e pelos próprios trabalhadores, num esforço conjunto para a promoção do desenvolvimento e redução da desigualdade social.

Impactos do taylorismo/fordismo sobre o trabalhador

Não há dúvida de que taylorismo/fordismo permitiram a melhoria das condições de vida para a parcela da classe operária assalariada das grandes corporações, dando-lhe acesso ao consumo de bens industrializados, além de terem gerado milhares de empregos nos EUA e terem sido responsáveis, em grande parte, pelo seu extraordinário crescimento econômico, que fez do país uma potência mundial. Mas, a que preço? O imortal Charles Chaplin, no filme, também imortal, Tempos Modernos, produziu a representação artística mais ilustrativa do trabalho infernal das fábricas fordistas e a transformação do trabalhador num autômato desvairado, infeliz.

Não faltaram razões para isso porque taylorismo/ fordismo provocaram:

1.ª) a desprofissionalização da grande massa de trabalhadores, agora trabalhadores especializados na execução de uma ou mais tarefas simplificadas, repetitivas e insignificantes, pensadas pela gerência científica, inclusive nos gestos e movimentos necessários para realizá-las bem e rapidamente;

2.ª) a desprofissionalização, isto é, a especialização, conduz inexoravel-mente à perda da noção de totalidade do processo de produção e compromete a capacidade de compreensão do significado do

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próprio trabalho, sendo causa de profunda insatisfação e profundo sentimento de frustração por impossibilitar a realização das poten-cialidades intelectuais e a satisfação das necessidades de auto-estima e auto-realização, raiz da tendência ao absenteísmo, desperdício de material, negligência, acidentes de trabalho, “turnover” (rodízio de pessoal), alcoolismo, drogas, stress, LEr (lesão por esforço repetitivo), fadiga constante etc. e da resistência às condições impostas através de movimentos sindicais, alguns marcados por extrema violência;

3.ª) a desprofissionalização significa a monopolização do saber operário pela gerência científica cujo programa, nas palavras de Benjamin Coriat,

[...] se define pela análise do obstáculo que vence: trata-se nada menos que de expropriar aos trabalhadores seu saber [...] não se trata somente de expropriar aos trabalhadores seu saber, senão também de confiscar este saber recolhido e sistematizado – em benefício exclusivo do capital. [...] o que aqui se instaura maciçamente é a separação entre trabalho de concepção e de execução, um dos momentos chaves da separação entre trabalho manual e intelectual. (COrIAT, 1976, p. 94)

4.ª) a monopolização do saber pela gerência científica reduz o poder de barganha da classe trabalhadora, cujos movimentos de resistência, sindicais, tornaram-se movimentos reivindicatórios por melhorias nas condições de trabalho, aumentos salariais e estabilidade no emprego e não mais movimentos visando à reapropriação dos instrumentos de trabalho, de orientação revolucionária, portanto, que os caracterizou ao longo do século XIX;

5.ª) a profunda insatisfação com as condições de trabalho é causa da “evasão no lazer” em suas mais variadas formas – desde o simples passatempo diante da televisão até os esportes agressivos e jogos de azar – como necessidade visceral de preencher o vazio da alma e combater o tédio provocado pelo trabalho massacrante porque insignificante, desinteressante, repetitivo, alienado e alienante, submisso, disciplinado e humilhante.

Tudo aquilo de que se viram privados no trabalho – iniciativa, responsabilidade, realização – os trabalhadores buscam reconquistar no lazer. Constatou-se, durante os últimos dez anos, uma fantástica proliferação de “manias”, de passatempos (art and craft hobbies), às quais se acrescentam todas as espécies de lazeres ativos, fotografia, cerâmica, eletrônica, rádio etc., todas as categorias daquilo que Erich Fromm, por seu lado, opondo-se aos serviços “aperta-botão” das máquinas automáticas, chama de “do it yourself activities” (atividades “faça você mesmo”). Bell acrescenta, que se ajusta plenamente às interpretações que, antes, déramos desses fatos: A América viu multiplicar-se o “amador” numa escala até então desconhecida. E se nisso há, em si, um bem, ele foi obtido a um preço muito elevado: o da satisfação no trabalho. (FrIEDMANN, 1972, p. 159)

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Assim, o século XX, tendo divorciado o trabalho do lazer, do prazer, da alegria da busca da auto-estima e da auto-realização, transformando a expe riência e a vivência do trabalho em castigo, punição, expiação do pecado original, tal como o interpretaram as tradições religiosas do Ocidente, ofereceu como compensação o alargamento do tempo livre para não só possibilitar a reposição saudável da força de trabalho e o aumento do consumo da produção em massa, mas também para possibilitar (muito embora essa não fosse a intenção) a reversão no e pelo lazer das privações do desenvolvimento da individualidade no e pelo trabalho a que submeteu milhões de trabalhadores.

Taylorismo/fordismo geraram uma massa de trabalhadores insatisfeitos, entediados, frustrados, infelizes, alienados de si mesmos, de sua própria natureza, cujas potencialidades não puderam se efetivar na realização de um trabalho arte-criação-ação inteligente e transfigurou o papel da Razão na História em racionalidade instrumental das grandes organizações racionais do mundo moderno.

A organização racional é, assim, alienadora: os princípios orientadores da conduta e da reflexão, e com o tempo também da emoção, não estão centralizados na consciência individual do homem da reforma, ou na razão independente do homem cartesiano. Os princípios orientadores são, na verdade, alheios e em contradição a tudo o que se tem compreendido historicamente como individualidade. Não será demais dizer que no desenvolvimento extremo, a possibilidade de razão que tem a maioria dos homens é destruída, à medida que a racionalidade aumenta e sua localização, seu controle, passa do indivíduo para a organização em grande escala. Há, então, racionalidade sem razão. Essa racionalidade não está de acordo com a liberdade, sendo, antes, a sua destruidora. (MILLS, 1965, p. 185)

Taylorismo/fordismo universalizaram-se como forma predominante de organização do processo de trabalho no pós-Segunda Guerra Mundial, em 1945, tendo sido um dos fatores determinantes da rápida reconstrução da Europa Ocidental e do Japão que, pouco mais tarde, desenvolveu o toyotismo, inaugurando a Fase C ou Sistema Automático de Produção, por muitos autores denominada produção flexível.

É preciso ressaltar, no entanto, que as conseqüências positivas, ao contrário das negativas, da predominância do taylorismo/fordismo não se estenderam a toda classe trabalhadora e muito menos a todos os países. A África permanece um continente desconectado dos mercados internacionais e a expectativa de vida de sua população abaixo dos 55 anos de idade. A América Latina ainda se debate para extirpar os enormes bolsões de pobreza em todos os seus países, sem contar a disparidade das condições de vida entre eles. A competição econômica entre países se acirrou e os conflitos entre eles

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tornaram-se inevitáveis, inclusive os conflitos armados que não deram trégua à humanidade um só dia do século XX e neste início do século XXI.

Considere-se também que não foi simples coincidência o aparecimento das diferentes teorias de motivação para o trabalho1, a partir dos anos 1950, quando da universalização do taylorismo/fordismo, e a contratação de psicólogos nas empresas. A simples denominação dessas teorias – Teorias de Motivação para o Trabalho – já é razão suficiente para se dar conta da dimensão das questões suscitadas pelas novas condições de trabalho que não atingiram apenas os trabalhadores, mas também as empresas, obrigadas a enfrentar os problemas acima referidos de alcoolismo, drogas, negligência, turnover etc., a rever os seus métodos de gestão e a atender muitas das reivindicações dos trabalhadores, se quisessem obter a sua colaboração.

Compreende-se facilmente que, se naquelas condições trabalhar fosse uma atividade agradável, não haveria necessidade de se pensar em aplicar técnicas de motivação dos trabalhadores originadas de teorias de motivação para o trabalho.

Os Anos DouradosA maioria dos seres humanos atua como os historiadores: só em retrospecto reconhece a natureza de suas experiências. Durante os anos 1950, sobretudo nos países “desenvolvidos” cada vez mais prósperos, muita gente sabia que os tempos tinham de fato melhorado, especialmente se suas lembranças alcançavam os anos anteriores à Segunda Guerra Mundial. Um primeiro-ministro conservador britânico disputou e venceu uma eleição geral em 1959 com o slogan “Você nunca esteve tão bem”, uma afirmação sem dúvida correta. Contudo, só depois que passou o grande boom, nos perturbadores anos 1970, à espera dos traumáticos 1980, os observadores – sobretudo, para início de conversa, os economistas – começaram a perceber que o mundo, em particular o mundo do capitalismo desenvolvido, passara por uma fase excepcional de sua história; talvez uma fase única. Buscaram nomes para descrevê-la: “os trinta anos gloriosos dos franceses (les trente glorieuses), a Era de Ouro de um quarto de século dos anglo-americanos. O dourado fulgiu com mais brilho contra o pano de fundo baço e escuro das posteriores Décadas de Crise. (HOBSBAWM, 1995, p. 253)

Esse é o parágrafo inicial das mais de cem páginas da parte dois do livro de Eric Hobsbawm, A Era dos Extremos – O Breve Século XX: 1914-1991 – dedicada exclusivamente a apresentar e analisar as expressões materiais e não-materiais da prosperidade sem precedentes que se estendeu do período imediato ao pós-Segunda Guerra Mundial, em 1945, a 1973, e atingiu não só a Europa e o Japão, mas também alguns países da América Latina, razão pela qual o título dessa parte do livro é A Era de Ouro, também denominada por diferentes autores de Os Anos Dourados, Os Anos Gloriosos, As Décadas de Ouro.

1 As teorias da motivação fo-ram elaboradas por Maslow (1970), Herzberg; Mausner e Snyder-man (1959) e Argyris (1969).

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No Brasil, esse momento da história ficou popularmente conhecido como Os Anos Dourados que, entre nós, tiveram curtíssima duração, pois foram interrompidos pelos Anos de Chumbo da ditadura militar. Os Anos Dourados, no Brasil, se iniciaram no governo de Juscelino Kubitschek (Os Anos JK) em 1956, que, no seu programa de governo, o conhecido Plano de Metas, prometia “cinqüenta anos de desenvolvimento em cinco”, dinamizando a economia brasileira com a construção de Brasília e a entrada do capital estrangeiro para a produção de bens duráveis. Em 1957, Juscelino inaugurou a pedra fundamental da Volkswagem do Brasil, inaugurando, ao mesmo tempo, uma outra fase da industrialização nacional: a industrialização de bens duráveis com capital estrangeiro. A construção de Brasília e os investimentos estrangeiros no país geraram milhares de empregos e transformaram o ABC paulista (Santo André, São Bernardo e São Caetano) no pólo industrial de ponta da América Latina, com tecnologia estrangeira e administração fordista do processo de trabalho.

Porém, os Anos Dourados no Brasil chegaram ao fim com a revolução de 1964 que interrompeu o processo político democrático, pois, de acordo com todos os autores, A Era de Ouro significou um momento marcado não só pelo crescimento e desenvolvimento econômicos, mas também pela democratização das instituições políticas e sociais.

Por isso, havia muitas razões para justificar as denominações desse período de 30 anos do século XX e para preencher as cem páginas da parte dois do livro de Hobsbawm. São elas:

1.ª) altíssimo crescimento econômico;

A economia mundial crescia a uma taxa explosiva. Na década de 1960, era claro que jamais houvera algo assim. A produção mundial de manufaturas quadruplicou entre o início da década de 1950 e o início da década de 1970, e, o que é ainda mais impressionante, o comércio mundial de produtos manufaturados aumentou dez vezes [...]. A produção agrícola mundial também disparou, embora não espetacularmente. E o fez não tanto (como muitas vezes no passado) com cultivo de novas terras, mas elevando sua produtividade. (HOBSBAWM, 1995, p. 275);

2.ª) pleno emprego, pois a média de desemprego na Europa Ocidental estacionou em 1,5% e em 1,3% no Japão;

3.ª) elevação dos salários, graças ao aumento da oferta de empregos e graças ao fortalecimento dos sindicatos, cujo poder de barganha também aumentou; acrescente-se a isso, a distribuição de benefícios sociais, tais como, educação fundamental, assistência médica e hos-

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pitalar, seguro-desemprego etc. que também contribuíram para au-mentar o poder aquisitivo dos assalariados;

4.ª) desenvolvimento científico e tecnológico que permitiu inundar os mer-cados de novos produtos a preços populares: televisão, discos de vinil, rádios portáteis transistorizados, relógios digitais, calculadoras de bolso a bateria e depois a energia solar, e produtos de uso industrial e comercial: motor a jato, transistor, energia nuclear etc. (HOBSBAWN, 1995, p. 261);

5.ª) multinacionalização do capital, isto é, transferência do capital de grandes corporações para o Leste Asiático e a América Latina à procura de mão-de-obra barata e politicamente desorganizada, dando origem à uma nova divisão internacional do trabalho ao permitir a industria-lização de bens duráveis (eletrodomésticos, automóveis, tratores etc.) em países até então produtores e exportadores de bens primários – commodities – e produtores de bens industrializados de consumo ( produtos alimentícios, de higiene pessoal, tecidos, sapatos etc.);

6.ª) a economia mundial tornou-se internacional, com a criação de insti-tuições internacionais, como o Banco Mundial (Banco Internacional para reconstrução e Desenvolvimento) e o FMI – Fundo Monetário Internacional – para a promoção do investimento internacional, ma-nutenção da estabilidade do câmbio (desde os Acordos de Bretton Woods de 1944, o dólar americano passou a ser papel-moeda reser-va internacional em substituição ao padrão ouro da moeda), além de tratar de balanças de pagamento (HOBSBAWM, 1995, p. 269);

7.ª) os Estados Nacionais adotaram políticas intervencionistas na economia, subsidiando, sustentando, supervisionando, planejando e também administrando indústrias de toda natureza e construindo a infra-estrutura necessária para o seu desenvolvimento, ao mesmo tempo em que adotaram políticas da social-democracia com a universalização de benefícios e programas sociais graças ao grande volume de impostos arrecadados, fazendo nascer os Estados de Bem-Estar (Welfare States);

8.ª) mudanças culturais profundas em todas as esferas da vida, ressaltando-se as que atingiram a música, com Elvis Presley e as bandas dos Beatles e rolling Stones; a família e os relacionamentos entre os sexos, com a pílula anticoncepcional e a instituição do divórcio em muitos países; a

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universalização do blue jeans que revolucionou a moda; os movimen-tos feministas e a liberação feminina; os movimentos anti-racistas etc.

No entanto, a prosperidade dos Anos Dourados foi desigual e a pobreza em muitos países da África, da América Latina e da Ásia continuou a atingir milhões e milhões de pessoas, apesar do crescimento econômico também dessas regiões. Por quê? Um parênteses deve ser aqui aberto para apontar as causas do fraco desenvolvimento econômico e social da América Latina e, em especial, do Brasil, mesmo durante o curto período dos Anos Dourados.

O subdesenvolvimento econômico e social do Brasil

Países em processo de desenvolvimento e aqueles denominados emergentes (Brasil, México, Argentina, Índia, China e os do Sudeste Asiático) são depen dentes da tecnologia originária dos países de industrialização avançada, o chamado Grupo dos Sete (G7): USA, Japão, Alemanha, França, reino Unido, Itália, Canadá.

A dependência tecnológica tem como resultado inevitável a sujeição econômi-ca que se expressa no desequilíbrio permanente da balança de pagamentos e na dependência do aporte de capitais estrangeiros, seja na forma de investimentos produtivos diretos, seja na forma de capital financeiro captado a juros altíssimos no mercado internacional especulativo, desregulamentado e volátil, para finan-ciar investimentos em infra-estrutura e garantir o lastro da moeda, cuja estabiliza-ção depende das reservas nacionais em dólares.

Países de tecnologia atrasada ainda continuam exportadores de commodities primárias, isto é, de matérias-primas ou bens primários ou industrializados com pouco valor agregado, vendidos a preços quase sempre declinantes no mercado internacional, com exceção do petróleo.

A produção de bens duráveis, na maioria dos países dependentes da América Latina, foi possível, num primeiro momento, graças ao processo de multinaciona-lização do capital. Esse processo intensificou-se, sobretudo, a partir da década de 1960, motivado pela perspectiva muitíssimo atraente de obtenção de altas taxas de lucro, resultado da abundância de mão-de-obra, fraqueza dos movimentos sindicais e políticos e dos baixos salários, comparativamente àqueles pagos nos países de origem do capital. Não se fazia necessária, portanto, a transferência de tecnologia de última geração para diminuir os custos de produção e aumentar a competitividade dos países da região nos mercados internacionais.

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Assim, ao mesmo tempo que a multinacionalização do capital significou a intensificação do processo de industrialização dos países dependentes, inicia-do em décadas anteriores, impediu, pelas mesmas razões que a motivaram, o desenvolvimento do mercado interno e a elevação dos níveis de vida de suas populações, além de sangrar os cofres públicos com o pagamento da dívida ex-terna contraída tanto para a construção da infra-estrutura industrial necessária quanto para financiar investimentos não produtivos – investimentos realizados de forma irresponsável por muitos governos militares da América Latina.

Fernando Henrique Cardoso (1975, p. 73-74) afirmou a respeito do processo de internacionalização do mercado interno:

É a este processo que me refiro com o designativo de industrialização “excludente” ou “restritiva”. Por quê? A razão é simples em termos de uma caracterização que tome em consideração os efeitos dessa industrialização. Transfere-se para as economias em desenvolvimento um sistema produtivo “já pronto”, importando-se fábricas completas que no decorrer de poucos anos passam a fabricar os utensílios usuais da “vida moderna” dos países desenvolvidos e trazem com eles as técnicas (e não só a tecnologia produtiva) requeridas para o funcionamento das “economias industriais de massa”: propaganda, fabricação constante de novos produtos e criação de novas necessidades de consumo, suporte financeiro complexo (crédito ao consumidor e ao produtor) etc.

Entretanto, da mesma forma que a “industrialização substitutiva” se iniciou no Brasil (como nos outros países latino-americanos) sem a ocorrência prévia ou posterior de uma profunda modificação na economia e na propriedade agrárias, sua etapa final, que supunha a produção dos bens de consumo de massas, deu-se sem que tivessem ocorrido significativas tendências à redistribuição de rendas. Assim, a “internacionalização do mercado” – se é certo que significou a abertura do mercado aos capitais estrangeiros e maior homogeneização das técnicas de produção, comercialização e funcionamento em comparação com os centros de desenvolvimento mundial – não trouxe consigo maior participação social nos frutos do progresso tecnológico. Como nestas condições compatibilizar a escala de produção com o mercado?

O resultado do processo de industrialização excludente ou restritiva no Brasil e nos demais países da América Latina foi a elevação dos índices de inflação a dois dígitos mensais com as conseqüências correlatas previsíveis: diminuição dos investimentos estrangeiros e dos gastos públicos; corrosão dos salários; aumento do desemprego, além dos pedidos de socorro ao FMI, implicando sempre doloro-sos ajustes econômicos e queda dos níveis de vida da população. Por essas razões, a década de 1980 foi considerada a década perdida, com o recrudescimento da dependência econômica, tanto para o Brasil quanto para o conjunto dos países latino-americanos que adotaram políticas seme lhantes de industrialização pela via da substituição das importações, financiada pelo capital estrangeiro.

Exportadores de bens com pouco valor agregado e, por isso mesmo, vendidos a preços baixos, e importadores de bens com muito valor agregado, comprados

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a preços elevados, dependentes do mercado financeiro internacional ou do FMI para garantir a sua credibilidade na economia mundial, os países de tec-nologia atrasada vivem as conseqüências dramáticas do círculo vicioso da de-pendência: são dependentes porque têm tecnologia atrasada e têm tecnolo-gia atrasada porque são dependentes.

Após duas décadas perdidas – a de 1980, em decorrência da crise gerada pelo en-dividamento externo e pelos altos índices de inflação, e a de 1990, devido à recessão econômica provocada não só pelas crises internacionais (México, rússia, Ásia), mas também, e sobretudo, pelo Plano real que se fundamentou na política de juros altos para atrair capitais financeiros e conter a inflação, na cobrança de impostos em cascata para ajustar as contas públicas, numa política cambial de igualização da moeda nacional ao dólar americano que inviabilizava as exportações e na abertura dos mercados brasileiros aos produtos estrangeiros altamente competitivos, para-doxalmente combinada à consolidação e ao fortalecimento de blocos econômicos, congregando os países mais ricos do mundo, como o Nafta e a União Européia, resistentes à abertura de seus mercados à concorrência internacional –, o Brasil e alguns países da América Latina (México, Argentina) conhecem uma nova fase de industrialização determinada pela globalização da economia que, por sua vez, dá início a novas formas de dependência dos países tecnologicamente atrasados.

Os Anos Dourados chegam ao fim na década de 1970, quando começa a se configurar uma crise de consumo com o acirramento da competição internacional. Para enfrentar a crise, procede-se à uma total reestruturação da economia mundial que, inevitavelmente, provoca uma total reestruturação das empresas e dos mercados de trabalho. Por isso, para compreender a nova forma de administração do processo de trabalho, em consolidação também no Brasil, será preciso compreender as razões da crise e a reorganização da economia mundial, com suas conseqüências sobre o mundo empresarial e dos mercados de trabalho.

Ampliando seus conhecimentosQue sofrimento? – insatisfação e “conteúdo significativo” da tarefa

[...] Do discurso operário podem-se extrair vários temas que se repetem obstinadamente como um refrão obsessivo. Não há um só texto, uma só entrevista, uma só pesquisa ou

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greve em que não apareça, sob suas múltiplas variantes, o tema da indignidade operária. Sentimento experimentado maciçamente na classe operária: o da vergonha de ser robotizado, de não ser mais que um apêndice da máquina, às vezes de ser sujo, de não ter mais imaginação ou inteligência, de estar despersonalizado etc. É do contato forçado com uma tarefa desinteressante que nasce uma imagem de indignidade. A falta de significação, a frustração narcísica, a inutilidade dos gestos formam, ciclo por ciclo, uma imagem narcísica pálida, feia, miserável. Outra vivência, não menos presente do que a da indignidade, o sentimento de inutilidade remete, primeiramente, à falta de qualificação e de finalidade do trabalho. O operário da linha de produção como o escriturário de um serviço de contabilidade muitas vezes não conhecem a própria significação de seu trabalho em relação ao conjunto da atividade da empresa. Mas, mais do que isso, sua tarefa não tem significação humana. Ela não significa nada para a família, nem para os amigos, nem para o grupo social e nem para o quadro de um ideal social, altruísta, humanista ou político. raros são aqueles que ainda crêem no mito do progresso social ou na participação à uma obra útil. Correlativamente, elevam-se queixas sobre a desqualificação. Desqualificação cujo sentido não se esgota nos índices e nos salários. Trata-se mais da imagem de si que repercute do trabalho, tanto mais honroso se a tarefa é complexa, tanto mais admirada pelos outros se ela exige um know-how, responsabilidade, riscos. A vivência depressiva condensa de alguma maneira os sentimentos de indignidade, de inutilidade e de desqualificação, ampliando-os. Esta depressão é dominada pelo cansaço. Cansaço que se origina não só dos esforços musculares e psicossensoriais, mas que resulta sobretudo do estado dos trabalhadores taylorizados. Executar uma tarefa sem investimento material ou afetivo exige a produção de esforço e de vontade, em outras circunstâncias suportada pelo jogo da motivação e do desejo. A vivência depressiva alimenta-se da sensação de adormecimento intelectual, de anquilose mental, de paralisia da imaginação e marca o triunfo do condicionamento ao comportamento produtivo.

[...] Fadiga, carga de trabalho e insatisfação. Ao invés de fazer referência à noção de carga psíquica do trabalho, que corresponde, antes de tudo, à preocupação em apresentar uma concepção coerente com a ergonomia contemporânea, é melhor interrogar-se sobre o custo humano da insatisfação. A organização do trabalho, concebida por um serviço especializado da empresa, estranho aos trabalhadores, choca-se frontalmente com a vida mental e, mais precisamente,com a esfera das aspirações, das motivações e dos desejos. [...] Num trabalho rigidamente organizado, mesmo se ele não for muito dividido, parcelado, nenhuma adaptação do trabalho à personalidade é possível. As frustrações resultantes de um conteúdo significativo inadequado às potencialidades e às necessidades da personalidade podem ser uma fonte de grandes esforços de adaptação. Mesmo as más condições de trabalho são, no conjunto, menos temíveis do que uma organização de trabalho rígida e imutável.

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O sofrimento começa quando a relação homem-organização do trabalho está bloqueada; quando o trabalhador usou o máximo de suas faculdades intelectuais, psicoafetivas, de aprendizagem e de adaptação. Quando um trabalhador usou de tudo de que dispunha de saber e de poder na organizaçãodo trabalho e quando ele não pode mais mudar de tarefa: isto é, quando foram esgotados os meios de defesa contra a exigência física. Não são tanto as exigências mentais ou psíquicas do trabalho que fazem surgir o sofrimento (se bem que este fator seja evidentemente importante quanto à impossibilidade de toda a evolução em direção ao seu alívio). A certeza de que o nível atingido de insatisfação não pode mais diminuir marca o começo do sofrimento.

Da análise do conteúdo significativo do trabalho, é preciso reter a antinomia entre satisfação e organização do trabalho. Via de regra, quanto mais a organização do trabalho é rígida, mais a divisão do trabalho é acentuada, menor é o conteúdo signi-ficativo do trabalho e menores são as possibilidades de mudá-lo. Correlativamente, o sofrimento aumenta.

O sofrimento proveniente do pouco conteúdo significativo do trabalho taylorizado não é mais um mistério e é denunciado não só pelos operários mas também pelos ergonomistas e por certos meios do patronato “progressista”.

(DEJOUrS, Christophe. In: A Loucura do Trabalho: Estudo de Psicopatologia do Trabalho. São Paulo: Cortez, 1992)

Atividades de aplicação1. Tempos Modernos e A Classe Operária Vai ao Paraíso são dois clássicos

do cinema que retratam as condições tayloristas e fordistas de traba-lho ao longo do século XX. Assista a esses dois filmes com muita aten-ção e recupere, a partir de algumas cenas, as características daquelas formas de administração do processo de trabalho.

2. Se você trabalha numa fábrica ou num escritório, descreva as suas atividades e verifique se estão organizadas segundo os princípios do taylorismo/fordismo.

3. Caso você trabalhe numa fábrica ou num escritório, perceba se é possível encontrar no seu posto de trabalho oportunidade para desenvolver as suas potencialidades de inteligência, criatividade, espírito crítico e iniciativa. Se sim, por quê? Se não, por quê?

4. Faça uma pesquisa bibliográfica para verificar se a sua cidade natal e o seu Estado também cresceram, permitindo a melhoria das condições de vida da população durante Os Anos Dourados.