Análise Estrutural da Narrativa
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::> DE ENSAIOS~UNICATION~"
4~EDiÇÃO
Roland BarthesA. J. Greimas
Claude BremondUmberto Eco
Jules GrittiViolette Morin
Christian MetzTzvetan TodorovGerard Genette
NOVASPERSPECTIVAS
EM COMUNICAÇAO
ANALISEESTRUTURAL
~A ".A~~\[I~~N.Chllm. 82.01 A532s =690 4. ed.Título: Análise estrutural da narrativa :
pesquisas semiológicas .
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10128991 Ac. \55923
82.01A532s
=6904. ed.
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EDITORA V07,EH 1."'1H,
NOVAS PERSPECTIV A f,
EM COMUNICA'~A()
A criação das faculdadeR dI' 1'(1111111111'11111111,"I' "".""11 lmlH'trial e do sentido heuríRtko 110NC'lIflo 1111_11I1!l1.lilll~1!l~" lI!h,já em muitas universidadl'fl liRII"",. li 1'"11111111"",,", ri" ,j.encontro a uma realidade dI' 1'1I1111flllll 11 11'ltIÍtttIl/íkilllli.,j,técnica despe-se a forma COlllllllklllll'lI ,!t' _1U1Itllll! ,1111111
sença no próprio estilo da liIlRIIIIIlI'III ,I., ,1••1111••••••• " I'hse um novo universo sígnico 11111'1"'~11I1ti ~"I ••hl"l ••• I~do de uma disciplina tamb{.m '·MIIC,.'lríl'tl' II ~"ll,hlllllllllcute-se nesta coleção a impol'lJlIll'lll di' "111'1••I. ""~,,,,,tos, a possibilidade de, com a M"h~lítlll~l111 li•• ItIIlH fi
nação de classe não se execlltlll' ,lln'flllll.'HI" 111'linguagem, de forma explícita, ma" 11111111,,,'''"''111" lItlH" I 'H!sa presente em seus efeitoR. 1'1:dl'hlltl,llI ultlllll 11 1i"1~11l1,,teórico e analítico desta nova dl/ll('I'11I1I1I'111., "lltIlH" li' I~,,~à observação anterior, prefel'il'illll1 I'hll 1lI11I Ih, I~II1I••ideologias ou das linguagens idl'olólllt'II", ',IIIU"II!!"'''curso, estruturalismo ou mm'xilHll0, ('1l1111'1~"'II'"1 Imo são discussões metodológiclIi-l '1111'1'111111",""'llIlUl'''I!, ,1.,"conquistas ou não deste novo ('olllll'c'IIIIl'lIfll 'lll"",. 111~I' .1que a orientação globalizante da wh'C;hll 1111111"" 11,," h,,, "el"
ou aquela tendência, mas evidenciall,lo",. '1"1•• I"" 1,"11,,"dp,'II""ao mesmo tempo geral e profunda ,10 III'oh"'1I1!1 'hll! 11l~1hllSemiologia, Teoria de Linguagem I'!lio 1'1'111111"flIIIA" 'Iii" lIifluem decisivamente na constrnção (I" 1111I11Ii''''l" ""Iill ••lllgica, e conseqüentemente influem IlIlIIh{'1II 1111•• 'ltll, ••llh'" ,I"método da «velha» filosofia, torna lido Ioelll l'lI" ••no IHi! 10'.dentro da semiologia uma posição 1'111'1'1\ /"11I111,I., """li", Imento. E aqui cabe o lugar da episf,('1II011l1l1111111111"111" !\II"estudos de comunicação. Esta estuda f,lIdll~ n~ IUIIIIII" "li ••"cas ou simbólicas no interior da vidn MIIl'i11I, ,1111 >lH 1'111
apresentados estudos sobre suas raízl's ItI~"lI'tffl" 11,111I1"ição industrial) e novas formas de CII111-1 1111lU "1111111U I h"II, ••tria cnltural), bem como estudos de dllC'lIIl1, 1If"I'IIII1111. '11111tica, ciência e a relação entre a SemiolllRill c' U 1,1111,1110,'''"Esta coleção é indispensável para 01' C'III'I-IIIMMllltl" "'''''''Iilde Comunicação, Semiologia, FundallJ('1I11111 ('11'111IIft'o ••• 1,1Comunicação, Cultura de Massa, OJlillilill "M,II"II 1111110preencher uma lacuna bibliográfica {Om 1,111/1'11111'11I'"" li••••".principalmente para as Faculdades dI' ('I{'II,'lu •• H',dul ••,Comunicação, Biblioteconomia, Letras I' /)C'MI'IIIto 111.111••1I I" I
ROLAND BARTHES j A. J. GRElMASCLAUDE BREMOND j UMBERTO ECO j fULESGRITTlj VIOLETTE MORlN j CHRISTlANMETZ / TZVETAN TODOROV / GÉRARDGENETTE
COLEÇÃO Novas Perspectivasde Comunicação / 1
ORIENTAÇÃO Antônio Sérgio Lima Mendonçae Luiz Felipe Baeia Neves
A ltális e
Estruturalda Narrativa
Pesquisas Semiológicas
Introdução à ediyão brasileira por
Milton José Pinto
4~ edição
•Editora Vozes Limitada1976
1
Sumário
Titulo do original francês:L'Analyse Structurale du Récit
© Communications Editions du Seuil n" 8/1966
Tradução deMaria Zélia Barbosa PintoRevisão deMilton José Pinto
© 1971 da tradução portuguesa:Editora Vozes Ltda.Rua Frei Luís, 100Petrópolis, RJBrasil
MiltonJosé
PintoRoland
BarthesA. J.
GreimasClaude
B'rel1wndUmberto
EcoJutes
G1'ittiViolette
MorinChristian
Mel::TzvetanTodorol'GémrdGenetteDossiê:
Introdução: Mensagem Narrativa 7
Introdução à Análise Estruturalda Nanutiva 19Elementos para uma Teol'iada Interpretação da Narrativa Mítica 61A Lógica dos Possíveis Narrativos 110
Janies Bom!: Uma Combinatória Narrativa 13(j
Uma Narrativa de Imprensa:Os últimos Dias de um "Grande Homem" 163A Historieta Cômica 174
A Grande Sintagmática do Filme Nal'l'ativo 201
As Categorias da Nal'l'ativa Literária 209
Pronteiras da Narrativa 255
Escolha Bibliográfica 275
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1 Ver Ferdinand de Sau$sure, Cours de Linguistique Générale IPayot, Paris 1969).pp. 32-35 ..
MILTON JOSÉ PINTO
Mensagem
1.1. Seria ridículo tentar definir com precisão, dentrodas dimensões deste ensaio, o que se entende no contextofilosófico-científico de hoje em dia como estruturalismo.Vou apenas introduzir algumas noções muito sumáriasque facilitarão a compreensão do que se segue. A noçãode estrutura em ciências humanas não difere muito do
que em matemática se denomina um conjunto; um todo
Dedico aSebastião Uchoa LeiteTherezinha Castro
O. Cinco anos se passaram entre a publicação francesados ensaios reunidos neste livro e a sua tradução brasileira. Naquela época começava a esboçar-se apenas oque hoje me parece já uma aquisição (embora longocaminho ainda falte ser percorrido): uma teoria dos discursos, região essencial de uma Semiologia tal corno aanunciou Saussurre. 1 Proponho-me neste artigo introdutório à edição brasileira da Análise ~strutural da Narrativaa mostrar o lugar e a vez da mensagem narrativa (quetambém se poderia denominar efeito narrativo) numa talteoria. Para tanto torna-se necessário postular algunsprincípios de epistemologia estruturalista.
Introdução: ANarrativa
constituído por partes articuladas. As partes são chamadas elementos, as articulações definidas por uma expres~são indicadora de relações, por meio da qual é possívelobter qualquer elemento do conjunto. Esta expressãorecebe o nome de modelo. Assim, por exemplo, o conjunto dos números pares apresenta o seguinte modelo:Np = 2n, sendo n > 1; o dos números ímpares,Ni = 1 + 2n, sendo n ~ O. Em ambos os casos n é umnúmero inteiro. O estruturalismo procura fazer o mesmocom as ciências humanas: considera um determinado«objeto» (um enunciado lingüística, um mito, as relaçõesde parentesco numa comunidade, etc.) como um conjuntoformado de elementos e procura definir as relações entreesses elementos num modelo. Agindo deste modo, talcomo a física, por exemplo, ao analisar determinado fenômeno de seu campo, é obrigado a introduzir a noçãode pertinência, isto é, a considerar como relevantes apenas determinados elementos, que são incorporados, deixando de lado outros como irrelevantes. O que nãoimpede que, numa etapa posterior, a estrutura encontradaseja ela mesma considerada como um elemento e relacionada com outros elementos abandonados na primeiraanálise, produzindo uma estrutura mais complexa, dotadade maior poder de explicação, mas de menor generalidade. Pela própria natureza dos «objetos» dos quais seocupam, as ciências humanas, ao lado dos modelos acimadefinidos, são ainda obrigadas a trabalhar com modelosqualitativos, em relações são expressas concretamente:alto/baixo, cultura/natureza, cru/cozido, mas que cadavez mais tendem a ser consideradas como categoriasapenas discriminatórias, isto é, formais.' Outra noçãoimportante do estruturalismo é a de combinatória. Assimcom a partir de um todo dado, por operações de segmentação ou partição e comutação ou substituição se podemdeterminar seus elementos (e seu modelo ), a partir desseselementos e do modelo pode-se reconstituir teoricamenteo todo: esta segunda operação é a combinatória. Uma
• L'opposltion entre nature et culture, sur laquelle nous avons )adls Inslsté,nous semble aujourd'hul offrir une valeur surlout méthodologlque", diz ClaudeLévl-Strauss em La Pensée Sauvage (Plon, Paris 1962), p. 327. Cf. ainda AlglrdasJulien Greimas, Du Sens _ Essais Sémiotiques (Ed. du Seull, Paris 1970), p. 32.
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combinatória generalizada de um número qualquer deelementos segundo determinado modelo fornece sempreuma quantidade muito maior de casos teóricos em relação às ocorrências empiricamente atestadas. Isto significaque um fator externo à estrutura (a «história») introduzrestrições seletivas de escolha entre as combinações teoricamente possíveis: o emissor de determinada mensagem, por exemplo, além de selecionar uma entre as váriasmensagens que poderiam ser transmitidas na situaçãodada, realiza ainda uma segunda seleção entre as combinações teoricamente possíveis dos elementos que formam a mensagem. 3
1.2. Deve-se chamar teoria (e somente nesta acepção apalavra me parece empregada adequadamente) a umalinguagem conceitual que especifica abstratamente a forma que devem ter os modelos (lógicos, matemáticos,lingüísticos ou outros) usados como instrumentos metodológicos de transformação de uma linguagem factual(<<objeto») numa outra linguagem (<<int~rpretação»), quese convencionou denominar conhecimento.' Distingue-seassim teoria e metodologia, e estabelece-se a dupla pressuposição que as une: não tem sentido falar-se de umateoria que não desemboque numa praxis concreta de análise, nem de uma coleção de procedimentos heurísticosque não sejam orientados por uma pertinência conceituallogicamente primeira. Deixam-se portanto de lado certasconcepções epistemológicas muito comuns na etapa inicialde desenvolvimento do estruturalismo lingÜístico, em quecom freqüência teoria e método eram confundidos ou sereduzia a primeira ao segundo. Com efeito, como mostraNoam Chomsky os chamados métodos de descobertacriados pelo estruturalismo nascente (operações de segmentação e comutação, sem o preestabelecimento de umapertinência conceitual) são na realid~de processos deverificação que pressupõem um conhecimento intuitivo
• E' o principio essencial contido em Le Langage, de Louls H)elmslev, eretomado entre outros por A. J. Greimas, op. cit., pp. 103-115e 135·156, eEllseo Verón, Ideologia, Estrutura e Comunicação, tradução de Amélla Cohn(Cuitrix, São Paulo 1970), p. 178.• Cf. Milton José Pinto, 'por uma teoria da Interpretação semântica dos discursos", in Estruturalismo e Teoria da Linguagem (Vozes, PetrópoP').
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daquilo que se vai encontrar. • O mesmo poder-se-ia dizerda grande maioria dos métodos de análise literária empregados na atualidade, quaisquer que sejam as correntes deque se reclamam (estilística, crítica temática, psicanálise,sociologia, etc.), que consistem na determinação de estruturas significantes imanentes à obra considerada, apartir de significações a ela postuladas, seja intuitivamente estabelecidas, seja colhidas no contexto históricoou individual em que surgiu. Numa verdadeira teoria comvocação científica, a interpretação é a etapa final e nãoum pressuposto do processo cognitivo.
1.3. Discurso é um exemplo empiricamente atestado delinguagem (um filme, um conto, um romance, um poema,uma pintura, um fragmento de conversa cotidiana, dc.são discursos). Linguagem tem portanto aqui sentidolato: designa, como já sugeria Louis Hjelmslev G, qualquer sistema semiótico. A característica fundamental dosdiscursos é a sua heterogeneidadc do ponto de vistascmiolÓgico: todo discurso admite uma pluralidade de interpretações homogêneas, podendo-se pois afirmar quesão constituídos pela imbricação de diversas mensagens.Um enunciado contendo uma Única frase, «objeto» deeleição ela lingüística, admite já esta heterogeneidade, emesmo fazendo abstração dos sistemas modeladores secundários que poderão deformá-Io no instante da comunicação (como a entoação), pode ser interpretado portrês modelos semânticos (pelo menos): o fonológico, odenotativo (que A. J. Greimas prefere denominar semiológico) e o sintático (semântico na nomenclatura dcGreimas). ' O modelo sintático, constituído por um conjunto ele operações lógicas que pressupõem implicitamente um sistema de codificação da «realidade», já (,bem um nível de significação de segundo grau, do tipoque Hjell11slev dcnominoll propriamente conotação, aban-
• Cf. Noam Avram Chomsky, Syntactic Structures (Mouton. Haia 1957). pp.95ss; Nicolas Ruwet, Introduction à Ia Grammaire Générative (Plon. Paris 1967).pp. 75·77.•• Louis Hjelmslev. Prolégomenes a une Théorie du Langage, tradução revistapor Ann<,: Marie Léonard (Ed. de Mlnult. Paris 1968). capo 22., Cf. A. J. Gr'eimas. Sémantique Structurale (Larousse. Paris 1966). pp. 45·68;Emilio Garroni. Semiotica ed estetica (Laterza. Barl 1968). pp. 72·73.
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danando certas concepções muito difundidas mas ingênuas, de conotação era o emprego «afetivo» de um vocábulo.· Caso se aceite a denominação de mitologiaspara os sistemas conotativos e de cosmologias, para osdenotativos (observe-se ainda que os sistemas fonológitos são também denotativos, pois remetem para umaorganização de determinadas percepções), vê-se que umenunciado IingÜístico é constituído semanticamente pela'imbricação de duas mensagens de tipo cosmológico euma de tipo mitológico (pertencente a este grande universo mítico que se chama «metafísica ocidental»). Acoisa se complica ainda mais quando a um enunciado seseguem outros enunciados, constituindo um discurso: organizações transfrásicas instituem outros níveis de significação de segundo grau, cada um deles pressupondo novossistemas conotativos ou mítologias implícitas. ~
1.4. Podem-se criar modelos pa.ra interpretação dascosmologias e mitologias imbricadas em um discurso.Como estamos todos irremediavelmente presos ao universo da linguagem (<<objeto», método, teoria e interpretação são linguagens), o discurso-interpretação será elepróprio formado pela imbricação de cosmologias e mitologias. Ciência e ideologia são duas formas de enunciaro discurso-interpretação. Enquanto a primeira «se definepor uma luta constante e ininterrupta contra a çonotação»pela «introdução de elementos que denotam as própriasoperações realizadas pelo emissor»·, neutralizando assimo efeito das mitologias (embora não eliminando-as de seudiscurso, o que seria impossível: o pensamento humanoé essencialmente animista), a segunda Se caracteriza pornão explicitar os sistemas semânticos míticos que regem asoperações que realiza. Pode-se dizer que a ciência persegue o ideal de uma denotação absoluta, tal como O Conceptualismo medieval, realizando uma tarefa de Sísifo:denotar suas conotações 1., enquanto que a ideologia secompraz em aceitar sua própria linguagem como umabsoluto, preguiçosamente aceitando um Nominalismo de• Cf. L. Hjelmslev, Pmlégomenes, capo 22.• Ver Eliseo Verón, op. cit., pp. 1828S.tO Cf. Eliseo Verón, op. cit., pp. 182s8.
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fato, íludindo-se sobre si mesma." Uma nova precisa ose faz necessária, que dê maior refinamento a esta distinção. Com efeito, uma análise mais apurada mostrariaque a ciência não só explicita suas mitologias, corno considera operatoriamente as categorias que as constituemde um modo apenas discriminatório, indicativo de operações formais.]2 Pode-se assim prever ao lado da ciência,que trabalha com categorias explicitadas e discriminatórias, e da ideologia, que utiliza categorias implícitas equalitativas (isto é, «pesadas» de significação), uma terceira forma intermediária de encarar o discurso-interpretação, a fílosofia, que trabalha com categorias explicitadas porém qualitativas. Ciência, filosofia e ideologia nãosão mutuamente exclusivas, pelo contrário, os discursosinterpretação trabalham simultaneamente com as trêsformas de enfoque (sobretudo nas chamadas «ciênciashumanas ou sociais»), com dominância ora de uma, orade outra, compondo formas híbridas que Piaget propôsdenominar sabedorias. ]O Parece-me que o estruturalismo,com muitas hesitações, recuos e poucos e lentos progressos, vem conseguindo transformar os discursos-interpretação destas (pseudo) ciências em sabedorias com dominância da enunciação científica.
1.5. E' preciso advertir no entanto contra dois perigusque rondam constantemente as interpretações estruturalistas. Chamar-se-á ao primeiro pulverização. Consistemuna fragmentação excessiva do todo, na ilusão de alcançar maior «profundidade» ou de «esgotar» suas possibilidades interpretativas, sem haver estabelecido aprioristicamente os modelos conceituais pertinentes para talfragmentação, misturando de modo arbitrário cosmolo
gias e mitologias ou delimitandrl-as de maneira i!TIprecisa.O segundo perigo será denominado normatividade e con
siste na descrição superficial (no mau sentido da palavra) das estruturas aparentes, sem possibilidade de ge-
] 1 A Comparação me toi sugerida pelo Prof. lufs Costa lima, a Quem douo crédito.] 2 Ver nota 2."Cf Jean Piaget. Segesse et lIusíons de Ia Philasophie (Presses Unlversitai.res de France, Paris 1968), cc. 11 e 111.
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neralização conceitual, mesmo quando emprega técnicasrefinadas como a estatística. Ambos têm sua origem naconfusão de teoria e metodologia de que já se falou, eestão largamente difundidos, constituindo no meu entender o principal defeito a apontar nos artigos que seseguem (com exceção talvez do artigo de Greimas),apesar do brilhantismo inegável de alguns (especialmenteos de Barthes e Bremond). Constitui um tipo de enunciação ideológica considerar uma análise pulverizada ounormativa como objeto de ciência, ignorar os limites desua validade, sua precariedade teórica. Mas cabe perguntar se não constituem etapa inevitável no desenvolvimentode uma ciência, em parte recuperável, desde que se superem determinados obstáculos que entravam seu avanço.A separação e a interpretação das diversas mensagensque imbricadas constituem os discursos deve, com o desenvolvimento da instância conceitual ou teoria, deixar deser uma operação em risco de pulverização ou norma tividadee transformar-se numa verdadeira experimentação, dirigida por modelos que lhe são logicamente anteriores e que visa, simultaneamente, a aperfeiçoar a compreensão das mensagens implicadas e a dos modelosempregados. Mas até que se alcance uma tal etapa, cabeao experimentado r a humildade de reconhecer e indicarsuas próprias limitações.
2. O lugar e a vez da narrativa.
2.1. A narrativa parece ser apenas um sistemaconotativo transfrásico, uma mitologia, entre as diversas que sepodem misturar para formar um discurso. Não é portantoum tipo de discurso, como afirma a retórica, e comoparecem acreditar a maioria, se não todos, dos autoresque colaboraram neste livro (pelo menos em 1966). Comseu estudo, não se esgotam as possibilidades interpretativas potenciais de um discurso, bem longe disso, e haverá mesmo alguns, sobretudo quando nos aproximamosda literatura contemporânea, em que sua eficácia interpretativa será muito reduzida. Entretanto, entre todas
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as mitologias e cosmologias que podem constituir umdiscurso, a narrativa é um caso privilegiado: mesmo queos modelos já propostos careçam ainda de aperfeiçoamento, constituem um corpo de teoria e metodologia emnada negligenciável, e creio que ela pode desempenharem relação à teoria da interpretação semântica dos discursos papel semelhante ao que a lingüística vem desempenhando no cômputo das ciências humanas, isto é, o deuma região teórica piloto na qual outras regiões possíveisem desenvolvimento vêm colher modelos heurísticos. E'neste sentido que se orientam as proposições que seseguem. O tom dogmático por vezes presente neste ensaio deve Ser encarado apenas como um exercício deênfase retórica e não em absoluto. Quase todas as asse rções que aqui se fazem são antes problemas colocadosdo que respostas dadas.
2.2. Uma teoria interpretativa da narrativa deve conter,como estabeleceu Lévi-Strauss para os mitos indígenas H,
duas componentes: a armadura, elemento invariante, espécie de gramática comum a todas as narrativas-exemplo; e o código, estrutura formal, constituída por um«feixe de categorias sêmicas redundantes» organizadasnum sistema taxinômico que dá conta «dos princípiosorganizadores do universo mitológico do qual é a manifestação realizada nas condições históricas dadas", istoé, uma componente relativa ao contexto. Deve ficar claroque contexto aqui refere-se exclusivamente a uma situação lingüística: o código é em última análise um dicionário em que determinados lexemas narrativos estão definidos por um semema (conjunto de semas). Estas duascomponentes podem ser consideradas como universaismetodológicos. ,. A instância gramatical da teoria comporta dois níveis de profundidade: um conceituat, de
" Cf. Claude Lévl-Stt'Buss. Le Cru et Le eult (Plon, Paris 1964), p. 205.10 Ver aqui mesmo, A. J. Grelmas ·Elementos para uma Taorla da Interpretação da Narrativa Mrtlca·.10 Cf. Milton José Pinto, op. clt., onde se mostra como astas categoriascorrespondem às que Hjelmslev denominou esquema e norma e às que Chomskydenomina gramática e dicionário. Parece-me ainda que podemos aproximá-Ia deefeito de presença e efeito de significação em Alain Badlou, •A autonomiado processo estético·, In Estruturalismo - Antologia de Textos Te6ricos(Portugálla,L1sboa 1968), pp. 321ss.
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caráter genérico, em que determinados lexemas-valoressão afirmados ou negados em operações sucessivas queformam um algoritmo dialético, a partir do modelo teórico básico que parece presidir qualquer manifestaçãosignificativa ", que se pode exprimir por uma correlaçãode contraditórios:
sl s2
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Outro superficial (no bom sentido), em que estas opera\'ões se transformam em ações realizadas por personagens antropomorfos, que são classificados em seis categorias por um modelo actancial. ,. As ações elas própriasagrupam-se em sintagmas narrativos, constitutívos de ummodelo transformacional que articula as situações iniciale final da narrativa segundo as categorias antes/depois .••Como observa aqui mesmo Roland Barthes, estes modelos valem mais pelas possibilidades combinatórias infinitasque possibilitam do que por sua forma canônicamatricial: eles instauram a narrativa como um jogo re
grado, e o narrador como o jogador que escolhe o próximo lance dentro das liberdades e restrições que lhe
impõem as regras. O fato de que não dão bem conta daperspectiva do sujeito das ações, ressaltado ainda aquipor Barthes e Bremond, não me parece relevante: namaioria das narrativas existe uma perspectiva privilegiada dada na própria estrutura e cuja interpretação fazparte da descrição semântica. Nos casos em que estaperspectiva não existe, os modelos podem ser aplicadosquantas vezes forem necessárias para dar conta do jogode defrontações de valores que se instituem (e a ausênciada perspectiva privilegiada do «herói» deve também nestecaso receber a interpretação devida).
2.3. Já se chamou atenção para o caráter afli17lista dope41samento humano. A narrativa é talvez a manifestação
" Ver A. J. Greilnas, Ou Sens, pp. 135-155e 160-162.1. Ver aqui mesmo, A. J. Greimas, op. clt." Ibidem. ibidem.
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estudos (aspectos; modos; estruturas causais, temporaise espaciais dos discursos) podem servir de ajuda noacesso ao nível mais genérico que se propõe. 22
22 Ver aqui mesmo, Tzvetan Todorov. "As categorias da narrativa literária";ibidem, "Poétique", ln Qu'est·ca que le structuralisme? lE:d. du Seuil. Paris19681.pp. 97-132." Cf. A. J. Greimas. Sémantlque. pp. 134-136.•• As análises de crônicas-narrativas jornalfsticas serão publicadas no próximoano pela Editora Vozes. As demais em revistas especializadas.
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2.4. Ao contrário da mensagem estética, a mensagemfigurativa pertence, como a fábula, ao nível do enunciado.Com efeito, Greimas notou que em determinados discursos (a poesia dita «moderna» é um exemplo quase puro)a comunicação do feixe redundante de categorias sêmicas (isotopia) que esgota as possibilidades significativasde uma dada mensagem, em lugar de se fazer pela instituição de personagens antropomorfos, realizava-se pelaanimização de determinados lexemas, cujo papel era, nestas manifestações, semelhantes ao de personagens. 23 Oslexemas encarregados da transmissão da isotopia eramprecisamente aqueles que recebem na retórica a designação de figuras: imagens, símbolos, sintagmas e definições metafóricas, etc. Isto permite, mais uma vez, empregar os modelos transformacional e actancial da narrativa, com vistas à interpretação do sistema transfrásicoassim instituído, mas aqui as dificuldades no estabelecimento da pertinência conceitual que dirigirá a aplicaçãodos modelos ainda não estão totalmente superadas. Grande parte do trabalho ainda é feita por tentativas, indutivamente, correndo-se o risco das análises resultantesapresentarem os habituais defeitos de pulverização e normatividade, isto é, de não constituírem verdadeiros objetos de ciência, mas apenas sabedorias com predominânciaideológica.
2.5. Exemplos concretos de análise empregando os modelos e conceitos que foram explicitados neste artigoestão em vias de realização e publicação." A maioria dosexemplos em análise refere-se à literatura de comunica-
Análise Estrutural - 216
mais típica deste fenômeno: existe mesmo, como observaGreimas, uma tendência geral dos discursos à narrativização. 20 Quer-me parecer que a característica principaldos discursos que nossa cultura denomina literários (englobando aqui as literaturas do consumo de massa, nãovalorizadas esteticamente por essa mesma cultura) é justamente esta tendência à animização, à narrativização.Creio assim que ao lado da narrativa-fábula, que tematé aqui sido objeto da atenção mais explícita, podem-seainda considerar duas outras formas (pelo menos) demanifestação da mensagem narrativa que poderiam serdenominadas (talvez com impropriedade, mas só o futuro dará a última palavra), mensagem figurativa e mensagem estética. As três formas tendem a se misturar, emcombinações e intensidades diversas, nos discursos empíricos, mas pode-se dizer que duas delas estarão semprepresentes, e que uma destas é sempre a mensagem estética. Em que consiste este novo sistema conotativo transfrásico (mitologia) que se procura delimitar? Diversosautores neste mesmo livro referem-se à clássica distinçãoentre história (estória seria mais apropriada em português) ou fábula e discurso (numa acepção diferente daque empregamos neste ensaio) ou assunto, comum aosforma listas russos e a Benveniste. 21 A mensagem estéticacorresponderia à segunda das categorias citadas, constituindo-se no sistema conotativo que organiza a enunciação da fábula. Sem jogo de palavras, a mensagem estética seria uma narrativa da narração, em que determinados personagens (narrador, leitor-ouvinte e outros adeterminar) definir-se-iam pelas ações que exercem noinstante da narração, considerada esta como uma provaoriunda de um contrato previamente estabelecido (talcomo no modelo narrativo da fábula), possibilitandoassim sua classificação nas categorias SujeitojObjeto,DestinadorjDestinatário, AdjuvantejOponente do modeloactancial. Na situação presente dos estudos literários parece que as categorias destacadas por Todorov em seus
• 0 Iblefem. Sémantlque. pp. 134.136.U Ver aQlll mesmo os artigos de Barthes. Todorov e Genette.
culariza a boa e a má literatura: internacional, transhistórica, transcultural, a narrativa está aí, como a vida.
Uma tal universalidade da narrativa deve levar a
concluir por sua insignificância? E' ela tão geral quenada podemos afirmar, senão descrever modestamente algumas de suas variedades, muito particulares, como ofaz algumas vezes a história literária? Contudo mesmoestas variedades, como dominá-Ias, como fundamentarnosso direito a distingui-Ias, a reconhecê-Ias? Como oporo romance à novela, o conto ao mito, o drama à tragédia(fez-se isto mil vezes), sem se referir a um modelo comum? Este modelo está implicado em todo discurso(parole) sobre a mais particular, a mais histórica dasformas narrativas. E', pois, legítimo que, em lugar de seabdicar de qualquer ambição de discorrer sobre a narrativa, sob o pretexto de se tratar de um fato universal,se tenha periodicamente interessado peja forma narrativa(desde Aristóteles); é desta forma normal que o estruturalismo nascente faça uma de suas primeiras preocupações: não se trata para ele sempre de dominar a infinidade das falas (paroles), conseguindo descrever a «língua» da qual elas são originadas e a partir da qualpodem ser produzidas? Diante da infinidade de narrativas, da muItiplicidade de pontos de vista pelos quais sepodem abordá-Ias (histórico, psicológico, sociolÓgico,etnoJógico, estético, etc.), o analista encontra-se quasena mesma situação que Saussure, posto diante do heteróclito da linguagem e procurando retirar da anarquiaaparente das mensagens um principio de classificação eum foco de descrição. Permanecendo no período atual,os Formalistas russos, Propp, Lévi-Strauss ensinaramnos a resolver o dilema seguinte: ou bem a narrativa éuma simples acumulação de acontecimentos, caso em quesó se pode falar dela referindo-se à arte, ao talento ouao gênio do narrador (do autor) - todas formas míticasdo acaso - 2, ou então possui em comum' com outras
2 Existe, bem entendido. uma "a,te" do narrador: é o poder de engendrarnarrativas (mensagem) a partir da estrutura (do código); esta arte correspondeà noção de performance em Chomsky, e esta noção está bem afastada do"gênio" de um autor, concebido romanticamente como um segredo individual,dificilmente explicável.
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narrativas uma estrutura acessível à análise, mesmo queseja necessária alguma paciência para explicitá-Ia; poishá um abismo entre a mais complexa aleatória e a maissimples combinatÓria, e ninguém pode combinar (produzir) uma narrativa, sem se referir a um sistema implícitode unidades e de regras.
Onde pois procurar a estrutura da narrativa? Nasnarrativas, sem dúvida. Todas as narrativas? Muitos comentaristas, que admitem a idéia de uma estrutura narrativa, não podem entretanto Se resignar a retirar a análise literária do modelo das ciências experimentais: elespreconizam intrepidamente que se aplique à narração ummétodo puramente indutivo e que se comece por estudartodas as narrativas de um gênero, de uma época, de umasociedade, para em seguida passar ao esboço de um método geral. Este projeto de bom senso é utópico. Aprópria lingüística, que só tem umas mil línguas a abarcar, não o faz; sabiamente, fez-se dedutiva, e assim,desde aí, ela se constituiu verdadeiramente e progrediu apassos de gigante, chegando mesmo a prever fatos queainda não tinham sido descobertos. 3 Que dizer então daanálise narrativa, colocada diante de milhões de narrativas? Ela está por força conden;1da a um procedimentodedutivo; está obrigada a conceber inicialmente um modelo hipotético de descrição (que os lingüistas americanos chamam uma «teoria»), e a descer em seguidapouco a pouco, a partir deste modelo, em direção àsespécies que, ao mesmo tempo, participam e se afastamdele: e somente ao nível destas conformidades e diferen
ças que reencontrará, munida então de um instrumentoÚnico de descrição, a pluralidade das narrativas, sua diversidade histórica, geográfica, cultural.'
• Ver a história do a hitita postulado por SAUSSUREe descoberto de fatocinqüenta anos mais tarde; em: BENVENISTE:Problemes de Linguistique géné.rale, Gallimard 1966, p. 35.'lembremos as condições atuais da descrição lingüística; " ... A estruturalingüística é sempre relativa não somente aos dados do corpus mas tambémà teoria gramatical que descreve estes dados" (E. BACH. An introduction totransformatíonal grammar, New York 1964, p. 29, E também de BENVENISTE(op.eit., p. 119): "." Reconheceu-se que a linguagem devia ser desecrita comouma estrutura formal, mas que esta descrição exigia primeiramente o estabelecimento de procedimentos e de cr'ltérios adequados e que em suma a realidade do objeto não era separável do método próprio para defini-Ia",
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Para descrever e classificar a infinidade das narrativas, é necessário pois uma «teoria» (no sentido pragmático do qual se acabou de falar), e é para pesquisá-la eesboçá-Ia que é preciso inicialmente trabalhar.' A elaboração desta teoria pode ser grandemente facilitada se,desde o início, ela for submetida a um modelo que lheforneça seus primeiros termos e seus primeiros principios.No estado atual da pesquisa, parece razoável· dar comomodelo fundador à análise estrutural da narrativa a pró
pria lingüística.
I. A líNGUA DA NARRATIVA
1. Acima da fraseI
E' sabido, a lingüística para na frase: é a última unidadeda qual se julga com direito de tratar; se, com efeito, afrase, sendo uma ordem e não uma série, não pode serreduzida à soma das palavras que a compõem, e constituipor isso mesmo uma unidade original, um enunciado, aocontrário, não é apenas a sucessão das frases que o compõem:. do ponto de vista da Lingüística, o discurso nãotem nada que não se reencontre na frase: «A frase, dizMartinet, é o menor segmento que é perfeitamente e integralmente representativo do discurso.»' A Lingüísticanão saberia pois se dar um objeto superior à frase, porqu~ acima da frase não há mais que outras frases: tendodescrito a flor, o botânico não se pode dedicar a descrever o buquê.
E entretanto é evidente que o próprio discurso (como
conjunto de frases) é organizado e que por esta organização ele aparece como a mensagem de uma outra língua
• o caráter aparentemente "abstrato" das contribuições teóricas que se seguemneste número vem de uma preocupação metodológlca: a de formalizar rapidamente as análises concretas: a fonnalização não é uma generalização comoas outras.6 Mas não imperativo [ver a contribuição de CL. BREMOND, mais lógica quelingüística) .'Réflexions sur Ia phrase", in Language and Society [MELANGES JANSEN),Copenhague 1961, p. 113.
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(langue), superior à língua (langue) dos lingüistas: 8 odiscurso tem suas unidades, suas regras, sua «gramática»: além da frase e ainda que composto unicamentede frases, o discurso deve ser naturalmente o objeto deuma segunda lingüística. Esta l.il1güística do discursoteve durante muito tempo um nome glorioso: a Retórica;mas, como seqüência de todo um jogo histórico, a retóricatendo passado para o lado das belas-letras e as belasletras tendo-se separado do estudo da linguagem, foinecessário retomar recentemente o problema como novo:a nova lingüística do discurso não está ainda desenvolvida, mas está ao menos postulada, pelos próprios lingüistas.· Este fato não é insignificante: embora constituindoum objeto autônomo, ~_.ªpartir. ela lingüística que.o discurso deve ser estudado; se for necessário dar uma hipótese de trabalho a uma análise cuja tarefa é imensa eos materiàÍs infinitos, 9.JUaisJa.zoável seria postular uma.relação homológica entre a frase e o discurso, na medida em que uma. mesma organização formal regula demaneira verossímil todos os sistemas semióticos quais
quer que sejam suas substâncias e dimensões: o discursoseria uma grande «frase» (cujas unidades não precisa:r1ãm-seTnecessaiiamente frases), tudo como a frase,mediante certas especificações, é um pequeno «discurso».Esta hipótese se harmoniza bem com certas proposiçõesda antropologia atual: Jakobson e Lévi-Strauss têmobservado que a humanidade podia-se definir pelo poderde criar sistemas secundários, «demultiplicadores» (instrumentos que servem para fabricar outros instrumentos,dupla articulação da linguagem, tabu do incesto permitindo a multiplicação das famílias) e o lingüista soviéticolvanov supõe que as linguagens artificiais não poderiamser adquiridas a não ser a partir da linguagem natural::) importante, para os homens, sendo poder usar diversos;istemas de significação (sens), a linguagem naturalljuda a elaborar as linguagens artificiais. E' pois legítimo
E' evidente, como notou JAKOBSON, que entre a frase acima dela há tran,ições: a coordenação, por exemplo, pode agir mais longe que a frase., Ver notadamente BENVENISTE,op. cit., capo X. - Z. S. HARRIS: "Dlscourse.~nalysis", Language, 28, 1952,1.30. - N. RUWET: "Analyse structurale d'un~oeme français", Linguistic, 3, 1964, 62-83.
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postular entre a frase e o discurso uma relação «secun
dária» - que se denominará homológica, para respeitaro caráter puramente formal das correspondências.
A língua geral da narrativa não é evidentementemais que um dos idiomas oferecidos à lingüística do discurso 10, e ela se submete- em conseqüência à hipótesehomológica: estruturalmente, a narrativa participa dafrase, sem poder jamais se reduzir a uma soma de frases:a narrativa é uma grande frase, como toda frase COl.J.s~tatativa, é de uma certa maneira o esboço de uma pequena narrativa. Se bem que elas disponham aí de significantes originais (freqüentemente muito complexos)encontram-se com efeito na narrativa, aumentados e
transformados à sua medida, as principais categorias doverbo: os tempos, os aspectos, os modos, as pessoas;além disso, 0S próprios «sujeitos» opostos aos predicados verbais não deixam de se submeter ao modelo frá
sico: a tipologia actancial proposta por A. J. Greimas 11
reencontra na multiplicidade dos personagens da narrativa as funcões elementares da análise gramatical. A homologia que se sugere aqui não tem apenas um valorheurístico: implica numa identidade entre a linguagem ea literatura (enquanto esta for uma espécie de veículoprivilegiado da narrativa): não é mais possível concebera literatura como uma arte que se desinteressa de todarelação com a linguagem, já que a usa como um instrumento para exprimir a idéia, a paixão ou a beleza: alinguagem não cessa de acompanhar o discurso estendendo-lhe o espelho de sua própria estrutura: a literatura,singularmente hoje em dia, não cria uma linguagem daspróprias condições da linguagem? 12
10 Será precisamente uma das tarefas da lingüística do díscurso fundar umatípologia dos discursos. Provisoriamente, podem-se reconhecer três grandes tipos de discurso: metonímico (narrativa). metafórico (poesía lírica, disCUl'SOsapienciall. entimemático (discurso intelectual).11 Cf. inlra, 111, 1."E' necessário lembrar aqui esta Intuição de MALLARMÉ, formada no momento em que projetava um trabalho de lingüística: "A linguagem pareceu-lheo instrumento da ficção: seguirá o método da linguagem (determiná-Ia). Alinguagem r'efletindo sobre si mesma. Enfim a ficção parece-lhe ser o procedimento mesmo do espírito humano - é ela que põe em jogo qualquer método, e o homem está reduzido à vontade" (Oeuvres complétes, PLÉIADE, p.851). Lembre~se que para MALLARMÉ: "a Ficção ou Poesia" (ib., p. 335).
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2. Os níveis da significação
A lingüística fornece desde o princípio à análise estruturalda narrativa um conceito decisivo, porque, dando-se contaimediatamente do que é essencial em todo sistema de significação, a saber sua organização, permite por sua vez aplicar como uma narrativa não é uma simples soma de proposições e classificar a massa enorme de elementos queentram na composição de uma narrativa. Este conceitoé o de nível de descrição."
Uma frase, é sabido, pode ser descrita, lingüisticamente, em muitos níveis (fonético, fonológico, gramatical,contextual); estes níveis se apresentam numa relação hierárquica, pois, se cada um tem suas próprias unidades esuas próprias correlações, obrigando a uma descriçãoindependente para cada um deles, nenhum nível podepor si só produzir significação (sens): toda unidade
que pertence a um certo nivel só tomará uma significaçãocaso se possa integrar em um nível superior: um fonema, embora perfeitamente descritível, em si não querdizer nada; só participa da significação (sens) integradoem uma palavra; e a própria palavra deve-se integrarnuma frase. "~Jeoriadosnívej8-(tal como a enunciouBenveniste ) fornece dois tipos de relações: distribucio
nais (se as relações estão situadas em um mesmo nível),integrativas (se elas são estabelecidas de um nível aooutro). Segue-se que as relações distribucionais não bastam para dar conta da significação. Para conduzir uma
análise estrutural, é necessário pois em primeiro lugardistinguir muitas instâncias de descrição e colocar estasinstâncias numa perspectiva hierárquica (integratória).
Os níveis são operações." E' portanto normal queprogredindo, a lingüística tenda a multiplicá-Ios. A aná-
" "As descrições lingüísticas não são nunca monovalentes. Uma descrição nãoé exata ou falsa; é melhor ou pior, mais ou menos útil". (J. K. HALLlDAV:"Lingulstique générale et Linguistique appliquée", Etudes de Linguistiqueappliquée. 1, 1962, p. 12)."Os niveis de integração foram postulados pela Escola de Praga (v. J.VACHOK: A Prague School Reader in Linguistics. Indiana Univ, Press, 1964,p. 468!. e retomado desde aí por muitos lingüistas. Foi, em nosso entender,BENVENISTEque deu a análise maís esclarecedora (op. cit., capo Xl.lã "Em termos algo vagos, um nível pode ser considerado como um sistemade símbolos, regras, etc. os quais devem-se usar para representar as expressões"_ (E. BACH, op. cit •• pp. 57-58).
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lise do discurso não pode ainda trabalhar a não ser sobreníveis rudimentares. À sua maneira, a retórica tinha assinalado no discurso pelo menos dois planos de descrição:a dispositio e a elocutio. 16 Em nossos dias, em sua análise da estrutura do mito, Lévi-Strauss já precisou queas unidades constitutivas do discurso mítico (mitemas)só adquiriram significação porque são reunidas em pilhas(paquets) e que as próprias pilhas se combinam;" e T.Todorov, retomando a distinção dos Formalistas russos, propõe trabalhar sobre dois grandes níveis, porsua vez subdivididos: a lzistória (o argumento), compreendendo uma lógica das ações e uma «sintaxe» dospersonagens, e o discurso, compreendendo os tempos,os aspectos e os modos da narrativa. ,. Qualquer queseja o nÚmero dos níveis propostos e qualquer definiçãoque se dê, não se pode duvidar de que a narrativa sejalima hierarquia de instâncias. Compreender uma narra-
. tiva não é somente seguir o esvaziamento da história, étambém reconhecer nela «estágios», projetar os encadeamentos, horizontais do «fio» narrativo sobre um eixo implicitamente vertical; ler (escutar) uma narrativa não ésomente passar de uma palavra a outra, é também passarde um nível a outro. Permita-se aqui uma espécie deapólogo: em A Carta Roubada, Poe analisou com perspicácia o fracasso do Chefe de Polícia, impotente paradescobrir a carta: suas investigações eram perfeitas, dizele, «no círculo de sua especialidade»: o Chefe de Polícia não omitia nenhum lugar, «saturava» inteiramenteo nível da «perquisição»; mas para encontrar a carta.protegida por sua evidência, era preciso passar paraoutro nível, substituir a pertinência do policial pela doreceptador. Da mesma maneira, a «perquisição» exerci dasobre um conjunto horizontal de relações narrativas embora sendo completas, para ser eficaz, deve também dirigir-se«verticalmente»: a significação não está «ao cabo»da narrativa, ela a atravessa: tão evidente quanto A Carta
10 A terceira parte da retórica, a inventio, não concernia à linguagem: tra·tava das res, não das verba."Anthropologie structurale. p. 23.I. Aqui mesmo, infra: "As categorias da narrativa literária".
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Roubada, não escapa menos do que esta a qualquer exploração unilateral.
Muitas tentativas serão ainda necessárias antes de
se poder assegurar os niveis da narrativa. Estas qUe sevão propor aqui constituem um perfil provisório, cujavantagem é ainda quase exclusivamente didática: permitem situar e grupar os problemas, sem estar em desacordo, crê-se, com algumas análises já realizadas."Propõe-se distinguir na obra narrativa três níveis de descrição: o nível das «funções» (no sentido que esta palavra tem em Propp e em Bremond), o nível das «ações»(no sentido que esta palavra tem em Greimas quandofala dos personagens como actantes) e o nível da «narração» (que é, grosso modo, o nível do «discurso» emTodorov). Será bom lembrar que estes três níveis estãoligados entre si segundo um modo de integração progressiva: uma função não tem sentido se não tiver lugarna ação geral de um actante; e a própria ação recebesua significação última pelo fato de ser narrada, confiadaa um discurso que tem seu próprio código.
lI. AS FUNÇÜES
I. A determinação das unidades
Todo sistema sendo a combinação de unidades cujasclasses são conhecidas, é preciso primeiramente dividir anarrativa e determinar os segmentos do discurso narrativo que se possam distribuir em um pequeno nÚmero declasses; em uma palavra, é preciso definir as unidadesnarrativas mínimas.
Segundo a perspectiva integrativa que foi definidaaqui, a análise não se pode contentar com uma definiçãopuramente distribucional das unidades: é preciso que asignificação seja desde o princípio o critério da unidade:é o caráter funcional de certos segmentos da história que
,. Tive a preocupação. nesta Introdução, de constranger o menos possível aspesquisas em curso.
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faz destes unidades; donde o nome de «funções» que se'deu imediatamente a estas primeiras unidades. Desde osFormalistas russos 2. constitui-se em unidade todo segmento da história que se apresenta como o termo de umacorrelação. A alma de toda função é, caso se possa dizer,seu germe, fato que lhe permite semear a t:1arrativa deum elemento que amadurecerá mais tarde, sobre o mesmo nível, ou além, sobre um outro nível: se, em UmCoração Simples, Flaubert nos informa em um certo momento, aparentemente sem insistir nisto, que as filhas dosubprefeito de Pont-I'Evêque possuíam um papagaio, éporque este papagaio vai ter em seguida uma grandeimportância na vida de Félicité: a enunciação deste detalhe (qualquer que seja a forma lingÜística) constituipois uma função, ou unidade narrativa.
Tudo, numa narrativa, é funcional? Tudo, até omenor detalhe, tem uma significação? A narrativa podeser integralmente cortada em unidades funcionais? Serávisto daqui há pouco que existem sem dúvida muitos tiposde funções, pois há multos tipos de correlações. Distoresulta que a narrativa só se compõe de funções; tudo,em graus diversos, significa aí. Isto não é uma questãode arte (da parte do narrador), é uma questão de estrutura: na ordem do discurso, o que se nóta é, por definição, notável; .mesmo quando um detalhe parece irredutivelmente insignificante, rebelde a qualquer função, eletem pelo menos a significação de absurdo ou de inútil:ou tudo significa ou nada. Poder-se-ia dizer de umaoutra maneira que a arte não conhece ° ruído (no sentido informacional da palavra): 21 é um sistema puro, não
,. Ver notadamente B. TOMACHEVSKI, Thématique [1925), in: Théorie de IaLittérature, Seuil 1965. - Um pouco mais tarde. PROPPdefinia a função como"a ação de um personagem, definida do ponto de vista de sua significaçãopara o desenvolvimento do conto na sua lDtalidade" (Morphology of Folktale,p. 20). Ver-se-à aqui mesmo a definição de T. TODOROV ("A significação(ou a função) de um elemento da obra é sua pOSSibilidade de entrar emcorrelação com outros elementos desta obm e com a obra inteira"), e asprecisões trazidas por A. J. GREIMAS, que veio a definir a unidade por suacorrelação paradígmática, mas também por seu lugar no Interior da unidadeslntagmática do qual ela faz parte." E' por isso que ele não se confunde com "a vida", que só conhece comunicações "interferenciais". A "interferência [além da qual não se pode ver)pode existir em arte, mas então a Utulo de elemento codificado (WATTEAU,por exemplo); ainda esta "interferência" é também desconhecida do códigoescrito: a escritura é fatalmente nítida.
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há, não há jamais unidade perdida", por mais longo,por mais descuidado, por mais tênue que seja o fio quea liga a um dos níveis da história. 2,
A função é. evidentemente, do ponto de vista IingÜíslico, uma unidade de conteúdo: é «o que quer dizer»um enunciado que o constitui em unidade funcional 24 nãoa maneira pela qual isto é dito. Este significado constitutivo pode ter significantes díferentes, freqÜentementemuito retorcidos: se (em Goldfinger) me é enunciadoque james Bond viu um homem de cerca de cinqüenta.anos, etc., a informação contém simultaneamente duas.funções, de pressão desigual; de um lado a idade dopersonagem enquadra-se em um certo retrato (cuja «utilidade» para o restante da história não é nula, mas difusa, retardada), e de outro lado o significado imediatodo enunciado é que Bond não conhece seu futuro interlocutor: a unidade implica pois uma correlação muitoforte (abertura de uma ameaça e obrigação de identificar). Para determinar as primeiras unidades narrativas,é pois necessário jamais perder de vista o caráter funcional dos segmentos que se examinam, e admitir porantecipação que não coincidirão fatalmente com as for
mas que reconhecemos tradicionalmente nas diferente~ Jpartes do discurso narrativo (ações, cenas, parágrafo~diálogos, monólogos interiores, etc.), ainda menos comas classes «psicológicas» (condutas, sentimentos, intenções, motivações, racionalizações dos personagens).
Da mesma maneira, já que a «língua» (Zangue) danarrativa não é a língua (Zangue) da linguagem articulada - embora bem ireqüentemente sustentada por ela -,as unidades narrativas serão substancialmente independentes das unidades lingÜistit:as; elas poderão certamen-
22 Ao menos em literatura. onde a liberdade de notação (em continuação aocaráter abstrato da linguagem articulada) conduz a uma responsabilidade bemmais forte que nas artes "analóglcas", tais como o cinema.23 A funcionalidade da unidade narrativa é mais ou menos imediata [portantoaparente). segundo o nível onde atua: quando as unidades são colocadas nomesmo nível (no caso do suspense. por exemplo), a funcionalidade é muitosensível; muito menos quando a função é saturada sobre o nível narracional:um texto moderno, fracamente significante sobre o plano da anedota. só encontra uma grande força de Significação sobre o plano da escritura.24 "As unidades sintáticas (acima da frase) são de fato unidades de conteúdo"tA .J. GREIMAS, Cours de Sémantique Structurale, curso mimeografado, VI 5._ A exploração do nível funcional, portanto, faz parte da semântica geral.
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te coincidir, mas por acaso, não sistematicamente; asfunções serão representadas ora por unidades superioresà frase (grupos de frases de talhes diversos, até a obrano seu todo), ora inferiores (o sintagma, a palavra, cmesmo, na palavra, somente certos elementos literários; ,.quando nos é dito que, estando de guarda no seu gabi-
. nete do Serviço Secreto e tendo tocado o telefone, «Bondlevantou um dos quatro receptores», o monemaquatroconstitui sozinho uma unidade funcional, pois remete aum conceito necessário ao conjunto da história (o de umaalta técnica burocrática); de fato, a unidade narrativanão é aqui a unidade lingÜística (a palavra), mas somente seu valor conotado (lingüísticamente, a palavrajquatroj não quer dizer jamais «quatro»); isto explicaque certas unidades funcionais possam ser inferiores àfrase, sem deixar de pertencer ao discurso: elas ultrapassam, então, não a frase, à qual permanecem materialmente inferiores, mas o nível de denotação, que pertence, como a frase, à lingüística propriamente dita.
2. Classes de unidades
Estas unidades funcionais, é necessário reparti-Ias emum pequeno número de classes formais. Caso se queiradeterminar estas classes sem recorrer à substância doconteúdo (substância psicológica, por exemplo), é necessário novamente considerar os diferentes níveis da significação: certas unidades têm como correIa tas unidadesde mesmo nível; ao contrário, para saturar as outras, énecessário passar a um outro nível. Daí, desde o início,duas grandes classes de funções, umas distribucionais,outras integrativas. As primeiras correspondem às funções de Propp, retomadas notadamente por Bremond,mas que consideramos aqui de uma maneira infinitamente mais detalhada que estes autores; é para elas que
:G "Não se deve partir da palavra como um elemento Indlvlsível da arteliterária, tratá-Ia como o tijolo com o Qual se constrói o edlffclo. Ela édecomponível em 'elementos verbais' multo menores· (J. TYNIANOV, citado porT. TODOROV. in: Langages. 6, p. 18).
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se reservará o nome de «funções» (embora as outras unidades sejam, elas também, funcionais); o modelo é clássico a partir da análise de Tomachevski: a compra deum revólver tem como correlato o momento em que seráusado (e se não é usado, a notação transforma-se emsigno de veleidade, etc.), tirar o telefone do gancho temcomo correlato o momento em que ai será recolocado; aintrusão do papagaio na casa de Félicité tem como correlato o episódio do empalhamento, da adoração, etc. Asegunda grande classe de unidades, de natureza integrã='tiva, compreende todos os «índices» (no sentido muitogeral da palavra); ,,' a unidade remete então, não a umato complementar e conseqÜente, mas a um conceito maisou menos difuso, necessário entretanto ao sentido dahistória: indices caracteriais concernentes aos personagens, informações relativas à sua identidade, notaçõesdas «atmosferas», etc.; a relação da unidade e de seucorrelato não é mais então distribucional (freqÜentementemuitos índices remetem ao mesmo significado e sua ordem de aparição no discurso não é necessariamente pertinente), mas integrativa; para compreender «para queserve» uma notação indicial, é necessário passar para11mnível superior (ações dos personagens ou narração),pois é somente aí que se esclarece o índice; a potênciaadministrativa que está por trás de Bond, indexada pelonÚmero de aparelhos telefônicos, não tem nenhuma incidência sobre a seqüência das ações onde se engaja Bondaceitando a comunicação; ela não toma sentido a nãoser ao nível de uma tipologia geral dos actantes (Bondestá do lado da ordem); os índices, pela natureza decerta forma vertical de suas relações, são unidades ver-odadeiramente semânticas, pois, contrariamente às «funções» propriamente ditas, eles remetem a um significadonão a uma «operação»; a sanção dos índices é «maisalta», por vezes mesmo virtual, fora do sintagma explícito (o «caráter» de um personagem pode não ser jamaisnomeado, mas entretanto ininterruptamente indexado), éuma sanção paradigmática; ao contrário, a sanção das
;. Estas designações, como as que se seguem, podem ser todas provisórias.
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'" VAL~IW falava de 'slgnos dllatórlos". O romance policial faz grande usodestas unidades "desorientadoras",
ser saturado por uma multidão de incidentes pequenos ede descrições pequenas: «Bond se dirigiu à sua mesa,levantou um receptor, posou seu cigarro», etc. Estas catálises permanecem funcionais, na medida em que entramem correlação com um núcleo, mas sua funcionalidade éatenuada, unilateral, parasita: trata-se aqui de uma funcionalidade puramente cronológica (descreve-se o quesepara dois momentos da histórià), enquanto que no liame que une duas funções cardinais, se investe uma funcionalidade dupla, ao mesmo tempo consecutivas e conseqüentes. Tudo deixa pensar, com efeito, que a molada atividade é a própria confusão da consecução e daconseqüência, o que vem depois sendo lido na narrativacomo causada par; a narrativa seria, neste caso, umaaplicação sistemática do erro lógico denunciado pela escolástica sob a fórmula past hac, erga prapter hac, quebem poderia ser a divisa do Destino, do qual a narrativanão é em suma mais que a «língua» (Zangue); e este«esmagamento» da lógica e da temporalidade é a armadura das funções cardinais que o realiza. Estas funçõespodem ser à primeira vista muito insignificantes; o queas constitui não é o espetáculo (a importância, o volume,a raridade ou a força da ação enunciada), é, se podeser dito, o risco: .as funções cardinais são' os momentosde risco da narrativa;. entre estes pontos da alternativa,entre estes «dispatchers», as catálises dispõem de zonasde segurança, de repousos, de luxos; estes «luxos» nãosão entretanto inúteis: do ponto de vista da história, énecessário repeti-Ia, éL catálise pode ter uma funcionali..,dade fraca mas não absolutamente nula: seria ela puramente redundante (em relação a seu núcleo), não participaria menos da economia da mensagem; mas não é ocaso: uma notação, na aparência expletiva, tem sempreuma função discursiva: ela acelera, retarda, avança odiscurso, ela resume, antecipa, por vezes mesmo desorienta: 29 o notado aparecendo sempre como o notável, a catálise desperta sem cessar a tensão semântica do discurso,
33Análise Estrutural - 332
2T Isto não Impede que finalmente o encadeamento sintagmátlco das funçõespossa recobrlr relações paradigmáticas entre funções separadas. como é admitido desde L~VY·STRAUSS e GREIMAS.,. Não se podem reduzir as Funções a ações (verbos) e os indlces a qualidades (adjetivos), pois há ações que são Indlclais. sendo 'slgnos' de umcaráter. de uma atmosfera, etc.
«Funções» é sempre «mais longe», é uma sanção sintagmàtica." Funções e Indices recobrem portanto umaoutra distinção clássica: as Funções implicam relata metonímjcos, os indices relata metafóricos; uns correspondem a uma funcionalidade do fazer, as outras a umafuncionalidade do ser. n
Estas duas grandes classes de unidades, Funções eíndices, deveriam já permitir uma certa classificação dasnarrativas. Certas narrativas são fortemente funcionais(assim os contos populares), e em oposição certas outrassão fortemente indiciais (assim os romances «psicológicos» ); entre estes dois pólos, toda uma série de formasintermediárias, tributárias da história, da sociedade, dogênero. Mas não é tudo: no interior de cada uma destasgrandes classes, é imediatamente possível determinarduas subc1asses de unidades narrativas. Para retomar aclasse das Funções, suas unidades não têm todas a mesma «importância»; algumas constituem verdadeiras articulações da narrativa (ou de um fragmento da narrativa); outras não fazem mais do que «preencher» o espaçonarrativo que separa as funções-articulações: chamemosas primeiras de funções cardinais (ou núcleas) e as segundas, em consideração à sua natureza completiva, catálises. Para que uma função seja cardinal, é suficienJeque a ação à qual se refere abra (ou mantenha, ou feche)uma alternativa conseqüente para o seguimento da história, enfim que ela inaugure ou conclua uma incerteza;se, em um fragmento da narrativa, a telefane taca, é·igualmente possível que seja respondido ou que não oseja, o que não impedirá de levar a história para doiscaminhos diferentes. Em oposição entre duas funçõescardinais, é sempre possível dispor de notações subsidiárias, que se aglomeram em torno de um núcleo ou deoutro sem modificar-lhe a natureza alternativa: o espaço
que separa «a telefane tocau» e «Band atendeu» pode
11 Aqui mesmo. G. GENETTEdistingue dois tipos de descrições: ornamental esignificativa. A descrição significativa deve evidentemente ser relacionada como nlvel da história e a descrição ornamental com o nlvel do discurso. o queexplica que ela tenha constituído durante multo tempo um "tragmento· retórico perfeitamente codificado: a descriptio ou ekphrasis. exerclcio multo va·lorlzado pela neo-retórlca.
possui uma funcionalidade incontestável, não ao nível dahistória, mas ao nivel do discurso."
.Nú(;le()s e. catálises, índices e informantes (aindauma vez pouco importam os nomes), tais são, parece, aspril11l:.irasclasses entre as quais. podem-se repartir asunidages do. nível funciol1ªI. E' necessário completar estaclassificação com duas observações. Para começar'llrnaunidade pode pertencer ao mesmo tempo a duas classes'diferentes: beb~r um uísque (no hall de um aeroporto)é uma ação que pode servir de catálise à notação (cardinal) de esperar, mas é também e ao mesmo tempo oíndice de uma certa atmosfera (modernidade, descontração, lembrança, etc.): dito de outra maneira, certas unidade podem ser mistas. Deste modo um jogo é possívelna economia da narrativa; no romance Goldfinger, Bond,devendo revistar o quarto de seu adversário, recebe umpasse-partout de seu comanditário: a notação é uma purafunção (cardinal); no filme este detalhe é mudado: Bondrouba brincando a carteira de uma camareira que nãoprotesta; a notação não é mais somente funcional, mastambéminciicial, remete ao caráter de Bond (sua desenvoltura 'eseu sucesso junto às mulheres). Em segundolugar, é necessário ressaltar (fato que será tratado emoutro lugar mais tarde) que as quatro classes das quaisse vêm de tratar podem ser submetidas a uma outradistribuição, mais conforme, além disso, ao modelo IingÜístico. As catálises, os índices e os informantes têmcom efeito um caráter comum: são expansões em rela-,ção aos núcleos: os núcleos (vai ser logo visto) .formamconjuntos acabados de termos pouco numerosos, são regidos por uma lógica, são. ao mesmo tempo necessáriose suficientes; esta armadura d~da, as outras unidadesvêm preencher segundo um modo de proliferação emprincípio infinito: sabe-se que isto é o que se passa coma frase, feita de proposições simples, complicadas ao
diz ininterruptamente: houve, vai haver significação; afunção constante da catálise é pois, em todo estado ele_causa, uma função fática (para retomar a palavra deJakobson): mantém o contato entre o narrador e o nar:ratário (narrataire). Digamos que não se pode supril11irum núcleo sem alterar a história, mas que não se podesuprimir uma catálise sem alterar o discurso. QUé:\º!o às~g;undagrande classe de unidades narrativas (os índices), classe integrativa, as unidades que aí se encontramtêm em comum o fato de não poderem ser saturadas(completadas) a não ser ao nível dos personagens ou danarração; elas fazem portanto parte de uma relação paramétrica ", cujo segundo termo, implícito, é contínuo,extensivo a um episódio, um personagem ou Uma. obrail1teira; pode-se entretanto distinguir aí indices propriamente ditos, remetendo a um caráter, a um sentimento,a uma atmosfera (por exemplo de suspeita), a umafilosofia, e informações, que servem para identificar, parasituar no tempo e no espaço. Dizer que Bond está deguarda em um escritório cuja janela aberta deixa ver aLua entre grossas nuvens que passam é indexar umanoite de verão tempestuosa, e esta dedução mesma formaum índice atmosferial que remete ao clima pesado, angustiante de uma ação que não se conhece ainda. Osíndices têm pois sempre significados implícitos; os informantes, ao contrário, não o têm, pelo menos ao nívelda história: são. dados puros imediatamente significantes_Os índices implicam uma atividade de deciframento: trata-se para o leitor de aprender a conhecer um caráter,uma atmosfera; os informantes trazem um conhecimentotodo feito; sua funcionalidade, como a das catálises, épois fraca, mas não é nula: qualquer que sej a sua «palidez em relação ao resto da história, o informante (porexemplo a idade precisa de uma personagem) serve paradar autenticidade à realidade do referente, para enraizara ficção no real: é um operador realista, e neste título,
•• N. RUWET chama elemento paramétrlco um elemento que é constante durante toda a duração de uma peça de música (por exemplo o tempo de umellegro de Bach. o caráter mon6dlco de um 8010).
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infinito por duplicações, preenchimentos, recobrimentos,etc.: como a frase, a narrativa é infinitamente catalisáveI.Mallarmé dava uma tal importância a este tipo de estrutura que constitui com ela seu poema Jamais un coupde dés que se pode bem considerar, com seus «nós» eseus «ventres», suas «palavras-nós» e suas «palavrasrendas» como o brasão de toda narrativa de toda linguagem.
3. A sintaxe funcional
Como, segundo qual «gramática», estas diferentes unidades se encadeiam umas às outras ao longo do sintagmanarrativo? Quais são as regras da combinatória funcional? Os informantes e os índices podem livremente secombinar entre eles: tal é por exemplo o retrato, quejustapõe sem constrangimento d{ldos de estado civil etraços caracteriais. Uma relação de implicação simplesune as catálises e os núcleos: uma catálise implica necessariamente a existência de uma função cardinal à qual seligar mas não reciprocamente. Quanto às funções cardinais, é uma relação de solidariedade que as une: umafunção desta espécie obriga a uma outra da mesma espécie e reciprocamente. E' sobre esta Última relação quese deve parar um instante: primeiramente para que defina a própria armadura da narrativa (as expansões sãosuprimíveis, os nÚcleos não o são), em seguida porquepreocupa principalmente aos que procuram estruturar anarrativa.
Já se assinalou que por sua própria estrutura, anarrativa instituía uma confusão entre a consecução e aconseqüência, o tempo e a lógica. E' esta ambigüidadeque forma o problema central da sintaxe narrativa umalógica intemporal? Este ponto dividia ainda recentementeos pesquisadores. Propp, cuja análise, sabe-se, abriu caminho aos estudos atuais, prende-se absolutamente àirredutibilidade da ordem cronológica: o tempo é a seusolhos o real e por esta razão parece-lhe necessário enraizar o conto no tempo. Entretanto, o próprio Aristóteles,opondo a tragédia (definida pela unidade de ação) à
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IlÍstória (definida pela pluralidade de ações e unidade doII'mpo), atribuía já o primado do lógico sobre o cronoIÚgico." E' o que fazem todos os pesquisadores atuais(Lévi-Strauss, Greimas, Bremond, Todorov), que poderiam todos subscrever sem dúvida (embora divergindo:,obre outros pontos) a proposição de Lévi-Strauss: «Aordem de sucessão cronológica resolve-se numa estruturaIlIatricial atempora1.» a3 A análise atual tende com efeitoa «descronologicizar» o contínuo narrativo e a .«relogicizar», a submetê-Ia ao que MalIarmé chamava, a propá-sito da língua francesa, «os primitivos raios da lógica.» ••Ou mais exatamente - é este ao menos nosso desejo a tarefa é conseguir dar uma descrição estrutural da ilusão cronológica;~ él.lógica narrativa a dar conta do tempo narrativo. Poder-se-ia dizer de uma outra maneiraque a temporalidade não é mais do que uma classeestrutural da narrativa (do discurso), tudo como se nalíngua, o tempo não existisse a não ser sob a forma desistema; do ponto de vista da narrativa, o que chamamostempo não existe, ou ao menos só existe funcionalmente,como elemento de um sistema semiótico: o tempo nãopertence ao discurso propriamente dito, mas o referente;a narrativa e a língua só conhecem um tempo semiológico; o «verdadeiro» tempo é uma ilusão referendal, «realista», como o mostra o comentário de Propp, e é a estetítulo que a descrição estrutural deve tratá-Io."
Qual é pois esta lógica que constrange as principaisfunções da narrativa? E' o que se procura estabelecerativamente e o que tem sido até aqui mais largamentedebatido. Remeter-se-á pois às contribuições de A. J.Greimas, CI. Bremond e T. Todorov, publicadas aquimesmo, e que tratam todas da lógica das funções. Trêsdireções principais de perquisa tornam-se claras, expostas mais adiante por T. Todorov. O primeiro caminho
32 Poétique, 1459 a.33 Citado por GL BREMOND:"le message narratif". Communlcatlons, n. 4, 1964." Ouant au Livre Oeuvres Completes, Pl~IADE. p, 386.ao A sua maneira. como sempre perspicaz mas inexplorada. VAl':RV anunciou oestatuto do tempo narrativo: "A crença no tempo agente e fio condutor' éfundada sobre o mecanismo da memória e sobre o do discurso combinado'(Tel Quel, 11. 348); nós sublinhamos: a Ilusão é um efeito produzido pelopróprio discurso.
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(Bremond) é mais propriamente lógico: trata-se de reconstituir a sintaxe dos comportamentos humanos empregados pela ,narrativa, de traçar o trajeto das «escolhas»às quais, em cada ponto da história, tal personagem éfatalmente submetido:l6 e de por às claras o que se poderia chamar uma lógica energética "', pois ela se apodera dos personagens no momento em que escolhemagir. O segundo modelo é IingÜístiCü (Lévi-Strauss, Greimas): a preocupação essencial desta pesquisa é de descobrir nas funções oposições paradigmáticas, estas oposições, de acordo com o princípio jakobsoniano do «poético»,estando «estendidas» ao longo da trama da narrativa(ver-se-á entretanto aqui mesmo os desenvolvimentos novos pelos quais Greimas corrige ou completa o paradigmatismo das funções). O terceiro caminho, esboçadopor Todorov é um pouco diferente, pois instala a análiseao nível das «ações» (isto é, dos personagens), tentando estabelecer as regras pelas quais a narrativa combina, varia e transforma um certo número de predicadosde base.
Não é questão de escolher entre estas hipóteses detrabalho; elas não são rivais mas concorrentes, e estãosituadas além disso atualmente em plena elaboração. Oúnico complemento que se permitirá aqui Ihes trazer conceme às dimensões da análise. Mesmo se são colocadosà parte os índices, os informantes e as catálises, restaainda numa narrativa (sobretudo se se trata de um romance, e não mais de um conto) um grande número defunções cardinais; muitas não podem ser dominadas pelasanálises que se acabam de citar, as quais trabalharamaté agora sobre as grandes articulações da narrativa.E' necessário entretanto prevel uma descrição suficientemente detalhada para dar conta de todas as unidadesda narrativa, de seus menores segmentos; as funçõescardinais, lembremos isto, não podem ser determinadas
•• Esta concepção lembra uma opinião de Arlstóteles: a proalresis, escolha racional das ações acometer. fundamenta a práxls, ciência prática que não produznenhuma obra distinta do agente. contrariamente a paJésJ•• Nestes termos, dl,se-á que o analista tenta reconstltulr a práxls Interior à narrativa.31 Esta lógica fundada sobre a alternativa (fazer isto ou aquilo) tem o mMltode daI' conta do processo de dramatlzação da qual a narrativa é ordinariamentea sede.
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por sua «importância», mas apenas pela natureza (du:pIamente illlplicativa) de suas relações: uma «chamadatclefônica»,por mais fútil que pareça, de um lado con}porta ela mesma algumas funções cardinais (tocar, atender, falar, desligar), e de outro lado, tomado em bloco,(' necessário poder relacioná-Ia pelo menos de etapa emdapa, às grandes articulações da anedota. A coberturaluncional da narrativa impõe uma organização de substituição, cuja unidade de base não pode ser mais quelI111pequeno agrupamento de funções, que se chamará,:tqui (seguindo Cl. Bremond) uma «s~güência».
Uma seqÜência é uma série lógica de núcleos, unidos erJt[esi por uma. relação de solidariedade "": a seqüência abre-se assim que um de seus termos não tenhaantecedente solidário e se fecha logo que um de seustermos não tenha mais conseqüente. Para tomar umexemplo voluntariamente fútil, pedir uma consumação,recebê-la, consumi-Ia, pagá-Ia, estas diferentes funçõesconstituem uma seqüência evidentemente fechada, poisnão é possível fazer preceder a encomenda ou fazer seguir o pagamento sem sair do conjunto homogêneo«Consumação». A seqüência é com efeito sempre nomeável. Determinando as grandes funções do conto, Propp,depois Bremond, têm sido levados a nomeá-Ias (Fraude,Traição, Luta, Contrato, Sedução, etc.): a operação nominativa é igualmente inevitável para as seqüências fúteis, o que se poderia chamar de «micro-seqüências»,as que formam freqÜentemente o grão mais fino do tecido narrativo. Estas denominações são unicamente responsabilidade do analista. Dito de outra maneira, _.~Iªssão puramente metalingiiísticas? Elas o são sem dúvida, já que tratam do código da narrativa, mas pode-seimaginar que fazem parte de uma metalinguagem interiordo próprio leitor (ou ouvinte), que compreende todauma série lógica de ações como um todo nominal: leré nomear; escutar, não é somente perceber uma linguagem, é também construi-Ia. Os títulos das seqüências
". No sentido hjelmsleviano da dupla implicação: dois termos pressupõem-seum ao outro.
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•• Este contraponto foi pressentido pelos Formallstas russos. que esboçaram-lheatlpologla; ele lembra slnda as principais estruturas "retorcidas" da frase(cf._ lnfra, V, 1).
Ajuda
! 1--,Vigilância Captura Punição
etc.
Petição
I I iEncontro Solicitação Contrato
II I ----,Interpelação Saudação Instalação
I I IEstender-a-mãoapertá-Ia soltá.la
Esta representação é evidentementeanaIítica. O leitor,ele mesmo, percebe uma série linear de termos. Mas oque é necessário notar é que os termos de muitas seqüências podem muito bem imbricar-se uns nos outros: umaseqüência não acabou e já, intercalando-se, o termo inicialde uma nova seqüência pode surgir: as seqüências deslocam-se em contraponto 40; funcionalmente, a estruturada narrativa é fugata: é assim que a narrativa, ao mesmo tempo, é (<<tient»)e pretende ser (<<aspire»). A imbricação das seqüências só pode com ·efeito permitir, nointerior de uma mesma obra, uma interrupção por umfenômeno de rutura radical, se alguns blocos (ou «estemas) estanques, que, então, a compõem, são de algummodo recuperados ao nível superior das Ações (dos personagens): Goldfinger é composto de três episódios funcionalmente independentes, pois seus este mas funcionaiscessam duas vezes de comunicar: não há nenhuma relação
eles mesmos micro-seqüências. Toda uma rede de subrogações estrutura assim a narrativa, das menores matrizes às maiores funções. Trata-se aí, bem entendido, delima hierarquia que permanece interior ao nível funcional:é somente quando a narrativa pode ser aumentada, deetapa em etapa, do cigarro de Ou Pont ao combate de130nd contra Goldfinger, que a análise funcional está terminada: a pirâmide das funções está em contacto entãocom o nível seguinte (o das Ações). Há pois ao mesmotempo uma sintaxe interior às seqüências e uma sintaxe(sub-rogante) das seqüências entre elas. O primeiro episódio de Goldfinger toma deste modo uma forma «estemática» :
rAbordagem
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são bastante análogos a estas palavras-cobertura (coverwords) de máquina de traduzir, que cobrem de umamaneira aceitável uma grande variedade de sentidos ede matizes. A língua da narrativa, que está em nós,comporta inicialmente estas rubricas essenciais: a lógicafechada que estrutura uma seqüência está indissoluvel..,_mente ligada a seu nome: toda função que inaugura umasedução impõe desde sua aparição, ao nome que elafaz surgir, o processo inteiro da sedução, tal qual aprendemos em todas as narrativas que formaram em nósa língua da narrativa.
Qualquer que seja sua pouca importância, sendocomposta de .um pequeno número de núcleos (quer dizer,de fato, de «dispatchers»), a seqüência comporta sempre momentos de risco, e é isto que justifica a análise:poderia parecer irrisório constituir em seqüência a sérielógica dos pequenos atos que compõem o oferecimentode um cigarro (oferecer, aceitar, acender, fumar); masé que, precisamente, em cada um destes pontos, umaalternativa, e pois uma liberdade de sentido, é possível:Ou Pont, o coma'nditário de James Bond, oferece-lhefogo com seu isqueiro, mas Bond recusa; a significaçãodesta bifurcação é que Bond instintivamente teme umabrincadeira (gadget piegé). :Jl) A seqüência é portanto, casose queira, uma unidade lógica ameaçada: é o que ajustifica a mínimo. Ela é também fundada a máximo:fechada sobre suas funções, resumida em um nome, aprópria seqüência constitui uma unidade nova, prestes afuncionar como o simples termo de uma outra seqüência,maior. Eis uma micro-seqüência: estender a mão, apertá-Ia, soltá-Ia; esta Saudação torna-se uma simples função, de um lado, toma o papel de um índice (falta deenergia de Ou Pont e repugnância de Bond), e de outroforma globalmente o termo de uma seqüência maior, denominada Encontro, cujos outros termos (aproximação,parada, interpelação, saudação, instalação) podem ser
'0 E' multo posslvel encontrar. mesmo neste nlvel Infinltesimal. uma oposiçãode modelo paradigmátlco. senão entre dois termos, ao menos entre dois pólosda seqüência: a seqüênCia Oferta de cigarro apresenta. em suspenso, o pa·radigrna Perigo/Segurança (exposto por CHEGLOV em sua análise do ciclo deSherlock Holmes), Suspeita/Proteção, Agressivldade/Amizade.
seqÜencial entre o episódio da piscina e o de Fort-Knox;mas subsiste uma relação actancial, pois os personagens(e por conseguinte a estrutura de suas relações) são osmesmos. Reconhece-se aqui a epopéia (<<conjunto de fábulas múltiplas»): a epopéia é uma narrativa interrompidano nível funcional mas unitária no nível actancial (istose pode verificar na Odisséia ou no teatro de Brecht). E'necessário portanto coroar o nível das funções (que fornece a maior parte do sintagma narrativo) por um nívelsuperior, no qual, pouco a pouco, as unidades do primeiro nível retirem sua significação, e que é o níveldas Ações.
li!. AS AÇõES
I. Por um estatuto estrutural dos personagens
Na Poética aris.ti'>télica, a noção de personagens é secundária, inteiramente submissa à noção de ação: pode haverfábula sem «caracteres», diz Aristóteles, mas não existiriam caracteres sem fábula. Esta perspectiva foi retomada pelos teóricos clássicos (Vossills). Mais tarde, opersonagem, que até ai não era mais que um nome, oagente da ação ", tomou lima consistência psicológica,tornou-se um indivíduo, uma «pessoa», breve um «ser»plenamente constituído, mesmo que ele não fizesse nada,e bem entendido, antes mesmo de agir"; o personagemcessou de ser subordinado à ação, encarnou de iníciouma essência psicológica; estas essências podiam sersubmetidas a um inventário, cuja forma mais pura foi alista dos «empregos» do teatro burguês (a coquette, opai nobre, etc.). Desde sua aparição, a análise estruturalteve a maior repugnância em tratar o personagem comouma essência, mesmo que fosse para c1assificá-Io; como
•• Não esqueçamos Que a tragédia clássica só conhecia ainda ·atores·, não•personagens·..•• A "personagem-pessoa" reina no romance burguês; em Guerra e Paz, NicolauRostov é Inicialmente um bum rapaz, leal, corajoso, ardente; o Prlnclpe Andréum ser bem educado, desencantado, ate.: o Que Ihes acontece, os ilustra,mas não os faz.
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IliII
() lembra aqui T. Todorov, Tomachevski chegou até alIcgar ao personagem toda importância narrativa, pontode vista que ele atenuou em seguida. Sem chegar a reIirar os personagens da análise, Propp reduziu-os a umalipologia simples, fundada não sobre a psicologia, mas';obre a unidade das ações que a narrativa lhes atribuiu(Doador de objeto mágico, Ajuda, Mau, etc.).
Desde Propp, o personagem não cessa de impor à;ll\álise estrutural da narrativa o mesmo problema: de11m lado os personagens (por qualquer nome que Iheschame: dramatis personae ou actantes) formam um pla110 de descrição necessário, fora do qual as «pequenasações» narradas deixam de ser inteligíveis, de sorte que~;e pode bem dizer que não existe uma só narrativa nomundo sem «personagens»", ou ao menos sem «agentes»;mas por outro lado estes «agentes bastante numerosos,não podem ser nem descritos nem classificados em termos de «pessoas», seja que se considere a «pessoa»como uma forma puramente histórica, restrita a certosgêneros (em verdade, os que conhecemos melhor) e quepor conseguinte é preciso reservar o caso, muito vasto,de todas as narrativas (contos populares, textos contemporâneos) que comportam agentes, mas não pessoas; istoé, que se admita que a «pessoa» não é mais que umaracionalização crítica imposta por nossa época a purosagentes narrativos. A análise estrutural, muito preocupadaem não definir o personagem em termos de essênciaspsicológicas, esforçou-se até o presente, através de hipóteses diversas, das quais encontrar-se-á eco em algumasdas contribuições que se seguem, em definir o personagem não como um «ser», mas como um «participante».Para CI. Bremond, cada personagem pode ser o agentede seqüências de ações que lhe são próprias (Fraude,Sedução); quando uma mesma seqüência implica doispersonagens (é o caso normal), a seqüência comporta
.3 Se uma parte da literatura contemporânea tratou do "personagem·, não foipara destrui-Ia (coisa Impossivel). e sim para despersonallzá-Io, o Que é completamente dlfel'ente. Um romance aparentemente sem personagens. como Drame•de PHIUPPE SOLLERS,recusa Inteiramente a pessoa em proveito da IIngugaem,mas collServa ainda um jogo fundamental de actantes, diante da ação mesmada fala (parolt!). Esta literatura conhece sempre um ·sujelto·, mas esse ·sujeIto· é a partir de então o da linguagem.
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duas perspectivas, ou, caso se prefira, dois nomes (oque é Fraude para um é Logro (duperie) para outro);em suma, cada personagem, mesmo secundário, é o heróide sua própria seqüência. T. Todorov, analisando umromance «psicológico» (Les Liaisons Dangereuses), parte,não dos personagens-pessoas, mas das três grandes relações nas quais se podem engajar e que ele chamapredicados de base (amor, comunicação, ajuda); estasrelações estão submetidas pela análise a dois tipos deregras: de derivação quando se trata de dar conta deoutras relações e de ação quando se trata de descrevera transformação destas relações no curso da história:há muitos personagens em Les Liaisons Dangereuses,mas «o que se diz» (seus predicados) deixa-se classificar. Enfim, A. J. Greimas propôs descrever e classificaros personagens da narrativa, não segundo o que são, massegundo o que fazem (donde seu nome de actantes),já que participam de três grandes eixos semânticos, quese encontram além disso na frase (sujeito, objeto, complemento de atribuição, complemento circunstancial) eque são a comunicação, o desejo (ou a busca) e aprova"; como esta participação se ordena por pares, omundo infinito dos personagens é ele também submetidoa uma estrutura paradigmática (Sujeito/Objeto, Doador/Destinatário, Adjuvante/Oponente), projetada ao longo danarrativa; e como o actante, define uma classe, ele sepode preencher com atores diferentes, mobilizados segundo as regras de multiplicação, de substituição ou decarência.
Estas três concepções têm muitos pontos comuns. Oprincipal, é necessário repetir, é definir o personagempela sua participação em uma esfera de ações, estasesferas sendo pouco numerosas, típicas, classificáveis; épor isso que se chamou aqui o segundo nível de descrição, embora sendo o dos personagens, nível das Ações:esta palavra não se deve pois entender aqui no sentidodos pequenos atos que formam o tecido do primeironível, mas no sentido das grandes articulações da práxis(desejar, comunicar, lutar).•• Sémantlque Structurale, lAROUSSE. 1966, pp. 129s.
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2. O problema do sujeito
Os problemas levantados por uma classificação dos personagens da narrativa não estão ainda bem resolvidos.Certamente se está de acordo que os inumeráveis personagens da narrativa podem ser submetidos a regras desubstituição e que, mesmo no interior de uma obra, umamesma figura pode absorver personagens diferentes ";por outro lado o modelo actancial proposto por Greimas(e retomado numa perspectiva diferente por Todorov),parece resistir bem à prova de um grande número denarrativas: como todo modelo estrutural, vale menos porsua forma canônica (uma matriz de seis actantes) quepelas transformações regra das (carências, confusões, duplicações, substituições), às quais ele se presta, deixandoassim esperar uma tipologia actancial das narrativas 46;
entretanto, no momento em que a matriz tem um bompoder classificador (é o caso dos actantes de Greimas),não dá bem conta da multiplicidade das participações,desde o momento em que estas são analisadas em termosde perspectivas; e quando estas perspectivas são respeitadas (na descrição de Bremond), o sistema dos personagens fica muito esfacelado; a redução proposta porTodorov evita os dois obstáculos, mas ela só foi aplicada até hoje a uma única narrativa. Tudo isto podeser harmonizado rapidamente, parece. A verdadeira' dificuldade ventilada pela classificação dos personagens éo lugar (e portanto a existência) do sujeito em todamatriz actancial, seja qual for a fórmula. Quem é osujeito (o herói) de uma narrativa? Há ou não há umaclasse privilegiada de atores? Nosso romance habituounos a acentuar de uma maneira ou de outra, por vezesretorcida (negativa), um personagem entre outros. Maso privilégio está longe de cobrir toda a literatura narra-
"A psicanálise acreditou largamente nestas operações de condensação. MALLARMIOjá dizia, a propósito de Hamlet: "Comparsas, ,Isto é necessá.'io, poisno ideal da pintura da casa tudo se move segundo uma reciprocidade sim·bólica de tipos entre eles ou relativamente a uma só figura" (Cravonné authéâtre, PlIOIADE. p. 301).46 Por exemplo: as narrativas onde o objeto e o sujeito se confundem em ummesmo personagem são narrativas da busca de si mesmo, de sua própl'ia Identidade (O Asno de Ouro); narrativas onde o sujeito persegue objetos sucessivos (Mme. Bovary). etc.
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tiva. Assim, muitas narrativas põem em ação, em tornode uma presa, dois adversários, cujas «ações» são deste
modo igualadas; o sujeito é então verdadeiramente duplo,sem que se possa por antecipação reduzi-Io por substituição; é mesmo talvez a única forma arcaica corrente,como se a :narrativa, à semelhança de certas línguas,tivesse conhecido também um dual de pessoas. Este dualé mais interessante na medida em que aparenta a narrativa à estrutura de certos jogos (muito modernos), emque doisadveq;ários iguais desejam conquistar um objetoposto em circulação por um árbitro; este esquema lembraa matriz actancial proposta por Greimas, o que não podeespantar a quem se quiser persuadir que o jogo, sendouma linguagem, participa também da mesma estrutura
simbólica que se encontra na língua e na narrativa: ojogo também é uma frase." Se pois se conserva umaclasse privilegiada de atores (o sujeito da procura, dodesej o, da ação), é ao menos necessário suavizá-Ia sub
metendo este actante às categorias mesmas da pessoa,não psicológica, mas gramatical: uma vez mais, será necessário aproximar-se da lingüística para poder descrevere classificar a instância pessoal (eu/tu) ou apessoal (ele)singular, dual ou plural, da ação. Serão - talvez _ as
categorias gramaticais da pessoa (acessíveis nos pronomes) que darão a chave do nível aciona!. Mas comoestas categorias não se podem definir a não ser em relação à instância do discurso, e não à da realidade ", ospersonagens, como unidades do nível acional, só encontram sua significação (sua inteligibilidade) se são integrados ao terceiro nível da descrição, que chamamosaqui nível da Narração (por ,oposição às Funções eàsAções).
H A anaállse do ciclo James Bond, feito por U. ECO um pouco mais adiante.refere-se mais ao jogo do Que à linguagem.•• Ver as análises da pessoa apresentadas por BENVENISTEem Problemes deLingulstique générale.
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IV. A NARRAÇÃO
1. A comunicação narrativa
Mesmo que haja, 110 interior da narrativa, uma grandefunção de troca (repartida entre um doador e um beneficiário), da mesma maneira, homologicamente, a narrativa, como objeto, é alvo de uma comunicação: há umdoador da narrativa, há um destinatário da narrativa.Sabe-se, na comunicação lingüística, eu e tu são absolutamente pressupostos um pelo outro; da mesma maneira, não pode haver narrativa sem narrador e sem ouvinte (ou leitor). Isto é talvez banal, e entretanto aindamal explorado. Certamente o papel do emissor foi abundantemente parafraseado (estuda-se o «autor» de um romance sem se perguntar além disso.se ele é bem o «narrador»), mas quando se passa para o leitor, a teoria literária é muito mais pudica. De fato, o problema não éde interiorizar os motivos de narrado r nem os efeitos quea narração produz sobre o leitor; é o de descrever o código através do qual narrador e leitor são significadosno decorrer da própria narrativa. Os signos do narradorparecem à primeira vista mais visíveis e mais numerososque os signos do leitor (uma narrativa diz mais freqüentemente eu que tu); na realidade, os segundos são simplesmente mais disfarçados que os primeiros; assim, cadavez que o narrador, cessando de «representar», relacionafatos que conhece perfeitamente masque o leitor ignora,produz-se, por carência significante, um signo de leitura,porque não teria sentido que o narrado r desse a si mesmo uma informação: Leo era o dono desta boate ", diznos um romance na primeira pessoa: isto é um signodo leitor, próximo do que jakobson chama de função conativa da comunicação. Por falta de inventário, deixarse-á entretanto de lado no momento os signos da recep-
•• Double bang à Bangkok. A frase funciona como uma 'plscadela' ao leitor,como se alguém se dirigisse a ele. Ao contrário. o enunciado •Assim, Léo acabade sair' é um Signo do narrador. pois Isto faz parte de um raclocinlo efetuadopor uma •pessoa' .
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r,,, J, LACAN: '0 sujeito do qual lalo quando lalo é o mesmo que aqueleque fala?"•• E. BENVENISTE. op. clt.
que o próprio autor (que se mostre, se esconda ou seapague) disponha de «signos» com os quais salpicariasua obra, é necessário supor entre a «pessoa» e sualinguagem uma relação signalética que faz do autor umsujeito pleno e da narrativa a expressão instrumentaldesta plenitude; a isto a análise estrutural não se poderesolver: quem fala (na narrativa) não é quem escreve(na vida) e quem escreve não é quem é."
De fato, a narrativa propriamente dita (ou códigodo narrador) só conhece, como também a Iingua, doissistemas de signos: pessoal e apessoal; este dois sistemas não beneficiam forçosamente marcas lingüísticas ligadas a pessoa (eu) e a não-pcssoa (ele); pode haver,por exemplo, narrativas, ou pelo menos episódios, escritos na terceira pessoa e cuja instância verdadeira é entretanto a primeira pessoa. Como decidir isto? E' suficiente «rewrite» a narrativa (ou a passagem) do elepara eu: enquanto esta operação não atrai nenhuma outraalteração do discurso a não ser a própria troca dos pronomes gramaticais, é certo que se permanece em umsistema de pessoa: todo o começo de Goldfinger, emboraescrito na terceira pessoa, e de fato falado por JamesBond; para que a instância mude é necessário que orewriting torne-se impossível; assim a frase: «ele percebeu um homem de uns cinqÜenta anos, de porte aindajovem, etc.», é perfeitamente pessoa, a despeito do ele(<<Eu,James Bond, percebi, etc.»), mas o enunciado narrativo «o tilintar do gelo contra o vidro pareceu dar aBond urna brusca inspiração» não pode ser pessoal porcausa do verbo «parecer», que se torna signo do apessoal(e não o ele). E' certo que o apessoal é o modo tradicional da narrativa, a língua tendo elaborado todo umsistema temporal próprio da narrativa (articulado comoo aoristo) ••, destinado a afastar o presente daquele quefala: «Na narrativa, diz Benveniste, ninguém fala.» Entretanto a instância pessoal (sob forma mais ou menosdisfarçada) invadiu pOtlCOa pouco a narrativa, a narra-
ção (embora também importantes), para dizer uma palavra sobre signos da narração. 00
Quem é o doador da narrativa? Três concepçõesparecem até aqui ter sido enunciadas. A primeira considera que a narrativa é emitida por uma pessoa (nosentido plenamente psicológico do termo); ,esta pessoatem um nome, é o autor, em que se trocam sem interrupção a «personalidade» e a arte de um indivíduo perfeitamente identificado, que toma periodicamente a penapara escrever uma história: a narrativa (notadamenteum romance) não é então mais que a expressão de umeu que lhe é exterior. A segunda concepção faz do narrador uma espécie de consciência total, aparentemente impessoal, que emite a história do ponto de vista superior,o de Deus": o narrador é ao mesmo tempo interior aseus personagens (poiS' sabe tudo o que neles se passa)e exterior (pois não se identifica mais Com um que comoutro). A terceira concepção, a mais recente (HenryJames, Sartre), preconiza que o narrador deve limitar suanarrativa ao que podem observar ou saber os personagens; tudo se passa como se cada personagem fosseum de cada vez o emissor da narrativa. Estas três concepções são igualmente constrangedoras na medida emque parecem todas três ver no narrador e nos personagens pessoas reais, «vivas» (é conhecida a indefectívelpotência deste mito literário), como se a narrativa sedeterminasse originalmente em seu nível referencial (trata-se de concepções igualmente «realistas»). Ora, ao menos ,em nosso ponto de vista, narrador e personagenssão essencialmente «seres de papel»; o autor (material)de uma narrativa não se pode confundir em nada com onarrador desta narrativa "'; os signos do narrador sãoimanentes à narrativa, e por conseguinte perfeitamenteacessíveis a uma análise semiológica; mas para decidir
o. Aqui mesmo. TODOROV trata em outro lugar da imagem do narradar' e daimagem do leitor.
"' "Quando é que se escreverá do ponto de vista de uma blague superior, istoé, como o bom Deus os vê do alto?" (FLAUBERT,Préface à Ia vie d'écrivain,Seul/, 1965, p. 91) .
., Distinção cada vez mais necessária. na escala que nos ocupa, que historicamente uma massa considerável de narrativas não tem autor (narrativasorais. contos populares, epopéias confiadas aos aedos, a recltantes. etc.'.
48 Análise Estrutural 4 49
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ção estando relacionada ao hic et nunc da locução (éa definição do sistema pessoal); também vê-se hoje emdia muitas narrativas, e das mais correntes, misturar aum ritmo extremamente rápido, freqüentemente nos limites de uma mesma frase, o pessoal e o apessoal; assimesta frase de GOldfinger:
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2. A situação da narrativa
seu lugar (codificado) no discurso. E' esta pessoa formalque se tenta hoje em dia fazer falar; trata-se de umasubversão importante (o público tem mesmo a impressãode que não se escrevem mais «romances») pois ela visaa fazer passar a narrativa, da ordem puramente constatativa (que ocupava até o presente) à ordem performativa,segundo a qual a significação de uma fala (parole) é oato mesmo que a profere": hoje, escrever não é «narrar»,é dizer que se conta, e relacionar todo o referente (<<oque se diz») a este ato de locução; é porque uma parteda literatura contemporânea não é mais descritiva, mastransitiva, esforçando-se para realizar na fala (parole)um presente tão puro, que todo discurso se identificacom o ato que o produz, todo logos sendo reduzido _ ouestendido - a uma lexis."
o nível narracional é pois ocupado pelos signos da narratividade, o conjunto dos operadores que reintegram funções e ações na comunicação narrativa, articulada sobreseu doador e seu destinatário. Alguns desses signos játêm sido estudados: nas literaturas orais, conhecem-secertos códigos de r,ecitação (fórmulas métricas, protocolos convencionais de apresentação), e sabe-se que o«autor» não é aquele que inventa as mais belas histórias,mas o que domina melhor o código cujo uso partilhacom os ouvintes: nestas literaturas, o nível narracionalé tão nítido, suas regras tão constrangedoras, que édifícil conceber um «conto» privado de signos codificados da narrativa (<<era uma vez», etc.). Em nossas literaturas escritas, descobriu-se muito cedo as «formas do
discurso» (que são de fato signos de narratividade):classificação dos modos de intervenção do autor, esbo-
•• Sobre o performatlvo. cf. lnfra a contribuição de T. TODOROV. _ Oexemplo clássico de performatlvo é o enunciado: eu declaro a guerra, quenão •constata· nem •descreve· nada. mas esgota sua signifIcação na suaprópria proferlção (contrariamente ao enunciado: o rei declarou a guerra, queé constatlvo. descr'itivo).51 Sobre a oposição logos e lexis, ver mais adiante o texto de G. GENETTE.
4*
fijIIiir
lI1*IIIf.!;t,~
pessoal
pessoalapessoal
apessoal
Seus olhoscinza-azuladoséstavam fixados sobre os de Du Pont
que não sabia qual postura tomarpOis este olhar fixo comportava um misto de
candura, de ironia e de autodecepção
A mistura dos sistemas é evidentemente sentida como umafacilidade. Esta facilidade pode ir até à trucagem: umromanCe policial de Agatha Christie (Cinco e Vinte eCinco) só mantém o enigma enganando sobre a pessoada narração: uma pessoa é descrita do interior, quandojá é o assassino M; tudo se passa como se em uma mesmapessoa houvesse uma consciência de testemunha, imanente ao discuso, e uma consciência de assassino, imanente ao referente; só o entrelaçamento abusivo dos doissistemas permite o enigma. Compreende-se pois que nooutro pólo da literatura se faça do rigor do sistema escolhido uma condição necessária da obra - sem entretanto poder sempre honrá-]o até o fim.
Este rigor - procurado por certos escritores contemporâneos - não é forçosamente um imperativo estético; o que se chama romance psicológico é ordinariamente marcado por uma mistura dos dois sistemas, mobilizando sucessivament.e os signos da não-pessoa e osda pessoa; a «psicologia» não pode com efeito - paradoxalmente - acomodar-se com um puro sistema dapessoa, pois reduzindo toda a narrativa à instância únicado discurso, ou caso se prefira ao ato de locução, é oconteúdo mesmo da pessoa que é ameaçado: a pessoapsicológica (de ordem referencial) não tem nenhuma relação com a pessoa lingüística, que não é jamais definidapor disposições, intenções ou traços, mas somente por•• Modo pessoal: ·Parecla mesmo a Burnaby que nada parecia mudado. ete•.- O processo é ainda mais grosseiro em O assassinato da Rogar Akrovid. jáque o assassino ai diz francamente eu.
çada por Platão, retomada por Diômedes'" codificaçãodos começos e fins de narrativas, definição dos diferentesestilos de representação (a omUo directa, a orailo indircela, com seus inquit, a oratio tecta) "', estudo de «pontosde vista», etc. Todos estes elementos fazem parte donível narracional. E' necessário acrescentar evidentementea escritura no seu conjunto, pois seu papel não é o de«transmitir» a narrativa, mas de mostrá-Ia.
E' com efeito em uma amostra da narrativa, quese vêm integrar as unidades dos níveis inferiores: a forma Última da narrativa, como narrativa, transcende seusconteÚdos e suas formas propriamente narrativas (funções e ações). Isto explica que o código narracional sejao último nível que nossa análise pode atingir, salvo sairdo objeto-narrativa, isto é, salvo transgredir a regra daimanência que a fundamenta. A narração não pode comefeito receber sua significação do mundo que a usa,acima do nível narracional, começa o mundo, isto é, outros sistemas (sociais, econômicos, ideológicos), cujostermos não são mais apenas as narrativas, mas elementos de uma outra substância (fatos históricos, determinações, comportamentos, etc.). Do mesmo modo que alingüística para na frase, a análise da narrativa parano discurso: é necessário em seguida passar a uma outrasemiótica. A lingÜística conbece este gênero de fronteiras,que ela já postulou - senão explorou - sob o nomede situação, Halliday define a «situação» (em relaçãoa uma frase) como o conj unto dos fatos lingüísticasnão associados 80; Prieto, como «o conjunto dos fatos conhecidos pelo receptor no momento do ato sêmico e independentemente deste».·' Pode-se dizer da mesma maneira que toda narrativa é tributária de uma «situaçãode narrativa», conjunto de protocolos segundo os quaisa narrativa é consumida. Nas sociedades ditas «arcaicas»,
'0 Genus IICtlvum vai lmltatlvum (não há Intervenção do narrador no discurso: teatro, por exemplo); Genus annaratlvum (s6 o poeta tem a palavra:sentenças, poemas, didáticos); enus commune (mistura dos dois gêneros: aepopéia).• 0 H. SORENSEN:Mélanges Jansen, p. 150.•• J. K. HAlllDAV: "lIngulstique générale et lInguistlque appllquée', in:Etudes de lingulstique appllquée, n. 1. 1962, p. 6.Ol L. J. PRIETO: Prlncipes de Noologie, Muton et Co, 1964, p. 36.
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a situação de narrativa é fortemente codificada"'; só,em nossos dias, a literatura de vanguarda sonha aindacom protocolos de leitura, espetaculares em Mallarmé,que queria que o livro fosse recitado em público segundouma combinatória precisa, tipográficas em Butor que tentafazer acompanhar o livro COm seus próprios signos. Masno corrente, nossa sociedade escamoteia também o maiscuidadosamente possível a codificação da situação de narrativa: não se contam mais os procedimentos de narração que tentam naturalizar a narrativa que vai seguir,fingindo dar-lhe como causa uma ocasião natural, e, casose possa dizer, «desinaugurá-la»: romances por cartas,manuscritos pretensamente reencontrados, autor que encontrou onarrador, 'filmes que lançam sua história antesdos letreiros. A repugnância de mostrar seus códigosmarca a sociedade burguesa e a cultura de massa quedela se originou: a uma e a outra, são necessáriossignos que não pareçam signos. Isto não é, entretanto,caso que se possa dizer, um epifenômeno estrutural: pormais familiar, por mais negligente que seja hoje o fatode abrir um romance, um jornal ou ligar um aparelho detelevisão, nada pode impedir que este ato modesto instale em nós, de um só golpe e no seu todo, o códigonarrativo do qual teremos necessidade. O nível narracional tem deste modo um papel ambíguo: contíguo à situação da narrativa (e por vezes mesmo incluindo-a),ele abre sobre o mundo onde a narrativa se desfaz (seconsome); mas ao mesmo tempo, coroando os níveis anteriores, ele fecha a narrativa, constituindo-a definitivamente como fala (parole) de uma língua que prevê econtém sua própria metalinguagem.
V. O SISTEMA DA NARRATIVA
A língua propriamente dita pode ser definida pelo concurso de dois processos fundamentais: a articulação, ousegmentação, que produz unidades (é a forma, segundo
•• o conto, lembrava L. SEBAG, pode ser dito a todo momento e em todolugar. náo a narrativa mltica.
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Benveniste), a integração, que recolhe estas unidades emunidades de um nível superior (é o sentida), Este duploprocesso se reencontra na língua da narrativa; ela também conhece uma articulação e uma integração, umaforma e 'uma significação.
t. Distorção e expansão
A forma da r.arrativa é essencialmente marcada por doispoderes: o de distender os signos ao longo da história,e o inserir nestas distorções as expansões imprevisíveis.Estes dois poderes aparecem como liberdades; mas o típico da narrativa é precisamente incluir estes «afastamentos» na sua língua .• 3
A distorção dos signos existe na língua onde Bailya estuda, a propósito do francês e do alemão 0<; há distaxia, desde que os signos (de uma mensagem) não sejam simplesmente justapostos, desde que a linearidade(lógica) é perturbada (o predicado precedendo por exemplo o sujeito). Uma forma notável da distaxía encontra-se quando as partes de um mesmo signo são separadas por outros signos ao longo da cadeia da mensagem (por exemplo, a negação ne jamais e o verbo apardonné em: ele ne nous a jamais pardonné): o signosendo fracionado, seu significado está repartido em diversos significantes, distantes uns dos outros e em quecada um considerado à parte não pode ser compreendido.O que já foi visto a propósito do nível funcional, é exatamente o que se passa na narrativa: as unidades deuma seqÜência embora formando um todo ao nível destamesma seqÜência podem ser separadas umas das outraspela inserção de unidades que vêm de outras seqüências:já foi dito, a estrutura do nível funcional é uma fuga.·5
., VALÉRY: "O romance aproxima-se formalmente do sonho; pode-se definirambos pela consideração desta curiosa propriedade: que todos os seus afastamentos Ihes pertencem".o<CH. BALLY: Lin!luistique Générale et Lin!luistique Française, Berne, 4' ed.,1965.
.6 Cf. lI'VI-STRAUSS (Anthropolo!lie structurale, p. 234): "Relações que provenham do mesmo grupo podem aparecer em Intervalos afastados, quandonos colocamos em um ponto de vieta diacrõnlco.' A. J. GREIMAS insistiusobre o afastamento das funções (Sémantique structurale.)
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Segundo a terminologia de BaIIy, que opõe as línguassintéticas, onde predomina a distaxia (como o alemão)e as línguas analíticas, que respeitam mais a linearidadelógica e a monossemia (como o francês), a narrativaseria uma língua fortemente sintética, fundada essencialmente sobre uma sintaxe de encaixamento e de desenvolvimento: cada ponto da narrativa irradia em muitasdireções ao mesmo tempo: quando James Bond pedeum uísque esperando o avião, este uísque, como índice,tem uma valor polissêmico, é uma espécie de nó simbólicoque se assemelha a diversos significados (modernidade,riqueza, ociosidade); mas como unidade funcional, o pedido de uísque deve percorrer, pouco a pouco, numerosasetapas (consumação, espera, partida, etc.) para encontrar sua significação final: a unidade é «tomada» portoda a narrativa, mas também a narrativa não «subsiste»a não ser pela distorção e irradiação de suas unidades.
A distorção generalizada dá à língua da narrativasua marca própria: fenômeno de pura lógica, porque éfundada sobre uma relação, freqÜentem ente longínqua, eporque mobiliza uma espécie de confiança na memória intelectiva, substitui sem cessar a significação da cópiapura e simples dos acontecimentos relatados; segundo a«vida», é pouco provável que em um encontro, o fato dese sentar não siga imediatamente o convite para tomarum lugar; na narrativa, estas unidades, contíguas de umponto de vista mimético, podem ser separadas por umalonga seqüência de inserções pertencendo a esferas funcionais completamente diferentes: assim se estabelece umaespécie de tempo lógico, que tem pouca relação com otempo real, a pulverização aparente das unidades sendosempre mantida firmemente sob a lógica que une os núcleos da seqÜência. O «suspense» não é evidentementemais que uma forma privilegiada, ou, caso se prefira,exasperada, da distorção: de um lado mantendo umaseqüência aberta (por procedimentos enfáticos de retardamento e de adiantamento), reforça o contacto com oleitor (ou ouvinte), detém uma função manifestamentefática; e por outro lado, oferece-lhe a ameaça de uma
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sequencia inacabada, de um paradigma aberto (se, comocremos, toda seqÜência tem dois pólos), isto é, umaperturbação lógica, e é esta perturbação que é consumidacom angÚstia e prazer (enquanto é sempre finalmentereparada); o «suspense» é pois um jogo com a estrutura, destinado, caso se possa dizer, a arriscá-Ia e a glorificá-Ia: constitui um verdadeiro «thrilling» do inteligível: representando a ordem (e não mais a série) na suafragílidade, realiza a idéia mesma de língua: () que aparece mais patético é também o mais intelectual: o «suspense» captura pelo «espírito», não pelas «tripas». '"
O que pode ser separado pode ser também preenchido. Distendidos, os nÚcleos funcionais apresentam espaços intercalares, que podem ser acumulados quase infinitamente; podem-se preencher os interstícios com umnúmero muito grande de catálises; entretanto, aqui, urnanova tipologia pode intervir, pois a liberdade de catálisepode ser regulada segundo o conteúdo das funções (certas funções são mais expostas que outras à catálise: aEspera, por exemplo .,,) e segundo a substância da narrativa (a escritura tem possibilidades de diérese - epois de catálise - bem superiores às do filme: pode-se«cortaD> um gesto recitado mais facilmente do que omesmo gesto visualizado).·· O poder catalítico da narrativa tem por corolário seu poder elítico. De uma parte,uma função (ele comeu uma refeição substancial) podeeconomizar todas as catálises virtuais que ela contém (odetalhe da refeição w; de outra parte, é possível reduziruma seqÜência a seus núcleos e uma hierarquia de seqÜências a seus termos superiores, sem alterar a significação da história: uma narrativa pode ser identificada,mesmo se seja reduzido seu sintagma total a seus actantes
o. J. P. FAVE, a propósito do BaphOlllet de KLOSSOVSKI: "Raramente a ficção (ou a narrativa) desvendou tão nitidamente o que ela é sempre forçosa·mente: uma experimentação do "pensamento" sobre a "vida"." Tel Quel.n.O 22. p. 88.61 A Espera só tem loglcsmente dois núcleos: 1.0 espera colocada; 2.0 esperasatisfeita ou frustl'ada; mas o primeiro núcleo pode ser largamente catalísado. às vezes mesmo Infinitamente IEn attendant Godot): ainda um jogo.desta vez extremo, como a estrutura.•• VAL~RV: "Proust divide - e nos dá a sensação de poder dividir indefinidamente - o que os outros escritores se acostumaram a vencer".o. AquJ ainda há especificações segundo a substãncla: a literatura tem umpodeI' elltico inlgualável - que o cinema não tem.
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e a suas grandes funções, de tal modo que elas resultemda assunção progressiva das unidades funcionais. ro Ditode outro modo, a narrativa oferece-se ao resumo (o quese chamava antigamente o argumento). À primeira vista,acontece o mesmo em todo discurso; mas cada discursotem seu tipo de resumo; o poema Jirico, por exemplo,sendo apenas a vasta metáfora de um só significado",resumi-Ia é dar este significado, e a operação é tão drástica que faz desaparecer a identidade do poema (resumidos, os poemas líricos se reduzem aos significadosAmor e Morte): de onde a convicção de que não se poderesumir um poema. Ao contrário, o resumo da narrativa(se é conduzido segundo critérios estruturaís) mantém aindividualidade da mensagem. Dito de outra maneira, anarrativa é traduzível, sem prejuízo fundamental: o quenão é traduzíveI só se determína no último nível, narracional: os significantes de narratividade, por exemplo,podem dificilmente passar do romance ao filme, que sóconhece tratamento pessoal excepcionalmente "'; e a última classe do nível narracional, a saber a escritura, nãopode passar de uma língua a outra (ou passa muito mal).A tradutibilidade da narrativa resulta em descobrir es
trutura de sua língua; por um caminho inverso seriaentão possível encontrar esta estrutura distinguindo e classificando os elementos (diversamente) traduzíveis e intraduzíveis de uma narrativa: a existência (atual) desemióticas diferentes e concorrentes (literatura, cinema,histórias em quadrinhos, rádío) facilitaria muito este caminho de análise.
,. Esta redução não Cort'esponde forçosamente à decomposição do livro emcapítulos; parece ao contrário que. cada vez mais, os capltulos têm porpapei instalar ruturas, Isto é, suspenses (técnicas do folhetim).7l N. RUWET ("Analyse atructuraie d'un poeme françals", L1ngulstlcs, n.O 3,1964, p. 82): O poema pode ser compreendido como o resultado de umasérie de transformações aplicadas à proposição "Eu te amo". RUWET fazjustamente alusão, ali. à análise do' dellrlo paranóico dado por Freud apropósito do Presidente Schreber (Clnq psychanalyses)."Ainda uma vez, não há nenhuma relação entre a "pessoa" gramatical donarrador e a "personalidade" (ou a subjetividade) que um metteur en scéne põena sua maneira de apresentar uma história: a câmera-eu (Identlflcada continuamente ll{l olho de um personagem) é um fato excepcional na históriado cinema.
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2. Mimesis e Significação
Na língua da narrativa, o segundo processo importante éa integração: o que foi separado em um certo nível (umaseqüência, por exemplo) é reunido com mais freqüênciaem um nível superior (seqüência de um alto grau hierárquico, significado total de uma dispersão de índices, açãoele uma classe de personagens); a complexidade de umanarrativa pode-se comparar à de um organograma, capazde integrar os movimentos para trás e os saltos paradiante; ou mais exatamente, é a integração, sob formasvariadas, que permite compensar a complexidade aparentemente indomável, das unidades de um nível; é ela quepermite orientar a compreensão de elementos descontínuos, contínguos e heterogêneos (tais quais são dadospelo sintagma, que só conhece uma dimensão: a sucessão) ; caso se chame, com Greimas, isotopta, a unidadede significação (a que, por exemplo, impregna um signoe seu contexto), dir-se-á que a integração é um fator deisotopia: cada nível (integratório) dá sua isotopia àsunidades do nivel inferior, impede a significação de «oscilar» - o que não deixaria de se produzir, caso não sepercebesse a decalagem dos níveis. Entretanto, a integração narrativa não se apresenta de uma maneira serenamente regular, como uma bela arquitetura que conduziria por chicanas simétricas, de uma infinidade de elementos simples, a algumas massas complexas; com muitafreqÜência uma mesma unidade pode ter dois correlatos,um sobre um nível (função de uma seqüência), outrosobre um outro (índice remetendo a um actante); anarrativa apresenta-se assim como uma série de elementos mediatos e imediatos, fortemente imbricados; a elistaxia orienta uma leitura «horizontal», mas a integraçãosuperpõe-Ihe uma leitura «vertical»: há uma espécie de«encaixamento» estrutural, como um jogo incessante depotenciais, cujas quedas variadas dão à narrativa seu«tonus» ou sua energia: cada unidade é percebida noseu afloramento e sua profundidade e é assim que anarrativa «anda»: pelo concurso destes dois caminhos,a estrutura ramifica-se, prolifera, descobre-se - e reco-
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bra-se: o novo não cessa de ser r,egular. Há seguramenteuma liberdade da narrativa (como há uma liberdade detodo locutor, diante de sua língua), mas esta liberdadeé ao pé da letra limitada: entre o código forte da línguae o código forte da narrativa, estabelece-se, caso possaser dito, um vazio: a frase. Caso se tente abarcar oconjunto de uma narrativa escrita, vê-se que ela parte domais codificado (o nível fonemático, ou mesmo merismático) , se distende progressivamente até à frase, pontoextremo da liberdade combinatória, depois recomeça ase estender, partindo de pequenos grupos de frases (miero-seqÜências), ainda muito livres, até às grandes ações,que formam um código forte e restrito: a criatividade danarrativa (ao menos sob sua aparência mítica de «vida»)situar-se-ia assim entre dois códigos, o da lingÜistica e oda translinguística. E' por isto que se pode dizer paradoxalmente que a arte (no sentido romântico do termo)está no trabalho dos enunciados de detalhe, enquantoque a imaginação é do domínio do código: «Em suma,dizia Poe, ver-se-á que o homem engenhoso está semprecheio do imaginativo e que o homem verdadeiramenteimaginativo não é outra coisa mais que um analista ... ». "
E' necessário pois vir a tratar do «realismo» danarrativa. Recebendo um telefonema no escritório ondeestá de guarda, Bond «sonha», diz-nos o autor: «As comunicações com Hong-Kong são sempre tão ruins e tãodifíceis de obter.» Ora, nem o «sonho» de Bond nem amá qualidade da comunicação telefônica são a verdadeirainformação; esta contingência parece talvez «viva», masa informação verdadeira, a que germinará mais tarde, éa localização do telefonema, a saber Hong-Kong. Assim,em toda narrativa, a imitação permanece contingente;"a função da narrativa não é ele «representar», é de constituir um espetáculo que permanece ainda para nós muitoenigmático, mas que não saberia ser de ordem mimética;a «realidade» de uma seqÜência não está na continuação«natural» das ações que a compõem, mas na lógica que
" Le double assassinat de Ia rue Morgue, trad. BAUDElAIRE."G. GENETTE tem razão em reduzir a mimesis aos fl'agmenlos de diálogonarrados ld. infra); ainda o diálogo apresenta sempre uma função intellglvele não mlmética.
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ções extratextuais sem as quais o estabelecimento daisotopia narrativa seria impossível.
3. O sujeito que fala (= o leitor) não pode serconsiderado como o invariante da comunicação mítica,pois esta transcende a categoria de consciente vs inconsciente. O objeto da descrição situa-se ao nível da transmissão, do texto-invariante, e não ao nível da recepção,do leitor-"variável.
Somos obrigados, por conseguinte, a partir não deuma teoria semântica constituída, mas de um conjuntode fatos descritos e de conceitos elaborados pelo mitólogo; nós procuramos:
19 Se uns e outros podem ser formulados em termosde uma semântica geral suscetível de dar conta, entreoutras, da interpretação mitológica;
29 que exigências as conceptualizações dos mitólogos colocam a esta teoria semântica.
Escolhemos para isso o mito de referência bororaque serve a Lévi-Strauss, em Le Cru et le Cui!, de pontode partida para a descrição do universo mitológico tomado em uma de suas dimensões; a da cultura alimentar.Entretanto, enquanto que Lévi-Strauss se tinha propostoa inscrever este mito-ocorrência no universo mitológicoprogressivamente constituída, nosso objetivo será o departir do mito de referência considerado como uma unidade narrativa, tentando explicitar os procedimentos dedescrição necessários para alcançar, por etapas sucessivas, a lisibilidade máxima deste mito. Nesta pesquisametodológica, nosso trabalho consistirá essencialmenteno reagrupamento e na exploração de descobertas quenão nos pertencem.
11. AS COMPONENTES ESTRUTURAIS DO MITO
II.l As três componentes
Toda descrição do mito deve levar em conta, segundoLévi-Strauss, três elementos fundamentais: 1Q a armadura; 29 o código; 3Q a mensagem.
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Nós nos perguntaremos portanto 19 como interpretar,no quadro de uma teoria semântica, estas três componentes do mito e 29 que lugar atribuir, a cada uma delas,na interpretação de uma narrativa mítica.
11.2 A armadura
E' preciso entender por armadura (que é um elementoinvariável) o status estrutural do mito na qualidade denarração. Estes status parece ser duplo: 19 pode-se dizerque o conjunto das propriadades estruturais comuns atodos os mitos-narrativas constitui um modelo narrativo,29 mas esse modelo deve dar conta simultaneamente (a)do mito considerado como unidade discursiva transfrá ...sica e (b) da estrutura do conteÚdo que é manifestadopor meio dessa narração.
I. A narrativa, unidade discursiva, deve ser considerada como um algorismo, isto é, como uma sucessãode enunciados cujas funções-predicados simulam lingüisticamente um conjunto de comportamentos .orientadospara um objetivo. Na qualidade de uma sucessão, a narrativa possui uma dimensão temporal: os comportamentos ali apresentados mantêm entre eles relações de anterioridade e posteridade.
A narrativa, para ter um sentido, deve ser um tod.ode significação; ela apresenta-se, por isso, como umaestrutura semântica simples. Disso resulta que os desenvolvimentos secundários da narração, não encontrandoseu lugar na estrutura simples, constituem uma camadaestrutural subordinada: a narração, considerada comoum todo, terá por contrapartida uma estrutura hierárquicado conteÚdo.
2. Uma subclasse de narrativas (mitos, contos, peçasde teatro, etc.) possui uma característica comum quepode ser considerada como a propriedade estrutural destasubclasse de narrativas dramatizadas: a dimensão temporal, sobre a qual se encontram situadas, é dicotomizadaem um antes vs um depois.
A este antes vs depois discursivo corresponde oque se chama uma «reviravolta da situação» que, sobre
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sobre o plano discursivo e a outra sobre o plano estrutural. Talvez não seja inÚtil precisar que por isotopiaentendemos um conjunto redundante de categorias semânticas que torna possivel a leitura uniforme da narrativa, tal como ela resulta das leituras parciais dos enunciados após a resolução de suas ambigüidades, estaresolução ela mesma sendo guiada pela procura da leituraúnica.
1. A isotopia narrativa fica determinada por umacerta perspectiva antropocêntrica que faz com que a narrativa seja concebida como uma sucessão de acontecimentos cujos atores são seres animados, agentes oupacientes. Neste nível, uma primeira categoriza~~ão: individual vs coletivo permite distinguir um herói associa Ique, separando-se da comunidade, aparece como umagente graças ao qual se produz a reviravolta da situação,que se coloca, dito de outra Jorma, como mediador personalizado entre a situação-antes e a sítuação·-depois.
Vê-se que esta primeira isotopia reencontra, do pontode vista lingüística, a análise de signos: os atores e osacontecimentos narrativos são lexemas (= morfemas, nosentido norte-americano), analísáveis em sememas (=acepções ou «sentidos» das palavras) que se encontramorganizados, por meio de relações sintáticas, em enunciados univocos.
2. A segunda isotapia se situa, ao contrário, no nívelda estrutura do conteÚdo postulado a este plano discursivo. Às seqüências narrativas correspondem conteÚdoscujas relações recíprocas são teoricamente conhecidas. Oproblema que se apresenta à descrição é o da equivalência a estabelecer entre os lexemas e os enunciadosconstitutivos das seqüências narrativas e as articulaçõesestruturais dos conteúdos que Ihes corresponde, e é aresolvê-I o que vamos nos empregar. Por enquanto bastadizer que esta transposição supõe uma análise em semas(= traços pertinentes da significação) que somente elapode permitir a colocação entre parênteses das propriedades antropomórficas dos lexemas-atores e dos lexemasacontecimentos. - Quanto às performances do herÓi queocupam a parte central na economia da narrativa, só
Análise Estrutural - 5
c{mteÚdo invertido
conteÚdo colocado
antes
depois
o plano dói estrutura implícita, não é outra coisa que umainversão dos signos do con teÚdo. Uma correlação existeassim entre os dois planos:
3. Restringindo, uma vez mais, o inventário de narrativas, encontra-se que um grande nÚmero delas (oconto popular russo, mas também nosso mito de referência) possuem uma outra propriedade que consiste emcomportar uma seqüência inicial e uma seqüência finalsituadas sobre planos de «realidade» mitica diferenteselo corpo da narrativa ela mesma.
A esta particularidade da narração corresponde umanova articulação de conteÚdo: aos dois conteÚdos tópicos-- dos quais um é colocado e o outro, invertido - encontram-se adicionados dois outros conteÚdos corre/atosque estão, em princípio, na mesma relação de transformação que os conteÚdos tópicos.
Esta primeira definição de armadura, que não estáem contradição com a fórmula geral do mito propostahá pouco tempo por Lévi-Strauss, mesmo se não é inteiramente satisfatória - pois não permite ainda, no estadoatual de nossos conhecimentos, estabelecer a classificaçãodo conjunto das narrativas considerado como gênero __constitui entretanto um elemento de previsibilidade dainterpretação não neglígenciável: pode-se dizer que a primeira etapa dos procedimentos, no processo da descriçãodo mito, é a divisão da narrativa mítica em seqüênciaàs quais deve corresponder, a título de hipótese, umaarticulação previsivel dos conteúdos.
11.3 A mensagem
Uma tal concepção da armadura deixa prever que amensagem, isto é, a significação particular do mito-ocorrência, se situa, ela também, sobre duas isotopias simultaneamente e dá lugar a duas leituras diferentes, uma
informações do contexto. Nesta perspectiva, pode tomarduas formas diferentes: 1) pode-se pwcurar eJucidar aleitura de um mito-ocorrência comparando-o a outrosmitos ou, de maneira geral, porções sintagmáticas danarrativa a outras porções sintagmáticas; 2) pode-se colocar em correlação tal elemento narrativo com outroselementos comparáveis.
O estabelecimento da corr~lação de dois elementosnarrativos não idênticos pertencendo a duas narrativasdiferentes leva a reconhecer a existência de uma disjunção paradigmátíca que, operando no interior de uma categoria semântica dada, faz com que se considere osegundo elemento narrativo como a transformação doprimeiro. Entretanto - e isto é o mais importante constata-se que a transformação de um dos elementostem por conseqÜência provocar transformações em cadeiaao longo de toda a seqÜência. Esta constatação, por suavez, comporta as duas conseqÜências teóricas seguintes:
19 ela permite afirmar a existência de relações necessárias entre os elementos cujas conversões são concomitantes;
29 permite delimitar os sintagmas narrativos danarrativa mítica, definíveis simultaneamente por seus elementos constitutivos e por seu encadeamento necess~rio;
39 finalmente, permite definir os elementos narrativoseles mesmos não mais somente por sua correlação paradigmática, isto é, no fundo, pelo procedimento da comutação, há pouco proposto por Lévi-Strauss, mas tambémpor sua colocação e sua função no interior da unidadesintagmática da qual fazem parte. A dupla definição doelemento narrativo corresponde, como se vê, ao enroqueconvergente, pragueano e dinamarquês, da definição dofone ma.
E' inÚtil insistir sobre a importância desta definiçãoformal das unidades narrativas cuja extrapolação e aplicação a outros universos sem"ãnticos não podem deixarde se impor. No estágio atual, ela só pode consolidarnossas tentativas de delimitação e de definição de taisunidades a partir das análises de V. Propp. Não podendoproceder aqui a verificações exaustivas diremos simples-
675'66
podem corresponder às operações lingüísticas de transformação, dando conta das ínversões de conteúdo.
Uma tal concepção da mensagem que seria lisive!sobre duas isotopias distintas, das quais a primeira seriaapenas a manifestação discursiva da segunda, não étalvez senão uma formulação teórica. Ela pode corresponder somente a uma subclasse de narrativas (os contospopulares, por exemplo), enquanto que uma outra subclasse (os mitos) seria caracterizada pela imbricação, emuma única narrativa, das seqÜências situadas ora sobreuma, ora sobre a outra das duas isotopias. Isto nosparece secundário na medida em que (a) a distinção queacabamos de estabelecer enriquece nosso conhecimento domodelo narrativo e pode mesmo servir de critério à classificação das narrativas, (b) na medida em que, igualmente, ela separa nitidamente dois procedimentos dedescrição distintos e complementares, contribuindo assimà elaboração de técnicas de interpretação.
IrA O código
A reflexão mitológica de Lévi-Strauss, desde seu primeiroestudo sobre a Strueture du Mytlze até os MytllOlogiquesde hoje, está marcada por uma mudança de interesse que,dirigido inicialmente sobre a definição da estrutura domito-narrativa, compreende agora a problemática da descrição do universo mitológico, concentrada primeiro sobreas propriedades formais da estrutura acrônica, encaraatualmente a possibilidade de ul11a descrição comparativaque seria simultaneamente geral e histórica. Esta introdução do comparativismo contém contribuições metodológicas importantes que é necessário explicitar.
IIA.t. A definição das unidades narrath'as
A utilização, por via de comparação, dos dados que podefornecer o universo mitológico é, à primeira vista, apenasuma exploração, concebida sob um certo ângulo, das
mente, a título de hipótese, que três tipos caracterizadosde sintagmas narrativos podem ser reconhecidos:
19 os sintagmas performanciais (provas);29 os sintagmas contra tuais (estabelecimentos e
rupturas de contrato);
39 os sintagmas disjuncionais (partidas e regressos)Vê-se que a difinição dos elementos e dos síntagmas
narrativos não é obtida a partir do conhecimento docontexto, mas da metodologia geral de estabelecimentodas unidades lingüisticas e que as unidades assim definidas o são com vantagem para o modelo narrativo, istoé, da armadura.
11.4.2. Delimitações e reconversões
o conhecimento teórico das unidades narrativas podedesde logo ser explorado ao nível dos procedimentos dedescrição. Assim, a colocação em paralelo de duas seqüências quaisquer, das quais uma é a seqüência a interpretar e a outra, a seqüência transformada, pode ter doisobjetivos diferentes:
19 Se a seqüência a interpretar parece situar-se sobre a isotopia presumida para o conjunto da narrativa,a comparação permitirá determinar, no interior da se
qüência dada, os limites dos sintagmas narrativos queali estão contidos.
E' preciso entretanto prevenir contra a concepçãosegundo a qual ossintagmas narrativos, correspondendoàs seqüências do texto, seriam eles mesmos contínuos eamalgamados: sua manifestação, ao contrário, toma comfreqüência a forma de significantes descontínuos, de talmodo que a narrativa, analisada e descrita como umasérie de sintagmas narrativos, deixa de ser sincrônica eisomorfa em relação ao texto tal corno se apresenta emestado bruto.
29 Se a seqüência a interpretar parece invertida emrelação à isotopia presumida, a comparação, confirmandoesta hipótese, permitirá proceder à reconversão do sin-
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tagma narrativo reconhecido e ao restabelecimento daisotopia geral.
Utilizando o termo de reconversão, proposto porHjelmslev no seu Langage, nós esperamos introduzir umanova precisão, a fim de distinguir as verdadeiras transformações, isto é, as inversões dos conteúdos, correspondendo seja às exigências do modelo narrativo, seja àsmutações intermíticas, das manifestações antifrásicas dosconteúdos invertidos e cuja reconversão, necessária aoestabelecimento da isotopia, não muda nada do statusestrutural do mito.
Notemos aqui, rapidamente, que o procedimento dereconversão que acabamos de examinar, não deixa delevantar o problema teórico mais geral, o da existênciade dois modos narrativos distintos que se poderiam designar com o modo deceptivo e o modo verídico. Emborase apoiando sobre uma categoria gramatical fundamental,a do ser versus parecer, que constitui, como se sabe, aprimeira articulação semântica das proposições atributivas, o jogo da decepção e da verdade provoca o imbricamento narrativo, bem conhecido em psicanálise, queconstitui freqüentemente uma das principais dificuldadesda leitura, porque cria, no interior da narrativa, camadashierárquicas de decepção cstilística, cujo número resta emprincípio indefinido.
IIA.3. Contexto e dicionário
A exploração das informações fornecidas pelo contextomitológico parece, por conseguinte, situar-se ao nível doselementos narrativos que se manifestam no discurso soba forma de lexemas. E' preciso ainda distinguir as características formais, que eles comportam necessariamente, de suas características substanciais. As primeiras são(1) ou propriedades gramaticais que fazem com que os!exemas sejam, por exemplo, ou bem actantes ou bempredicados, (2) ou propriedades narrativas que eles tiramda definição funcional do papel que assumem tanto nointerior do sintagma narrativo quanto na narrativa con-
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siderada em seu conjunto. Assim, os actantes podem serSujeitos-heróis ou Objetos-valores, Destinadores ou Destinatários, Oponentes-traidores ou Adjuvantes-forças benéficas. A estrutura actancial do modelo narrativo fazparte da armadura, e os jogos das distribuições, dasacumulações e das disjunções dos papéis fazem parte dosavoir-faire do descritor anteriormente à utilização docódigo.
Estas precisões são introduzidas apenas para estabelecer uma nítida separação entre exploração do contextoe exploração dos conhecimentos relativos ao modelonarrativo. O contexto apresenta-se sob a forma de conteúdos investidos, independentes da própria narrativa eassumidos a posteriori pelo modelo narrativo. Estes conteúdos investidos são, ao mesmo tempo, já conteúdosconstituidos: do mesmo modo que um romancista constitui pouco a pouco, prosseguindo sua narrativa, seuspersonagens a partir de um nome próprio arbitrariamenteescolhido, assim a efabulação mítica ininterrompida constituiu os atores da mitologia, providos de conteúdos conceituais, e é este conhecimento difuso dos conteúdos, queos bororos possuem e não o descritor, que forma a matéria primeira do contexto e que se trata de organizarem código.
Sendo dado que estes conteúdos constituidos estãomanifestados sob a forma de lexemas, pode-se considerarque o contexto em seu conjunto é redutível a um dicionário mitológico no qual a denominação «jaguar» estariaacompanhada de uma definição comportando, (1) de umlado, tudo que se sabe sobre a «natureza» do jaguar (oconjunto de suas qualificações e, (2) do outro, tudo oque o jaguar é suscetível de fazer ou sofrer (o conjuntode suas funções). O verbete «jaguar» não seria, nessecaso, muito diferente do artigo «mesa», cuja definição,proposta pelo Dictionnaire générale de Ia langlle française, é:
I? qualificativa: «superfície plana de madeira, pedra, dc., suportada por um ou diversos pés» e
29 funcional: «sobre a qual colocam-se objetos (paracomer, escrever, trabalhar, brincar, etc.) ».
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Este dicionário (com a condição de que não comporte os etc.) poderia prestar grandes serviços:
J o permitindo resolver, em uma certa medida, ambigÜidades de leitura dos enunciados míticos, graças aosprocedimentos de seleção de compatibilidades e de exclusão de incompatibilidades entre os diferentes sentidosde lcxemas;
2(' facilitando a ponderação da narrativa, isto é, permitindo (a) preencher as lacunas devidas à utilizaçãolitótica de certos lexemas e (b) condensar certas seqÜências em expansão estilistica, os dois procedimentos paralelos visando a estabelecer um equilíbrio econômico nanarração.
11.4.4. Dicionário e código
Infelizmente, um tal dicionário, para ser constituído eutilizado, pressupõe uma classificação prévia dos conteúdos constituídos e um conhecimento suficiente dos modelos narrativos. Assis, limitando-se unicamente aos lexemas-actantes, poder-se-ia dizer que eles surgem todos deUill «sistema dos seres» do qual fala Lévi-Strauss, de umsistema que classificaria todos os seres animados ou suscetíveis de animização, indo dos espíritos sobrenaturaisaté os «seres» minerais. Mas percebe-se imediatamenteque uma tal classificação não seria «verdadeira» em si:dizer, por exemplo, que o jaguar pertence à classe dosanimais não tem sentido, mitologicamente falando. Amítologia não se interessa senão pelos quadros classificat{nios, ela só opera com os «critérios de classificação»,isto é, categorias sêmicas, e não com os lexemas que seencontram assim classificados. Este ponto, metodologicamente importante, merece ser precisado.
I. Suponhamos que uma oposição categórica, a dehumanos versus animais, encontra-se posta em correlação,no interior de uma narrativa, com a categoria do modelonarrativo: anterioridade versus posteridade. Neste caso,ela funcionará como uma articulação dos conteúdos tópicosem conteúdos colocados e conteúdos invertidos: segundo
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cru + fresco + animal ~ cru + fresco + vegetal(jaguar) (cervo)
e a transformação lingüística resume-se em uma substituição paradigmática no interior da categoria (alimento)animal versus vegetal, cuja justificação deve ser pro-
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curada ao nível das exigências estruturais do modelonarrativo.
Em relação ao dicionário que continuamos a ter emvista, o exemplo presente é o oposto do que havíamosestudado em (1):
a) no primeiro caso, a denomínação 'não muda, enquanto que o conteúdo muda;
b) no segundo caso, a denominação muda, o conteúdo muda também, mas parcialmente.
O que dá conta dessas mudanças é, por conseguinte,a análise sêmica dos conteúdos e não a análise situadaao nível dos lexemas. O dicionário, para ser completo,deveria portanto poder indicar as séries de denominaçõesequivalentes, como resultado das transformações reconhecidas ao nível do código. Resulta disso que o dicionário,cuja necessidade para a interpretação automática dosmitos pareceria imperiosa, só se pode constituir em função dos progressos conseguidos em nosso conhecimentoda armadura e do universo mitológico articulado em códigos particulares: um verbete de dicionário só teráconsistência no dia em que for solidamente enquadradopor um conjunto de categorias semânticas elaboradasgraças às outras componentes da teoria interpretativa dosmitos.
11.4.5. Código e manifestação
Nossos esforços para precisar as condições nas qj.1aisum dicionário mitológico seria possível e rendável permitem-nos compreender melhor o que é preciso entender,na perspectiva de Lévi-Strauss, por código e, mais particularmente, por código alimentar. O código é uma estrutura formal (1) constituída por um pequeno número decategorias sêmicas (2) cuja combinatória é suscetível dedar conta, sob a forma de sememas, do conjunto deconteúdos investidos que fazem parte da dimensão escolhida do universo mitológico. Assim, a título de exemplo,
Iit'iJ
\~,
tt
I,
depois
(do) cru + fresco
antes
(do) cozido + fresco
os termos correlatos, dir-se-á que os humanos eram antigamente animais, ou inversamente. Sobre o plano lexemático entretanto, o jaguar poderá passear ao longo detoda a narrativa sem mudar de denominação: na primeiraparte, ele será um ser humano, na segunda, um animal,ou inversamente. - Dito de outro modo, o conteúdo doIcxema «jaguar» não é somente taxinômico, ele é aomesmo tempo posicional.
2. Entre os numerosos «efeitos de sentido» que podecomportar o lexema «jaguar», o que finalmente seráreconhecido como pertinente para a descrição dependeda isotopia geral da mensagem, isto é, da dimensão douniverso mitológico da qual o mito particular é a manifestação. Se a dimensão tratada é a da cultura alimentar, o jaguar será considerado em sua função de consumidor, e a análise sêmica de seu conteúdo permitirá vernele, em correlação com o antes versus depois narrativos,como consumidor: Por
conseguinte, dizer que o jaguar é mestre do fogo não écorreto: ele o é apenas em certas posições e não emoutras. O dicionário em vista deve comportar não somenteas definições positivas e invertidas do jaguar, ele pressupõe a classificação do universo mitológico segundo asdimensões culturais fundamentais que pode comportar.
3. Existem, finalmente, transformações de elementosnarrativos que se situam não entre os mitos, mas nointerior do mito-ocorrência. Este é o caso do nosso mito
referência que apresenta a metamorfose do herói-jaguarem herói-cervo. Sobre o plano de código alimentar, trata-se muito simplesmente da transformação do consumidordo
o código alimentar poderia ser apresentado, parcialmente,sob forma de uma árvore:
cru vscozido/ ~fresco
podre/ \ /\animal
vegetalanimalvegetal(jaguar)
(cervo)(urubu)(tartaruga)
Caso se considere que cada percurso, de cima parahaixo, dá conta de uma combinação sêmica constitutivade um semema e que cada semema representa um conteÚdo investido como «objeto de consumo», vê-se quea combinatória visa a esgotar, nas condições estabelecidasa priori, todos os conteúdos-objetos de consumo possiveis.
A caela semema corresponde, por outro lado, sobreo plano da manifestação narrativa, Iexemas particulares(que colocamos entre parênteses). A relação que existeentre o lexema e o semema que dá conta de seu conteúdoé constrangedora ele duas maneiras diferentes:
19 O ]exema manifestado aparece cada vez comosujeito de consumo em relação ao semema que é objetode consumo. Trata-se pois de uma relação constante,definida semanticamente e que se pode considerar comoa distância estiUstica entre o plano da manifestação e oplano do conteúdo.
29 A escolha desta ou daquela figura animal paramanifestar ta] combinação códica do conteúdo não depende da estrutura formal, mas constitui entretanto umfechamento do carpas mitológico como se encontra manifestado numa comunidade cultural dada. Isto quer dizerque o inventário ]exemático de uma mitologia (quer dizer,() dicionário) representa uma combinatória relativamenteaberta. Compreende-se deste modo que o mesmo códigopode dar conta de diversos universos mitológicos comparáveis, mas manifestados de maneira diferente e queconstitui assim, desde que seja bem construido, um modelo geral que fundamenta o comparativisll1o mitológico.
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,
I
ifi!
A armadura e o código, o modelo narrativo e omodelo taxinômico são, por conseguinte, as duas componentes de uma teoria da interpretação mitológica e alisibilidade maior ou menor dos textos miticos é funçãodo conhecimento teórico dessas duas estruturas cujo encontro tem o efeito de produzir as mensagens miticas.
]]1. A MENSAGEM NARRATIVA
II 1.1. A práxis descritiva
Teoricamente pois, a leitura da mensagem mitica pressupõe o conhecimento da estrutura do mito e a dos princípios organizadores do universo mitológico do qual é amanifestação realizada nas condições históricas dadas.Praticamente, este conhecimento é apenas parcial, e adescrição aparece assim como uma práxis que, operandoconjuntamente com a mensagem-ocorrência e os modelosda armadura e do cÓdigo, consegue aumentar simultaneamente nosso conhecimento da mensagem e o dos modelosque lhe são imanentes. - Seremos portanto obrigadosde partir do plano manifestado e de suas isotopias variadas, procurando ao mesmo tempo atingir a isotopiaestrutural única da mensagem e definir, na medida dopossivel, os procedimentos permitindo efetuar esta passagem.
Após ter dividido o texto em seqüências correspondentes às articulações de conteúdo previsiveis, tentaremosanalisar cada seqüência separadamente, procurando delimitar, com a ajuda de uma transcrição normalizada, oselementos e os sintagmas mÍticos que contém.
111. 2. A divisão em seqüências
A articulação presumida do conteúdo segundo as duascategorias de
conteúdo tópico vs conteúdo correlatoconteúdo colocado vs conteúdo invertido
permite a divisão do texto em quatro seqüências. Asduas seqüências tópicas parecem entretanto suscetíveis de
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76
III.3. A transcrição em unidades narrativas
A transposição que vamos operar consiste:
2" retendo somente as unidades narrativas reconhecidas, ele permite a eliminação dos elementos da narrativa não pertinentes à descrição e a explicação de outroselementos que lhe são indispensáveis;
IIIA.I. A seqüência inicial
1Q permitindo separar as unidades narrativas, eleconstitui os quadros formais no interior dos quais osconteúdos poderão em seguida serem vertidos e corretamente analisados;
do mito, abandonando provisoriamente ao texto os conteúdos da mensagem propriamente ditos.
As finalidades dos procedimentos propostos são ·asseguintes:
77
3Q ele deve permitir, finalmente, a identificação e aredistribuição das propriedades semânticas dos conteúdosque lhe provêm do modelo narrativo, seja da posição dosconteúdos que lhe provêm do modelo narrativo, seja daposição dos conteÚdos no interior da narrativa, seja dastransformações comandadas pelo modelo.
Os limites deste artigo não nos permitem justificarplenamente esta transcrição. Precisamos somente que,preocupados em primeiro lugar pelo estabelecimento dossintagmas narrativos, procederemos, em uma primeiraetapa, à normalização das funções que poderemos reunirem algo ritmos, para retomar em seguida a análise dosactantes da narrativa.
«Em tempos muito antigos, aconteceu que as mulheresforam à floresta, para colher as palmas que serviam àconfecção de «meias»: protetores do pênis entregues aosadolescentes por ocasião da iniciação. U!TI rapazinho seguiu sua mãe às escondidas, surpreendeu-a e violou-a.
Quando esta chegou de volta, seu marido notou asplumas arrancadas, ainda presas ao cinto de casca deárvore e semelhantes àquelas com que se ornamentam os
II
ConteúdoCorre1ato
FinalVingança
Conteúdo colocado
Conteúdo t6pico
Retôrno
NARRATIVA MITlCA
Conteúdo t6pico
Ninho I Ninhodas almas das araras
Conteúdo invertido
Inicial
ConteúdoCorrelato
Seqüênciasnal'"rallva;s
CONTEÚDOS
uma nova subdivisão, cada uma comportando séries deacontecimentos situados sobre duas isotopias aparentemente heterogêneas: a primeira compreende duas expedições. sucessivas do herói, a segunda separa espacialmente os acontecimentos relativos ao retôrno do herói,situando alguns na aldeia, outros na floresta. Esta segunda divisão pragmática, que teremos de justificar maistarde, permite pois desarticular a narrativa em seis seqÜências:
1Q na apresentação do texto sob a forma canônicade enunciados narrativos comportando cada um sua função, seguida de um ou vários actantes;
2Q na organização dos enunciados em algo ritmosconstitutivos de sintagnzas narrativos.
Uma tal transcrição é de natureza seletiva: só extraido texto as informações que são esperados em vista doconhecimento das propriedades formais do modelo narrativo. (Tentaremos aplicar aqui à análise da narrativamítica as formulações das unidades narrativas, obtidasessencialmente como resultado do reexame da estruturado conto popular de Propp; cf. nossa Sémantique s/metura/e, Laroussc, J 966). A narrativa assim transcritaapresenta apenas, por conseguinte, a armadura formal
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Comentário
(em sincre·tismo)
(roubo dosinstrumentos)
IV. Prova principalLuta + vitória (filho; espíritos aquáticos)
Conseqüência: liquidação da falta (filho)
!. ContratoProposição (pai) vs Aceitação (filho)
lI. Prova qualificanteProva hipotáxica (avó; filho) (consulta)Conseqüência: recepção do ajudante (3 ajudantes)
IlI. DtsjunçãoPartida (filho) + Deslocamento horizontal rápido (filho +
ajudantes)
lhe trazer o grande chocalho de dança (bapo), que deseja. O rapaz consulta sua avó, e esta revela-lhe o perigomortal que se liga à empresa; recomenda-lhe conseguira ajuda do beija-flor.
Quando o herói, acompanhado do beija-flor, chegaà morada aquática das almas, espera na margem, enquanto o beija-flor voa com presteza, corta o cordão pelo qualestá suspenso o chocalho: o ,instrumento cai n'água eressoa, «jo!». Alertadas pelo ruído, as almas atiram suasflechas. Mas o beija-flor voa tão depressa que reganhaa margem indene, com sua presa.
O pai ordena então a seu filho que lhe traga opequeno chocalho das almas, e o mesmo episódio se reproduz, com os mesmos detalhes, o animal ajudante sendo desta vez a juriti de vôo rápido (Leptoptila sp., umpombo). No decorrer da terceira expedição, o rapaz seapodera dos butoré: guizos barulhentos feitos com cascode caititu (Dycotylts torquatus) enfiados num cordão eque se usa enrolado em torno do tornozelo. Foi ajudadopelo gafanhoto (Ecridium cristatum, E. B., vol. t, pág.780), cujo vôo é mais lento que os dos pássaros, demodo que as flechas o atingiram diversas vezes, mas semmatá-Io.»
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lI!. bis. ConjunçãoDeslocamento horizontal rápido + retorno (filho)
r. bis. Realização do contratoLiquidação da falta (filho)Não restabelecimento do contrato (Pai).
Conseqilência geralQualificação do herói
I
(violação)(a mãe émarcada.
não o filho)
Conseqiiéncias geraisPunição do traidor (pai; filho)
r. DECEPÇAOa) Di.~junção
Partida (mulheres) + deslocamento deceptivo (filho)b) ProvaLuta + Vitória (filho; mãe)Conseqüência: marca invertida (mãe)
11. REVELAÇAOa) Conjunção
Retorno (mãe; filho) + Reconhecimento da marca (pai;mãe)b) Prova
Prova glotificante simulada e invertida (pai; adolescentes)(dança e não luta; traidor e não herói)
Conseqüência: revelação do traidor (filho) (e não doherói)
jovens. Suspeitando de alguma aventura, ordenou que sefizesse uma dança, para saber que adolescente usava umornamento semelhante. Mas, para seu grande estupor,constata que somente seu filho estava neste caso. Ohomem reclama uma nova dança, com o mesmo resultado.»
A comparação da seqüência transcrita com o esquema narrativo permite ver que esta corresponde, na economia geral da narrativa, ao nível do conteúdo invertido,à decepção do poder e, ao nível do conteudo colocado, àpunição do traidor: o possuidor encontra-se privado, pelocomportamento deceptivo do antagonista, de um objetomágico (não natural) que lhe conferia um certo poder.O sujeito «frustrado» não o pode recuperar a não ser queo traidor seja inicialmente reconhecido e, a seguir, punido.'- A parte tópica da narrativa que daí decorre será apunição do filho-traidor, ordenada pelo pai que se tornouimpote'nte (de um modo não natural).
IIIA.2. Expedição ao ninho das almas
«Persuadido de seu infortÚnio e desejoso de vingar-se,ele envia o filho ao «ninho» das almas, com a missão de
Conseqüência; sucesso da prova.
c) DisjunçãoPartida (filho; pai) + Deslocamento ascensional
(filho)
absorção docru podre)
(caça e absorçãocarne crua animal)
(morte do herói)
81
d) Prova principalLuta -+ Vitória (pai; filho)
lagartos)da
Conseqüência: fracasso da provab) Prova positiva
Luta + Vitória (urubus; filho) (caça e
(confronto deceptivo:inversão dos papéis)
Conseqüência: retomada do deslocamento (filhoe) Conseqüência contratual: suspensão do contrato
11. ALIMENTAÇAO ANIMALa) Prova negativa
Luta + Vitória (filho;
1.SUSPENSAO DO CONTRATOa) Contrato
Proposição (pai) + Aceitação (filho)b) Prova qualijicante
Prova hipotáxica (avó; filho) (consulta)ConseqUência: recepção do ajudante (filho) (o
bastão)
sobre ele, devorando primeiro os lagartos, e depois atacando o próprio corpo do infeliz, começando pelasnádegas. Reanimado pela dor, o herói expulsa seus agressores, mas não antes que eles tivessem devorado completamente sua parte traseira. Assim satisfeitos, os pássaros tornam-se salvadores: com seus bicos, levantam oherói pelo cinto e pelas faixas dos braços e das pernas,retomam o vôo e o depositam docemente ao pé damontanha.
O herói volta a si, «como se acordasse de um so
nho». Tem fome, come frutas selvangens, mas percebe que,privado da parte traseira, não pode guardar () alimento:este escapa de seu corpo mesmo sem ter sido digerido.Inicialmente perplexo, o rapaz lembra-se de um conto desua avó, em que o herói resolvia o mesmo problemamodelando-se 11m posterior artificial, com uma massafeita de tubérculos esmagados.
Após ter, deste modo, reencontrado sua integridadefísica c enfim· se alimentado ... »
AnaliSr Estrutural .-- fi80
1. Encontramos nesta seqÜência um certo número decaracterísticas estruturais da narração bem conhecidas:a) o caráter muitas vezes implícito da prova qualificanteque só se manifesta pela conseqüência, b) a inversãosintagmática resultante do caráter deceptivo da prova,em que o roubo, seguido da perseguição, substitui-se àluta aberta, c) o sincretismo das funções que constituema perseguição, analisável em luta + deslocamento rápido,d) a triplicação da seqüência, cuja significação só podeser encontrada por uma análise sêmica dos ajudantes(ou dos objetos do desejo).
2. Em relação à economia geral, a seqÜência transcrita deve corresponder à qualificação do herói.
Comentário
IIIA.3. Expedição ao ninho de araras
«Furioso por ver seus planos frustrados, o pai convidao filho para ir com ele capturar araras que fazem seusninhos no flanco do rochedo. A avó não sabe bem comoenfrentar o novo perigo, mas entrega ao neto um bastãomágico ao qual ele se poderá segurar, em caso de queda.
Os dois homens chegam ao pé da muralha; o paiergue uma longa vara e ordena ao filho subir nela. Logoque este atinje a altura dos ninhos o pai retira a vara;o rapaz tem apenas tempo de enfiar seu bastão numarachadura. Ele fica suspenso no vazio, gritando por socorro, enquanto o pai vai embora.
Nosso herói percebe um cipó ao alcance da mão;alcança-o e iça-se penosamente até o cump-. Após terrepousado, põe-se à procura de alimento, confeccionaum arco e flechas com ramos, caça os lagartos queabundam sobre o platô. Mata grande quantidade deles, ependura os excedentes em sua cintura e nas faixas dealgodão que cercam seus braços e tornozelos. Mas oslagartos mortos apodrecem, exalando um ma] cheiro tãoabominável que o herói desmaia. Os urubus carniceiros(Cathartes urubu, Coragyps atratus foetens) abatem-se
Conseqüência: sucesso da prova.
c) DisjunçãoPartida (filho; pai) + Deslocamento ascensional
(filho)
e absorção docru podre)
(caça e absorçãocarne crua animal)
(morte do her6i)
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d) Prova principalI,uta + Vitória (pai; filho)
lagartos)da
Conseqüência: fracasso da provab) Prova positiva
Luta + Vitória (urubus; filho) (caça
(confronto deceptivo:inversão dos papéis)
ConseqUência: retomada do deslocamento (filhoe) Conseqüí!nda contratual: suspensão do contrato
lI. ALIMENTAÇÃO ANIMALa) Prova negativa
Luta + Vitória (filho;
I. SUSPENSÃO DO CONTRATOa) Contrato
Proposição (pai) + Aceitação (filho)b} Prova qualificante
Prova hipotáxica (avó; filho) (consulta)Conseqüência: recepção do ajudante (filho) (o
bastão)
sobre ele, devorando primeiro os lagartos, e depois atacando o próprio corpo do infeliz, começando pelasnádegas. Reanimado pela dor, o herói expulsa seus agressores, mas não antes que eles tivessem devorado completamente sua parte traseira. Assim satisfeitos, os pás-osaras tornam-se salvadores: Com seus bicos, levantam oherói pelo cinto e pelas faixas dos braços e das pernas,retomam o vôo e o depositam docemente ao pé damontanha.
O herói volta a si, «como se acordasse de um sonho». Tem fome, come frutas selvangens, mas percebe que,privado da parte traseira, não pode guardar o alimento:este escapa de seu corpo mesmo sem ter sido digerido.Inicialmente perplexo, o rapaz lembra-se de um conto desua avó, em que o herói resolvia o mesmo problemamodelando-se 11m posterior artificial, com lima massafeita de tubérculos esmagados.
Após ter, deste modo, reencontrado sua integridadefísica e enfim· se alimentado ... »
Anàlis~ Estrutural o fi
1. Encontramos nesta seqÜência um certo número decaracterísticas estruturais da narração bem conhecidas:a) o caráter muitas vezes implícito da prova qualificanteque só se manifesta pela conseqÜência, b) a inversãosintagmática resultante do caráter deceptivo da prova,em que o roubo, seguido da perseguição, substitui-se àluta aberta, c) o sincretismo das funções que constituema perseguição, analisável em luta + deslocamento rápido,d) a triplicação da seqÜência, cuja significação só podeser encontrada por uma análise sêmica dos ajudantes(ou dos objetos do desejo).
2. Em relação à economia geral, a seqÜência transcrita deve corresponder à qualificação do herói.
Comentário
80
III.4.3. Expedição ao ninho de araras
«Furioso por ver seus planos frustrados, o pai convidao filho para ir com ele capturar araras que fazem seusninhos no flanco do rochedo. A avó não sabe bem comoenfrentar o novo perigo, mas entrega ao neto um bastãomágico ao qual ele se poderá segurar, em caso de queda.
Os dois homens chegam ao pé da muralha; o paiergue uma longa vara e ordena ao filho subir nela. Logoque este atinje a altura dos ninhos o pai retira a vara;o rapaz tem apenas tempo de enfiar seu bastão numarachadura. Ele fica suspenso no vazio, gritando por socorro, enquanto o pai vai embora.
Nosso herói percebe um cipó ao alcance da mão;alcança-o e iça-se penosamente até o cume. Após terrepousado, põe-se à procura de alimento, confeccionaum arco e flechas com ramos, caça os lagartos queabundam sobre o platô. Mata grande quantidade deles, ependura os excedentes em sua cintura e nas faixas dealgodão que cercam seus braços e tornozelos. Mas oslagartos mortos apodrecem, exalando um mal cheiro tãoabominável que o herói desmaia. Os urubus carniceiros(Cathartes urubu, Coragyps atratus {oetens) abatem-se
Comentário
III.4.4. O retomo do herói
filho)
83
I. RETORNO DO HER6Ia) Retorno negativo
Partida (filho) + Deslocamento horizontal (filho) (a partir do lugar da prova)
Retorno deceptivo (filho) (não conjunção pelo fato daausência do ponto ad quem)
b) Retorno positivoPartida redundante (filho) + Deslocamento (filho)Prova hipotáxíca (avó; filho) (consulta)Conseqüência: recepção do ajudante (filho) (marcas do
bastão)Retorno verdadeiro incógnito Oargato)
Oargatofilho)
Ele volta à sua aldeia, mas encontra o lugar abandonado.Por muito tempo, vagueia à procura dos seus. Um dia,nota marcas de passos e de um bastão, que reconhececomo sendo o de sua avó. Segue os traços, mas, temendomostrar-se, transforma-se num lagarto cujos movimentosintrigam longamente a velha e seu segundo neto, irmãomais moço do precedente. Decide enfim manifestar-se aeles sob seu aspecto verdadeiro. (Para reencontrar a avó,o herói transforma-se sucessivamente em quatro pássarose uma borboleta, não identificados, Colb. 2, pp. 235-236).
Nesta noite, houve uma violenta tempestade acompanhada por um aguaceiro, e todos os fogos da aldeiase apagaram, com exceção do da avó, a quem, na manhãseguinte, todo o mundo veio pedir brasas notadamente asegunda mulher do pai assassino.»
Reconhecimento da marca (avó;11. LIQUIDAÇÃO DA FALTA
a) Liquidação negativaAtribuição da água malfazeja + Privação do fogo ben.
fazejob) Liquidação positiva
Atribuição do fogo benfazejo (avó; comunidade)Reconhecimento do herói marcado (madrasta)Não revelação do herói (pai; filho) (acolhimento co
mum e não glorificante)Conseqüência geral: revelação do traidor e sua punição
1. Notar-se-á inicialmente o paralelismo entre as seqüências 3 e 4: à duplicação das provas negativa e positiva
6·
lI!. ALIMENTAÇÃO VEGETALa) Disjunção
Deslocamento descensional (filho) (em sincretismocom a prova precedente: comportamento benfazejodos oponentes > ajudantes)
b) Prova negativaLuta simulada (filho; frutos selvagens) (colheita e
não caça)Vitória deceptiva (filho) (absorção de alimento vegetal fresco)Conseqüência: fracasso da prova (impossibilidade de
alimentar-se)c) Prova positiva
Prova qualificante hipotáxica (avó; filho) (consultaem lembrança)
Conseqüência: recepção do ajudante (filho) (ajudantevegetal)
Prova principal:Luta simulada redundante + Vitória (filho; frutos
selvagens)Conseqüência: sucesso da prova Oíqüídação da falta:
impOSSibilidade de alimentar-se)Conseqüência geral:
Liqüídação da falta (aquiSição de certos modos dealimentação)
82
Comentário
1. A transição semântica desta seqÜência faz ressaltaruma das características estruturais do mito estudado: eleaparece cada vez mais como uma construção hipotáxicadesenvolvendo, em diversos níveis, os mesmos esquemasnarrativos. Assim, a seqÜência da qual nos ocupamos nomomento corresponde, na economia geral da narrativa, àprova principal; considerada em si mesma, ela realizaentretanto, sozinha, o esquema narrativo no qual o algoritmo «suspensão do contrato» toma lugar como provaqualificante; este, por sua vez, aparece após a transcrição, como uma narrativa autônoma comportando umaprova qualificante e uma prova principal. Resulta daí amanifestação do esquema narrativo sobre três níveis hierárquicos diferentes: um sintagma narrativo, seguindo onível em que sua leitura está situada, é pois susceptívelde receber sucessivamente diversas interpretações.
2. Uma outra característica do modelo narrativo: aprova pelo absurdo, que ainda não tínhamos encontrado,aparece pela primeira vez nesta seqÜência.
I
corresponde aqui, primeiramente, o retôrno negativo epositivo e, em seguida, a liquidação da falta sob suasduas formas negativa e positiva.
2. Notar-se-á, como procedimento característico, ademonstração pelo absurdo da impossibilidade de restabelecer o contrato, devido ã ausência do destinador aoqual o objeto da busca deveria ser entregue, o que necessita uma nova busca de um novo destinador (avó).
3. Notar-se-á ainda, como característica deste mitoparticular, o fato de que situa o conteúdo invertido (istoé, pelo que sabemos até este estágio da análise, a ausência do fogo) não no tempo mítico de antigamente,mas no cotidiano de hoje e apresentado como uma extinção acidental do fogo. A descrição deve, em casos comoeste, operar a reconversão do cotidiano em mítico: vê-seque o procedimento ele próprio se define, à primeira vista,como uma conversão estilistica.
III.4.5. A vingança
«Ela reconheceu seu enteado, tido por morto, e correupara advertir O marido. Como se não fosse nada, esteapanhava seu chocalho ritual e acolhe seu filho com oscantos destinados a saudar o retôrno dos viajantes.
Entretanto, o herói sonha em se vingar. Um diaquando passeia na floresta com seu irmão menor, quebraum galho da árvore api, ramificado como chifres. Agindosegundo instruções do mais velho, o menino solicita eobtém de seu pai que ordene uma caça coletiva; transformado no pequeno roedor mea, localiza sem se deixarver o lugar onde seu pai se coloca ã espreita. O heróiarma então sua testa com os falsos chifres, transform.a-seem cervo, e ataca seu pai com tal impetuosidade que oespeta. Sempre galopando, dirige-se a um lago, onde precipita sua vítima.~
r. Contrato deceptivoDecepção (innão) + Submissão (pai) (decepção do
"querer")Ordem (pai) + Aceitação (homens) (pai: falso man
dante)
84
T
H. DisjunçãoPartida (pai; homens) + Deslocamento horizontal (pai;
homens) (disjunção dos lares da aldeia)IH. Prova qualijicante
Transformação do ajudante em deceptor (irmão ~mea) + Extorsão das informações (mea) (decepçãodo "saber": o caçador torna-se caçado)
Conseqüência: recepção do ajudante (falsos chifres demadeira)
Prova qualificante (filho) (Transformação do herói emvítima simulada: cervo)
IV. Prova principalLuta (pai; filho) (o falso caçador contra o falso caçado)Vitória (filho) (a falsa vitima sal vitoriosa)Conseqüência: deslocamento (pai) (disjunção da comu-
nidade)Conseqüência geral: punição do traidor
Comentário
1. A seqüência inteira desenrola-se sobre o modo deceptivo. Somente, contrariamente ao que se passa emoutras narrativas, a decepção não se apresenta aqui a)nem como a conversão do conteúdo da seqüência, talcomo se manifesta na Expedição ao ninho das almas,em que o elemento narrativo invertido, provocando asoutras transformações, é o objeto da falta (água versusinstrumentos), nem b) como inversão do sintagma narrativo, caracterizada pela inversão das funções em que,por exemplo, o roubo seguido da perseguição, situa sintagmaticamente a conseqÜência antes da própria prova- mas como uma inversão na distribuição dos papéisaos actantes previsíveis. Assim, o pai comporta-se comoo organizador da caçada, enquanto é o filho que a organiza de fato; o pai considera-se como caçador, enquanto na realidade é a vítima vigiada por antecipação; oherói, caçador verdadeiro, disfarça-se, ao contrário, em vítima-cervo. - Insistimos sobre este esquema, bastantefreqÜente, porque permite abordar, no futuro, uma tipologia da decepção.
2. A leitura da seqÜência, impossível sem a utilização do código, pode ser entretanto facilitada pela formu[açiío de hipóteses, seja comparando-a às seqüênciasprecedentes, seja procurando determinar, pelo registro
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das redundâncias, a isotopia própria à seqüência estudadaapenas.
a) O retôrno do herói foi seguido, lembremo-nosdisto, da liquidação negativa da falta sob forma de doisefeitos complementares: afirmação da água malfazeja enegação do fogo benfazejo. A liquidação positiva da faltaapareceu como a afirmação do fogo benfazejo: é lógicosupor que a seqüência estudada neste momento seja destinada à manifestaçã.o do termo complementar, isto é, àdenegação da água malfazeja. A hipótese a reter serápois a identificação entre
disjunção do pai = negação da água malfazejao que permite supor a correlação entre o pai e a águamalfazeja.
b) A procura das redundâncias permitindo estabelecer a isotopia própria apenas à seqüência em estudopermite supor um eixo vegetal (o herói e seu irmão menortransformam-se em vegetarianos; a arma punitiva dotraidor é de origem vegetal). Se isto acontece, a este eixoopõe-se logicamente um eixo animal que deve ser aqueleonde se situa o antagonista que, com efeito, se definepositivamente, como caçador, como o consumidor de alimento animal. Se, além disso, se observar que trata-sede ambos os lados de comedores do cru (isto é evidentepara o cervo e o mea, mas convém igualmente ao pai quese encontra distanciado do fogo dos lares), a figura dopai parece entrar em correlação com o cru animal (hipótese que, vê-Io-emos, só se verificará parcialmente).
lII.4.6. A seqüência final
«Imediatamente, este é devorado pelos espíritos buiogoêque são os peixes canibais. Do festim macabro restaapenas no fundo da água uma ossada descarnada, e ospulmões que sobrenadam, sob forma de plantas aquáticascujas folhas, diz-se, parecem-se a pulmões.
De volta à aldeia, o herói vinga-se também das esposas de seu pai (das quais uma é sua própria mãe) ».
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I. DisjunçãoPartida (pai; filho) + Deslocamento horizontal rápido
(pai; filho)Chegada ao lugar da prova (pai) (imersão = conjunção
com a água)II. Prova negativa
Luta + Vit6ria (piranhas, pai) (absorção da· parte caronal = cru animal)
Conseqüência: morte do herói-traidorlU. Prova positiva
Luta + Vit6ria (pai; piranhas) (não absorção da parteessencial: pulmões + ossada)
Conseqüência: sobrevivência do her6i-traidorIV. Disjunção definitiva
Partida descensional + Transformação em espírito aquá·tico (?) (ossada)
Partida ascensional + Transformação em planta aquática
Comentário
Se analisamos em duas provas distintas o combate dotraidor com os espíritos canibais, é a) para melhor separar as duas conseqüências divergentes da prova, mastambém b) para estabelecer um certo paralelismo estrutural oom as seqüências precedentes.
li 1.5. Os actantes e as relações contratuais
A transcrição à qual acabamos de proceder permitiu compreender o encadeamento das funções constitutivas dossintagmas narrativos. Mas ao mesmo tempo negligenciamos o segundo aspecto desta normalização, a transcriçãodos actantes que deixamos provisoriamente sob a formade atores da narrativa, subdivindo assim o procedimentoproposto em duas etapas sucessivas.
Esta codificação dos actantes, se ela é pouco rendável para os sintagmas-provas cujo estatuto é simplese cuja estrutura, redundante, encontra sua importânciaquando se trata das unidades contratuais às quais cabe opapel da organização de conjunto da narrativa. As funções que os definem constituem um jogo de aceitaçõese recusas de obrigações entre as partes contratantes eprovocam, em cada momento, novas distribuições e re-
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Atôres Contrato-puniçãoDupla transformaçãoContrato-punição---F~ ~ I~::+(S)+T 0::+5 OJ I O~+ (SJ/-T
------------ - -------Pai O, O, +T T-------
A redundância que marca a ruptura do contrato(contrato suspenso - contrato recusado - contratorompido) e a pr{)cura do novo destinador impedem dever nitidamente a simetria da narrativa devida ao paralelismo das redistribuições dos papéis entre o pai e ofilho. Pode-se resumi-Ias da maneira seguinte:
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Comentário
1. Basta reconhecer que existem duas formas distintasdo contrato, 1) contrato voluntário que origina umamissão de salvação e 2) contrato involuntário do qualdecorre uma missão de resgate, e ver na vingança estasegunda Iorma de obrigação contratual, para se dar contade que existe uma articulação cOntratual do modelo narrativo em seu conjunto_ A parte tópica do mito apareceentão como a execução do contrato primitivo, decorrenteda seqÜência inicial; a seqÜência final, por sua vez, encontra-se ligada da mesma maneira ao corpo da narrativa.A partir daí, pode-se formular uma nova correspondência entre a manifestação narrativa e a estrutura do conteÚdo que está assim manifestado: às correlações entreconteúdos não isótopos do mito, ao nível de sua estrutura, correspondem as relações contratllais, no nívelda narração.
2. A passagem de um contrato a outro efetua-segraças a uma dupla transformação, isto é, graças à substituição paradigmática dos termos sêmicos que operam nointerior de duas categorias simultaneamente: 1) o paitorna-se traidor, e o filho, qualificado, herói completo(5 => T); 2) o traidor não podendo ser destinador (incompatibilidade estrutural que havíamos já observadoanalisando um corplls psicodramático), o pai se transIorma em destinatário, passando o papel de destinador a
Filho = D2 + SPai:::: (DI) + TFilho = Dt 1- SAvó:::: (Dt>
ACTANTES
Filho::.: TPai", DIFilho :c: D;!HS) +T
Pai e= DIFilho == D;tHS> +T
Pai := DI+TFilho", D::+S
Avó == D,
Pai=T
Pai == TFilho = Df.Pai = Dz + S + T
FUNÇÕES
RetôrnoAusência do paiBusca do dcstinadorRetôrno e dom
SEQÜÊNCIAS·
Partida para o ninho das almas
Punição do traidorContrato aceito j Proposição
l AceItação e partidaObs.: Colocamos entre parênteses o herói não qualificado.
Partida para o ninho das araraso I Proposição
Contrato aceito I ·t - tOd( Acel açao e par I a
C t t I Combate deceptivoon ra o SUspenso ·l Conseqüência
Obso; o papel T passa do Filho ao Pai.
Retôrno do herói
DI (destinador) vs D2 (destinatário)S (sujeito-herói) vs O (objeto-valor)A (adjuvante). vs T (oponente-traidor)
distribuições de papéis. Assim, não é senão 110 níveldestas distribuições de papéis que se pode esperar poderresolver .o problema, difícil à primeira vista, da transIormação do Iilho-traidor em herói e aquela, paralela, dopai-vítima em traidor.
Adotando o sistema de abreviatura simples para notação dos actantes da narrativa:
poder-se-á apresentar, sob Iorma condensada, as principais obrigações contratuais e as distribuições correlativa~de papéis na parte tÓpica da narração.
Contrato recusado
Nôvo contrato
Obs.: o destinador ausente e o nôvo manifestador não manifestado estdo entreparênteses.
( Distribuição do fogoAntigo contrato rompido l) Não glorificaçãodo heróiVingança
Punição do traidorNôvo contrato invertido \ Proposição
l Aceitação e partida
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Vinganç.Ninho dou illma, r Ninho du arôlns'lOtopiai
Código natur.1
Código alimentar
Prova qualificante I Prova principal I Prova glorificante"ninho das almas" "ninho das araras" "vingança"
Duas isot{)pias, revelando a existência de duas codificações diferentes da narrativa, aparecem assim nitidamente. A interpretação do mito terá por finalidade, nesteestágio, o estabelecimento da equivalência entre os doiscódigos e a redução do conjunto da narrativa a umaisotopia única. Ela propõe ao descritor ü problema daescolha estratégica, a saber: qual é a isotopia fundamental, na qual é preciso traduzir a segunda isotopia, considerada" como aparente?
Duas ordens de considerações pleiteiam em favor daescolha do código alimentar.
1Q A transcrição formal permite constatar a diferençade niveis em que se situam os conteúdos a analisar nasduas isotopias: caso se considere que esses conteúdos semanifestem na mensagem narrativa, sob a forma canônica das conseqüências das provas e, por conseguinte,dos objetos de procura, vê-se que, no primeiro caso, osobjetos são apresentados sob forma de lexemas (água,fogo) e, no segundo, sob forma de combinações desemas (cru, cozido, podre, fresco, etc.). Pode-se dizerque a análise do conteúdo tendo atingido o nível sêmicoé mais profunda do que a que sf"~ situa ao nível dossignos: é pois o nível da análise sêmica que deve serretido como fundamental.
2Q A economia geral do modelo narrativo prevê, nodesenrolar da narrativa, a sucessão de três tipos deprovas:
Parece evidente que é a prova principal que está en··carregada de tratar do conteúdo tópico do mito: sua
seu filho (DI ~ D2). A hipótese que havíamos formulado, servindo-nos de informações tiradas de análises anteriores não mitológicas, mas literárias, e segundo a quala prova é a manifestação, sobre o plano narrativo, datransformação dos conteúdos, confirma-se aqui: a duplatransformação que formulamos aqui ao nível dos actantescorresponde, com efeito, à prova deceptiva na narrativa.
IV.I. A bi-isotopia da narração
A transcrição formal não nos deu a chave de uma leitura isótopa única, bem ao contrário: a narrativa pareceser concebida propositadamente de tal maneira que manifesta sucessivamente, em sua parte tópica, duas isotopias simultaneamente. Pode-se mesmo perguntar se asvariações de isotopias, correspondendo às seqüências danarrativa, não constituem um dos traços distintivos quepermitem opor a narrativa mítica aos outros tipos de narração, como o conto popular, por exemplo.
Assim, se a seqüência «expedição ao ninho das almas» pudesse ser considerada, após sua reconversão, segundo a equivalência procura da ossada "" procura daágua, como manifestando a isotopia da água (e do fogo),a seqüência «expedição ao ninho das araras» abandonaa missão aparente da procura dos instrumentos e nãose ocupa mais senão de problemas de regime alimentar,animal e vegetal. O retorno do herói, por sua vez, émarcado pela doação do fogo (e da água), mas a seqüência «vingança» que se segue é quase i1isível: é comesforço que se pode encontrar nela, graças a formulaçõesdedutivas, a preocupação da disjunção da alimentaçãovegetariana e carnívora. A parte tópica da narraçãoapresenta pois assim:
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IV. A MENSAGEM ESTRUTURAL
Obs. O espaço limitado não nos permite desenvolver a teoriados actantes, que mostraria que a primeira transformação é, narealidade, a de A T (e não de S T) como indicamos porSimplificação.
isotopia tem portanto fortes razões de manifestar o COIlteÚdo no nível fundamental.
Mas, definitivamente, é a convergência destas duasordens de considerações que constitui o elemento decisivo
da escolha estratégica. Vamos, por conseguinte, começara explicação e a integração do código a partir desselugar privilegiado que é a seqÜência correspondente àprova principal.
IV.2. O Objeto da procura
Sem nos preocuparmos mais com a unidade contratualque introduz a prova principal da narrativa, só temos
que analisar a própria seqÜência, cortada em dois segmentos graças à disj unção espacial, os quais se articulamcada um sob a forma de provas notificando o fracassoou o sucesso de Ulll certo lllodo de alimentação:
ALIMENTAÇÃO
animal (no alto) 1-~eget:;···(embaiXO)
-~:~=~-_.._--::::_..._L fracass~__ L~ce~: __ 1
Admitindo--se a hipótese sl'gundo .1 qLlal as quatroprovas assim distribuidas são apenas manifestações nar
rativas das transformaçõl's estruturais, dir-se-á que osdois fracassos devem ser considerados como negações eos dois sucessos, C0/l10 afirmações de certos modos alimcn tares.
I. O regime alimentar negado em primeiro lugar éo consumo do cra animal; é negado, porque canibal: ocÓdigo, mas também o contexto discursivo, nos informam
que o herói, tendo-se tornado «mestre da água» graçasà prova qualificante, é na realidade UllJ lagarto, miniaturização terrestre do crocodilo, e, com efeito, é sob formade lagarto que ele se apresenta na volta à avó. Pode-sedizer que o canihalismo é a manifestação narrativa da
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conjunção das identidades e que a morte e a putrefaçãoresultante é de fato a morte, a desaparição do sentido.
2. O regime alimentar, afirmado em prosseguimento,é o consumo do cozido animal. O herói morto consti
tui-se em alimentação que -se define como o cru animalpodre. Os urubus carniceiros, só consumindo a parte«crua e podre» do herói (os lagartos restantes e o traseiro «podre»), realizam pois a disjunção podre vs frescoe a negação do cru podre. Esta operação, que poderiaparecer canibal à primeira vista, não o é na realidade,pois os urubus são, no mundo invertido de antes, osmestres do fogo. Sem entrar nos detalhes do contexto queo leitor de Lévi-Strauss já conhece e, notadamente, seminsistir demais sobre seu papel de feiticeiros, capazes deoperar a purificação pelo fogo e a ressurreição dos mortos,pode-se dizer que sua vitória é a vitória dos consumidores do cozido e, por conseguinte, a afirmação do consumo do cozido animal podre. A transformação que corresponde a esta prova é a substituição do termo cru,pelo termo cozido no interior da categoria sêmica cru l'Scozido.
3. Não é inÚtil notar, nesta ocasião, o fenÔmenocstilistico freqÜente de conotação redundante. Assim, adisjunção alto JlS baixo, que corresponde à deposição doherói no sopé da montanha, encontra-se em outras nar
rativas boraro. Estes eram antigamente araras que, umavez descoberto seu segredo, jogaram-se na fogueira ardente transformando-se assim, com disjunção, em pássaros (alto) e plantas (baixo) encontrados entre as cinzas.
Por outro lado, os sacerdotes bororo aj udam a procuraralimentos: «como aras, colhem os frutos»: o herÓi-arara,
ao revelar-se embaixo, reencontra pois a parte vegetalcomplementar de sua natureza.
4. O regime alimentar que é negado pela segundavez é o consumo do cru vegetal. Mais precisamente, nãoé o objeto a consumir (os frutos selvagens) que sãopostos em questão, mas o consumidor em sua qualidadede objeto de consumo (para os urubus). O herói, comose sabe, está desprovido de posterior, negado enquanto
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Destinador ~ Objeto ~ Destinatário
M
não Vcrufogo mortal
podreágua mortal
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Vida Mort",
cozidofogo vital
frescoágua vital
v
não M
Se cozido ~ V. então cru !:::L. não V, eSe podre ~ M. então fresco ~ não M
teúdos que articulam os objetos de consumo, ou ao níveldas articulações dos destina dores ou destinatários. Nessesentido, a definição da isotopia geral do discurso quepropusemos em outro lugar e pela qual esta não é a iteração de uma única categoria semântica, mas de umfeixe organizado de categorias, parece aplicável à narrativa mítica: o objeto de consumo que está em causa nodiscurso está estilisticamente presente ora com seu conteúdo próprio, ora sob forma de conteúdos distanciadoscom a a.iuda de relações que se podem definir categoricamente. O estabelecimento da leitura única consistirápois na redução desses afastamentos estilísticos.
2. Ao considerar de mais perto as duas funções depurificação pelo fogo e de putrefação pela água, percebe-se que uma pode ser denominada como vital e a outra, como mortal, e que a distância que separa o cru docozido é a da oposição da vida e da morte. Uma novaconotação, mais geral, das categorias elementares, devidaa seu caráter vital e benéfico ou mortal e maléfico, parece possível. Com efeito.
Por outro ladu:l nova categoria conotativa permite,graças à colocação entre parênteses da distância estilística entre o produtor e o objeto produzido, uma distribuição paralela dos termos sêmicos recobertos pelos lexemas de fogo e de água. O quadro abaixo resumirábrevemente os resultados desta redução que conduz àconstrução de um código bivalente, mas isomorfo. Estenão poderá ser considerado como corretamente estabelecido senão na medida em que permitirá dar conta doconjunto de conteúdos tópicos manifestados.
(consumidor)(produtor)
IV.3. A construção do código
cru e podre. O paradigma de substituição é assim abertoao nível do corpo do herói: a parte podre, já estandoausente, ainda não foi substituída pela parte fresca.
5. A transformação do consumidor cuja parte animal, crua e podre é substituída, com a ajuda de umajudante (que se identifica com esta parte nova de suanatureza) vegetal, cru e fresco, e a possibilidade de sealimentar assim reencontrada constituem pois a afirmaçãodo consumo do cru vegetal fresco.
Em conclusão, pode-se dizer que a) a disjunção altovs baixo opera a distinção entre dois eixos de consumo:animal vs vegetal; b) a primeira série de provas consistena transformação do cru em cozido; c) a segunda sériede provas recobre a transformação do podre em fresco.
Suspendendo momentaneamente a análise, pode-se experimentar agora organizar o que já conseguimos a fim dever se já é possível a construção de um código dandoconta do conjunto da manifestação tópica do mito.
1. Observar-se-á inicialmente que a seqÜência estudada coloca o problema da alimentação sob forma derelação entre o consumidor e o objeto consumido e queas categorias que postulamos para articular o conteúdode diversos objetos de consumo (cru vs cozido; fresco vspodre) só puderam ser estabelecidas afirmando-se ou ne,..gando-se a possibilidade desta ou daquela relação. __Sendo assim, o fogo e a água aparecem, em relação aoobjeto de consumo, na relação que é a do produtor como objeto produzido: é o fogo que transforma, com efeito,o cru em cozido, é a água que, a partir do fresco, produzo podre. O objeto de consumo situa-se assim entre
Desde agora pode-se dizer que a manifestação narrativa em seu conjunto se situa ora ao nível dos con-
!
(1) afirmação de não M (fresco rJ água vital)(2) comportando a negação de M(podre ~ água mortal).
(1) afirmação de V (cozidoCo:!:fogo vital)(2) implicando a negação de não V (cru 0d. fogo mortal).
IIIIIRetõrno positivoDom positivo
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~Retõrno negativoDom negativo
Resulta daí que o primeiro dom do herói é o domda morte, e não da vida: é somente por intermédio donovo destinador-avó que renovará seu dom, desta vezpositivo.
Observar-se-á que o algoritmo dialético do dom encontra-se duplamente invertido em relação ao da procuraporque: 19 enquanto dom, está invertido sintagmaticamente, e a afirmação aí precede a negação e assim sucessivamente; 29 enquanto dom negativo, está invertidoem seus termos: afirma as propriedades de morte, e nãode vida. Consiste pois em
herói quanto a liquidação da falta apresentando-os sobformas negativa e positiva:
o episódio da caça deceptiva só pode ser logicamente a manifestação da segunda parte do algoritmo,isto é:
O) afirmação de M (podre !::>L água mortal)(2) originando a negação de não M (fresco C:L água vital)(1) a negação de V (cozidorV fogo vital)(2) implicando a afirmação de não V (cru C:L fogo mortal).
O dom negativo estabelece, por conseguinte, a relação necessária entre dois conteúdos afirmados, isto é,entre M + não V, o que é a definição mesma da mortee, por isso mesmo, da anticultura.
2. Desse modo, pode-se supor que o dom positivoterá a mesma estrutura sintagmática operando sobre conteúdos diferentes, afirmando a vida, e não a morte. Adistribuição do fogo, realizada pela avó, pode-se transcrever como constituindo a primeira parte do algoritmo:
Uma tal interpretação, se bem que muito possível, nãoleva entretanto a adesão d() descritor como uma evidência.
Análise Estrutural - 796
IV.5. A liquidaç[io da falta
O) negar o termo cru (não V)(2) afirmar o termo cozido (V)(1) afirmar o termo fresco (não M)(2) negar o termo padre (M).
IVA. A transformação dia/ética
No quadro assim estabelecido, o conjunto das transformações contidas na seqÜência estudada é suscetível deser compreendido sob a forma de um algoritmo dialético.Com efeito, as provas que se seguem consistem em:
A asserção dialética, oferecendo a sintese, consistiráentão em postular a existência de urna relação necessáriaentre o cozido e o fresco (V + não M), termos pertencentes a categorias de conteÚdo originalmente distintas,afirmando que sua conjunção constitui a vida, isto é, acultura alimentar, ou, transpondo 110 cÓdigo paralelo,que a conjunção do fogo cio lar e da chuva benfazejaconstituem as condições «natllfais» desta cultura.
Esta análise toma ao mesmo tempo evidentes as manifestações lexemáticas dos atores assumindo ao mesmotempo as funções do produtor e do consumidor: assimo urubu-carniceiro que, enquanto comedor do cru podre,é o pássaro da morte, uma vez situado em um antesmítico, assume as funções do produtor do fogo e torna-seo pássaro da vida, operando ressurreições. Do mesmomodo, o jaguar come-cru e a tartaruga come-podre constituem, com inversão, o par cultural perfeito. Não é deadmirar a partir dai que nosso herói tenha o nome doconsumidor transformado no ele destinador, o de Geriguiguiatugo, isto é, de jaguar-tartaruga. (A interpretaçãode jaguar = fogo e de tartaruga = lenha constitui umaconotação paralela, categorizável sem referência a seuestatuto de consumidor).
1. Viu-se que o comportamento deceptivo do destinadorpai teve como conseqÜência desdobrar tanto o retorno do
terior. O quadro abaixo colocará em evidência o isomorfismo proposto:
(1) a negação do cozido (V) (o filho substitui-se ao esposo)(2) levando à afirmação do cru (não V) e(1) afirmação do pOdre (M)(2) comportando a negação do fresco (não M) (a mulher é ne
gada como mãe)
M
não V
podreespôsa
crucriança masco
99
frescomãe(avó)
cozidoespôso
v
Não M
Uma ta! distribuição apresenta-se, sem nenhuma dúvida, como uma simplificação grosseira: ela deveria, emprincípio, bastar para justificar o isomorfismo entre asduas dimensões culturais do universo mitológico e tornarpossível a transcodagem de um sistema no outra. Assimcomo está, o quadro dá conta de um certo número defatos: a) a mulher borora é um fruto podre; b) enquanto mãe ela é doadora de alimento e, embora mantendo sua natureza vegetal, constitui o termo complexoM + não M (enquanto que a avó, não sendo mais esposa,cor responde ao imico termo não M); c) o comportamento sexual no interior do casamento é vital: é umcozimento que, pela conjunção com o podre, provoca afermentação e a vida; d) o macho solteiro e, sobretudo,a criança não iniciada são rejeitados para o lado docru ·e do fogo mortal.
2. A violação, graças a este código bivalente (outrivalente), pode ser interpretado como uma prova, quemanifesta uma série de transformações que se podemreunir em um Único algoritmo dialético:
o ato sexual extraconjugal seria pois a expressãoda conjunção do cru e do podre, e iclentificar-se-ia coma asserção dialética instaurando a morte: não somenteo filho afirma assim sua natureza anticultural, acontece
7·
Em aparência pelo menos, tudo se passa como se a operação caça tivesse sido montada para por em presençao cru vs o fresco e não o podre vs o fresco. Com efeito,o pai, tendo recusado glorificar o herói, não participanecessariamente dos benefícios do fogo, permanece «cru».De maneira redundante, sua crueza encontra-se confir
mada pela disjunção dos homens em relação aos fogosda aldeia, onde se encontravam em situação de caçadores do cru.
Se a descrição apresenta, nesse ponto, alguma dificuldade, é porque o código que construimos está aindaincompleto: só estabelecemos o isomorfismo entre as categorias alimentares articulando o objeto de consunH>,c as categorias «naturais» diferenciando os produtores,deixando de lado a articulação que permite descrever,de maneira isomorfa, os consumidores que apresentam,em relação ao objeto, um afastamento estilístico comparável ao dos produtores. Somos pois obrigados a abandonar provisoriamente a análise começada para tentarcompletar inicialmente nossos conhecimentos do códigosobre este ponto preciso.
98
IV.5. A cultura sexual
I. Introduzindo a categoria vida vs morte, pudemos COll
tituir uma classificação cultural que, sempre articulandoo código do mito segundo duas dimensões diferentes,possui entretanto um caráter mais geral do que a cultura alimentar que ela organiza.
Sendo assim, pode-se tentar aplicar esta classificação ao plano da cultura sexual procurando estabelecerequivalência entre valores culinários e sexuais que só serãoreconhecidos como isomorfos se puderem comportar umadistribuição formalmente idêntica. E' preciso precisar imediatamente que se trata aqui da cultura sexual, isto é,do conjunto de representações relativas às relações sexuais, que é de natureza lingÜística e axiológica, e nãoda estrutura de parentesco que lhe é logicamente an-
101
IV.7. Qualificação e desqualificação
Seqüência final
Disjunção em seguida a umaderrota - da sociedade cultural
Conjunção com os espíritosaquáticos - em vista de umaposição conjuntiva (:integração)
Desqualificação do herói
Procedimento analitico:articulação em elementos cons-
Obs. Do ponto de vista das técnicas de descrição, procuramos valorizar assim o procedimento do comparativismo interno ànarrativa: já o praticamos, analisando sucessivamenteos dois aspectos da liquidação da falta, enquanto procura e enquanto dom.
traz ida pelo ajudante-deceptor mea sobre o lugar emque ele se encontrava à espreita, transforma-o em sercaçado, Isto é, em podre. A vitória do cervo, armado defalsos chifres (= madeira fresca) dá conta, por conseguinte, da transformação que se inscreve como a negação do podre, correlativa da afirmação do fresco.
Resta-nos examinar a última seqüência que consagra adisjunção do pai-traidor (não V + M) da comunidade.Já se notou que o estatuto do pai é, neste ponto da narrativa, simétrico ao do filho em seguida à violação: a) doponto de vista do conteúdo, definem-se todos os doiscomo agentes da morte, como simultaneamente crus epodres; b) do ponto de vista da estrutura sintagmáticada narrativa, são objeto de vingança, isto é, obrigados ;\executar uma contra-punição. Resulta daí que as seqüências «expedição ao ninho das almas» e «imersão nolago», consecutivas das duas disjunções, devem ser, emprincípio, comparáveis. Pode-se então tentar justapô-Iase interpretá-Ias simultaneamente, pondo em evidência asidentidades e as diferenças.
Expedição ao ninho das almas
Disjunção em seguida a umavitória - da sociedade anticultural
Conjunção com os espíritosaquáticos - em vista de umaposição d:isjuntiva (combate)
Qualificação do herói
Procedimento analitico:articulação em elementos cons-
100
o mesmo com o pai, cuja qualidade de «cozinheiro» énegada e que, ligando-se a partir de então com suamulher (e, sobretudo, com sua nova esposa que aparecea propósito) não poderá senão reproduzir a asserçãonão V + M. Em seguida à violação, os dois protagonistasmachos encontram-se portanto definidos da mesma maneira, mas enquanto que o filho, passando - se bemque sobre uma outra dimensão cultural - por umasérie de provas heróicas, se transformará para tornar-seo contrário daquilo que era no início, o pai ficará semprecom sua natureza crua e podre.
3. Esta extrapolação, na medida em que é correta,permite um certo número de constatações relativas tantoao estatuto da narração quanto aos procedimentos dedescrição: 1) vê-se que a construção do código pressupõe o estabeleCimento de uma classificação cultural degeneralidade suficiente para que possa integrar as codificações isomorfas não somente dos conteúdos tópicos,mas também dos conteúdos correlatos; 2) vê-se que oencadeamento sintagmático que interpretamos como umarelação de causa e efeito (o' contrato punitivo) corresponde a passagem de uma dimensão cultural a uma outra(cultura sexual em cultura alimentar).
4. o estabelecimento da equivalência entre diferentescódigos permite-nos, por outro lado, compreender melhorcêrtos procedimentos estilísticos da narração. Assim, osdois elementos constitutivos da natureza dos protagonistas - e que, no nível do código sexual, correspondemà natureza masculina e à natureza feminina - encontram-se entre si em uma relação que se pode generalizarsob a forma da categoria agente vs paciente. Isto permite interpretar as inversões de papéis que se podemobservar nos episódios de caça:
a) enquanto crus, os atores são caçadores (caça aoslagartos, caça ao cervo);
b) enquanto podres, eles são caçados (pelos urubus,pelo cervo).
Pode-se voltar agora à análise deixada em suspensoe reler o episódio da caça final: se o pai, enquantocaçador, afirma bem sua natureza de cru, a informação
102
o procedimcnto que consiste em utilizar o quadrocomparativo para a exploração dos dados contextuaisao nível dos lexemas permitiu separar a articulaçãogeral das duas seqiiências.
a) Viu-se que a disjunção do herÓi em relação àsociedade dos homens tem por conseqÜência sua conjunção com a sociedade dos espíritos. Resulta disto a confrontação da natureza do herÓi com as qualidades correspondentes da supra natureza.
b) Os dois herÓis, idênticos quanto à sua natureza,terão entretanto um comportamento diferente. Esta di-
carregado de uma potenciaHda-de de morte
herói derrotadoà conquista de uma anticulturasofre as provasperde qualidadesque transmite aos espiritos
Sujeito-heróiSujeito-her6i
carregado de uma potenciaHda-de de vida
herói vitoriosoà conquista de uma culturaprovoca as provasadquire qualidadesque arranca dos espíritos
c) Uma tal análise mantém-se entretanto ao nívellexemático e aparece como insuficiente. A descrição procura atingir o nivel da articulação dos conteÚdos e darconta das transformações subjacentes às seqÜências narrativas_ As questões que se apresentam desde o início sãoas seguintes: a que corresponde, ao nível das transfor~mações estruturais, a qualificação do herói? Que transformações comporta, por seu lado, a desqualificação doherÓi?
lcrença só pode provir de seu estatuto sintagmático enquanto actantes-sujeitos que se encontra polarizado damaneira seguinte:
103
Segundo as previsões fornecidas pelo modelo narrativo,a seqÜência que se intercala entre a partida do herói e adcfrontação da prova principal é destinada a qualificar oheróí, isto é, a acrescentar-lhe qualidades das quais estava desprovido c que o tornarão capaz de superar aprova. Entretanto, caso se considere a composição sêmica do contelido de nosso herói antes e depois da qualificação, não se encontra ai diferença notável: o heróii.•. em um caso como em outro, cru podre.
Em que consiste este caso de qualificação? Parecehem que sÓ pode residir na aquisição das qualidadesvirtuais que, embora sendo contraditórias e complementares em relação à natureza, conferem entretanto ao heróio poder de afirmar e de negar, transformam-no em metasujeito das transformações dia/éticas (o que indicam,além disso, imperfeitamente, as designações como «rncs-
IV.8. A qualificaçâo do herói
3. Piranha
Conjunção com o podre (o lago-pântano é a manifestaçãodo podre)
Conjunção com o cru:a) afirmação do 'cru: piranha== pOdre == fogo mortalb) conjunção das identidades:a parte crua do herói é absorvida e não substituída (cf. canibalismo dos urubus)
titutivos por disjunção (desarticulação)
1. Ossada
2. Pulmões - Plantasaquáticas
Conjunção máxima em relaçãoaos espíritos aquáticos (baixo)
(assada == espíritos aquáticos ==
morte absoluta)
Conseqüências
Identificação das qualidades doherói com as da natureza: possibilidade da anticultura nãohumana
Disjunção em relação ao podre(pombo = de:;truidor da água
mortal)
3. Gafanhoto ferido
2. Pombo
DisjWlçãO máxima em relaçãoaos espíritos aquáticos (aIt-o)
(anti-água == fogo = vidaabsoluta)
titutivos por adjunção (sobforma de ajudantes)
1. Beija-flor
Disjunção em relação ao cru:a) afirmação do cru: gafanhoto = destruidor dos jardins ==
seca = fogo mortalb) pOiõsibilidade de afirmaçãodo fresco: o ferimento, pelosespíritos aquáticos, é a negação do cru absoluto
Conseqüencias
Aquisição complementar, peloherói, das qualidades em oposição à sua natureza: possibilidade da cultura humana
Comentário
104
em que o signo da negação indica o poder que possui avida de negar a morte. Traduzido em termos cotidiano,isto quer dizer que o herói se tornou mestre eventual daágua maléfica.
2. O herói, que é ao mesmo tempo cru (não V),identifica-se por sua vez com o gafanhoto, destruidor dejardins que, estes, só são possíveis graças à água benéfica. E' a este título que ele é ferido pelos espíritos
Dinamicamente
não V
Estaticamente
não V + não M
105
IV.9. A cultura «natural»
A desqualificação do pai, herói da aventura aquática, édevida essencialmente, como se viu, à sua hlta de combatividade, a seu estatuto de herói derrotado que se encaminha para a morte. O episódio sob a água corresponde, sabe-se, ao duplo enterramento (da carne e dosossos) praticado pelos bororo. Em lugar de adquirir novas propriedades que o qualificariam, o herói desarticula-se e reúne cada um dos termos definindo sua natureza com o termo correspondente no mundo dos espiritos. A conjunção dos termos contraditórios que caracteriza a qualificação corresponde aqui a conjunção dos
em que a negação indica o poder da água vital de negaro caráter absoluto do fogo mortal.
3. O protocolo da transcrição dos conteúdos comportando categorias complexas e de suas transformaçõesnão estando estabelecido, diremos ingenuamente que oherói qualificado apresenta-se seja como
(M + V) + (não V + não M)
seja como negador dos conteúdos «mortais»:
aquáticos, isto é, tornado inapto a destruir completamenteos efeitos da água benéfica. Enquanto gafanhoto ferido,o herói vê o termo cru de sua natureza transformar-se
no termo complexo não V + não M, o que quer dizer que,no segundo aspecto de sua natureza, ele é
-- ---M + não V == (M + não V)
Esta última transcrição visualiza melhor a permanênciada natureza «mortal» do herói, à qual veio ajuntar-seuma segunda natureza que o institui como meta-sujeito.
MDinamicamente
M+V
Estaticamente
tre do fogo» ou «mestre da água»). O herói qualificadocomportaria pois, na sua natureza, e seu conteúdo próprio, e os termos contraditórios suscetíveis de negá-Ia.Seria apenas em seguida à sua qualificação que se tornaria verdadeiramente mediador cujo conteúdo categóricoseria complexo, compreendendo ao mesmo tempo os termos s e não s de cada categoria. - O caráter hipotético de nossas formulações provém, sem dúvida, daausência quase total de conhecimentos relativos à articulação do modelo narrativo neste pormenor, e nossosesforços tendem mais a detetar as propriedades estruturais do modelo do que a interpretar a seqüência.
1. O herói que é podre (M), no momento em quedecide enfrentar a primeira prova qualificante, não podea este título opor-se aos espíritos aquáticos que, elestambém, comportam a determinação M. A defrontaçãosó é possível graças ao ajudante beija-flor que, pelo fatode sua disjunção máxima em relação à água (mas tam-.bém porque é não bebedor e muito freqÜentemente «mestre do fogo»), representa o têrmo díametralmente opostoa M, isto é, o termo V. Pela adjunção à sua naturezada propriedade V, que define o ajudante beija-flor, oherói se transforma no termo complexo M + V, isto é,em um ser ambíguo, mediador entre a vida e a morte. _
E' esta natureza complexa que lhe permite em seguidaapresentar-se como pombo, isto é, ao mesmo ternpo consumidor e negador do podre. Isto permite-nos dizer queo herói, neste estágio, é
106
Começamos assim a entrever que a instituição deuma ordem anticultural só pode ser a disjunção máximados termos cuja aproximação ameaçaria a cultura.
2. E' neste quadro que convém interpretar a seqÜência de acontecimentos. O podre, disjunto do cru, ma
nifesta-se sob duas formas (ossada vs pulmões): porum lado, em um movimento descensional, ele vai alcançar o lugar onde se encontram as almas e reunir-se.1 elas numa sobrevida mortal; por outro lado, t.'m ummovimento ascensionaJ, () podre «sobrenada», isto é, se-
termos idênticos, isto é, a neutralização do sentido. Asimetria encontra-se, uma vez mais, mantida: o termoneutro da estrutura elementar da significação é com efeitosimétrico ao termo complexo.
As possibilidades oferecidas pelo comparativismo estando assim exploradas, pode-se interrogar agora sobrea significação da seqíiência enquanto se apresenta comoconteÚdo correlato da parte tópica positiva do mito. Osdois conteÚdos, tÓpico e não tÓpico, são supostos exprimir a instauração de uma certa ordem, situada sobreduas dímensões do universo mitológico diferentes. Resta-nos pois responder a duas questões: qual é a ordemassim instaurada, correlativa da instituição da cultura alimentar? Qual é a dimensão em que se encontra situadaesta ordem?
I. O encontro do herói com as piranhas constituiao mesmo tempo uma análise e um deslocamento de suanatureza: constitui inicialmente a dísjunção absoluta dosdois elementos constitutivos desta natureza: o cru é aceito
e reunido à natureza crua das piranhas; o podre é rejeitado e vai reunir-se com outros elementos. - Vê-se
que esta disjunção não é outra coisa senão o rompimento do conceito sintético (não V + M) que define todaanticultura; se a cultura acaba de ser instituída como
uma síntese, a anticultura, esta, encontra-se desorganizada:
107
para-se da água para aparecer, numa primeira metaforfose, sob forma vegetal, como uma planta aquática.
Ora, parece que os bororo sabem com muita felicidade que a ascensão vertical do podre não se interrompe ai e que sob a forma de um Ramo de Flores pela via metafórica que é justamente a afirmação e aconjunção de identidades - que este se fixa no céu econstitui a constelação das Plêiades. A disjunção do crue do cozido encontra-se assim consolidada com a ajudade uma inversão disjuntiva espacial: o fogo maléfico, deorigem celeste, é mantido na água e encarnado naspiranhas; a água maléfica, de origem antes subterrânea,é projetada no céu, sob a forma de uma constelaçãode estrelas.
3. A reorganização da natureza - (o termo exatopara designá-Ia seria a cultura natural: ela constitui comefeito a nova dimensão mitológica que tentamos consolidar) - não se interrompe aí. Poder-se-ia sugerir que() fresco, definido precedentemente em termos de culturaculinária, sofre a mesma transformação e encontra-se projetado no ceu sob a forma de Tartaruga terrestre, «mestre do fresco», na sua qualidade de come-podre, e aífixa-se sob a forma da constelação do Corvo. A água,tanto mortal quanto vital, encontra-se assim reunida nocéu. Duas precisões podem ser acrescentadas para explicar a nova disposição: ,a) a relação entre a Tartaruga(não M) e o Ramo de Flores (M) é, não o esqueçamos,a de relações contratuais estabelecidas entre o destinador (filho) e o destinatário (pai) encarregado de umamissão de resgate, e a natureza malfazeja está subordinada à natureza benfazeja; b) o herói só pôde deixar aterra porque aí deixou seu irmão menor, aparecido, pelo
processo da duplicação, no próprio momento do retornodo herói: o mea preencheria pois, sobre a terra, as funções do protetor do fogo dos lares (V), permanecendoao mesmo tempo ligada, pelos laços do sangue, à águahenfazeja (não M). - Resta finalmente a Última disjunção, complementar de uma inversão espacial, a dofogo maléfico e benéfico; o primeiro, dominado, porque
Ij' ~
Anttcultura(não V vs M)vs
Cultura(V + não M)
108
natural
correlatos
colocados
culinária
tópicos
M + não VI V + não M I não M ~ Mnão V vs V
objeto de consumo I produtor
109
A. J. GREIMAS
Ecole Pratique des Hautes Etudes,Paris.
invertidos
consumidor
sexual
correlatos
V. A ESTRUTURA DA MENSAGEM
Apresentaremos, sob a forma de um quadro, os principaisresuIt.1dos obtidos na interpretação deste mito bororo:
Obs.: Os limites destes estudo não permitem insistir (a) nemsobre o caráter descontinuo (e singular) dos valores culturais(Tartaruga, Mea) opondo-se ao caráter continuo (e plural) dosvalores culturais (Ramo de Flores, Piranhas); (b) nem sobre ainstauração da ordem diacrônica das estações que resultam dasrelações de subordinação sintagmática entre não M e M. CI.Lévi-Strauss é suficientemente explícito a esse respeito.
Perspectivaestilística
Ilesultado das I não V + MIransformações
Dimensãocultural
(;onteúdos
I
1
JI';
Disjunção··Conjunção
Céu
Terra
~
VMea
não MTartaruga
MPlêiades
Disjunção
não VPiranhas
Conjunção-Disjunção~ >
~
Céu
Agua
Disjunção
está fixado na água (piranhas), o segundo, presente sobre a terra, pois sua conjunção com a água seria nefasta.
4. Resulta daí que a instauração da cultura consistena inversão topolÓgica da ordem da natureza. Utilizandoduas categorias das quais uma é topológica (alto vsbaixo) e outra biolÓgica (vida vs morte), a «civilização»da natureza consiste no enquadramento dos valores na-turais nos dois cÓdigos simultâneamente, que sÓ sãoisomorfos com inversão de sinais:
A disjunção topológica fundamental consiste em separar os valores mortais (M e não M) remetidos aocéu, dos valores vitais (V e não V), situados aqui embaixo, colocando assim a) a impossibilidade da asserção M + não V que destruiria a cultura e b) ressalvandoentretanto, graças aos laços de sangue, uma possibilidadede conjunção cultural não M + V. Uma segunda distinção a) opera a dísjunção entre não V, situado naágua e V, situado sobre a terra, duplamente disjuntos,pois sua conjunção ameaçaria a cultura e b) opera umaconjunção espacial (no céu entre M e não M, porque seencontra em uma relação de subordínação cultural)_
Em conclusão, pode-se dizer que a cultura natural,introduzindo um novo código, consolida o caráter discretodos valores naturais afirmando a impossibilidade dasconjunções «contra natureza» e a possibilidade de certasoutras relações «segundo a natureza». Poderia ser representada simbolicamente como
(não M .,...M) vs (não V vs V).
de perspectivas provoca uma flexibilidade do método.Lembremos e precisemos as transformações que se parecem impor:
19 A unidade de base, o átomo narrativo, permanece a função, aplicada, como em Propp, às ações e aosacontecimentos que, agrupados em seqüências, engendram uma narrativa;
29 Um primeiro agrupamento de três funções engendra a seqÜência elementar. Esta tríade corresponde àstrês fases obrigatórias de todo processo:
a) uma função que abra a possibilidade do processosob forma de conduta a conservar ou de acontecimentoa prever;
b) uma função que realize esta virtualidade sob forma de conduta ou de acontecimento em ação;
c) uma ação que fecha o processo sob forma deresultado esperado;
39 Diferente de Propp, nenhuma destas funções nccessita a que a segue na seqüência. Ao contrário, quandoa função que abre a seqüência é colocada, o narrado rconserva a liberdade de fazê-Ia passar à ação ou demantê-Ia em estado de virtualidade: se uma conduta éapresentada como devendo ser mantida, se um acontecimento pode ser previsto, a atualização da conduta oudo acontecimento pode tanto ter lugar, como não seproduzir. Se o narrador escolhe atualizar esta condutaou este acontecimento, conserva a liberdade de deixaro processo ir até seu termo, ou de interrompê-Ia no seucaminho: a conduta pode atingir ou não seu objetivo, oacontecimento seguc ou não seu curso até o termo prcvisto. A rede das possibilidades assim aberta para a seqÜência segue o modelo:
A Lógica dos PossíveisNarrativos
CLAUDE BREMOND
o estudo semiológico da narrativa pode ser dividido emdois setores: de um lado, a análise das técnicas denarração; de outro lado, a pesquisa de leis que rejamo universo narrado. Estas leis mesmas pertencem a doisníveis de organização: a) elas refletem as constrições lÓgicas que toda série de acontecimentos ordenada sob aforma de narrativa deve respeitar sob pena de ser ininteligivel; b) elas acrescentam a estas constrições, váli-
j das para todas as narrativas, as convenções de seu universo particular, característico de uma cultura, de umaépoca, de um gênero literário, do estilo de um narradorou, no limite, apenas desta narrativa mesma.
O exame do método seguido por V. Propp paraseparar os caracteres específicos de um destes universosparticulares, o do conto russo, convenceu-nos da necessidade de traçar, anteriormente a toda descrição de umgênero literário definido, o mapa das possibilidades lógicas da narrativa. 1 Nesta condição, o projeto de umaclassificação dos universos da narrativa, fundado sobrecaracteres estruturais tão precisos quanto os que servempara os botânicos ou naturalistas definirem os objetos deseu estudo, deixa de ser, quimérico. Mas este alargamento
1 "te message narratlf", in Communicatlons 4, pp. 4.32.
110
,
~
~
1j
1
VirtualidadeCex.: fima atingir)
J Atualização(ex.: conduta
pára atingll'o fim)
~\Ausência <
de atualização(t!x.: inél'cia.impedimento de agir)
111
I fim atíngidl)
(ex.: sucessoda conduta)
+-lfim frustrado(ex.: fracaSSoconduta)
o ciclo narrativo
Toda narrativa consiste em um discurso integrando umasucessão de acontecimentos de interesse humano na uni-
113
tiva) correspondente à função malfeito cOmetido. Poderse-ia especificar em processo servivel (recompensa) seaqui se tratasse de um benefício cometido.
c) O «emparelhamento», por exemplo:
A sigla vs (versus), que serve aqui de ligação àsduas seqÜências, significa que o mesmo acontecimento,que preenche uma função a na perspectiva de um agente A, preenche uma função b caso se passe à perspectivade B. Esta possibilidade de operar uma conversão sistemática de pontos de vista, e de formular suas regras,deve-nos permitir delimitar as esferas de ação correspondentes aos diversos papéis (ou dramatis personae).Em nosso exemplo, a fronteira passa entre a esfera deação de um agressor c a de um justiceiro na perspectivade quem a agressão torna-se malfeitoria.
Estas são as regras que colocamos à prova nas páginas que se seguem. Tentamos proceder a uma reconstituição lógica das linhas de partida da rede narrativa.Sem pretender explorar cada itinerário até às ramificações últimas, tentaremos seguir as principais artérias,reconhecendo, ao longo de cada percurso, as bifurcaçõesem que os ramos mestres se cindem, engendrando subtipos. Traçaremos o quadro das seqÜências-tipos, bemmenos numerosas do que se poderia crer, entre as quaisdeve necessariamente optar o narrador de uma história.Este quadro tornar-se-á mesmo a base de uma classificação de papéis assumidos pelos personagens das narrativas.
Anãll~( Estrutural - fi
Dano a infligir vsMalfeito a cometer
! !Processo agressivo
vsMalfeitoriai J,Dano infligido
vsMalfeito cometido = Feito 8 retribuir
III\"iIII
li'I
112
Malfeito a cometertMalfeitoriatMalfeito cometido == feito a retribuirt
processo retribuidortfeito retribuído
{ Danoa~
_"'" retrlb..,... ~ •••••••••Peito retrlbufdo Dano infligido
49 As seqÜências elementares se combinam entre sipara engendrar as seqüências complexas. Estas combinações se realizam segundo configurações variáveis. Citemos as mais típicas:
a) O encadeamento sucessivo, por exemplo:
O signo =, que empregamos aqui, significa que oacontecimento preenche simultaneamente, na perspectivade um mesmo papel, duas funções distintas. Em nossoexemplo, a mesma ação repreensível qualifica-se na perspectiva de um «retríbuidof» como fechamento de um processo (a malfeitoria) em relação ao qual representa passivamente a testemunha e como abertura de um outroprocesso onde ele vai representar um papel ativo (apunição).
b) O enclave, por exemplo:
Esta disposição aparece quando um processo, paraatingir seu fim, deve incluir aí um outro, que lhe sirvade meio, este podendo por sua vez incluir um terceiro,etc. O enclave é o grande impulsionador dos mecanismosde especificação das seqÜências: aqui, o processo retribuidor se especifica em processo agressivo (ação puni-
lllal!e1to cometido == Feito a retribuirI
114
Todas as seqÜências elementares que isolaremos emseguida são especificações de uma ou de outra destas
categorias, que nos fornecem assim um primeiro princípio de classificação dicotômica. Antes de nos engajar nasua exploração, precisemos as modalidades segundo asquais o melhoramento e a degradação se combinam umCom o outro na narrativa:
a) Por junções sucessivas. Vê-se imediatamente queuma narrativa pode fazer alternar, segundo um ciclocontínuo, fases de melhoramentos e de degradação:
= Melhoramento a obtertProcesso de melhoramentot
= Melhoramento obtido
115
Degradação produzida~
Processo de degradação.t.
Degradação possivel
E' menos evidente que esta alternativa é não somentepossível, mas necessária. Seja um início de narrativa queapresente uma deficiência (afetando um indivíduo ou umacoletividade sob forma de pobreza, doença, tolice, faltade herdeiro masculino, flagelo crônico, desejo de saber,amor, etc.). Para que esta amostra de narrativa se desenvolva, é necessário que este estado evolua, que alguma coisa aconteça, própria para modificá-Ia. Em que sentido? Pode-se pensar, seja em um melhoramento, sejaem uma degradação. De direito, entretanto, só o melhoramento é possível. Não que o mal não possa aindapiorar. Existem narrativas nas quais as infelicidades sesucedem em cascata, como se uma degradação chamasseoutra. Mas, neste caso, o estado deficiente que marca ofim da primeira degradação não é o verdadeiro pontode partida da segunda. Este degrau de parada - estesursis - equivale funcionalmente a uma fase de melhoramento, ou ao menos de preservação do que ainda sepode salvar. O ponto de partida da nova fase de degradação não é o estado degradado, que só pode ser melhorado, mas o estado ainda relativamente satisfatório,que só pode ser degradado. Do mesmo modo, dois processos de melhoramento não se podem suceder enquantoo melhoramento realizado pelo primeiro deixa a desejar.Implicando esta carência, o narrado r introduz em sua narrativa o equivalente de uma fase de degradação. O estado ainda relativamente deficiente que daí resulta servede ponto de partida à nova fase de melhoramento.
b) Por enclave. Pode-se considerar que o fracassode um processo de melhoramento ou de degradação emcurso resulta da inserção de um processo inverso que oimpede de atingir a seu termo normal. Tem-se então os.esquemas seguintes:
8·
>.,
I Processo (Melhoramento obtidoI de melhol'amento ~iMelhoramento~~ , não obtidoI Ausência de processoI de melhommento
IProcesso I Degradação
de melhoramento ~1 produzida~ IDegradação evítadaAusência de processode degradacão
Degtadaçãoprevisível
dade de uma mesma ação. Onde não há sucessão nãohá narrativa, mas, por exemplo, descrição (se os objetosdo discurso são associados por uma contigUidade espacial) , dedução (se eles estão implicados), efusão lírica(se eles evocam por metáfora ou metonímia), etc. Ondenão há integração na unidade de uma ação, não há narrativa, mas somente cronologia, enunciação de uma sucessão de fatos não coordenados. Onde enfim não háimplicação de interesse humano (onde os acontecimentosrelacionados não são produzidos nem por agentes nemsofridos por pacientes antropomorfos) não pode havernarrativa, porque é somente por relação com um projetohumano que os acontecimentos tomam significação e seorganizam em uma série temporal estruturada.
Segundo eles favoreçam ou contrariem este projeto,os acontecimentos da narrativa podem-se classificar emdois tipos fundamentais, que se desenvolvem segundo asseqüências seguintes:
Melhoramentoa obter
li!
,I;'
117
Processo de melhoramento
o narrador pode-se limitar a dar a indicação de umprocesso de melhoramento, sem explicitar suas fases. Sediz simplesmente, por exemplo, que os negócios do heróise arranjam, que ele se curou, que se tornou bem comportado, se embelezou, enriqueceu, estas determinações,que tratam do conteúdo da evolução sem especificar oseu como, não nos pode servir para caracterizar sua estrutura. Por outro lado, se ele nos diz que o herói restabeleceu seus negócios ao fim de grandes esforços, seele relaciona a cura à ação de um medicamento ou deum médico, o embelezamento à compaixão de uma fada,o enriquecimento ao sucesso de uma transação vantajosa, o bom comportamento às boas resoluções tomadasem seguida a uma falta, podemos apoiar-nos sobre asarticulações internas destas operações para diferenciardiversos tipos de melhoramento: quanto mais a narrativa entra no detalhe das operações, mais esta diferenciação pode ser aprofundada.
Coloquem-nos primeiro na perspectiva do beneficiário do melhoramento. Seu estado deficiente inicial implica a presença de um obstáculo que se opõe à realização de um estado mais satisfatório, e que é eliminadoà medida que o processo de melhoramento se desenvolve.Esta eliminação do obstáculo implica por sua vez a intervenção de fatores que agem como meios contra oobstáculo e a favor do beneficiário. Se pois o narrador escolhe desenvolver este episódio, sua narrativa seguirá este esquema:
2 Fica entendido Que o beneflciárlo não está necessariamente consciente doprocesso empreendido em seu favor. Sua perspectiva pode permanecer virtual, como a da Bela Adormecida no Bosque enquanto espera o Prírn;ipeEncantado.
Melhoramentoa obter
'+'
Processo demelhoramento
'+'
Melhol amentoobtido
Degradaçãopossível
'+'
Processo deQegradação
'+'
Degradaçãorealizada
I Degradação, possívelt
Processo dedegnlClação
vs
vs
vs
Degnlda<.;àopossível
'+'
Processo de
degradaçilo IDegr!daçào Degmdac;àorealizada cvitada
Melhoramentoa obtertPI'ocesso demelhoramentotMelhoramentoobtído
A!"lhol'illl1cn toIl obtertProceEso delll('lhoraruento
M0.lhOl'amentoniio obtido
c) Por emparelhamento. A mesma série de aconteeimen tos não pode ao mesmo tempo, e na sua relaçãocom um mesmo agente, se caracterizar como melhoramento e como degradação. Esta simultaneidade torna-seem compensação possível se o acontecimento afetar aomesmo tempo dois agentes animados por interesses opostos: a degradação da sorte de um coincide com a rnclhoria da sorte do outro. Tem-se o esquema:
116
A possibilidade e a obrigação de passar assim, porconversão dos pontos de vista, da perspectiva de umagente à de um outro são capitais para o prosseguimentode nosso estudo. Elas implicam a recusa, ao nível deanálise em que trabalhamos, das noções de Herói, de«Vilão», etc., concebidas como marcas de identificaçãodistribuídas de uma vez por todas, aos personagens.Cada agente é seu próprio herói. Seus parceiros se qualificam na sua perspectiva como aliados, adversários, etc.Estas qualificações se invertem quando se passa de umaperspectiva para outra. Longe pois de construir a estrutura da narrativa em função de um ponto de vista privilegiado - o do «heróí» ou o do narrador - os modelos que elaboramos integram na unidade de um mesmoesquema a pluralidade das perspectivas próprias dos diversos agentes.
118
-- a estrutura da realização da tarefa e seus desenvolvimentos possíveis;
- todos os detalhes da relação de aliança postulada pela intervenção de um aliado;
- as modalidades e as conseqÜências da ação empreendida contra um adversário.
Intervenção do aliado
119
o narrador pode limitar-se a mencionar a execução datarefa. Se escolhe desenvolver este episódio, é conduzidoa explicitar, primeiramente a natureza do obstáculo encontrado, em seguida a estrutura dos meios empregados- intencionalmente e não mais fortuitamente desta vez- para eliminá-Io. Estes meios, eles próprios, podemfaltar ao agente, seja intelectualmente, se ignora o quedeve fazer, seja materialmente, se não tem à sua disposição os instrumentos dos quais tem necessidade. Aconstatação desta carência equivale a uma fase de degradação que, neste caso, se especifica em problema aresolver, e que, como anteriormente, pode ser reparadade duas maneiras: ou as coisas se arranjam por elasmesmas (se a solução procurada cai do céu), ou umagente assume a tarefa de arranjá-Ias. Neste caso, estenovo agente se comporta como aliado intervindo em proveito do primeiro que se torna por sua vez beneficiá riopassivo da ajuda que lhe é assim oferecida.
Realização da tarefa
A intervenção do aliado, sob a forma de um agenteque se encarrega do processo de melhoramento, podenão ser motivada pelo narrador, ou ser explicada pormotivos sem ligação com o beneficiário (se a ajuda éinvoluntária): neste caso, não se pode falar propriamentede intervenção de um aliado: surgindo do cruzamentofortuito de duas histórias, o melhoramento é produtoda sorte.
Acontece diferentemente quando a intervenção é motivada, na perspectiva do aliado, por um mérito do beneficiário. A ajuda é então um sacrifício consentido noquadro de uma troca de serviços. Esta troca mesma pode-se revestir de três formas:
~
ir~~~~~eis
o~anizaçãOdos meIos
~Sucessodos meiof:
Melhoramentoa obter-- ..J.-
Obstáculoa eliminar-
Processo I Processode mel11oramento de eliminação
Melhoramento lObstáculoobtido eliminado
Neste estágio, só podemos encontrar uma dramatispersona, o beneficiário do melhoramento, usufruindo passivamente de um feliz concurso de circunstâncias. Nema ele, nem a ninguém cabe então a responsabilidadede ter reunido c posto em ação os meios que derrubaram o obstáculo. As coisas «acabaram bem» sem que alguém se ocupasse delas.
Este isolamento desaparece quando o melhoramento,em lugar de ser imputado à sorte, é atribuído à intervenção de um agente, dotado de iniciativa, que o assumea título de tarefa a cumprir. O processo de melhoramento se organiza então em conduta, o que implica queele se estruture numa rede de fins-meios que pode se.rdetalhada ao infinito. Além disso, esta transformação introduz dois papéis novos: de um lado, o agente queassume a tarefa em proveito de um beneficiário passivorepresenta em relação a este Último o papel de um meio,não mais inerte, mas dotado de iniciativa e de interessespróprios: é um aliado; por outro lado, o obstáculo enfrentado pelo agente pode-se encarnar em um agente,ele próprio dotado de iniciativa e de interesses próprios:este outro é um adversário.
Para. dar conta das dimensões novas assim abertas,devemos examinar:
,
11,1
'li
- ou a ajuda é recebida pelo beneficiário em contrapartida de uma ajuda que ele mesmo fornece a seualiado em uma troca de serviços simultâneos: os doisparceiros estão então solidários na realização de umatarefa de interesse comum;
- ou a ajuda é fornecida em reconhecimento deum serviço passado: o aliado se comporta como devedor do beneficiário;
- ou a ajuda é forneci da na espera de uma compensação futura: o aliado se comporta como credor dobeneficiário.
A posição cronológica dos serviços trocados determina assim três tipos de aliados e três estruturas denarrativa. Caso se trate de dois associados solidaria
mente interessados na realização de uma mesma tarefa,as perspectivas do beneficiário e do aliado se aproximam até coincidir: cada um é beneficiário de seus próprios esforços unidos aos de seu aliado. No limite, sóhá um personagem, desdobrado em dois papéis: quandoum herói infeliz se propõe a remediar sua sorte «ajudando a si mesmo», ele se cinde em duas drama tis personae e se torna seu próprio aliado. A realização datarefa representa uma degradação voluntária, um sacrifício (atestado pelas expressões: dar-se ao trabalho de,penar para, etc.) destinados a pagar o preço de ummelhoramento. Quer se trate de um só personagem sedesdobrando, ou de dois personagens solidários, a configuração dos papéis permanece idêntica: o melhoramentoé obtido graças ao sacrifício de um aliado cujos interesses estão solidários com os do beneficiário.
Em lugar de coincidir, as perspectivas opõem-sequando o beneficiário e seu aliado formam uma duplacredor/devedor. O desenvolvimento de seus papéis podeentão se formalizar assim: seja A e B tendo a obtercada um melhoramento distinto do outro. Se A recebe
a ajuda de B para realizar o melhoramento a, A tornase devedor de B e deverá por sua vez ajudar B a realizar o melhoramento b. A narrativa seguirá o esquema:
120
Perspectiva Perspeeti 'IaPerspecti 'IaPerspectivade A
de Bde Ade Bbeneficiál'io
aliadoaliadobeneficiál'ioda ajuda
obl'igantereconhecidoda ajuda-------
Ajuda Serviçoa
j'eCehel'vs possível't
i'Recepção
Açãode ajuda
v st tvAjuda
ServiçoDividaAjudalccebida
v srealizadov sa quitarv sa reccbert tQuitação
Recepçãoda dívida
v sde ajudat tDivida
Ajudaquitada
v srccebida
As tf(~S formas ele aliados que acabamos de distinguir - o associado solidário, o credor, o devedor -intervêm em função de um pacto que rege a troca dosserviços e garante a contrapartida cios serviços prestados. Ou este pacto permanece implícito (está entendidoque todo sacrificio merece pagamento, que todo filhodeve obedecer a seu pai que lhe deu a vida, o escravoao mestre que conservou a sua, etc.); ou resulta de umanegociação particular, explicitada na narrativa com mais
ou menos detalhe. Do mesmo modo que o emprego dosmeios podia ser precedido de sua procura, no caso emque sua carência pusesse obstáculo à realização da tarefa, assim a ajuda deve ser negociada, no caso emque o aliado não traga espontaneamente seu concurso.No quadro desta tarefa prioritária, a abstenção do futuro aliado faz dele um adversário que se trata de con
vencer. A negociação, que reencontraremos daqui há pouco, constitui a forma pacifica de eliminação do adversário.
Eliminação do adversário
Entre os obstáculos que se opõem à realização de umatarefa, alguns, já o vimos, só se opõem a uma forçade inércia; outros se encarnam nos adversários, nos agentes dotados de iniciativa que podem reagir por condu-
121
Optando pela negociação, o agente escolhia eliminar oadversário por uma troca de serviços que o transformava em aliado; optando pela agressão, escolhe infligirlhe um dano que, para ser afastado, requer normalmentelima conduta de proteção. Se esta fracassa, tem-se:
sível a procura de um acordo são reunidas. Resta negociar as modalidades de troca e as garantias de umaexecução leal dos compromissos.
O esquema simplificado da negociação pode ser figurado como segue:
= Compromissos
a curPr1r= Qultamcnto dos
compromlsso$
compr!rnftl.!C'scwnprldQs
Per3'pecttvacomum d3 duas
partes
Pactoa concluir
= Pactoa conclutr
NegJlação
Pa!toconcluIdo
Perspctivado agredidO
Perigoa afastar
.J,
Processoprotetor
•••
Fracassode proteção
vs
vs
vs
123
Perspectivado sedu.ric!o
•• RecepçAode ajuda.
vs AjudarecebldA
vs Desejopcsslvel
YS con&pçiiodo desejo
•• D}sejO = Ajudaconcebido ... a receber
~Danoa infligir
•••
Processoagressivo
~Danoinfligido
Perspcttvado agressoT
Adversárioao eliminar
I
ReceJX'ftode aJuda.
Ajudl~rccd;'11da
l~Seduçlo
a oP1arwseProcessosedutor
~Sucesso
de ,wduçAo
A agressão
Processo deeliminação
Adversárioeliminado
Perspectit'a.do "edutor
AjUdaa receber
122
tas aos processos engajados contra eles. Resulta disto
que a conduta de eliminação do adversário deve, paradat conta desta resistência e de suas diversas formas,organizar-se segundo estratégias mais ou menos complexas.
Deixamos de lado o caso em que o adversário desaparece sem que o agente seja responsável por suaeliminação (se ele morre de morte natural, cai sob osgolpes de outro inimigo, torna-se mais acomodado coma idade, etc.): neste caso, há somente um melhoramentofortuito. Para levar em conta só o caso em que a eliminação do adversário é imputável à iniciativa do agente,distinguiremos duas formas:
- pacifica: o agente esforça-se por obter do adversário que cesse de por obstáculos a seus projetos. E'a negociação, que transforma o adversário em aliado;
- hostil: o agente esforça-se por infligir ao adversário um dano que o coloca em incapacidade de fazerpor mais tempo obstáculo a seus empreendimentos. E'a agressão, que visa a suprimir o adversário.
A negociação
A negociação consiste para o agente em definir, de acordo com o ex-adversário e futuro-aliado, as modalidadesde troca de serviços que constituem o objetivo de suaaliança. E' ainda necessário que o próprio principio destatroca seja aceito pelas duas partes. O agente que tomaa iniciativa deve fazer de maneira que o parceiro adeseje igualmente. Para obter este resultado, pode utilizar seja a intimidação, seja a sedução. Se escolhe asedução, esforça-se por inspirar o desejo de um serviçoque quer oferecer em troca do que pede; se escolhe aintimidação, esforça-se por inspirar o medo de um prejuízo que pode causar, mas igualmcnte poupar, e quepode assim servir de mocda de troca para o serviço quedeseja obter. Se a operação tem sucesso, os dois parceiros estão em igualdade: A deseja um serviço de B,como B um serviço de A. As condições que tornam pos-
IIII
124
A primeira das três fases da cilada, a trapaça, éela mesma uma operação complexa. Trapacear é ao mes
.1110 tempo dissimular o que. é, simular o que não (~, e
A vantagem permanece, no esquema acima, para ()agressor. Esta saída não tem nada de fatal, Se o adversário parece dispor de meios de proteção eficazes, oagressor tem interêsse em enfrentá-Io desguarnecido. Aagressão reveste-se então da forma mais complexa dacilada. Fazer cilada é agir de modõ que o agredido, emlugar de se proteger como poderia fazê-Io, coopera àsua revelia com o agressor (não fazendo o que deviaou fazendo o que não devia). A cilada desenvolve-seem três tempos: primeiro, uma trapaça; em seguida, sea trapaça tem sucesso, um erro da vítima; enfim se ()processo de erro é conduzido até seu termo, a exploração pelo trapaceiro da vantagem adquirida, que colocaà sua mercê um adversário desarmado:
l:rro acometer
:::.
Aparência 11
acreditável
procb deconvicção
JAparência 11
acreditada
Perspectiva d4 vitimaPerspectivado tTapacetro
l~ ~
Ser x + Não ser 11 vsa d1ss1mular a lÚI1luJar
... ~Proéesso + Processo vs
de dIsslmulação de slmuJação~ ...
Ser x + Não ser 11 vsd1ss1mulado s1muladQ
125
substituir o que não é pelo que é em um parecer aoqual a vítima reage como a um ser verdadeíro. Podese pois distinguir em toda trapaça duas operações combinadas, uma dissimulação e uma simulação. A dissimulação somente não é suficiente para constituir a trapaça(salvo na medida em que ela dissimula a ausência dedissimulação); a simulação apenas não é também suficiente, pois uma simulação que se mostra como tal (ado comediante por exemplo) não é uma trapaça. Paramorder a isca, a vitima tem necessidade de crê-Ia verdadeira e de não perceber o anzol. O mecanismo datrapaça pode figurar-se pelo esquema seguinte:
Levando mais longe a classificação, poder-se-ia distinguir muitos tipos de trapaça diferenciados pela maneira de simulação empregada pelo trapaceiro para mascarar a agressão que prepara:
a) o trapaceiro pode simular uma situação implicando a ausência de toda relação entre ele e a futuravítima: finge não estar presente, no sentido próprio (casoele se esconda) ou no figurado (se ele finge dormir,olhar para outro lado, estar tomado de Ulll acesso deloucura, etc.);
b) o trapaceiro pode simular intenções pacíficas:propõe uma aliança, tenta seduzir ou intimidar sua vítima, enquanto prepara clandestinamente a rutura dasparlamcntações ou a tradição do pacto;
c) o trapaceiro simula intenções agressivas de modoque a vítima, ocupada em repetir um assalto imaginário, se descobre e fica sem defesa contra o ataque real.
Trapaça a /c.zerL-
Processo de {
trapaça
Vitima feIta
Perspectiva doagressor-tra;paceiro
Ocasião aaproveitar
L. •
IPrejuízo
a infligir
Exploração Processoda ocasião agressivo
Ocasião Prejuízoaproveitada infligido
1!:rropossível
J,Processode êrro
J.1!:rrocometido vs
Perspectiva doagredido-vítima
Processo de Processoeliminação de cilada
AdversárIo Vitima caleliminado na cilada
Perspectivado agreEsor-trapaceiro
Adversárioa eliminar
~Vitima aarmar cilada
~Vitima afazer
~Trapaça
J.Vittmafeita vs
I!'II
li,!ii
III
"
lill'
Retribuições: recompensa e vingança
O dano causado pelo agressor à sua vítima pode serconsiderado como um serviço ao contrário, não maisconsentido pelo credor, mas arrancado pelo devedor, chamando em contrapartida a inflição de um dano proporcionado, assimilável no recobrimento do crédito aberto:o devedor paga entretanto a dívida de um empréstimoforçado. A recompensa do serviço prestado e a vingança do prejuízo sofrido são as duas faces da atividaderetribuidora.
Como a retribuição dos serviços, a retribuição dosprejuízos resulta de um pacto, que, ou fica ímplícito(fodo malfeito merece castigo, o sangue chama o sangue,etc.), ou se explicita nas cláusulas de uma aliança particular, sob forma de ameaça contra as ruturas de contrato.
Um novo tipo, o retribuidor, e dois subtipos o retribuidor-recompensador e o retribuidor-punidor, aparecem aqui. O retribuidor é de qualquer modo a garantiados contratos. Na sua perspectiva, todo serviço torna-seum favor que pede uma recompensa, todo prejuízo ummalfeito que pede um castigo. Seu papel coincide como do devedor pontual a reembolsar suas dívidas, e supreas faltas do devedor insolvente ou recalcitrante.
Processo de degradação
Um processo de melhoramento, chegando a seu termo,realiza um estado de equilíbrio que pode marcar o fimda narrativa. Se escolhe prosseguir, o narrador deve recriar um estado de tensão, e, para fazer isto, introduzirforças de oposição novas, ou desenvolver germes nocivos deixados em suspenso. Um programa de degradação se instaura então. Ou pode-se referir à ação defatores imotivados e inorganizados, como quando dizque o herói sai doente, começa a se aborrecer, vê novasnuvens apontar no horizonte, sem que a doença, os aborrecimentos, as nuvens sejam apresentadas como agentesresponsáveis, dotados de iniciativa, e cujos comporta-
126
mentos se articulam em condutas realizadoras de projeto: neste caso, o processo de degradação permaneceindeterminado ou só se especifica em má sorte, concursode circunstâncias infelizes. Ou ao contrário, é referidoà iniciativa de um agente responsável (um homem, umanimal, um objeto, uma entidade antropomorfa). Esteagente pode ser o beneficiário mesmo, caso cometa umerro de conseqüências graves; pode ser um agressor;pode ainda ser um credor com quem o beneficiário temuma divida a saldar (em troco de um serviço prestadoou de um dano infligido); pode ser enfim um devedorem favor de quem o beneficiário escolhe deliberadamente sacrificar-se.
Já encontramos estas formas de degradação. Nãosão apenas os contrários, mais ainda, pela passagemde uma perspectiva a outra, os complementares das formas de melhoramento:
- ao melhoramento por serviço recebido de umaliado credor corresponde a degradação por sacrifícioconsentido em proveito de um alíado devedor;
- ao melhoramento por agressão infligi da, corresponde a degradação pela agressão sofrida;
- ao melhoramento por sucesso de uma cilada,corresponde a degradação por erro (que pode igualmenteser considerado como o contrário da tarefa: fazendo,não o que deve, mas o que não deve, o agente atingeo objetivo inverso do que visava);
-- ao melhoramento por vingança obtida, corresponde a degradação por castigo recebido.
O processo de degradação anunciado por esses diversos fatores pode desenvolver-se sem encontrar obstáculos, ou porque estes não se apresentam por si mesmos, ou porque ninguém quer ou não pode interpor-se.Se ao contrário os obstáculos surgem, funcionam comoproteções do estado satisfatório anterior. Estas proteçõespodem ser puramente fortuitas, resultar de um feliz conCLlrso de circunstâncias; podem igualmente realizar a intenção de resistência de um agente dotado de iniciativa.
127
A obrigação
Encontramos acima o caso do melhoramento obtido graças à ajuda de um aliado credor. Esta prestação, constrangendo o beneficiário a pagar ulteriormente sua dívida, leva a uma fase de degradação. Esta sobrevém damesma maneira em todos os casos onde um «reconhecido» é obrigado a cumprir um dever que lhe custa. Aobrigação, como vimos, pode resultar de um contratoem boa e devida forma, explicitado em uma fase ante-
129
pecífica: a advertência (destinada a prevenir o erro) ouo cinismo (destinado· a dissipá-Ia). Por vezes os próprios fatos se encarregam oportunamente; em outro casoaliados clarividentes assumem esta tarefa. Enunciando oulembrando a regra, tendem a encarná-Ia, mesmo que elesnão sejam seus autores; se a vítima ignora seus conselhos, esta perseverança no erro traz-Ihes prejuízo, ea catástrofe que se segue é ao mesmo tempo a sançãodesta transgressão nova.
Enquanto o aliado que encarna a regra é tratadocomo adversário, o adversário que ajuda a transgredi-Iaé tratado como aliado. Conforme ignore ou conheça asconseqüências da pseudo-ajuda que fornece, ele próprioé vítima ou trapaceiro. Neste Último caso, a trapaçainsere-se, como fase p1"eparatória de uma cilada, ou umamanobra de agressão.
A degradação que resulta do erro pode marcar ofim da narrativa. O sentido disto é então dado peloafastamento que separá o fim visado do resultado obtido: encontra um correspondente psicológico na oposição presunção/humilhação. Se· o narrador escolhe prosseguir, os diversos tipos de melhoramento que assinalamos estão à sua disposição. Entre estes, entretanto, háum que convém eletivamente à reparação das conseqüências do erro, porque representa o processo inverso: é arealização da tarefa, pela qual o agente, usando destavez meios adequados, restabelece por seu mérito a prosperidade arruinada por sua tolice.
Análise Estrutural - 9128
Neste caso, elas se organizam em condutas cuja formadepende, de um lado, da configuração do perigo, deoutro da tática que o protetor escolhe.
Estas proteções podem ter sucesso ou fracassar.Neste Último caso, o estado degradado que se segue abrea possibilidade de processos, de melhoramento compensadores entre os quais alguns, vamos ver, tomam a formade uma reparação especificamente adaptada ao tipo ckdegradação sofrida.
o erro
Pode-se caracterizar o processo do erro como uma tarefa cumprida ao contrário: induzindo ao erro, o agentepõe em ação os meios que são precisos para atingir oresultado oposto a seu objetivo, ou para destruir asvantagens que quer conservar. No decorrer desta tarefainvertida, processos nocivos são considerados como meios,enquanto que regras próprias para assegurar ou conservar uma vantagem são tratadas como obstáculos.
O narrado r pode apresentar estas regras como impessoais, derivando da simples «natureza das coisas»;sua transgressão só traz prejuízo ao imprudente que,dando início a um encadeamento funesto de causas eefeitos, sanciona ele próprio o erro que comete. Mas anarrativa pode igualmente fazer disto interdições que emanam da vontade de um legislador. Trata-se então decláusulas restrítivas introduzidas por um aliado «obrigante» no tratado que estabelece com o reconhecido.Este é engajado a observá-Ias para beneficiar, ou continuar a se beneficiar de um serviço (permanecer noparaíso terrestre, etc.). A transgressão da regra traz prejuízo ao aliado «credor» e é este dano que pede, eventualmente, a intervenção de um retribuidor que sancionaa traição do pacto. O erro consiste aí, não na infração mesma, mas na ilusão de poder transgredir impunemente a regra.
O elemento motor do erro sendo a cegueira, estaforma de degradação chama uma forma de proteção es-
I',
A agressão sofrida
tipula a contrapartida esperada, ou que esta seja deixada à discrição de um retribuidor.
O sacrifício apresenta assim o duplo caráter de excluira proteção e p2dir uma reparação. Normalmente, o processo sacrificial deve ir até seu termo com o concurso davítima (se o sacrifício parece ser uma loucura, aliadospodem dar conselhos, mas esta proteção dirige-se contraa decisão, que constitui um erro, e não contra o própriosacrificio). Em oposição, a degradação resultante do sacrifício pede uma reparação, sob forma de recompensa, e(, neste estágio que uma proteção pode intervir. O pacto,com as garantias de que se cerca (juramento, refém, etc.),prevê também isto.
A agressão sofrida difere dos outros tipos de degradaçãona medida em que resulta de uma conduta que se propõeintencionalmente o dano como objetivo de sua ação. Paraatingir este objetivo, o inimigo pode, ou agir diretamente,por agressão frontal, ou manobrar obliquamente, esforçando-se por suscitar e utilizar as outras formas de degradação. Duas delas prestam-se a esta manobra: o erro,pelo qual..) agredido, induzido pelo seu inimigo, deixa-secair em uma cilada; a obrigação, pela qual o agredido,ligado a seu agressor por um compromisso irrevogável,deve quitar-se de um dever ruinoso (acontece além dissofreqÜentemente que o agrcssor combina os dois procedimentos: engana sua vítima sugerindo-lhe um pacto dano-so, depois o elimina exigindo a execução do contrato).
O agredido tem a escolha entre se deixar apanhar e seproteger. Se escolhe a segunda solução, os modos deproteção que lhe são oferecidos podem reagrupar-sc emtrês estratégias: primeiro, tentar suprimir toda relaçãocom o agressor, colocar-se fora do seu alcance, fugir;segundo, aceitar a relação com aquele, mas tentar transformar a relação hostil em relação pacífica, negociar(cf. supra); enfim, aceitar a relação hostil, mas devolvê-Ia golpe contra golpe, ripas/ar.
131!J*130
rior da narrativa (como quando um herói vendeu suaalma ao diabo). Ela pode igualmente derivar das disposições «naturais» do pacto social: obediência do filhoao pai, do vassalo ao suserano, etc.
Na disjunção de cumprir seu dever, o reconhecidopode procurar proteger-se contra a degradação que oameaça. Seu credor torna-se um agressor ao qual eletenta escapar, seja rompendo o canto (empreendendo afuga), sej a por meios pacíficos e leais (negociando umarevisão do contrato), seja por meios agressivos (provocando uma prova de força ou armando uma cilada). Nocaso em que julga ter sido vítima de uma trapaça, aliquidação agressiva de seus compromissos lhe aparece,não somente como uma defesa legítima, mas como urnaoperação justiceira. Na perspectiva do credor, ao contrário, a liquidação dos compromissos redobra a dívida:o reconhecido vai ter de pagar, não somente por umserviço, mas por um prejuizo.
Se ao contrário, o devedor não pode ou não queresquivar-se a suas obrigações, se ele voluntariamenteos salda ou se ele, por escolha ou à força, é constrangido a manter seus compromissos, a degradação de seuestado que resulta disto pode marcar o fim da narra-tiva (cL a Filha de jefté, etc.). Se o narrador querprosseguir, pode recorrer às diversas formas de melhoramento que assinalamos. Urna delas, entretanto, é privilegiada: consiste em transformar o cumprimento do dever em sacrifício meritório, pedindo por sua vez umarecompensa. O pagamento da divida converte--se assimem abertura de crédito_
o sacrifício
Enquanto outras formas de degradação são processossofridos, o sacrifício é uma conduta voluntária, assumidaem vista de um mérito a adquirir, ou ao menos quetorna o agente digno de uma recompensa. Há sacrifíciocada vez que um aliado presta serviço sem ser obrigado, e se constitui assim em credor, que um pacto es.-
133
Melhoramento, degradação, reparação: o circuito danarrativa está agora fechado, abrindo a possibilidade dedegradações seguidas de reparações novas, segundo umciclo que se pode repetir indefinidamente. Cada uma destasfases pode ele própria se desenvolver ao infinito. Mas no
curso ele seu desenvolvimento, será levada a se especificar,_por uma série de escolhas alternativas, em uma hierarquiade seqÜências encravadas, sempre as mesmas, que determinam cxaustivamente o campo do «narrável». O encadeamcnto das funções na seqÜência elementar, depois dasseqÜências elementares na seqÜência complexa é simultaneamente livre (pois o narrador deve a cada momentoescolher a continuação de sua narrativa) e controlado(pois o narrador só tem escolha, após cada opção, entre
fOl'ma o dano a ínfligir ao culpado em serviço a devolverlhe, e obtém em contrapartida um serviço proporcional).Enfim o culpado é desqualificado pela dissimulação deseu malfeito. Ele induz o retribuidor em erro fazendo-sepassar por inocente e, eventualmente, fazendo passar noseu lugar um inocente por culpado.
Se estas pretensões são vãs, a degradação que resulta do castigo pode marcar o fim da narrativa. Estase constrói então sobre a oposição Malfeito/Castigo. Seo narrador escolhe prosseguir, deve introduzir uma fasede melhoramento que pode ser qualquer uma das queforam descritas. Uma delas entretanto deve ser privilegiada pois representa uma reparação específica: trata-se demelhoramento obtido por um sacrifício: ao malfeito _tentativa de melhoramento demeritória conduzindo a umadegradação por castigo - responde então a penitência- tentativa de degradação meritória conduzindo à reabilitação do culpado, segundo o esquema:
merecido
(recompensa)(benefício)
~ Penitência
I~ 1\"'" ,
Degradação Melhoramento
(castig(l)(malfeito)
demeritório ~ merecida ~ meritória ~
Melhoramento Degradação
QuedaI~-----I\.
Se estas proteções são ineficazes, o agressor infligeo dano esperado. O estado degradado que resulta daípode marcar, para a vítima, o fim da narrativa. Se onarrador escolhe prosseguir, uma fase de reparação dodano é aberta. Esta pode operar-se segundo todas asmodalidades de melhoramento que reconhecemos (a vítima pode curar-se, tomar a si a tarefa de reparar os des.gastes, receber socorros caritativos, voltar-se contra outros inimigos, etc.). Existe, entretanto, em acréscimo aestas, uma forma de reparação específica: a vingança,que consiste, não mais em restituir à vítima o equivalentedo dano sofrido, mas em infligir ao agressor o equivalente ao prejuízo causado.
o castigo
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Todo dano pode tornar-se, na perspectiva de um rctribuidor, um malfeito a ser punido. Na perspectiva do justiçado,o retribuidor é um agressor e a ação punitiva que pretendeuma ameaça de degradação. Ao perigo assim criado, ojustiçado reage por uma atitude de submissão ou dedefesa. Neste último caso, as três estratégias assinaladasmais acima - a fuga, a negociação e a prova de fôrça-- são igualmente possíveis. Somente, entretanto, a segunda, a negociação, prenderá aqui nossa atenção, poisela supõe a colaboração do retribuidor, e nos remete aoexame das condições pelas quais este se deixa convencera renunciar a sua tarefa. Para que a situação de Malfeitoa punir desapareça, ou ao menos deixe de ser percebida,é preciso que um dos três papéis em presença (o culpado,a vítima, ou o próprio retribuidor) perca sua qualificação.A vítima é desqualificada pelo perdão, graças ao qual oretribuidor restabelece, entre o antigo culpado p ela, ascondições normais do pacto (pois o perdão é sempre condicional: transforma retroativamente o dano infligido emserviço obtido, e pede em contrapartida um serviço proporcional). O retribuidor desqualifica-se ele próprio pelacorrupção (obtida por sedução ou intimidação), que estabelece, entre o culpado e ele, o liame de um pacto (trans-
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os dois termos, descontínuos e contraditórios, de umaalternativa). E' pois possível esboçar a priori a redeintegral das escolhas oferecidas; dar um nome e assinalarseu lugar em uma seqüência a cada forma de acontecimento realizado por estas escolhas; ligar organicamenteestas seqüências na unidade de um papel; coordenar ospapéis complementares que definem o devir de uma situação; encadear os devires em uma narrativa ao mesmotempo imprevisível (pelo jogo das combinações disponíveis) e codificável (graças às propriedades estáveis eao nÚmero finito dos elementos combinados).
Este engendramento dos tipos narrativos é ao mesmotempo uma estruturação das condutas humanas agentese pacientes. Elas fornecem ao narrador o modelo e amatéria de um devir organizado que lhe é indispensávele que seria incapaz de encontrar em outro lugar. Desejada ou temida, seu fim comanda um encadeamento deações que se sucedem, se hierarquizam, se dicotomizamsegundo uma ordem intangível. Quando o homem, na experiência real, combina um plano, explora na imaginaçãodos desenvolvimentos possíveis de uma situação, refletesobre a marcha da ação empreendida, rememora as fasesdo acontecimento passado, ele narra para si mesmo asprimeiras narrativas que poderíamos conceber. Inversamente, o narrador que quer ordenar a sucessão cronológica dos acontecimentos que relata, dar-lhes uma significação, não tem outro recurso a não ser ligá-Ios na unidade de uma conduta orientada em direção a um fim.
Aos tipos narrativos elementares correspondem assimas formas mais gerais do comportamento humano. Atarefa, o contrato, o erro, a cilada, etc., são categoriasuniversais. A rede de suas articulações internas e de suasrelações mÚtuas define a priori o campo da experiênciapossível. Construindo, a partir das formas mais simplesda narratividade, seqüências, papéis, encadeamentos desituações cada vez mais complexas e diferenciadas, lançamos as bases de uma classificação dos tipos de narrativa; além disso, definimos um quadro de referência para
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o estudo comparado desses comportamentos que, sempreidênticos na sua estrutura fundamental, se diversificam aoinfinito, segundo um jogo de combinações e de opçõesinesgotável, segundo as culturas, as épocas, os gêneros,as escolas, os estilos pessoais. Técnica de análise literária,a semiologia da narrativa tira sua possibilidade e suafecundidade de seu enraizamento em uma antropologia.
CLAUDE BREMOND
École Pratique des Hautes Études, Paris.
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UMBERTO ECO
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lames Bond:Uma CombinatóriaNarrativa 1
É em 1953 que Fleming publica o primeiro romance dasérie 007, Casino Royal. Primeira obra que não podeescapar ao jogo normal das influências literárias: porvolta de 1950, o escritor que abandonava o filão do romance policial tradicional para passar ao policial de açãonão podia ignorar a presença de Spillane.
Casino R<,yal deve, sem dúvida, ao menos dois elementos característicos a Spillane. Primeiramente a jovem,Vesper Lynd, que inspira um amor confiante a Bond,revela-se no final um agente inimigo. Em um romancede Spillane o protagonista tê-Ia-ia matado, mas em Fleming a mulher tem o pudor de suicidar-se; entretanto areação de Bond diante do fato é semelhante à transformação do amor em ódio e da ternura em ferocidade quese encontra em Spillane. «Está morta a vagabunda», telefona Bond a seu correspondente de Londres e isto fechaeste incidente sentimental.
Em segundo lugar, Bond está obcecado por umaimagem: a de um japonês especialista em códigos secretos
'Este texto foi extrafdo de uma obra coletiva, traduzida do Italiano, tiCaso Bond, que será editado pt'Oximamente pela editora Plon. Constituios três primeiros capitulas de um artigo intltulado: "les structures nalTatives chez Fleming", in Le Cas Bond, Milano, Bompiani, 1965,
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que ele abateu friamente no trigésimo sexto andar doarranha-céu R. C. A. no Rockfel1er Center, atingindo-ona face de uma janela do quadragésimo andar do arranha-céu em frente. Esta analogia não é um acaso. MikeHammer aparecia constantemente perseguido pela lembrança de um pequeno japonês morto na selva durantea guerra, entretanto com maior participação emotiva (umavez que o homicídio de Bond, autorizado administrativamente por seu duplo zero, é mais assético e burocrático).A lembrança do japonês é a origem da inegável neurosede Mike Hammer, de seu masoquismo e de sua provávelimpotência; a lembrança de seu primeiro homicídio poderia ser a origem da neurose de James Bond, se nãofosse pelo fato de, em Casino Royal, tanto a personagemquanto o autor resolverem o problema de outra maneiraque não a via terapêutica, isto é, excluindo a neurose douniverso das possibilidades narrativas. Decisão que influenciará a estrutura dos onze romances futuros deFleming e que provavelmente é a origem de seu sucesso.
Após a volatização de dois búlgaros que tinham tentado fazê-Io explodir com uma bomba, após ter sido torturado com golpes sobre os testículos, após a eliminaçãode Le Chiffre por U111 agente soviético que lhe inflige umferimento na mão e apÓs ter-se arriscado a perder amulher amada, Bond, saboreando a convalescência dosjustos em um leito de hospital, tagarela com seu colegafrancês Mathis e torna-o ciente de suas perpiexidades.São eles lutadores de uma causa justa? Le Chiffre, quefinanciava as greves dos operários franceses, não preenchia «uma l11is~ão maravilhosa, verdadeiramente vital,talvez a melhor de todas e a mais elevada»? A diferençaentre o bem e o mal é verdadeiramente tão nítida, reconhecível, como o quer a hagiografia da contra-espionagem? Neste momento, Bond está maduro para a crise,para o reconhecimento salutar da ambigÜidade universal, epara tomar o caminho percorrido pelo protagonista de LeCarré. Mas no momento em que ele se interroga sobre aaparência do diabo e em que está pronto para reconhecerno adversário um «irmão separado», James Bond é salvopor Mathis:
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••...Quando você voltar a Londres, descobrirá que há outrosChiffre que tentam destruí-Io, destruir seus amigos e seu país."M" lhe falará. E agora que viu um homem verdadeiramentemau, saberá sob que aspecto o mal pode apresentar-se, irá àprocura dos maus para destruí-Ios e proteger assim os que vocêama, e você mesmo... Cerque-se de seres humanos, meu caroJames. E' mais fácil lutar por eles do que por princípios. Mas...não me decepcione transformando-se você mesmo em humano.Perderíamos uma máquina maravilhosa".
Foi por esta frase lapidar que Fleming definiu opersonagem de Bond para os romances que viriam. DeCasino Royal, restar-Ihe-á a cicatriz na face, o sorriso umpouco cruel, o gosto da boa comida e uma série de caracteristicas acessórias minuciosamente catalogadas nocurso deste primeiro volume. Mas, convencido pelo discurso de Mathis, Bond abandonará as vias incertas dameditação moral e do tormento psicológico, com todosos perigos de neuroses que poderiam dai decorrer. Bondcessará de ser um assunto para psiquiatras (a não servoltar a sê-Io no último romance, aliás atípico, da série(The Man witlz the Golden Gun), e tornar-se-á uma máquina magnífica, como o querem, Mathis, o autor e opúblico. A partir deste momento, Bond não meditará maissobre a verdade e sobre a justiça, sobre a vida e sobrea morte a não ser em raros momentos de tédio, de preferência nos bares dos aeroportos, contudo sem jamaisse deixar dominar pela dúvida (nos romances pelo menos, pois ele se permite algum luxo intimista nas novelas).De uÍn ponto de vista psicológico, uma conversão tãosúbita, provocada por algumas frases pronunciadas porMathis, é pelo menos curiosa; não é forneci da em outrolugar justificação alguma a este respeito. Nas últimaspáginas de Casino Royal, Fleming renuncia de fato àpsicologia enquanto motor da narração e decide transporcaracteres e situações para o nivel de uma estratégiaobjetiva e convencional. Fleming realiza assim sem osaber uma escolha familiar a inúmeras disciplinas contemporâneas; passa do método psicológico ao métodoformal.
Existem já, em Casino Royal, todos os elementospermitindo construir uma máquina funcionando à base
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de unidades suficientemente simples sustentada por regras rigorosas de combinação. Esta máquina, que funcionará sem falha nos romances seguintes, está na origemdo sucesso da «saga 007», um sucesso que, de maneirasiguJar, é devido não só ao consentimento das massasquanto à apreciação dos leitores mais refinados. Resta
agora examinar em detalhe esta máquina narrativa paradeterminar quais são as razões de seu sucesso. Trata-sede construir um quadro descrevendo as estruturas narrativas em Ian Fleming, procurando avaliar ao mesmo tempo a incidência provável de cada elemento sobre a sensibilidade do leitor.
Esta pesquisa é feita nos romances seguintes, enumerados na ordem de sua publicação (as datas de redação devem provavelmente ser avançadas em um ano):Casino Royal, 1953; Live and Let Die, 1954; Moonraker,1955; Diamonds are Forever, 1956; From Russia withLove, 1957; Dr. No, 1958; Goldfinger, 1959; Thunderball,1961; On her Majesty's Secret Service, 1963; Vou OnlyLive Twice, 1964. Nós nos reportaremos igualmente àsnovelas de For Your Eyes Only, de 1960, e a The Manwitlz the Golden GUll, 1965. Em compensação, não trataremos de Tlze Spy wlzo Loved Me que ocupa um lugarinteiramente à parte.
1. A oposição dos caracteres e dos valores
Os romances de Fleming parecem construidos sobre umasérie de oposições fixas que permitem um número limitadode modificações e de interações. Estes pares constitueminvariantes ao redor das quais gravitam os pares menoresque constituem, de um romance para outro, variantesdaqueles. Enumeramos aqui quatorze pares; quatro destesopõem quatro caracteres segundo diversas combinações,enquanto que os outros constituem oposições de valores,diversamente encarnados pelos quatro caracteres de base.Os quatorze pares são:
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• KINGSLEY AMIS, The Jemes Bond Dossier, London 1965. Encontrar-se-ãodiversas Interpretações de James Bond no estudo de LAURA LlLU •JamesBond et Ia critique·. in Le Cas Bond.• op. cito
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confiar na improvisação). Se Bond é o herói e possuiconseqüentemente qualidades excepcionais, «!vb representa a Medida, compreendida como valor nacional. Emrealidade, Bond não é tão excepcional quanto uma leituraapressada dos livros (ou a interpretação espetacular queos filmes dão aos livros) pode fazer pensar. O próprioFleming afirma tê-Io concebido como um personagem totalmente comum, e é do contraste com «1\1» que emergea estatura real do 007, dotado de superioridade física,de coragem e de agilidade de espírito, sem possuir poristo estas qualidades nem outras em uma medida excepcional. E' mais uma certa força moral, uma fidelidadeobstinada a seu dever - sob as ordens de «M», semprepresente como guia - que lhe permitem superar certasprovas inumanas sem exercer faculdades sobre-humanas.
A relação Bond-«M» supõe sem dúvida alguma umaambivalência afetiva, um amor-ódio recíproco, e isto semque haja necessidade de recorrer a explicações psicológicas. No começo de The Man witlz lhe Golden Gun,Bond, emergindo de uma longa amnésia e condicionadopelos soviéticos, tenta uma espécie de parricídio ritual atirando sobre «M» C0111 uma pistola de cianeto. O gestodecorre de uma série de tensões narrativas que se tinhamestabelecido cada vez que «M» e Bond se tinham encontrado face a face.
Colocado por «IvI» na rota do Dever a todo preço,Bond entra em contraste com o Mau. A oposição põe emjogo diversos valores, dos quais alguns são apenas variantes do par caraterológico. Bond representa indubitavelmente Beleza e Virilidade diante do Mau que se apresenta ao contrário, como monstruoso e impotente. Amonstruosidade do Mau é um dado constante, mas paraesclarecê-Ia é preciso introduzir aqui uma noção de método que será igualmente válida no exame de outrospares. Entre as variantes, é preciso considerar também aexistência de «papéis de substituição»; isto significa queexistem personagens de segundo plano cuja função só seexplica se são considerados como variações de um doscaracteres principais, dos quais «assumem» por assimdizer algumas das características. Os papéis de substi-
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h) Cupidez - Ideal1) Amor - Mortej) Risco - Programação1) Fartura - Privação
m) Natureza excepcional - Medida
n) Perversão - Candurao) Lealdade - Deslealdade
a) Bond - UM"b) Bond - O Mauc) O Mau - A Mulherd) A Mulher - Bonde) O Mundo livre - A União
Soviéticaf) A Grã-Bretanha - os Paí
ses não anglo-saxõesg) Dever - Sacrifício
Estes pares não representam elementos «vagos» mas«simples», isto é, imediatos e universais e, examinandode mais perto o alcance de cada par, percebe-se que asvariantes possíveis cobrem uma extensa gama e esgotamtodos os achados narrativos de Fleming.
Com Bond - «M», tem-se uma relação dominadodominante que caracteriza desde o começo os limites eas possibilidades do personagem Bond, e dá campo livreàs aventuras. Já se falou em outro lugar da interpretaçãoque convém dar, no ponto de vista psicológico ou psicanalítico da atitude de Bond diante de «M». 1 E' fato que,mesmo se atendo puramente à narrativa, «M» coloca-sediante de Bond como detentor de uma informação totalconcernente aos acontecimentos. Daí sua superioridadesobre o protagonista, que depende dele e que parte emdireção a suas diversas tarefas em condição de inferioridade em relação à onisciência de seu chefe. Não é raroque o chefe envie Bond para aventuras cujo resultado elejá previu; Bond encontra-se então vitima de uma manobra, por mais bem intencionada que seja, e não esperaque o desenrolar dos fatos ultrapasse as tranqÜilas previsões de «M». A tutela sob a qual «M» mantém Bond,submetido pela autoridade a visitas médicas, a curas naturistas (Tlzunderball), a modificações em seu armamento(Dr. No), torna cada vez mais indiscutível a autoridadedo chefe. Portanto, em «M», adicionam-se facilmenteoutros valores como a religião do Dever, a Pátria (ou aInglaterra) e o Método (que funciona como ,elemento deProgramação em face da tendência típica "de Bond em
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tuição funcionam de ordinário para a Mulher e para oMau, e às vezes para «M», se entretanto for necessáriointerpretar como «substitutos» de «M» certos colaborado
res excepcionais de Bond, como Mathis de Casino Royal,que são portadores de valores pertencentes a «fvh comoa chamada ao Dever ou ao Método.
Quanto às encarnaçõcs do Mau, enumeremo-Ias na
ordem. Em Casino Royal, Le Chiffre é pálido, glabro,com cabelos ruivos cortados à escovinha, uma boca pequena como a de uma mulher, dentes postiços de altaqualidade, orelhas pequenas com lóbulos grandes, mãospeludas; não ri nunca. Em Live and Lei Die, Mr. Big,negro do Haiti, tem uma cabeça que se assemelha a umabola de futebol, apresentando o dobro das dimensões
normais e absolutamente esférica. «A pele era de umpreto-acizentado terroso, esticada e brilhante como o
rosto de um afogado de uma semana. O crânio era calvo,com exceção de alguns fiapos cinza-castanho acima dasorelhas. Não tinha nem cílios nem sobrancelhas e os olhos
eram extraordinariamente separados, de tal modo que nãose podiam fixar os dois ao mesmo tempo ... Eram maisolhos de um animal que de um homem e lançavam chamas.» As gengivas pareciam anêmicas.
Em Diamonds Are Forever, o Mau cinde-se em três
figuras de substituição. Há em primeiro lugar Jac].;: eSeraffímo Spang, dos quais o primeiro é corcunda e temcabelos ruivos (Bond ... «não se lembrava de ter visto
jamais um corcunda de cabelos ruivos»), olhos que pareciam emprestados a um empalhador, orelhas de lóbulosdesproporcionais, lábios vermelhos e secos, uma ausênciaquase que total de pescoço. Seraffimo tem um rosto corde marfim, sobrancelhas negras e cerradas, cabelos hirsu
tos e penteados à escovinha, maxilares «proeminentes eimpediosos». Caso se acrescentar que Seraffimo está habitualmente vestido com calças de pele preta bordadascom prata, usa esporas de prata, uma pistola de coronhade marfim, um cinto preto C0111 muniç(jes e que conduzum trem modelo 1870 com um equipamento da épocavitoriana, forma-se um quadro completo para filme emtecnico]or. A terceira figura de substituição é a do senhor
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"Winter que viaja com uma pasta de documentos de couro,onde está escrito sobre a lingüeta da fechadura: «Meugrupo sangUíneo é F», e que, em realidade, (~um matadora soldo dos Spang. E' um indivíduo gordo e suarento,com uma verruga sobre a mão, um rosto flácido, olhosesbugalhados.
Em Moonraker, Hugo Drax tem um metro e oitenta,espáduas «excepcionalmente largas», uma cabeça enormee quadrada, cabelos ruivos, o lado direito do rosto brilhante e todo pregueado como conseqÜência de uma intervenção de cirurgia plástica mal sucedida, o ôlho direitodiferente do esquerdo, maior como resultado de uma con
tração da pele da pálpebra, «de uma vermelhidão penosa».Tem espessos bigodes vermelhos, costeletas que vão atéos lóbulos das orelhas, com alguns tufos suplementaressobre as maçãs do rosto. Além disso, seus bigodes esforçam-se por dissimular, mas sem grande sucesso, seu maxilar superior proeminente e dentes que sobressaem demaneira muito nítida. O dorso das mãos é coberto porurna espessa penugem vermelha e, no conjunto, a personagem evoca um diretor de circo.
Em From Russia witlz Love, o Mau dá origem atrês personagens de substituição :Red Orant, o matadorprofissional a soldo de Smersh, de cHios ralos cor de
areia, olhos azuis lavados e opacos, boca pequena e crucl,inumeráveis sardas sobre uma pele de um branco leitoso,
e poros profundos e espaçados; o Coronel Grubozaboyschikov, cl1efe de Smersh, de rosto estreito e pontudo,olhos redondos como duas bolas de gude translúcidas.empapuçados por duas bolsas caídas e moles, boca enormee sinistra, crânio complemente nu; e enfim Rosa Klebb,de láhios Úmidos e pálidos mancha elos ele nicotina, vozrouca, uniforme e privada de toda emoção, com um metroe sessenta, chata, braços curtos, pescoço curto, clavículasenormes, cabelos grisalhos, reunidos em um coque apertado e «obsceno», «olhos brilhantes de cor marrom daro»,óculos grossos, naris pontudo com narinas largas enfarinhado de pó de arroz, «o antro Úmido ela boca quc scabria e se fechava continuamcntc como se fosse mano
brado por um sistema de fios», a aparência geral de um
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extremidades brilham como o osso, e que pode quebrara balaustrada de madeira de uma escadaria com um soco.
E' em Thunderball que aparece pela primeira vezStravo Blofeld, reencontrado em On Her Majes!y's SecretService e em You Only Live Twice, romance onde eleenfim morre. Como substitutos, ele tem, em Thunderball,o Conde Lippe e Emílio Largo. Todos dois são belos eagradáveis, embora vulgares e cruéis, mas sua monstruosidade é toda interior. Em On Her Majesty's SecretService, aparece Irma Blut, a alma danada de Blofeld,uma longinqua reencarnação de Rosa Klebb, e mais umséquito de «vilões» que morrem tragicamente. No terceiroromance, o papel principal é retomado e levado a seuparoxismo pelo monstro Blofeld, já descrito em Thunderball: dois olhos que parecem lagos profundos, cercados «como os olhos de Mussolini» por duas esc!eróticasde um branco muito puro, de uma simetria que lembraos olhos das bonecas, por causa também dos cHios negrose sedosos do tipo feminino, dois olhos puros em um rostoinfantil, marcado por uma boca vermelha úmida «comoum fcrimento mal cicatrizado», sob um nariz grosseiro;no conjunto, uma expressão de hipocrisia, de tirania ede crueldade «em um nível shakesperiano». Pesa cento evinte quilos, informa-se em On Her Majes!y's Secre!Service e não tem lóbulos nas orelhas. Seus cabelos sãocortados à escovinha. Esta singular unidade de fisionomiade todos os Maus por profissão confere uma certa unidadeà relação Bond -- O Mau, sobretudo se se acrescentaque, de ordinário, o mau se distingue também por todauma série de características raciais e biográficas.
O Mau vê o dia em uma zona ética que vai da Europa Central aos países eslavos e à bacia do Mediterrâneo.E' habitualmente de sangue mestiço e suas origens complexas e obscuras. E' assexuado ou homossexual; em todocaso, não é sexualmente normal. Dotado de qualidadesexcepcionais de invenção e de organização, ele empreendeu por sua prÓpria conta uma atividade considerável quelhe permite juntar uma imensa fortuna, graças à qual trabalha em favor da Rússia. Com esse fim, concebe umplano cujas características e dimensões são próprias da
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ser sexualmente neutro. Em From Russia with Lave, encontra-se também uma variante que é retomada em muitospoucos dos outros romances. Entra aí em cena um serfortemente caracterizado, que apresenta muitas qualidades morais do Mau, ressalvando-se que ele as utiliza emvista do bem ou se bate sempre ao Jado de Band. Poderepresentar lima certa Perversão e é certamente portadorde uma Natureza excepcional, mas conserva-se sempre doJado da Lealdade. Trata-se de Darko Kerim, o agenteturco. Há alguns casos análogos: o chefe da espionagemjaponesa, Tiger Tanaka, em Yau Only Live Twice; Dracoem On Her Majesty's Secrel Service; Enrico Colomba em«Riesico» (uma novela de For Yours Eyes Only) e, demaneira parcial, Quarel! em Dr. No. Estes personagenssão substitutos simultaneamente do Mau e de «M»; nósos chamaremos de «substitutos ambíguos~). Com eles,Bond estabelece uma espécie de aliança compet;tiva; eleos ama e os teme ao mesmo tempo, ele os utiliza e osadmira, ele os domina e se Ihes submete.
Em Dr. No, o Mau, além de sua altura desmesurada,distingue-se pela ausência de mãos, substituídas por pinças de metal. Sua cabe raspada tem o aspecto de LImagota invertida, a pela é translúcida, sem rugas, as maçãsdo rosto parecem de marfim velho, suas sobrancelhasparecem pintadas, seus olhos não têm cilios, têm a aparência de «duas pequenas bocas negras»; o nariz é finoe acaba muito próximo da boca que respira a crueldadee a decisão.
Em Goldfinger, a personagem do mesmo nome ésimplesmente o monstro perfeito. O que o distingue é afalta total de proporções. «Ele era pequeno, não ultrapassando um metro e cinqÜenta, e, em cima de um corpoatarracado e pesado, plantado sobre duas robustas pernasde camponês, sua enorme cabeça redonda parecia engastada entre suas espáduas. A impressão era que Goldfingertinha sido feito por uma reunião de partes pertencentesa diversas pessoas.» E as diversas partes deste corpo nãose correspondiam. Em suma, era um pequeno homem malfeito, de cabelos vermelhos e um rosto bizarro. Seu substi
tuto é o coreano Oddjob, de dedos em espátulas, cujas
144 Análise Estrutural - 10 145
pelo bridge, mas só sente prazer em trapacear. Sua his·tória não deixa suspeitar atividades sexuais notáveis.
Os chefes dos personagens de substituição de FramRussia witlz Lave são soviéticos; é evidentemente de seutrabalho pela causa comunista que estes personagens tiramfartura e poder. Rosa Klebb é sexualmente neutra: «Erapossível que ela tivesse prazer no ato físico, mas o instrumento não importava.» Quanto a Red Orant, é um lobisomem que mata por paixão; leva uma vida luxuosa àscustas do governo soviético, em uma villa com piscina. Oplano consiste em atrair Bond para uma cilada complicada,utilizando como isca uma mulher e um aparelho paracodificar e descodificar os telegramas cifrados, matá-Ioem seguida e fazer fracassar a contra-espionagem inglesa.
O Dr. No é de sangue mestiço de chinês e alemão.Trabalha para a Rússia. Não demonstra tendências sexuais bem definidas; tendo entre as mãos Honeychile,propõe-se a fazê-Ia ser devorada pelos caranguejos deCrab Key. Vive de uma florescente indústria de guanoe é bem sucedido ao fazer desviar os mísseis teleguiadoslançados pelos americanos. No passado, edificou sua riqueza enganando as organizações criminosas das quaisera o caixa. Vive em sua ilha, em um palácio de um faustofabuloso, uma espécie de aquário gigante.
Ooldfinger é provavelmente de origem báltica masdeve ter sangue judeu. Vive faustosamente do comércio edo contrabando de ouro, e pode assim financiar os movimentos comunistas na Europa. Projeta roubar o ouro deFort Knox (e não torná-Io radioativo como o afirma enganosamente o filme), e obtém, para fazer explodir asúltimas barreiras, uma bomba atômica tática subtraida àsforças da OTAN. Tenta envenenar a água de Fort Knox.Não tem relações sexuais com a jovem que tiraniza e restringe-se a cobri-Ia de ouro. Trapaceia no jogo por vocação, empregando custosos expedientes como a luneta e orádio; trapaceia para ganhar dinheiro, embora seja fabulosamente rico e viaje sempre com uma reserva de ouroimportante em sua bagagem.
Blofeld, por Slla vez, é filho de pai polonês e de mãegrega. Utiliza sua qualidade de empregado do telégrafo,
ficção científica; estudado em seus menores detalhes, visaa colocar em sérias dificuldades ou a Inglaterra ou oMundo livre em geral. A figura do Mau reúne de fato osvalores negativos que identificamos em alguns pares deoposições, em particular os polos União Soviética e paísesnão anglo-saxões (a condenação racista atinge particularmente os judeus, os alemães, os eslavos e os italianos,sempre considerados como metecos), a Cupidez elevadaao nível de paranóia, a Programação como metodologIatecnicizada, o Fausto satráp:co, a Natureza excepcionalfísica e psíquica, a Perversão física e moral, a Deslealdaderadical.
Le Chiffre, que alimenta os movimentos subversivosna França, descende de uma «mistura de raças mediterrâneas com os ancestrais prussianos e poloneses»; temtambém sangue judeu, revelado por «pequenas orelhasde lóbulos carnudos». Jogador, embora leal, trai entretanto seus patrões e procura recuperar por meios criminosos o dinheiro perdido no jogo. E' masoquista (é pelomenos o que assegura sua ficha do Serviço Secreto) embora heterossexual. Montou uma enorme cadeia de casasde tolerância, mas dilapidou seu patrimônio levando umavida mundana.
Mister Big é um negro. Suas relações com Solitaire,que ele explora, são ambíguas (jamais obteve seus favores). Ajuda os soviéticos graças à sua possante organização criminal fundada sobre o culto vudu, procura e escoanos Estados Unidos tesouros escondidos desde o séculoXVII, controla grandes negócios escusas (rackets) e prepara-se para arruinar a economia americana introduzindono mercado clandestino quantidades consideráveis demoedas raras.
A nacionalidade de Hugo Drax é imprecisa: é inglêspor adoção, mas de fato é alemão. Possui o controle dacolombita, material indispensável para a construção dereatores e faz presente à Coroa britânica de um fogueteextremamente possante. Em realidade, seu projeto é fazercair sobre Londres este foguete de ogiva atômica, e fugirem seguida para a Rússia (equação comunismo = nazismo). Freqüenta clubes muito fechados, é apaixonado
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na Polônia, para começar um lucrativo comércio de informações secretas; torna-se chefe da mais vasta organizaçãoindependente de espionagem, de chantagem, de rapina ede extorsão de fundos. Assim, com Blofeld, a RÚssiadeixa de ser o inimigo habitual, em virtude do relaxamento da situação internacional, e o papel de organizaçãomaléfica é retomado pelo Spectre. O Spectre tem entretanto todas as características de Smersh, aí compreendidoo emprego de elementos eslavo-Jatino-gennânicos, os métodos de tortura e intimidação, o ódio jurado às Potênciasdo Mundo Livre. Entre os planos de ficção científica deBlofeld, o de Thunderball consiste em subtrair à OTANduas bombas atômicas, e em fazer chantagem por estemeio com a Inglaterra e os Estados Unidos. Em On HerMajesty's Secret Service, prevê a preparação em umaclínica de montanha de jovens camponeses alérgicos coma finalidade de difundir vírus mortais destinados a arruinar a agricultura e a criação britânicas. Em Vou OnlyLive Twiee, Última etapa da carreira de Blofeld, que seencaminha de agora em diante para a loucura sanguinária,ele se restringe, em uma escala política mais reduzida, naorganização de um jardim dos suicidas, que atrai, ao longodas costas japonêsas, legiões de herdeiros dos kamikase,desejosos de se fazer envenenar por plantas exóticas refinadas e mortais, para grande prejuízo do patrimôniohumano democrático japonês. O gosto de Blofeld por umfausto de sátrapa manifesta-se já no modo de vida queleva na montanha em Piz Gloria, e mais ainda na Ilha deKyushu, onde vive como tirano da Idade Média e passeiaem seu !wrtlls delicíarum protegido com uma armadurade ferro. Anteriormente, Blofeld havia mostrado desejo dehonrarias (aspirava a ser reconhecido como CondeBleuville). Sexualmente impotente, vive maritalmente comIrma Blofeld, ela também assexuada e também repugnante. Para retomar a palavra de Tiger Tanaka, Blofeld«é um demônio que tomou" uma aparência humana».
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Só os maus de DiamOlids Are Forever não têm nenhuma conivência com a RÚssia. Em um certo sentido, ogangsterismo . internacional dos Spang apareceria como
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uma prefiguração do Spectre, e de resto, Jack e Seraffimoapresentam todas as taras habituais.
Aos atributos típicos do Mau opõem-se as qualidadesde Bond, em particular a Lealdade ao Serviço, a Medidaanglo-saxônica oposta à natureza excepcional do sanguemestiço, a escolha da Privação e a aceitação do Sacrifíciocontra o Fausto que o inimigo demonstra, a improvisação(Risco) oposto à fria Programação e que triunfa desta, osentido do Ideal oposto à cupidez (Bond ganha às vezesno jogo o dinheiro do Mau, mas aplica habitualmente aenorme soma ganha em seu Serviço ou em favor daamante do momento, como o faz em benefício de JillMasterson; de toda maneira, quando conserva o dinheiro,não faz disto um fim em si). De outro ponto de vista,certas oposições axiológicas não funcionam apenas nasrelações Bond - o Mau, rrtaS também no interior docomportamento de próprio Bond: a;>sim, Bond é geralmente leal, mas não despreza combater seu inimigo comas próprias armas deste, trapaceando com o trapaceiro efazendo-lhe chantagem (et. Moonraker ou GOldfinger).Natureza excepcional e Medida, Risco e Programaçãoopõem-se igualmente nos gestos e nas decisões do próprioBond, em uma dialética de observação do método e decabeçadas, e é precisamente esta dialética que torna fascinante o personagem, que lhe dá vantagem precisamenteporque não é absolutamente perfeito (como o são aocontrário «M» e o Mau). Dever e Sacrifício aparecemcomo elementos de debate interior cada vez que Bondsabe que deverá fazer fracassar os planos do Mau comrisco de sua vida e, neste caso, é o ideal patriótico (GrãBretanha e Mundo livre), que têm a primazia. A preocupação racista de afirmar a superioridade do homembritânico tem igualmente seu papel. Em Bonel opõem-setambém Fausto (gosto pelas boas refeições, refinamentono trajar, escolha de hotéis, criação de eocktails, etc.) ePrivação (Bond está sempre pronto a abandonar o Fausto, mesmo se ele toma a forma da A,1ulher que se oferece,para enfrentar uma nova situação de Privação, cujo pontoculminante é a tortura).
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I!:II:III;
Temos insistido longamente sobre o par Bond - oMau por que ele resume de fato todas as oposiçõesenumeradas, inclusive o jogo entre Amor e Morte, que,sob a forma primordial de uma oposição entre Eros eTanatos, princípios de prazer e de realidade, se manifestano momento da tortura (teorizada de maneira explícitaem Casino Royal por uma espécie de relação erótica entrecarrasco e vítima).
Esta oposição se aperfeiçoa na relação entre o Maue a Mulher. Vesper é tiranizada pelos soviéticos que asubmeteram a uma chantagem, e portanto por Le Chiffre;Solitária é a vítima submissa de Big Man; Tiffany Caseé dominada pelos Spang; Tatiana está sob o domínio deRosa Klebb e do governo soviético em geral; JilI e TilIyMasterson são dominadas de maneira diversa por Goldfinger, e Pussy Galore trabalha sob suas ordens; DominoVitali curva-se às vontades de Blofeld por intermédio desuas relações físicas com Emilio Largo, figura de substituição; as jovens inglêsas hospitalizadas em Piz Glóriaestão sob o controle hipnótico de Blofeld e sob a vigilância virginal de Irma Blunt, figura de substituição;Honeychile, ao contrário, mantém apenas uma relaçãosimbólica com o poder do Dr. No, passeando pura e semexperiência pela órla de sua ilha maldita, e é apenas nofinal que o Dr. No oferece seu corpo nu aos caranguejos(Honeychile foi dominada pelo Mau por intermédio dobrutal Mander, que a violou, e que ela fez punir com justiça pela picada de um escorpião, antecipando assim suavingança sobre No quando recorre aos caranguejos).Enfim, Kissy Suzuki, que vive em sua ilha à sombra docastelo maldito de Blofeld, sofre por parte dele um domínio puramente alegórico, como toda a população do lugar.A meio caminho, Gala Brand, que é agente do Serviço,torna-se entretanto a secretária de Hugo Drax e estabelece com ele uma relação de submissão. Na maior partedos casos, esta relação torna-se mais perfeita pela tortura,que a mulher sofre do mesmo modo que Bond. Aí o parAmor-Morte funciona igualmente no sentido de uma comunicação erótica mais íntima das duas vítimas atravésda prova comum.
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o esquema que é comum a todas as mulheres deFleming é o seguinte: }9 a jovem é bela e boa; 2'1 elatornou-se fria e infeliz por duras provas sofridas durantea adolescência; 3'1 isto a preparou para servir o Mau;4'1 por seu encontro com Bond ela realiza sua própriaplenitude humana; 5'1 Bond a possui mas acaba porperdê-Ia.
Este curriculum vitae é comum a Vesper, a Solitaire,a Tiffany, Tatiana, Honeychile, Domino, parcialmente aGala, distribuído equitativamente entre as três mulheresde substituição de Goldfinger (GiII, TiIly e Pussy; asduas primeiras conheceram um passado doloroso, mas sóa terceira foi violada por seu tio; Bond possui a primeirae a terceira, a segunda é morta pelo Mau, a primeiratorturada com o ouro; a segunda e a terceira são lésbicase Bond só resgata a terceira, etc.). O passado das jovensde Piz Glória é mais confuso e mais incerto: cada umateve um passado infeliz, mas Bond só possui de fatoapenas uma (ele se casa paralelamente com Tracy, depassado infeliz, dominada além disso pelo pai, Draco,substituto ambiguo, e que é morta no final por Blofeldque realiza então seu domínio sobre ela e conclui com aMorte a relação de Amor que ela mantinha com Bond).Kissy Suzuki sofreu uma experiência holIywoodiana quea tornou prudente em relação à vida e aos homens.
Em cada caso, Bond perde cada uma destas mulheres ou por sua própria vontade ou pela de outrem (nocaso de Gala, é a mulher que se casa com outro, emboracontra a vontade). Assim, no momento em que a Mulherresolve a oposição com o Mau para entrar com Bond emuma relação purificador-purificada, salvador-salva, elavolta para o domínio do negativo. O par Perversão-Candura combateu durante muito tempo dentro dela (combateexterior na relação Rosa Klebb- Tatiana). Este combatefaz dela parente próxima da virgem perseguida richardsoniana, portadora de pureza através, malgrado e contra alama. Ela apareceria igualmente como resolvendo o contraste entre raça escolhida e sangue mestiço não anglosaxônico, pois pertence freqüentemente a uma raça inferior. Mas, a relação erótica findando sempre por uma
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morte real ou simbólica, Bond recobra, quer queira ounão, sua pureza de celibatário anglo-saxônico. A raçapermanece ao abrigo da contaminação.
2. As situações de jogo e intriga como «partida»
Os diversos pares de oposição (dos quais só consideramos algumas possibilidades de variantes) aparecem comoos elementos de uma ars combinatoria de regras bastanteelementares. E' claro que, no curso do romance, o leitornão sabe se, nem em que momento da ação, o Mau baterá Bond ou Bond o Mau, e assim sucessivamente. Masantes do fim do livro, a álgebra deve-se desenvolver se
gundo um código fixado por antecipação, como no jogochinês que 007 e Tanaka disputam no inicio de You OnlyLive Twice: a mão bate o ponto, o punho bate dois dedos,dois dedos batem a mão. «M» bate Bond, Bond bate oMau, o Mau bate a Mulher, mesmo quando é Bond quembate a Mulher primeiro; o mundo livre bate a União Soviética, a Inglaterra bate os países impuros, a Morte bateo Amor, a Medida bate a Natureza excepcional, e assimsucessivamente.
Esta interpretação da intriga em termos de jogo nãoé fruto do acaso. Os livros de Fleming são dominados poralgumas situações-chave que chamaremos «situações dejogo». Vêem-se aparecer aí antes de tudo algumas situações arquétipos, como a Viagem ou a Refeição. A Viagempode-se fazer de Auto (e aqui intervém uma rica simbologia do automóvel, característica de nosso século); podese fazer por Trem (outro arquétipo, do gênero séculoXIX este), ou por Avião, ou ainda de Navio. Mas, emgeral, uma refeição, uma perseguição por automóvel ouuma corrida louca de trem são sempre jogadas sob aforma de desafio, de partida. Bond dispõe a escolha dospratos como se dispõem as partes de um quebra-cabeças;prepara-se para a refeição com os mesmos escrÚpulos demétodo que para uma partida de bridge (ver a convergência dos dois elementos em uma relação meios-fins emMoonraker) e compreende a refeição como um fator de
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jogo. Do mesmo modo, trem e viatura são os elementosde uma aposta feita com o adversário: antes que a viagemtermine, um deles aplicou seus golpes e pôs seu adversário em xeque-mate.
E' inútil lembrar aqui que lugar proeminente ocupamem cada livro as situações de jogo no sentido próprio epreciso de jogo de azar com suas convenções. A maneiraminuciosa de descrever estas partidas será ob.ieto deoutras considerações no parágrafo que consagraremos àstécnicas literárias. Se as partidas ocupam tal lugar aqui,é porque elas constituem, de algum modo, modelos reduzidos e formalizados desta situação de jogo mas geral queé o romance. O romance, tendo sido dadas as regras decombinações dos pares de oposições, desenvolve-se comouma seqüência de «lances» que respondem a um código,c que obedecem a um esquema perfeitamente regrado.
Este esquema invariável é o seguinte:
A. - "M" joga e confia uma missão a Bond.B. - O Mau joga e aparece a Bond (eventualmente sob uma
forma substitutiva).C. - Bond joga e inflige um primeiro fracasso ao Mau _ ou
o Mau inflige um fracasso a Bond.D. - A Mulher joga e apresenta-se a Bond.E. - Bond consegue a Mulher; ele a possui ou empreende apossessão.F. - O Mau prende Bond (com ou sem a Mulher, ou em mo
mentos diversos).G. - O Mau tortura Bond (com ou sem a Mulher).H. - Bond bate o Mau (ele o mata ou mata o substituto ou
assiste à sua morte).r. - Bond convalescente se entretém com a Mulher, que per
derá em seguida.
O esquema é invariável no sentido que todos oselementos estão sempre presentes em cada romance; poder-se-ia afirmar que a regra do jogo fundamental é«Bond joga e ganha em oito lances», ou, em razão daambivalência Amor-Morte, na medida em que «o Mauresponde e ganha em oito lances». Não foi dito que oslances devam sempre ser jogados na mesma ordem. Umaesquematização minuciosa dos dez romances estudados
mostrará alguns destes construí dos a partir do csque-
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Encontra com Félix Leiter queinforma Bond sobre os Spang.
Aparição dos substitutos doMau no salão de banhos delama e punição do jockey traIdor, antecipação simbólica datortura de Bond. Todo o episódio de Sara toga constitui umaminuciosa situação de jogo.
Bond decide ir a Las Vegas.Descrição dos lugares.
Outra longa e minuciosa situação de jogo. Partida com Tif-
de Seraffimo
(A) "M" envia Bond para aAmérica sob o disfarce deum falso contrabandista.
(B) Os Maus (os Spang) aparecem indiretamente nadescrição que é feita aBond.
(D) A Mulher (Tiffany Case)encontra-se com Bond naqualidade de intermediária.
Are Forever por exemplo, representando à esquerda aseqüência dos lances diretos e à direita a l11ultiplicidadedos lances indiretos:
Longa interrupção em Saratoga,nas corridas. Ajudando Leiter,Bond prejUdica de fato osSpang.
Longo e curioso prólogo, queintroduz ao contrabando dosdiamantes na África do Sul.
Minuciosa viagem em avião: aofundo dois substitutos do Mau.Situação de jogo, duelo imperceptível caça-caçadores.
(B) Primeira aparição em aviãodo substituto do Mau,Winter (grupo sangUineoF).
(B) Encontro com Jack Spang.
(E) Bond começa a seduzirTiffany.
(C) Bond inflige um primeirofracasso ao Mau.
(B) ApariçãoSpang.
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ma ABCDEFGHI (Dr. No, por exemplo), mas, com maisfreqüência, há inversões e repetições de diversas naturezas. Por vezes, Bond encontra o Mau no começo doromance e lhe inflige uma primeira derrota; só depoisé que lhe será confiada uma missão por «M». Esteé o caso do Goldfinger que apresenta um esquema dotipo BCDEACDFGDHEHI, no qual pode-se notar a repetiçãode muitos lances com dois encontros e duas partidasjogadas contra o Mau, duas seduções e três encontroscom mulheres, uma primeira fuga do Mau após sua derrota, e sua morte no fim, dc. Em From Russia With Lave,os Maus multiplicam-se graças à presença do substitutoambíguo Kerim, em luta com o substituto do Mau e aoduplo duelo mortal de Bond com Red Grant e com RosaKlebb, presa após ter ferido gravemente Bond; de sorteque o esquema, muito complicado é BBBBDA(BBC)EFGHGH(I). Presencia-se aqui um longo prólogo na Rússia, coma parada dos substitutos do Mau, e uma primeira relaçãoentre Tatiana e Rosa Klebb, o envio de Bond à Turquia,um longo parêntese no curso do qual aparecem os vicá riosKarim e Krilenku, com a derrota deste último; a seduçãode Tatiana, a fuga no trem com a tortura infligida porsubstituição a Kerim, a vitória sobre Red Grant, o segundo round com Rosa Klebb que, no momento em queé batida, inflige a Bond graves ferimentos. No trem, edurante os últimos golpes, Bond consuma sua convalescência de apaixonado por Tatiana, prevendo a separação.
O conceito de tortura sofre ele próprio variações econsiste ou tem uma vexação direta, ou em uma espéciede percurso de horror ao qual Bond é submetido, sejapor vontade expressa do mau (Dr. No), seja por acaso,para escapar do Mau (percurso trágico na neve, perseguição, avalancha, corrida vertiginosa através de pequenascidades suiças em On fler Majesty's Secret Service).
Ao lado da seqüência de lances diretos, há lugarpara numerosos lances indiretos, que enriquecem a aventura de escolhas imprevistas, sem entretanto alterar oesquema de base. Caso se quisesse dar uma representação gráfica desta maneira de proceder, poder-se-ia resumir como se segue a trama de um romance, Diamonds
1'111'1'. I
'I;
fany como crupiê. Jogo de mesa, esgrima amorosa indiretacom a mulher, jogo indiretocom Seralfimo. Bond ganhadinheiro.
(C) Bond inflige um novo fracasso ao Mau.
Na noite seguinte, longa fuzilaria entre automóveis. Asso.ciação Bom . Emie Cureo.
(F) Spang captura Bond.
Longa descrição de Spectrevillee do trem de brinquedo deSpang.
(G) Spang faz torturar Bond.
Bond ajudado por Tiffany começa mna fuga fantástica emum pequeno vagão através dodeserto, perseguido pela locomotiva de brinquedo conduzida por Seraffimo. Situação dejogo.
(H) Bond bate Seraffimo quese esmaga com sua locomotiva contra a montanha.
Repouso com o amigo Leiter,partida por navio, longa convalescença amorosa com Tiffany, entre trocas de telegramascifrados.
(E) Bond possui enfim Tiffany.(B) O substituto do Mau, Win
ter, reaparece.Situação de jogo no navio.Partida mortal jogada por des10camentÇls infinitesimais entreos dois matadores e Bond. Asituação de jogo é simbolizadapor apostas sobre o tempo depercurso do navio.Os matadores capturam Tiffu·ny, Ação acrobática de Bondpara atingir a cabina da joveme matar os assassinos,
(H) Bond bate definitivamenteos substitutos do Mau.
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Meditação sobre a morte diante dos dois cadáveres. Retorno a casa.
(I) Bond sabe que pOderáaproveitar o repouso me·recidocom Tiffany. Entretanto ...
... desvio do caso para Áfricado Sul onde Bond destrói oúltimo elo da cadeia.
(fI) I30nd bate pela terceiravez o Mau na pessoa deJack Spang.
Seria possível traçar um esquema deste gênero paracada um dos dez romances. As invenções colaterais sãomuito rícas e constituem a carne do esqueleto narrativopróprío a cada um; elas constituem sem nenhuma dúvídaum dos principais encantos da obra de Fleming, mas nãoprovam, senão em aparência, sua faculdade de invenção.Com efeito é fácil ligar essas invenções colaterais a fontesliterárias precisas; elas agem pois como uma lembrançafamiliar de situações aceitáveis para o leitor. A tramaverdadeira permanece imutável e o «supense» estabelece-se de maneira curiosa sobre uma seqüência de acontecimentos inteiramente esperados. I~esumamos: a tramade cada livro de Fleming é a grosso-modo a seguinte:Bond é enviado a um lugar dado para esclarecer e' evitarum plano de tipo science-fiction, urdido por um indivíduomonstruoso de origem incerta, em todo caso não inglês,que, utilizando uma atividade própria seja como produtorseja como chefe de uma organização, não somente ganhadinheiro enormemente, mas faz o jogo dos inimigos doOcidente. Indo enfrentar este ser monstruoso, Bond encontra uma mulher dominada por ele e a Iiherta de seupassado estabelecendo com ela uma relação erótica, interrompida pela captura de Bond pelo Mau e pela torturaque lhe é infligida. Mas Band derrota o Mau que morrede maneira horrível, e depois repousa de suas durasfadigas entre os braços da mulher, que ele está entretanto destinado a perder.
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ill
r,ililll!!!111
E' para se perguntar como este mecanismo rígido écompatível com uma procura de sensações e de surpresasimprevisiveis. Em realidade, o que caracteriza o romancepolicial, seja ele enquête ou ação, não é tanto a variaçãodos fatos quanto o retorno de um esquema habitual noqual o leitor poderá reconhecer alguma coisa já vista eque lhe agradou. Sob a aparência. de uma máquina produzindo informação o romance policial é, ao contrário,uma máquina produzindo redundância; fingindo comovero leitor, ela se afunda em uma espécie de preguiça deimaginação e fornece evasão contando não o que é ignorado, mas o já conhecido. Enquanto que, entretanto, noromance policial antes de Fleming, o esquema imutávelé constituído pela personalidade do policial e de suaequipe, por seu método de trabalho e por seus tiques, enquanto que é no interior deste esquema que se desenrolamacontecimentos sempre imprevisíveis (e o mais imprevisível será a própria pessoa do culpado), no romance deFleming o esquema monta a mesma cadeia de acontecimentos e as mesmas características de personagens secundários. O que antes de tudo se conhece desde o começo em Fleming é precisamente o culpado com suascaracterísticas e seus planos. O prazer do leitor consisteem encontrar-se mergulhado em um jogo do qual se conhecem as peças e as regras, e mesmo o desfecho foraalgumas variações mínimas.'
Poder-se-ia comparar um romance de Fleming a umapartida de futebol, em que se conhece desde o começoa ambiência, o nÚmero e a personalidade dos jogadores,as regras do jogo, o fato de que ele se realizará emterreno gramado. A Única diferença é que em urna partida de futebol ignora-se até o fim a Última informação:quem será o ganhador? Seria mais exato compará-Ia auma partida de basquetebol jogada pelos Harlem GlobeTrotters contra uma pequena equipe provinciana. Sabe sede maneira certa e em virtude de que regras os HarlemGlobe Trotters a vencerão; o prazer consistirá então emver com que achados e que virtuosismo atingirão o mo-
• Sobre esta caracterlstlca "Iteratlva" da narração popular, cf. os estudosde meus Apocolittici e Integrati, Bompianl, 1964.
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mento final, com que manobras enganarão o adversário.Nos romances de Fleming, celebra-se pois de maneiraexemplar este elemento de jogo esperado e de redundância absoluta que caracteriza os instrumentos de evasãoque funcionam no domínio das comunicações de massa.Perfeitos em seu mecanismo, estes engenhos são representativos das estruturas narrativas que trabalham sobreconteÚdos evidentes e que não aspiram a declaraçõesideológicas particulares. E' verdade, entretanto, que estasestruturas assinalam de passagem, inevitavelmente, posições ideológicas e que estas posições ideológicas nãoderivam tanto dos conteÚdos estruturados quando da maneira de estruturar os conteúdos na narração.
3. Uma ideologia maniqueísta
Os romances de Fleming têm sido diversamente acusadosde macartismo, de fascismo, de culto do excepcional e daviolência, de racismo e assim sucessivamente. E' difícil,após a análise que acabamos de realizar, negar queFleming se incline a pensar que o homem anglo-saxão ésuperior às raças orientais ou mediterrâneas, ou que eleprofessa um anticomunismo viscera I. E' entretanto marcante que cessa de identificar o mal com a RÚssia desdeque a situação internacional permite ao menos o temorsegundo a consciência comum; é marcante que, apresentandoa quadrilha negra de Mister Big, Fleming demoraa reconhecer as novas raças africanas e sua contribuiçãopara a civilização contemporânea (o gangsterismo negrorepresentaria uma prova da perfeição atingida em todosos domínios pelos povos de cor); marcante que a suspeitade ter sangue judeu, insinuada em relação a certos personagens, seja temperada por uma nuança de dÚvida,Que ele reprove ou que absolva as raças inferiores, Fleming não ultrapassa jamais o racismo larvar do homemcomum, o que nos faz suspeitar que nosso autor nãocaracteriza seus personagens de tal ou tal maneira comoconseqÜência de uma decisão ideológica mas por puraexigência retórica.
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Witll Love, seus soviéticos são tão monstruosamente, tãoincrivelmente maus que não pareceria possível levá-Ias asério. E entretanto Fleming faz preceder o livro de umbreve prefácio no qual explica que todas as atrocidadesque ele narra são absolutamente verídicas. Ele escolheucomo instrumento a fábula e a fábula quer ser constlmidacomo verossímil, sob pena de transformar-se em um apólogo satírico. Dir-se-ia quase que o autor escreve sellslivros para uma dupla leitura e que os destina aos queos tomam por ouro em barra como para os que saberãorir de tudo. Mas é necessário, para que possam representar este duplo papel, que o tOI11seja autêntico, ingênuo,digno de fé, de uma clareza truculenta. Um homem quefaz uma tal escolha não é nem fascista nem racista; ésomente um cínico, um engenheiro de romances paraconsumo de massa.
Flcrning não é reacionário pelo fato de preencher alacuna «mal» de seu esquema com um russo ou umjudeu; é reacionário porque procede por esquemas. ACO!1struç:ào por esquemas, a bi"partição maniqueísta l'sempre dogmática, intolerante. O democrata é o que recusa os esquemas e que reconhece as l1uanças, as distinções e justifica as contradições. Fleming é reacionáriocomo o é na sua origem a r;lbuJa, qualquer fábula. E'o espírito conservador ancestral, dogmático e estático,das fábulas e dos mitos, que transmitem uma sabedoriaelel11C'ntar,construída e transmitida por um simples jogode luz e sombra, e a transmitem por imagens indiscutÍveis não permitindo a crítica. Se Fleming é fascista, eleo (~porque é próprio do fascismo ser incapaz de passarda mitologia para a razão, tender a governar servindo-sede mitos e fetiches.
Os próprios nomes dos protagonistas participamdesta natureza mitológica; por uma imagem ou um caJembur, eles revelam de maneira imutável o caráter dopersonagem, desde o início, sem possibilidade de modificações ou de conversão (impossível chamar-se Branca deNeve se não se Ó branca como a neve, de fisionomiacomo de coração). O mau vive do jogo? Chamar-se-áL(' Clziffre. Está a serviço dos vermelhos? Chamar-se-á
IIH'j,1
'I":IIIII!I:II:
RetÓrica entende se aqui com o sentido original quelhe deu Aristóteles: uma arte de persuadir que se deveapoiar, para fundamentar raciocínios convincentes, sobreos endoxa, isto é, sobre as coisas que a maioria daspessoas pensa.
Fleming pretende, com o cinismo do gentleman desencantado, construir uma m'áquina narrativa que funcione. Para fazer isto, decide recorrer aos atrativos maisuniversais e mais seguros e põe em jogo elementos arquétipos que são aqueles já aprovados nas fábulas tradicionais. Revejamos um momento os pares de características que entram em oposição: «M» é o Rei e Bond oCavaleiro investido de uma missão; Bond é o Cavaleiroe o Mau é o Dragão; a Mulher e o Mau estão entre elescomo a Bela e a Fera; Bond, que traz a Mulher de voltaà plenitude de seu espírito e de seus sentidos, é o Príncipe que desperta a Bela Adormecida. Entre o Mundolivre e a União Soviética, entre a Inglaterra e os paísesnão anglo-saxões apresenta-se novamente a relação épicaprimitiva entre Raça eleita e Raça inferior, entre Brancoe Negro, entre Bem e Mal.
Fleming é racista como o é todo ilustrador que,desejando representar o diabo, faz-lhe os olhos repuxados, como o é a ama que, desejando evocar o BichoPapão, sujere que é um negro.
E' singular que Fleming seja anticomunista com amesma indiferença que é anti-racista e antialemão. Nãoé que seja reacionário em um caso e democrata no outro.E' simplesmente maniqueísta por motivos de comodidade.
Fleming procura oposições elementares; para daruma fisionomia às forças primitivas e universais, recorrea c1ichês. Para identificar os c1ichês, prende-se à opiniãocomum. Em período de tensão internacional, o mau comunista torna-se clichê, como o é, a partir de um momento historicamente dado, o criminoso nazista impune.Fleming emprega-os a um e a outro com a maior indiferença.
No máximo tempera sua escolha pela ironia, masesta ironia é completamente mascarada e só se revelapor um exagero levado ao absurdo. Em From Russia
160 Al1;ili~e Estrutural -- I1 161
bem que é menos a narrativa particular concernente aJoão XXIII que nos ocupa aqui, de que um substratonarrativo válido para um personagem reconhecido e proclamado «grande homem» - de onde nosso título no interior de um universo de verossimilhança ou de opinião pÚblica provável (e presumida como tal pela imprensa). Após termos prevenido alguns erros, estamosdiante de uma surpresa: o «repórter» expedindo no diaa dia seus artigos em sua mesa de redação, acaso sereconhecerá em uma análise de impulsos dramáticos, deseqiiências, de funções ativas e expressivas, etc.? O mesmo é pedir ao homem da rua que fala o «neofrancês»que se enquadre na gramática que se venha a formardeste idioma!
Logo que a eventualidade ela morte de ... (JoãoXXIII) é seriamente encarada, a narrativa h)rnalisticainstaura-se. Cessará com a própria morte para dar lugar às narrativas seguintes: funerais, eleições no Conclave, caso Profumo! A primeira vista, a diégese de umconto, de uma obra dramática, de um filme ... parecediferir da de uma narrativa de jornal: a primeira emanade uma criação fabuladora, a segunda é comandada diaa dia pelo acontecimento; na primeira, «o suspense» émanipulado, na segunda aparece inteiramente dado. OaContecimento opor-se ia à estrutura como a natureza ao«artefato», o acidental ao categoria!. E entretanto «sejaa ação 'vivida ou representada, é suscetível das mesmasapreciáções, cai sob as mesmas categorias».· No instanteem que o acontecimento é apresentado, o vivido transmuta-se em representado, o dado circunstancial é apreendido segundo as «categorias» da narrativa. Imaginemosum instante que a última doença se tenha reduzido a umalonga coma'; um mínimo de modulação temporal comsignos de agravação ou de melhoramento, numa distribuição das funções ativas ou expressivas em tôrno do moribundo, teriam, entretanto, parecido necessárias. No casode João XXIII apenas um jornal, Le Monde, esforçou-se
• tlenrl Gouthier. Théãtre et Existence, Aubler, 1952, p. 13.• Exercício não multo gratuito no caso das narrativas de jornal contandoa agonia de Churchill.
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•..
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••
por esvaziar toda a reconstrução narrativa e forneceruma reportagem denotada, sublinhando, em caso de necessidade, seu projeto de objetividade; ele não foi menosconstrangido a registrar a narratividade comum < e proceder à ablação de elementos que teriam perturbado seuprojeto. r. Atenuações e reduções que rendem tributo àregra geral, à diégese cOl11umente instaurada.
U 111 eixo rccitativo é esboçado, qual é sua orientação'? Etienne Souriau, a partir de lima espécie de axiolagia estética • e Greimas sistematizando sobre a base deum postulado freudiano, o princípio do Prazer " estruturam toda «narrativa-procura», senão toda narrativa, segundo o eixo do desejo: «a força vetoria!» (sujeito) éorientada em direção do «8em» ou do «valor» (objeto)diz Souriau; Greimas retoma: o Sujeito desl'ja ()
DesejoObjetú, Sujeito --~ Objeto. Segundi) este eixo, umanarrativa de doença mortal poderia ser a de uma luta
Desejocontra a morte, a do desejo de cura: Sujeito --.~ Cura,Mas diversas modificações podem intervir. Postulado porpostulado, podemos recuperar «narrantes» segundo urnaestrutura fundada sobre o principio de r~ealidadc, a
Aceitaçãoaceitação da Necessidade: Sujeito "-- ~ Necessida-de = Morte.
Ou ainda, na medida em que o esquema j udaicocristão introduz narrantes específicos, a Necessidade podetransrnutar·-se em «Providência», a morte tornar-·se objetointermediário em vista do Objeto final (<<VielaEterna»)e o desejo transfigurar-se,
• A 28 de maio de 1963. o jornal cortou por antecipação qualquer alternativa,todo "suspense". declarando a doença "Incurável". Mas a 31 de maio ele co.menta as novas melhoras e instaura um mlnimo de modulação temporal: "Oestado de saúde de João XXIII permanece grave apesar da melhora registradadesde dois dias" (uma, tItulo) ... "Não parece portanto mais inverossímil queo desenlace fatal só se produza daqUi a diversas semanas· (p. 20)., O dooote pa~sa rapidamente das "1Iusães" à "lucidez· sobre seu estado. Porisso ele só proferirá urna parte das palavras transcritas pelo conjunto dos jornais, às da resIgnação à morte (e não as da espera da cura).• !.es 200000 sltuations dramatiques, Flammarlon, 1940., Cours de sémanllque, Institut Poincaré. Centro de Ilngüistica quantitativa,abril 1964, capo VI: '" 'analyse actantiella" (mimeografado).
165III1
III
I,
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• Esta hipótese não tem nada de gratuita ou paradoxal. Ao chegar as seqüências de "melhora" a narrativa se ameniza em lugar de se intensificar. asfunções ativas e expressivas conhecem uma notávei redução.
Doença incurávelMelhora possívelAgravamento irremedi.áveL
1. E"'lCemplode disjunção: signos de doença incurável ~ ~ signosde cura possível.
2 e 'I- Exemplos de dilema: doença X ou doença Y -.-.,.,. todasduas incuráveis.em algumas horas ou em algumas semanas -~ mortecerta.
do desenlace, vão determinar tinia paradigmática de umaparte t' de outra do eixo da transitividade, a alternativaentre os signos de Enfraquecimento e de Restabe!ecimento.
Na maior part(~ dos jornais estudados, esta alternativa toma uma dupla figura estrutural: a dísjunção queopõe dois termos suspende a conclusão e a faz dt:penderdo termo vitorioso, -- o dilema (no sentido aristotélico)que opõe dois termos enquanto a conclusão permanecea mesma seja qual for o termo retido.
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o «sllspense» comporta ou lima estrutura paradiglllática, a disj unção (exemplo 1: vai-se curar? não sevai curar?), - ou a projeção do paradigma sobre o eixotemporal ou sintagmático (exemplo 3: logo? ou maistarde;;) .
A escolha dos impulsores narrativos comanda a delimitação das seqÜências da narrativa. Cada jornal jogacom estes impuisores e determina as seqÜências conformeslIa prÓpria escritura narrativa, mas todos os jornais (cotidianos e hebdomadários) obedecem .a um esquema. narrativo comum, a uma espécie de temído fundamental:
1. Dilema2. DisjuIIção3. Dilema
Le M,onde confirma à sua maneira a regra comumporque registra .a Melhora e a «reviravolta» que conduzà Agonia. As mais preciosas testemunhas desta rítmicaternária <;ãü Ff'lll1ce Soir c Le Parísien Libéré. France
Soir, que começa pelo dilema com conclusão fatal, parecedever fixar a narrativa; mas introduz uma segunda seqÜência de Melhora fortemente marcada. Le ParisienLibéré que experimenta alguma hesitação em introduzir aseqÜência da Melhora (<<Calmaria», «Melhora provisÓria»)
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Morte ~~Vida eterna
Os personagens exercendo suas funções ativas ou expressões em torno do Sujeito podem diferir deste quantoao objeto do desejo ou da aceitação: a Multidão podedesejar a cura, enquanto o sujeito moribundo aceita amorte (e deseja a «Vida eterna»). O próprio narradof(jornalista), traçando as orientações de uns e de outros,pode significar a sua prÓpria. De fato as narrativas demorte, na imprensa, atestam que a posição cio narradoé ambivalente. A narrativa esboça-se porque a morte {~provável, entrevista e preparada C0l110 conclusão normal;mas logo o narrador tende a professar o desejo (e a esperança) ele uma improvável cura, a conduzir SLla narrativa segundo este eixo do desejo. A morte é esperada, acura «desejada». Desde então a narrativa é como ameaçada por uma dupla decepção: de um lado a morte escapa-lhe, torna-se pura informação, fora da narrativa; -~de outro a cura seria uma suspensão pura e simples, nãouma conclusão.' A narrativa iniciada tende a uma COI1-
c1usão, a morte, que o narrador diz temer e se revelapassível de uma suspensão, a cura, que o narrador dizesperar.
Para discernir estruturas llO interior desta mistura deeixos, devemos estabelecer diversos 11 íveis de análise: ()da transitividade «natural» e das funçÔes ativas e ex-pressivas que ai se exercem - (o de um itinerário «espiritua1» com conotação hagiográfica que vale no caso deJoão XXIII, mas para o qual reservamos um estudo maisaprofundado) - o do narraelor em luta com as fontesde Informação, do qual falaremos brevemente. A arnbivalência entrevista no narrador ohriga-nos a nos apoiarfórtemente sobre a transitividade ele base. A perspectivada morte-conclusão e do desejo de cura (com ameaçade sllspensão da narrativa), a incerteza quanto â hora
Aceitação
Sujeito - L ) Necessidade =Desejo
compensa isso narrando in extremis um Restabelecimentorepentino, conotando-o mesmo de miraculoso.
Entrevemos já que a segmentação das seqüênciasrevela a escritura narrativa de cada jornal. Le ParisienLibéré, mais hesitante, Le Figaro, mais variável, marli-ofestam um ritmo calmo, desenvolvem sua narrativa emcerca de seis seqüências: doença misteriosa -o)- doençaincurável -".. calmaria -~ melhora provisória -~ agravamento -",.. agonia. L' Aurore e Frances-Soir precipitamo ritmo e comportam quatro seqüências, de resto muitodiferentes de um jornal para o outro. France Soir:Doença incurável -~ Melhora .--".. Agravamento -."..Agonia. Aurore: Doença misteriosa -.".. Doença incurável -".,. Melhora -.,»o Agonia. Este último jornal «lança»muito cedo a Agonia e atesta seu constrangimento porvê-Ia prolongar-se: «a atroz agonia do papa prolonga-ose» (3 de junho, uma). Entre os dois grupos col-oca-seLa Croix. Posição de meio termo com as cinco seqüências: Doença misteriosa -~ Doença incurável -"..Melhora -".. Agravamento -~ Agonia. Esta poderiaser a narrativa simplificada.·
A distribuição das funções, de uma parte e de outrado eixo de transitividade, suscita múltiplas dificuldadesdas quais eis algumas. O paradigma, AdjuvantejOponente, proposto por Greimas em virtude do postulado dedesejo (cura) é válido para toda narrativa de morte? Nocaso da morte de um «grande homem», os personagensoponentes desaparecem ou entram na sombra. Se elesreaparecem pode ser em um processo marginal: oposiçãoaos familiares do doente e não ao sujeito (France-Soír,Paris-Match: oposição a Monsenhor Capovilla) - oposição mais à obra passada que à pessoa (L'Allrore).Pode ser ) latente que afiara por via indireta; o doentemanifesta cordialidade em relação aos parentes e desmaia com a chegada dos dignitários oficiais (FranceSoir). Na falta de personagens-oponentes, a oposição podeser significada por entidades tais como a Doença, de
• A asslf'llllar entretanto uma certa timidez - ou precaução pedagógica, napassagem da primeira à segunda seqüência,
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ondc O tcma da «luta» (France-Soir, L' Allrore, ParisMatclz), mas o indice pode inverter-se a partir do momento em que o eixo de aceitação (da morte) substituise ao de desejo (de cura).'· Assim também, sem rcnunciar a recolher qualquer processo marginal de oposição,qualquer afloramento do latente e toda conotação de«luta», vale mais conservar-se solidamente no eixo detransitividadc. Para começar este determina uma partiçãoentre funções que significam Restabelecimento. E' o casoda função de Vigilância (os guardas de honra, «anjosda morte», conota o France-Soir) que anuncIa a mortepróxima, - e da função de Colaboração vestigio dasaúde anterior (ou recuperável). Contudo mais freqUentemente o eixo de transitividade atravessa as mesmas funções que podem ser afetadas pelo índice Enfraquecimentoou Restabelecimento segundo a situação. Aí o registro se.desdobra: propomos chamar funções ativas as que interIvêm diretamente no processo da doença e contribuempara determinar suas fases (tratamentos médicos, vindados membros da família, etc.), - funções expressivas,as que «ressoam» (em tempo, ou contratempo, segundoo caso) nas diversas fases da doença (reações do SlI,jeito, dos parentes, da Multidão. 11 Surge uma nova dificuldade: podemos repartir as funções expressivas segundoo conteúdo expresso, Inquietude ou Esperança, mas so1110Sreduzidos por um instante a reagrupar as funçõesativasl1D gênero global de Assistência e a reparti-Ias em«espécies» ou categorias sociológicas: assistência médica,eclesiástica, doméstica, familiar. A heterogeneidade dasbases de partição saita aos olhos; um trabalho maiselaborado na sistematização deveria conseguir reduzi-Ia.
De imediato, esta partição das funções ativas e expressivas dos dois lados do eixo de transitividade c estadistribuição das diversas «espécies» sociológicas do gênero Assistência permitem-nos analisar convergências e
parV~uiaridades nas escrituras narrativas. Convergências
•• Sem contar Que "Doença" opor-se-ia a "Cura", isto é, ao fim, ao objeto,mais ainda do que ao SUjeito." A Multidão e o sujeito doente exercem unlcemente as funções expressivasenquanto que todas as categOl'ias de Assistência exercem alternativamente funções ativlls e expreSSivas.
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el11 torno da Assistência médica e familiar; visita trans1'erida ou tratamentos ineficazes (diria La Palisse), pre.sença silenciosa, significam Enfraquecimento; em umaperspectiva «diacrônica», enquanto que a assistência médica se inscreve na própria corrente da doença, a assistência familiar pode intervir contra a corrente, significarRestabelecimento pelos entretenimentos, no momento emque a situação parecia desesperada. (Divergências na po.sição significante da Assistência eclesiástica tanto privada quanto oficial ... mas aqui entramos na substânciade UI11anarrativa particular a da morte ele um sobernopontifice). Divergências nas relações entre funções ativase funções expressivas: enquanto na maior parte dos jornais funções ativas e funções expressivas constituem redundância no interior da mesma «espécie» (os médicosmencionam sua esperança ao mesmo tempo que fornecem tratamentos eficazes): em L' Aurore produz-se umadistorção: os médicos anunciam a esperança a despeitoda ineficácia dos tratamentos, ete. Franee-Soir, FraneeDimanehe, Paris-MateI! dão o primado à Inquietude, aum lamento contínuo da Multidão, Le Parisien Libéréfaz alternar Esperança e Inquietude, noticiando a Esperança coletiva no prÓprio momento da morte. As funções expressivas da Multidão dão lugar a conotações asmais variadas, reveladoras de uma espécie de «sociologiaafetiva» n de cada jornal: Multidão anárquica e infantilde L' Aurore, Multidão disciplinada de La Croix e de LeFigaro, Multidão patética de Franee-Soir, Multidão colorida, exótica e dramatúrgica do Le Monde, etc. (A expressividade pessoal do sujeito moribundo, João XXIIIque põe em jogo o registro dos recursos à Gratificaçãodivina e se inscreve em um itinerário «espiritual» di~tinto da transitividade «naturabJ, será objeto de estudosparticulares mais aprofundados).
Para ilustrar as precedentes análises, eis o esquemaque se pode construir a partir da narrativa do FrGnceSair. Lembremos, entre outras particularidades, que aMultidão, na sua função expressiva (ou coral), não ex-
"Além disso uma análise mais diretamente sociológica apresentaria certamente interesse: quem compõe a Multidão neste ou naquele jornal'
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prime aí jamais a Esp(~rança, diferindo da maior partedos outros jornais .
A narrativa de impresa - notadamente nos cotiLhanos - caracteriza-se enfim por uma espécie de jogoll1ctanarrativo, o das relações entre narrado r e fontes deinformação. Este jogo participa simultaneamente de duasfunções atribuídas à linguagem por Roman jakobson: afunção metalingÜística ou deciframento das informações,a função referendal ou recurso ao contexto, à «realidade».No caso de uma narrativa de morte, o contexto estáescondido, protegido. A fonte de informação, ao mesmotempo detém o código a decifrar e mediatiza o contexto.O papel do narrador vai pois mais especialmente manifestar-se pela posição que ele se outorga diante da fontede informação.
Na maior parte dos cotidianos - salvo L'Humanitéque se alinha nas informações oficiais (vaticanas) uma oposição revela-se constante nas primeiras seqüências da narrativa: entre Informantes oficiais (<<fontes autorizadas», Rádio Vaticano, ele.) e Informantes oficiosos(rumores, declarações privadas, etc.). Enquanto os Informantes oficiais dão informações sibílinas, tendendo aacentuar os signos de Restabelecimento e atenuar os deEnfraquecimento, os Informantes oficiosos tendem, porllma formulação explícita mas excessiva, à accntuaçãodos signos de Enfraquecimento. La Croix explicita estaoposição em termos de complementaricclade e reparte astarefas, senão os lugares, entre oficiais e oficiosos.
Dois jornais tentam introduzir lima espécie mista,Informantes meio--oficiais -- meio-oficiosos. Para L' Au
rore, são os membros da família, para o Le MOnde sãoos «diplomatas», Enquanto a família, semelhante aosInformantes oficiais, tende a acentuar os signos de Restabclccimento e atenuar os de Enfraquecimento, «os diplomatas» do Le Monde propõem uma formulação adequada ..
Na medida em que a narrativa progride, o narradotende a dissociar mais oficiais e oficiosos, mas procuraU1n3 t:spécie de cstatuto de analogia com os Informantesoficiais. Le Figaro denuncia as indiscrições e formula-
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ções excessivas <,Iosoficiosos, dá prioridade ao Policia-mento exercido pelos oficiais e valoriza o policiamentointerno de sua própria narrativa. Le Monde denuncia aretÓrica indiscreta de informantes oficiosos (que ousammanipular o «suspense») e descreve a justa posição donarrador, situado na Secretaria de Imprensa, a meio caminho entre fontes oficiais e rumúres incontroláveis. LaCroix que reprova as formulações excessivas, errôneas,dos Informantes oficiosos opera uma reconciliação finalrealçando os papéis dos oficiais e dos oficiosos, os primeiros introduzidos na intimidade da alcova, os segundos(jornalistas) credenciados pela Secretaria de Estado.France-Soir e sobretudo France-Dimanclze terminam porcriar uma total analogia entre o narrador e os intimosda' alcova; os intermediários oficiais desaparecem; suanarrativa assume diretamente a referência ao contexto.
Uma narrativa-procura comporta freqUentemente etalvez normalmente o registro da Gratificação, que domina o da transitividade. Greimas (op. cit.) propõe ()esquema seguinte:
JULES GRITTl
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Gratificação
Destinador ~~ DestinatáriotDesejOSujeito
A análise narrativa, ciência nascente, mal se aventurou em semelhante campo de investigações. A narrativade imprensa deverá prestar-se a isto. No caso particularconcernente aos últimos dias de João XXIII, o sistema deGratificação recupera, ao menos sobre o modo citacional,hom número de elementos do que poderia ser o esquema.narrativo próprio da Tradição judaico-cristã, e endossaconotações hagiográficas. Outros tantos domínios abertosà analise narrativa. De imediato, podemos emitir umadupla constatação: a narrativa jornalística desenvolve-seantes de tudo ao nível da transitividade «natura!», a história de uma doença mortal; mas ela testemunha umaespantosa capacidade de «ingurgitar» rapidamente osmais variados narrantes culturais.
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) A. J. Greimas abriu-nos o caminho ao sublinhar os "traços formais constantes·destas ·hlstórlas" e designando suas "duas partes": a "narratlva·apresentação"e o "diálogo dr'llmatlzante" (ln S6manllque Structurale, larousse, 1966, p. '70l.Desdobramos somente a segunda parte.
cia única que coloca, argumenta, e resolve uma certaproblemática. Esta seqüência nos parece ser uniformemente articulada por três funções 1 que ordenamos comose segue: uma função de normalização que situa os personagens; uma função locutora de deflagração, com ousem locutor que coloca o' problema a resolver, ou ques·tiona;enfim uma função inter-locutora de distinção, comousem interlocutor, que resolve «comicamente» o problema, que responde «comicamente:. à questão. Esta última função faz bifurcar-se a narrativa do «sério» .parao «cômico», e dá à seqüência narrativa sua existênciade narrativa· disjunia, de historieta «última:..
A bifurcação é possível graças a um elemento polissêmico, o disjuntor sobre o qual a história deflagrada(normalização e locução) tropeça e se volta para tomaruma direção nova e inesperada. E' a existência necessáriadeste disjuntor que tende a fazer classificar indiferentemente todas estas historietas nas espécies de jogos depalavras. De fato uma dezena de narrativas apenas, nas180 propostas, respondem a esta definição: são as narrativas em que o disjl.lntor é apenas uma palavra-significante, uma palavra tomada somente em sua existênciavisual ou fônica, independentemente das significações quepode veicular. Obtém-se um calembur que liberta os significados e as significações de qualquer constrangimentodo sentido. Ao cabo da seqüência, a narrativa desagrcgase propositadamente em um caos perfeito; pode mesmo,por essa arte da acrobacia no vazio, quase não ser. ecom freqüência mesmo não ser, uma narrativa. FranceSair arrisca-se pouco a e&$e suicídio, seja por excessode refinamento já que apenas os aprendizes riem do calembur como delírio verbal puro, seja por insuficiênciade refinamento,pois que somente 9S cntediados riem docalembur como traço de espírito de segundo grau, comoparódia da paródia.
Estas historietas só raramente são jogos de palavras.São mais largamente jogos de signos. Sem dúvida a pa-
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VIOLETTE MORIN
A HistorietaCômica,
Em uma rubrica intitulada «A Última», France-SOir apresenta cada dia uma historieta breve c engraçada. Ela éalgumas vezes tão curta ou tão «engraçada» que seuvalor de narrativa poderia ser posto em questão. Masestas «historietas» são finalmente também narrativas. Co1110 estas, e melhor ainda, fazem evoluir uma situaçãoviva em função de reviravoltas imprevistas. Como estas,e mais ainda, despertam a vontade de desmontar-Ihes asconexões. Colecionamos estas historietas durante 180 dias
consecutivos, sem selecionar nem avaliar o gênero, o espirito ou o «valor» de cada uma delas. A fim de confrontar sua inesgotável variedade de estilo e de falas(paroles), tivemos muitas vezes de reconstituir seu dis.::urso; restabelecer aqui elipses destinadas a torná-Iasmais percucientes, suprimir lá redundâncias destinadas aenchê-Ias de «suspense» ; tivemos de localizar funçõesque sua desordem calculada tornava mais surpreendentes.Com a Iinearidade do traço de espírito restabelecida,estas narrativas apresentaram enfim certas constâncias deconstrução que tentamos classificar. Elas são compará-oveis pelo número de palavras pois que a maioria contémapenas de 25 a 40. São todas redutíveis a uma seqüên-
I. AS FIGURAS COM ArnrCULA.çAO BLOQUEADA
J. As narraUvas com disjunçãa semântica:ArticulaçãO' blaqueada por inversão das signos.
Seis narrativas somente fazem parte desta figura:
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l- uma figura com articulação bloqueada;2- uma figura com articulação regressiva;3· uma figura com articulação progressiva.
lavra «prendre» é um disjuntor de qualidade, pelo menos nas historietas estudadas, nas quais o significado(<<apropriar-se», <.:fazerseu» ... ) está sempre presente; apolissemia deste signo é rica, ao capricho de mÚltiploscontextos: «prendre» pode significar «cO'mprar» em umalaja, «casar-se» na prefeitura, «roubar» quandO' se é 10drãa, «beber» quandO' se está em um café ... ; mas estecaráter verbal não é o mais corrente: com mais freqüência os signos se apagam diante dos elementos referenciais
da narrativa: gesto, ação, sentimento, cujas diversas significações ou polissem ia alimentam a disjunção.
Em lugar de «disjuntar»' a significação do signo«prendre» (prendre un verre/une femme) pode-se disjuntar a significação do gesto designado pelos signos «prendre un verre» com: prendre-un-verre de récanciliafionj derupture.
E' sobre a natureza do disjuntor que operamos aprimeira classificação. Distinguimos as narrativas comdisjunçãa semântica, quando o disjuntor é um signo, dasnarrativas com disjunçãa referendal, quando o disjuntor éum elemento ao qual se referem os signos, um Referencia!. Em cada série, discernimos três figuras narratiavscomparáveis por seus modos disjuntivos de articulação:
Exporemos estas figuras em cada uma das classesindicadas. Este trabalho terá portanto três partes impostas pelas três figuras de articulação cada parte, duasclasses: as disjunções semânticas e as disjunções referenciais.
: E' preciso arriscar este neologismo, pois "dlsjuntar" não é "separar": trata-sede um conceito analftlco, oriundo da noção de dísjuntor; O mesmo para dis.juntado, disjuntllr·se, empregados em seguida.
com duas narrações paralelas, duas narrações ligadaspelo dorso, que não podem mais nem se aproximar, nemse separar. Pode-se conceber o esquema da figuraassim ':
Narrativa normal FN ~ FE ~ D ~tNan-ativa parasita FN --~ FD' ~
E' sem dúvida neste grupo que as variantes de articulação lão proporcionalmente mais numerosas. O primeiro e ~ sexto caso são comparáveis por sua forma particularmente clássica de disjunção: no primeiro caso,«divã/cama de pregos» e «gato/porco-espinho» referemse a uma categoria sêmica de conforto e repousam sobrea antonímia «macio/picante»; no segundo caso «carneiro /pastor», a categoria sêmica vigilância recobre a dicotomia«homem/animal» ou mais precisamente (a escolha) «se-
\nlzor/escravo». Um por inversão, o outro por permutaçãodisjuntam-se em uma equivalência de contrariedade quearriscaria ser a verdadeira apenas se uma falha viessegarantir sua anormalidade parasita. Nesses casos, é afunção de normalização que assume esta falha; é ela queé anormal. O faquir está em oposição categórica macio /picante, com o resto da sociedade e basta desenvolversua normalidade anormal, para que a equivalência decontrariedade torne-se naturalmente paradoxal. O carneiroem face de seu pastor está em contradição com as normas desde o instante em que se explica; basta que estanormalidade-anormal se desenvolva para que a disjunçãoprevisível (se ele fala como pastor, é «normal» que ospapéis se possam um dia inverter) faça irromper o paradoxo (pois não é finalmente normal que o carneiro fale).
A terceira narrativa surge de uma combinação maissutil. A oposição dos antônimos bonito/feio e inteligente/idiota provocaria uma inversão radical (o menino poderiamuito simplesmente «enganar-se» e dizer feio como mamãe e idiota como papai), se ela não fosse corrigidana equivalência pela permutação dos termos papai/mamãe.Mas por sua vez esta permutação enriquece a narrativa
'FN. FE. FD ~ Funções de Normalização. de Deflagração. de Dlslunção;O = Disjuntor.
Esse sistema de disjunção constrói narrativas emque a intelocução se opõe à locução sobre certos signos,pretendendo respeitar a significação de todos os signos.A pretensão é formalmente justificada na medida em queo duplo sistema de oposição, que articula a passagem deuma função à outra, equivale formalmente à uma repetição. A intelocl.lção toma os termos da locução em umsentido oposto, pois neutraliza o contra-senso da significação obtida, por uma nova oposição de sentido contrário ou por uma permutação de socorro. Essa reviravoltasimétrica dá ilusão de uma espécie de equivalência matemática, ou de confiante tautologia: se 3 = 3 quando3 -- 3 = O, porque, «ser bonito» não seria igual a«não ser feio» se «bonito» é o contrário de «feio». E'no seio desta ambivalência natural que trabalha a disj unção da narrativa. A ambivaiência pode ser reforçada:multiplicam-se à vontade os erros de equivalências nãose utilizando pares de antônimos verdadeiros mas simpares de oposições relativas. A «relatividade» é objetode uma escolha que constitui toda a qualidade do conteúdo narrativo. A oposição relativa não é oposição dequalquer coisa. Ela está apoiada em uma categoria sêmicél que sela a homogeneidade da narrativa. Se a relatividade das oposições é necessária para que a interlocução não seja (como em matemática) simplesmente«verdadeira» ou «falsa» face à locução, a categoria sêmica não é menos necessária para garantir a homogeneidade dos termos opostos, e salvar a disjunção da incoerência.
Note-se que a função de normalização articula igualmente e independentemente um do outro a deflagração ea disjunção já que os dois estão em oposição simétricadiante dela. A narrativa torna-se portanto bivalente. Elaé disjuntada por duas narrativas igualmente conseqüentes: a Narrativa normal por hipótese, a que é indicadapela função de normalização e pela função de deflagração; e a narrativa de disjunção, narrativa parasita porhipótese, que se torna nesse sistema tão normal quantoa outra pois que é, como aquela, articulada diret,amentesobre a função de normalização. Vê-se pois uma narrativa
178
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12·179
Reproduzimos alguns exemplos, tomados entre as vinte eseis narrativas conformes a esta disjunção.
~. As narrativas com disjunção referencial:Àrticulação bloqueada por polissemias antinômicas.
FUNÇÃOINTERLOCl /T( 11IA
DE DlSj Ul''';,\O
A criada: Não, masfaleI a um quarto dehora com o gato.
o africano: Sim, comeram·se os três últimos há poucos dias.
o louco: Sim. a prova, toque meu nariz,está frio.
o outro: Bah! E'uma história ele sedormir em pé.(= maçante).
Alguém: Que o faça; não recomeçaráduas vezes.
FUNÇÃOLOCUTORA DE
DEFLAGRAÇÃO
o pai: Você o viu?
O médico: Você está bem certo?
Alguém: Você temcerteza?
FUNÇÃODE
NORMALlZAÇÃ()
1. A criança procura o papagaio.
181
pelo discurso do outro, encontra-se bloqueado indefinidamente diante dele.
Esta oposição na equivalência impõe aos personagens da narrativa uma intimidade de relações e de ardiscomparáveis aos de um casal. Do mesmo modo que certos trocadilhos (contre-peterie) só se justificam pela descoberta de uma situação pornográfica, esta figura não sedisjunta eficazmente senão pela colocação de LIma tragédia acoplada em paralelo: «nem sem você, nem com1I0CÓ). uu< certo ardil imobiliza a agressão e a tornasimuitan~amente incisiva c impotente; não há pior humilhação do que ser contraditado na aprovação (sistemaapropriado às crianças e aos loucos) e não há pior impotência do que ser dividido entre um verdadeiro-falso eum falso-verdadeiro.
2. O louco quepensava ser um ca·chorro afirma terse curado.
3. O africano afirma que não existem mais canibais.
4·. Dois loucos dis- Um: Mandei cons-cutem. truir uma cama
vertical.
5. Se uma criança Subentendido: quequiser jogar-se pe- fazer?Ia janela?
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I180
de uma categoria sêmica, os pais, na qual a oposiçãoidealmente «relativa» de papai/mamãe homogeneiza e compromete simultaneamente a equivalência obtida: o contrário de mamãe/bonita não é necessariamente um papai/feio mas não o exclui.
Quanto aos três Últimos exemplos, casos 2, 4 e 5,os termos disjuntores estão em oposição tão relativa quea disjunção irrompe necessariamente por pouco que serepuxe (pelos cabelos ... ) seus significados até de.scobrirneles uma semia comum. A categoria horário-dos-trenSpode rccobrir a oposição indicador/sala de espera; a categoria atividade-da-mulher-no-lar pode recobrir a opOsição cozinlw/tricô; a atividade elementos-do-.contortofeminino pode recobrir a oposição mar/marido. A descoberta destas oposições categÓricas é um dos mÚltiplos«prazeres» deste sistema disjuntivo. O risco corrido é
nestes três casos a incoerência. Donde por vezes, parareforçar a disjunção, a necessidade de um adjuvante destinado a tornar a oposição proposta mais antonimica:«o tricô, este, não queima». Se o adjuvante não estivesselá, a opção do marido em favor do tricô contra a cozinhaseria apenas em sentido próprio e figurado, singular.
As narrativas deste~ sistema são portanto duplasnarrativas: uma narrativá convencionalmente dita normalvem apoiar-se sobre uma narrativa convencionalmente ditaparasita, cada uma encontrando-se igualmente fortaleci dae destruída pela outra. O conteÚdo' destas narrativas
parece ter traços conformes ao sistema de disjunção queos articula. A ausência de defrontação, já que existe sil11ultâneamente oposição e equivalência, entre a locução ea interlocução, torna a problemática nula (caso do faquirem face do homem normal) Oll anulada (não se saberánunca o que pensa o marido de sua mulher, o chefe daestação do viajante, o carneiro do pastor e inversamente).Não há pergunta nem resposta entre um locutor e ó interlocutor. Uma espécie de surdez mental torna-os tãoconciliadores quanto irreconciliáveis. Cada um, enganado
• Que n~o nos propomos estudar aqui, mas enquadrá.Ia também em umacerta "forma",
6. Urna jovem e um A jovem: Tenho 17 O senhor: Eu tamsenhor discutem. anos. bém, mas na desor
dem ( = na ordemcontrária).
7. Um rapazinhoentrando em casaa uma hora da mamiá, afirma que sã"apenas dez.
8. No dentista.
9. O aluno deve fazer mna redaçãosobre o sonho deser rico.
10. O aluno devecopiar 100 vezes:eu não sei fazercontas.
11. Um marido pro·cura sua mulherao longo de um rioe encontra alguémque a viu.
12. Um turista emLondres encontraum garoto.
13. Alguém censura(}I amigo por dei·xar a mulher manodar em casa.
14. A mulher dirigeo carro, com o marido ao lado.
15. Um jovem espera sua noiva emum café.
O pai:' Mas o relógio bateu limahora ...
O cliente: O senhor me disse queele era tão bomquanto um verdadeiro, mas ele medói.
O professor: Porque uma folha embranco?
O professor: Porque copiou apenastrinta vezes.
O marido: Se osenhor a viu, nãodeve estar longe.
O turista: Diga,menino, vê-se comfreqüência o solpor aqui?
O amigo: Não achaque estou certo?
A mulher: Ah, essespedestres!
o jovem ao garçom: Estou inquieto, minha noiva está atrasada.
182
O rapazinho: ... é oque dizia; desde quanào os relógios batemos zeros?
o dentista: Justamente, pois aí está!
O aluno: E' ° meusonho, professor.
O aluno: Não sei fa·zer contas, professor.
o fulano: Sobretudoporque a correntezanão está muito forte.
o menino: Não sei,meu Senhor, só tenhotreze anos.
() marido: De acordo,ela exige ísto e aqui·10 ... , mas nflo é preCl50 exagerar, tambémposso mandar no peixe dourado.
(j marido: De acordo,querida, mas desçada calçada.
o garçom: Se estáatrasada, é p o r quevirá!
113. O a.'1lígo diante O amigo: .Deve ser A mãe: De modo neda mãe de dois difícil dist.ingui-los. nhum, eu os mandogémeos. contar: um só vai até
76, o outro até 110.
Este sistema de dis.lunção propõe narrativas em que:l intelocução confirma a locução por uma prova quea desmente ou inversamente a desmente por uma provaque a confirmar Dito de outro modo, a interlocução justifica-se, dando razão à opinião locutora que lhe é contrária. Enconkamos o mesmo paralelismo que na disjunção precedente em que uma falsa justificação formala tornava possível. No caso de que nos ocupamos, elaé possível por uma falsa justificação empírica. O resultado é comparável nos dois sistemas: a narrativa normalfio locutor e a narrativa parasita do intelocutor se refor<:-{lm em Slla oposição. Temos pois uma narrativa normal:() marido procura a mulher e vê sua angústia confirmar-seao saber que ela derivava ao sabor da correnteza, haviapouco; e uma narrativa parasita: o informante, tendoacabado de vê-ia à deriva, afirma ao marido que allIulher não está longe. A disjunção apóia-se na atividademental do locutor: encontrar-a-mulher, atividade que ainterlocução parasita por uma inversão de significações:morta/viva. As narrativas consolidam-se pelas costas, paralelamente, como na figura precedente:
Narrativa normal FN ~ FE ~ D ~i'
Narrativa parasita FN _._.~ FD' -?-
Diversas variantes são possíveis no interior do sistema. Até o exemplo 8, a superposição das duas significações contraditórias é feita por um só personagem, ointelocutor. Este último, como a serpente que morde aprópria cauda, disjunta-se ele próprio. Nos outros exemplos, a disjunção retoma seu lugar entre o locutor e ointerlocutor. As duas funções; colocadas sobre suas paralelas, só se destroem logicamente no infinito.
Os conteúdos destas narrativas são comparáveis aosprecedentes em alguns pontos, notadamente na impulsão
183
~P.adoente,dobradoUdoente:Osenhor Sei(sal) í de cozinhaú mesmo: Mas de bi-
~de dor, vai ver o mé-111edisseparacomer ouSelle 1 de bicicletacicieta,machucamujo
(Üco.t~dosemsal. (selim) to.
1(), Um depressivo do·
Udoente:asenhor Gonflé à blocr próprio
Omesmo:Agoraes-brado
dedorvaiaome disse para repetir: (muitoiln- toucomoestômagomédico.
"Eu sou muito impor-portante~ figuradoc1i1~tado.t.lllte" (gonflé à blocL
ou muitoiinchado)
Il11.
Ummaridoagri-(;.7Iliz:MasporquePUsr do tecidoUmarido:Porque ela
(~Lamulher. comum ferro de en- (pregasi (próprio)começavaa ter maus
~·olnar?ou maus
1 do caráterhabitos(plis).
hábitos)(figurado)
12. Dois loucos tomam
Fm:Estáfrio. MaUlotr de banhoCoutro:Sim,supor-
banho a .15"C. (maiôou) roupa de ta-sebemomaiô
agasalho)I baixo(mazllotí.
Manche r nzar(Mancha
I1 parteou manga)
1 deumal roupa
Doublure
r papel(prega
j teatralou ator
) parte elesubstituto)
l urnaroupa
Matou
r gatoou ~ resfriadoMa toux (minha
Itosse)
l
FUNÇÃO DE
NORMALIZAÇÃO
1. Alguns homens jogam bridge em umcafé.
2. Subentendido: Emfrancês tricot é sinômmo de pull-over.
3. Subentendido: caçada.
4. Duas traças trabalham em um guardaroupa.
S. Um gato resfriadoentra em uma farmácia.
G. Um pinheiro vêaproximar-se um coJh~cior de resina.
7. a canibal chega àsobremesa,
8. a pai de dois gêmeos vai visitar o mé·dico.
FUNÇÃO LOCUTORA
DE DEFLAGRAÇÃO
o garçom: Para queme a cerveja (biere)?
Pergunta: a que é umpUll sem over?
Pezgunta: Que presapl'efere o advogadO?
o pai: Mas por quet;en1eos?
biêre (cerveja ou caiXão)
aver ouOvaire(ovário)
defesas
trone(tronco oucaixa deesmolas)
Suisse(queijo)Esquimau,r
Facteur(fator oucarteiro)
DISJüNTOR
r bridge~l enterro
{ Pullglândulasgenitais
do advogadodo elefante
( de árvore
~ deJJgTeja
alimentocidadãos
razões '.empregadodoscorreios
FUNÇÃOIN TERLOCUTORA
DE DISJUNÇÃO
Um jogador: Para omorto.
Resposta: Um tricô·sleril.Justificativa:Tricosteril.
Resposta: a elefante,para tomar suas defesas.
Uma traça: Estou-mepreparando para atravessar a manga (Manche).
A outra traça: Quantoa mim, só me dedicoa pregas (doublurcs).
o gato: Queria um xarope para minha tosse(ma toux) ,
o pinheiro: Cuidadocom o pilhado r detroncos (tronc l.
o canibal: Já estoufarto destes queijinhos(snisses l. Amanhã, vouquerer um picolé(csquimau),
() doutor: Na base,'. '. eXistem dois fatores
(facteurs) .
ill
li,
111',
psicológica que os anima. Um caráter fundamental deardil rege sua articulação, mesmo se, como é ocaso,este ardil é involuntário; a paradoxal eficacidade da justificação, que não é uma justificação, subsiste sempre.Uma mesma moderação na agressividade opõe os doislocutores: eles são impermeáveis um ao outro.
Entretanto a disjunção referendal mobiliza um conjunto de conteúdos mais variados e mais ricos do que asemântica. No grupo precedente, a articulação estavabloqueada por signos, e portanto indiretamente pelo humor que os atualizava, o que reduzia a problemática aconflitos passageiros e as relações dos personagens arelações privilegiadas em que o humor, precisamente, comanda os dramas. Neste, a articulação liberada formalmente de qualquer constrangimento sinalizador não impõe nenhum acidente preciso de humor, nenhuma relaçãoprivilegiada entre os personagens. Ela bloqueia as significações em níveis mais amplos. Cada caso representa emdefinitivo um par generalizável de indivíduos, locutor einterlocutor: o imbecil ou o enganado-feliz fazem frentecomum diante do sensato-feliz. Caso se queira generalizara articulação destas historietas, poder-se-ia dizer que elaopõe o bem-aventurado ao realista, ficando entendidoque um ardil ingênuo serve de suporte aos dois.
11. AS FIGURAS COM ARTICULAÇÃO REORESSIV A
1. As narrativas com disjunção semântica:Articulação regressiva por homonímio de significantes.
Uma vintena de narrativas parecem articuladas por estesistema de disjunção. Reproduzimos uma dúzia delas, detendências as mais variadas:
Nestas narrativas, as duas primeiras funções, extremamente pouco distintas quando há pouco ou nenhumpersonagem, deflagram uma narrativa cuja coerência formal é respeitada até o fim apesar de um «desarranjo» nomeio do caminho: a história tropeça em um signo-·disjuntor e engana-se de significado. Ao contrário do para-
186
lelismo precedente, temos aqui uma seqüência uni-linear;sua forma é conseqÜente mas seu sentido é absurdo. Estaconseqüência encadeia até a fusão as duas primeiras funções à terceira e, inversamente, a terceira regressa empermanência para as duas primeiras, até seu ponto departida. A terceira função, a narrativa parasita, por exemplo uma bicicleta-sem-selim-machuca, tornar-se-ia normalse não estivesse ligada ao fato de que um regime-sem-salprovocou o acidente. E' a coesão das três funções quedisjunta a terceiral E' o mesmo que dizer que a linearidadedesta narrativa fecha-se sobre si mesma como a quadratura do círçúlo: não há saída. Pode-se desenhar oesquema da figura assim:
.:\'al'l:;jjya normal". FN + FE + FD-t- II DI t
FN' ~ F1::' ~ FD'Narrativa parasita
A coesão formal desta figura é consolidada por umsistema de articulação preciso. Para evitar o caso limitedo calembur (o famoso «comment vos-tu-yau de poêle»que teria seu lugar no sistema), o disjuntor é transferidode uma narrativa à outra com o elemento que o funcionaliza: «sons» (sem), em «sans-ovaires» (sem ovários);«Wl sirop pou,.» (um xarope para), em «un sirop pourma-toux» (um xarope para minha tosse); «un pilleur de»,em «un pilleur de trono> (um pilhador de tronco) ... »;este ajudante funcional consolida o rigor do formalismoe toma por isso mais brilhante, e portanto mais signifificante, a coincidência disjuntante.
Pode-se estudar, nestas narrativas, algumas variantesnarrativas, em função da natureza do ajudante; elas vãodo quase-calembur quando o ajudante não tem senão umfraco potencial de ativação, à história propriamente dita,no caso inverso. As preposições «sons» 01.1 «paur» sãoapenas evidentemente pré-posicionais. Elas não dão aodisjuntor uma posição suficientemente significante paraque a disjunção se opere a todo custo: «sons aver» se
187
189
• Pode-se evidentemente pensar Que o marido zomba do juiz (caso 11). Masas razões de riso do zombador são tão numerosas Quanto os próprios zom:badores e não podem ser tomadas em consideração. De Qualquer modo. épossive! adiantar Que o marido agt'8va 'catastroflcamente" seu caso.
parasita dupla.
~ FDI
D' -+- D"'t
~ FD' '"Narrativa
FN ~ FE-iI,
FN' ~ FE'
Narrativa normal
Casos 1 e 7
Em todos os! casos, a narrativa normal funde-se com
uma ou diversas narrativas parasitas em uma seqÜêncianarrativa formalmente homogênea. A disjunção liga-se aesta discursividadeformal que concilia em circuito fechadodOlis universos irreconciliáveis. O conteúdo destas historie-.
tas\ressente-se destas quadraturas-circulares simples, duplas ou desdobradas. Um único personagem, ou doisidênticos como dois loucos ou duas traças, realiza e
suporta a disjunção. Quando existe um locutor, juiz oudoutor, este não é senão o álibi destinado a revelar o
monólogo do interlocutor. A disjunção põe em causa ainterlocução reSOlvendo uma problemática de sua definição, sua natureza, ou seus hábitos. A fissura mental
participa da vida «interior»; ao se disjuntar, o sujeitotorna-se objeto dedisjunção ou, caso se queira, psicologicamente, de agressão. Ao contrário do diálogo precedent~ em que a agressividade, mesmo surda, ia de umpersonagem ao outro, no molóJogo presente ela não visaà ninguém. Imbecil ou J'ouco, a vida interior do inter
locutor regride na anormalidade catastrófica. Esta figuradisjunta, nos limites em que os jogos de signos lhepermitem, as infelicidades da consciência individual. •
Narrativa normal ... FN ~ FE .:> FD.• II D' ::: D"I t I
FN' ~ FE' "*' FD' 't '" I" narrat. parasitaFN" ~ FE" ~ FD" ... 2" narrat. parasita
Narrativa parasita dqplicada.
188
disjunta em um «tricot-stérile» (tricô-'stéril). Esta disjunção calemburesca seria tão fácil (ou banal ... ou gratuita) quanto o seria a disjunção «haricot vert» (feijãoverde = vagem) (não dizemos mais ou menos cômica),se uma segunda disjunção não viesse dar consistência aprimeira coincidência e introduzir como justificativa deapoio a semia farmacêutica do tricosteril. Salva-se a fra
queza de uma primeira disjunção por uma segunda (trico{stérilejtricostéril) e a fraqueza das duas primeiras narrativas, por uma terceira (alusão ao ungÜento farmacêutico). Na primeira historieta se «pour» introduzisse apenas«ie mort» (o morto) sem a «biere» (caixão), ou inversa
mente, nenhuma semia necrológica perturbaria o jogo debridge. Com o ajudante «m'imger» (comer), que é entretanto muito ativo, o Esquimau destinado ao canibal
arriscava-se a ser um disjuntor fácil, já que, na Groenlândia ou outro lugar, é preciso que o canibal comaalguém. A feliz existência do Petit-Suisse vem reforçar adisj unção e tornar a refeição mais notável. A coesão formal
da seqÜência cresce na mesma proporção que o poderfuncional do ajudante. Com ajudantes como traverser(atravessar), prendre (tomar), manger (comer) precisamente, e com muitos outros, a narrativa parasita adquireuma significação por si mesma pois articula-se mais significativamente com a narrativa normal.
A estas variantes de ajudantes, juntam-se variantesde articulações que participam dos próprios disjuntores.As narrativas lineares podem enriquecer-se segundo ()nÚmero de semias disjuntadas. Nos exemplos 1 e 7, osdois disjuntores reforçam a própria semia parasita (necrologia para o primeiro, e refeição canibal para o sétimo); eles dobram a disjunção. No exemplo 4, os doisdisjuntores trazem duas sem ias distintas, uma marítima eoutra teatral com «manche» (Mancha) e «doublure»(substituto), que enriquecem a figura desdobrando adisjunção. Poder-sc-iam designar a.ssim as variantes doesquema precedente:
1I
~1I
i'll:111
Irll
II
2. As narrativas com disjunção referendal:Articul11ção regressiva por polissemia simples.
o número das historietas sendo mais importante nestegrupo e nos que se seguem, alongaremos a lista de exemplos. Consideremos os exemplos seguintes;
O garoto: Até aqui, oserviço era bem feito.
o pequeno: Sií.o 150mangas.
A laureada: Um marInheiro tatuado.
O manager: Não temimportância, você virácarregado.
o porteiro: Esta é aviga, em frente estáa porta.
O outro: Oh não! Mamãe faz a comida.
O guarda: Vê-se bemque não é o senhorque vai enterrá-l0.
O presidente: Quegênero de leitura\'ocê levaria parauma ilha deserta?
O amigo do filhodo cirurgião: Queé uma gastrectomia?
Os pais: Meu Deus,qu~ milagre. Masque \\ aconteceu?
O boxeador: Ondefica ele?
O cliente: Bam!!!
O dono: Con!>ole-se,será substituído.
Um: Em :!lU.a casafazem-se oraçõesantes das refeições?
10. Uma gastrectomia é uma opera·ção que o cirur·gião está fawndo.
12. Até os onzeanos, o garoto nãotinha pronunciadouma só palavra,subitamente, à mesa, ele pede o sal.
11. O presidente diante da laureadanum concurso debeleza.
13. Um boxeador,antes da luta, inquieta-se sobre alocatização do camaxi.im.
14. O porteiro indica um quarto aocliente: "Entre naprimeira porta depOis da viga".
15. DoIs garotosconversam.
16. O guarda doZoo chora o elefante morto.
191
Neste sistema, como no precedente, a interlocuçáoresponde formalmente à locução, mas enganando-se designificação sobre um elemento referenciaI da narrativa.E' trocando as motivações deste elemento disjuntor queela parasita o sentido da narrativa normal. Este parasitismo é ambíguo na medida em que a polissernia disjuntantenão é privilegiada. As semias rnodificadas não são contraditórias como na primeira figura: são indiferentes evariáveis ao infinito. A narrativa normal vem a ser simultaneamente persistente e perturbada, reconhecida e destruída pela narrativa parasita, como precedentemente. Ofato de que o escocês não compra, por economia, o jornal
o corso: Quem carregará o luto na volta?
O mesmo: TomeI Estava consignada.
FUNÇÃOlNTERLOCUTORA
DE DISJUNÇÃO
O mesmo: Comprareia edição da tarde,que trará a lista dasvítimas.
Outro escocês: Sim,de qualquer maneiraé honesto, não creioque guarde a moeda.
O filho: Escreve, vouassobiar para chamaro cachorro, veremosse está molhado.
O corso: Então me dêdois deles.
Marie-Chantal: Por quemeu marido me comprou um marcador.
.1farie-Chantal: Não sei,Vim de avião.
Mane-Chantal: Deixedif>so; é um homemcomo os outros.
O amigo: Por quetrouxe o asno?
Um: quebra umagarrafa na cabeçado outro.
o escoces: Ele hesita diante do quiosque e não compra o jornal.
Os pais: O médicoe bom?
190
FUNÇÃO LOCUTORA
DE DEFLAGRAÇÃO
O pai: Chove?
o livreiro: Leveeste. Quando acabar de ler, o trabalho já estará feito pela metade.
Gladys: Por quê?
Gladys: Onde fica?
Gladys: Não t,enhocoragem de medespir diante dele.
1. Um escocês sabepela manhã que otrem em que viajava sua esposa sofrera um acidente.
fUNÇÃO DENORMALIZAÇÃO
5. O pai e o filho corsos fazem asesta.
4. Um carso vaili um enterro comseu asno.
2. Dois escocesesestão brigando.
3. Dois pais escoceses procuram ummédico: seu bebêhavia engolido umamoeda.
6. Um corso querum livro de agricultura.
7. Marie--Chant a I quer comprarum livro.
9. Gladys vai aomédico.
8. M a r i e·C 11a nt 8 1 volta de Maiorca.
1:1,
"Iil,!li
1i1'1
~IIII:
III'I
192
da manhã, não exclui que ele possa saber a tarde comuma impaciência ainda maior se sua mulher morreu. Ofato de que Marie-Chantal compra livros porque seumarido lhe deu um marcador não exclui que ela tenhamais do que antes a ocasião de lê-ios. E' a coesão' formaldas três funções que parasita a terceira. E esta terceiraregride constantemente nas duas primeiras para justificarseu próprio movimento. As narrativas normais e parasitascompletam-se dividindo-se e a história, como anteriormente, gira em uma circularidade sem fim: o interlocutorsubstitui por lima motivação acessória, inconfessável, improvisada ... uma motivação normal. Reencontramos aquadratura cirClllar da figura precedente:
As variantes do sistema são pouco numerosas emfunção da simplicidade e da flexibilidade de sua articulação. O disjuntor referendal é o suporte de uma multidãode complementos que basta modificar não importa emque nível (causas, fins, conseqüências, lugar ... ) parater uma disjunção. Donde o grande nÚmero das narrativas deste grupo. Donde igualmente, e em função destegrande número, uma necessidade de selecioná-Ias articulando-as em certos tipos dc conteÚdo.
Esses conteúdos com efeito têm tendência a fazerressaltar certos traços comuns baseados em defeitos decaráter. Encontramos um bom nÚmero de narrativas articuladas psicologicamente pela avareza dos escoceses, apreguiça dos corsos, a frivolidade mundana de MarieChantal. Reencontramos aí o caráter intimista das histó
rias anteriores. Reencontramos a ausência de agressividade de um personagem para com o outro, a não ser estaregressão mental engendrada pelo aspecto convencionalmente deceptivo (para o locutor) de receber uma respostaque deflora invariavelmente a questão. Quando os doislocutores têm o mesmo caráter, isto é, o mesmo defeito:
FUNÇÃO LOCUTOI~A
DE DEFLAGI\AÇÃO
19.'-l
Primeiro I a d r ã o: Segundo ladrão: Não,Você põe todo seu para meu advogadO!dinheiro de ladopara a velhice?
o pai: Como você O filho: Sem que tea quer? (Se te Ia vejam.prends comment?)
O motorista: O que O garagista: Uma fo-se pode salvar (en to.tirer)?
Primeiro mendigo: Segundo mendigo: NaVocê especula com daqueles que saem.quais minas?
F\I~Jç?í() DENClRJ\\ALlZAÇÃO
FUNÇÃOINTERLOCUTOf\A
DE DISJUNÇÃO
1. Dois I a d r õ e s Primeiro I a d r ã o: Segundo ladrão: Desaem da prisão, Toma-se (prende) quem?
alguma coisa?
5. O motorista deuma viatura aciden'tada vai à garagem.
1. As figuras com disjunção semâMica:ArtiClllação progressiva por IlOmonimia de significações.
2. Dois ladrões dis·cutem.
dois corsos, dois escoceses ... a regressão opera-se, forada própria narrativa, na consciência. dÚplice do leitorouvinte.
Mas ai os conteÚdos das narrativas com articulaçãoregressiva ainda se enriqueceram passando da disjunçãosemântica à disjunção referencia!. Em lugar de disjuntarhumores caracteriais em situações excepcionais eles disj untam traços de caráter estabilizados, tipos sociais. Po(~er-se-ia generalizar a articulação de seus conteÚdos dizcndo que opõem o idealismo do caráter ao prosaismodos caracteres ficando entendido que a carência dos caracteres torna a oposição não categórica.
IlL AS FIGURAS COM ARTICULAÇÃOPROGRESSIV A
Análise Estrutural - 13
Tomemos os exemplos seguintes:
3. Um pai quer oferecer uma bicicletaa seu filho·problema, que se temcomportado bem.
4. DoIs mendigosencontram· se naBolsa.
Nan'at. parasita.
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194
Neste grupo, a narrativa normal não tropeça em umsigno enganando-se de significado, mas em um ou váriossignos, enganando-se de significações. Este sistema tornaas duas primeiras funções essenciais. A função de normalização propõe uma situação na qual os personagens têmum papel. A locução de deflagração concretiza sua problemática em função deste papel. O interIocutor não res
ponde mais somente e automaticamente a um signo, masinterpreta este signo segundo sua lógica própria. Dito deoutro modo, há nestas narrativas duas lógicas consecutivase heterogêneas, a normal contra a parasita, que a coerência formal da narrativa liga uma a outra. Elas não sebloqueiam uma na outra nem paralelamente, nem circular-
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FN ~ FE ~ D __. FDi'
FD' +- FE' +- FN' ..Narrativa parasita.
Narrativa normal
mente; elas se slIcedem trocando de caminho e justificam-se separadamente. Temos pois uma figura livre eaberta cujo esquema poderia estabelecer-se assim:
J3'
As variações de articulação são ínfimas nestes siste
mas. Elas podem ser enriquecidas por uma segundadisjunção desencadeada, como no c.templo do garção del'afl~ (caso 8): uma primeira disjunção (polis~emia\, semântica) provoca a reação do recebedor; uma seg~nda(polisscmia referendal) provoca a do garção. Elas p;odemser inversamente enfraqueci das por uma modificação dossignos como nos exemplos 9 e 10: fazer marclza-à-ré naauto-escola não significa voltar atrás (faire marchearriere); puder nas corridas «em» ou «cOm» I1TTl cavalonão significa fluder 11m cavalo. Sem dúvida não é poracaso se os personagens escolhidos são uma velha damae ullla avÓ: suas faculdades mentais ou auditivas são conl1ecidamente deficientes.
E' ao nível dos conteÚdos que estas narrativas são
mais ricas. Seu ritmo duplamente conseqÜente (duplalÓgica dos locutores, coerência formal da seqÜência) pan~ce torná-Ias aptas a utilizar elementos disjuntores maisestruturados socialmente. Como os exemplos o mostram,os conteÚdos apÓiam-se sobre mecanismos psicossociolÓgicos de condicionamentos conformes aos mecanismos
simultaneamente autornatizados e interpretativos do sistema. Um estudo dos conteÚdos poderia fazer neste grupoo recenseamento das condições sociais «disjuntadas»; detodos esses meninos-problema, velhos, mendigos, garagistas, garçons de café ... Esses condicionamentos n.ftoexcluem traços de caráter encontrados em outras historietas, mas igualmente condicionados, como a avariceescocesa ou a preguiça dos corsos; os mesmos temaspodem cavalgar vários grupos.
Não é preciso dizer, já que tomamos a agressividac!écomo teste de articulação psicológica, que esta é imper-
A velha da1TUZ: InlÍtil, não recuo nuncadiante de pessoa alguma.
() doente: Então nãolhe devo nada?
o garção: Que quero senhor, é tudo queconsegui botar de lado desde que comecei a traballlar ernsua casa.
o recebedor: O senhor está zombandode mim.
A outra: Tanto me·lhor! Que terlamos feito dele se tivéssemosgan.hado'?
o outro: Sim, mascom juros altos.
A babá: Andar? Mas.ele n.ão precisará mlnCl.l andar.
o médico: Ej' a suaconstituição que vo·cê deve seu resta·belecimento.
o patrão: Por queeste Chapéu duran·te o trabalho e,ainda por cima, delado?
o garção: O senhor aceita as gOl"jetas?- Não se aborreça,levo tudo de volta.
o professor: E agora, vamos fazer amarcha à ré (fairemarche arriere).
Uma: P e r d e mosneste cavalo.
Um: Dê-me (prêter) um pouco deatenção.
Um passante: Quebela criança! Jáanda?
8. O garção de ca·fé vai pagar seusimpostos.
9. A velha damana Auto-escola.
6. o garção do ca·fé trabalha, com ochapéu sobre a orelha.
7. O convalescenteescocês diante deseu médico.
10. Duas avós jogam nas corridasde cavalos.
12. Uma criança rica com sua babáno jardim.
11. Dois amigos escoceses encontramse.
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ceptível. Os personagens não se opõem diretamente. Ggarção de café com-o-chapéu-de-lado somente deixa aflorar o insulto dirigido ao patrão, pois que a noção degorjeta engaja menos a responsabilidade do último doque a do cliente. A agressividade, se ela existe·, é inteiramente latente, difusa, agressiva pela surprêsa; o locutordescobre, mais do que um contraditor, um «mundo» decontradições. Esta articulação é tão «progressiva» que odiálogo poderia ir ... muito longe. Se quiséssemos caracterizar este sistema, diríamos que ele opõe a inocênciaà perversão, levando em conta o condicionamento socialque as comanda e reduz sua distância.
2. As narrativas com disjunção referencial:Articulação progressiva com polissemia antonímica.
FUNÇÃO DE FUNÇÃO LOCUTORA FUNÇÃO
NORMALIZAÇÃO DE DEFLAGRAÇÃO INTERLOCUTORA
DE DISJUNÇÃO
• Mas não existe sempre agresslvldade?
A outra: Depois detudo que ela lhe fez'?
o jovem: Vim aquipara humilhar-me, padre, não para vanglonar·me.
o padre: Pode ficarsossegada, minha filha, não é orgulho, éum erro.
o outro: Porque havia perdido meu guarda-chuva.
o outro: Porque melembrei onde o tinhaesquecido.
Marie-Chantal: Ah, Quehorrível!
Marie-Chantal: Ah, Quehorrível!
o policirll: .Já sei, seuadversário já me telefonou.
o dono: Então, pro·curemos juntos e dividamos.
() condenado: Sim,mas com esta tarifanão tenho coragem.
o outro glita pelajanela: Quando tiveracabado, passe-me ojornal.
Gladys: Está desfigurada.
Uma: Adoro a natureza.
Um: Mas quandoele disse: "Não cometerás adultério",você começou arir?
o padre: Você cortejou muitas mulheres?
Um: Quando o padre disse: "Nãoroubarás", você ficou verde.
197
A jovem: Padre, eume acuso de orgulho: quando meolho no espelho,acho que sou bela.
Gladys: Um cirurgião lhe refará orosto como era antes.
o medroso: Doishomens vão·se bater; vão até lá, para evitar 11mcrime.
o ladrão: Dinheiro!
o presidente: Vocêtem aIs'Uma coisaa acrescentar?
Um motorista abreo jornal e lê.
14. Um condenadopor insultar umpolícia está diantedo tribunal.
8. Duas a m i g a sconversam.
10_ A jovem vemconfessar-se.
11. Dois amigosdiscutem ao sairda igreja.
1;:). Na véspera deum duelo, um dosadversários. c o mmedo, telefona àpolícia.
9. Um jovem confessa-se antes dese casar.
12. Gladys informaMarie-Chantal que·a mãe de Gérard sofrera um acidente.
15. O dono ouve ànoite barulho naloja; desce e encontra um ladrão.- Que está pro·curando?
lG. Dois automobi·listas, face a face,recusam-se dar pas·sagem.
j~
o carrasco: Bah! Sa·be muito bem quetodo mundo precisaviver ...
o empregado: Ah, nãosenhor, isto eu façode graça.
o garção: aparentemente, Sir, pratica natação.
A garçonete: Sou apenas garçonete, não visionária.
Maria: E para Madame?
o marido: Porque antigamente você tocavapiano.
A mulher: Não me ca·lei, estou descansando.
o cliente: Que é isto aí?
o cliente: Garção,que é que ela estáfazendo aí?
Patrão: E' para is·to que eu lhe pago?
o condenado: Vocênão tem vergonha?
o marido: Maria,traga-me o conhaque.
A mulher: Antiga·mente v o c ê meapertava as mãos.
o marido: Eu sa·bia bem que vocêacabaria por secalar.
196
6. Um cliente en·contra vestígios decafé em sua xícara.
4. O empregado beija a secretária.
7. Em Londres, umcliente encontrauma mosca na sopa.
3. O marido sustenta nos braços amulher desmaiada.
5. O condenado diante do carrasco.
2. Um marido, apÓsuma briga, pareceter a última pala·vra.
1. Uma mulher censura o marido porsua indiferença.
I
Ilill
198
As variações de figuras são tecnicamente inexistentes,como sempre que se trata de significações. Elas podemaparecer ao nível das relações entre o locutor e o intcf"'locutor: podem ir da agressão alusiva (caso 3) à agressãoprecisa (caso 8). Podem ir da agressão direta (caso 2 e6) à agressão por pessoa interposta (caso 11 e 12). Nosdois Últimos casos, não é o locutor que é agredido, masindiretamente a mãe de Gérard ou o padre (como sequiser), Um sistema de compensação funciona então evem dobrar a artículação disjuntora. A agressividade indireta fazia correr um risco de fraqueza de transmissãojá que se podia não compreender imediatamente (caso dopadre), Oll um risco de não-disj unção, já que se podia
Este sistema de disjunção referendal com articulaçãoprogressiva distingue-se da regressiva como caso limiteou privilegiado. A intcrlocução é díametralmente opostaà locução. Daí uma especificidade própria a este sistema,especificidade que exprime mais do que um grau superiorde divergência entre as significações normais e parasitas.Nesta figura, o locutor traz seu coeficiente pessoal depresença, sua opinião, os quais o interlocutor leva emconta na sua resposta. Dito de outro modo, enquanto osistema regressivo propunha uma espécie de reconhecimento destruidor do normal pelo parasita, este propõe,de certo modo, sua refutação reabilitadora. A função nor-'mal está logicamente articulada na função parasita com aÚnica exceção da intenção dramática: a lógica das significações.deflagradas é conservada mas as opiniões que asdcflagram são invertidas. Esta troca de direção se operasobre significações de segundo grau, significações designificações. Na consecução lógica das funções disjuo-"tantes, as duas Últimas, a problemática deflagrada segueseu caminho, mas desnaturando-se no decorrer da disjunção. Temos como na articulação semântica precedenteuma seqÜência conseqÜente e aberta, mas livre.
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considerar o primeiro lance «sério» (caso da mãe deGérard).
Sobre o plano do conteúdo, estas narrativas, comosuas sósias progressivas anteriores, apresentam um certograu de temperança na problemática que opõe os locutores. Uma certa inocência de réplica disjuntora lhe écomum. Os interlocutores anunciam de saída um pontode vista empirico que só a interpretação revela agressivo.Mas, aí ainda, passando do semântico ao referendal, ocampo dos conteúdos da figura intensifica-se e alargase: a guerra não é aberta, mas as cargas explosivas estãocolocadas. Os exemplos de agressão feroz, disfarçadasob o reconhecimento inocente de um fato, são numerosos; a intcrlocutora toma gentilmente o partido de suaamiga contra a natureza que lhe fez tanto mal; o padrevem gentilmente em socorro de sua pecadora para dizerlhe que se tinha enganado, elc. Este desvio mediador entrea reconciliação tacticia e a agressividade real é a marcaprÓpria de~;te sistema. Os exemplos 15 e 16 são privilegiados; o interlocutor-motorista mima a locutor para melhor exasperá-Ia; o interlocutor··roubado mima o ladrãopara melhor mistificá-Ia.
Dizemos que mesmo camuflado, o sistelna destal'igurd pode atingir a ferocidade. Ela opera a disjunçãoem um nivel de significações extremamente sensíveis para() locutor; contesta-lhe o conformismo de sua existência,Slla llOí10rabilidade. O cliente que encontrou a mosca nocafé e que teve a infelicidade de não apreciar os exercíciosde natação do inseto sente-se negado enquanto homemcliente. Poder-se-ia generalizar a articulação psicossociolÓgica destas historietas dizendo que opõe o conformismo(w cinismo ficando entendido que estas historietas encarregam-se de relativizar os extremos. '
Em todas estas narrativas com três funções, a articulação maior, a que disjunta a seqÜência entre a locuçãoe a interlocução, tem sentido Único. A narrativa toma porhipótese a bifurcação parasita. A estabilidade seqÜencialtem a resistência de um nó gÓrdio: não se pode desatá-Io
r Não damos, para aliviar este trabalho, as 7 narrativas residuais, das 180recolhidos. cujo hermetisrno resulta de uma mistura dos sistemas deSCi"itas.
FN ,,,.. F'F. ."... D FU'IrFD' ~ FE' ~ FN'
Narrativa parasita.
Narrativa norrrml
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!'II'
III
J,~III
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é, unidades formadas de muitos planos. O sexto é fornecido pelos segmentos autônomos que consistem em um sóplano, isto é, p(anos autônomos.
1. A Cena reconstitui por meios já H!micos umaunidade ainda sentida como «concreta» e como análogaàquelas que nos oferece o teatro ou a vida (um lugar,um momento, uma pequena ação particular e concentrada). No cenário, o significante é fragmentário (muitosplanos, que são todos apenas «perfis» - Absc!wttungen- parciais), mas o significado é percebido como unitário.Todos os perfis são interpretados como extraídos de umamassa comum, pois a «visão» de um filme é de fato umfenômeno mais complexo, pondo em jogo constantementetrês atividades distintas (percepções, reestruturações docampo memória imediata) que se relançam sem cessaruma e Dutra e trabalham sobre os dados que elas fornecem a si mesmas. Os hiatos espac:ais ou temporais nointerior da cena são hiatos de câmera, não hiatosdiegéticos.
2. A SeqÜência constrói uma unidade mais inédita,mais especificamente fílmica ainda, a de uma ação complexa (embora única) desenvolvendo-se através de muitoslugares e «saltando» os momentos inÚteis. Exemplo-tipo;as seqÜências de perseguição (unidade de lugar, masessencial e não mais literal; é «o lugar da perseguiçãm~,isto é, a paradoxal unidade de um lugar móvel). Nointerior da seqÜência, há hiatos diegéticos, emborareputados insignificantes, ao menos no plano da denotação(os momentos saltados são «sem importância para ahistória» ). E' o que diferencia estes hiatos dos que afusão com negro ([ondu au noir) assinala (ou qualqueroutro processo ótico ) entre dois segmentos autônomos:
ainda do império Cinematográfico e das análises dos teóricos clássicos docinema (análises sem dúvida muito incompletas. mesmo em seu nfvel; ver asdiversas "tábuas de montagem"]. Esta etapa. tornada indispensável pelo estadoatual da semiologia do cinema (disciplina noscente]. deverá ser ultrapassadaem benefício de uma formalização mais completa que fará aparecer melhoras escolhas reais (isto é. mais ou menos inconscientes] diante das quais seencontra colocado o cineasta em cada ponto da cadeia fílmica. Esta formaIização mais completa não significará llma mudança das opiniões emitidas quantoà linguagem cinematográfica. mas um aperfeiçoamento da metalinguagem semiol69ica (trabalho em curso].
202
estes últimos são considerados super-significantes (neles,nada nos é dito, mas deixa-se compreender que haveriamuito a dizer: a fusão com o negro é um segmento fíIl11icoque não oferece nada para se ver, mas que é muitovisível). Contrariamente à cena, a seqüência não é olugar onde coincidem - pelo menos em principio - otempo JíJmico e o tempo diegético.
3. O Sintagma Alternante (exemplo-tipo; o que sechama «montagem paralela» ou «montagem alternada»segundo os autores) não se apóia mais sobre a unidadeda coisa narrada, mas sobre a da narração, que mantémaproximados os ramos diferentes da ação. Este tipo demontagem é rico em conotações diversas, mas define-seprimeiro como sendo uma certa maneira de construir adenotação.
A montagem alternante divide-se em tres subtipos,caso se escolha como pertinência a natureza da denotaçãotemporal. Na montagem alternativa, o significado da alternância é, no plano da denotação temporal, a alternânciac!iegética (a das «ações» apresentadas). Exemplo; doisjogadores de tênis, cada um sendo «enquadrado» nomomento em que a bola está com ele. Na montagem al-·ternada, o significado da alternância é a simultaneidadediegética (exemplo; os perseguidores e os perseguidos).Na montagem paralela (exemplo: o rico e o pobre, aalegria e a tristeza), as ações aproximadas não têm entreelas nenhuma relação pertinente quanto à denotação tempora!, e esta defecção do sentido denotado abre a portaa todos os «simbolismos», para os quais a montagemparalela é um lugar privilegiado.
4. O Sintagma FreqÜentativo (exemplo: marchamuito longa a pé pelo deserto traduzida por uma sériede vistas parciais por fusões encadeadas em cascata) põesob nossos olhos o que poderemos jamais ver no teatroou na vida: um processo completo, reagrupando virtualmente um número indefinido de ações particulares queseria impossível abarcar em um olhar, mas que o cinemacomprime até nos oferecer sob forma praticamente unitá-
203
ria. Além dos significantes redundantes (procedimentosóticos, música, etc.), o significante distintivo da montagemfreqüentativa será procurado na sucessão aproximada deimagem repetitiva. No nivel do significante, o carátervetorial do tempo, que é próprio do «narrativo» (seqÜências ordinárias), tem tendência a enfraquecer-se, por vezesa desaparecer (retornos cíclicos). Dentre os significados,podem-se distinguir três tipos de sintagmas freqüentativos: o freqüentativo pleno abraça todas as imagens emuma grande sincronia, no interior da qual a vetorialidadedo tempo cessa de ser pertinente. O semifreqüentativo éuma sucessão de pequenas sincronias e traduz uma evolução contínua com progressividade lenta (um processopsicológico na diégese, por exemplo): cada «flash» épercebido como extraído de um grupo de outras imagenspossíveis, correspondendo a um estágio do processo; masem relação ao conjunto do sintagma, cada imagem vem-secolocar no seu lugar sobre o eixo do tempo: a estruturafreqüentativa não se desenvolve pois na escala do sintagma inteiro, mas apenas na de cada um de seus estágios. O sintagma em chave consiste em uma série debreves evocações tratando de acontecimentos oriundos deuma mesma ordem de realidades (exemplo: cenas deguerra); nenhum destes fatos é tratado Com a amplidãosintagmática à que poderia pretender; contentamo-noscom alusões, pois é apenas o conjunto que se destina aser levado em conta pelo filme. Há aqui um equivalentefílmico (balbuciante) da conceptaalização.
5. O Sintagma Descritivo opõe-se aos quatro tipospré-citados pelo fato que nos últimos a sucessão dasimagens sobre a tela (= lugar do significante) correspondia sempre a alguma forma de relação temporal nadiégese (= lugar do significado). Não seriam sempreconsecuções temporais (exemplo: montagem alternante nasua variante paralela, montagem freqüentativa na Slla
variante «plena»), mas seriam sempre relções temporais,No sintagma descritivo, ao contrário, a Sucessão dasimagens sobre a tela corresponde unicamente a séries decoexistências espaciais entre os fatos apresentados (no-
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tar-se-á que o significante é sempre linear e consecutivo,enquanto que o significado pode ou não sê-Ia).
Isto não implica em nada que o sintagma descritivopossa-se aplicar somente a objetos ou fi pessoas imóveis.Um sintagma descritivo pode muito bem tratar de ações,com a condição de que sejam açõ~s nas quais o únicotipo de relação inteligível seja Q paralelismo espacial(em qualquer momento do tempo em que sejam tomadas),isto é, ações que o espectador não pode mentalmentecolocar lado a lado no tempo (exemplo: um rebanho decarneiros em marcha: tomadas dos carneiros, do pastor,do cão, etc.).
Em resumo, o sintagma descritivo é o único sintagmano qual os agenciamentos temporais do significante nãocorrespondem a nenhum agenciamento temporal do significado, mas somente a agenciamentos espaciais destesignificado.
6. O Plano Autônomo não se reduz apenas ao famoso «plano-seqÜência», comporta também algumas destasimagens que se chamam insertos (<<inserts») assim comodiversos casos intermediários. O plano-seqüência (e seusdiversos derivados) é uma cena (ver acima) tratadasenão em um só «plano», ao menos em uma só tomada.Os insertos definem-se por seu estatuto interpolado. Casose escolha como princípio de classificação a causa destecaráter interpolado, distinguir-s'e-ão quatro grandes subtipos de insertos: as imagens' não-diegéticas (metáforaspuras), as imagens ditas subjetivas (isto é, as que nãosão visadas - como presentes, mas visadas - como - ausentes pelo herói diegético; exemplo: lembrança, sonho,alucinação, premonição, ,etc.), as imagens plenamentediegéticas e «reais» mas deslocadas (isto é, subtraídas desua colocação fílmica normal e colocadas intencionalmente como enclave em um sintagma onde parecem estranhas;exemplo: no meío de uma seqüência relativa aos perseguidores, uma imagem única dos perseguidos) e enfiminsertos explicativos (detalhe aumentado, efeito de lupa;o motivo é subtraído de seu espaço empírico e colocadono espaço abstrato de uma intelecção). Todas estas espécies de imagens só são insertos quando apresentadas
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uma só vez, e no meio de um sintagma estranho. Mas seelas são organizadas em série e apresentadas em alternância Com uma outra série, dão lugar a um sintagmaalternante (é um exemplo fílmico de transformação).
Diégese e filme
Estes seis grandes tipos sintagmáticos só podem serdescobertos em relação à diégese, mas dentro do filme.Correspondem a elementos de diégese, não à «diégese»simplesmente. Esta última é o significado remoto do filmetomado em bloco, enquanto os elementos de diégese sãoos significados próximos de cada segmento fílmico. falardiretamente da diégese (como se faz nos cine-clubes) nãonos dará jamais a decupagem sintagmática do filme,porque assim se volta a examinar significados sem terem conta seus significantes. Inversamente, querer delimitar unidades sem levar em conta o todo da diégese (comonas «mesas de montagem» de certos teóricos da época docinema mudo), é operar sobre significantes sem significados, pois o próprio do filme narrativo é narrar. O significado próximo de cada segmente fílmico está unido aeste mesmo segmento por indissolúveis laços de reciprocidade semiológica (principio da comutação) e apenasum vaivém metódico da instância filmica (significante)à instância diegética (significado) dá-nos alguma oportunidade de dividir algum dia o filme de maneira nãomuito contestável. .
Sintagmática e montagem
Cada um dos seis grandes tipos sintagmáticos _ ouantes cada um dos cinco primeiros, porque para o planoautônomo o problema não se coloca - pode-se realizarde duas maneiras: seja pelo recurso à montagem propriamente dita (como era o caso mais freqÜente no cinemaantigo), seja pelo recurso a formas de agenciamentosintagmático mais sutis (como é o caso freqüente no ci-
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nema moderno). Agenciamentos que evitam a colagem(= filmagem em continuidade, planos longos, planosseqÜência, etc.) não deixam de ser construções sintagmáticas, atividades de montagens no sentido amplo, comobem o mostrou Jean Mitry. Se é verdade que a montagemconcebida como manipulação irresponsável, mágica etodo-poderosa está ultrapassada, a montagem como construção de uma inteligibilidade por meio de «aproximações»diversas não está de maneira nenhuma «ultrapassada»,porque o filme é de toda maneira discurso (isto é, lugarde concorrência de diversos elementos atualiza dos ).
Exemplo: uma descrição pode-se realizar em um só«plano», fora de toda montagem, por simples movimentos de aparelho: a estrutura inteligível reunindo diferentesmotivos apresentados será a mesma que a que reÚne os diferentes planos de um sintagma descritivo clássico. A montagem propriamente dita representa uma forma elementarda grande sintagmática do filme, pois cada «plano» isolaem princípio um motivo único: por este fato as relaçõesentre motivos coincidem com relações entre planos, o quetorna a análise mais fácil do que nas formas complexas(e culturalmente «modernas») da sintagmática cinematográfica.
ConseqÜência: uma análise mais intensa da sintagmática dos filmes modernos exigiria que se revisse oestatuto do plano autônomo (= o sexto de nossos gralhdes tipos), porque ele é suscetível de conter os cincoprimeiros.
Conclusão
Existe uma organização da linguagem cinematográfica,uma espécie de «gramática» do filme. Ela não é arbitrária(contrariamente às verdadeiras gramáticas) e não éimutável (evolui mesmo mais rápido que as verdadeirasgramáticas).
A noção de «gramática cinematográfica» é hojemuito depreciada; tem-se a impressão que não existemais. Mas é porque não foi procurada no lugar onde era
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necessária. Fez-se sempre referência implicitamente àgramática normativa de línguas particulares (= línguasmaternas dos teóricos do cinema), enquanto que o fenômeno lingüistico e gramatical é infinitamente mais vastoe concerne as grandes figuras fundamentais da transmissão de toda informação. Somente a lingüística gerale a semiologia geral (disciplinas não normativas, simplesmente analíticas) podem fornecer ao estudo da linguagem cinematográfica «modelos» metodológicos apropriados. Não é suficiente pois constatar que não existenada no cinema que corresponda à proposição consecutivafrancesa ou ao advérbio latino, que são fenômenos lingüísticos infinitamente particulares, não necessários, nãouniversais. O diálogo entre o teórico do cinema e o semiólogo não se pode estabele~ senão em um pontosituado contra a corrente das especificações idiomáticasou destas prescrições conscientemente obrigatórias. O queprecisa ser compreendido é o fato de que os filmes sejamcompreendidos. A analogia icônicanão saberia dar contasozinha desta inteligibilidade das concorrências no discurso fílmico. Aí está a tarefa de uma grande sintagmática.
CHRISTIAN METZ
Centre National de la Recherche Scientifique
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AsdaLit
HISTÓHIA E DISCURSO. Ao nivel mais geral, a obraliterária tem dois aspectos; ela é ao mesmo tempo uma,história e um discurso. Ela é história, no sentido em queevoca uma certa realidade, acontecimentos que teriamocorrido, personagens que, deste ponto de vista, se confundem com os da vida real. Esta mesma história poderiater-nos sido relatada por outros meios; por um filme, porexemplo; ou poder-se-ia tê-Ia ouvido pela narrativa oral deuma testemunha, sem que fosse expressa em um livro.Mas a obra é ao mesmo tempo discurso: existe um narradar que relata a história; há diante dele um leitor quea percebe. Neste nível, não são os acontecimentos relatados que contam mas a maneira pela qual o narrador nosfez conhecê-Ias. As noções de história e de discurso foram
Caso se decida que a obra é a maior I.mídade literária, é evidente que a questão do sentido da obra nãotem sentido. Para ter um sentido a obra deve ser inciuídaem um sistema superior. Se não se faz isto, é necessárioconfessar que a obra não tem sentido. Ela só se relacionacom ela mesma, é pois um index sul, ela indica-se a siprópria sem enviar a nenhum outro lugar.
Mas é uma ilusão crer que a obra tem uma existênciaindependente. Ela aparece em um universo literário povoado pelas obras já existentes e é aí que ela se integra.Cada obra de arte entra em relações complexas com asobras do passado que formam, segundo as épocas, diferentes hierarquias. O sentido de Madame Bovary é o dese opor à literatura romântica. Quanto à sua interpreta ..ção, ela varia segundo as épocas e as críticas.
Nossa tarefa aqui é propor um sistema de noçõesque poderão servir ao estudo do discurso literário. Umi··tamo-nos, de um lado, às obras em prosa, e de outro, aum certo nível de generalidade na obra: o da narrativa.Apesar de ser a maior parte do tempo o elemento dominante na estrutura das obras em prosa, a narrativa nãoé entretanto o único. Entre as obras particulares queanalisaremos, voltaremos mais freqÜentemente aLesLiaisons Dangereuses.
!'I
IIII
ções, que surgem no curso da leitura, as que se ligam àliteralidade? Como isolar o domínio do que é propriamente literário, deixando à psicologia e à história o quelhes pertence? Para facilitar este trabalho de descrição,propusemo-nos .a definir duas noções preliminares: osentido e a interpretação.
O sentido (ou a função) de um elemento da obraé sua possibilidade de entrar em correlação com outroselementos desta obra e com a obra inteira.' O sentidode uma metáfora é o de se opor a tal outra imagem oude ser mais intensa que ela em um ou muitos graus. Osentido de um monólogo pode caracterizar um personagem. E' o sentido dos elementos da obra em que pensavaFlaubert quando escrevia: «Não há no meu livro umadescrição isolada, gratuita; todas servem a meus personagens e têm influência longínqua Oli imediata sobre aação.» Cada elemento da obra tem um ou muitos sentidos(salvo se esta é deficiente), que são em número finHo eque é possível estabelecer uma vez por todas.
O mesmo não se dá com a interpretação. A interpretação de um elemento da obra é diferente segundo apersonalidade do crítico, suas posições ideológicas, segundo a época. Para ser interpretado é incluído em umsistema que não é o da obra mas o do crítico. A interpretação de uma metáfora pode ser, por exemplo, umaconclusão sobre as pulsões de morte do poeta ou sobresua atração por tal «elemento» da natureza mais que portal outro. O mesmo monólogo pode então ser interpretadocomo uma negação da ordem existente ou, digamos, comose questionasse a condição humana. Estas interpretaçõespodem ser justificadas e elas são, de todas as maneiras,necessárias; mas não esqueçamos que se trata de interpretações.
O SENTIDO DA OBRA. Mas então, dir-nos-ão, em quese transforma a obra ela mesma? Se o sentido de cadaelemento reside na possibilidade de integrar-se em umsistema que é a obra, esta última teria um sentido?
1 Cf. Tynlanov. ·De !'évolutlon Ilttéralre", p. 123; aqui como sempre nestetexto. as citações dos formallstas russos remetem à coletânea Th60rle deLlttéramre, ed. du Seuil, 1965; que Indicaremos daqui por diante por n.
210 14$ 211
,
1.1
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·11'
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definitivamente introduzidas nos estudos da linguagemapós sua formulação categórica por E. Benveniste.
São os formalistas russos que, primeiro, isolaramestas duas noções que chamaram fábula (<<oque efetivamente ocorreu») e assunto (<<amaneira pela qual o leitortoma conhecimento disto») (Tomachevski, TL, p. 268).Mas Lados já havia sentido bem a existência destes doisaspectos da obra, e escreveu duas introduções: o Prefáciodo Redator introduz-nos à história, a Advertência doEditor, ao discurso. Chklovski declarava que a histórianão é um elemento artístico mas um material pré-Iiterário;somente o discurso era para ele uma construção estética.Acreditava pertinente para a estrutura da obra o fato deque o desenlace fosse colocado antes do nó da intriga;mas não o fato que o herói realize tal ato em lugar detal outro (na prática os formalistas estudavam um eoutro). Entretanto os dois aspectos, a história e o discurso, são todos os dois igualmente literários. A retóricaclássica ter-se-ia ocupado dos dois: a história originarse-ia da inventio, o discurso da dispositio.
Trinta anos mais tarde, em uma crise de arrependimento, Chklovski passava de um extremo a outro, afirmando: ·«E' impossível e inútil separar a parte circunstancial de seu encadeamento composicional, pois tratasempre da mesma coisa: o conhecimento do fenômeno»(O xudozhestvennoj proze, p. 439). Esta afirmação nosparece tão inadmissível como a primeira: é esquecer quea obra tem dois aspectos e não apenas um. E' verdade quenão é sempre fácil distingui-Ias; mas não cremos que,para compreender a unidade mesma da obra, seja necessário isolar estes dois aspectos. E' o que vamos tentaraqui.
I. A NARRATIVA COMO HISTÓRIA
Não é necessário crer que a história corresponda a umaordem cronológica ideal. E' suficiente que haja mais deum personagem para que esta ordem ideal se torne extremamente afastada da história «natural». A razão disto
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é que, para salvaguardar esta ordem, deveríamos saltara cada frase de um personagem para outro para dizero que este segundo personagem fazia «durante este tempo». Pois a história raramente é simples: contém freqüentemente muitos «fios» e é apenas a partir de umcerto momento que estes fios se reúnem.
A ordem cronológica ideal é antes um processo deapresentação, tentado nas obras recentes, e não é a eleque nos referimos falando da história. Esta noção corresponde antes a uma exposição pragmática do que se passou. A história é pois uma convenção, ela não existe aonível dos próprios acontecimentos. O relato de um agentede polícia sobre um fait divers segue precisamente asnormas desta convenção, expõe os acontecimentos o maisclaramente possível (enquanto o escritor que daí tira aíntriga de sua narrativa passará em silêncio tal detalheimportante que nos será revelado apenas no fim). Estaconvenção está tão largamente difundida que a deformação particular feita pelo escritor na sua apresentação dosacontecimentos é confrontada precisamente com ela e nãocom a ordem cronológica. A história é uma abstração poisela é sempre percebida e narrada por alguém, não existe«em si».
Distinguiremos, não nos afastando nisto da tradição,dois níveis de história.
a) Lôgica das ações
Tentemos para começar considerar as ações em umanarrativa por elas mesmas, sem levar em conta a relaçãoque elas mantêm com os outros elementos. Que herançanos legou aqui a poética clássica?
As REPETIÇÕES.T0dos os comentários sobre a«técnica» da narrativa apóiam-se sobre uma simplesobservação: em toda obra, existe uma tendência à repetição, que concerne à ação, aos personagens ou mesmoa detalhes da descrição. Esta lei da repetição, cuja extensão ultrapassa de muito a obra literária, precisa-se emmuitas formas particulares que levam o mesmo nome (e
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justificadamente) que certas figuras retóricas. Uma destas formas seria por exemplo a antitese, contraste quepressupõe, para ser percebido, uma parte idêntica emcada um dos dois termos. Pode-se dizer que, em LesLiaisofls Dangereuses, é a sucessão das cartas que obedece ao contraste: as diferentes histórias devem-se alternar, as cartas sucessivas não concernem ao mesmopersonagem; se elas são escritas pela mesma pessoa,haverá uma oposição no conteúdo ou no tom.
Uma outra forma de repetição é a gradação. Quandouma relação entre os personagens permanece idênticadurante muitas páginas, um perigo de monotonia espreitasuas cartas. E' por exemplo o caso de Mme. de Tourve1.Ao longo da segunda parte, suas cartas exprimem omesmo sentimento. A monotonia é evitada graças à gradação: cada uma de suas cartas dá um indício suplementar de seu amor por Valmont, de modo que a confissão de seu amor (1.90) vem como uma conseqüêncialógica do que precede.
Mas a forma que é de longe a mais difundida doprincípio de identidade é o que se chama comumente oparalelismo. Todo paralelismo é constituído por duasseqÜências ao menos, que comportam elementos semelhantes e diferentes. Graças aos elementos idênticos, asdissemelhanças encontram-se acentuadas: a linguagem,nós o sabemos, funciona antes de tudo através das diferenças.
Podem-se distinguir dois tipos principais de paralelismo: o dos fios da intriga, que trata das grandes unidades da narrativa; e o das fórmulas verbais (os «detalhes»).Citemos alguns exemplos do primeiro tipo. Um dessesdesenhos confronta os casais Valmont-Tourvel e DancenyCécile. Por exemplo, Danceny faz a corte a Cécile solicitando o direito de escrever-lhe; Valmont conduz seuflerte da mesma maneira. Por outro lado. Cécile recusaa Danceny o direito de escrever-lhe, exatamente comoTourvel o faz para Valmont Cada um dos participantesé caracterizado mais nitidamente graças a esta compara.ção: os sentimentos de Tourvel contrastam com os deCécile, e acontece o mesmo quanto a Valmont c Danceny.
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Outro desenho paralelo concerne aos casais ValmontCécile e Mertcl.lil-Danceny; ele serve menos à característica dos heróis que à composição do livro, pois semisto Merteuil permaneceria sem ligação importante comos outros personagens. Pode-se destacar aqui que umdos raros defeitos na composição do romance é esta fracaintegração de Mme. de Merteuil na rede das relaçõesentre os personagens; assim não temos provas suficientesde seu encanto Jeminino que representa entretanto umpapel tão importante no desenlace (nem Belleroche nemPrévan estão diretamente presentes no romance),
O segundo tipo de paralelismo apóia-se sobre umasemelhança entre fórmulas verbais articuladas em circunstâncias idênticas. Eis por exemplo como Cécile termina uma de suas cartas: ({E' preciso que eu terminepois já é quase uma hora; assim M. de Valmont nãodeve tardar» (1.1 09). Mme. de Tourvel conclui a sua deuma maneira semelhante: «Desejaria em vão escrever-lhedurante mais tempo; eis a hora em que ele (Valmont)prometeu vir, e qualquer outra idéia me abandona»(1.132). Aqui as fórmulas e as situações semelhantes(duas mulheres esperam seu amante que é a mesma pessoa) acentuam a diferença nos sentimentos das duasamantes de Valmont e representa uma acusação indiretacontra ele.
Poder-se--ia fazer a objeção de que uma tal semelhança arrisca-se fortemente a passar despercebida, sendoas duas passagens separadas às vezes por dezenas oumesmo por centenas de páginas. Mas uma tal objeçãosó concerne a um estudo situado ao nível da percepção;enquanto nós nos colocamos constantemente no da obra.E' perigoso identificar a obra com sua percepção em umindivíduo; a boa leitura não é a do «leitor médio», masa melhor leitura possível.
Estas observações sobre as repetições são bem famJliares à poética tradicional. Mas não há necessidade dedizer que a rede abstrata, por ela própria, é de uma talgeneralidade que poderia dificilmente caracterizar este ouaquele tipo de narrativa. Por outro lado, este enfoque édemasiado «formalista»: ele só se interessa por uma re-
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As ações que compõem cada tríade são relativamentehomogêneas e se deixam facilmente isolar das outras.Destacam-.se três tipos de tdades: o primeiro concerne àtentativa (frustrada ou realizada) de concretizar um projeto (as tdades da esquerda), o segundo, uma «pretensão», terceiro, um perigo.
O MODELOHOMOLÓGICO.Antes de tirar uma conclusão qualquer desta primeira análise, procederemos a umasegunda, fundada também sobre os métodos correntes deanálise do folclore e, mais particularmente, da análisedos mitos. Seria injusto atribuir este modelo a LéviStrauss, pois por ter-lhe dado uma primeira imagem, esteautor não pode ser considerado responsável peja fórmulasimplificada que apresentaremos aqui. Segundo este, su-
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lação formal entre as diferentes ações, sem levar absolutamente em conta a natureza dessas ações. De fato aoposição não está propriamente entre um estudo das«relações» e um estudo das «essências», mas entre doisníveis de abstração e o primeiro revela-se como demasiadamente elevado.
Existe uma outra alternativa para descrever a lógicadas ações: aqui ainda se estudam as relações que elasentretêm: mas o grau de generalidade é muito menoselevado, e as ações são caracterizadas de mais perto.Pensamos, evidentemente, no estudo do conto popular edo mito. A pertinência destas análises para o estudo danarrativa literária é certamente maior do que se pensahabitualmente.
O estudo estrutural do folclore data de muito poucotempo, e não se pode dizer que no momento atual setenha feito um acordo sobre a maneira pela qual se deveproceder para analisar uma narrativa. Pesquisas ulteriores provarão o maior ou menor valor dos modelos atuais.De nossa parte Iimitar-nos-emos aqui, à guisa de ilustração, a aplicar dois modelos diferentes à história central
de Les Liaisolls Dangereuses para discutir as possibilidades do método.
O MODELOTRIÁDICO.O primeiro método que exporemos é uma simplificação da concepção de CI. Bremond(d. «Le message narratif», Comml1llicatiolls, 4). Segundoesta concepção, a narrativa inteira é constituida peloencadeamento ou encaixamento de micronarrativas. Cada
uma destas micronarrativas é composta de três (ou porvezes de dois) elementos cuja presença é obrigatÓria.Todas as narrativas do mundo seriam constituídas, segundo esta concepção, por diferentes combinações de umadezena de micronarrativas de estrutura estável, que corresponderiam a um pequeno número de situações essenciais na vida: poder-se-ia designá-Ias por palavras corno«trapaça», «contrato», «proteção», etc.
Assim a história das relações entre Valmont e Tourvelpode ser apresentada como se segue:
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Desejo de agradar de Valmont
IConduta de sedução
ITourvel concede sua simpatia
II
Desejo de amor de Valmont\
Conduta de ~eduçãoI
Amor rejeitado por TourvelI
Desejo de amor de ValmontI
Conduta de seduçãoI
AlT'~- concedido por Tourvel
Desejo de amor de ValmontI
Trapaça de sua parte
Amor realizado
== Pretensóes de ValmontI
Objeções de MeurteilI
Objeções rejeitadasII
== Pretensões de TourvelI
Objeções de VolangesI
Objeções rejeitadasII
== Perigo para TourvelFuga de amor
== Separação dos amorosos
== Conclusão de um pacto, etc.
põe-se que a narrativa representa a projeção sintagmáticade uma rede de relações paradigmáticas. Descobre-se poisno conjunto da narrativa uma dependência entre certoselementos, c procura-se encontrá-Ia na sLlcessão. Esta de
pendência e, na maior parte dos casos, uma «homologia»,isto é, uma relação proporcional de quatro termos(A: B :a: b). Pode-se também proceder na ordem inversa:tentar dispor de diferentes maneiras os acontecimentos
que se sucedem, para descobrir, a partir das relaçõesque se estabelecem, a estrutura do universo representado.Procederemos~ aqui desta segunda maneira e, na falta deprincípio já estabelecido, contentar'-nos-emos com umasucessão direta e simples.
As proposições que inscrevemos no quadro que sesegue resumem G mesmo fio de intriga, as relaçÔcs VaJmont-Tourvel até à queda de Tourvel. Para este fio, énecessário ler as linhas horizontais que representam ()
aspecto sintagmático da narrativa. Em seguida compare ..mos as proposições colocadas LIma sob a outra (em umamesma coluna, presumida paradigma) e procuremos seudenominador comum.
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ValmontdesejaTourvel deixa-seMerteui!tentaValmontrejeitaagradar admirarpor obstáculo ao03 conselhosprimeiro desojode MerteullVaJrr;onr pf'OCUf'.aseduzir
TOllrvelconc·'f}-VolangestentaTourvelrejeitade-lhe suacolocar ob:qtá-os conseihossimpatia culo il simpatiade VolangesValmont declara
TourvalresisteValmontTourvelrejeitaseu amor persegue-··ao amorII
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Valmol1t procuraTourvelconce·Tourv"i fogeVaimont.,-eJaltanovamente de·lho seudiante doamornaBpa~'énc!aseduzir amor o :amor
O amor éreal izado ___
Procuremos agora o denominador comum de cadacoluna. Todas as proposições da primeira concemem àatitude de Valmont em relação a Tourvel. Inversamente,a segunda coluna conccrne exclusivamente a Tourvel lê
caracteriza seu comportamento diante de Valmont. Aterceira coluna não tem um suJeito por denominador comum mas todas as proposições descrevem atos, no sentido forte da palavra. Enfim, a quarta possui um predicado
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comum, é a rejeição, a reçusa (na última linha, é umarejeição fingida). Os dois membros de cada par encontr<lnl-Se em uma relação quase antitética, e podemosconstruir a proposição:
Valmoflt: Tourvel: os atos: a rejeição dos atos
Esta apresentação parece sobretudo justificada namedida em que indica corretamente a relação geral entreValmont e Tourvel, a única ação brusca de Tourvel, etc.
Diversas conclusões impõem-se a partir destas análises:
t. Parece evidente que, na narrativa, a sucessão dasações não é arbitrária, mas obedece a uma certa lógica.A aparição de um projeto provoca a aparição de umobstáculo, o perigo provoca uma resistência ou uma fuga,ete. E' muito possível que estes esquemas de base sejamem número limitado e que se possa representar a intrigade qualquer narrativa como uma derivação deles. Nãoestam os seguros que seja necessário preferir uma divisãoà outra, e não estava em nosso projeto tentar decidi-Ia, apartir de um único exemplo. ll.S pesquisas empreendidaspelos especialistas do folclore (sobre o modelo triádico,cf. aqui mesmo, CI. Bremond; sobre o modelo homoIógico,cf. aqui mesmo, P. Maranda) mostrarão qual é o maisapropriado à análise das formas simples da narrativa.
O conhecimento dessas técnicas e dos resultados
obtidos graças a elas é necessário para a compreensãoda obra. Saber que tal sucessão de ações parte dessalógica permite-nos não lhe procurar uma outra justificação na obra. Mesmo se um autor não obedece a estalógica, devemos conhecê-Ia: sua desobediência toma todo
seu sentido precisamente em relação à norma que estalógica impõe.
2. O fato que segundo o modelo escolhido obtemosum resultado diferente a partir da mesma narrativa éum pouco inquietante. Revela-se de um lado que estamesma narrativa pode ter multas estruturas; e as técnicas
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em questão não nos oferecem critério algum para escolher uma delas. Por outro lado, certas partes da narrativasão apresentadas, nos dois modelos, por proposições diferentes; entretanto em cada caso permanecemos fiéis àhistória. Esta maleabilidade da história nos adverte deum perigo: se a história permanece a mesma, emboramodifiquemos algumas de suas partes, é que estas nãosão verdadeiras partes. O fato de que no mesmo lugarda cadeia apareça uma vez «pretensões de Valmont», euma outra, «Tourvel deixa-se admirar», assinala-nos umamargem perigosa de arbitrário e mostra que não podemosestar seguros do valor dos resultados obtidos.
3. Um defeito de nossa demonstração prende-se àqualidade do exemplo escolhido. Um tal estudo das açõesapresenta-as como um elemento independente da obra;privamo-nos assim da possibilidade de reuni-Ias aos personagens. Ora Les liaisons dan,c;ereuses participa de umtipo de narrativa que se poderia chamar «psicológica» eonde estes dois elementos estão muito estreitamente ligados. Não seria o caso do conto popular nem mesmo dasnovelas de Boccacio onde o personagem não é mais, namaior parte do tempo, que um nome que permite reuniras diferentes ações (aí se encontra o campo de aplicaçãopor excelência dos métodos destinados ao estudo da lÓgicapor ações) . Veremos mais adiante como é possível aplicaras técnicas discutidas aqui às narrativas do tipo de Lesliaisons dangereuses.
b) Os personagens e suas relaç6es.
«0 herÓi não é necessário à história. A história comosistema de motivos pode inteiramente dispensar o heróie seus traços característicos», escreve Tomachevski (TL,p. 296). Esta afirmação nos parece entretanto relacionar-se de preferência às histórias anedóticas ou quandomuito às novelas do Renascimento do que à literaturaocidental clássica que se estende de D. Quixole ao Ulisses.Nesta literatura, o personagem parece-nos representar umpapel de primeira ordem e é a partir dele que se organi-
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zam os outros elementos da narrativa. Não é entretantoo caso em certas tendências da literatura moderna emque o personagem desempenha novamente um papel secundário.
O estudo do personagem coloca mÚltiplos problemasque estão ainda longe de ser resolvidos. Vamo-nos detersobre um tipo de personagem que é relativamente omelhor estudado: o que é caracterizado exaustivamentepor suas relações com os outros personagens. Não épreciso crer que, pelo fato de que o sentido de cadaelemento da obra equivale ao conjunto de suas relaçõescom os outros, todo personagem se defina inteiramentepor suas relações com os outros personagens. E entretanto o caso para um tipo de literatura e notadamentepara o drama. E' a partir do drama que E. Souriau tirouum primeiro modelo das relações entre personagens; nÓso utilizaremos na forma que lhe deu A. J. Greimas. Lesliaisons dangereuses, romance por cartas, aproxima-se emmuitos pontos de vista do drama e este modelo permanece válido para ele.
Os PREDlCADOS DE BASE. À primeira vista, estas relações podem parecer muito diversas, por causa do grande nÚmero de personagens, mas percebe-se rapidamenteque é fácil reduzi-Ias a três apenas: desejo, comunicaçãoe participação. Comecemos pelo desejo que é atestadoem quase todos os personagens. Na sua forma mais difundida que se poderia designar de «amor», é encontrado em Valmont (para com Tourvel, Cécile, Merteuil, aViscondessa, Emilie), em Merteuil (para com BcIleroche,Prévan, Danceny), em Tourvel, Cécile e Danceny. O segundo eixo, menos evidente mas também tão importante,é o da comunicação, e ele se realiza na «confidência».A presença desta relação justifica as cartas francas,abertas, ricas de 'informação, como se espera entre con-·fidentes. Assim na maior parte do livro, Valmont e Merteuil encontram-se em relação de confidência. Tourveltem como confidente Mme. de Rosemonde; Cécile, primeiro Sophie, depois Merteuil. Danceny confia-se a Merteuil e a Valmont, Volanges a Merteuil, etc. Um terceirotipo de relação é a que se pode chamar a participação,
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que se realiza pela «ajuda». Por exemplo, Valmont ajudaMerteuil em seus projetos; Merteuil ajuda primeiro o casalDanceny-Cécile, mais tarde Valmont em suas relaçõescom Cécile. Danceny ajuda também no mesmo sentidoembora involuntariamente. Esta terceira relação está presente muito menos freqUentemente e aparece como umeixo subordinado ao eixo do desejo.
Estas três relações possuem uma generalidade muitogrande, pois estão já presentes na formulação deste modelo, tal qual a deu A. J. Oreimas. Não queremos entretanto afirmar que seja necessário reduzir todas as relações humanas, em todas as narrativas, a estas três.Seria uma redução excessiva que nos impediria de caracterizar um tipo de narrativa precisamente pela presença destas três relações. Cremos em oposição que asrelações entre personagens, em toda narrativa, podemsempre ser reduzidas a um pequeno número e que estarede de relações tem um papel fundamental para a estrutura da obra. E' nisto que se justifica nosso intento.
Dispomos pois de três predicados que designam relações de base. Todas as outras relações podem-se derivar destas três, com a ajuda de duas regras de derivação. Uma tal regra formaliza a relação entre um predicado de base e um predicado derivado. Preferimos estamaneira de apresentar as relações entre predícados àsimples enumeração, porque aquela é Jogicamente maissimples e porque, por outro lado, dá corretamente contada transformação dos sentimentos, que se produz nocorrer da narrativa.
A REGRA DE OPOSiÇÃO. Chamaremos a primeira regracujos produtos estão mais difundidos regra de oposição.Cada mli dos três predicados possui um predicado oposto (noção mais estreita que a negação). Estes predicados opostos estão menos freqüentemente presentes quesem, correlatos positivos; e isto é motivado naturalmente
pelo fato de que a presença de uma carta é já o signode llma relação :mligável. Assim o oposto do amor, oódio, é mais um pretexto, um elemento preliminar, queuma relação bem explícitada. Pode-se destacar na Mar-
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quesa, para com Gercourt, em Valmont, para com Mme.de Volanges, em Danceny, para com Valmont. Tr;ata""·s~~sempre de um móvel, e não de um ato presente.
A relação que se opõe li confid.ênd,"~é mais freqi:ienteembora permaneça igualmente impHcita: é a ação detomar um segredo público, de exibi-h A narrativa sobrePrévan, por exemplo, é fundada inteiramente sobre odireito de prioridade de narrar o acontecimento. Do me:;·mo modo, a intriga geral será resolvida por um gestosemelhante: Valmont, depois Dal1ceny, publicarão as cartas da Marquesa, e isto será sua mais grave punição.De fato, este predicado está presente mais freqUentementedo que se pensa, embora permaneça latente: o perigode se fazer conhecer pelas pessoas determina uma grandeparte dos atos de quase todos os personagens. E' diantedeste perigo, por exemplo, que Cédle cederá às investidas de Valmont. E' neste sentido também que é conduzida uma grande parte da educação de Mme. de Merteuil. E' com este objetivo que VaJmont e Merteuil procuram constantemente apoderar-se das cartas comprometedoras (de Cécile): está aí o melhor meio de prej udicarGercourt. Em Mme. de Tourvel, este predicado sofreuma transformação pessoal: nela, o medo do comentáriodos outros é interiorizado e 111ânifesta"se na importânciaque dá à sua própria consciência. Assim no final dolivro, pouco antes de sua morte, ela não lamentará oamor perdido, mas a violação das leis de sua consciência,que equivalem, no final das contas, à opinião pública, àspalavras dos outros: «Enfim falando-me da maneira cruelpela qual havia sido sacrificada, acrescentou: «Eu meacreditava disp't>sta a morrer por causa disto, e tinhacoragem de fazê-Ia; mas sobreviver à minha infelicidadee à minha vergonha é o que me é impossível» (L 149).
Enfim u ato de ajudar encontra seu contrário node impedir, de se opor. Assim Valmont põe obstáculoàs ligações de Merteuil com Prévar. e de Danceny comCécile, Mme. de Volanges aos mesmos.
A REGRA DO PASSIVO. Os resultados da segundaderivação a partir dos três predicados de base estão
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As TRANSFORMAÇÕESPESSOAIS. Chamamos com omesmo nome - dizemos «amor» ou «confidência»
sentimentos que experimentam personagens diferentes eque têm freqüentemente teor desigual. Par encontrar osmatizes podemos introduzir a noção de transformaçãopessoal de uma relação. Já assinalamos a transformaçãoque sofre o medo da divulgação em Mme. de Tourvel.Um Qutro exemplo é-nos fornecido pela realização doamor em Valmont e MerteuiL Estes personagens decompuseram previamente, poder-se-ia dizer, o sentimento deamor, e descobriram aí um desejo de possessão e aomesmo tempo uma submissão ao objeto amado: guardaram disto apenas a primeira metade, o desejo de possessão. Este desejo, uma vez satisfeito, é seguido pelaindiferença. Tal é a conduta de Valmont com todas assuas amantes, tal é também a de Merteuil.
225Análise Estrutural - 15
postular a existência de dois níveis de relações, o deser e o de parecer. (Não esqueçamos que estes termosconcernem à percepção dos personagens e não a nossa.)A existência destes dois níveis é consciente em Merteuile Valmont e eles utilizam a hipocrisia para chegar aseus fins. Merteuil é aparentemente a confidente de Mme.de Volanges e de Cécile, mas de fato serve-se delaspara vingar-se de Gercourt. Valmont age do mesmomodo com Danceny.
Os outros personagens apresentam também certa duplicidade nas suas relações; ela se explica desta vez nãopela hipocrisia, mas pela má-fé ou pela ingenuidade.Assim TourveJ ama Valmont mas não ousa confessá-Ioa si mesma e o dissimula sob a aparência da confidência.O mesmo com Cécile, o mesmo com Danceny (nas suasrelações com Merteuil) .. Isto nos leva a postular a existência de um novo predicado que só aparece neste grupode vítimas e que se situa ao nível secundário em relação aos outros: é o de tomar consciência, de perceber.Designará a ação que se produz quando um personagemse dá conta de que a relação que tem com outro personagem não é a que acreditava ter.
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menos difundidos; correspondem à passagem da voz ativa à voz passiva, e podemos chamar esta regra de regrade passil1o. Assim Valmont deseja Tourvel mas é também desejado por ela; ele odeia Volanges e é odiadopor Danceny; ele se confia a Merteuil e é confidentede Danceny; torna pública sua aventura com a Viscon
dessa, mas Volanges apregoa suas próprias ações; ajudaDanceny e é ajudado por este último a conquistar Cécile;opõe-se a certas ações de Merteuil e ao mesmo temposofre a oposição vinda da parte de Volanges ou deMerteuil. Em outras palavras, cada ação tem um sujeitoe um objeto; mas contrariamente à transformação lingüística ativa-passiva, não as trocaremos aqui de lugar:só o verbo passa para a voz passiva. Tratamos todos osnossos predicados como verbos transitivos.
Assim chegamos a doze relações diferentes que encontramos no curso da narrativa, e que descrevemos coma ajuda de três predicados de base e de duas regras dederivação. Notamos aqui que estas duas regras não têmexatamente a mesma função: a regra de oposição servepara engendrar uma proposição que não pode ser expressa de outra maneira (por exemplo, Merteuil impedeValrnont a partir de Merteuil ajuda Valmont); a regrado passivo serve para mostrar o parentesco de duas proposições já existentes (por exemplo, Valmont ama Tourvel e Tourvel ama Valmont: esta última é apresentada,graças à nossa regra, como uma derivação da primeira,sob a forma Valmont é amado por Tourvel).
O SER E O PARECER. Esta descrição das relaçõesfazia abstração de sua encarnação em um personagem.Se os observamos sob este ponto de vista veremos queuma outra distinção está presente em todas as relaçõesenumeradas. Cada ação pode primeiramente parecer amor,confidência, etc., mas pode em seguida revelar-se comolima relação totalmente diferente de ódio, de oposição eassim sucessivamente. A aparência não coincide necessariamente com a essência da relação embora se trate
da mesma pessoa e do mesmo momento. Podemos pois
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Recorde-se que introduzimos, na discussão precedente, uma distinção entre o sentimento aparente e o sentimento verdadeiro que experimenta um personagem porum outro, entre o parecer e o ser. Teremos necessidadedesta distinção para formular nossa regra seguinte.
R2. Sejam A e B dois agentes, e que A ama Bao nível do ser mas não ao do parecer. Se A tomaconsciência ao nível do ser, age contra este amor.
Um exemplo da aplicação desta regra é-nos fornecido pelo comportamento de Mme. de Tourvel, quandotoma consciência de que está apaixonada por Valmont:deixa bruscamente o castelo e torna-se ela mesma umobstáculo à realização deste sentimento. O mesmo ocorrecom Danceny quando descobre estar apenas em uma relação de confidência com Merteuil: mostrando-lhe queé um amor idêntico ao que tem por Cécile, Valmont leva-oa renunciar a esta nova ligação. Já notamos que a «revelação» presumida por esta regra é o privilégio de umgrupo de personagens que podemos denominar os «fracos». Valmont e Merteuil que não fazem parte destesnão têm possibilidade de «tomar consciência» de umadiferença entre os dois níveis pois não perderam jamaisesta consciência .
Passemos agora às relações que designamos pelonome genérico de participação. Formularemos aqui a regra seguinte:
R3. Sejam A, B e C, três ,agentes, e que A e Btenham uma certa relação com C. Se A toma consciência que a relação B-C é idêntica à relação A-C, eleagirá contra B.
Notamos para começar que esta regra não refleteuma ação que «é evidente»: A poderia agir contra C.Podemos dar-lhe muitas ilustrações. Danceny ama Céciiee acredita que Valmont seja confidente dela; desde quese apercebe de que de fato se trata de amor, age contra
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Façamos agora um rápido balanço. Para descrevero universo dos personagens temos aparentemente necessidade de tês noções. Há em primeiro lugar os predicados, noção funcional, tal como «amar~, «confiar-se»,etc. Há, por outro lado, personagens: Valmont, Merteuil,etc. Estes podem ter duas funções: ou ser os sujeitos,ou ser os objetos das ações descritas pelos predicados.Empregaremos o termo genérico de agente para designar simultaneamente o sujeito e o objeto da ação. Nointerior de uma obra, os agentes e os predicados sãounidades estáveis, o que varia são as combinações dedois grupos. Enfim, a terceira noção é a das regras dederivação: estas descrevem as relações entre os diferentespredicados. Mas a descrição que podemos fazer com aajuda destas noções permanece puramente estática; a fimde poder descrever o movimento destas relações e, poraí, o movimento da narrativa, introduziremos uma. novasérie de regras que chamaremos, para distingui-Ias dasregras de derivação, regras de ação.
REGRAS DE AçÃO. Estas regras terão como dados departida os agentes e os predicados dos quais falamos eque se encontram já em uma certa relação; elas prescreverão, como resultado final, as novas relações, quese devem instaurar entre os agentes. Para ilustrar estanova noção, formularemos algumas das regras que re..gem Les Liaisons Dangereuses.
As primeiras regras tratarão do eixo do desejo .
RI. Sejam Ae B dois agentes, e que A ama B.Então, A age de maneira que a transformação passivadeste predicado (isto é a proposição «A é amado porB») se realiza também.
A primeira regra visa a refletir as ações dos personagens que estão apaixonados ou fingem-no. AssimValmont, apaixonado por Tourvel, faz tudo para queesta comece a amá-Io por sua vez. Danceny, apaixonado por Cécile, procede da mesma maneira; do mesmomodo Merteuil ou Cécile.
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Valmont; provoca-o para duelo. Do mesmo modo Vai ..
mant crê ser o confidente de Merteuil e não pensa queD;mceny possa ter a mesma relação; quando o sabe, agecontra ele (com a ajuda de Cécile). Merteuil que conhec~ esta regra serve-se dela para agir sobre Valmont:é neste sentido que lhe escreve uma carta para mostrarlhe que Belleroche se apoderou de certos bens dos quaisValmont se acreditava único detentor. A reação é imediata.
Pode-se destacar que muitas ações de oposição assim como as de ajuda não se explicam por esta regra.Mas se observamos de perto estas ações, nós nos aperceberemos de que elas são cada vez a conseqüência deuma outra ação que, ela, participa do primeiro grupode relações, centradas em torno do desejo. Se Merteuilajuda Danceny a conquistar Cécile, é porque odeia Gercourt e isto é para ela um meio de vingar ..se; é pelasmesmas razões que ajuda Valmont em suas investidascontra Cécile. Se Valmont impede Danceny de fazer acorte a Mme. Merteuil, é porque é ele, Valmont, quea deseja. Enfim se Danceny ajuda Valmont a ligar-sea Cécile, é porque acreditava assim aproximar-se elepróprio de Cécile pela qual estava apaixonado. E assimsucessivamente. Percebe-se igualmente que estas açõesde participação são conscientes nos personagens «fortes»(Valmont e Merteuil), enquanto elas permanecem inconscientes (e involuntárias) nos personagens «fracos».
Passemos agora ao último grupo de relações queassinalamos: os da comunicação. Eis pois nossa quartaregra:
R4. Sejam A e B dois agentes, e que B seja confidente de A. Se A torna-se o agente de uma proposição engendrada por RI, troca de confidente (a ausência de confidente é considerada como um caso-limiteda confidência).
Para ilustrar R4, podemos lembrar que Cécile trocade confidente (Mme. de Merteuil em lugar de Sophie)desde que a ligação com Valmont começa; da mesma
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maneira, Tourvel, apaixonando-se por Valmont, tomaMme. de Rosemonde por confidente; pela mesma razão,em grau mais fraco ela tinha cessado de fazer suas confidências a Mme. de Volanges. Seu amor por Cécile levaDanceny a se confiar a Valmont; sua ligação com Merteuil interrompe esta confidência. Esta regra impõe restrições ainda mais fortes no que concerne a Valmont eMerteuil pois estes dois personagens não se podem confiar um ao outro. Conseqüentemente toda troca de confi,dente significa a interrupção de qualquer confidência.Assim Merteuil cessa de se confiar a partir do momentoem que Valmont se torna demasiado insistente em seudesejo de amor. Do mesmo modo que Valmont párasua confidência a partir do momento em que Merteuildeixa ver seus próprios desejos, diferentes dos seus. Osentimento que anima Merteuil na Última parte é bemo desejo de posse.
interromperemos aqui a sucessão de regras que devem engendrar a narrativa de nosSo romance, para formular algumas notas.
1. Precisemos para iniciar o alcance destas regrasde ação. Elas refletem as leis que governam a vida deuma sociedade, a destes personagens de nosso romance.O fato de que se trata aqui de personagens imagináriose não reais não aparece na formulação: com a ajudade regras semelhantes, poder-se-ia descrever os hábitose as leis implícitas de não importa qual grupo homogêneo de pessoas. Os próprios personagens podem terconsciência destas regras: encontramo-nos pois aqui aonível da história c não ao do discurso. As regras assimformuladas correspondem às grandes linhas da narrativasem precisar como cada uma das ações prescritas serealiza. Este preenchimento do desenho poderá ser descrito,cremos nós, com a ajuda das técnicas que dão conta desta«lógica das ações» da qual falamos anteriormente.
Pode-se notar de outro ponto de vista que, no seuconteúdo, estas regras não diferem sensivelmente dasobservações que já foram feitas sobre Les Liaisons. Istonos leva a abordar o problema do valor explicativo de
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nossa apresentação: é evidente que uma descrição quenão pode ao mesmo tempo fornecer-nos uma aberturasobre as interpretações intuitivas que damos à narrativafoge à sua finalidade. E' suficiente traduzir nossas regrasem uma linguagem comum para ver sua proximidade dosjulgamentos que têm com freqüência sido levantados apropósito da ética de Les Liaisons dangereuses. Por exemplo, a primeira regra que representa o desejo de imporsua vontade sobre a de outro foi revelada pela quasetotalidade dos críticos que o interpretaram como uma«vontade da potência», ou «mitologia da inteligência».Além disto, o fato de que os termos dos quais nos servimos nestas regras estão ligados precisamente a umaética parece-nos altamente significativo: poder-se-ia facilmente imaginar uma narrativa em que estas regrasseriam de ordem social, ou formal, etc.
2. A forma que demos a estas regras exige umaexplicação particular. Poder-se-ia facilmente reprovar-nospor dar uma formulação pseudo-erudita a banalidades:por que dizer «A age de maneira que a transformaçãopassiva deste predicado se realize também em lugar de«Valmont impõe sua vontade a Tourvel»? Cremos entretanto que o desejo de tornar nossas afirmações precisase explícitas não pode, em si, ser um defeito; e nós nosreprovaríamos mais se elas não fossem sempre bastanteprecisas. A história da crítica literária formiga de exemplos de afirmações com freqüência tentadoras mas que,por causa de uma imprecisão terminológica, conduzirama pesquisa a impasses. A forma de «regras», que demosa nossas conclusões, permite testá-Ias, «engendrando»sucessivamente as peripécias da narrativa.
Por outro lado, somente uma precisão elaborada dasformulações poderá permitir a comparação válida das leisque regem o universo de diferentes livros. Tomemos umexemplo: nas suas pesquisas sobre a narrativa, Chklovskiformulou a regra que, na sua opinião, permitirá dar contado movimento das relações humanas em Boiarde (Roland apaixonado) ou em Pouchkine (Eugênio Oneguin):«Se A ama B, B não ama A. Quando B começa a amar
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A, A não ama mais B» (TL, p. 171). O fato de que estaregra tem uma formulação semelhante à das nossas permite uma confrontação imediata do universo destas obras.
3. Para verificar as regras assim formuladas, devem-se colocar duas questões: todas as ações no romance podem ser engendradas com a ajuda destas regras?E todas as ações engendradas com a ajuda destas regrasencontram-se no romance? Para esponder à primeiraquestão, devemos primeiro lembrar que as regras formuladas aqui têm sobretudo um valor de exemplo, enão a de uma descrição exaustiva; por outro lado, naspáginas que se seguem mostraremos os móveis de certasações que dependem de outros fatores na narrativa. Noque concerne à segunda questão não cremos que umaresposta negativa possa fazer duvidar do valor do modelo proposto. Quando lemos um romance, sentimos intuitivamente que as ações descritas decorrem de umacerta lógica; e não podemos dizer, a propósito de outrasações que não fazem parte dele, que elas obedeçam aesta lógica. Em outras palavras sentimos através de cadaobra que não existe apenas a fala (parole), que existetambém uma língua (langue) da qual ela não é maisque uma das realizações. Nossa tarefa é estudar precisamente esta língua. E' apenas nesta perspectiva quepodemos enfocar a questão de saber por que o autor escolheu estas peripécias para seus personagens mais queoutras, já que umas e outras obedecem à mesma lógica.
lI. A NARRATIVA COMO DISCURSO
Tentamos, até o momento, fazer abstração do fato deque lemos um livro, de que a história em questão nãopertence à «vida» mas a esse universo imaginário quesó conhecemos através do livro. Para explorar a segunda
parte do problema, patiremos de uma abstração inversa:consideramos a narrativa unicamente enquanto discurso,fala (parole) real dirigida pelo narrador ao leitor.
Separaremos os procedimentos do discurso em trêsgrupos: o tempo da narativa, onde se exprime a relação
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entre o tempo da história e o do discurso; os aspectosda narrativa, ou a maneira pela qual a história é percebida pelo narrador, e os modos da narrativa, que dependem do tipo de discurso utilizado pelo narrador paranos fazer conhecer a história.
a) O tempo da narrativa
O problema da apresentação do tempo na narrativa impõe-se por causa de uma dissemelhança entre a temporalidade da história e a do discurso. O tempo do discurso é, em um certo sentido, um tempo linear, enquantoo tempo da história é pluridimensional. Na história, mui
tos acontecimentos podem-se desenrolar ao mesmo tempo;mas o discurso deve obrigatoriamente colocá-los um em
seguida ao outro; uma figura complexa encontra-se projetada sobre uma linha reta. E' daí que vem a necessidade de romper a sucessão «natural» dos acontecimentos
mesmo se o autor desejava segui-Ia de mais perto. Masa maior parte do tempo, o autor não tenta encontraresta sucessão «natural» porque utiliza a deformação temporal para certos fins estéticos.
A DEFORMAÇÃO TEMPORAL. Os formalistas russos
viam na deformação temporal o único traço do discursoque o distingue da história; é por isto que eles colocavam aquela como centro de suas pesquisas. Citemosa propósito um trecho de La Psychologie de l'ar! dopsicólogo Lev Vygotski, livro escrito em 1925 mas queapenas acaba de ser publicado: «Sabemos já que a baseda melodia é a correlação dinâmica dos sons que aconstituem. Acontece exatamente o mesmo com o verso
que não é a simples soma dos sons que o constituemmas sua sucessão dinâmica, uma certa correlação. Domesmo modo que dois sons, combinando-se, ou duas
palavras, sucedendo-se, formam uma certa relação quese define inteiramente pela ordem de sucessão dos elementos, assim dois acontecimentos ou ações, combinan
do-se dão juntos uma nova correlação dinâmica, que é
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inteiramente definida pela ordem e pela disposição destesacontecimentos. Assim os sons a, b, c, ou as palavras
a, b, c, ou os acontecimentos a, b, c trocam completamente de sentido e de significação emocional, se os co
locamos, digamos, na ordem seguinte: b, c, a; b, a, c.Imaginemos uma ameaça e em seguida sua realização:um assassinato; obter-se-á uma certa impressão se üleitor é posto primeiramente ao corrente da ameaça, depois conservado na ignorância quanto à sua realização,e enfim se o assassínio não é relatado a não ser após
este suspense. A impressão será entretanto completamenteoutra se o autor começa pela narrativa da descobertado cadáver, e então somente, em uma ordem cronológicainversa, narra o assassínio e a ameaça. Conseqüentemente a disposição mesma dos acontecimentos na narrativa, a combinação mesma das frases, representações,imagens, ações, atos, réplicas, obedece às mesmas 1cisde construção estética às quais obedecem a combinaçãodos sons em melodia ou palavras em 'Verso» (p. 196).
Vê-se nitidamente, nesta passagem, uma das prin
cipais características da teoria formalista, e mesmo daarte que lhe era contemporânea: a natureza dos acontecimentos conta pouco, só importa a relação que mantêm (no caso presente, é uma sucessão temporal). Osformalistas ignoravam pois a narrativa como história,ocupando-se apenas da narrativa como discurso. Pode-seaproximar esta teoria da dos cineastas russos da época:são os anos em que a montagem era considerada comoo elemento artístico propriamente dito de um filme.
Notemos de passagem que as duas possibilidades
descritas por Vygotski foram realizadas nas diferentesformas do romance policial. O romance de enigma co
meça pelo fim de uma das histórias contadas, para atingir o seu início. O romance negro, em oposição, relataprimeiro as ameaças para chegar, nos últimos capítulosdo livro, aos cadáveres.
ENCADEAMENTO, ALTERNÂNCIA, ENCAIXAMENTO. As
observações anteriores relacionam-se à disposição temporal no interior de uma só história. Mas as formas
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mais complexas da narrativa literária contêm diversashistórias. No caso de Les Liaisons dangereuses, podese admitir que existem três histórias, que contam asaventuras de Valmont com Mme. Tourvel, Cécile e Mme.de Merteuil. Sua disposição respectiva revela-nos umoutro aspecto do tempo da narrativa.
As histórias podem-se ligar de muitas maneiras. Üconto popular e coletâneas de novelas conhecem já duasdelas, o encadeamento e o encaixamento. O encadeamento consiste simplesmente em justapor diferentes histórias: uma vez acabada a primeira, começa-se a segunda. A unidade é -assegurada, neste caso, por umasemelhança na construção de cada uma: por exemplo,três irmãos partem sucessivamente à procura de um objeto precioso; cada uma das viagens fornece a basede uma das histórias.
O encaixamento é a inclusão de uma história nointerior de uma outra. Assim todos os contos das Mile uma Noites são encaixados no conto sobre Sherazade.
Vê-se aqui que estes dois tipos de combinação representam uma projeção rigorosa das duas relações sintáticas fundamentais, a coordenação e a subordinação.
Existe entretanto um terceiro tipo de combinaçãoque podemos chamar a alternâneia. Consiste em contaras duas histórias simultaneamente, interrompendo orauma ora outra, para retomá-Ia na interrupção seguinte.Esta forma caracteriza evidentemente gêneros literáriosque perderam toda ligação com a literatura oral: estanão pode conhecer a alternância. Como exemplo célebrede alternância pode-se citar o romance de Hoffman LeChat Murr, onde a narrativa do fato alterna com a domúsico; igualmente o Reeit de Souffrances de Kierkegaard.
Duas destas formas manifestam-se em Les Liaisonsdangereuses. De um lado, as histórias de Tourvel e deCécill alternam-se ao longo de toda a narrativa; de outro, ~3io ambas encaixadas na história do casal MerteuilValmont. Este romance, entretanto, sendo bem construído, não permite estabelecer limites nítidos entre as histórias: as transições estão aí dissimuladas; e o desenlace
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de cada uma serve para desenvolvimento à seguinte.Além do mais, elas estão ligadas pela imagem de Valmontque mantém relações estreitas com cada uma das trêsheroínas. Existem outras ligações múltiplas entre as histórias; elas se realizam com a ajuda dos personagenssecundários que asseguram funções em muitas histórias.Por exemplo, Volanges, mãe de Cécile, é amiga e parente de Merteuil e ao mesmo tempo conselheira deTourvel. Danceny liga-se sucessivamente a Cécile e MeFteuil. Mme. de Rosemonde oferece sua hospitalidade tantoa Tourvel como a Cécile e sua mãe. Gercourt, antigoamante de Merteuil, quer esposar Cécile. etc. Cada personagem pode acumular múltiplas funções.
Ao lado das histórias principais, o romance podeconter outras, secundárias, que só servem habitualmentepara caracterizar um personagem. Estas histórias (asaventuras de Valmont no castelo da Condessa, ou comEmile; as de Prévan com os «inseparáveis»; as da Marquesa com Prévan ou BeIleroche) são no nosso casomenos integradas ao conjunto da narrativa que às histórias principais, e nós as sentimos como «encaixadas».
TEMPO DA ESCRITURA,TEMPO DA LEITURA.A estas
temporalidades próprias dos personagens, que se situamtodas na mesma perspectiva, acrescentam-se duas outrasque pertencem a um plano diferente: o tempo da enunciação (da escritura) e o tempo da percepção (da leitura). O tempo da enunciação torna-se um elementoliterário a partir do momento em que é introduzido nahistória: caso em que o narrador nos fala de sua próprianarrativa, do tempo que tem para escrever ou para contáIa. Este tipo de temporalidade se manifesta muito freqüentemente na narrativa que se apresenta como tal;pensemos por exemplo na famosa reflexão de TristamShandy sobre sua impotência em terminar a n~rrativa.Um caso limite seria aquele em que o tempo da enunciação é a única temporalidade presente na narrativa:esta seria uma narrativa inteiramente voltada sobre simesma, a narrativa de uma narração. - O tempo daleitura é um tempo irreversível que determina nossa per-
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cepção do conjunto; mas pode também tornar-se umelemento literário com a condição de que o autor o leveem conta na história. Por exemplo no início da páginadiz-se que são dez horas; e na página seguinte que sãodez e cinco. Esta introdução inocente do tempo da leitura na estrutura da narrativa não é a única possível:existem outras nas quais não nos podemos deter; indiquemos apenas que se toca aqui no problema da significação estética das dimensões de uma obra.
b) Os aspectos da narrativa
Lendo uma obra de ficção, não temos uma percepçãodircta dos acontecimentos que descreve. Ao mesmo tempoque estes acontecimentos, percebemos, embora de umamaneira diferente, a percepção que dele possui aqueleque os narra. E' aos diferentes tipos de perccpção, rc-.conhecíveis na narrativa, que nos referimos pelo termode aspectos da narrativa (tomando esta palavra em umaacepção próxima de seu sentido etimológico, isto é,«olhar» ). Mais precisamente, o aspecto reflete a relaçãoentre um ele (na história) e um eu (no discurso), entreo personagem e o narrador.
J. Pouillon propôs uma classificação dos aspectos danarrativa, que retomaremos aqui com modificações menores. Esta percepção interna conhece três tipos principais.
NARRADOR> PERSONAGEM (A VISÃO «POR TRÁS»). Anarrativa clássica utiliza com mais freqüência esta fórmula. Neste caso, o narrador sabe mais que seu personagem. Não se preocupa em nos explicar como adquiriueste conhecimento: vê através dos muros da casa tanto
quanto através do crânio de seu herói. Seus personagensnão têm segredos para ele. Evidentemente, esta formaapresenta diferentes graus. A superioridade do narradorpode-se manifestar seja em um conhecimento dos desejos secretos de alguém (que este alguém ele próprioignora), seja no conhecimento simultâneo dos pensamen-
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tos de muitos personagens (do que nenhum deles é capaz), seja simplesmente na narração dos acontecimentosque não são percebidos por um único personagem. Assim Tolstoi em sua novela Três Mortes conta sucessivamente a história da morte de uma aristocrata, deum camponês e de uma árvore. Nenhum dos personagens percebeu-as em conjunto; estamos pois em presença de uma variante da visão «por trás».
NARr~ADoR = PERSONAGEM (A VISÃO «COM»). Esta
segunda forma é também difundida em literatura, sobretudo na época moderna. Neste caso, o narrador sabetanto quanto os personagens, não pode fornecer umaexplicação dos acontecimentos antes de os personagensa terem encontrado. Aqui também pode-se estabelecermuitas distinções. De um lado, a narrativa pode serconduzida na primeira pessoa (o que justifica o processo) ou na terceira pessoa, mas sempre segundo avisão que um mesmo personagem tem dos acontecimentos: o resultado, evidentemente, não é o mesmo; sabemos que Kafka tinha começado a escrever O Castelona primeira pessoa, e só modificou a visão muito maistarde, passando para a terceira pessoa mas sempre noaspecto «narrador» = «personagem». Por outro lado, onarrador pode seguir um único ou muitos personagens(as modificações podendo ser sistemáticas ou não). Enfim, pode-se tratar de uma narrativa, consciente por partede um personagem, ou de uma «dissecação» de seucérebro, como em muitas narrativas de Faulkner. Voltaremos um pouco mais tarde sobre este caso.
NARRADOR<PERSONAGEM (A ViSÃO «DE FORA»). Neste terceiro caso, o narrador sabe menos que qualquerdos personagens. Pode-nos descrever unicamente o quese vê, ouve, etc. mas não tem acesso a nenhuma consciência. Certamente, este puro «sensualismo» é uma convenção pois uma tal narrativa seria incompreensível; masexiste como modelo de uma certa escritura. As narrativas deste gênero são muito mais raras que as outras,e a utilização sistemática deste processo não foi feita
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no século XX. Citemos uma passagem que caracterizaesta visão:
«Ned Beaumont passou de novo diante de Madvige esmagou a ponta de seu charuto em um, cinzeiro decobre com os dedos que tremiam.
«Os olhos de Madvig permaneceram fixos sobre odorso do jovem até que ele se voltasse e retomasse. Ohomem louro teve um rictus ao mesmo tempo afetuosoe exasperado» (D. Hammett, A Chave de Vidro).
De uma tal descrição não podemos saber se os doispersonagens são amigos ou inimigos, se estão satisfeitosou descontentes, ainda menos em que pensam fazendoestes gestos ... Eles mal são mencionados: prefere-sedizer «o homem louro», «o jovem». O narrador é poisuma testemunha que não sabe nada e, mesmo mais, nãoquer sab~r nada. Entretanto a objetividade não é tãoabsoluta como se desejaria (<<afetuoso e exasperado»).
VÁRIOSASPECTOS DE UM MESMO ACONTECIMENTO.Voltemos agora ao segundo tipo, aquele no qual o narradar possui tantos conhecimentos quanto os personagens. Dissemos que o narrador pode passar de personagem a personagem; mas ainda é preciso especificarse estes personagens contam (ou vêem) o mesmo acol1tecimento ou muitos acontecimentos diferentes. No primeiro caso, obtém-se um efeito particular que se poderiachamar uma «visão estereoscópica». Com efeito, a pluralidade de percepções nos dá uma visão mais complexado fenômeno descrito. Por outro lado, as descrições deum mesmo acontecimento nos permitem concentrar nossaatenção sobre o personagem que o percebe pois já conhecemos a história.
Consideremos novamente Les Liaisons dangerellses.Os romances por cartas do século XVIII utilizavam normalmente esta técnica, para a Faulkner, que consisteem contar a mesma história várias vezes mas vista porpersonagens diferentes. Toda a história de Les Liaisonsé contada de fato duas, e freqüentem ente mesmo três
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vezes. Mas observando estas narrativas de perto, des
cobrimos que não somente nos dão uma visão estereoscópica dos acontecimentos, mas ainda são qualitativamente diferentes. Recordemos brevemente esta sucessão.
O SER E O PARECER.Desde o começo, as duas his··t6rias que se alternam nos são apresentadas sob pontosde vista diferentes: Cécile conta inocentemente suas experiências a Sophie, enquanto Merteuil as interpreta nassuas cartas a Valmont; por outro lado, Valmont informaa Marquesa sobre suas experiências com Tourvel, queescreve ela mesma a Volanges. Desde o começo podemosdar conta da dualidade já notada ao nível das relaçõesentre os personagens: as revelações de Valmout instruem-nos sobre a má fé que Tourvel põe nas suasdescrições; o mesmo em relação à inocência de Cécile.Com a chegada de Valmont a Paris, nós nos damosconta do que são de fato Danceny e seus atos. Ao fimda segunda parte, é a própria Merteuil que dá duasversões do caso Prévan: uma do que é, a outra do quedeve parecer aos outros. Trata-se pois novamente daoposição entre o nível aparente e o nível real, ou ver-dadeiro.
A ordem de aparição das versões não é obrigatóriamas é utilizada com fins diferentes. Quando a narrativade Valmont ou de Merteuil precede a dos outros personagens, lemos esta última antes de tudo como uma informação sobre quem escreve a carta. No caso inverso,uma narrativa sobre as aparências desperta nossa curiosidade e esperamos uma interpretação mais profunda.
Vemos pois que o aspecto da narrativa que participado «ser» se aproxima de uma visão «por trás» (do caso«narrador>personagem»). Embora a narrativa seja sempre narrada por personagens, alguns deles podem tal como o autor revelar-nos o que os outros pensam ou sentem.
EVOLUÇÃODOS ASPECTOS DA NARRATIVA.O valordos aspectos da narrativa modificou-se rapidamente desdea época de Laclos. O artifício que consiste em apresentar
2.39
FALA DOS PERSONAGENS, FALA DO NARRADOH. Seprocuramos uma base lingüística nesta distinção, é-nosnecessário, à primeira vista, recorrer à oposição entre afala (parole) dos personagens (o estilo direto) e a fala(parole) do narrador. Uma tal oposição nos explicariaporque temos a impressão de assistir a atos quando omodo utilizado é a representação, enquanto esta impressão desaparece no momento da narração. A fala dospersonagens em uma obra literária goza de um estatutoparticular. Relaciona-se, como toda fala, à realidade designada, mas representa igualmente um ato, o ato dearticular esta frase. Se um personagem diz: «Você émuito bela», é que não somente a pessoa à qual sedirige é (ou não é) bela, mas que este personagemrealiza diante de nossos olhos um ato: articula uma
frase, faz um cumprimento. Não é preciso crer que asignificação destes atos se resume no simples «ele diz»;esta significação conheceria a mesma variedade que osatos realizados com a ajuda da linguagem; e estes sãoinumeráveis.
Entretanto esta primeira identificação da narração eda representação peca por seu lado simplista. Ficandose aí, segue-se que o drama não conhece a narração,a narrativa não-dialogada, a representação. Entretantopode-se facilmente convencer-se do contrário. Tomemoso primeiro caso: Les Liaisons dangereuses, tal como odrama, só conhece o estilo direto, toda a narrativa sendoconstituída por cartas. Contudo este romance conhecenossos dois modos: se a maior parte das cartas representam atos e participam assim da representação, outras informam apenas sobre acontecimentos que se desenrolaram em outro lugar. Até o desenlace do livro,esta função é assumida pelas cartas de Valmont à Marquesa e em parte pelas respostas desta; após o desenlace, é Mme. de Volanges que retoma a narração. Quando Valmont escreve a Mme. de Merteuil, só tem umobjetivo: informá-Ia sobre os acontecimentos que lheocorreram; assim ele começa suas cartas por esta frase:«Eis o boletim de ontem». A carta que contém este
241Análise Estrutural - 16
c) Os modos da narrativa
240
a história através de suas projeções na consciência deum personagem será mais e mais utilizado no decorrerdo século XIX, e, depois de ter sido sistematizado porHenry James, tornar-se-á regra obrigatória no séculoXX. Por outro lado, a existência de dois níveis qualitativamente diferentes é uma herança dos tempos maisantigos: o século das Luzes exige que a verdade sejadita. O romance posterior contentar-se-á com m~lÍtasversões do «parecer» sem pretender uma versão que sejaa única verdadeira. E' preciso dizer que Les Liaisonsdangereuses se distingue Com vantagem de muitos outrosromances da época pela discrição com a qual este níveldo ser é representado: o caso Valmoni, ao fim do livro,deixa o leitor perplexo. E' neste mesmo sentido que seconduzirá uma grande parte da literatura do século XIX.
Os aspectos da narrativa concerniam à maneira pela quala história era percebida pelo narrador; os modos danarrativa concernem à maneira pela qual este narradorno-Ia expõe, no-Ia apresenta. E' a estes modos da narrativa a que nos referimos quando dizemos que um escritor nos «mostra>,' as coisas, enquanto tal outro só faz
«dizê-Ias>,'. Existem dois modos principais: a representação e a narração. Estes dois modos correspondem,em um nível mais concreto, às duas noções que já encontramos: o discurso e a história.
Pode-se supor que estes dois modos na narrativacontemporânea vêm de duas origens diferentes: a crônica e o drama. A crônica, ou a história, é, crê-se, umapura narração, o autor é uma simples testemunha querelata fatos; os personagens não falam; as regras são asdo gênero histórico. Em oposição, no drama, a histórianão é relatada, desenvolve-se diante de nossos olhos(mesmo se só fazemos ler a peça); não há narração,a narrativa está contida nas réplicas dos personagens.
vemo-Io agora, não sobre as categorias implícitas massobre sua manifestação, o que pode nos induzir facilmenteem erro. Encontraremos este fundamento na oposiçãoentre os aspectos subjetivo e objetivo da Iínguagem.
Toda fala é, sabe-se, ao mesmo tempo um enunciado e uma enunciação. Enquanto enunciado, ela serelaciona com o sujeito do enunciado e permanece portanto objetiva. Enquanto enunciação, ela se relacionaao sujeito da enunciação e guarda um aspecto subjetivopois representa em cada caso um ato realizado pelosujeito. Toda frase apresenta estes dois aspectos masem graus diferentes; certas partes do discurso têm porÚnica função transmitir esta subjetividade (os pronomespessoais e demonstrativos, os tempos do verbo, certosverbos; cf. E. Benveniste «De Ia subjetivité dans le langage», em Problemes de linguistique générale), outrosconcernem antes de tudo à realidade objetiva. Podemospois falar, com John Austin, de dois modos do discurso,
c~nstatativo (objetivo) e performativo (subjetivo).Tomemos um exemplo. A frase «M. Dupont chegou
a casa às dez horas, em dezoito de março» tem umcaráter essencialmente objetivo; não traz à primeira vistanenhuma infomação sobre o suieito da enunciação (aúnica informação é que a enunciação tem lugar depoisda hora indicada na frase). Outras frases, em oposição,têm uma significação que concerne quase exclusivamenteao sujeito da enunciação, por ex.: «Você é um impedI!»Uma tal frase é antes de tudo um ato da pessoa quea pronuncia, uma injúria, embora ela guarde tambémum valor obietivo. E' apenas o contexto global do enunciado, entretanto, que determina o grau de subjetividadeprópria a uma frase. Se nossa primeira proposição tivesse sido tomada na réplica de um personagem, poder-seia tornar uma indicação sobre o sujeito da enunciação.
O estilo direto está ligado, em geral, ao aspectosubjetivo da linguagem; mas como o vimos a propósitode Valmont e de Mme. de Volanges, esta subjetividadese reduz por vezes a uma simples convenção: a informação é-nos apresentada como vinda do personagem
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«boletim» não representa nada, pertence à pura narração. Acontece o mesmo às cartas de Mme. de Volangesa Mme. de Rosemonde ao fim do romance: são «boletins» sobre a saúde de Mme. Tourvel, sobre as infelicidades de Mme. de Merteuil, etc. Notamos aí que estarepartição dos modos em Les Liaisons dangereuses éjustificada pela existência de diferentes relações: a narração aparece nas cartas de confidência, que é atestadapela simples existência da carta; a representação concerne às relações amorosas e de participação, que adquiriram assim uma presença mais sensivel.
Tomemos agora o caso inverso, para ver se o discurso do autor participa sempre da narração. Eis umexcerto de L'Education Sentimentale:
" ... entravam na rua Caumartin, quando, de repente, irrompeu atrás deles um ruído semelhante ao estalar de uma imensapeça de seda que é rasgada. Era a fuzilada do Boulevard desCapucines.
- Ah! Caçam-se alguns burgueses, diz Frederico tranqililamente.
"Pois há situações em que o homem menos cruel está tãodesligado dos outros, que veria perecer o gênero humano semum batimento do coração".
Colocamos em itálico as frases que participam darepresentação; como se vê, o estilo direto só cobre umaparte. Este excerto transmite a representação por trêsformas de discursos diferentes: pelo estilo direto; pelacomparação; e pela reflexão geral. As duas últimas participam da fala do narrador mas não da narração. Elasnão nos informam sobre uma realidade exterior ao discurso, mas tomam seu sentido da mesma maneira queas réplicas dos personagens; somente, desta vez, elasnos informam sobre a imagem do narrador e não sobrea de um personagem.
OBJETIVIDADE E SUBJETIVIDADE NA LINGUAGEM. Devemos abandonar esta nossa primeira identificação danarração com a fala do narrador e da representaçãocom a dos personagens, para encontrar-Ihes um fundamento mais profundo. Uma tal identificação fundar-se-ia,
24215· 243
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e não do narraclor, mas não sabemos nada sobre estepersonagem. Inversamente, a fala do narrador pertencegeralmente ao plano da enunciação histórica, mas nomomento de uma comparaç:ão (como de outra figuraretórica) ou de uma reflexão geral, o sujeito da enunciação torna-se aparente, e o narrado r se aproxima assim dos personagens. Assim as falas do narrador emFlaubert assinalam-nos a existência de um sujeito daenunciaçã.o que faz comparações ou reflexões sobre anatureza humana.
ASPECTOS E MODOS. Os aspectos e os modos danarrativa são duas categorias que entram em relaçõesmuito estreitas e que concernem, todos os dois, à imagem do narrador. E' por isso que os críticos literáriostiveram tendência a confundi-Ias. Assim Henry Jameseem seguida Percy Lubbock distinguiram dois estilosprincipais na narrativa: o estilo «panorâmico» e o estilo«cênico». Cada um destes termos acumula duas noções:a cênica é ao mesmo tempo a representação e a visão«com» (narrador = personagem); o «panorâmico» é anaração e a visão «por trás» (narrador> personagem).
Contudo esta identificação não é obrigatória. Paravoltar aLes Liaisons dangereuses, podemos lembrar queaté o desenlace a narração é confiada a Valmont quetem uma visão próxima daquela «por trás»; em oposição, após o desenlace, ela é retomada por Mme. deVolanges que compreende pouco os acontecimentos quesobrevêm e da qual a narrativa participa inteiramenteda visão «com» (senão «de fora»). As duas categoriasdevem pois ser bem distinguidas para que se possa emseguida dar conta de suas relações mútuas.
Esta confusão aparece como mais perigosa aindacaso nos lembremos que atrás de todos estes processosse desenha a imagem do narrado r, imagem tomada porvezes pela do autor mesmo. O narrador em Les Liaisonsdangereuses não é evidentemente Valmont, este não émais que um personagem provisoriamente encarregadoda narração. Abordamos aqui uma nova questão importante: a da imagem do narrador.
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IMAGEMDO NARRADORE IMAGEMDO LEITOR.O narrador é o sujeito desta enunciação que representa umlivro. Todos os processos de que temos tratado nestaparte nos trazem de volta a este sujeito. E' ele quedispõe certas descrições antes das outras, embora estasas precedam no tempo da história. E' ele que nos fazver a ação pelos olhos de tal ou tal personagem, oumesmo por seus próprios olhos, sem que lhe seja poristo necessário aparecer em cena. E' ele, enfim, que escolhe relatar-nos tal peripécia através do diálogo de doispersonagens ou mesmo por uma descrição «objetiva».Temos portanto uma quantidade de informações sobreele, que nos deveriam permitir compreendê-Io, situá-Iocom precisão; mas esta imagem fugitiva não se deixaaproximar e se reveste constantemente de máscaras contraditórias, indo desde a de um autor em carne e ossoà de um personagem qualquer.
Há entretanto um lugar em que, parece, aproximamo-nos suficientemente desta imagem: podemos chamá10 de nível apreciativo. A descrição de cada parte dahistória comporta sua apreciação moral; a ausência deuma apreciação representa uma tomada de posição também muito significativa. Esta apreciação, dizemos de imediato, não faz parte de nossa experiência individual deleitores nem da do autor real; ela é inerente ao livro
e não se poderia corretamente compreender a estruturadesta sem ter isto em conta. Pode-se, com Sthendal,descobrir que Mme. de Tourvel é o personagem maisimoral de Les Liaisons dangereuses; pode-se, com Simone de Beauvoir, afirmar que Mme. de Merteuil éaí o personagem mais atraente; mas são interpretaçõesque não pertencem ao sentido do livro. Se não condenamos Mme. de Merteuil, se não tomamos o partido daPresidente, a estrutura da obra teria sido alterada. E'preciso dar-se conta de início que existem duas interpretações morais, de caráter realmente diferente: umaque é interior ao livro (em toda obra de arte imitativa),e outra que os leitores dão em se preocupar com a lógica da obra; esta poae variar sensivelmente segundo
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as épocas e a personalidade do leitor. No livro, MOle.de Merteuil recebe uma apreciação negativa, Mme. deTourvel é uma santa, etc. Cada ato possui aí sua apreciação embora possa não ser a do autor nem a nossa(e este é um dos critérios dos quais dispomos parajulgar o sucesso do autor).
Este nível apreciativo nos aproxima da imagem donarrador. Não é necessário para isto que este nos dirija«diretamente» a fala: neste caso, ele se assimilaria, pelaforça da convenção literária, aos personagens. Para adivinhar o nível apreciativo, recorremos a um código deprincípios e de reações psicológicas que o narrador postula comum ao leitor e a ele mesmo (este código nãosendo admitido por nós hoje, encontramo-nos no estadode distribuir diferentemente os acentos de avaliação).No caso de nossa narrativa, es.te código pode ser reduzido a algumas máximas bastante banais: não façaismal; sede sinceros; resisti à paixão, etc. Ao mesmotempo, o narrador apóia-se sobre uma escala avaliativa
das qualidades psíquicas; é graças a ela que respeitamos e tememos Valmont e Merteuil (pela força de seuespírito, por seu dom de previsão) ou preferimos Tourvel a Cécile Volanges.
A imagem do narra,dor não é uma imagem solitária;desde que aparece, desde a primeira página, ela é acompanhada do que se pode chamar «a imagem do leitor».Evidentemente, esta imagem tem tão poucas relaçõescom um leitor concreto quanto a imagem do narrador,com o autor verdadeiro. Os dois encontram-se em de
pendência estreita um do outro, e desde que a imagemdo narrador começa a sobressair mais nitidamente, oleitor imaginário encontra-se também desenhado com maisprecisão. Estas duas imagens são próprias a toda obrade ficção: a consciência de ler um romance e não um
documento leva-nos a fazer o papel deste leitor imaginário e ao mesmo tempo apareceria o narrador, o quenos relata a narrativa, já que a própria narrativa é imaginária. Esta dependência confirma a lei semiológica
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geral segundo a qual «eu» e «tu», o emissor e o receptor de um enunciado, aparecem sempre juntos.
Esta imagens se formam a partir das convençõesque transformam a história em discurso. O fato mesmode que lemos o livro do começo ao fim (isto é, comoo teria desejado o narrador) nos leva a fazer o papeldo leitor. No caso do romance por cartas, estas convenções são teoricamente redllZidas ao mínimo: é comose lêssemos uma verdadeira coletânea de cartas, o autor não toma nunca a palavra, o estilo é sempre direto.Mas na sua Advertência do Editor, Laclos destrói jáesta ilusão. As outras convenções concernem à exposiçãomesma dos acontecimentos e, em particular, à existênciade diferentes aspectos. Assim observamos nosso papelde leitor desde que sabemos mais que os personagens poisesta situação contradiz uma verossimilhança no vivido.
III. A INFRAÇÃO À ORDEM
Pode-se resumir todas as observações que apresentamosaté aqui dizendo que tinham por objeto a estrutura literária da obra, ou, como diremos de agora em diante,uma certa ordem. Empregamos este termo como umanoção genérica para tod~ as relações e estruturas elementares que estudamos. Mas nossa apresentação nãocontém nenhuma indicação sobre a sucessão na narrativa; se as partes da narrativa fossem intercambiadas,esta apresentação não seria sensivelmente modificada. Nopresente, deter-nos-emos sobre o momento crucial dasucessão própria da narrativa: o desenlace, que representa, como iremos ver, uma verdadeira infração à ordem precedente. Observamos esta infração tomando comoúnico exemplo Les Liaisons dangereuses.
A INFRAÇÃO NA HISTÓRIA. Esta infração é sensívelem toda a última parte do livro, e em particular entreas cartas 142 e 162, isto é, entre a rutura de Valmontcom Tourvel e a morte de Valmont. Ela concerne logo
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de inicio à imagem mesma de Valmont, personagemprincipal da narrativa. A quarta parte começa pela quedade Tourvel. Valmont pretende na sua carta 125 que setrata de uma aventura que não se distingue em nadadas outras; mas o leitor apercebe-se facilmente, sobretudo ajudado por Mme. de Merteuil, que o tom traiuma outra relação que não é a declarada: desta vez,trata-se de amor, isto é, ~da mesma paixão que animatodas as «vítimas». Substituindo seu desejo de possessão e a indiferença que o seguia por amor, Valmontdeixa seu grupo e destrói já uma primeira repartição.E' verdade que mais tarde sacrificará este amor paraafastar as acusações de Mme. de Merteuil, mas estesacri fieio não resulta da ambigüidade de sua atitudeprecedente. Mais tarde, ainda Valmont realiza outras SClI1
dagens que deveriam reaproximá-Io de Tourvel (escrevelhe, escreve a Volanges, sua última confidente); e seudesejo de vingança contra Merteuil deveria também indicar-nos que se arrepende de seu primeiro gesto. Masa dúvida que não é levantada; o Redator .di-Io explicitamente em uma de suas Notas (1. 154) sobre a cartade Valmol1t enviada a Mme. de Volanges para ser remetida a Mme. de Tourvel e que não está presente nolivro: «E' porque não se encontrou nada na continuaçãodesta correspondência que pudesse resolver esta dúvida,que se tomou a iniciativa de suprimir a carta de Mmc.de Valmont».
A conduta de Valmont com Mme. de Merteuil é
também muito estranha, vista na perspectiva da lógicaque esboçamos anteriormente. Esta relação parece reunir elementos muito diversos, e até então incompatíveis:há desejo de posse, mas também oposição e ao mesmotempo confidência. Este último traço (que é portanto umadesobediência à nossa quarta regra) se revela como decisivo para a sorte de Valmont: ele continua a se confiar à Marquesa mesmo após a declaração de «guerra».E a infração da lei é punida pela morte. Do mesmomodo Valmont esquece que pode agir em dois níveispara realizar seus desejos, dos quais se servia tão habil-
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mente antes: nas cartas à Marquesa, confessa ingenua.omente seus desejos sem tentar dissirrmlá-Ios, adot.ar umatática mais flexível (o que deveria fazer por causa daatitude de Merteuil). Mesmo sem referir-se às cartasda Marquesa a Danceny, o leitor pode-se dar conta queela põe fim à sua relação amiga com Valmont.
A INFRAÇÃO NO DISCURSO. Damo-nos conta aquide que a infração não se resume simplesmente a umaconduta de Valmont, que não está mais conforme asregras e distinções estabelecidas; ela concerne igualmenteà maneira pela qual somos advertidos a seu respeito.Ao longo da narrativa, estávamos certos da veracidadeou da falsidade dos atos e dos sentiment.os, relatados:o comentário constante de Merteuil e de Valmont inforo•
mava·-nos sobre a essência mesma de qualquer ato, da·o
va-nos o próprio «ser», e não somente o «parecer». Maso desenlace consiste precisamente na suspensão das confidências entre os dois protagonistas: estes cessam dese confiar a quem quer que seja e somos, repentinamente, privados de saber com certeza, somos privadosde ser e devemos sozinhos tentar adivinhá-lo através doparecer. E' por esta razão que não sabemos se Valmont ama ou não ama verdadeiramente a Presidente;é pela mesma razão que não estamos certos das verdadeiras razões que levam Merteuil a agir (já que atéaí todos os elementos da narrativa tinham uma interpretação indiscutível): desejaria verdadeiramente matarValmont sem temer as revelações que ele poderia fazer?Ou ainda Danceny foi muito longe na sua cÓlera e deixou de ser uma simples arma entre as mãos de MerteuiI? Não o saberemos jamais.
Observamos anteriormente que a narração estavacontida nas cartas de Valmont e de Merteuil, antes destemomento de infração, e, mais tarde, nas de Mme. deVolanges. Esta troca não é uma simples substituição,mas a escolha de uma nova visão: enquanto nas trêsprimeiras partes do livro, a narração situa-se ao níveldo ser, na última, ela toma o do parecer. Mme. de Vo-
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langes não compreende os acontecimentos que a cercam,só percebe as aparências (mesmo Mme. de Rosemondeé melhor informada do que ela; mas ela não narra).Esta troca de ótica na narração é particularmente sensível em relação a Cécile: como na quarta parte dolivro não há cartas suas (a única que assina é ditadapor Valmont), não temos nenhum meio de saber qualé, neste momento, seu «ser». Assim o Redator tem razão em prometer-nos, na sua Nota de conclusão, novasaventuras de Cécile: não conhecemos as verdadeiras razões de sua conduta, seu destino não está claro, seufuturo é enigmático.
VALORDA INFRAÇÃO.Pode-se imaginar no romanceuma quarta parte diferente, uma parte tal que a ordemprecedente não seja infringida? Valmont teria sem dúvida encontrado um meio mais flexível para romper comTourvel; se sobreviesse um conflito entre ele e Merteuil,saberia resolvê-Io com mais habilidade e sem expor-sea tantos perigos. Os «devassos» teriam encontrado umasolução que Ihes permitisse evitar os ataques de suaspróprias vítimas. Ao fim do livro, teríamos os dois campos tão separados como no começo, e os dois cúmplicestambém igualmente poderosos. Mesmo se o duelo comDanceny tivesse ocorrido, Valmont teria sabido não seexpor ao perigo mortal ...
E' inútil continuar: sem fazer interpretações psicológicas, damo-nos conta de que o romance assim concebido não seria mais o mesmo; não seria mesmo maisnada. Só teríamos a narrativa de uma simples aventuragaIante, a conquista de uma «pudica», com uma conclusão «bizarra». Isto nos mostra que não se trata aquide uma particularidade menor da construção mas de seucentro mesmo: tem-se antes a impressão de que a narrativa inteira consiste na possibilidade de conduzir precisamente a este desenlace.
O fato de que a narrativa perderia toda a sua espessura estética e moral se não tivesse este desenlaceencontra-se simbolizado no romance mesmo. Com efeito,
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a história é apresentada de tal maneira que deve suaprópria existência à infração da ordem. Se Valmont nãotivesse transgredido as leis .de sua própria moral (e asda estrutura do romance), não teríamos jamais vistopublicada sua correspondência, nem a de Merteuil: estapublicação de suas cartas é uma conseqüência de suarutura e, mais genericamente, da infração. Este detalhenão é devido ao acaso, como se poderia crer: a história inteira não se justifica, com efeito, senão na medidaem que existe uma punição do mal pintada no romance.Se Valmont não tivesse traído sua primeira imagem, olivro não teria o direito de existir.
As DUASORDENS.Até aqui não caracterizamos estainfração à ordem a não ser de uma maneira negativa,como a negação da ordem precedente. Tentamos agoraver qual é o conteúdo positivo destas ações, qual é osistema que Ihes é subjacente. Olhemos primeiro seuselementos: Valmont, o devasso, apaixona-se por uma«simples» mulher; Valmont esquecendo-se de usar a astúcia com Mme. de Merteuil; Cécile indo arrepender-sede seus pecados no mosteiro; Mme. de Volanges fazendo o papel de conselheira ... Todas estas ações têmum denominador comum: obedecem à moral convencio
nal, tal qual existia no tempo de Laclos (ou mesmomais tarde). Portanto a ordem que determina as açõesdos personagens no e após o desenlace é simplesmentea ordem convencional, a ordem exterior ao universo dolivro. Uma confirmação desta hipótese é dada tambémpela nova retomada do caso Prévan. Ao fim do livro,vemos Prévan restabelecido na sua antiga grandeza;entretanto lembramo-nos que, no conflito com a Marquesa, todos os dois tinham exatamente os mesmos de··sejos escondidos e manifestados. Merteuil tinha simples-'mente conseguido ser a mais rápida, não era a maisculpada. Nço é pois uma justiça suprema, uma ordemsuperior que se instaura no fim do livro; é unicamentea moral convencional da sociedade contemporânea, moralpudibunda e hipócrita, nisto diferente da de Valmont eMerteuil no resto do livro. Assim a «vida» torna-se parte
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integrante da obra; sua existência é um elemento essencial que devemos conhecer para compreender a estrutura da narrativa. E' somente neste momento de nossaanálise que a intervenção do aspecto social se justifica:acrescentemos que ela é também de fato necessária. Olivro pode parar porque estabelece a ordem que existena realidade.
Colocados nesta perspectiva, podemos aperceber-nosque os elementos desta ordem convencional estavam presentes também anteriormente; e eles explicam estes acontecimentos e estas ações que não podiam estar no sistema que descrevemos. Aqui se inscreve por exemplo aação de Mme. de Volanges junto a Tourvel e Valmont,uma ação de oposição que não tinha as mesmas motivações que as refletidas por nossa R3. Mme. de V0langes odeia Valmont não porque esteja no número dasmulheres que ele abandonou, mas de acordo com seusprincípios morais. Acontece exatamente o mesmo quantoà atitude do Confessor de Cécile que se torna; também,um oponente: é a moral convencional, exterior ao universo do romance, que guia seus passos. São ações cujamotivação ou móveis não estão no romance, mas foradele: age-se assim porque é preciso, é a atitude naturalque não pede justificação. Enfim, podemos encontrarlá também a explicação da atitude de Tourvel que seopõe obstinadamente a seus próprios sentimentos em no-me de uma concepção ética que diz que a mulher nãodeve enganar o marido.
Vemos assim toda a narrativa em uma nova pers-pectiva. Ela não é a simples exposição de uma ação,mas a história do conflito entre duas ordens: a do livroe a do seu contexto social. Em nosso caso até seudesenlace, Les Liaisolls dangereuses estabelece uma nova ordem, diferente da do meio exterior. A ordem exterior só está presente aqui como um móvel para certasações. O desenlace representa uma infração a esta ordem do livro e o que o segue nos conduz a esta mesmaordem exterior, à restauração do que estava destruidopela narrativa precedente. A apresentação desta parte
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do esquema estrutural em nosso romance é particularmente instrutiva: ajudado pelos diferentes aspectos danarrativa, Lados evita tomar posição a respeito destarestauração. Se a narrativa precedente era conduzidaao nível do ser, a narrativa final está inteiramente noparecer. Não sabemos qual é a verdade, conhecemosapenas as aparências; e não sabemos qual é a posiçãoexata do autor: o nível apreciativo está dissimulado. Aúnica moral da qual tomamos conhecimento vem de Mme.de Volanges; ora, como feito a propósito, é precisamenteem sua3 últimas cartas que Mme. de Volanges é caracterizada como uma mulher superficial, privada deopinião própria, mexeriqueira, etc. Como se o autor nospreservasse de conceder confiança demasiada aos julgamentos que ela emite! A moral do fim do livro restabelece Prévan em seus direitos; é esta a moral deLados? E' esta ambigüidade profunda, esta abertura ainterpretações opostas que distingue o romance de Laclosde numerosos romances «bem construidos» e o colocaao nível das obras-primas.
A INFRAÇÃO COMO CRITÉRIO TIPOLÓGlCO. Pode-sepensar que a relação entre a ordem da narrativa e aordem da vida que a cerca não deve ser necessariamente a que se realiza em Les Liaisons dangerellses.Pode-se supor que a possibilidade inversa existe também:a narrativa que explícita em seu desenvolvimento a ordem existente fora dela, e cujo desenlace introduziriauma ordem nova, precisamente a do universo romanesco.Pensamos por exemplo nos romances de Dickens, queapresentam em sua maioria a estrutura inversa: ao longode todo o livro, é a ordem exterior, a ordem da vidaque domina as ações dos personagens; no desenlaceproduz-se um milagre, tal personagem rico revela-se subitamente como um ser generoso, e torna possível ainstauração de uma ordem nova. Esta nova ordem o reino da virtude -- só existe evidentemente no livro,mas é ela que triunfa após o desenlace.
Não é entretanto certo que se deva encontrar emtodas as narrativas uma infração semelhante. Certos ro-
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• 393 a .• 11fada. I. 12-16., tradução francesa de Mazon•• 393 e. tradução francesa de Chambry.
poeta narra «falando em seu próprio nome, sem procurar fazer crer que é um outro que fala»': assim,quando Homero no canto I da llíada nos diz a propósito de Crisés: «ele tinha vindo às belas naves dosAqueus, para reaver sua filha, trazendo um imenso resgate e segurando, sobre seu bastão de ouro, as fitasdo arqueiro ApoIo; e ele suplicava a todos os Aqueus,mas sobretudo aos dois filhos de Atreu, bons estrate
gistas».· Ao contrário, a imitação consiste, a partir doverso seguinte, no fato de Homero fazer falar o próprioCrisés, ou, segundo Platão, de falar tingindo ser Crisés,e «esforçando-se para nos dar na medida do possívela ilusão de que não é Homero que fala, mas sim ovelho, sacerdote de Apoio». Eis o texto do discurso deCrisés: «Atridas e vós também, Aqueus de boas grevas, possam os deuses, habitantes do Olimpo, concedervos a destruição da cidade de Príamo, e depois vossoretorno sem ferimentos a vossos lares! Mas a mim, restituí minha filha! E para isso, ,aceitai o resgate quevedes aqui, por consideração ao filho de Zeus, ao arqueiro ApoIo». Ora, ajunta Platão, Homero teria po.dido igualmente prosseguir sua história sob uma formapuramente narrativa, narrando as palavras de Crisésem vez de reproduzi-Ias, o que, para a mesma passagem,teria dado, em estilo indireto e prosa: «O sacerdotetendo chegado pediu aos deuses que lhes concedessema tomada de Tróia e os preservassem de morrer em combate, e pediu aos Gregos que lhe devolvessem a filhaem troca de um resgate, e por respeito ao deus».' Estadivisão teórica, que opõe, no interior da dicção poética,os dois modos puros e heterogêneos da narrativa e daimitação, conduz e funda uma classificação própria dosgêneros, que compreende os dois modos puros (narrativo, representado pelo antigo ditirambo, mimético, representado pelo teatro), mais um modo misto, 10u, maisprecisamente, alternado, que é o da epopéia, como seacaba de ver pelo exemplo da llíada.
257AnAlise Estrutural - 17
Valéry diante de um enunciado como «A marquesa saiuàs cinco horas». Sabe-se quanto, sob formas diversase muitas vezes contraditórias, a literatura moderna viveue ilustrou esse espanto fecundo, como se quis e se fez,em seu fundo mesmo, interrogação, abalamento, contestação do propósito narrativo. Esta questão falsamenteingênua: por que a narrativa? - poderia pelo menosincitar-nos a pesquisar, ou mais simplesmente a reconhecer os limites de certo modo negativos da narrativa,a considerar os principais jogos de oposições por meiodos quais a narrativa se define, se constitui em facedas diversas formas da não-narrativa.
Die{!esis e mimesis<..'
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Uma primeira oposição é aquela indicada por Aristóteles em algumas frases rápidas da Poética. Para AristÓteles, a narrativa (diegesis) é um dos dois modos daimitação poética (mimesis), o outro sendo a representação direta dos acontecimentos por atores faiando eagindo diante do público. 1 Aqui instaura-se a distinçãoclássica entre poesia narrativa e poesia dramática. Estadistinção estava já esboçada por PIa tão no 39 livro daRepública, com duas diferenças, a saber que, por umlado, Sócrates nega ali à narrativa a qualidade (isto é,para ele, o defeito) da imitação, e que por outro ladoele toma em consideração aspectos de representação direta (diálogos) que podem comportar um poema nãodramático como os de Homem. Há portanto, nas origens da tradição clássica, .duas partições aparentementecontraditórias, em que a narrativa opof--se-ia à imitação,aqui como sua antítese, e lá como um dos seus modos.
Para Platão, o domínio daquilo que ele chama lexis(ou maneira de dizer, por oposição a logos, que designao que é dito) divide-se teoricamente em imitação propriamente dita) (mimesis) e simples narrativa (diegesis).Por simples narrativa, Platão compreende tudo o que o
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enquanto imitadores, a começar pelos dramaturgos, esem exceção de Homero, julgado ainda demasiado mimético para um poeta narrativo, só admitindo na Cidadeum poeta ideal cuja dicção austera seria tão poucomimética quanto possível; enquanto que Aristóteles, simetricamente, coloca a tragédia acima da epopéia, elouva em Homero tudo o que aproxima sua escriturada dicção dramática. Os dois sistemas são portanto idênticos, com a única reserva de uma inversão de valores:para Platão como para Aristóteles, a narrativa é ummodo enfraquecido, atenuado da representação literária- e percebe-se mal, à primeira vista, o que poderiafazê-Ios mudar de opinião.
E' necessário entretanto introduzir aqui uma observação com a qual nem Platão nem Aristóteles parecem.ter-se preocupado, e que restituirá à narrativa todo oseu valor e toda a sua importância. A imitação direta,tal como funciona em cena, consiste em gestos e falas.Enquanto que constituída por gestos, ela pode evidentemente representar ações, mas escapa aqui ao planolingüística, que é aquele onde se exerce a atividade específica do poeta. Enquanto que constituída por falas,discursos emitidos por personagens (é evidente que emuma obra narrativa a parte de imitação reduz-se a isso),ela não é rigorosamente falando representativa, pois quese limita a reproduzir tal e qual um discurso real oufictício. Pode-se dizer que os versos 12 a 16 da Ilíada,citados mais acima, nos dão uma representação verbaldos atos de Crisés, mas não se pode dizer a mesmacoisa dos cinco versos seguintes: eles não representamo discurso de Crisés: trata-se de um discurso realmentepronunciado, eles o repetem, literalmente, e caso se tratede um discurso fictício, eles o constituem, do mesmomodo literalmente; nos dois casos, o trabalho da representação é nulo, nos dois casos, os cinco versos deHomero se confundem rigorosamente com o discurso deCrisés: não acontece evidenremente a mesma coisa comos cinco versos narrativos que precedem, e que não seconfundem de nenhuma maneira com os atos de Crisés:
A classificação de Aristóteles é à primeira vistacompletamente diferente, pois que reduz toda a poesiaà imitação, distinguindo somente dois modos imitativos,o direto, que é o que Platão nomeia propriamente imitação, e o narrativo, que Aristóteles denomina, comoPIa tão, diegesis. Por outro lado, Aristóteles parece identificar plenamente não só, como Pltão, o gênero dramático ao modo imitativo, mas também, sem levar em consideração em princípio seu caráter misto, o gênero épicoao modo narrativo puro. Esta redução pode prender-seao fato de que Aristóteles define, mais estritamente doque Platão, o modo imitativo pelas condições cênicasda representação dramática. Ela pode justificar-se igualmente pelo fato de que a obra épica, qualquer que sejaa parte material dos diálogos ou discursos em estilodireto, e mesmo se esta parte sobrepuja a da narrativa,permanece essencialmente narrativa visto que os diálogos são aí necessariamente enquadrados e conduzidospelas partes narrativas que constituem, no sentido próprio, o fundo, ou, caso se queira, a trama de seu discurso. De resto, Aristóteles reconhece em Homero estasuperioridade sobre os outros poetas épicos, que ele intervém pessoalmente o menos possível em seu poema,colocando na maior parte das vezes em cena personagens caracterizados, conforme o papel do poeta, que éimitar o mais possível.' Desse modo, ele parece bemreconhecer implicitamente o caráter imitativo dos díálogos homéricos, e portanto o caráter misto da dicçãoépica, narrativa em seu fundo, mas dramática na suamaior extensão.
A diferença entre as classificações de PIa tão e Aristóteles reduz-se assim a uma simples variante de termos: essas duas classificações concordam bem sobre oessencial, quer dizer, a oposição do dramático e do narrativo, o primeiro sendo considerado pelos doís filósofoscomo mais plenamente imitativo que o segundo: acordosobre o fato, de qualquer modo sublinhado pelo desacordo sobre os valores, pois PIa tão condena os poetas
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«A palavra cão, diz William James, não morde». Casose chame imitação poética o fato de representar pormeios verbais uma realidade não verbal, e, excepcionalmente, verbal (como se chama imitação pictural ofato de representar por meios picturais uma realidadenão-pictural, e, excepcionalmente, pictural), é preciso admitir que a imitação encontra-se nos cinco versos narrativos, e não se encontra de modo nenhum nos cincoversos dramáticos, que consistem simplesmente na interpolação, ao meio de um texto representando acontecimentos, de um outro texto diretamente tomado a esses acontecimentos: como se um pintor holandês doséculo XVII, numa antecipação de certos procedimentosmodernos, tivesse colocado no meio de uma naturezamorta não· a pintura de concha de ostra, mas uma concha de ostra verdadeira. Esta comparação simplista foiintroduzida aqui para indicar claramente o caráter profundamente heterogêneo de um modo de expressão aoqual nos habituamos tanto, que não percebemos as maisabruptas modificações de registro. A narrativa «mista»segundo Platão, quer dizer, o modo de relação maiscorrente e mais universal, «imita» alternativamente, sobreo mesmo tom e, como diria Michaux, «sem mesmo vera diferença», uma matéria não verbal que ela deve efetivamente representar o melhor que puder, e uma matéria verbal que se representa por si mesma, e que secontenta o mais das vezes em citar. Caso se trate de
uma narrativa histórica rigorosamente fiel, o historiadornarrador deve ser muito sensível à mudança de regime,quando passa do esforço narrativo na relação dos atosrealizados à transcrição mecânica das falas pronunciadas, mas quando se trata de. uma narrativa parcial oucompletamente fictícia, o trabalho .da ficção, que seexerce igualmente sobre conteúdos verbais e não verbais,tem sem dúvida por efeito mascarar a diferença quesepara OS dois .tipos de imitação, dos quais um está,se posso dizê-l o, em prise direta, enquanto que o outrofaz intervir um sistema de engrenagens mais complexo.Admitindo (o que é entretanto difícil) que imaginar
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atos e imaginar falas procede .da mesma operação mental, «dizer» esses atos e dizer essas falas constituemduas operações verbais muito diferentes. Ou antes, sóa primeira constitui uma verdadeira operação, um atode dicção no sentido platônico, comportando uma sériede transposições e equivalências, e uma série de escolhas inevitáveis entre os elementos da história a seremretidos e os elementos a serem abandonados, entre osdiversos pontos de vista possíveis, etc., - todas as operações evidentemente ausentes quando o poeta ou o historiador se limita a transcrever um discurso. Pode-secertamente (deve-se mesmo) contestar esta distinção entre o ato de representação mental e o ato de representação verbal - entre o lagos e a lexis -, mas istosignifica contestar a própria teoria da imitação, queconcebe a ficção poética como um simulacro da reali~dade, tão transcendente ao discurso que ° institui quanto o acontecimento histórico é exterior ao discurso dohistoriador ou a paisagem representada no quadro: teoria que não faz nenhuma diferença entre ficção e representação, o objeto da ficção se reduzindo por ela aum real fingido e que espera ser representado. Ora,resulta que nesta perspectiva a noção mesmo de imitação sobre o plano da lexis é uma pura miragem, quedesaparece à medida que nos aproximamos dela: a linguagem só pode imitar perfeitamente a linguagem, oumais precisamente, o discurso só pode imitar perfeitamente um discurso perfeitamente idêntico; em resumo,um discurso só pode imitar ele mesmo. Enquanto lexis,a imitação direta é, exatamente, uma tautologia.
Nós fomos assim conduzidos a esta conclusão ines
perada, que o único modo empregado pela literaturaenquanto representação é o narrativo, equivalente verbalde acontecimentos não verbais e também (como mostrao exemplo forjado por Platão) de acontecimentos verbais, a não ser que ele se apague neste último casodiante de uma citação direta na qual se anula todafunção representativa, aproximadamente como um orador judiciário pode interromper seu discurso para deixar
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o tribunal examinar uma prova concreta. A representação literária, a mimesis dos antigos, não é portanto anarrativa mais os «discursos»: é a narrativa, e somentea narrativa. Platão oporia mimesis a diegesis como umaimitação perfeita a uma imitação imperfeita; mas a imitação perfeita não é mais uma imitação, é a coisa mesmo, e finalmente a única imitação é a imperfeita. Mimesis é diegesis.
Narração e descrição
Mas a representação literária assim definida, se ela seconfunde com a narrativa (no sentido lato), não sereduz aos elementos puramente narrativos (no sentidoestrito) da narrativa. E' preciso agora introduzir de direito, no seio mesmo da diegesis, uma distinção que nãoaparece nem em Platão nem em Aristóteles, e que desenhará uma nova fronteira, interior ao domínio da re~resentação. Toda narrativa comporta com efeito, emboraintimamente misturadas e em proporções muito variáveis, de um lado representações de ações e de acontecimentos, que constituem a narração propriamente dita,e de outro lado representações de obJetos e personagens, que são o fato daquilo que se denomina hoje adescrição. A oposição entre narração e descrição, alémde acentuada pela tradição escolar, é um dos traçosmaiores de nossa consciência literária. Trata-se no entanto aqui de uma, distinção relativamente recente, daqual seria necessário estudar algum dia o nascimentoe o desenvolvimento na teoria e na prática da literatura. Não parece, à primeira vista, que tenha tido umaexistência muito ativa antes do século XIX, quando aintrodução de longas passagens descritas em um gênerotipicamente narrativo como o romance coloca em evidência os recursos e as exigências do procedimento.·
Essa persistente confusão, ou despreocupação emdistinguir, que indica muito claramente, em grego, o em-o"Encontramo-Ia entretanto em Boileau. a propósito da epopéia:·Sede vivo e apressado em vossas narrações;Sede rico e pomposo em vossas descr'ições·.
(Art. Poét. 111, 257-258).
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prego do termo comum diegesis, deve-se talvez, sobretudo, ao status literário muito desigual dos dois tiposde representação. Em princípio, é evidentemente possível conceber textos puramente descritivos, visando a representar objetos em sua úníca existência espacial, forade qualquer acontecimento e mesmo de qualquer dimensão temporal. E' mesmo mais fácil conceber uma descrição pura de qualquer elemento narrativo do que oinverso, pois a mais sóbria designação dos elementose circunstâncias de um processo pode já passar porum esboço de descrição: uma frase como «A casa ébranca com um telhado de ardósia e janelas verdes»
não comporta nenhum traço de narração, enquanto queuma frase como «O homem aproximou-se .da mesa eapanhou uma faca» contém pelo menos, ao lado dos doisverbos de ação, três substantivos que, por menos qualificados que estejam, podem ser considerados como descritivos somente pelo fato de designarem seres animadosou inànimados; mesmo um verbo pode ser mais ou menos descritivo, na precisão que ele dá ao espetáculo daação (basta para se convencer deste fato comparar «empunhou a faca», por exemplo, a «apanhou a faca»),e por conseguinte nenhum verbo é completamente isentode ressonância descritiva. Pode-se portanto dizer quea descrição e mais indispensável do que a narração,uma vez que é mais fácil descrever sem narrar do quenarrar sem descrever (talvez porque os objetos podemexistir sem movimento, mas não o movimento sem objetos). Mas esta situação de princípio indica já, de fato,a natureza da relação que une as duas funções na imensamaioria dos textos literários: a descrição poderia serconcebida independentemente da narração, mas de fatonão se a encontra por assim dizer nunca em estadolivre; a narração, por sua vez, não pO,de existir semdescrição, mas esta dependência não a impede de representar constantemente o primeiro papel. A descriçãoé muito naturalmente ancilla narrationis, escrava semprenecessária, mas sempre submissa, jamais emancipada.Existem gêneros narrativos, como a epopéia, o conto,
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a novela, o romance, em que a descrição pode ocuparum lugar muito grande, e mesmo materialmente o maior,sem cessar de ser, como por vocação, um simples auxiliar da narrativa. Não existem, ao contrário, gênerosdescritivos, e imagina-se mal, fora do domínio didático(ou de ficções semididáticas como as de Jules Verne),uma obra em que a narrativa se comportaria como auxiliar da descrição.
O estudo das relações entre o narrativo e o descritivo reduz-se portanto, no essencial, a considerar asfunções diegéticas da descrição, isto é, o papel representado pelas passagens ou os aspectos descritivos naeconomia geral da narrativa. Sem entar entrar aqui nodetalhe deste estudo, reter-se-á pelo menos, na tradição literária «clássica» (de Homero ao fim do séculoXIX), duas funções relativamente distintas. A primeiraé, de certa forma, de ordem decorativa. Sabe-se que aretórica tradicional, classifica a descrição, do mesmomodo que as outras figuras de estilo, entre os ornamentos do discurso: a descrição longa e detalhada apareceria aqui como uma pausa e uma recreação na narrativa, de papel pUlamente estético, como o da esculturaem um e,difício clássico. O exemplo mais célebre dissoé talvez a descrição do escudo de Aquiles no cantoXVIII da I1íada. T E' sem dÚvida a este papel de cenárioque pensa Boileau quando recomenda a riqueza e apompa nesse gênero de trechos. A época barroca ficoumarcada por uma espécie de proliferação do excursodescritivo, muito sensível por exemplo no Moyse sauvéde Saint-Amant, mas que acabou por destruir o equilíbrio do poema narrativo em seu declínio.
A segunda grande função da descrição, a mais claramente manifestada hoje, porque se impôs, com Balzac,na tradição do gênero romanesco, é ,de ordem símultaneamente explicativae simbólica: os retratos físicos, asdescrições de roupas e móveis tendem, em Balzac, eseus sucessores realistas, a revelar. e ao mesmo tempo
, Pelo menos como a tradição clássica a interpretou e Imitou. E' preciso notarcontudo que a descrição neste caso tende a animar·se e portanto a se narrativlzar.
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a justificar a psicologia dos personagens, dos quais sãoao mesmo tempo signo, causa e efeito. A descrição tornase aqui, o que não era na época clássica, um elementomaior da exposição: que se pense nas casas de Mlle.Cormon em La Vieille Fille ou de Balthasar Claes emLa Recherche de l'Absolu. Tudo isso é não obstante jábem conhecido para que continue insistin,do. Notemossomente que a evolução das formas narrativas, substituindo a descrição ornamental pela descrição significativa, tendeu (pelo menos até o início do século XX)a reforçar a dominação do narrativo: a descrição perdeusem nenhuma dúvida em autonomia o que ganhou emimportância dramática. Quanto a certas formas do romance contemporâneo que apareceram inicialmente como tentativas de liberar o modo descritivo da tiraniada narrativa, não é certo que seja preciso verdadeiramente interpretá-Ias assim: caso se considere sob esteponto de vista, a obra de Robbe·Grillet apareceria talvezsobretudo como um esforço para realizar uma narrativa(uma história) por meio quase exclusivo de descriçõesimperceptivelmente mO,dificadas de página em página, oque pode passar ao mesmo tempo por uma confirmaçãonotável de sua irredutível finalidade narrativa.
E' necessário observar enfim que todas as diferen
ças que separam descrição e narração são diferençasde conteúdo, que não têm propriamente existência semiológica: a narração liga-se a ações ou acontecimentos considerados como processos puros, e por isso mesmo põe acento sobre o aspecto temporal e dramáticoda narrativa; a descrição ao contrário, uma vez que sedemora sobre objetos e seres considerados em sua simultaneidade, e encara os processos eles mesmos comoespetáculos, parece suspender o curso do tempo e contribui para espalhar a narrativa no espaço. Estes doistipos de discurso podem portanto aparecer como exprimindo duas atitudes antitéticas ,diante do mundo e daexistência, uma mais ativa, a outra 1l1ais contemplativae logo, segundo uma equivalência tradicional, mais «poética». Mas do ponto de vista dos modos de represen-
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"["ti
fação, narrar um acontecimento e descrever um objetosão duas operações semelhantes, que põem em jogo osmesmos recursos da linguagem. A diferença mais significativa seria talvez que a narração restitui, na suces.
são temporal .do seu discurso, a sllcessão igualmentetemporal dos acontecimentos, enquanto que. a descriçãodeve modular no sucessivo a representação de objetossimultâneos e justapostos no espaço: a linguagem narrativa se distinguiria assim por uma espécie de coinci
dência temporal com seu objeto, do qual a linguagemdescritiva seria ao contrário irremediavelmente privada.Mas esta oposição perde muito de sua força na literatura escrita, onde nada impede o leitor de voltar atrás
e de considerar o texto, em sua simultaneidade espacial, como um analogon do espetáculo que descreve: oscaligramas de Apollinaire ou as disposições gráficas doCoup de dés só fazem levar ao limite a exploração decertos recursos latentes da expressão escrita. Por outro
lado, nenhuma narração, mesmo a da reportagem radiofônica, não é rigorosamente sincrônica ao aconteci
mento que relata, e a variedade das relações que podemguardar o tempo da histÓria e o da narrativa acaba dereduzir a especificidade da representação narrativa. Aristóteles observa já que uma das vantagens da narrativasobre a representação cênica é poder tratar diversasações simultâncas 8: mas é obrigada a tratá-Ias sucessivamente, e então sua situação, seus recursos e seuslimites são análogos aos da linguagem descritiva.
Parece portanto claro que, enquanto modo da re
presentação literária, a descrição não se distingue bastante nitidamente da narração, m~m pela autonomia de
scus fins, nem pela originalidade .dc seus meios, paraque seja necessário romper a unidade narrativo-descritiva (a dominante narrativa) que Platão e Aristótelesdesignaram narrativa. Se a descrição marca uma fron
teira da narrativa, é bcm uma fronteira interior, e, tudosomado, bast:mte indecisa: englobar-se-á portanto semprejuÍZO, na noção de narrativa, todas as formas da re-
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presentação literária, e considerar-se-á a descrição nãocomo um dos seus modos (o que implicaria uma especificidade de linguagem), porém, mais modestamente,como um de seus aspectos - mesmo sendo este, deum certo ponto de vista, o mais atraente.
Narrativa e Discurso
Ao ler-se a República e a Poética, parece que Platão·e Aristóteles reduziram apriorística e implicitamente ocampo da literatura ao domínio particular da literaturarepresentativa: poiesis = mimesis. Caso consideremostudo o que se encontra excluído do poético por estadecisão, veremos desenhar-se uma última fronteira danarrativa, que poderia ser a mais importante e a maissignificativa. Trata-se somente, nada mais nada menos,da poesia lírica, satírica e didática: seja, para só citaralguns dos nomes que um grego dos séculos V ou IVdevia conhecer, Píndaro, Alceu, Safo, Arquíloco, Hesíodo.
Assim, para Aristóteles, e apesar de que usa o mesmometro que Homero, Empédocles não é um poeta: «E'preciso chamar a um poeta e ao outro físico e nãopoeta».· Mas certamente Arquíloco, Safo, Píndaro nãopodem ser chamados físicos: o que possuem em comumtodos os excluídos da Poética é que sua obra não consiste em imitação, por narrativa ou representação cênica,de uma ação, real ou fingida, exterior à pessoa e flt
palavra do poeta, mas simplesmente em um discursomantido por ele diretamente ~ em seu próprio nome.Píndaro canta os méritos do vencedor olímpico. Ar
quíloco invectiva seus inimigos políticos, Hesíodo dáconselhos aos agricultores, Empédocles ou Parmênidesexpõem sua teoria do universo: não há neles nenhumarepresentação, nenhuma ficção, simplesmente uma falaque se investe diretamente no discurso .da obra. Podese dizer a mesma coisa da poesia elegíaca latina e de
tudo que chamamos hoje muito largamente poesia lírica,
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e, passando à prosa, de tudo que é eloqüência, reflexãomoral e filosófica 1., exposição científica ou paracientífica, ensaio, correspondência, diário íntimo, etc. Todoesse domínio imenso de expressão direta, quaisquer quesejam seus modos, seus torneios, suas formas, escapaà reflexão da Poética enquanto negligencia a funçãorepresentativa da poesia. Temos aí uma nova divisão,de uma amplitude muito grande, pois que divide emduas partes de importância sensivelmente igual o conjunto do que chamamos hoje literatura.
Esta divisão corresponde aproximadamente à distinção proposta recentemente por Emile Benveniste 11 entre narrativa (ou história) e discurso, com a diferençaque Benveniste engloba na categoria do discurso tudoque Aristóteles chamava imitação direta, e que consisteefetivamente, ao menos por sua parte verbal, em discurso emprestado pelo poeta ou narrador a um de seuspersonagens. Benveniste mostra que certas formas gramaticais, como o pronome eu (e sua referência implicita tu), os «indicadores» pronominais (certos demonstrativos) ou adverbiais (como aqui, agora, hoje, ontem,amanhã, etc.), e, pelo menos em francês, certos temposdo verbo, como o presente, o passado composto ou ofuturo, se encontram reservados ao discurso, enquantoque a narrativa em sua forma estrita é marcada peloemprego exclusivo da terceira pessoa e de formas comoo aoristo (passado simples) e o mais-que-perfeito. Quaisquer que sejam os detalhes e as variações de um idiomaa outro, todas estas diferenças se reduzem claramentea uma oposição entre a objetividade da narrativa e asubjetividade do discurso; mas é preciso indiéar qucse trata no caso de uma objetividade e de uma subjetividade definida por critérios de ordem propriamcntelingüística: é «subjctivo» o discurso onde se marca, explidtamente ou não, a presença de (ou a referênciaa) eu, mas cste eu não se define de nenhum modo
,. Como é a dicção que conta aqui, e não o que é dito, exclulr-se-ão destalista, como o fez Arlstóteles [1447 bJ. os diálogos socráticos de Platão, etodas as exposições em forma dramática, que se prendem à imitação em prosa.""les relations de temps dans le verbe françals", B.S.l. 1959; relmpressClnos Problemes de linguistique générale, pp. 237-250.
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como a pessoa que mantém o discurso, do mesmo modoque o presente, que' é o tempo por excelência do mododiscursivo, não se define de nenhum modo como o momento em que o discurso é enunciado, sem empregomarcando «a coincidência do acontecimento descrito coma instância do discurso que o descreve». U Inversamente,a objetividade da narrativa se define pela ausência detoda referência ao narrador: «Para dizer a verdade, ónarrador não existe mesmo mais. Os acontecimentos sãocolocados como se produzem à medida que aparecemno horizonte da história. Ninguém fala aqui; os acontecimentos parecem narrar-se a si mesmos»."
Temos aí, sem nenhuma' dúvida, uma descrição perfeita daquilo que é, em sua essência e em sua oposiçãoradical a toda forma de expressão' pessoal do locutor,a narrativa em estado puro, tal como se pode idealmente conceber e tal como se pode efetivamente localizá-Ia em alguns exemplos privilegiados, como os queo próprio Benveniste toma emprestado ao historiadorGlotz e a Balzac. Reproduzimos aqui o extrato de Gambara, que analisaremos a seguir em detalhe:
«Após uma volta pela galeria, o rapaz olhou alternativamente o céu e seu relógio, fez um gesto de im
paciência, entrou em uma tabacaria, onde ácendeu umcharuto, colocou-se diante de um' espelho, e lançou umolhar a seu costume, um pouco mais rico do que opermitem em França as leis do gosto. Reajustou seucolarinho e seu colete de veludo negro sobre o qualse cruzava diversas vezes uma dessas grossas correntes de ouro' fabricadas em Oênes; então, após haverlançado de um só movimento sobre o ombro esquerdoo casaco forrado de veludo e arrumando-o com elegân
,da, retomou seu passeio sem se deixar .distrair pelasolhadelas burguesas que recebia. Quando as lojas co-meçaram a se iluminar e a noite lhe pareceu bastanteescura, ele se dirigiu para a praça do Palais-Royal comoum homem qu~ temia ser reconhecido, pois contornou
tO .De Ia subJecttvlté dans fé langage·, op. clt., p. 262.ta Ibid. p. 241. .
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a praça até a fonte, para ganhar o abrigo dos fiacresà entrada da rua Froidmanteau ... »
Neste grau de pureza, a dicção própria da narrativa é de certa forma a transitividade absoluta do texto,a ausência perfeita (deixando de lado algumas infrações às quais voltaremos dentro em pouco), não somente do narrador, mas também da própria narração,{f'êia eliminação rigorosa de qualquer referência à instância de discurso que o constitui. O texto está aí, sobnossos olhos, sem ser proferido por ninguém, e nenhuma (ou quase) das informações que contém exige, paraser compreendida ou apreciada, ·de ser relacionada comsua fonte; avaliada por sua distância ou sua relaçãoao locutor e ao ato de locução. Se compararmos um talenunciado com uma frase como esta: «Eu esperava paraescrever a você que tivesse morada fixa. Enfim estoudecidido: passarei o inverno aqui»", medir-se-á a queponto a autonomia da narrativa opõe-se à dependênciado discurso, cujas determinações essenciais (quem é eu,quem é você, que lugar designa aqui?) só podem serdecifradas em relação à situação na qual foi produzida.No discurso, alguém fala, e sua situação no ato mesmode falar é o foco das significações mais importantes;na narrativa, como ° diz Benveniste' com força, ninguém fala, no sentido de que em nenhum momento temosde nos perguntar quem fala (onde e quando, etc.) parareceber integralmente a significação do texto.
Mas é preciso acrescentar logo que as essências danarrativa e do discurso assim definidas não se encontram quase nunca em estado puro em nenhum texto:há quase sempre uma certa proporção de narrativa nodiscurso, uma certa dose de discurso na narrativa. Paradizer a verdade, aqui se esgota a simetria, pois tudose passa como se os dois tipos de expressão se encontrassem muito diferentemente afetados pela contaminação: a inserção de elementos narrativos no plano dodiscurso não basta para emancipar este último, poiseles permanecem com maior freqüência ligados à refe.:.
,. Senancour. Oberman. Carta V.
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rência do locutor, que fica implicitamente presente noúltimo plano, e que pode intervir de novo a cada instante sem que este retorno seja considerado como uma«intrusão». Assim, lemos nas Mémoires d' outre-tombeesta passagem aparentemente objetiva: «Quando o marestava alto e havia tempestade, as ondas, chicoteadasao pé do castela, do lado da grande praia, espirravamaté as grandes torres. A vinte pés de altura acima dabase de uma dessas torres, um parapeito de granitodominava, estreito e escorregadio, inclinado, pelo qualse atingia o revelim que defendia o fosso: tratava-sede pegar o instante entre duas vagas, atravessar o perigoso sítio antes que a vaga se quebrasse e cobrissea torre ... »." Mas sabemos que o narrado r, cuja pessoa foi momentaneamente eliminada durante esta passagem, não foi muito longe, e não ficamos nem surpresos nem embaraçados quando ele retoma a palavrapara acrescentar: «Nenhum de nós se recusava à aventura, mas eu vi crianças empalidecer antes detentá-Io».A narração não tinha verdadeiramente saído da ordemdo discurso na primeira pessoa, que a tinha absorvidosem esforço nem distorção, e sem cessar de ser elemesmo. Ao contrário, qualquer intervenção de elementosdiscursivos no interior de uma narrativa é sentida comouma infração ao rigor do partido narrativo. Aconteceisto com a breve reflexão inserida por Balzac no textotranscrito acima: «seu costume um pouco mais rico do
que o permitem em França as leis do bom gosto». Podese dizer o mesmo da expressão demonstrativa «umadessas correntes de ouro fabricadas em: Gênova», quecontém evidentemente o esboço de uma passagem no
presente (fabricadas corresponde não a que se fabricavam, mas sim a que se fabricam) e de umaalocuçãodireta ao leitor, implicitamente tomado como testemunha.Dir-se-ia ainda o mesmo do adjetivo «olhadelas bur
guesas» e da locução adverbial «com elegância», queimplicam um julgamento cuja fonte é aqui visivelmenteo narrador; da expressão relativa «como um homem
1l livro primeiro. capo V.
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Sabe-se com efeito que o romance nunca conseguiuresolver de maneira convincente e definitiva o problemacolocado por essas relações. Ora, como foi o caso daépoca clássica, em um Cervantes, um Scarron, um Fielding, o autor-narrador, assumindo complacentemente seupróprio discurso, intervém na narrativa com uma indiscrição ironicamente marcada, interpelando seu leitor notom da conversação familiar; ora, ao contrário, comose vê ainda na mesma época, ele transfere todas asresponsabilidades do discurso a um personagem principal que falará, isto é, narrará e comentará ao mesmotempo os acontecimentos, na primeira pessoa: é o casodos romances picarescos, de Lazarillo a Gil Blas, e deoutras obras ficticiamente autobiográficas como ManonLescaut ou a Vie de Marianne; ora ainda, não podendose resolver nem a falar em seu próprio nome nem aconfiar essa tarefa a um só personagem, ele reparte odiscurso entre os diversos atores, seja sob a forma decartas, como fez freqüentem ente o romance do séculoXVIII (La Nouvelle Héloise, Les Liaisons dangereuses),seja, à maneira mais ágil e sutil de um Joyce ou deum Faulkner, fazendo sucessivamente a narrativa serassumida pelo discurso interior de seus principais personagens. O único momento em que o equilíbrio entrenarrativa e discurso parece ,ter sido assumido com umaboa consciência perfeita, sem escrúpulo ou ostentação,é evidentemente o século XIX, a idade clássica da narração objetiva, de Balzac a Tolstoi; vê-se ao contrárioa que ponto a época moderna acentuou a consciênciada dificuldade, até tornar certos tipos de alocução comofisicamente impossíveis para os escritores mais lúcidose mais rigorosos.
Sabe-se bem, por exemplo, como o esforço paraconduzir a narrativa ao seu mais alto grau de purezalevou certos escritores americanos, como Hammett ouHemingway, a excluir dela a exposição dos motivospsicológicos, sempre difícil de apresentar sem recursoa considerações gerais de natureza discursiva, as qualificações implicando numa apreciação pessoal do nar-
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que temia», que em latim seria expressa no subjuntivopela apreciação pessoal que comporta; e em fim daconjunção «pois contornou», que introduz uma explicação proposta pelo autor. E' evidente que a narrativanão integra esses enclaves discursivos, justamente chamados por Georges Blin «intrusões do autor», tão facilmente quanto o discurso acolhe os enclaves, narrativos: a narrativa inserida no discurso se transforma emelemento do discurso, o discurso inserido na narrativapermanece discurso e forma uma espécie de quistomuito fácil de reconhecer e localizar. A pureza da narrativa, dir-se-ia, é mais fácil de preservar do que ado discurso.
A razão desta dissimetria é de resto muito simples,mas ,nos designa um caráter decisivo da narrativa: naverdade, o discurso não tem nenhuma pureza a preservar, pois é o modo «natural» da linguagem, o maisaberto e o mais universal, acolhendo por definição todas as formas; a 1 narrativa, ao contrário, é um modoparticular, definido por um certo número de exclusõese de condições restritivas (recusa do presente, da primeira pessoa, etc.). O discurso pode «narrar» sem cessar de ser discurso, a narrativa não pode «discorrer»sem sair .de si mesma. Mas não pode também absterse dele sem tombar na secura e na indigência: é porque a narrativa não existe nunca por assim dizer nasua forma rigorosa. A menor observação geral, o menoradjetivo um pouco mais que descritivo, a mais discretacomparação, o mais modesto «talvez», a mais inofensivadas articulações lógicas introduzem em sua trama umtipo de fala que lhe é estranha, e como refratária. Seria', preciso, para estudar em detalhe esses acidentes àsve~es microscópicos, numerosas e minuciosas análisesde textos. Úm .dos objetivos deste estudo. poderia sero de repertoriar e classificar os meios pelos quais aliteratura narrativa (e particularmente romanesca) temtentado organizar de uma maneira aceitável, no interiorde sua própria lexis, as relações delicadas que aí entretêmas exigências da narrativa e as necessidades do discurso.
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rádor, as ligações lógicas, ete., até reduzir a dicção romanesca a essa sucessão brusca de frases curtas, semarticulações, que Sartre reconhecia em 1943 em L'Etranger de Camus, e que se pôde reencontrar dez anos maistarde em Robbe-Grillet. O que se interpretou com freqüência como uma aplicação à literatura das teoriasbehavioristas era talvez somente o efeito de uma sensibilidade particularmente aguda a certas incompatibilidades da linguagem. Todas as flutuações da escritura romanesca contemporânea ganhariam sem dúvida se analisadas sob este ponto de vista, e particularmente atendência atual, talvez inversa da precedente, e completamente manifestada em um SoIlers ou um Thibaudeau,
por exemplo, de fazer desaparecer a narrativa no discurso presente do escritor no ato de escrever, no queMichel Foucault chama «o discurso ligado ao ato deescrever, contemporâneo de seu desenvolvimento e encerrado nele». to Tudo se passa aqui como se a literatura tivesse esgotado ou ultrapassado os recursos de seumodo representativo, e quisesse refletir sobre o murmúrio indefinido de seu próprio discurso. Talvez o romance, .após a poesia, vá sair definitivamente da idade da representação. Talvez a narrativa, na singularidade negativa que acabamos de lhe reconhecer, seja já para nós,como a arte para Hegel, uma coisa do passado, que épreciso considerar às pressas em sua retirada, antesque tenha desertado completamente nosso horizonte.
GÉRARD GENETTE
Faculdade de Letras e Ciências Humanas, Paris.
10 "L'arriere-fable", L'Arc, número especial sobre Jules Verne, p. 6.
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Dossiê:
ESCOLHA BIBLIOGRÁFICA
A narrativa pertence, em princípio, a uma ciência já constituída,a história literária, que no essencial; entretanto, não foi aindatratada de um ponto de vista estrutural; por outro lado, abibliografia do estruturalismo é certamente abundante mas semrelação. direta com a narrativa. Disto resulta que uma bibliografiada análise estrutural da narrativa não pode ser senão muito reduzida, limitada às obras e aos textos já bem conhecidos dePropp (Morphologie du conte), Dumézil (La Saga de Hadingus: dumythe au roman), Lévi-Strauss, Greimas (Sémantique StructuraDe Bremond ("Le message narrati!", in Communications n. 4), ouinfinita, alongada notadamente, perspectiva monstruosa, de tudoque se escreveu sobre o conto, a epopéia, o romance, o teatro, etc.Entre estes dois partidos, escolhemos, com arbitrariedade evidente mas ao que parece inevitável, apresentar um número modestode trabalhos, escolhidos durante nossas leituras; esses trabalhosencontram-se todos, às vezes de uma maneira implícita, em razão de sua data, relacionados com o ponto de vista estruturalista. Não é, pois, uma bibliografia que propomos; é, caso sequeira, um primeiro dossiê de trabalho.
As obras que seguem foram escolhidas em comum pela equipe do Centre d'Etudes de Communications de Masse; foram apresentadas por Cl. Bremond, O. Burgelin, G. Genette e T. Todorov.São apresentadas aqui na ordem aproximada de seu aparecimento. R. B.
Lu d w i g (Otto), Studien (Gesammelte Schriften, VI), Leipzig,1891.~ Em seus estudos sobre o romance, Ludwig esboçou doisgrandes tipos de narrativa que chama "a narrativa propriamentedita" e "a narrativa cênica". Na narrativa propriamente dita, onarrador deve levar em conta sua própria representação na obra:ele narra a história segundo a ordem em que a conheceu e "será
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