Análise filológica: carta de José Martiniano de Alencar

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1. Transcrição da carta - edição diplomática [I-1,19,32] Digo eu à baxo assignado, que entre os mais bens, que possu[o] de mansa e pacifica posse ha huã Escrava mulata de nome A[n-] gela, que houve por herança de meos Paes, aqual pelos bons servissos que me tem prestado desde que estivi estudan- do em Pernambuco, e sirvindo-me sempre sem interrup- ção desde que heramos mossos athe hoje que ambos so- mos maiores de 60 annos, /e como hoje fasso annos / forro como de facto forrado a tenho de hoje p.ª sempre afim de gozar de sua liberdade como se fora nascida livre, pas- sando-lhe esta Carta de alforria, que tera todo o vigor ainda q. alguã formali. de lhe falte; pois he minha livre, e espontanea vontade forrar esta Escrava gra- tuitamente, e pelo amor de Deus em attenção aos longos annos de sirvisso, que della tenho recebido, como à cima disse, podendo ser esta registada nos Livros das Notas de qualquer Tabelião p.ª ter todo vigor. Rio de Janeiro na Chacara de minha residencia na Rua do Maruhy em S. Christovão aos 16 de Outubro de 1855 espaço de 1 linha Jozé Martiniano d’Alencar. Jozé Martiniano d’Alencar.

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Análise filológica da carta de José Martiniano de Alencar

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1. Transcrição da carta - edição diplomática

[I-1,19,32]

Digo eu à baxo assignado, que entre os mais bens, que possu[o]

de mansa e pacifica posse ha huã Escrava mulata de nome A[n-]

gela, que houve por herança de meos Paes, aqual pelos

bons servissos que me tem prestado desde que estivi estudan-

do em Pernambuco, e sirvindo-me sempre sem interrup-

ção desde que heramos mossos athe hoje que ambos so-

mos maiores de 60 annos, /e como hoje fasso annos / forro

como de facto forrado a tenho de hoje p.ª sempre afim

de gozar de sua liberdade como se fora nascida livre, pas-

sando-lhe esta Carta de alforria, que tera todo o vigor

ainda q. alguã formali.de lhe falte; pois he minha

livre, e espontanea vontade forrar esta Escrava gra-

tuitamente, e pelo amor de Deus em attenção aos longos

annos de sirvisso, que della tenho recebido, como à cima

disse, podendo ser esta registada nos Livros das Notas de

qualquer Tabelião p.ª ter todo vigor. Rio de Janeiro

na Chacara de minha residencia na Rua do Maruhy

em S. Christovão aos 16 de Outubro de 1855

espaço de 1 linha

Jozé Martiniano d’Alencar.

Jozé Martiniano d’Alencar.

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2. Comprovação da autoria da carta

O presente manuscrito (anexo 1) se trata de uma carta de alforria escrita

em nome de “Jozé Martiniano de Alencar”, concedida gratuitamente à uma

escrava sua. Há no manuscrito alguns dados importantes para a identificação

do autor da carta.

Além da assinatura inscrita, consta a informação de que ele estudou em

Pernambuco, de que naquela data em que redigia a carta era seu aniversário,

e que no presente momento ele tinha mais de 60 anos. A data grafada na carta

– 16 de outubro de 1855 – coincide com a data de nascimento de José

Martiniano de Alencar, padre e político que viveu no período de 1794 a 1860 e

que foi deputado, senador e presidente da província do Ceará. Fontes diversas

(consultar bibliografia) afirmam que ele ingressou em um seminário em

Pernambuco e inclusive teve um papel importante na Confederação do

Equador. Mudou-se para o Rio de Janeiro tempos depois, com endereço na

Rua do Maruhy, o mesmo que consta no manuscrito.

A partir dessas informações, somada aos manuscritos encontrados no

acervo da Biblioteca Nacional – que estão claramente com dados de autoria de

manuscritos de pai e filho trocados – podemos concluir que o manuscrito

analisado neste trabalho é de autoria de José Martiniano de Alencar, pai do

escritor José de Alencar.

Os Anexos 2.1 e 2.2 se tratam de uma carta de alforria redigida em

1868, erradamente indicada no acervo da BN como sendo de autoria de José

Martiniano de Alencar (pai), porém nesta data ele já havia falecido. Em busca

de comprovar que este manuscrito é de autoria de José de Alencar (filho),

estão anexados alguns manuscritos de sua autoria (anexos 3, 4, 5.1, 5.2 e 5.3),

que possuem caligrafia e assinatura similares aos anexos 2.1 e 2.2.

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3. Um panorama acerca das cartas de alforria no Rio de Janeiro

O manuscrito analisado neste trabalho se trata de uma carta de alforria

concedida a uma escrava em meados do século XIX. No intuito de conhecer o

contexto histórico a que pertence esse documento, tratarei aqui sobre os

aspectos que nortearam as manumissões desde seu advento até esta época.

Mary Karasch observa: “A carta de alforria era a prova da liberdade de

um escravo, introduzindo-o na vida precária de uma pessoa liberta numa

sociedade escravista. (...) a carta transferia o título de propriedade (o cativo) de

senhor para escravo. Em certo sentido, os escravos literalmente compravam-se

ou eram doados para si mesmos.” (2000: 439).

Este trecho expõe o que representavam os negros em tempos de

escravidão: não eram considerados seres humanos, eram apenas mercadoria,

que, com alguma sorte, conseguia ter um bom relacionamento com seus

donos, e conseguiam, através de um longo processo de negociação, a sua

liberdade.

Séculos XVII e XVIII

As primeiras cartas de alforria que se tem notícia são de meados do

século XVII. Desde este período até a inevitável abolição da escravatura no

final do século XIX, as alforrias eram concedidas pelos mais variados motivos,

como a paternidade não declarada de um senhor, por gratidão ou mesmo

porque o cativo conseguia, de alguma forma, pagar por sua liberdade.

Entre os séculos XVII e XVIII, o Rio de Janeiro passou por

transformações econômicas e sociais que os colocou em posição de grande

importância no tráfico negreiro. No início do século XVII havia uma elite

formada por descendentes dos colonizadores, que detinha tanto a atividade

agrária como a do comércio, além de ocuparem também cargos políticos.

Através de casamentos entre comerciantes e filhas de membros da elite

senhorial, elite agrária e elite mercantil se fundiram e, ao final do século, fez

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surgir uma nova elite, a de homens de negócios, que passaram a controlar não

apenas a atividade mercantil, mas também outras atividades como o crédito e o

tráfico de escravos. Assim, no início do século XVIII, a capitania do Rio de

Janeiro se transformara no principal destino do tráfico de escravos no Brasil.

E é exatamente esta tranformação socioeconômica que determina o

crescimento no número de cativos alforriados. Anteriormente, os senhores de

engenho dificilmente libertavam seus escravos devido ao baixo número de

africanos que iam para a capitania. Com o crescimento deste número,

consequência da ascensão do Rio de Janeiro no tráfico, as alforrias têm um

aumento considerável, pois a libertação só ocorria se o senhor pudesse

substituir aquele cativo.

Quanto ao gênero e idade dos alforriados desta época, é possível

observar que há uma predominância de mulheres adultas. Logo, o número de

crianças alforriadas diminuiu ao longo do século XVIII justamente devido ao

aumento de manumissões concedidas às mulheres. Além disso, em relação à

origem, há uma predominância de crioulos em detrimento dos africanos.

DISTRIBUIÇÃO (%) DOS ALFORRIADOS CONFORME O SEXO, 1650-1750.

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Homem

Mulher

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DISTRIBUIÇÃO (%) DOS ALFORRIADOS POR FAIXAS ETÁRIAS, 1650-1750

Fonte dos gráficos: SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá. A produção da liberdade: padrões gerais das

manumissões no Rio de Janeiro colonial, 1650-1750. In: FLORENTINO, Manolo (org). Tráfico,

Cativeiro e Liberdade – Rio de Janeiro séculos XVII-XIX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

No século XVII, o maior número de alforrias eram gratuitas. Já ao longo

do século XVIII, as alforrias pagas se tornam mais frequentes, pois as

mudanças econômicas como o descobrimento do ouro e diamante em Minas

Gerais proporcionaram uma maior circulação de valores nas capitanias,

contribuindo para que os cativos pudessem pegar empréstimos, pedir esmolas,

ou mesmo desenvolver atividades mercantis nas ruas.

Mas nem sempre a liberdade era facilmente adquirida, pois muitos

senhores apenas concediam a alforria mediante uma condição. Eram as

chamadas alforrias condicionais, que era cedidas após um período de serviço,

ou mesmo somente depois da morte do senhor. Havia também aqueles que

recebiam os valores em parcelas, libertando o cativo somente após o

pagamento integral do valor estipulado.

Muitas alforrias também eram pagas por terceiros. Um padrinho de uma

criança, ou a mãe que pagava a liberdade para o filho, ou mesmo o filho que

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Crianças

Adultos

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pagava a liberdade da mãe, um senhor que libertava os filhos de uma escrava

por afeição às crianças, enfim, inúmeras maneiras de libertação que, não raro,

eram cedidas gratuitamente.

PARTICIPAÇÃO DOS DIVERSOS TIPOS DE ALFORRIAS, 1650-1750

Fonte - gráfico baseado em: SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá. A produção da liberdade: padrões gerais

das manumissões no Rio de Janeiro colonial, 1650-1750. In: FLORENTINO, Manolo (org). Tráfico,

Cativeiro e Liberdade – Rio de Janeiro séculos XVII-XIX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

Século XIX

A partir do século XIX, com a expansão da lavoura do café na região

Sudeste, e com o constante crescimento das tradicionais culturas coloniais de

exportação como o açúcar e o algodão, se fez necessária a ampliação do

tráfico negreiro, que atingiu seu auge na década de 1830.

Durante todo o período escravista, os cativos desempenhavam

inúmeras funções. Havia escravos que viviam na zona rural, e que dificilmente

saíam da fazenda onde trabalhavam; mas havia também os escravos da zona

urbana, e muitos deles, ao longo das décadas em que a crescente urbanização

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1650-1700 1711-1720 1727-1740 1741-1750

gratuita

autopagamento

terceiros

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se fez presente, acabavam se tornando o que é chamado de escravos de

ganho. Estes, por sua vez, tinham uma certa “liberdade” (com todas as

ressalvas que o termo em si suscita) pois trabalhavam nas ruas como

vendedores ambulantes, ou mesmo como artesãos nas fábricas, e davam uma

parcela do valor recebido para seu senhor e ficavam com outra parte. Muitos

deles eram alugados para executarem os mais variados serviços, tanto nas

casas de outros senhores, como nas fábricas ou diretamente nas ruas.

E com a massiva oferta de escravos e a maior possibilidade de comprar

a liberdade, um número maior de alforrias foram concedidas, elevando o

número de trabalhadores negros livres nas áreas urbanas. No entanto, na zona

rural, o trabalho escravo continuou sendo a base da mão de obra até a

abolição. Estes dificilmente saíam da fazenda onde trabalhavam, e tinham

poucas chances de libertação.

Neste século, a predominância de mulheres alforriadas também se faz

presente, conforme pode-se ver na tabela abaixo:

ALFORRIA DE LIBERTOS POR SEXO, 1807-1831

Brasileiros

Área Africanos Adultos Crianças Total Desconhecido Total

Homens

- Urbana 115 128 51 179 33 327

- Rural 39 83 24 107 6 152

- Total 154 211 75 286 39 479

Mulheres

- Urbana 285 216 66 282 24 591

- Rural 65 129 35 164 20 249

- Total 350 345 101 446 44 840

Soma Total 1319

Fonte: KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia

das Letras, 2000.

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Diferentemente dos séculos anteriores, as alforrias gratuitas se tornaram

raras. E a libertação era concedida mais frequentemente por homens de

posição social mediana, que moravam nas cidades e exerciam profissões

urbanas. Dificilmente, senhores donos de fazendas e membros da nobreza

concediam tal documento aos seus mancípios.

FORMAS DE ALFORRIA, 1807 – 1831

Donos

Formas de alforria Homens Mulheres Dois¹ Total %

Leito de Morte 48 30 28 106 11,7

Condicional 85 105 5 195 21,6

Incondicional 114 61 7 182 20,1

Comprada 217 129 10 356 39,4

- Autocomprada 143 82 6 231 25,6

- Comprador Desconhecido 37 15 3 55 6,1

- Por Terceiro 37 32 1 70 7,7

Ratificada 9 12 __ 21 2,3

Duas ou Mais² 20 15 __ 35 3,9

Desconhecida 5 3 1 9 1,0

TOTAL 498 355 51 904

Fonte: KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das Letras, 2000. ¹ Dois ou mais donos libertaram o escravo. ² O dono usou mais de uma forma para libertar o escravo.

Desde o século XVII, as manumissões foram adquirindo certas

diferenciações. Havia as libertações legais, que eram concedidas pelo governo

ou mesmo pela coroa: em situações de maltratos pelos donos, por recompensa

a delações de crimes de terceiros, e também por prestarem serviços militares.

Na maioria das vezes, estas eram concedidas contra a vontade do dono. Já as

alforrias individuais eram aquelas concedidas através de acordos entre cativo e

seu senhor exclusivamente, mantendo-se as modalidades gratuita, condicional

e compradas.

Page 9: Análise filológica: carta de José Martiniano de Alencar

O processo de abolição da escravatura se configurou lentamente.

Primeiramente houve a proibição do tráfico em 1850 através da Lei Eusébio de

Queiróz, que provocou a elevação dos preços dos cativos, e o aumento do

tráfico interno, até este último ser proibido na década de 1870; em 1872 foi

criada a Lei do Ventre Livre, que considerava livre todos os filhos de escravos

nascido a partir deste ano; e neste mesmo ano, criou-se fundos para a compra

de alforrias. Apenas em 1885, três anos antes da total abolição, todos os

mancípios com mais de 65 anos foram libertados.

Page 10: Análise filológica: carta de José Martiniano de Alencar

4. Análises

4.1 – Análise linguística – ponto de vista sintático

O texto apresentado na carta é composto de apenas um parágrafo,

havendo diversas pausas através de vírgulas e apenas um ponto-e-vígula. O

ponto final é utilizado somente ao término do texto, separando-o da datação e

localidade em que foi escrito, e também usado após as duas assinaturas do

autor.

Cunha (2001, p. 643) define a vírgula, o ponto e o ponto-e-vírgula como

marcadores de pausa. Define a vírgula como marca de uma pausa breve; o

ponto como “a pausa máxima da voz depois de um grupo fônico de final

descendente”; e o ponto-e-vírgula como um intermediário entre eles.

Acioli (1994, p. 63) aponta que é comum, nos manuscritos dos séculos

XVIII e XIX, o uso constante de vírgulas e períodos longos, além de traços

oblíquos que servem como pontos. Observa-se, neste trecho do documento, o

uso de traços oblíquos:

É utilizado no documento as seguintes pontuações:

- ponto final: 2, utilizado apenas ao final, separando o texto da carta do

local e data, e após as assinaturas;

- vírgulas: 13 vírgulas

- ponto e vírgula: 1

- barras (traços oblíquos): 2

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4.2 – Análise ortográfica

Segundo Coutinho (1973, p. 71), a história da ortografia portuguesa é

dividida em três períodos: o fonético, o pseudo-etimológico e o simplificado. No

século XIX, o português brasileiro se encontrava no período pseudo-

etimológico, e por isso possuía um padrão de escrita conservador, com

tendência a preservar-se alguns traços latinos mas, ao mesmo tempo, era

baseado na oralidade, sem que houvesse uma regra ortográfica bem definida.

No manuscrito em questão, podemos analisar que todo o texto é

composto de uma escrita ligeiramente baseada na linguagem oral. Isso é

justificado por Kemmler (2008, p. 53), que afirma que o sistema ortográfico

utilizado até o final do século XIX era a ortografia usual, “uma norma

reconciliadora entre as tendências etimologizante e fonética, incluindo ainda

fortes traços pseudoetimológicos”.

A seguir, alguns termos contidos no manuscrito que exemplificam a

ortografia da época:

à baxo: corresponde ao advérbio de lugar abaixo: a + baixo < ad +

bassu (do latim).

assignado: corresponde a assinado. Devido a origem latina, ainda no

século XIX costumava-se manter a unidade gn na palavra. De acordo

com o dicionário Aulete:

assinar v. tr. || firmar com seu sinal ou assinatura (carta ou escritura para a tornar valiosa e

responder por ela). || Marcar com o seu nome (uma obra, para se declarar autor dela): Assinar um

livro, um quadro. || Apontar, mostrar, designar || -, v. pr.assinar, escrever a própria assinatura. ||

(Ant.) Persignar-se, fazer o sinal da cruz. || Assinalar-se. F. lat. Assignare.

huã escrava; alguã: nasalisação característica da fala, substituindo o m

pelo til (~).

meos paes: substituição da letra u para a letra o e da letra i para a letra e.

Os dois casos se caracterizam pela interferência da oralidade.

Page 12: Análise filológica: carta de José Martiniano de Alencar

annos, attenção, della: geminação das consoantes n, t e l devido ao

período pseudo-etimológico, que mantinha este um traço de origem latina.

forro: Neste caso, forrar tem o significado de alforriar, conceder a liberdade

a alguém. De acordo com o dicionário Aulete:

forrar¹ v. tr. || pôr forro em, cobrir com forro; cobrir com pano, com papel, com lâminas de metal,

com peça de madeira delgada, etc.: || Poupar; economizar; fazer pecúlio: || (Fig.) Desforrar-se, tirar

a desforra; ressarcir o perdido. || Poupar-se, esquivar-se tratar de evitar.

forrar² v. tr. || tornar forro2 ou livre, dar alforria a, pôr em liberdade; resgatar.

facto: utilização da unidade ct devido a tendência do período pseudo-

etimológico.

4.3 – Análise paleográfica

Cambraia define a paleografia como o estudo das escritas antigas (2005,

p. 23), tendo por finalidade compreender a constituição sócio-histórica dos

sistemas de escrita e capacitar os leitores modernos a avaliarem a

autenticidade de um documento.

De acordo com Acioli (1994, p. 30-42), a evolução da escrita se dá em

três grandes períodos: período greco-latino, que corresponde à escrita capital,

a primeira que se tem notícia na paleografia grega e latina, e que se estende

até o século VIII; período romano, correspondente à escrita carolina, que surgiu

ao final do século VIII; período gótico, representando a escrita gótica, que

surge no sécullo XI; e período humanístico, que corresponde à escrita

humanística, que surgiu a partir do século XV no Renascimento.

O manuscrito analisado neste trabalho contém a escrita humanística,

cursiva e de traçado livre, em que é possível determinar alguns critérios em

relação ao traçado de cada letra.

A letra s, por exemplo, tem seu traçado de acordo com a próxima letra

que o sucede na palavra:

Page 13: Análise filológica: carta de José Martiniano de Alencar

1) Quando é sucedido por outro ‘s’, possui um traçado vertical e oblíquo,

maior que as outras letras; diferentemente da letra que o precede, o ‘s’

seguinte se caracteriza por um traçado curto e arredondado, ligeiramente

separado da próxima letra que faz parte da palavra grafada:

assignado

possu[o]

posse

servissos

mossos

fasso

2) Quando é sucedido por qualquer outra letra, o ‘s’ se caracteriza pelo

traçado curto e arredondado, podendo estar no início da palavra ou no meio:

os mais bens

mansa

meos

Page 14: Análise filológica: carta de José Martiniano de Alencar

sirvindo-me

sempre sem

ambos

3) Quando é sucedido por qualquer outra letra, o ‘s’ também pode se

caracterizar por um traçado curto e mais quadrado:

Paes

bons

prestado desde

estivi

desde

3) Exceções:

so-

mos*

Estando no início da palavra,

pode apresentar um traçado

mais vertical e arredondado

nascida

Estando antes do c, apresenta

traçado vertical e oblíquo, com

Page 15: Análise filológica: carta de José Martiniano de Alencar

um leve arredondado na parte

inferior

Deus

Ao final da palavra, traçado

arredondado e comprido na

parte inferior

sirvisso

Estando no início da palavra,

pode apresentar um traçado

mais vertical e arredondado

S. Christovão

Única letra ‘s’ maiúscula do

documento

* separação de sílaba devido à margem

Page 16: Análise filológica: carta de José Martiniano de Alencar

BIBLIOGRAFIA

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Page 18: Análise filológica: carta de José Martiniano de Alencar

Universidade de São Paulo

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas

Disciplina: Filologia Portuguesa

Docente: Manoel Mourivaldo Santiago Almeida

Análise Filológica:

manuscrito do século XIX

São Paulo, dezembro de 2014

Mirella de Carvalho

Nº USP: 7613181

Período: noturno