ANÁLISE NUMÉRICA DO EFEITO DE ÁGUAS RASAS...

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ANÁLISE NUMÉRICA DO EFEITO DE ÁGUAS RASAS NA RESISTÊNCIA AO AVANÇO Mariana Viviani Candella RIO DE JANEIRO FEVEREIRO DE 2014 Projeto de Graduação apresentado ao Curso de Engenharia Naval e Oceânica da Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Engenheiro. Orientador: Prof. Paulo de Tarso Themistocles Esperança Co-Orientador: Marcelo de Araujo Vitola

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ANÁLISE NUMÉRICA DO EFEITO DE ÁGUAS RASAS NA RESISTÊNCIA AO

AVANÇO

Mariana Viviani Candella

RIO DE JANEIRO

FEVEREIRO DE 2014

Projeto de Graduação apresentado ao Curso de Engenharia

Naval e Oceânica da Escola Politécnica, Universidade

Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Engenheiro.

Orientador: Prof. Paulo de Tarso Themistocles Esperança

Co-Orientador: Marcelo de Araujo Vitola

ANÁLISE NUMÉRICA DO EFEITO DE ÁGUAS RASAS NA RESISTÊNCIA AO

AVANÇO

Mariana Viviani Candella

PROJETO FINAL SUBMETIDO AO CORPO DOCENTE DO DEPARTAMENTO DE

ENGENHARIA NAVAL E OCEÂNICA DA ESCOLA POLITÉCNICA DA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS

NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE ENGENHEIRO NAVAL E

OCEÂNICO.

Aprovado por:

________________________________________________

Prof Paulo de Tarso Themistocles Esperança, DSc. (Orientador)

________________________________________________

Marcelo de Araujo Vitola, DSc. (Co-Orientador)

________________________________________________

Prof. Claudio Alexis Rodríguez Castillo, DSc.

________________________________________________

Ricardo Barreto Portella, MSc.

RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL

FEVEREIRO DE 2014

I

Candella, Mariana Viviani.

Análise Numérica do Efeito de Águas Rasas na

Resistência do Avanço/Mariana Viviani Candella – Rio de Janeiro:

UFRJ/ Escola Politécnica, 2014.

VII, 26 p.: il.; 29,7 cm.

Orientadores: Prof. Paulo de Tarso Themistocles

Esperança e Marcelo de Araujo Vitola.

Projeto de Graduação – UFRJ/ Escola Politécnica/ Curso

de Engenharia Naval e Oceânica, 2014.

Referências bibliográficas: p. 25 - 26.

1. Resistência ao Avanço de Navios. 2. Águas Rasas.

3.Hidrodinâmica. I. Esperança, Paulo de Tarso Thermistocles et al

II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola Politécnica,

Curso de Engenharia Engenharia Naval e Oceânica. III. Título.

II

Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/ UFRJ como parte

dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheiro Naval e Oceânico.

ANÁLISE NUMÉRICA DO EFEITO DE ÁGUAS RASAS NA RESISTÊNCIA AO

AVANÇO

Mariana Viviani Candella

Fevereiro/2014

Orientador: Prof. Paulo de Tarso Themistocles Esperança

Co-Orientador: Marcelo de Araujo Vitola

Curso: Engenharia Naval e Oceânica

A previsão de efeitos de águas rasas na resistência ao avanço de uma

embarcação é essencial para o seu projeto, pois auxilia no dimensionamento do

sistema propulsivo. No presente trabalho, o software comercial CFX foi utilizado para a

análise numérica da resistência ao avanço de um casco da Série 60 (𝐶𝐵 = 0.6) para

lâminas d’água 2, 3, 4 e 5 vezes o calado da embarcação, variando o número de

Froude entre 0.18 e 0.34. Foram testadas malhas com e sem refinamento de camada

prismática na superfície livre e, para a primeira, foram analisadas as curvas de

resistência ao avanço, os padrões de onda gerados e os perfis de onda, comparando-

os com dados experimentais e fórmulas empíricas. Os resultados obtidos foram

coerentes com a literatura existente, porém indicaram a necessidade de maior

refinamento no casco e na superfície livre.

Palavras-chave: Resistência ao Avanço, Águas Rasas, CFD.

III

Abstract of Undergraduate Project presented to POLI/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements for the degree of Engineer.

NUMERICAL ANALYSIS OF SHALLOW WATER EFFECT ON SHIP RESISTANCE

Mariana Viviani Candella

February/2014

Advisor: Prof. Paulo de Tarso Themistocles Esperança

Co-Advisor: Marcelo de Araujo Vitola

Course: Naval Engineering

The prediction of shallow water effects on ship resistance is an essential part of

its design process, as it supports the design of the propulsive system. In the present

paper, numerical analysis of ship resistance was performed with the commercial

software CFX using a benchmark hull from Series 60 (𝐶𝐵 = 0.6). The water depth was

varied from 2 to 5 times the hull’s draught and the Froude number range used was

between 0.18 and 0.34. Tests were performed using meshes with and without prismatic

layer on the free surface. For the first mesh, ship resistance curves, wave patterns and

wave profiles were analyzed and compared to data obtained from experimental test

and empirical formulas. The results were consistent with the existent theory, although

indicated a need for more refined mesh around the hull and on the free surface.

Keywords: Ship Resistance, Shallow Water, CFD

IV

Dedicatória

Ao meu avô Olavo, que sempre quis um engenheiro na família, mas não imaginou que

seria eu; Ao meu avô Waldir, que sempre me incentivou a ser o que eu quisesse.

Muitas saudades.

V

Agradecimentos

Agradeço aos meus pais, que me apoiaram e encorajaram incondicionalmente nos

bons e maus momentos durante os últimos cinco anos, sempre com paciência e

carinho. Ao meu co-orientador Marcelo Vitola, que além de ter sido fundamental para a

realização deste trabalho, foi também pai e conselheiro. Aos professores Paulo de

Tarso, Sergio Sphaier e Cláudio Rodriguez, pela dedicação e inspiração. Ao grande

amigo Oto Matos, parceiro de todos os trabalhos, pela paciência. Aos funcionários e

amigos do LabOceano e da Projemar, pelo carinho e apoio. Ao querido mestre

Haroldo, por acreditar desde o início. Aos amigos de ontem e de hoje, que, mesmo

sem notar, fizeram parte dessa história.

VI

SUMÁRIO

1 Introdução.................................................................................................................. 1

2 Resistência ao Avanço de um Navio ........................................................................ 2

3 Padrão de Ondas e Regimes de Escoamento ......................................................... 4

4 Revisão Bibliográfica ................................................................................................. 7

5 Modelo Matemático ................................................................................................... 9

6 Modelo Numérico .................................................................................................... 10

7 Geometria ................................................................................................................ 10

8 Domínio Computacional .......................................................................................... 11

9 Condições de Contorno .......................................................................................... 12

10 Malha ................................................................................................................... 12

11 Resultados e Discussão ...................................................................................... 17

11.1 Resistência em Águas Profundas ................................................................... 17

11.2 Resistência em Águas Rasas .......................................................................... 20

11.3 Perfil de Onda e Padrão de Ondas ................................................................. 22

12 Conclusão ............................................................................................................ 24

13 Bibliografia ........................................................................................................... 25

VII

SUMÁRIO DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Componentes da resistência ao avanço (adaptado de BERTRAM, 2012) ... 3 Figura 2 - Padrão de ondas de Kelvin (adaptado de HARVALD, 1983) ......................... 4 Figura 3 - Regimes de Escoamento................................................................................. 5

Figura 4 – Representação do método de Schlichting (adaptado de HARVALD, 1983) . 7 Figura 5 - Função média mais flutuações ........................................................................ 9 Figura 6 – Características do casco Série 60, Cb=0.6 .................................................. 10 Figura 7 – Determinação da distância da fronteira lateral ............................................. 11

Figura 8 – Domínio Computacional................................................................................ 11 Figura 9 - Sistema de referência .................................................................................... 11 Figura 10 – Condições de contorno ............................................................................... 12 Figura 11 – Malha com camada prismática no casco e na superfície livre .................. 14

Figura 12 - Malha com camada prismática de 0.5 m na superfície livre ....................... 14 Figura 13 - Detalhe da malha com prismas na superfície livre ..................................... 15 Figura 14 – Detalhe da malha sem prismas .................................................................. 15

Figura 15 – Teste de malha com Fnl=0.18 .................................................................... 16

Figura 16 – Teste de malha com Fnl=0.34 .................................................................... 16

Figura 17 - Distribuição de VOF ..................................................................................... 16 Figura 18 - Comparação das curvas de resistência total .............................................. 17

Figura 19 – Teste de malha com prisma para Fnl=0.18 ................................................ 17

Figura 20 – Comparação de curvas de resistência em águas profundas ..................... 18 Figura 21 – Comparação entre curvas de resistência friccional ................................... 18

Figura 22 – Valores de y +na superfície do casco ........................................................ 19

Figura 23 – Curva de resistência total com parcela friccional do ITTC-78 ................... 19 Figura 24 – Resistência ao avanço em águas rasas e regimes de escoamento – (1)

subcrítico inferior, (2) subcrítico superior, (3) transcrítico, (4) supercrítico ................... 20

Figura 25 – Resistência em águas rasas em relação a Fnl .......................................... 21 Figura 26 – Comparação de curvas de resistência em h/T=2 ...................................... 21 Figura 27 - Comparação de curvas de resistência em h/T=3 ....................................... 22

Figura 28 – Padrão de ondas para h/T=2 – (a) Fnl=0.18, (b) Fnl=0.25, (c) Fnl=0.34... 23 Figura 30 – Comparação dos perfis de onda para h/T=3 .............................................. 23

SUMÁRIO DE TABELAS

Tabela 1 - Características das malhas sem prismas ..................................................... 15 Tabela 2 – Características das malhas com prismas .................................................... 15 Tabela 3 - Propriedades da camada prismática ............................................................ 15 Tabela 4 – Características do modelo experimental ..................................................... 18

1

1 INTRODUÇÃO

Na engenharia naval, o cálculo da resistência ao avanço é fundamental para o

projeto de uma embarcação desde o seu começo, pois a partir dele pode-se

determinar a potência requerida pelo casco para atingir uma dada velocidade e,

portanto, selecionar o sistema propulsivo. Caso esse cálculo não seja realizado de

forma correta, o navio não conseguirá atingir a velocidade estipulada no contrato, o

que ocasiona prejuízos financeiros ao estaleiro ou ao projetista. Geralmente, uma

multa é designada ao responsável pelo projeto, porém, de acordo com a diferença de

desempenho da embarcação, o armador pode se recusar a receber a encomenda. Por

outro lado, se o navio ultrapassar a velocidade máxima requerida, significa que o

mesmo está supermotorizado, implicando em maiores gastos de compra do armador e

maior consumo do sistema.

Dependendo do estágio no qual o projeto da embarcação se encontra, existem

formas diferentes para estimativa e determinação da resistência ao avanço. A mais

tradicional delas é o teste com modelos em escala reduzida, podendo ser realizado

por meio de dois procedimentos: o teste de reboque e o teste em tanque de

recirculação. Os testes de reboque são executados movimentando o modelo em linha

reta por um tanque longo e largo, de forma que o escoamento possa se desenvolver e

alcançar o estágio permanente e que as fronteiras não influenciem o resultado. Já em

um ensaio em tanque de recirculação, o modelo permanece em um mesmo lugar,

enquanto o escoamento se movimenta na sua direção. Em ambos os casos, os

modelos podem ser mantidos fixos ou livres.

Do ponto de vista prático, a principal dificuldade relativa aos testes com

modelos em escala reduzida é extrapolar os resultados obtidos para os protótipos em

escala real. Em 1868, William Froude propôs um método que serviu de base para o

que é utilizado até os dias atuais em laboratórios no mundo inteiro. Para que seja

possível o uso desse método, é necessário que haja semelhança dinâmica entre

modelo e protótipo, isto é, que as relações entre forças gravitacionais, viscosas e

inerciais, representadas pelos números adimensionais de Reynolds e Froude, sejam

iguais para ambos. Entretanto, essa igualdade só seria alcançada caso o fluido

utilizado no teste fosse menos viscoso do que a água ou se a aceleração da gravidade

fosse maior do que a terrestre, condições reproduzidas em poucos laboratórios no

mundo. Onde isso não é possível, opta-se pela igualdade do número de Froude e,

portanto, pela reprodução da componente de resistência relativa a ondas, uma vez

que, pelo método de extrapolação, a componente viscosa é calculada por uma fórmula

empírica. Logo, ainda que os resultados obtidos em tanques de prova sejam

amplamente utilizados na indústria, o método de extrapolação apresenta limitações.

Além das dificuldades na escolha do método adequado de determinação da

resistência ao avanço, alguns fatores da embarcação devem ser levados em

consideração, entre eles a rota que a mesma percorrerá durante sua operação. É

sabido que um navio operando em regiões de águas rasas, como rios, canais e

costas, experimenta um aumento na resistência em relação ao mesmo casco em

águas profundas. Caso não seja previsto em projeto, esse efeito pode não permitir que

a embarcação atinja o desempenho desejado. Há também uma mudança no padrão

de ondas geradas pelo casco, o que afeta as margens, e efeitos como trim e squat,

2

que são acentuados em lâmina d’água limitada, podendo provocar acidentes e até

causar a perda da embarcação em casos extremos.

Tendo em vista a influência negativa que a limitação da lâmina d’água pode ter

em um projeto, a determinação dos efeitos de águas rasas é importante.

SCHLICHTING (1934) desenvolveu um método de estimativa do efeito da

profundidade na resistência ao avanço baseado em considerações teóricas e

experimentos em escala reduzida. Seu método, embora não seja teoricamente

rigoroso, é utilizado como uma simplificação de um problema de engenharia complexo

em estágios iniciais de um projeto.

A dinâmica de fluido computacional (Computacional Fluid Dynamics – CFD) é

uma ferramenta que vem se desenvolvendo rapidamente. MOCTAR (2008) observou

uma crescente aplicação dessa técnica durante o processo de projeto de navios para

diversas análises, sendo uma delas a determinação da resistência ao avanço.

Atualmente, essa técnica é utilizada em uma fase anterior aos testes com modelos em

escala reduzida, a fim de eliminar hipóteses e reduzir a matriz de testes, reduzindo

também os custos. Porém, segundo RAVEN et al (2008), ainda que as análises de

CFD não demandem simplificações como os testes em escala, mais estudos são

necessários antes que elas possam ser aplicadas diretamente em um projeto.

Neste trabalho, a influência da variação da profundidade na resistência ao

avanço de um casco da Série 60 (𝐶𝐵 = 0.6) foi estudada. Os dados numéricos foram

obtidos utilizando o software comercial ANSYS CFX. Os resultados foram comparados

com dados experimentais e teóricos e analisados com base na teoria de resistência ao

avanço em águas rasas já desenvolvida.

2 RESISTÊNCIA AO AVANÇO DE UM NAVIO

Fisicamente, a resistência ao avanço é uma força contrária ao deslocamento de

uma embarcação. Ao longo dos anos, constatou-se a necessidade de dividi-la em

componentes, de forma a possibilitar o entendimento do seu mecanismo. O

International Towing Tank Conference (ITTC) apresenta uma definição para as

componentes da resistência, as quais podem ser combinadas de diversas formas. Um

esquema dessas combinações pode ser visto na Figura 1.

A resistência friccional de placa plana é a componente relativa à resistência de

uma placa plana semelhante à embarcação, onde semelhante significa mesma área

molhada e número de Reynolds. Essa parcela é derivada dos experimentos com

placas realizados por Froude em tanques de reboque.

Embora a placa plana seja uma representação conveniente da embarcação, ela

não leva em consideração as curvaturas do casco. As transições da proa para o corpo

paralelo e do corpo paralelo para a popa causam mudanças na velocidade do

escoamento próximo a ele, levando a um aumento da resistência friccional se

comparado à placa plana. Este é o efeito da forma na fricção, uma parcela da

chamada resistência residual. Somando-se esse efeito à resistência de placa plana, é

obtida a resistência friccional, ou seja, a soma das componentes de força tangenciais

à superfície do casco.

Outra parcela da resistência residual é composta pela resistência de pressão,

proveniente das tensões normais ao casco. Esta pode ser dividida em resistência de

onda e de pressão viscosa.

3

A resistência de pressão viscosa é a influência da forma e da viscosidade nas

tensões normais ao casco. Como se trata de um escoamento viscoso, há o

desenvolvimento de uma camada limite que afasta as linhas de corrente da popa e

causa um desbalanço entre as pressões à vante a à ré. A resistência viscosa é a

parcela devida à viscosidade do escoamento ao redor do casco, reunindo a resistência

friccional e a de pressão viscosa.

Figura 1 – Componentes da resistência ao avanço (adaptado de BERTRAM, 2012)

A resistência de onda é aquela relativa às ondas criadas pelo avanço da

embarcação e pode ser dividida em resistência de formação de onda e de quebra de

onda. Ao se deslocar, o navio tira partículas de água da posição de equilíbrio e forma

um sistema de ondas. A energia gasta nesse processo está associada à resistência de

formação de ondas. Quando as ondas formadas são grandes, elas podem quebrar e

essa energia é atribuída à resistência de quebra de onda.

Uma forma comum de representar a força de resistência e suas componentes são

os coeficientes adimensionais. O coeficiente adimensional de força 𝐶𝑇 é escrito como:

𝐶𝑇 =𝑅𝑇

12𝜌𝑆𝑉2

Onde

𝑅𝑇 é a força de resistência total

𝜌 é a densidade do meio fluido

𝑆 é a área da superfície molhada do casco

𝑉 é a velocidade de avanço da embarcação

Em um teste de resistência ao avanço com um modelo em escala reduzida, o

resultado final gerado é a força total. Para transpor tal resultado para a escala real,

Resistência Total

Resistência Residual Resistência Friccional

de Placa Plana

Resistência de Onda

Resistência de Pressão

Resistência de Quebra

de Onda

Resistência de

Formação de Onda

Resistência Friccional

Efeito da Forma na Fricção

Resistência de Pressão Viscosa

Resistência Viscosa

Resistência Total

4

existem dois métodos principais: o método de Froude e o método do ITTC-78.

Originalmente, o primeiro método considera a decomposição da resistência total em

uma parcela referente a uma placa plana equivalente, dependente do número de

Reynolds, e outra parcela residual, referente a todo o resto e dependente do número

de Froude. Atualmente, a porção da placa plana é substituída por um coeficiente de

resistência friccional do ITTC-57. A parcela residual é considerada como sendo

principalmente composta de resistência de onda. Assim, uma vez que o modelo e o

protótipo possuem a mesma relação entre as forças gravitacionais e as forças de

inércia, ou seja, são semelhantes, pode-se dizer que ambos possuem o mesmo

coeficiente de resistência residual.

O método do ITTC-78 é mais utilizado atualmente por levar em consideração

explicitamente a forma do casco. A resistência total é decomposta em resistência

viscosa, incluindo o efeito da forma na fricção e na pressão, e resistência de onda.

Obtém-se uma melhor divisão das componentes de resistência pela introdução de um

fator de forma, o qual é determinado pelo método de Prohaska, descrito por

LARSSON e RAVEN (2010).

3 PADRÃO DE ONDAS E REGIMES DE ESCOAMENTO

Uma embarcação navegando em águas profundas gera dois tipos de ondas

diferentes, as transversais e as divergentes. As transversais tem a direção do

deslocamento praticamente igual à direção do avanço do navio, enquanto as

divergentes formam um ângulo em relação ao eixo x (Figura 2). Juntas, essas ondas

formam um sistema envolvido por um formato triangular que, quando em regime

permanente, é constante e semelhante ao padrão de ondas de Kelvin. Os limites

dessa envoltória formam um ângulo de 19.5 graus com o eixo longitudinal.

Figura 2 - Padrão de ondas de Kelvin (adaptado de HARVALD, 1983)

Esse padrão é formado devido à diferença entre a celeridade das ondas

geradas, que é igual à velocidade do navio para as ondas transversais, e a velocidade

de grupo. Em águas profundas, a celeridade é duas vezes maior do que a velocidade

de grupo. Uma vez que a energia das ondas se propaga com a velocidade de grupo,

5

ela se torna defasada em relação ao avanço da embarcação, formando o padrão

triangular.

À medida que a lâmina d’água diminui, a diferença entre celeridade e

velocidade de grupo diminui, até que sejam iguais em águas rasas. Nesse estágio, as

duas passam a ser dependente apenas da lâmina d’água e, para as ondas

transversais, são iguais à velocidade da embarcação.

𝑉 = 𝑐 → 𝑉 = √𝑔ℎ

Essa relação é constante para uma mesma lâmina d’água e é semelhante ao

número de Froude, sendo chamado de número de Froude em função da profundidade.

𝑉

√𝑔ℎ= 𝑐𝑡𝑒 = 𝐹𝑛ℎ

Com base no comportamento das ondas geradas por um ponto de pressão,

são definidas quatro faixas de regimes de escoamento (Figura 3): subcrítico inferior,

subcrítico superior, transcrítico e supercrítico.

Figura 3 - Regimes de Escoamento

A primeira faixa representa o escoamento no regime subcrítico inferior, no qual

o número de Froude em função da profundidade 𝐹𝑛ℎ é inferior a 0.7, ou seja, a

velocidade da embarcação é menor do que 70% da velocidade máxima da onda

àquela profundidade. Nessa faixa, o padrão de onda não se altera em relação ao

padrão de águas profundas e é semelhante ao padrão de Kelvin.

Do ponto de vista da embarcação, embora não haja mudança no padrão de

onda, há outros sinais da influência do fundo no escoamento. Caso a razão entre a

profundidade e o calado do navio seja pequena, mesmo em baixas velocidades, o

escoamento é restringido nessa região e, portanto, o fluxo é acelerado. Isso causa

uma diminuição da pressão e um aumento do calado. Esse fenômeno é chamado de

squat e é tratado com ênfase experimental por ZERAATGAR et al (2010) e ênfase

numérica por TARAFDER e SUZUKI (2007).

Há ainda um aumento da área molhada, aumentando a resistência friccional, e

uma mudança no escoamento, que passa a seguir um caminho com maior curvatura,

criando um gradiente de pressão maior. Ambos os efeitos contribuem para o

crescimento da amplitude das ondas geradas, uma vez que aumentam a massa

deslocada abaixo da linha d’água.

A faixa seguinte de 𝐹𝑛ℎ, entre 0.7 e 0.9, é denominada subcrítica superior e

marca o início da mudança no padrão das ondas geradas pela embarcação. Com a

diminuição da relação entre a lâmina d’água e o comprimento de onda, a razão entre a

velocidade de grupo e a celeridade, que é de 0.5 para águas profundas, aumenta

0.7 0.9 1.0 1.1

Subcrítico

Inferior

Subcrítico

SuperiorTranscrítico

Supercrítico

6

gradativamente. Assim, o ângulo do padrão de ondas de Kelvin, determinado por essa

razão, também aumenta.

Como a celeridade das ondas transversais é igual à velocidade de avanço da

embarcação, o aumento da celeridade ou a diminuição da lâmina d’água (aumento de

𝐹𝑛ℎ) causam ao aumento do comprimento da onda transversal. As ondas transversais

são as primeiras a serem afetadas, uma vez que seu comprimento é maior do que o

das divergentes, cujo comprimento continua inalterado.

A faixa de 𝐹𝑛ℎ entre 0.9 e 1.1 é chamada de transcrítica, pois está em torno do

número crítico 1, isto é, a celeridade da onda gerada é igual à velocidade do próprio

navio e à velocidade de grupo. Uma vez que a energia da onda viaja com a velocidade

de grupo, então essa energia não se propagará pelo sistema, mas se deslocará com a

própria onda. Assim, o ângulo do padrão de ondas de Kelvin chega a 90 graus,

empurrando grande quantidade de água para frente e aumentando significativamente

a resistência ao avanço.

Segundo LARSSON e RAVEN (2010), os efeitos de águas rasas na faixa

transcrítica dependem do tamanho das ondas transversais geradas. A maioria dos

navios de deslocamento não consegue ultrapassar esta faixa, seja por falta de

potência ou pelo toque no fundo decorrente do trim dinâmico ou do squat. Por outro

lado, esses podem passar despercebidos para alguns tipos de cascos, em geral mais

esbeltos, que produzem principalmente ondas divergentes.

Quando a velocidade da embarcação supera a velocidade máxima das ondas

por ela geradas, ou seja, 𝐹𝑛ℎ é maior do que 1, tem-se o regime supercrítico e as

ondas transversais são inexistentes. O ângulo da envoltório do padrão de onda diminui

de 90° para 45°. Embora o padrão de ondas apresentado nessa faixa tenha formato

triangular, não pode ser denominado um padrão de ondas de Kelvin, pois seu ângulo

não depende da razão entre velocidade de grupo e celeridade da onda, mas sim da

razão entre a velocidade do navio e a celeridade máxima da onda.

Essas mudanças são acompanhadas ainda por uma redução da resistência ao

avanço, uma vez que não há mais o deslocamento de grande quantidade de água

como na faixa transcrítica. Há também redução do squat e do trim dinâmico.

SCHLICHTING (1934) desenvolveu um método de estimativa do efeito da

profundidade na resistência ao avanço baseado em considerações teóricas e

experimentos em escala reduzida. O método, esquematizado como na Figura 4,

expressa o aumento da resistência como uma redução na velocidade da embarcação,

ou seja, a mesma resistência total 𝑅𝑇 obtida para velocidade 𝑉 em águas profundas é

obtida para 𝑉ℎ em águas rasas. São feitas duas reduções de velocidade: a primeira

relativa à resistência de onda e a segunda devida à influência da profundidade na

parcela friccional.

A primeira redução é feita a partir da velocidade 𝑉 em águas profundas a uma

velocidade intermediária 𝑉𝐼 , para uma lâmina d’água h. O método de Schlichting

associa a resistência de onda ao comprimento da onda transversal gerada e considera

que essa componente permanece a mesma para águas rasas. Sendo assim, a

velocidade reduzida 𝑉𝐼 será a que possuir, em h, o mesmo comprimento de onda λ.

Como descrito anteriormente, a mudança na profundidade também influencia a

porção friccional da resistência. Por isso, se faz necessária uma segunda redução na

velocidade. Por meio de experimentos com modelos, Schlichting relacionou essa

7

redução com a razão √𝐴𝑋/ℎ, onde 𝐴𝑋 é a máxima área transversal do casco e a razão

𝑉ℎ/𝑉𝐼 , onde 𝑉ℎ é a velocidade reduzida final. Supondo conhecidas as curvas de

resistência total 𝑅𝑇 e friccional 𝑅𝐹 em águas profundas, a resistência relativa à

velocidade reduzida 𝑉ℎ é a soma da parcela friccional em 𝑉ℎ e a parcela de ondas de

𝑉.

Figura 4 – Representação do método de Schlichting (adaptado de HARVALD, 1983)

O método de Schlichting não é rigoroso do ponto de vista teórico, uma vez que

faz suposições notavelmente irreais, como a equivalência da parcela de onda da

resistência para águas rasas e profundas. Além disso, desconsidera o aumento da

amplitude das ondas geradas e a contribuição das ondas transversais na resistência.

Ainda assim, esse método é visto como uma boa solução de engenharia para um

problema complexo e continua sendo o mais utilizado na estimativa de resistência em

águas rasas.

4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

As técnicas de CFD foram adotadas por diversos autores na determinação da

resistência ao avanço de embarcações. ZWART et al (2008) aplicaram o código

comercial CFX a dois cascos diferentes, o casco teórico Wigley e o combatente naval

DTMB 5415. Foram feitas simulações de escoamentos em regime permanente em

ambos os cascos utilizando malha hexaédrica. O casco Wigley foi simulado com

Fn=0.267 e Rn=4.9x106 e o modelo de turbulência adotado foi o 𝑘 − 𝜀, enquanto, para

o casco combatente, a simulação foi realizada com Fn=0.28 e Rn=1.27x107 e tanto o

modelo 𝑘 − 𝜀 quanto o 𝑘 − 𝜔. Compararam-se os resultados numéricos de elevação

do nível da água na superfície do casco Wigley com os resultados experimentais. Os

resultados do combatente para resistência e perfil de onda foram comparados com

experimentos.

Com o casco DTMB 5415 também foi simulada uma situação transiente com

velocidade de avanço, ondas regulares incidentes e Fn=0.28. Foi utilizado o modelo

de turbulência 𝑘 − 𝜀 com funções de parede. O perfil de onda no plano de simetria foi

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analisado e resistência, força de heave e momento em pitch foram comparados com

resultados experimentais.

FONFACH e SOARES (2010) estudaram a otimização da forma de um navio de

forma a obter menor resistência ao avanço variando as dimensões do bulbo. Foi

conduzido um estudo numérico com um casco Série 60 com 𝐶𝐵 =0.6 utilizando o

software comercial CFX. A malha tetraédrica foi gerada no ICEM CFD e foram

testados 4 níveis de refinamento no casco e na superfície livre. Foram testados os

modelos 𝑘 − 𝜔 e 𝑘 − 𝜀 de turbulência. Foram analisados e comparados com

resultados experimentais os coeficientes de resistência total, o perfil de onda ao longo

do casco e o padrão de onda. A resistência foi reduzida nos cascos com bulbo quando

utilizado número de Froude a partir de 0.28.

BANKS, PHILLIPS et al (2010) simularam o escoamento ao redor de um casco de

porta-contentor KCS como etapa prévia para um estudo de propulsão. Foi

desenvolvida uma malha hexaédrica em todo o domínio. A malha foi avaliada pelo

software comercial CFX utilizando os modelos de turbulência SST e BSL para número

de Froude 0.26 e Reynolds 1.4x107. O casco foi mantido fixo em heave e pitch. Os

resultados de resistência total e do campo de ondas foram comparados com os

obtidos experimentalmente em tanque de reboque. Para relacionar o coeficiente de

resistência friccional numérico com o experimental, foi utilizada a correlação do ITTC.

A influência da profundidade sobre a resistência ao avanço vem sendo estudada

desde o início do século passado. O primeiro estudo sobre o assunto foi feito por

HAVELOCK (1921). Por meio de uma formulação analítica, ele estudou o efeito de

águas rasas sobre a resistência de onda de um ponto em movimento. A faixa de

Froude adotada foi 0.4 a 1.6, com lâminas d’água (h/L) de 0.75, 1, 1.43, 2 e infinita. Os

resultados analíticos foram comparados com resultados experimentais de resistência.

CHEN e SHARMA (1993) aplicaram o método demonstrado em trabalho anterior

para otimizar um casco da Taylor Standard Series (𝐶𝐵=0.64) para uma lâmina d’água

h/L=0.25 e número de Froude baseado no comprimento de 0.9. Os resultados

numéricos de resistência de onda são comparados com resultados experimentais.

Para o ponto de otimização, a resistência de onda diminuiu cerca de 8%, enquanto

para velocidades supercríticas (𝐹𝑛ℎ>1) diminui em 10%.

SAHA, SUZUKI et al (2003) trabalharam a otimização de cascos em águas rasas,

aplicando método dos painéis à superfície livre e um algoritmo numérico não-linear

quadrático. Foram escolhidos um casco Wigley e um Série 60, 𝐶𝐵 =0.6, para a

otimização da resistência de onda em lâminas d’água h/T=2.5, 3, 4 e 5 e Fn=0.316.

Foram feitas alterações somente nas bocas dos cascos. Para o casco Série 60, a

resistência de onda foi reduzida em cerca de 30% para h/T=4.

SAKAMOTO, WILSON et al (2007) simularam o escoamento em torno de um

casco Wigley utilizando um código RANS desenvolvido na Universidade de Iowa. Foi

desenvolvida uma malha estruturada e não-ortogonal para o estudo da resistência ao

avanço do casco em águas tranquilas e profundas, em diferentes velocidades. O

procedimento foi adotado para mais 4 lâminas d’água representativas de águas rasas.

Foram desconsiderados trim e sinkage e obtidos valores para coeficientes de

resistência total e pressão. Devido ao uso de um modelo monofásico para a

representação da superfície livre, efeitos provenientes de quebra de onda e spray, por

exemplo, são negligenciados. A análise dos resultados constatou que a contribuição

da resistência de pressão aumenta conforme a diminuição da profundidade.

9

5 MODELO MATEMÁTICO

As equações que regem um escoamento são as equações de continuidade e de

quantidade de movimento linear. Foi admitido um escoamento permanente,

desenvolvido, incompressível, homogêneo, newtoniano e tridimensional. Após tais

considerações, são obtidas as equações de continuidade e de Navier-Stokes:

∇ ∙ �⃗� = 0 (equação da continuidade)

∇ �⃗� ∙ �⃗� = −1

𝜌∇𝑝 + ν∇²�⃗� +

1

𝜌𝑔 (equação de Navier-Stokes)

Onde:

�⃗� é o vetor de velocidades

𝑝 é o vetor de pressões

𝑔 é o vetor de aceleração da gravidade

𝜌 é a densidade do fluido

ν é a viscosidade cinemática do fluido

O software CFX, utilizado no presente trabalho, resolve as equações promediadas

de Navier-Stokes (Reynolds-Averaged Navier Stokes – RANS), onde as funções são

consideradas como a soma de uma média e flutuações (Figura 5).

Figura 5 - Função média mais flutuações

A representação da superfície livre é feita pelo método da fração de volume

(Volume of Fraction - VoF), que trata os dois fluidos presentes na simulação, água e

ar, como um único fluido multifásico. A interface é capturada em cada célula da malha

através da solução da equação da continuidade para a variável fração de volume (𝛼𝑞)

de cada fluido.

𝜕𝛼𝑞

𝜕𝑡+ 𝑢

𝜕𝛼𝑞

𝜕𝑥+ 𝑣

𝜕𝛼𝑞

𝜕𝑦+ 𝑤

𝜕𝛼𝑞

𝜕𝑧= 0

10

Como restrições, tem-se que o somatório de 𝛼𝑞 em cada célula deve ser 1 e, para

fluidos incompressíveis, a fração de volume de um fluido em uma célula não muda

com o tempo. Portanto:

𝜕𝛼𝑞

𝜕𝑡= 0

As propriedades, como densidade e viscosidade, são calculadas nos elementos

como uma média ponderada pela fração de volume de cada fluido.

𝜌 = ∑𝛼𝑞𝜌𝑞

6 MODELO NUMÉRICO

O software ANSYS CFX utiliza o método dos volumes finitos para resolver as

equações promediadas de Navier-Stokes. Esse método subdivide o domínio em um

número finito de volumes de controle, onde é aplicada a forma integral da equação da

continuidade (FERZIGER e PERIC, 2002). Os valores das variáveis são calculados

nos nós, localizados no centro de cada volume. Uma interpolação é feita para

expressar esses valores nas superfícies dos volumes.

A solução das equações promediadas de Navier-Stokes requer a estimativa de

um termo que correlaciona componentes de flutuação de velocidade. Para isso, são

utilizados os modelos de turbulência. Neste trabalho, foi utilizado o modelo Shear

Stress Transport k-ω (SST), adotado em trabalhos semelhantes.

7 GEOMETRIA

Foi adotado um casco da série 60 com coeficiente de bloco de 0.6, um navio

tanque amplamente adotado para ensaios de benchmark em tanques de prova.

Figura 6 – Características do casco Série 60, Cb=0.6

Comprimento (L) 25.5 m

Boca (B) 3.389 m

Calado (T) 1 m

Área Molhada (S) 45.17 m²

11

8 DOMÍNIO COMPUTACIONAL

Foi modelado apenas um bordo do casco, o qual foi inserido em um domínio

computacional retangular. As distâncias das fronteiras de entrada e saída do

escoamento ao casco, assim como a fronteira de topo, foram determinadas com base

em trabalhos semelhantes.

A largura do domínio foi estabelecida de forma a ser suficiente para representar

as ondas de Kelvin em águas profundas. Considerando o ângulo de 19.5° (Figura 7),

para o comprimento de 2.6Lpp à ré, foi necessária uma largura de 32.5m para

representar as ondas de Kelvin. Por arredondamento, adotou-se uma largura de

1.5Lpp, ou seja, 38.25m.

Figura 7 – Determinação da distância da fronteira lateral

A Figura 8 mostra as dimensões do domínio computacional.

Figura 8 – Domínio Computacional

O eixo de referência foi fixado à meia-nau e no calado, com o eixo X no sentido do

avanço da embarcação.

Figura 9 - Sistema de referência

12

9 CONDIÇÕES DE CONTORNO

A definição de condições de contorno no domínio computacional é uma importante

etapa na construção do modelo, pois influencia na solução final. A Figura 10 mostra a

localização de cada condição de contorno adotada neste trabalho.

Para simular o avanço do casco, que foi mantido fixo no domínio, foi definida uma

velocidade constante e com direção contrária para o escoamento na superfície de

entrada. A superfície de saída foi definida como uma condição do tipo “Outlet”, que

impede a reentrada de fluido. Nela, foi determinado um perfil de pressão hidrostática

ao longo da lâmina d’água.

Uma condição de simetria foi colocada na superfície que corta o casco no plano

diametral para a que a mesma não fosse interpretada pelo solver como uma fronteira.

No casco, foi definida uma condição de não-deslizamento, ou seja, a velocidade

do fluido em sua superfície é nula. A imposição dessa condição permite o

desenvolvimento da camada limite, a qual é importante para a parcela viscosa da

resistência. Nas superfícies de fundo e topo, foi colocada uma condição de

escorregamento, ou seja, sem atrito com o escoamento e, portanto, sem

desenvolvimento de camada limite. Dessa forma, tem-se uma situação equivalente ao

navio avançando.

Figura 10 – Condições de contorno

10 MALHA

A geração de malha para simulações de CFD não é um problema trivial. Quando o

objeto é simples e regular, como um paralelepípedo ou um cilindro, a malha do tipo

hexaédrica é comumente utilizada, pois seus elementos tendem à ortogonalidade, o

que facilita a solução do algoritmo. Porém, no caso de um objeto mais complexo,

como um casco com diversas curvaturas, é necessária uma malha com maior

flexibilidade para se ajustar à geometria. Nesses casos, pode-se utilizar uma malha

tetraédrica, que possui maior poder de adaptação.

13

O software gerador de malha ICEM CFD, da ANSYS, suporta ambos os tipos de

malha. Devido às curvaturas acentuadas do casco utilizado e por razões de

simplicidade, as malhas deste trabalho foram feitas com elementos tetraédricos.

Um maior refinamento no casco é necessário para captar a camada limite e a

resistência viscosa, enquanto na superfície livre ele possibilita a representação das

ondas e, portanto, da resistência de onda. O tamanho máximo de um elemento de

malha próximo ao casco foi relacionado ao comprimento das ondas transversais

geradas com o avanço da embarcação. Sabe-se que são necessários 10 elementos,

no mínimo, ao longo de uma onda para representá-la. Em águas profundas, o

comprimento de uma onda é dado por:

𝜆 =2𝜋𝑉2

𝑔

Onde

𝑉 é a celeridade da onda transversal e da embarcação

𝑔 é a aceleração da gravidade

Para o caso mais crítico tratado neste trabalho, no qual tem-se a menor

velocidade (𝐹𝑛𝑙=0.18), o comprimento de onda associado é de 5.19 m. Assim, o

tamanho máximo de um elemento para representar essa onda é de 52 cm.

No sentido de aumentar o refinamento tanto no casco quanto na superfície livre,

foram adicionadas camadas prismáticas nessas regiões. O tamanho 𝑦 do primeiro

elemento da camada prismática do casco foi determinado pelo parâmetro

adimensional 𝑦+, que, segundo ITTC (2011), deve estar entre 30 e 100.

𝑦

𝐿𝑝𝑝=

𝑦+

𝑅𝑒√𝐶𝑓

2

𝐶𝑓 =0.075

(log𝑅𝑒 − 2)2

Onde

𝐶𝑓 é o coeficiente de fricção do ITTC

Adotando 𝑦+ igual a 60, o tamanho do primeiro elemento da camada limite foi de

0.6 mm.

O tamanho total da camada prismática na superfície livre foi estimado

considerando a máxima razão de aspecto antes da quebra da maior onda transversal

gerada:

𝐻

𝜆=

1

7

Onde

𝐻 é a altura da onda

Para uma onda de 3.4 m de comprimento, obteve-se uma altura de 0.5 m. A

Figura 11 mostra a implementação das duas camadas prismáticas na malha

14

tetraédrica. A Figura 12 mostra a implementação da camada prismática apenas na

superfície livre. Observou-se uma degeneração dos elementos nos encontros entre as

duas camadas e próximos ao casco, de forma que não foi possível realizar as análises

nessas malhas.

(a)

(b)

Figura 11 – Malha com camada prismática no casco e na superfície livre

Figura 12 - Malha com camada prismática de 0.5 m na superfície livre

Optou-se por testar uma malha sem prismas e uma com camada prismática de

menor altura e apenas na superfície livre (Figura 13 e Figura 14). Para a malha sem

prismas, foram testados 4 níveis de refinamento em torno do casco e da superfície

15

livre, com quantidade crescente de elementos. As propriedades dessas malhas se

encontram na Tabela 1.

Figura 13 - Detalhe da malha com prismas na superfície

livre

Figura 14 – Detalhe da malha sem prismas

Tabela 1 - Características das malhas sem prismas

Malha Tamanho do Elemento no

Casco

Tamanho do Elemento na

Superfície Livre

Número de Elementos

(h/T=2)

1 0.51 0.51 1.647.704

2 0.1275 0.51 1.982.717

3 0.1275 0.255 6.905.158

4 0.06375 0.255 7.785.369

Para a malha com prismas na superfície livre, foram testados três níveis de

refinamento distintos, sendo modificado apenas o tamanho máximo dos elementos

próximos ao casco e à superfície livre (Tabela 2 e Tabela 3).

Tabela 2 – Características das malhas com prismas

Malha Tamanho do Elemento no

Casco

Tamanho do Elemento na

Superfície Livre

Número de Elementos

(h/T=2)

1 0.51 0.51 2.149.750

2 0.1275 0.51 2.481.362

3 0.1275 0.255 8.372.907

Tabela 3 - Propriedades da camada prismática

Altura inicial 0.02

Razão de crescimento 1.08893

Número de camadas 6

Altura total 0.15

Cada malha foi testada com 4 lâminas d’água – h/T=2, h/T=3, h/T=4 e h/T=5 – e 7

números de Froude – 0.18, 0.22, 0.25, 0.28, 0.3, 0.32 e 0.34 –, em um total de 112

simulações.

Para determinar a malha mais adequada para a análise proposta, foram

comparados os coeficiente de resistência total. A Figura 15 mostra os resultados com

o menor número de Froude para as malhas sem prismas. O comportamento oscilatório

pode ser explicado pela alternância entre refinamento no casco e na superfície livre,

16

cuja influência foi maior em um número de Froude menor. Observando apenas o

refinamento no casco, nota-se uma tendência de convergência dos valores de 𝐶𝑇.

Figura 15 – Teste de malha com 𝐹𝑛𝑙=0.18

A análise das curvas para 𝐹𝑛𝑙=0.34 (Figura 16) também mostrou uma tendência à

convergência do coeficiente de resistência total, porém sem a oscilação anteriormente

registrada.

Figura 16 – Teste de malha com 𝐹𝑛𝑙=0.34

Apesar da convergência dos coeficientes, analisando a distribuição de VOF na

superfície livre do modelo numérico (Figura 17), notou-se que a faixa de transição

entre os fluidos ocupa grande parte do pontal. A linha em vermelho indica uma iso-

superfície com VOF=0.99 e a linha em azul indica VOF=0.01. Logo, a superfície livre

não está bem definida e os dados obtidos para resistência ao avanço se tornam

inexatos, como pode ser observado na Figura 18.

Figura 17 - Distribuição de VOF

0

0.001

0.002

0.003

0.004

0.005

0.006

0.007

0.008

1 2 3 4

CT

Malha

h/T=2

h/T=3

h/T=4

h/T=5

0.000

0.005

0.010

0.015

0.020

0.025

1 2 3 4

CT

Malha

h/T=2

h/T=3

h/T=4

h/T=5

17

Figura 18 - Comparação das curvas de resistência total

A análise dos coeficientes de resistência total para as malhas com prismas na

superfície livre foi feita apenas para o menor número de Froude, como mostra a Figura

19. Para essas malhas também é possível perceber uma tendência de convergência

de 𝐶𝑇, porém, ao contrário das malhas sem prismas, o comportamento da curvas de

resistência total foi conforme o esperado. A malha 3 foi a que teve o melhor resultado

(Figura 20) e, portanto, foi a utilizada nas simulações deste trabalho.

Figura 19 – Teste de malha com prisma para 𝐹𝑛𝑙=0.18

11 RESULTADOS E DISCUSSÃO

As simulações foram realizadas no cluster do Laboratório de Tecnologia Oceânica

(LabOceano). Afim de reduzir o tempo de simulação, foi utilizado processamento

paralelo.

11.1 RESISTÊNCIA EM ÁGUAS PROFUNDAS Na Figura 20, é mostrada a curva de coeficientes de resistência total para a lâmina

d’água h/T=5 obtida por meio do modelo numérico. Observou-se um comportamento

típico, com crescimento gradual da resistência à medida que o número de Froude

0.0025

0.003

0.0035

0.004

0.0045

0.005

0.0055

0.15 0.2 0.25 0.3 0.35

CT

FnL

CFX

Experimental

0

0.0002

0.0004

0.0006

0.0008

0.001

0.0012

0.0014

0.0016

0.0018

1 2 3

CT

Malha

h/T=2

h/T=3

h/T=4

h/T=5

18

aumenta. Esse comportamento é também observado na literatura, em FONFACH e

SOARES (2010) e BANKS, PHILLIPS et al (2010), entre outros.

Figura 20 – Comparação de curvas de resistência em águas profundas

A curva obtida pelo modelo numérico é comparada com a obtida em teste de

reboque na Figura 20. Os dados experimentais foram obtidos com um modelo em

escala menor (Tabela 4) e sem semelhança de deslocamento, ou seja, mesmo com

escalas iguais, os calados são distintos. Além disso, o experimento foi realizado com o

modelo livre para trim e sinkage.

Tabela 4 – Características do modelo experimental

Comprimento (L) 7.000 m

Boca (B) 0.933 m

Calado (T) 0.373 m

Área Molhada (S) 8.349 m²

Uma curva de coeficientes de resistência friccional, obtida numericamente, é

apresentada na Figura 21 e comparada com a curva calculada pelo método do ITTC-

78. Apesar dos erros inerentes a um método empírico como o ITTC-78, a diferença

observada entre as curvas não foi considerada aceitável.

Figura 21 – Comparação entre curvas de resistência friccional

0.000

0.001

0.002

0.003

0.004

0.005

0.006

0.15 0.20 0.25 0.30 0.35

CT

FnL

Experimental

CFX

0

0.0005

0.001

0.0015

0.002

0.0025

0.1 0.15 0.2 0.25 0.3 0.35 0.4

CF

FnL

ITTC-78

CFX

19

Os valores do parâmetro 𝑦+ foram investigados (Figura 22) e foi concluído que,

com as alterações na malha devidas às limitações do software gerador, as

recomendações do ITTC (2011) passaram a não ser atendidas. Os valores desse

parâmetro abaixo da linha d’água para a malha utilizada variaram entre 1900 e 9300,

aproximadamente, números muito acima da faixa recomendada. Logo, a camada limite

não foi bem representada e, por conseguinte, a componente friccional da resistência

ao avanço também não, o que pôde explicar as distâncias entre as curvas na Figura

20 e na Figura 21.

Figura 22 – Valores de 𝑦+na superfície do casco

Assumindo que os efeitos friccionais não foram captados e que a curva numérica

apresentada na Figura 20 não os tenha considerado, somou-se essa curva à curva de

resistência friccional do ITTC-78, uma estimativa utilizada para extrapolações. Notou-

se que a diferença entre as curvas diminuiu e que, exceto pelo últimos pontos, a curva

numérica condisse com a experimental, ainda que as condições de carregamento

fossem distintas.

As discrepâncias nos três últimos pontos evidenciou que, para números de Froude

mais altos, o refinamento da malha não foi suficiente para capturar as ondas geradas,

negligenciando uma parte da força de resistência devida a elas.

Figura 23 – Curva de resistência total com parcela friccional do ITTC-78

0.000

0.001

0.002

0.003

0.004

0.005

0.006

0.15 0.20 0.25 0.30 0.35

CT

FnL

Experimental

CFX + ITTC-78

20

11.2 RESISTÊNCIA EM ÁGUAS RASAS A análise dos coeficientes de resistência total em águas rasas foi realizada

considerando o número de Froude em função da profundidade. Baseado na literatura,

esperava-se que a curva de coeficientes de resistência total fosse semelhante àquela

obtida para águas profundas em todo a faixa de regime subcrítico ( 𝐹𝑛ℎ <0.7),

aumentando à medida que se aproximasse do ponto crítico (𝐹𝑛ℎ=1) e diminuindo ao

alcançar o regime supercrítico (𝐹𝑛ℎ>1.1).

Na Figura 24, é apresentada a curva de resistência em águas rasas obtida na

análise numérica, com os regimes de escoamento delimitados. Notou-se que as

curvas seguem o esperado pela teoria, exceto pelo ponto de maior resistência, que se

encontra deslocado em relação ao estabelecido na literatura. Como esse ponto

permanece na região transcrítica, o resultado é aceitável, pois sabe-se que a divisão

de regimes é uma adaptação de estudos realizados para um ponto de pressão.

Figura 24 – Resistência ao avanço em águas rasas e regimes de escoamento – (1) subcrítico inferior, (2) subcrítico superior, (3) transcrítico, (4) supercrítico

O efeito da profundidade sobre o coeficiente de resistência total também pode

ser analisado a partir da Figura 25. A variação de 𝐹𝑛𝑙 , nesse caso, significa uma

variação de velocidade. Além do aumento da resistência de acordo com o aumento de

𝐹𝑛𝑙, observou-se o seu aumento com a diminuição da lâmina d’água. Ou seja, para um

mesmo número de Froude, o coeficiente de resistência total foi maior quanto menor a

profundidade, o que condisse com o previsto pela teoria.

O resultado numérico foi comparado com os dados experimentais

disponibilizados pelo ITTC Resistance and Flow Commitee em MUSKER, ALÁEZ et al

(1993). Esses dados são resultado de um experimento colaborativo sobre resistência

ao avanço em águas rasas realizados por diversas instituições independentemente,

utilizando um casco da Série 60 (𝐶𝐵 = 0.6) como modelo. As dimensões do modelo

não foram apresentadas. As curvas são apresentadas na Figura 26 e na Figura 27.

0

0.005

0.01

0.015

0.02

0.025

0.40 0.60 0.80 1.00 1.20

CT

Fnh

h/T=2

h/T=3

h/T=4

h/T=5

21

Figura 25 – Resistência em águas rasas em relação a 𝐹𝑛𝑙

Também é possível observar na Figura 26 e na Figura 27 uma comparação

com dados obtidos pelo método de Schlichting, descrito anteriormente neste trabalho.

Para h/T=3, notou-se uma proximidade entre a curva obtida numericamente e a obtida

pelo método semi-empírico. Uma vez que o método de Schlichting se utiliza da curva

de resistência friccional obtida numericamente para calcular as reduções de

velocidade, acredita-se que essa proximidade comprove a eficácia do método como

um estimador da parcela de ondas.

Figura 26 – Comparação de curvas de resistência em h/T=2

0

0.005

0.01

0.015

0.02

0.025

0.15 0.2 0.25 0.3 0.35

CT

FnL

h/T=2

h/T=3

h/T=4

h/T=5

0.00000

0.00500

0.01000

0.01500

0.02000

0.02500

0.15 0.2 0.25 0.3 0.35

CT

FnL

Experimental

CFX

Schlichting

22

Figura 27 - Comparação de curvas de resistência em h/T=3

11.3 PERFIL DE ONDA E PADRÃO DE ONDAS O aumento da resistência ao avanço em águas rasas é diretamente relacionado à

parcela de resistência de onda. Essa relação é devida tanto à mudança no perfil da

onda gerada quanto à variação do padrão de ondas.

A Figura 28 mostra a evolução do padrão de ondas gerado no modelo numérico

de acordo com o aumento do número de Froude. Em (a), (b) e (c) notaram-se as

características particulares de cada regime de escoamento. Em (a), onde o

escoamento é subcrítico, não houve alterações em relação ao padrão de águas

profundas. O ponto representado em (b) está na faixa transcrítica, ou seja, a altura das

ondas aumentou, assim como o ângulo de Kelvin, que se aproximou de 90°. Já em (c),

notou-se uma tendência de diminuição do ângulo da envoltória de 90° para 45°. Como

o ponto máximo na curva de resistência em águas rasas está deslocado, é aceitável

que, mesmo em regime supercrítico, o padrão de ondas não esteja completamente de

acordo com o previsto para essa faixa de 𝐹𝑛ℎ.

(a)

0.00000

0.00200

0.00400

0.00600

0.00800

0.01000

0.01200

0.01400

0.01600

0.15 0.2 0.25 0.3 0.35

CT

FnL

Experimental

CFX

Schlichting

23

(b)

(c)

Figura 28 – Padrão de ondas para h/T=2 – (a) 𝐹𝑛𝑙=0.18, (b) 𝐹𝑛𝑙=0.25, (c) 𝐹𝑛𝑙=0.34

As figuras (b) e (c) apresentam falhas na fronteira dos níveis da superfície livre.

Tais falhas ocorrem porque as alturas das ondas formadas ultrapassam a camada

prismática. Na figura (c) também é possível observar uma reflexão da onda transversal

na fronteira lateral, indicando que a distância estipulada não foi suficiente para impedir

a influência sobre o resultado. Nesse caso, uma solução seria aumentar a distância

dessa fronteira ao plano de simetria.

Na Figura 29, é realizada uma comparação dos perfis de onda para quatro

número de Froude na lâmina d’água h/T=3. É possível notar o aumento da altura da

onda à medida que Fnl aumenta, como previsto pela teoria.

Figura 29 – Comparação dos perfis de onda para h/T=3

-0.6

-0.4

-0.2

0

0.2

0.4

0.6

0.8

-15 -10 -5 0 5 10 15

z [m]

x [m]

Fn=0.18

Fn=0.25

Fn=0.3

Fn=0.34

24

12 CONCLUSÃO

O presente trabalho abordou a influência da restrição da lâmina d’água na

resistência ao avanço de uma embarcação Série 60 (𝐶𝐵 = 0.6 ). Foram utilizadas

malhas hexaédricas com camadas prismáticas na superfície livre e as simulações

foram realizadas no software comercial ANSYS CFX. Obtiveram-se os coeficientes de

resistência total e friccional através da variação do número de Froude e da

profundidade.

As curvas de resistência ao avanço em água profundas foram comparadas com

dados experimentais obtidos com um modelo da mesma série de cascos, porém sem

semelhança dimensional. Mesmo com o maior deslocamento do modelo experimental,

os coeficientes obtidos por ele foram maiores do que o esperado. Através de uma

análise do parâmetro 𝑦+, constatou-se que o mesmo se encontrava acima da faixa

recomendada em todo o casco e, portanto, a parcela friccional da resistência não

estava bem representada, o que explicou a diferença encontrada anteriormente.

As curvas de resistência ao avanço em águas rasas concordaram com o previsto

pela teoria. Elas apresentaram comportamento semelhante às curvas de águas

profundas na faixa subcrítica inferior de Fnl, divergindo das mesmas a partir da faixa

subcrítica superior e alcançando o ponto máximo na faixa transcrítica. O padrão de

ondas geradas também foi condizente com a literatura, tendo seu ângulo aumentado

em relação ao ângulo de Kelvin a partir do regime subcrítico superior até atingir 90

graus no transcrítico. Ao ultrapassar para o regime supercrítico, observou-se uma

tendência de redução do ângulo para 45 graus.

Da comparação dos resultados obtidos para águas rasas com fórmulas teóricas,

foi possível concluir que o método de Schlichting é uma boa aproximação para a

parcela relativa a ondas da resistência, já que a parcela friccional, utilizada no cálculo

do método, foi considerada muito pequena e a curva de resistência total gerada

concordou com a curva numérica. A comparação com dados experimentais

(FONFACH e SOARES, 2010 e MUSKER, ALÁEZ et al, 1993) indicou uma grande

discrepância entre as curvas, podendo essa ser devida a diferenças em fatores

omitidos do modelo e do experimento, como deslocamento e propriedades da água

adotadas.

De modo geral, este trabalho mostrou o potencial de aplicação de uma ferramenta

de hidrodinâmica computacional para a determinação da resistência ao avanço no

projeto de um navio. A geração da malha foi considerada o ponto crítico, pois a

impossibilidade de construi-la da forma desejada prejudicou os resultados obtidos,

incapacitando uma comparação direta com resultados experimentais. Ainda assim, é

uma ferramenta poderosa, que possibilita a diminuição de gastos e tempo de trabalho.

25

13 BIBLIOGRAFIA

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