Análise para Licenciatura G,Ávila completo

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© 2001 Geraldo Severo de Souza Ávila

11l edição - 2001

É proibida a reprodução total ou parcialpor quaisquer meios

sem autoriiaçiio escrita da editora

EDITORA EDGARD SLÜCHER LTDA.Rua Pedroso Alvarenga, 1245 - cj. 2204531-012 - São Paulo, SP - Brasil

Fax: (Oxx11)3079-2707e-mail: [email protected]

Impresso no Brasil Printed in Brazil

ISBN 85-212-029.5-4

EDITORA AFILIADA

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,PREFACIO

o presente livro foi escrito especialmente para alunos de licenciatura emMatemática, por isso mesmo difere dos livros de Análise direcionados aos cursosde bacharelado. Difere nó conteúdo, por não incluir tópicos mais especializados,como a continuidade uniforme, a teoria da integral e a eqüicontinuidaele, de in-teresse maior no bacharelado e secundário na licenciatura; mas difere tambémpor incluir, no capítulo 1, uma apresentação de certos tópicos sobre os númerosreais, relevantes nos cursos de licenciatura. Uma terceira diferença está namaneira de apresentação dos vários assuntos, com atenção maior ao desenvolvi-mento das idéias e aspectos históricos da disciplina.

O texto não inclui um tratamento de derivadas e integrais, mas pressupõeque o leitor já tenha feito um primeiro curso de Cálculo, onde esses tópicos sãotratados. É preciso que o leitor tenha um bom conhecimento de derivadas, in-tegrais e suas técnicas. Por isso mesmo, nos momentos- oportunos do desenrolardo curso, o professor eleve levar seus alunos a uma revisão sistemática dessestópicos elo Cálculo; ou mesmo, dedicar várias semanas iniciais a essa revisão.

Num primeiro curso de Cálculo, as apresentações costumam ser feitas demaneira intuitiva e informal, com pouca ou nenhuma demonstração rigorosa.Esse procedimento é seguido, em parte por razões didáticas; mas também porrazões ligadas à própria natureza dos tópicos tratados, cujo desenvolvimentohistórico ocorreu primeiro ele maneira intuitiva e informal, desde o século XVII·até aproximadamente 1820. A partir ele então, os avanços da teoria exigiam con-ceituações precisas das idéias de função, continuidade, derivada, convergência,integral, etc. É precisamente uma apresentação logicamente bem organizadaele toelos esses tópicos do Cálculo que constitui um primeiro curso de Análise.

Por essas razões, um elos objetivos principais ele um curso ele Análiseé a prática em demonstrações. Enunciar e demonstrar teoremas é uma elasocupações centrais de todo professor ou estudioso da Matemática, não sendo ad-missivel que alguém que pretenda ensinar Matemática sinta-se deficiente nessemister. Daí uma das principais razões ele uma disciplina de Análise nos cursosele licenciatura.

Mas, aliada a essa tarefa de praticar a arte de enunciar e demonstrar teo-remas, o aluno de licenciatura tem, na disciplina de Análise: a oportunidadede se familiarizar com uma das partes mais importantes da Matemática que sevem desenvolvendo desde o início do século XIX. E para facilitar a compreensãodesse desenvolvimento, e dar ao leitor uma visão maisabrangente e enriquece-clora de to.cla a Matemática, o presente texto incorpora várias notas históricase complementares ao final de cada capítulo, como já fizemos em outros livrosde nossa autoria.

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Conversa com o aluno

Ninguém aprende Matemática ouvindo o professor em sala de aula, por maisorganizadas e claras que sejam suas preleções, por mais que se entenda tudo oque ele explica. Isso ajuda muito, mas é preciso estudar por conta própria logoapós as aulas, antes que o benefício delas desapareça com o tempo. Portanto,você, leitor, não vai aprender Matemática porque assiste aulas, mas por queestuda. E esse estudo exige muita disciplina e concentração; estuda-se sentadoà mesa, com lápis e papel à mão, prontos para serem usados a todo momento.Você tem de interromper a leitura com freqüência, para ensaiar a sua parte:fazer um gráfico ou diagrama, escrever alguma coisa ou simplesmente rabiscaruma figura que ajude a seguir o raciocínio do livro, sugerir ou testar urnaidéia; escrever uma fórmula, resolver uma equação ou fazer um cálculo queverifique se alguma afirmação do livro está mesmo correta. Por isso mesmo,não espere que o IhTO seja completo, sem lacunas a serem preenchidas peloleitor; do contrário, esse leitor será induzido a uma situação passiva, quandoo mais importante é desenvolver as habilidades para o trabalho independente;despertando a capacidade de iniciativa individual e a criatividade. Você estaráfazendo progresso realmente significativo quando sentir que está conseguindoaprender sozinho, sem ajuda do professor; quando sentir que está realmente"aprendendo a aprender" .

Os exercícios são uma das partes mais importantes do livro. De nadaadianta estudar a teoria sem aplicar-se na resolução dos exercícios propostos.Muitos desses exercícios são complementos da teoria e não podem ser negligen-ciados, sob pena de grande prejuízo no aprendizado. Como em outros livros denossa autoria, as listas de exercícios são sempre seguidas de respostas, suges-tões e soluções. Mas o leitor precisa saber usar esses recursos com proveito, sóconsultando-as após razoável esforço próprio. E não espere que uma sugestãoou solução seja completa, às vezes é apenas uma dica para dar início ao trabalhoindependente do leitor.

Ficaremos muito agradecidos a todos os leitores que se dignarem escrever-nos, apontando falhas no texto ou fazendo sugestões que possam melhorá-lo emedições futuras. Para isso podem utilizar o endereço da própria Editora .

. Por fim, deixamos aqui consignados nossos agradecimentos ao nosso Editor,Dr. Edgard Blücher, pelo continuado interesse e apoio ao nosso trabalho.

Geraldo ÁvilaBrasília, maio de 2001

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Conteúdo

CAPÍTULO O: PRELIt\IINARES DE LÓGICA,

Proposições e teoremas, l. Condição necessária e suficiente, 2. Dois princípiosde Lógica, 3. Contraposiçâo, 3. Uma aplicaçâo, '1. Demonstração por ab-surdo, '1.

CAPÍTULO 1: NÚ~IEROS REAIS 6

Números racionais e representação decimal, 6. Números irracionais, 7 . .j2 énúmero irracional, 8. Números reais, 8. Exercícios, 9. Respostas, sugestõese soluções, 10. Noções sobre conjuntos, 11. Especificação de conjuntos, 1l.Propriedades gerais, 12. Exercícios, 13. Sugestões e soluções, 14. Conjuntosfinitos e infinitos, 14. Conjuntos enumeráveis, 15. A enumerabilidade do con-junto Q, 15. Números irracionais, 16. A não enumerabilidade do conjunto R,16. Exercícios, 18. Respostas, sugestões e soluções, 18. Grandezas incomen-suráveis, 19. A medição de segmentos, 19. Segmentos incomensuráveis, 20. Oretângulo áureo, 22. Urna infinidade de retângulos áureos, 23. Divisão áurea,23. Exercícios, 24. Sugestões, 24. A crise dos incomensuráveis e sua solução,25. A teoria das proporções, 25. Desenvolvimento posterior da Matemãtica,26. Exercícios, 27. Sugestões e soluções, 28. Dedekind e os números reais, 29.Cortes de Dedekind, 29. A relação de ordem, 30. Operações com númerosreais, 31.0 teorema de Dedekind, 32. Supremo e ínfimo de um conjunto,33: Exercícios, 35. Sugestões e soluções, 36. Desigualdade do triângulo, 38.Exercícios, 39. Sugestões e soluções, 39. Notas históricas e complementares,3D. O;; Elementos de Euclides, 3D. O conteúdo dos Elementos, 40. A Geo-metria dedutiva, 4l. As geometrias não-euclidianas, 41. Os Fundamentos daMatemática, 43. Definição de corpo, 44.

CAPÍTULO 2: SEQÜÊNCIAS INFINITAS 45

Intervalos, 45. Seqüências infinitas, 45. Conceito de limite e primeiraspropriedades, 47. Definição de vizinhança, 48. Seqüências limitadas, 51.Operações com limites, 52. Exercícios, 54. Sugestões e soluções, 55.Seqüências monótonas, 56. O número e, 57. Subseqíiências, 58. Limi-tes infinitos, 59. Seqüências recorrentes, 6l. Exercícios, 62. Sugestõese soluções, 64. Intervalos encaixados, 65. Pontos aderentes e teorema deBolzano- \Veierstrass, 66. Critério de convergência de Cauchy, 67. Exercícios,69. Sugestões e soluções, 70. Notas históricas e complementares, 71. Anão enumerabilidade dos números reais, 7l. Cantor e os números reais, 7l.Bolzano e o teorema de Bolzano- Weierstrass, 73.

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CAPÍTULO 3: SÉRIES INFINITAS 75

Primeiros exemplos, 75. O conceito de soma infinita, 76. Propriedades eexemplos, 77. Série de termos positivos; 80. Exercícios, 81. Respostas, su-gestões e soluções, 81. Teste de comparação, 82. lrracionalidade do númeroe, 83. Exercícios, 86. Sugestões, 87. Teste da razão, 87. Exercícios, 88.Sugestões, 89. O teste da integral, 89. Exercícios, 90. Sugestões, 90. Con-vergência absoluta e condicional, 91. Séries alternadas e convergência condi-cional, 92. Exercícios, 94. Notas históricas e complementares, 94. A origemdas séries infinitas, 94. A divergência da série harmônica, 95. Nicole Oresmee a série de Swineshead, 96. Cauchy e as séries infinitas, 97.

CAPÍTULO 4: FUNÇÕES, LIMITE E CONTINUIDADE 99

O conceito de função, 99. Terminologia e notação, 100. Vários tipos defunção, 102. Exercícios, 103. Sugestões e soluções, 104. Limite e con-tinuidade, primeiras definições, 105. As definições de limite e continuidade,106. Propriedades do limite, 107. Exercícios, 111. Sugestões e soluções,112. Limites laterais e funções monótonas, 113. Limites infinitos e limitesno infinito, 114. As descontinuidades de uma função, 117. Exercícios, 120.Sugestões e soluções, 121. O teorema do valor intermediário, 122. Exercícios,124. Sugestões, 125. Notas históricas e complementares, 125. O início dorigor na Análise Matemática, 125. O teorema do valor intermediário, 128.Weierstrass e os fundamentos da Análise, 129. Carl Friedrich Gauss (1777-1855), 129.

CAPÍTULO 5: SEQÜÊNCIAS E SÉRIES DE FUNÇÕES 131

Introdução, 131. Seqüências de funções, 132. Convergência simples e con-vergência uniforme, 132. Exercícios, 135. Sugestões e soluções, 136. Con-seqüências da convergência uniforme, 137. Séries de funções, 139. Exercícios,141. Sugestões e soluções, 142. Séries de potências, 143. Raio de con-vergência, 144. Propriedades das séries de potências, 145. Exercícios, 147.Sugestões, 148. As funções trigonométricas, 148. Exercícios, 150. Suges-tões, 150. Notas históricas e complementares, 150. As séries de potências,150. Lagrange e as funções analíticas, 151. A convergência uniforme, 152. Aaritmetização da Análise, 152.

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA 153

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Capítulo O

PRELIMINARES DE LÓGICA1

As noções elementares de Lógica que exporemos a seguir são importantes nalinguagem matemática, particularmente em Análise. Mas não pense o leitor queseja preciso fazer um curso de Lógica para estudar Matemática. Isso não é, emabsoluto, necessário, nem mesmo para quem faz mestrado ou doutorado. Emverdade, as noções de Lógica dadas aqui costumam ser aprcndidus uaturulmcut c,durante o próprio estudo da Matemática.

Lógica e Fundamentos da Matemática são disciplinas milito espccinlizudas,que formam um campo de estudos ele grande importância em Matemática eEpistemologiaé. Mas, no estudo de outras disciplinas matemáticas -·Análise,em particular - bastam os poucos rudimentos que daremos neste capítulo.

Proposições e teoremas

Proposição significa qualquer afirmação, verdadeira ou falsa, mas que faça sen-tido. Por exemplo, são proposições as três afirmações seguintes:

A) Todo número primo maior do que 2 é ímpar.

B) A soma dos ângulos internos de qualquer triângulo é 1800•

C) Todo número ímpar é primo.

Observe que dessas três proposições, as duas primeiras são verdadeiras, mas aterceira é falsa, pois 9, 15, 21, etc., são números ímpares que não são primos.

Um teorema é uma proposição verdadeira do tipo "P implica Q", onde P eQ também são proposições. Escreve-se, simbolicamente, "P => Q" ,·que tantose lê "P implica Q", como "P acarreta Q", ou "Q é conseqüência de P". P éa hipótese e Q é a tese do teorema. Por exemplo, a proposição A acima é umteorema, que pode ser escrito na forma D => E, onde D e E são as proposições:

D) n é um número primo maior do que 2.

lVeja também o artigo de Gilda Palis e laci Malta, na RPM 37. Para o leitor que aindanão sabe, RPM significa Revista do Professor de Matemática, uma publicação da SBM (So-ciedade Brasileira de' Matemática). Essa revista pode ser assinada, e seus números atrasadosadquiridos, escrevendo para a Caixa Postal 66281, CEP 05..128-999 São Paulo, SP.

2Veja, no final do capítulo 1, as notas sobre Fundamentos.

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2 Capítulo O: Preliminares

E) n é um número ímpar.

Outro exemplo de teorema:

S d f - [b /d _.. - a c a + ce uas raçoes a e c sao ujuais, entao b = d = b+ d.Esse mesmo teorema pode também ser escrito assim:

a c a c a+c- = - '* - = - = --ob d b d b+d

Chama-se Lema a um teorema preparatório para a demonstração de outroteorerna. Oorotârio é um teorema que segue como conseqüência natural de outro.

Muitos autores utilizam a palavra "proposição" para designar os teoremasde uma certa teoria, reservando a palavra "teorema" para aqueles. resultadosque devem ser ressaltados como os mais importantes.

Condição necessária e suficiente

Num teorema "P '* Q", diz-se que a hipótese P é uma condição suficiente deQ (suficiente para a validade de Q), ou que a tese Q é condição necessária deP .. Assim, com referência às proposições atrás, D é condição suficiente para queE seja verdadeira, e E é condição necessária de D; quer dizer; valendo D, temde valer E, ou seja, é necessário valer E.

A reciproca de um teorema P '* Q éa proposição Q '* P, que também seescreve P {:= Q. A recíproca de um teorema pode ou não ser verdadeira. Porexemplo, a recíproca do teorema "todo número primo maior do que 2 é ímpar"é "todo número ímpar é primo maior do que 2", Isto é falso, pois nem todonúmero ímpar é primo. Como exemplo de teorema cuja recíproca é verdadeiraconsidere o teorema de Pitágorus:

Se ABC é um triângulo retângulo em B, então AC2 = AB2 + BC2.

Sua recíproca também é verdadeira, e assim se enuncia:

Se ABC é um triângulo, com AC2 = AB2 + BC2, então ABC é retânguloem B.

Quando a recíproca de um teorema é verdadeira, escrevemos o teorema,juntamente com sua recíproca, na forma P <=} Q. Neste caso, qualquer uma dasproposições P e 9 é ao mesmo tempo necessária e suficiente para a validade daoutra.

Observe que P '* Q é o mesmo que "vale Q se valer P"; ou ainda, "vale Psomente se valer Q". Por isso é costume enunciar um teorema com sua recíproca,p <=} Q, dizendo "P se e somente se Q". P,* Q é a parte "P somente se Q", eQ '* P é a parte "vale P se valer Q" , proposição esta que também costuma ser

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Capítulo O: Preliminares 3

escrita mais abreviadamente na forma "P se Q". Note ainda que a proposiçãoP Ç} Q significa que P e Q são proposições equivalentes.

No caso do teorema de Pitágoras, podemos juntar o teorema e sua recíprocanum só enunciado, das diversas maneiras seguintes:

A condição necessária e suficiente para que um triângulo ABC seja retânguloem B é que AC2 = AB2 + BC2;

Seja ABC urn. triângulo. Então, ABC é retânqulo em B Ç} AC2 = AB2 +BC2;

Um triângulo ABC é retângulo em B se e somente se AC2 = AB2 + BC2.

Dois princípios de Lógica

A negação de uma proposição A será denotada por Ã. Por exemplo, a negaçãoda proposição "todo número primo é ímpar" tanto pode ser "nem todo númeroprimo é ímpar", ou "existe um número primo que não é ímpar", ou ainda "existeum número primo par" .

Estas duas últimas formas são preferíveis à primeira por serem afirmativas.A negação da proposição "todo homem é mortal" é "nem todo homem é mortal" ;mas, em forma afirmativa, deve ser "existe um homem imortal". Como veremos,oportunamente, em nosso estudo de Análise, nem sempre é fácil construir. anegação de uma proposição. (Veja, por exemplo, o Exerc. 18 da p. 55.)

O princípio da não contradição afirma que uma proposição não pode serverdadeira juntamente com sua negação. Em outras palavras, se uma proposiçãoA for verdadeira, sua negação à não pode ser verdadeira.

O chamado princípio do terceiro excluído afirma que qualquer proposição Aé verdadeira ou falsa. Em outras palavras, ou A é verdadeira, 0\1 Ã é verdadeira,não sendo possível uma terceira alternativa.

Contraposição

Observe que um teorema "A => B" não é equivalente nem implica "Ã => É".Por exemplo, o teorema "Se x é um número real, então x < O => x2 > O" éverdadeiro, mas não implica nem é equivalente a "x 2: O => x2 ::; O".·

Todavia, é verdade (como provaremos logo a seguir) que "A => B" é e-quivalente a "É => Ã". Esta última proposição é chamada a contraposição ouproposição contraposta à proposição "A => B".

Teorem~. Sejam A e B duas proposições, Eniiio, (11 => B) Ç} (É => Ã).

Demonstração. Faremos primeiro a demonstração no sentido =>.Para isso,nossa hipótese é que A => B, isto é, que "se A for verdadeira, B também é";queremos provar que "se É for verdadeira, Ã também é". Então, começamos

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supondo B verdadeira. Ora, se à não fosse verdadeira, pelo princípio do terceiroexcluído, A seria verdadeira; e pela hipótese do teorema (A => B), B seriaverdadeira. Mas, pelo princípio da não contradição, não podemos aceitar isto(visto que estamos supondo B verdadeira). Então, não podemos também aceitarque à não seja verdadeira, donde, à é verdadeira, o que conclui a demonstraçãodesejada de que B => Ã.

Finalmente, temos de provar a recíproca, isto é, a implicação <=, vale dizer,(B => Ã) => (A => B). Mas isto decorre do que acabamos de provar. De fato,trocando A por B e B por à em (A => B) => (B => Ã) obtemos exatamente (B=> Ã) => (A => B).

Uma aplicação

A contraposição é freqüêntemente usada em demonstrações. Vamos dar umexemplo disso, primeiro provando, por demonstração direta, que "o quadradode um número par também é par". De fato, número par é todo número n daforma n = 2k, onde k é um inteiro. Então, n2 = 4k2 = 2(2k2), que é da forma2k', onde k' é o inteiro 2k2. Isto completa a demonstração do teorema.

Consideremos agora o teorerna: "se o quadrado de um inteiro n for ímpar,então n também será ímpar". Podemos provar este teorema diretamente, masisto é desnecessário; basta observar que ele é o contraposto do teorema anterior,já que as proposições "ii é par" e "n. é ímpar" são a negação uma da outra.

Demonstração por absurdo

As chamadas demonstrações por redução ao absurdo, ou simplesmente demons-trações por absurdo, seguem um roteiro parecido com o das demonstrações porcontraposição. Para provar que A => B começamos supondo A verdadeira eB falsa (esta última é a chamada "hipótese do raciocínio por absurdo", umasuposição apenas temporária, até chegarmos a uma contradição, um absurdo.Somos então forçados a remover a hipótese do raciocínio por absurdo e concluirque B é verdadeira).

Como aplicação, vamos demonstrar o teorema mencionado atrás, de queNum plano, por um ponto fora de uma reta não se pode traçar mais que umaperpendicular à reta dada. Vimos que esse teorema se escreve na forma A => B,onde A e B são as proposições:

A: Num plano é dada uma reta r e um ponto P f/. T.

B: No plano dado não existe mais que uma reta s perpendicular a r, tal queP E s.

A negação de B é que existe mais que uma perpendicular; ora, para afirmar

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Capítulo O: Preliminares 5

isto, basta supor que existam duas, assim:

B: No plano dado existem duas retas distintas, s e t, perpendiculares a r,tais que P E 8 e P E t.

Vamos provar que essa proposição nos leva a um absurdo. Com efeito, sejamSe T os pontos de interseção de s e t com a reta r (faça a figura), sendo que essespontos são distintos, ou .5 c t não seriam distintas. Ora, os ângulos em S e Tsão todos retos; mas isto é absurdo, senão a soma dos ângulos do triângulo P STseria maior do que 180°. Concluímos, pois, que a proposição B é verdadeira.

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Capítulo 1

NÚMEROS REAIS

Como o primeiro alicerce de um curso de Análise é o conjunto dos números reais,é conveniente iniciarmos nosso estudo com a consideração de algumas questõessobre esses números. Portanto, neste capítulo recordaremos inicialmente certaspropriedades dos números reais; e, a partir da p. 19, começando com o conceitode "grandezas incomensuráveis", explicaremos como Richard Dedekind fez umaconstrução rigorosa dos números reais, pressupondo os racionais.

Números racionais e representação decimal

Como de costume, denotaremos com N o conjunto dos números naturais (in-teiros positivos}", com Z o conjunto dos inteiros (positivos, negativos e o zero),com Q o conjunto dos números racionais e com R o dos números reais.

Como o leitor bem sabe, os números racionais costumam ser representadospor frações ordinárias, representação essa que é única se tornarmos as fraçõesem forma irredutível e com denominadores positivos.

Vamos considerar a conversão de frações ordinárias em decimais, com vistasa entender quando a decimal resulta ser finita ou periódica.

Como sabemos, a conversão de urna fração ordinária em decimal se fazdividindo-se o numerador pelo denominador. Se o denominador da fração emforma irredutível só contiver os fatores primos de 10 (2 e/ou 5), a decimal resul-tante será sempre finita; e é assim porque podemos introduzir 'fatores 2 e 5 nodenominador em número suficiente para fazer esse denominador uma potênciade 10. Exemplos:

35

2 x 3 62 x 5 = 10 = 0,6;

41 41 41 x 5 20520 = 22 X 5 = 22 X 52 = 100 = 2,05;

lEsses números chamam-se "naturais" justamente por surgirem "naturalmente" em nossaexperiência com o mundo físico, já nos primeiros anos da infância. Deste ponto de vista,"zero" está longe de ser um número natural. Aliás, levou muito tempo para os matemáticosconcederem ao zero o status de número. No entanto, é freqüente o aluno perguntar: "Professor,zero é número natural?" Isto ocorre porque certos autores incluem o zero entre os naturais.Nada' de errado nisso, é apenas uma convenção, que os algebristas principalmente preferemfazer, por ser conveniente em seu trabalho. Coisa parecida acontece com a exclusão do número1 como número primo, simplesmente porque isso é conveniente em teoria dos números.

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Capítulo 1: Os números rcais 7

63 63 63 x 52 _- == -.-- == -.--. = 1,57.').40 23 x J 2·l X 53

Vemos, por esses exemplos, que uma fração ordinária em forma irredul'ívePse lrausjornui em. decimal jiniui se seu denominador niio contém outros fatoresprimos além de 2 e 5.

O que acontece se o denominador de uma fração irredutível contiver algumfat~r primo diferente de 2 e 5? Consideremos o exemplo da conversão de 5/7em decimal, ilustrada abaixo. Na primeira divisão (de 50 por 7), obtemos oresto 1; depois, nas divisões seguintes, vamos obtendo, sucessivamente, os restos3, 2, 6, 4 e J. No momento em que obtemos o resto 5, que já ocorreu antes,sabemos que os algarismos do quociente voltarão a se repetir, resultando noperíodo 714285. Essa repetição acontecerá certamente, pois os possíveis restosde qualquer divisão por 7 são O, 1, 2, 3, 4, 5 e 6. Vemos também que o períodoterá no máximo seis algarismos.

5,00000000 1\...!.7 _10 O, 714285 7I ...3020GO405010

Este último exemplo e os anteriores nos permitem concluir que toda fraçãoirredutível p/ q, quando convertida à forma decimal, resulta numa decimal finitaou periádica, ocorrendo este último caso se o denominador q contiver algumfator primo diferente de 2 e 5.

Números irracionais

Podemos conceber números cuja representação decimal não é nem finita nemperiódica. Esses são os chamados números irracionais. Mais adiante falaremossobre a construção rigorosa desses números. Por enquanto vamos apenas admitira existência deles e examinar algumas conseqüências interessantes.

É fácil produzir números irracionais; basta inventar uma regra de formaçãoque não permita aparecer período. Exemplos:

0,20200200020000 ... ; 0,35355355535555 ... ;

20bserve que a fração tem de ser considerada na sua forma irredutível. Por exemplo. 63/40pode ser escrita na.forma redut.ívcl 18!J/120, e agora o denominador contém o fator primo 3.

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8 Capítulo 1: Os números reais

O, 17 1177 111777 11117777 ...Um exemplo importante de número irracional é o conhecido número 11", dadoaqui com suas primeiras 30 casas decimais:

11" = 3,141592653589793238462643383279 ...o fato de não vermos período nas aproximações de 11", por mais que aumente-

mos essas aproximações, não prova que 11" seja irracional, pois é concebível queo período tenha milhões, bilhões, trilhões de algarismos - ou mais! Sabemosque 11" é irracional porque isto pode ser demonstrado rigorosamente, assim comose demonstra que a soma dos ângulos de qualquer triângulos é 1800

V2 é número irracional

Parece que o primeiro número irracional a ser descoberto foi v'2. Em geral, édifícil saber se um dado número é irracional ou não, como é o caso do número 1T,

cuja demonstração de irracionalidade não é simples. Bem mais fácil é demonstrarque o número v'2 é irracional. Vamos fazer essa demonstração raciocinando porabsurdo. Se v'2 fosse racional, haveria dois inteiros positivos p e q, tais quev'2 = »t«, sendo p/q uma fração irredutível, isto é, p e q primos entre si, ouseja, eles, não têm divisor comum maior do que L Elevando essa igualdade aoquadrado, obtemos 2 = p2 / q2, donde '

(1.1)

Isso mostra que p2 é par, donde concluímos que p também é par (se p fosseímpar, p2 seria ímpar), digamos p = 2r, com r inteiro. Substituindo na Eq.(1.1),obtemos:

4r2 = 2q2, ou q2 = 2r2.

Daqui concluímos, como no caso de p,que o número q também deve ser par.Isto é absurdo, pois então p e q são ambos divisíveis por 2 e p/q não é fraçãoirredutível. O absurdo a que chegamos é conseqüência da hipótese que fizemos noinício, de que v'2 fosse racional. Somos, assim, forçados a afastar essa hipótesee concluir que v'2 é irracional. '

1.1. Observação. A demonstração que acabamos de fazer é, na verdade,apenas a demonstração de que não existe número racional cujo quadrado seja 2.Afirmar que v'2 é um número irracional só é possível no pressuposto de que jáestejamos de posse dos números irracionais, mas isto requer a construção lógicadesses números. Vamos nos ocupar deste problema a partir da p. 29.

Números reais

Número 1'eal é todo número que é racional ou irracional. Observe que os números

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Capítulo 1: Os ntimcros reais 9

naturais e os números inteiros são casos particulares de números racionais, deforma que quando dizemos que um número é racional, fica aberta a possibilidadede ele ser um número inteiro (positivo ou negativo) ou simplesmente um númeronatural.

A totalidade dos números racionais, juntamente com os irracionais é ochamado conjunto dos números re.a·is.

Exercícios

1. Prove que a dízimn periódica 0,232:323 ... é igual a 23/00.

Reduza à forma de fração ordinária as dízimas periódicas dos Exercs. 2 alO.

2. 0,777 ... 3. 1,666 ... 4. O, 170 170 .

5. 1,2727 ... 6. 0,343343. 7. 0,270270 ...

8. 21,4545 ... 9. 3,0202 ... 10. 5,2121 ...

11. Estabeleça a seguinte regra: toda dizima periódica simples ("simples" quer dizer que operíodo começa logo após a vírgula.) é igual a urna [mçiin ordiruiria, cujo rnuncrodor éifJlLal a tLTTl.periodo c cujo denominador é consliluido de tanlos 9 quantos são os ,alga/~srnosdo período ..

12. Prove que a dfzirna periódica 0,21507507 ... é igual é'I:

21.507 - 2199900

214869990

358116.~.~.

Reduza à forma de fração ordinária os números decimais dos Exercs, 13 a 16.

13.0,377 ... 14. 0,205 O·) ... 1.5. 3,266 ... 16. 0.0002727 ...

17. Prove que v'3 é irracional.

18. Prove que .jP é irracional. onde p > 1 é um número primo qualquer.

19. Prove que, se p e q forem números primos distintos, então .,fiJq é irracional.

20. Prove que, se p i , ••• , pc forem números primos distintos, então ~ é irracional.

21. Se a e b são números irracionais, é verdade que (a + b)/2 é irracional? Prove a veracidadedessa afirmação ou dê um contra-exemplo, mostrando que ela é falsa.

22. Prove que a soma ou a diferença entre um número racional e um número irracional éum número irracional. Mostre, com um contra-exemplo, que o produto de dois númerosirracionais pode ser racional.

23. Prove que o produto de um número irracional por um número racional diferente de zero éum número irracional.

24. Prove que se .;. for um número irracional então l/r também o será.

25. Prov~ que se x e y forem nÍlmeros irracionais tais que x2 - y2 seja racional não-nulo, entãox + y e .r - y serão ambos irracionais. Exemplo: v'3 + J2 e v'3 - J2.

r--x-r-r-r-r-r-:26. Prove que, se p i , •.• , pr forem números primos distintos, então Jp~l ... p~,. é irracional se

algum dos expoentes SI ... , s; for ímpar ..

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10 Capítulo 1: Os números reais

27. Prove que um número N é quadrado perfeito se e somente se todos os fatores primos de Ncomparecem em N com expoentes pares.

28. Prove que um número que não seja quadrado perfeito, tampouco terá raiz quadradaracional.

Respostas, sugestões e soluções

L Seja x = 0,232323 ... Então,

100x = 23,2323 ... , donde 100x = 23 + x, donde 99x = 23, donde x = 23/99.

3. 1 + 6/9 = 5/3.

9.3 + 2/99.

11. Seja x = O,ala2 ar ala2 ... ar·.· uma dízima periódica simples, cujo período possui os ralgarismos ai, a2, ,ar· Multiplicando ambos os membros da igualdade por 10r, obtemos:

Isso estabelece a regra formulada, pois l.O"- 1 é um número formado de r algarismos 9:

se r = 3, io' - 1 = 999; se r = 4, 10r - 1 = 9999 etc.

12. x = 0,21507507. .. donde 100x = 21 + 0,507507 ... , donde

100x = 21 507 = 21 x 999 + 507 = 21(1000 - I} + 507 = 21507 - 21+ 999 999 999 999'

d nd = 21507 - 21 = 21486o e x 99900 99900·

Dividindo numerador e denominador por 6, obtemos, finalmente, x = 136568510.

15. Seja x = 3,266 ... Então, lOx = 32 + 2/3 = 98/3, donde x = 98/30 = 49/15.

18. A resolução deste exercício e do exercício anterior utiliza o mesmo raciocínio do texto nocaso de ,/2. Se .;p fosse racional, teriamos .;p.= m/n, com m e n primos entre si. Então,p = m2/n2, donde ln2 = 1J11.2, Isso most ru que -,n2 é divisível por p; logo, m tambémé divisível por p, ou seja, m = rp, com r inteiro. Daqui e de m2 = pn2 segue-se quer2p2 = pn2, donde n2 = pr2, significando que n também é divisível por p. Mas isto éabsurdo, senão TI! e n seriam ambos divisíveis por p e m/n não seria fração irredutível. Oabsurdo a que chegamos é conseqüência da hipótese inicial de que ..JP fosse racional. Somosassim forçados a afastar esta hipótese e concluir que ,fP é irracional.

21. Afirmação falsa. Basta tomar a = 10 +,/2 e b = -,/2, que são números irracionais. Noentanto, (a + b)/2 = 5.•que é racional.

22. Sejam a um número racional e C< um número irracional. Se x = a + C< fosse racional, entãoC< = x - a seria racional (por ser a diferença de dois racionais), o que é absurdo. Assim,concluímos que a + C< é irracional. Prove, do mesmo modo, que a - Q e C< - a são irracionais.

23. Sejam C< irracional e a # O racional. Se x = ac< fosse racional, o mesmo seria verdade deQ = x/a, o que é absurdo.

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Capítulo 1: Os números reais 11

25. Lembramos que (x + y)(x - y) = X2 - y2 Se um dos Ukfatores, digamos, x + y, fosse

racional, então x - y também O seria, pois x - y = (x2 - y2)/(x + y). Então, x e y tambémseriam racionais, pois

x = (x + y) + (x - y)2

(x+y)-(x-y)e y = .. 2

o leitor deve repetir o raciocínio supondoz - y racional.

26. Sugestão: Suponha que os expoentes SI, ... S( sejam ímpares e os demais são pares. Peloexercício anterior, ~ é irracional.

Noções sobre conjuntos

Coletamos aqui as noções básicas de conjuntos que serão utilizadas em nossoestudo. Várias delas, certamente, já são do conhecimento do leitor. Todos osconjuntos sob consideração serão conjuntos de números reais, isto é, subconjuniosde R.

A notação "x E Il" significa que x é um elemento de A e se lê ":I: pertence aA". A negação disto é "x ti- A. Quando todo elemento de A é também elementode B, dizemos que A é um subconjunto de B, ou que "A está incluso em B",e a notação é "A C B". Observe que podemos ter simultaneamente A C B eB C A, isto significando igualdade de conjuntos, que se escreve "A=B". Diz-seque A é um subcotijunio próprio de B se A C B, porém A =1= B, isto é, existealgum elemento de B que não está em A.

Dados dois conjuntos Il e B, define-se a união A U B como o conjunto detodos os elementos fine estão em pelo menos um dos conjuntos li r n, COlHO

ilustra o diagrama da Fig. l.la; a interseção A n B é definida como o conjuntode todos os elementos que estão em A e em B simultaneamente (Fig. 1.Ib).

Pode acontecer que A e B não tenham elementos comuns, em cujo casoA n B não teria significado. Exceções como essa são evitadas com a introduçãodo conjunto vazio, indicado com o símbolo 4>; ele é o conjunto que não temelemento algum.

Especificação de conjuntos

Um conjunto pode ser definido pela simples listagem de seus elementos entrechaves ou pela especificaçâo de uma propriedade que caracterize seus elementos.Assim,

A = {1,3, 5, 7}

é o conjunto dos quatro números ímpares de 1 a 7;

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12 Capítulo 1: Os números reais

(ai

é O conjunto dos números inteiros;

(b)

Fig. 1.1

é o conjunto dos números reais onde o trinômio x2 - 4x + 3 > O é positivo, queé o mesmo que o conjunto dos números que jazem fora do in~ervalo das raízes,ou seja,

A = {x E R; x < l} U {x E_R; x > 3}.

Freqüêntemente, um conjunto pode ser descrito de diferentes maneiras. Porexemplo, o conjunto dos números ímpares positivos pode ser descrito como

{l, 3, 5, 7, ... }, ou{2n + 1: n = 0,1,2,3.· .. } 0~{2n - 1: n EN}

Quando lidamos com subconjuntos de um mesmo conjunto X, entende-sepor complementar de um conjunto A, indicado pelo símbolo AC ou X - A,como sendo o conjunto dos elementos de X que não estão em A, como ilustra odiagrama da Fig. 1.2a, isto é,

AC = X - A = {x E X: x fi A}.

É claro que X" = 4> e 4>c = X. O complementa'r relativo de um conjunto A emrelação a outro conjunto B, ilustrado no diagrama da Fig. 1.2b, é definido por

B - A = {x E B: x rf. A}.

Deixamos para os exercícios a tarefa de provar que B - AB C C =} A - C C A - B.

B n AC e que

Propriedades gerais

Daremos a seguir uma série de igualdades entre conjuntos, as quais são demons-tradas provando, em cada caso, que o primeiro membro está contido no segundoe que o segundo está contido no primeiro:

A u B = B U A; A n B = B n A; A U (B U C) = (A U B) U C;

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Capítulo 1: Os números rcais 13

(a) (b)

Fig. 1.2

A n (B n C) = (A n B) nC; A U (B n C) = (A U B) n (A U C);

A n (B U C) = (;1 n B) U (;1 n C).

As chamadas leis de De Morgan, no caso de dois conjuntos A e B, afirn}amque

ou seja, o complementar da união é a interseção dos complementares e o com-plementar da interseção é a 1Lnião dos complementares.

3. Prove que AU(BUC) = (AUB)UC.

4. Prove que A n (B nC) = (A nB) nC.

5. Prove que AU(BnC) = (AUE)n(AUC).

6. Prove que An (E UC) = (An B) U (AnC).

Exercícios

1. Prove que A U E = E u A, A U A = A e que A nA = A.

2. Prove que A n E = B n A.

7. Prove que A C E ç; A n E = A. Faça um diagrama i1ustrativo.

8. Prove que E - A = E n AC• Faça um diagrama ilustrativo.

9. Prove as leis de De Morgan:

10. Prove que (A - E) n (B - A) = eP. Faça um diagrama ilustrativo.

11. Daclos dois conjuntos A e E, prov~,\ue A = (A - E) u (A n E).

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14 Capítulo 1: Os números reais

Sugestões e soluções

1. Para mostrar que o primeiro membro está contido no segundo, seja x E A U B. Então, oux E A, ou x E B, ou ambos. Se x E A, então x E B LiA; e também, se x E B, x tem deestar em B U A. Fica assim provado que A U B C B U A. Do mesmo modo prova-se queB uA C A uB. Concluímos então que AuB = B U A.

3. Seja x E A U (B U C). Se x E A, então x E A u B, logo, x E (A u B) U C; e se x E B UC,há duas possibilidades a considerar: x E B ou x E C. x E B implica x E A U B, logo,x E (A u B) u C; e x E C também implica x E (A U B) u C. Fica assim provado queA U (B U C) C (A U B) U C. A demonstração de que (A U B) U C C A U (B U C) éinteiramente análoga.

8. x E B - A *> x E B e x ri. A ç,} x E B e x E AC *> x E B n AC• Isto significa que

x E B -A *>x E BnAc, ou seja, B-A = BnAc.

9. x E (A u B)" *> x ri. A u B ç,} x ri. A e x ri. B *> x E AC e x E~Bc *> x E AC n BC•

Conjuntos finitos e infinitos

O estudo sistemático dos conjuntos, que acabou levando a uma teoria axiomáticadesse campo de estudos, começou com Georg Cantor (1845-1918), por volta de1872. Nessa época, Cantor estava iniciando sua carreira profissional e se ocu-pava do estudo da representação de funções por meio de séries trigonométricas. \Isto fez com que ele investigasse os conjuntos de pontos de descontinuidade de .tais funções, os mais simples dos quais são conjuntos com apenas um número.finito de pontos. Mas o aparecimento de conjuntos cada vez' mais complica-'dos acabou levando Cantor a investigar conjuntos infinitos em sua generalidade.Nesse .estudo ele introduziu um conceito simples, que logo se revelaria da maiorimportância - o conceito de equivalência de conjuntos.

Segundo Cantor, dois conjuntos são equivalentes, ou têm a mesma cardinali-dade, ou a mesma potência, quando é possível estabelecer uma correspondênciaque leve elementos distintos de um conjunto em elementos distintos do outro, to-dos os elementos de um e do outro conjunto sendo objeto dessa correspondência.Em termos precisos, a correspondência de que estamos falando chama-se bijeção.(Veja a definição de bijeção na p. 102.) Escreveremos A •....•B para indicar queexiste uma bijeção entre A e B. .

Observe que é essa noção de equivalência que dá origem ao conceito abstratode número natural. De fato, o que faz uma criança de quatro ou cinco anos eleidade constatar que numa cesta há três laranjas, noutra três maçãs, e noutraainda três ovos? Ela chega a essas conclusões - mesmo sem perceber - porconstatar que é possível "casar" os elementos de qualquer uma dessas cestascom os elementos de qualquer outra de maneira biunívoca. É essa abstração doselementos concretos dos conjuntos equivalentes ele diferentes objetos que nosleva a formar a noção de número natural, um fenômeno que ocorre muito ceeloem nossas vidas.

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Capítulo 1: Os números reais 15

Assim, denotando com Fn o conjunto dos primeiros números naturais, F" ={l, 2, 3, ... n}, é precisamente o fato de um conjunto A ser equipo tente a Fnque nos faz dizer que A tem n elementos, ou tem o mesmo número de elementosque F". Daí definirmos: um conjunto .fi se diz [inilo quando existe um númeronatural n tal que A seja equipotente ao conjunto Fn.

Um conjunto se diz infinito quando não for finito.

No caso de conjuntos finitos, serem equivalentes corresponde a terem omesmo número de elementos, de sorte que o conceito de cardinalidade é o re-curso natural para estender, a conjuntos infinitos, o conceito de "número deelementos de um conjunto".

Diz-se que dois conjuntos quaisquer A e IJ têm a mesma cardinalidade, ouo mesmo número de elementos, se eles forem equipotentes. Como se vê, essadefinição, no caso de conjuntos finitos, não traz nada de novo; mas estende, paraconjuntos infinitos, a noção de "número de elementos de um conjunto". Taisnúmeros são os chamados números transfinitos.

Conjuntos enumeráveis

O primeiro conjunto infinito com que nos familiarizamos é o conjunto-N dosnúmeros naturais. Chama-se conjunto enumerál'el a todo conjunto equivalente·aN.

Um dos primeiros fatos surpreendentes que surge na consideração de conjun-tos infinitos diz respeito à possibilidade de haver equivalência entre um conjuntoe um seu subconjunto próprio. Por exemplo, a correspondência n I-> 2n, queao 1 faz corresponder 2, ao 2 faz corresponder 4, ao 3 faz corresponder 6, etc.,estabelece equivalência entre o conjunto elos números naturais e o conjunto elosnúmeros pares positivos. Veja: o conjunto elos números pares positivos é umsubconjunto próprio do conjunto N; no entanto, tem a mesma cardinalielade queN, ou seja, o mesmo número de elementos. Este fenômeno é uma peculiaridadedos conjuntos infinitos e em naela contradiz o que já sabemos sobre conjuntosfinitos .'

A enumerabilidade do conjunto Q

Se é surpreendente que o conjunto N seja equivalente a vários de seus subcon-juntos próprios, mais surpreendente é que o conjunto Q dos números racionaistambém seja equivalente a N, isto é, seja enumerável.

De acordo com o Exerc. 4 adiante, para provar isso é suficiente trabalharcom o conjunto Q+ dos racionais positivos. Começamos reunindo as fraçõesem grupos, cada grupo contendo aquelas que são irredutíveis e cuja soma do

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16 Capítulo 1: Os números reais

numerador com o denominador seja constante. Por exemplo,

1 2 3 4 5 66' 5' 4' 3' 2' 1

é o grupo das frações com numerador e denominador somando 7, enquanto

1357' 5' 3'

71

é o grupo correspondente à soma 8. Observe que cada grupo desses tem umnúmero finito de elementos. Basta então escrever todos os grupos, um apósoutro, na ordem crescente das somas correspondentes, e enumerar as frações naordem em que aparecem. É claro que todos os números racionais aparecerãonessa lista:

1 2 1 3 1 2 3 4 1 5i' 2' i' 3 ' i' 4' 3' 2' i ' "5' i'···

Números irracionais

O primeiro número irracional com que nos familiarizamos, ainda no ensino fun-damental, é o número 7r, razão do comprimento de uma circunferência pelo seudiâmetro -".Mas, como a demonstração da irr acionalidade desse número está forado alcance da Matemática do ensino fundamental e médio,o aluno é apenasinformado de que a expansão decimal desse número é innniÚl. e não periódica.

Um pouco mais tarde, ainda no ensino fundamental, o aluno trava conheci-mento com os radicais; e, novamente, é apenas informado de que números como,;2, V3, etc., são números irracionais (embora esteja perfeitamente ao seu al-cance entender a demonstração de irracionalidade de ,;2 que fizemos atrás, bemcomo outras demonstrações dadas nos exercícios).

Esse "aprendizado" dos números irracionais pode deixar no aluno a im-pressão de que números irracionais são o 7r e alguns radicais; e ele talvez atéforme a idéia de que o conjunto desses números seja bem reduzido, no máximoenumerável. Mas isto não é verdade; trata-se de um conjunto infinito e nãoenumerável (Exerc. 7 adiante), fato este que segue como conseqüência da nãoenumerabilidade do conjuri.to dos números reais, que provaremos a seguir.

~ A não enumerabilidade do conjunto R

Vimos, um pouco atrás, que o conjunto Q é enumerável. Isto poderia até sugerirque todos os conjuntos infinitos fossem enumeráveis, .como de fato se acreditavafosse verdade. Em 1874 Cantor surpreendeu o mundo matemático com uma desuas primeiras descobertas importantes sobre conjuntos, a de que o conjuntodos números reais não é enumerável, ou seja, tem cardinalidade diferente da doconjunto N dos números naturais.

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Capítulo 1: Os números reais 17

Para provar isso trabalharemos com os números do intervalo (O, 1), que tem amesma cardinalidade da reta toda (Exerc. 8 adiante). Usaremos a representaçãodecimal. Observamos que alguns números têm mais de uma representação, como0,4 e 0,3999 ... Para que isto não aconteça, adotaremos, para cada número, suarepresentação decimal infinita. Assim,

0,437 = 0,436000 ...; 0,052 = 0,051900 ...; etc.

E com esse procedimento cada numero terá uma única representação decimalinfinita.

Suponhamos que fosse possível estabelecer uma correspondência biunívocados números do intervalo (O, 1) com os números naturais. Isto é o mesmo quesupor que os números desse intervalo sejam os elementos de uma seqüênciaXl: X2, X3,'" Escritos em suas representações decimais, esses números seriam,digamos,

Xl = 0, allal2a13··· aln ...

. X2 = 0, a21a22~23 a2n· ..

X3 = 0, a3ta32a33 a3n .. ,

. . . . . . . . . : . . . . ... . . ~.. . . . . . . .

3A regra não pode produzir um número que só contenha zeros. a partir de uma certa casadecimal, pois tal número seria convertido noutro com algarismos 9 a partir dessa mesma casa,o qual poderia coincidir com algum número da lista.

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18 Capítulo 1: Os números reais

~s-j1. Construa uma bijeção entre o conjunto N e o conjunto dos números ímpares positivos.

2. Construa uma bijeção entre o conjunto N e o conjunto dos números quadrados perfeitos.

3. Construa urna bijeçâo entre o conjunto N C seu subconjunto {n, n + 1, n -I- 2, ... }.

4. Sejam A um conjunto finito e B um conjunto enumerável. Mostre que o conjunto A U B éenumerável.

&supondo que A e B sejam dois conjuntos infinitos enumeráveis, mostre que A U B é enu-merável. Prove, em seguida, que a união finita de conjuntos enumeráveis é enumerável.

6. Prove que se um conjunto infinito não enumerável A é a união de dois outros B e C, entãopelo menos um destes não é enumerável.

7. Prove que o conjunto dos números irracionais não é enumerável.

8. Construa uma bijeção do intervalo (0,1) na reta (-00, +00).

9. Mostre que todo conjunto infinito possui um subconjunto enumerável.

10. David Hilbert (1862-1943) certa vez observou que um hotel com um número infinito dequartos sempre pode acornodnr mais hóspedes, até mesmo uma infinidade deles, 1I1eSInO

que os quartos do hotel já estejam todos ocupados. Mostre como fazer isso.

Respostas, su~estões e sol~es1. n >-+ 2n + 1, n - O, 1,23, ....

4. Suponhamos que os elementos de A e B já estejam enumerados, de sorte que

A.= {ci , ... ar} e B = {b,: tn, b3,"'}:

Isto sugere à bijeçã~' f: N' >-+ A U B, assim definida:

f(j)=aj, j=I, ... ,7·; f(j)=bj-r, j=r+l,r+2, ...

5. Suponha primeiro que os conjuntos A e B sejam disjuntos. Em seguida, resolva também ocaso em que eles tenham interseção não vazia.' No caso de vários conjuntos A" A2,.·., An,raciocine indutivamente, observando que A, U A2 U A3 = (A, U A2) U A3), etc.

7. Se fosse finito ou enumerável, também seria enumerável o conjunto dos números reais. Porquê?

8. Uma possibilidade é y =tg(-rrx - 'Ir/2). Faça O gráfico para se certificar. Ache outra solução.Faça o gráfico de y = -1/x e veja que esta função tem o comportamento desejado naorigem, mas não em x = 1. Faça o gráfico de y = 1/(1 - x) e veja que esta tem ocomportamento desejado em x = 1, mas não na origem. E a sorna das duas, resolve? Seriay = (2x - 1)/x(1- x). Estude o gráfico desta função.

9. Escolha um elemento qualquer do conjunto e denote-o x,. Escolha outro elemento e denote-o X2. Escolha outro diferente de Xl e de X2 e denote-o X3, e assim por diante. O processocontinua indefinidamente porque o conjunto dado é infinito, de forma que, para todo inteiropositivo n, será sempre possível encontrar um elemento do conjunto, diferente de z i , X2,

X n , que será denotado x n+ I.

10. Se chegar um hóspede novo, coloque-o no quarto número 1, transferindo o' hóspede queestava neste quarto para o quarto 2, o do quarto 2 para o quarto 3, e assim por diante.E se chegarem n hóspedes? Se chegarem infinitos hóspedes, também não há problema,mude o hóspede do quarto n para o quarto 2n; assim ficarão vagos os infinitos quartos denúmeros ímpares, para abrigar os infinitos hóspedes que estãochegando. .

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Capítulo 1: Os números reais 19

Grandezas incomensuráveis

Historicamente, a primeira evidência da necessidade dos números irracionaisocorre com a idéia de "incomensurabilidade", que explicaremos logo adiante.Comecemos lembrando que na Grécia antiga, os únicos números reconhecidoscomo tais eram os números naturais 2, 3, 4, etc. O próprio 1 não era consideradonúmero, mas a "unidade", a partir da qual se forrnavarrr os números. As" fraçõessó apareciam indiretamente, na forma de razão de duas grandezas, como, porexemplo, quando dizemos que o volume de uma esfera está para o volume docilindro reto que a circunscreve como "2 está para 3.

Os números que hoje chamamos de "irracionais" também não existiam naMatemática grega. Assim como as frações, eles iriam aparecer indiretamente,também como razões de grandezas da mesma espécie, como comprimentos, áreasou volumes; e, ao que parece, foram descobertos no século V a.C. Não sabemosse essa descoberta foi feita por um argumento puramente numérico, como o dademonstração da p. 8; pode ser que os gregos tenham utilizado alguma cons-trução geométrica, como a que vamos descrever adiante, envolvendo a diagonale o lado de um quadrado. \

A medição de segmentos

Para bem entender essa questão, comecemos lembrando o problema de comparargrandezas da mesma espécie, como dois segmentos de reta, duas áreas ou doisvolumes. Por exemplo, no caso de dois segmentos retilíneos AB e CD, dizerque a razão AB IC D é o número racional tn l n , significa que existe um terceirosegmento E F tal que A B seja m vezes E F e C D n vezes esse mesmo segmentoEF. Na Fig. 1.3 ilustramos essa situação com m = 8 e n = 5.

A l!I

AB 8=-

CD 5I I

C {) F. F

Fig. 1.3

Note bem que AB e C D são segmentos, não números. É por isso que "razão"não é o mesmo que "fração". Os gregos não usavam "frações", apenas "razões".E não escreviam A B 1C D para indicar a razão de dois segmentos. Mesmo nosdias de hoje costuma-se escrever AB : C D = m : n, e dizer "AB está para C Dassim como m" está para n". Quando indicamos a razão com AB 1C D, em vezde AB : C D, não devemos confundi-Ia com fração.

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20 Capítulo 1: Os números reais

No tempo de Pitágoras (580-500 a.C. aproximadamente) - e mesmo duranteboa parte do século V a.C. -, pensava-se que dados dois segmentos quaisquer,AB e CD, seria sempre possível encontrar um terceiro segmento EF contidoum número inteiro de vezes em AB e outro número inteiro de vezes em C D,situação esta que descrevemos dizendo que EF é um submúltiplo comum de ABe CD. Uma simples reflexão revela que essa é uma idéia muito razoável; afinal,se EF não serve, podemos imaginar um segmento menor, outro menor ainda, eassim por diante. Nossa intuição geométrica parece dizer-nos que há de existirum certo segmento E F, talvez muito pequeno, mas satisfazendo aos propósitosdesejados. Na Fig. 1.4 ilustramos uma situação com segmento EF bem menorque o da Fig. 1.3. O leitor deve ir muito além, imaginando um segmento EF tãopequeno que nem se possa mais desenhar, para se convencer, pela sua intuiçãogeométrica, da possibilidade de sempre encontrar um submúltiplo comum deAB e CD.

A BI IIII1 I II I I I I I I I I I I I I I I I 1I I I I I

c ()

AB 29-- --CD 26

~

1

I I I I II I J I I I I I I I I I I I 1I I I I I I I

,Fig.lA

Dois segmentos nessas condições são ditos comensuráveis, justamente porser possível medi-Ios ao mesmo tempo. com a mesma unidade E F. Entretanto,não é verdade que dois segmentos quaisquer sejam sempre comensuráveis. Emoutras palavras, existem segmentos AB e CD sem unidade comum EF, oschamados segmentos incomensuráveis. Esse é um fato que contraria nossa in-tuição geométrica, e por isso mesmo a descoberta de grandezas incomensuráveis~a antigüidade foi motivo de muita surpresa para todos os matemáticos daquela '(\~o~ ~t

, ,~'

Segmentos incomensuráveis \ ç. 1\/\ n! /'., I'r) ,J ' f, '-<. O lj"-' ( ;,.'f , vV (,,\7\ a:

Foram os próprios pitagóricos que descobriram que o lado e Va diagonal de umquadrado são grandezas incomensuráveis. Isso aconteceu provavelmente entre450 e'400 a.C. Vamos descrever, a seguir, um argumento geométrico que demons-tra esse fato.

A Fig. 1.5 ilustra um quadrado cuja diagonal é denotada por ó = AB e cujolado é ,\ = AC. Suponhamos que ó e À sejam comensuráveis. Então existirá umterceiro segmento (J' que seja um submúltiplo comum de ó e '\. Fazemos agoraa seguinte construção: traçamos o arco C D com centro em A e o segmento

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Capítulo 1: Os números reais 21

c

·Fig. 1.5

F

ED tangente a esse arco em D, de sorte que AD ~ AC. Então, nos triângulosretângulos AGE e ADE, os cate tos AG e AD são iguais, e como a hipotenusaAE é comum, concluímos que são também iguais os cate tos CE e DE (= BD).Portanto,

ó = AB = AD + BD = À + BD,

,\ = BC = BE + Ec:' = BE + BD,

ou seja,

Como o segmento (T é submúltiplo comum de {j e À, concluímos, por (1.1),que (T também é submúltiplo de B D. Daqui e de (1.2) segue-se que (T tambémé subinúltiplo de B E. Provamos assim que, se houver um segmento (T queseja submúltiplo comum de ó = AB e À = AC, então o mesmo segmento (T

será submúltiplo comum de B E e B D, segmentos esses que são a diagonale o lado do quadrado B D E F. Ora, a mesma construção geométrica que nospermitiu passar do quadrado original ao quadrado B D EF pode ser repetida comeste último para chegarmos a' um quadrado menor ainda; e assim por diante,indefinidamente; e esses quadrados vão-se tornando arbitrariamente pequenos,pois, como é fácil ver, as dimensões de cada quadrado diminuem em mais dametade quando passamos de um deles a seu sucessor. l2.essa maneir.§,. proyarn.g;;·

que o segmento (T deverá ser slIbmlÍltiplo comum do lado e da diagonal de 11mqtladrado tão pequeno quanto desejemos. 9pe é absurdo. Somos, pois, levados a >rejeitar a suposição inicial de comensurabilidade de AC e AB. Concluímos, pois,que o lado e a diagonal de qualquer quadrado são grandezas incomensuráveis,

(1. l)

:\~.:.-I

(1.2)

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22 Capítulo 1: Os números reais

como queríamos provar.

o retângulo áureo

Há vários outros modos de estabelecer a existência de segmentos incomen-suráveis, um dos quais baseado no "retângulo áureo" , que discutiremos a seguir.

B F c

Fig.I.6o.

a b

a+~

a

A f)F.

Chama-se retângulo áureo a qualquer retângulo ABC D (Fig. 1.6) coma seguinte propriedade: se dele suprimirmos um quadrado. como ABFE, oretângulo restante, CD E F, será semelhante ao retângulo original. Se a + be asão os comprimentos dos lados do retângulo original, a definição -de retânguloáureo traduz-se na seguinte relação:

a+b aa b

(1.3)

o retângulo áureo tem sido considerado, desde a antigüidade grega, como oretângulo mais bem proporcionado e de maior valor estético; e tem sido utilizadopor vários arquitetos e pintores em suas obras de arte.

A razão </J= atb é chamada razão áurea. Às vezes, o inverso desse número,'P = l/</J = b] a, é chamado número áureo. Dividindo numerador e denominadorda primeira fração em (1.3) por b, obtemos a equação do 22 grau </J2 - </J - 1 = Opara determinar </J. Como já sabemos que este número é positivo, seu valor é araiz positiva da equação anterior, isto é, </J = (J5+ 1)/2 ~ 1,618. O númeroáureo, por sua vez, resulta ser 'P = (J5- 1)/2 ~ 0,618. Observe que </J=' 'P + 1,de sorte que </J e 'P têm a mesma parte decimal. Note também que </J = 1/'P. -

A expressão numérica de </J já prova que este número é irracional. No entanto,podemos provar, geometricamente, como no caso do lado e diagonal de umquadrado, que os lados de um retângulo áureo são incomensuráveis. (Veja oExerc.- 2 adiante.)

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Capítulo 1: Os números reais 23

Fig. 1.7

a b

2b-a

a-b

Uma infinidade de retângulos áureos

Voltando à relação (1.3), uma propriedade bem conhecida das proporções per-mite escrever:

a+b (a+b)-aa-b b

a ba-b

aou seja,

a b

Isto mostra que se o retângulo de.lados a + b e b é áureo, também o é o retânguloele lados (J. e b, O mesmo raciocínio se aplica para mostrar que são t.uubémáureos os retângulos de lados b e a - b, a - b e 2b - a, etc. (Fig. 1.7). Emoutras palavras, dados os números positivos n e b, satisfazendo a relação (1.3),formamos a seqüência a + b, a, b , a2, a3, ... , onde

a2 = a - b, a3 = b - a2 = 2b - a, . . . an = an-2 - an-l. (1.4)

Pelo raciocínio anterior, quaisquer dois elementos consecutivos dessa seqüênciasão os lados de um retângulo áureo.

Divisão áurea

Diz-se que um ponto C de um segmento AB (Fig. 1.8) divide esse segmento narazão áurea se

ABAC

ACCB

Diz-se também que C divide ABem media e extrema razão (ou meia e extremarazão), isto porque o segmento AC aparece duas vezes na proporção como termosdo meio, enquanto AB e C B são os termos extremos.

A relação (1.5) é precisamente a relação (1.3) se pusermos AC = a e C B = b,de sorte que os segmentos AC e C B (ou AB = a + b e AC =a) da divisão áurea

(1.5)

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24 Capítulo 1: Os números reais

c R

Fig. 1.8

são os lados de um retângulo áureo, e (1.5) é a razão áurea rP já encontradaanteriormente.

É interessante notar que se C1 divide AB em média e extrema razão, ese marcarmos no segmento AB os pontos C2, C3, C4,"" de tal maneira queAC2 = ClB, AC3 = C2Cl, AG4 = C3C2, (Fig. 1.9), então Cn divide AGn-lem média e extrema razão, n = 2, 3, 4, Este resultado segue do que jáprovamos sobre a seqüência infinita de retângulos áureos, donde segue tambémque os segmentos AGI e GlB da divisão áurea de AB são incomensuráveis.(Veja o Exerc. 2 adiante e o Exerc. 22 da p. 63.)

A B

Fig. 1.9

Exercícios

L Utililzando o Teorema de Pitágoras e ofato de que o lado e a diagonal de um quadrado sãograndezasIncomensuráveis, prove que não existe número racional cujo quadrado seja: 2,

2. Pro~e" geometricamente, que os lados de um retângulo áureo são grandezas incornen-suraveis. (

3. Desenhe um pentágono regular de lado I e diagonal d. Prove que d]] é a razão áurea (dondesegue que esses segmentos são incomensuráveis),

(?\Prove, geometricamente, que o lado e a diagonal de um pentágono regular são incomen-\J . 'suraveis.

5. Dado um segmento AB de comprimento a, construa geometricamente um retângulo áureocom lado menor igual ao segmento AR.

6, Utilize a construção do exercício anterior 'para construir, geometricamente, o ponto C quefaz a divisão áurea do segmento A B,

Sugestões

1. Tome um quadrado de lado unitário e aplique o teorema de Pitágoras.

2. Com referência à Fig. 1.8, suponha que existam um segmento a e números inteiros a e bsatisfazendo a condição:

AD = (a + b)a e AR = bo:

Em conseqüência, todos os números da seqüência (1.4) seriam inteiros. Termine a demons-tração.

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Capítulo 1: Os números reais 25

3. Sejam ABC DE o pentágono, F e C as interseções das diagonais AD e AC com a diagonalBE. Prove que os triângulos ABE e BCA são semelhantes e utilize essa semelhança.

4. As diagonais de um pentágono regular formam um pentágono regular menor. Raciocinecomo no caso do quadrado discutido no texto.

5. Sejam ABC D um quadrado, e E o ponto médio de AB. Marque o ponto F no prolonga-mento de AB, de forma que EF = EC ..Aplique o Teorema de Pitágoras ao triângulo EBCe obtenha (a + b)a = ab, mostrando que o retângulo de lados AB e AF é áureo.

A ·crise dos incomensuráveis e sua solução

A descoberta de grandezas incomensuráveis foi feita pelos próprios pitagóricos;e representou um momento de crise na l\Iatemática, como explicaremos a seguir.

Devemos lembrar que Pitágoras notara certas relações numéricas envolvendoo comprimento de uma corda musical e o som por ela emitido. Ao que parece, elefez observações semelhantes com relação a outros fenômenos, intuindo daí que onúmero fosse de fato a essência de todos os fenômenos, permeando a Naturezainteira. Sendo assim, era de se esperar que a razão de dois segmentos de retapudesse sempre ser expressa como a razão de dois números (naturais).

Como vimos na p. 19, dizer que a razão de dois segmentos A e B é a fraçãom/ n significa dizer que existe um segmento a tal que A = mcr e B = no .Ora, com a descoberta dos incomensuráveis, ficou claro que isso nem sempre.seria possível. Como então poderia o número ser o fundamento de todos osfenômenos naturais, se nem sequer eram suficientes para exprimir a razão dedois segmentos?

A teoria das proporções

Para nós hoje é fácil perceber que a crise dos incomensuráveis seria resolvidacom a introdução, na Matemática, dos números fracionários e dos números irra-cionais. Mas os gregos tomaram. outro caminho, inventando um modo de falarem igualdade de razões mesmo no caso de grandezas incomensuráveis. Com issocriaram toda uma teoria das proporções que só dependia dos números naturais."O criador dessa teoria, exposta no Livro V dos Elementos de Euclides.P foi Eu-doxo (408-355 a.C. aproximadamente), matemático e astrônomo ligado à escolade Platão.

Como já observamos, os gregos não definiam "razão"; trabalhavam com esseconceito como se fosse um "conceito primitivo". Bastava-lhos saber o significadoda igualdade de d~as razões, e isso era feito em termos dos números naturais.Assim, no caso de dois segmentos comensuráveis A e B, Eudoxo deve ter perce-bido que dizer que A está para B assim como m está para n equivale a dizer que

"Veja nosso artigo na Rf'M 7.5Veja a nota sobre o conteúdo dos Elementos de Euclides no final do capítulo.

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26 Capítulo 1: Os números reais

nA = mE (veja o Exerc. 3 adiante). Então, no caso de quatro segmentos, dizerque A está para E assim como C está para D deveria significar a existência dedois números m e n tais que

nA =mB e nC =mD.

No caso em que A e B forem incomensuráveis, igualdades do tipo nA =t)~Bnunca ocorrerão. Mas, dados dois números m e n, podemos sempre testar se

nA>mB, nA=mB ou nA<mB;

e igualmente, se

nC>mD, nC=mD ou nC<mD;

Pois bem, esse teste é o que Eudoxo utiliza para dar uma definição de igualdadede duas razões, A ; B e C ; D, que se aplique sempre, sejam os segmentoscomensuráveis ou não.

1.2. Definição (do Eudoxo), Dadas quatro qnnulezas da mesma espécie,A, B, C e D (segmentos, áreas ou volumes), diz-se que A está para B assimcomo C está para D se, quaisquer que sejam os nÚmeros m en , se tenha:

nA> mB Ç} nC > inD; nA = mB Ç} nC == mD;

(Y\A < mB Ç} nC < mD.

Observe, pelo Exerc. 3 adiante, que no caso em que A e B são cornensu-ráveis, A ; E = m ; n equivale a dizer que nA = mB. Então, de acordo com aDefinição de Eudoxo, no caso comensurável, dizer que A ; B = C ; D equivalea dizer que nA = rnB Ç} nC = mD. No caso incomensurável, estas igualdadesnunca acontecem; mas Eudoxo continua definindo a igualdade A ; B = C ; Ddesde que, para todos os números m e n,

nA> mB Ç} nC > mD e nA < mB Ç} nC < mD.

Desenvolvimento posterior da Matemática

Com sua definição de igualdade de duas razões, Eudoxo constrói a teoria das pro-porções, utilizando apenas os números inteiros. Embora tenha sido uma soluçãogenial da crise dos incomensuráveis, ela atrasou por mais de mil anos o desen-volvimento da Aritmética e da Álgebra, pois subordinou essas disciplinas aosestudos de Geometria, como retrata muito bem a exposição feita nos Elementosde Euclides.

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Capítulo 1: Os númei·os reais 27

Foi somente a partir do início do século XIII que a "matemática numérica"começa a chegar tI Europa, vinda da India e da China por intermédio dos árabes.Três séculos mais tarde a Álgebra começa a se desenvolver, sobretudo na Itália,preparando o terreno IJara todo o desenvolvimento da Geometria Analítica e doCálculo no século XVII.

Convém notar que todo esse desenvolvimento mais recente da Matemática,sobretudo nos séculos XVII e XVIII, se deu graças à atitude dos matemáticos,que não se deixaram vencer pelas dificuldades naturais da falta de uma teoriadas fundamentos. Como dissemos há pouco, os gregos, ao resolverem a crisedos incomensuráveis, acabaram desviando-se do curso natural de evolução daMatemática por se apegarem a excessivos critérios de rigor. Ao contrário disso,seus colegas dos últimos séculos não se ativeram tanto às exigências do rigor,por isso mesmo desbravaram e conquistaram territórios consideráveis.

A Matemnática desenvolveu-se extensamente nos tempos modernos (isto é,a partir do século XVI), até o início do século XIX, mesmo sem qualquer fun-damentação dos diferentes sistemas numéricos. Trabalhavam-se livremente comos números racionais e irracionais, desenvolvendo todas as suas propriedades,sem que houvesse uma teoria embasando esse desenvolvimento. Isso aconteciamuito à maneira do que fazemos hoje no ensino fundamental, quando intro-duzimos os radicais. Assim,acostumamo-nos com propriedades como esta, quepermite multiplicar dois números irracionais, resultando em um número inteiro:v'I2J3 = J36 = 6; mas aprendemos a trabalhar com essas propriedades antesmesmo de termos uma teoria que as justifique.

Foi só em meados do século XIX que os matemáticos começaram a sentirnecessidade de uma fundamentação rigorosa dos diferentes sistemas numéricos.E é interessante observar que a fundamentação desses sistemas ocorreu na ordeminversa: primeiro foram organizados os números complexos, depois os númerosreais, os racionais, os inteiros e, finalmente, os números naturais.

Exercícios1. Dizemos que duas frações são iguais quando têm a mesma forma irredutível. Por exemplo,

12/40=18/60, pois12 3 x 4 3 18 3 x 6 340 = 10 x 4 = 10 e 60 = 10 x 6 = 10'

Mas podemos também definir igualdade de frações pela igualdade do produto dos meioscom o produto dos extremos, como neste exemplo:

12 = 18 {=} 12 x 60 = 18 x 40,40 60

Prove que esses dois modos de' definir igualdade de frações são equivalentes, isto é, prove oseguinte: dadas duas frações m/n e m' /n', mn' = m'n {=} existem números primos entresi p e q, e números inteiros positivos a e b, tais que

m = ap, n = aq 'e m' = bp, n' =' bq.

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2. _Ta p, 19 definimos razão de dois segmentos comeosuráveis: AB e CD são comensuráveis eessão entre si na razão m/n se existem números me n e um segmento a tais que AB =ma eC D = nu. Prove que essa definição é consistente, isto é, prove que se existirem dois outrosnúmeros m' e n' e um segmento a' tais que AB = m'a' e C D = n' a', então m/n =m' [n':

3. Prove que duas grandezas comensuráveis A e B estão entre si na razão m/n se e somente

~

enA=mB.

4. rove que o conjunto E das raízes quadradas de 2 por falta não tem máximo.

5. Prove que o conjunto D das raízes quadradas de 2 por excesso não tem mínimo.

Sugestões e soluções

L A demonstração no sentido Ç: é fácil e fica a cargo do leitor. Para demonstrar a recíproca,suponha que mn' = m'n. Sendo a o mdc de m e n, teremos: m = ap e n = aq, onde p e qsão primos entre si. Destas duas últimas relações segue-se que mn' = apn' e m'ri = aqm';e destas obtemos pn' = qm', Daqui se conclui 'que p divide o produto m'q, e, como é primocom q, divide m': Portanto, existe b tal que m' = bp. Finalmente, para provar que n' = bq,basta substituir m' = bp em pn' = qm'.

2. Prove que oA = mB; em seguida, que nm'o' = mn'ir", donde nm' = mn'.

3. Não pode simplesmente escrever A/ B = mjri e multiplicar cruzado; afinal, é precisamenteisto que se pede para provar!

r;:.O que se deseja provar é que se r é um número racional positivo tal que r2 < 2,existe outroUt'lmero racional 8 > r tal que ,<;2 < 2. Isto se consegue aumentando T de urna quantidade

bem pequena, digamos, 1/11, com 11 um inteiro bem grande. Mas quão grande? Vejamos:tomando S = T +-l/n,queremos que

ou seja,2 2r 1

T +-+ - < 2,o n2

ou ainda,

( 1) 1 22r+; ;<2-r.

Temos de resolver esta inequação para determinar possíveis valores de 11. Podemos evitarisso, resolvendo uma inequação bem mais simples. Para isso adotamos um procedimentoque é freqüente em Análise: como o ::::1, temos que'1jn' :S'1, portanto,

(2r +~) ~ :S (2r +~~\11 n n

- í' .-'(\.'1- h,Agora basta resolver.a inequaçâo

que resulta em 11 > (2r + 1)/(2 - r2). É claro que com qualquer n nessas condições teremostambém (r + 1/n)2 < 2, que é o resultado desejado.

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Capítulo 1: Os números reais 29

5. Imite a demonstração anterior, começando com r2 > 2 e procurando determinar 8 = r-l/ntal que 8

2 > 2. Veja:

2rn

Dedekind e os números reais

Vários matemáticos do século XIX cuidaram da construção dos números reais,dentre eles Richard Dedekind, Karl Weierstrass, Charles Méray e Georg Cantor.Mas as teorias dos números reais que permaneceram foram a de Dedekind ea de Cantor. Exporemos, nesta seção a construção de Dedekind, e no capítuloseguinte a de Cantor. Não faremos uma exposição tecnicamente detalhada, antesvamos nos concentrar nas idéias de Dedekind, procurando dar uma boa com-preensão de todo o seu trabalho, principalmente da propriedade de completudedos números reais, expressa nos Teoremas 1.5 e 1.7 adiante.

Richard Dedekind (1831-1916) estudou em Côttingen, onde foi aluno deGauss e Dirichlet. Em 1858 tornou-se professor em Zurique, transferindo-se em18fi2 para Brnnuschwoig (ali Brunswíck), sua terra natal, onde permaneceu peloresto de sua vida.

Ele conta que no início de sua carreira em ·1858, quando teve de ensinarCálculo Diferencial, percebeu a falta de uina fundamentação adequada para osnúmeros reais, principalmente quando teve de provar que uma função crescentee limitada tem limite (Teorema 4.14, p. 114). E é também ele mesmo quemconta que foi buscar inspiração para sua construção dos números reais na antigae engenhosa teoria das proporções de Eudoxo. Assim, em 1887 ele escreve: " ... ese interpretamos número como razão de duas grandezas, há de se convir que

. tal interpretação já aparece de maneira bem clara na célebre definição dada porEuclides sobre igualdade de razões. Aí reside a origem de minha teoria ( ... ) emuitas outras tentativas de construir os fundamentos dos números reais".

Cortes de Dedekind

Observe que a definição de Eudoxo associa, a cada par de grandezas, digamos(A, B), dois conjuntos de pares (m, n) de números naturais: o conjunto E ("E"de esquerda) dos pares para os quaismB < nA (que fariam m ln < AI B se AI Btivesse significado numérico) e o conjunto D ("D" de direita) dos pares para osquais mB > nA (que fariam AI B < mf n. se A.I B tivesse significado numérico).

Inspirando-se na definição de Eudoxo, Dedekind parece ter notado que oprocedimento do sábio grego leva a uma separação dos números racionais em doisconjuntos. Assim, qualquer número racional r efetua um "corte" ou separaçãode todos os demais números racionais no conjunto E dos números menores do

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30 Capítulo 1: Os números reais

que T e no conjunto D dos números maiores do que r; O próprio número T podeser incluído como o maior elemento de E" ou o menor elemento de D.

Mas, além desses "cortes" , há outros, como exemplifica O clássico caso de -/2.O processo de encontrar a raiz quadrada de 2 conduz à separação dos númerosracionais em dois conjuntos: o conjunto E das raízes quadradas aproximadaspor falta (aí incluídos o zero e os racionais negativos), e o conjunto D dasraízes aproximadas por excesso. Só que agora esse corte não tem elemento deseparação; de fato, já vimos (Exercs. 4 e 5 atrás) que o conjunto das raízes porfalta não tem elemento máximo e o conjunto das raízes por excesso não temelemento mínimo. No modo de ver de Dedekind, o número irracional J2 deveser criado como elemento de separação entre os conjuntos desse corte.

Dedekind generaliza esse procedimento, primeiro definindo corte de maneirageral, no conjunto Q dos números racionais. •

1.3. Definição. Entenderemos pOT"corte (ou "corte racional"), todo par(E, D) de conjuntos não vazios de números racionais, cuja união é Q, e taisque todo elemento de E é menor que todo elemento de D. -;

(Essa definição permite provar (Exerc. 1 adiante) que o conjunto E é umasemi-reta para -00 e o conjunto Duma semi-reta para +00.) Em seguidaDedekind postula que todo cortepossui elemento de separação, que tanto podeser incorporado a E como o seu maior" elemento, ou a"D como o seu menorelemento. Suporemos que o elemento de separação seja sempre incorporado aD. Assim, em todo corte, o conjunto D tem mínimo; e os cortes que não sãodeterminados por números racionais dão origem aos números irracionais.

Dedekind observa que a existência de cortes sem elementos de separação noconjunto Q dos números racionais é a expressão aritmética da descontinuidadede Q, ao passo que, com a adjunção dos novos elementos - - os números irra-cionais - obtemos o conjunto R dos números reais, que, ao contrário de Q, éagora um "contínuo numérico", pois os irracionais vêm preencher as "lacunas"de descontinuidade então existentes em Q.

A relação de ordem

Mas não basta apenas juntar a Q os novos elementos para obter R. Este conjuntoprecisa ter a estrutura que dele se espera, daí termos de definir as operaçõesusuais de adição, multiplicação, etc., e a relação de ordem. E fazer isso demaneira a também provar as propriedades usuais desses números, que já co-nhecemos e usamos desde o ensino fundamental.

No que diz respeito à relação de ordem, por exemplo, devemos introduzi-"Ia em R de forma a preservar a ordem já existente entre os racionais. Paraisto, sejam Ct e f3 dois números reais quaisquer, caracterizados pelos cortes que

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Capítulo 1: Os nlÍmeros reais 31

determinam no conjunto Q. Assim, a = (El, Dd e (3 = (E2, D2). Dizemos quea = (3 se El = E2 e a < (3 se El éum subconjunto próprio de E2.

Essa ordem, de fato, preserva a ordem já existente em Q, pois se a e (3 foremambos racionais, a definição que acabamos de dar de que ü < (3 significa quetodo valor aproximado por falta de a também o é de (3, mas este tem valoresaproximados por falta superiores a todos os de a, que é exatamente como deveser para preservar a ordem preexistente em Q.

Operações com números reais

Além da relação de ordem, é necessário definir a adição e a multiplicação denúmeros 'reais, os inversos aditivo e multiplicativo, e demonstrar todas as pro-priedades já conhecidas para os números racionais, bem como demonstrar quetudo o que já valia no conjunto Q permanece válido dentro da nova estruturade R.

Não é nosso objetivo desenvolver aqui todo esse programa. Daremos umaidéia de como isso é feito no caso da adição, indicando ao leitor o capítulo 1do livro de Rudin, ou o capítulo 28 do livro de Spivak (veja a bibliografia nofim do livro) para um tratamento completo desses tópicos. Notamos que, parasimplificar, nessas duas referências o conceito de corte é identificado com apenaso conjunto E das aproximações por faltado número que ele define. De fato, istoé suficiente, como no caso de v'2, cuja caracterização é completa com apenas asraízes aproximadas por falta, que determinam também as raízes por excesso.

A maneira natural de definir a soma de dois números reais a = (El, Dd e(3 = (E2, D2) consiste em construir o par (E, D) = a + (3, onde E é o conjuntodas somas de elementos de El com elementos de E2, e D o conjunto das somas deelementos de DI com elementos de D2. Todavia, para facilitar as demonstrações,é mais conveniente adotar a definição dada a seguir.

1.4. Definição. Dados os números reais a = (El, DI) e (3 = (E2, D2),definimos sua soma a + (3 como sendo o corte (E, D), onde

e D é o conjunto dos demais números racionais.

A primeira coisa que temos a fazer após uma definição como esta é provarque o par (E, D) é de fato um corte, isto é, que E e D não são vazios, e que sex E E e y E D, então x < y.

Ora, que E i- <p segue do fato de que E1 i- <p e E2 i- fjJ, de forma que existealgum x + y E E. Para provar que D =F fjJ notamos que, tomando x E DI ey E D2, a soma x + y E D, pois x + y é maior que todo elemento de E.

, Finalmente temos de provar que todo elemento de E é menor que todo , ..'elemento de D. Para isto, sejam x E E e y E D. Suponhamos, por absurdo,

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32 Capítulo 1: Os números reais

que x > y. Então, x = y + a, com a > O; e, como x E E, existem m E El en E E2 tais que x = m + n. Em conseqüência, y = x - a = (m - a) + n; e,como m - a E El e n E E2, concluímos que y E E, que é absurdo. Assim, somosforçados a aceitar que x < y, como queríamos provar.

o teorema de Dedekind

Sabemos que tanto Q como R são corpos ordenados. (Veja a definição de corpona p. 44.) O que realmente diferencia um desses corpos do outro é o fato de Rser completo e Q não é. Dizer que o conjunto Q não é completo significa dizerque há cortes sem elemento de separação em Q (como vimos nos Exercs. 4 e 5atrás), ao passo que R ser completo significa que todo corte tem elemento deseparação, este elemento podendo estar em R, como no caso de "fi.

Há várias outras maneiras de expressar a completudedo corpo R dosnúmeros reais. Uma delas, demonstrada pelo próprio Dedekind, é o teoremaque consideramos a seguir.

1.5. Teorema. Todo corte de números reais possui elemento de separação.

Observação. Por corte de números reais entende-se todo par (E, D) de con-juntos não vazios de números reais, cuja união é o conjunto R, e tais que todoelemento de E é menor que todo elemento deD: Pois bem, o teorerna afirmaque, dado qualquer corte desse tipo, sempre haverá um número real a que será,ou o maior elemento de E ou o menor elemento de D.

Demonstração. Começamos observando que o corte dado (E, D), determinatambém um corte (A, B) de números racionais, A sendo o conjunto dos númerosracionais contidos em E e B o conjunto dos números racionais contidos em D.Esse corte (A, B) possui um elemento de separação a. Provaremos que a ou émáximo de E ou mínimo de D.

Se a fosse menor do que algum elemento {3 E E, pelo Exerc. 4 adiante,haveria uma infinidade de números racionais compreendidos entre a e {3;seja cum deles. Então, a < c, donde c E B C D. Como c < {3,pelo Exerc. 1 adiante,{3E D, absurdo, pois {3E E.

Se a fosse maior do que algum elemento {3 E D, pelo mesmo raciocínio,haveria um número racional c compreendido entre a e {3. Então, a > c, dondec E A C E. Como c :> {3, pelo Exerc. 1 adiante, {3E E, absurdo, pois {3E D.

Em conseqüência, o número real a é, ou o maior elemento de E ou o menorelemento de D, como queríamos provar.

Veremos outras maneiras úteis de expressar a cornpletude de R, dentre elas

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Capítulo 1: Os números reais 33

a chamada "propriedade do supremo", que consideramos a seguir.

Supremo e Ínfimo de um conjunto

Diz-se que um conjunto C de números reais é limitado à direita ou limitadosuperiormente se existe um número J( tal que c :s: J( para todo c E C. Domesmo modo, C é limitado à esquerda ou limitado inferiormente se existe umnúmero k tal que k :s: c para todo c E C. Os números K e k são chamadoscotas do conjunto C, superior e inferior, respectivamente. Por exemplo, o con-junto dos números naturais é limitado inferiormente, mas não superiormente,enquanto que o conjunto dos números racionais menores do que 8 é limitadosuperiormente, mas não inferiormente. O conjunto dos números reais x tais quex2 :s: 10 é limitado, tanto à direita como ~ esquerda; tal conjunto é o mesmoque o intervalo fechado [- VIõ, VIõ], isto é,

[-v'iO, v'iO] = {x E R: x2:s: 10} = {x E R: --v'iO:s: x:S: v'iO}.

Um conjunto como este último, que é limitado à direita e à esquerda aomesmo tempo, é dito, simplesmente, conjunto limitado. É também limitadoqualquer intervalo de extremos finitos a e b.

Quando um conjunto é limitado superiormente, ele pode ter um elemento queseja o maior de todos, o qual é chamado o máximo do conjunto. Por exemplo,o conjunto dos números racionais :c tais que x :s: 10 tem l.Ocomo seu máximo.Já o conjunto

A = g, ~,~,...,n: I""}não tem maximo, embora seja limitado superiormente. Os elementos desseconjunto, como vemos, são frações dispostas de maneira crescente:

(1.6)

1 2 3 n- < - < - < ... < -- < ...2 3 4 n+l

e nenhuma dessas frações é maior do que todas as outras. Pelo contrário, qual-quer delas é superada pela que vem logo a seguir, isto é,

n n + 1--<--.n+1 n+2

Não obstante isso, qualquer elemento do conjunto é menor que o número 1,o qual é, portanto, uma de suas cotas superiores. Aliás, 1 é a menor dessascotas, pois, dado qualquer número c < 1, é sempre possível encontrar n tal quec < n/(n + 1) (Veja o Excrc, 8 adiante), o que quer dizer que c não é cotasuperior.

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34 Capítulo 1: Os números reais

Este último exemplo ilustra uma situação interessante: o conjunto é limitadosuperiormente, não tem máximo, mas tem cota superior mínima. Isto sugere adefinição de supremode um conjunto, mediante uma das seguintes proposições(que são equivalentes, como veremos logo a seguir):

1.6. Definição. Chama-se supremo de um conjunto C à menor de suascotas superiores.

Chama-se supremo de um conjunto C ao número S que satisfaz as duascondições seguintes: a) c::; S para todo c E C; b) dado qualquer número é> 0,existe um elemento c E C tal que S - é < c.

Para vermos que a segunda definição é equivalente à primeira, basta notarque seu item a) nos diz que S é cota superior de C, e o ítem b) está afirmandoque não há outra cota menor do que essa; logo, ela é a menor de todas.

Uma pergunta natural que se põe é a de saber se todo conjunto limi tadosuperiormente tem supremo. A resposta, dada a seguir, é afirmativa.

1.7. Teorema.. Todo conjunto não vazio de números reais, que seja /-i-mitado superiormente, possui supremo. (Esta é a propriedade do supremo quemencionamos atrás.)

Demonstração. Seja C o conjunto em questão. Seja E o conjunto de todosos números reais o que sejam menores que algum elemento de C, e seja D oconjunto dos números reais restantes.

Da própria definição de E e D, vê-se que (E, D) é um corte em R. Seja o oelemento de separação desse corte, portanto, ou o é o maior elemento de E ou omenor elemento de D. Mas o não pode pertencer a E, senão ele seria menor doque um elemento c E C, o mesmo sendo verdade de todos o~ elementos j3 entreCt e c, donde j3 E E; e Cc não seria o elemento de separação de (E, D) (faça umarepresentação gráfica, para ajudar na compreensão).

Assim, concluímos que o é o menor elemento de D, ou seja, a menor cotasuperior de C, como queríamos provar.

Nessa demonstração não há como saber se o supremo é ou não o máximodo conjunto C. É claro que se o conjunto possui máximo, este é também oseu supremo. Mas o conjunto pode não ter máximo, como no exemplo dadoem (1.6). Outro exemplo de conjunto cujo supremo não é máximo é qualquerintervalo aberto à direita, como

. [-5, 12) = {x E R: -5::; x.< 12},

que não tem máximo, mas tem 12 como seu supremo.A parte b) da segunda definição de supremo nos diz que qualquer número

à esquerda de S, isto é, S - é, terá algum elemento c de C à sua direita. Tal

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Capítulo 1: Os números reais 35

elemento c pode ser o próprio S, quando este for o máximo do conjunto. Porexemplo, o conjunto

{2, 3, 9/2, 5, 6, 13/2, 7}

tem supremo 7, que é também seu máximo. Dado e = 1/2, S - e será 13/2; eo único elemento do conjunto à direita de 13/2 é o próprio 7 .

.A noção de ínfimo é introduzida de maneira análoga à de supremo.

1.8. Definição. Chama-se ínfimo de um conjunto C à maior de suas cotasinferiores; ou ainda

Chama-se ínfimo de um conjunto C ao número s que satisfaz as duascondições seguintes; a) s :<s: c para todo c E C; b) dado qualquer número E: > O,existe um elemento c E C tal que c <s + e .

Com a propriedade do supremo prova-se que todo conjunto não vazio denúmeros reais, que seja limitado inferiormente possui ínfimo. (Exerc. 10 adi-ante.)

Conjuntos não limitados à direita certamente não possuem supremos finitos.Convenciona-se considerar +00 como o supremo desses conjuntos. Analoga-mente, -00 é considerado o ínfimo dos conjuntos não limitados inferiormente.

Observe que se nos ativermos ao conjunto dos números racionais, então não. seráverdade que todo conjunto limitado superiormente tenha supremo ou quetodo conjunto limitado inferiormente tenha ínfimo. Já vimos isso com o exemploclássico de v'2 no Exerc. 4 da p. 28.

Observe também que agora, com a propriedade do supremo, podemosdemonstrar que o número 2 possui ~aiz quadrada (Exerc. 13 adiante). Lembre-se do que foi dito na p. 8: a demonstração que lá fizemos foi apenas umademonstração de que não existe número racional cujo quadrado seja 2. Maisdo que isso, provamos agora que qualquer número positivo possui raiz n-ésima(Exerc. 14 adiante).

Exercícios

1. Dado um corte (E, D), prove que se e E E e x < e, então x E E; e que se d E D e y > d,então y E D. Isso significa que E é uma semi-reta que se estende para -00 e que Dumasemi-reta estendendo-se para +00.

2. Seja r um número racional. Prove que.o conjunto E dos números racionais menores doque r não tem máximo; e que o conjunto dos números racionais maiores do que r não temmínimo.

3. Dados dois números reais quaisquer, Q e {3,prove a chamada lei da tricotomia, que diz: ouQ < {3,ou Q = {3ou Q > .3.

~rove que entre dois números reais distintos há urna infinidade de números racionais.

Vrove que entre dois números reais distintos há urna infinidade de números irracionais.

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36 Capítulo 1: Os números reais

6. Dados três números reais a, f3 e I, prove que a < f3 e f3 < 1 ~ a < I'7. Dado um número real a = (E, D), defina o oposto -a tal que a + (-a) =O.

8. Prove que o número 1 é efetivamente o supremo do conjunto definido em (1.6), mostrandoque, dado € > O, existe N tal que n 2: N =? 1 - é < n/(n + 1).

9. Considere o conjunto {1/m -1/n: m, n E N}. Prove que -1 e 1são o ínfimo e o supremodesse conjunto, respectivamente, e que eles não pertencem ao conjunto.

10. Prove que todo conjunto limitado inferiormente tem ínfimo.

11. Prove que a > 1 =? c" > a para todo inteiro n > l.

12. Prove que O< a < 1 =? a" < a para todo inteiro n > 1.

13. Use a propriedade do supremo para provar a existência da raiz quadrada positiva de 2.

14. Generalize o exercício anterior, isto é, use a propriedade do supremo para provar a existênciada raiz n-ésima positiva de qualquer número a > O,a i 1.

15. Sejam A e B conjuntos numéricos não vazios. Prove que

ACB=>infA2:infB e supA~supB.

16. Sejam A e B dois conjuntos numéricos não vazios, tais que a ~ b para todo a E A e todob E B. Prove que sul' A ~ inf B. Com a mesma hipótese, prove ainda que sul' A = inf B *>qualquer que seja ê > O, existem a E A e b E B tais que b - a < e,

17. Sejam A e B dois conjuntos numéricos não vazios, limitados inferiormente, e r um númerotal que r ~ a + b para todo a E A e todo s « B. Prove que r ~ inf A + inf B. Enuncie edemonstre resultado análogo para os supremos.

18. Dados dois conjuntos numéricos limitados A e B, definimos o conjunto A + B = {a + b:aE A, b E B}. Prove que sup(A + B) = supA + sul' B, e inf(A + B) = inf A + inf B.

19. Dado um conjunto numérico limitado A, e um número real qualquer a, definimos o conjuntoo A = {aa: a E A}. Mostre então que sup(aA) = o sup A, inf(aA) = o inf A se a 2: O;e sup(aA) = a inf A se a < O. Em particular, sup( -A) = - inf A, ou ainda, sul' A =- inf(-A).

Sugestões e soluções1. Raciocine por absurdo. Veja bem, a negativa da primeira proposição dada é: existem ume E E e um x < e tal que x f/: E, donde x E D. Confronte isso com a definição de cortepara encontrar o absurdo.

2. Tem-se de provar que, dado e E E, existe e' E E, e' > e. Para isso, seja e > O um númeroracional tal que e < r-e. Então, e' = e + é < e + (r - e) = r; logo, e' E E e e' > e.Demonstre a segunda parte.

5. Sejam a e f3 os números reais dados, com a < f3. Se a for racional, os infinitos númerosa + ../2/n, a + ../2/(n + 1), a + ../2/(n + 2), a + ../2/(n + 3), ... são todos irracionais; eestarão todos entre a e f3, desde que n seja suficientemente grande; por exemplo, basta quea + ../2/n seja menor do que f3, ou seja, n > ../2/(fJ - a). O leitor termine fazendo o casoem que a for irracional.

Faça outro raciocínio, servindo-se do resultado do exercício anterior.

7. Seja d o elemento de separação no corte (E, D). d é o menor elemento de D. SejamE' = D U {d} e D' = D - {d}. Prove que -a = (-D', -E') é realmente um corte, eque satisfaz a condição desejada. Lembre-se de que O= (A, B), onde A é o conjunto dosnúmeros racionais negativos e B é o conjunto dos números racionais 2: O.

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Capítulo 1: Os números reais 37

tL Observe que a .ncgaçâc de "z é menor que algum elemento de Gil é I(x é maior ou igual atodo elemento de C" .

9. N > (1 - €)/õ.

10. Seja A um conjunto limitado inferiormente e seja B o conjunto de todas as cotas inferioresde A. É claro que B não é vazio e é limitado superiormente por qualquer elemento de A,de forma que B tem supremo; além disso, sendo s esse supremo, todo número menor doque s pertence a B. Vamos provar que s é o Ínfimo de A. Observe que a) s :5 a para todoa E A, pois qualquer número menor do que s está em B, Ademais, b) dado" > O, existe

. a E A tal que a < s + e, senão todo número menor do que S + € estaria em B e s não seriao supremo de B.

11. a > 1 => a2 > u, logo a? > a > 1. Isso, por sua vez, implica n:l > li? > Q. Assimprosseguimos até chegarmos a a" > a,,-l > ... > a.

12, Observe que b = l/a> 1.

13. Considere o conjunto C dos números c ~ O tais que c2 < 2, Trata-se de Ulll conjuntonão vazio, pois contém o número 1. Vemos também que C é limitado superiormente (pelonúmero 2, por exemplo). Designando por b seu supremo, vamos provar que b2 = 2. Paraisso, mostremos primeiro que é absurdo ser b2 < 2. De fato, nesta hipótese, seja é umnúmero positivo menor do que 1, de sorte que

Determine é fazendo este último número menor do que 2 e termine a demonstração. Senecessário, estude a dernonstraçâodo exercício seguinte e volte a este.

,14. Supomos, evidentemente, que n >,1. D~vemos provar que existe um número b >,0 talqueõ" = a. Para isso consideramos 'o conjunto C dos números c ~ O tais que c" < a. Trata-sede um conjunto não vazio, pois contém o número 1 se a > 1 e, de acordo com o Exerc. 12,contém o número a se a < 1. Vemos também que C é limitado superiormente, pelo número1 se a < 1 e pelo próprio a se a > 'L Designando por b seu supremo, vamos provar queb" = a. Para isso, mostremos primeiro que é absurdo ser bn < a. De fato, nesta hipótese,seja é um número positivo menor do que 1, de sorte que

(b+é)n b"+nb,,-Ié+ ... +e:n

b" [. bll-1 1I.(n -1) ú"-:2 _11-1]+ c /! + --2-- "+ ... + ,

< bn [bn-I n(n - 1)bn-2 ] b" te+€ n +--2-- + ... +1 = + v e ,

onde J( é a expressão entre colchetes, que independe de é. Ora, fazendo é < (a - bn)/ K,teríamos b" < (b + é)n < a, absurdo, pois então b não seria o supremo do conjunto C.Mostremos agora que é absurdo ser b" > a. Isso implica (l/b)n < l/a. Então, comraciocínio análogo ao que acabamos de fazer, existe é > O tal que

donde obtemos

v: > (1: b" ) n > a.

Ora, isso também contradiz o fato de b ser o supremo do conjunto C, de forma que devemosconcluir que b" = a, como desejávamos.

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38 Capítulo 1: Os números reais

15. Faça um desenho para ajudar no raciocínio.' Como A C B, todo elemento de A é maior ouigual a algum elemento de B e menor ou igual a algum outro elemento de B.

16. Raciocine por absurdo: se inf B < sup A, pela definição do supremo teria de haver algumelemento de A maior do que inf B; e pela definição do ínfimo, esse elemento de A seria maiordo que algum elemento de B. Você está fazendo um desenho para ajudar no raciocínio?

17. Como r :S a + b para todo a E A (e b fixo), devemos ter r:S inf A + b (se não ... ); e comoisto é verdade para todo b E B, devemos ter também r :S inf A + inf B.

Desigualdade do triângulo

O leitor certamente conhece a definição de valor absoluto de um número 7',

indicado pelo símbolo [r], e que é igual a r se r 2 O e a -r se r < O. Muitoimportante em nosso estudo é 1\ cluuuadu desigualdade do triâiujulo, segundo aqual,

Ia + bl :s; lal + Ibj, (1.7)

quaisquer que sejam os números a e b. Para demonstrá-Ia observamos que

Ia + bl2 (a + b)2 = a2 + b2 + 2ab = lal2 + Ibl2 + 2ab

:s; lal2 + Ibl2 + 21allbl = (Ial + Ib1)2.

Agora é só extrair a raiz quadrada para obtermos o resultado desejado.A desigualdade (1.7) pode também ser estabelecida por verificação direta,

considerando as várias hipóteses: 1) a 2 O e b 2 O; 2) a :s; O e b S O; 3) a 2 O> be a 2 Ibl etc. DÉüxamos ao leitor a tarefa de verificar que em (1.7) vale o sinalde igualdade se e somente se a e b tiverem o mesmo sinal.

Fig. 1.10

1.9. Observação. A desigualdade (l.7) é chamada '''desigualdade do tri-ângulo" porque ela é válida também quando a e b são vetores, digamos a eb. Neste caso, a, b e a-l-b são os três lados de um triãngulo (Fig. 1.10) e adesigualdade traduz a' propriedade geométrica bem conhecida: em um triânguloqualquer lado é menor do que a soma dos outros dois, isto é, se a e b não sãocolineares e nenhum deles é o vetar nulo, então

la+ b] < [a] + [b].

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Capítulo 1: Os números reais 39

Deixamos ao leitor a tarefa de demonstrar, como exercícios, as outras de-sigualdades seguintes:

Ia - bl ::; lal + Ibl; lal - Ibl ::; Ia ± bl

Ibl-Ial::; Ia± bl; Ilal-lbll::; Ia±bl

(1.8)

(1.9)

Uma importante propriedade dos números naturais é o princípio que enunciamosa seguir.

Exercícios

l. Prove as quatro desigualdades em (i.s) e (l.a).

2. Prove que se a desigualdade [u] - Ibl :'Õ Ia - bl é válida quaisquer que sejam a e b, o mesmoé verdade de Ia + bl :'Õ [c]+ Ibl·

3. Prove por induçâo que IUI + a2 + ... + anl :'Õ lad + 1021+ ... + lanl, quaisquer que sejamos números ali a2,··· I ano

4. Prove que 101+ a2 + ... + anl ~ 1011- la21-·.· - 10nl, quaisquer que sejam os números

Sugestões e soluções

l. A primeira desigualdade em (1.5) é conseqüência de (1.7) com -:b em lugar de b. Quantoà segunda com sinal negativo} observe, por (1.7), que

x < r e - x < r Ç} Ixl < r.

lal = I(a - b).+bl ::; Ia - bl + Ibl·

Trocando b por -b obtemos a desigualdade com sinal positivo. A primeira desigualdade em(1.9) segue da segunda de (1.8) com a troca de a com b. Finalmente, a segunda desigualdadeem (1.9) segue das duas últimas mencionadas; basta observar que

2. Faça a - b = c e observe que se a e b são arbitrários, o mesmo é verdade de b e c.

4. Observe que

lal + a2 + ... + anl lal + (02 + ... + OnJl~ lod - la2 +". + Onl ~ la1l - (1021+" ·10,,1) .

la1l - la21- ". - la"l·

Notas históricas e complementares

Os Elementos de EuclidesTemos muito pouca informação sobre Euc1ides, que teria vivido por volta do ano 300 a.C. Eesse pouco que dele sabemos nos vem dos comentários de Proc1us (410-485), um autor queviveu mais de 700 anos depois de Euc1ides.· Mesmo Proclus tem dificuldade em determinar a

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40 Capítulo 1: Os números reais

época em que viveu Euclides.Euclides escreveu várias obras científicas, a mais famosa das quais, conhecida com o nome

de "Elementos", é uma coletânea de 13 livros, reunindo quase todo o conhecimento matemáticoda época em que foi escrita. Em parte por causa disto, e também por tratar-se de uma obrade escol, que reunia a maior parte da Matemática entâo conhecida, as obras anteriores aosElementos desapareceram. A única exceção são alguns fragmentos atribuídos a Hipócrates deQuio, que viveu no século V a.C. Assim, os Elementos de Euclides são praticamente tudo oque temos da Matemática grega que se desenvolveu desde seu início com Tales de Mileto, queviveu no século VI a.C., até o tempo de Euclides. Trata-se de um período de cerca de 250 anos,aliás, muito pouco tempo para que a Matemática, logicamente organizada, evoluísse do estágioembrionário em que se encontrava com Tales, até o alto grau de sofisticação que transparecenos Elementos.

Nâo sabemos se Euclides escreveu os Elementos para uso no ensino, ou apenas para reuniro conhecimento matemático da época. Naquele tempo não havia a preocupação pedagógica dosdias de hoje, de sorte que Euclides alcançou os dois objetivos. E os Elementos foram muitousados no aprendizado da Matemática por mais de dois milênios. No século XIX já haviaoutros livros de Geometria, didaticamente mais adequados ao ensino, notadamente o livro deLegendre, que teve muitas edições em várias línguas, inclusive o português. Esse livro foi muitousado nas escolas brasileiras por quase todo o século XIX. (Veja nosso artigo "Legendre e opostulado das paralelas" na RPM 22.)

Um equívoco que se comete com freqüência é pensar que os Elementos são uma obraapenas sobre Geometria. Na verdade, há muito de Aritmética e Álgebra em vários dos livrosdos Elementos. O que é verdade - e isto explica, pelo menos em parte, a origem do equívoco-- é que a Mutenuitica grega na época em que Euclidcs COIllpÕSsua. obra, era toda ela geo-metrizada. De fato, como vimos atrás, a crise dos incomensuráveis e a genial solução que lhedeu Eudoxo, aliada a. urna excessiva preocupação com o rigor, encaminhou toda a Matcuuit.icapara o lado da Geometria. Isso se tornou' tão arraigado que até o início do século XIX osmatemáticos costumavam ser chamados de "geômetr as". Era comum, por exemplo) referir-sea Ulll matemático como Henri Poincaré (1854-1912) como "o grande geõmetra francês", emboraele fosse um homem de cultura universal, em Matemática, Física, Filosofia e outros domíniosdo conhecimento. Ainda hoje certos professores de Matemática de universidades inglesas têmo título de "Professor of Geometry" .

Um outro equívoco não menos freqüente é pensar que os fatos geométricos dos Elementosde Euclides sejam expressos numericamente como o são para nós hoje. Para exemplificar,enquanto para nós a área de um triângulo é dada por uma fórmula exprimindo metade doproduto da base pela altura, para Euclides a área de um triângulo é metade da área' do paralelogramo que se obtém com a junção de dois triãngulos iguais ao triângulo dado; a áreado paralelogramo é igual à área de um retângulo de mesma base e mesma altura, e assim pordiante. Para nós, hoje, a área de um círculo é 7f1.2, mas para Arquimedes (287-212 a.C.), queviveu algumas décadas depois de Euclides, a área do círculo é igual à área de um triângulode base igual ao comprimento da circunferência e altura igual ao raio do círculo. Para nós ovolume da esfera é 47rr3/3, enquanto o que Arquimedes nos diz é que o volume da esfera estápara o volume do cilindro circular reto a ela circunscrito assim como 2 está para 3; e isto é

.informaçâo suficiente. Na Matemática 'grega, antes e durante o período helenístico, não haviafórmulas como é tão comum hoje em dia; tudo era dado em termos de proporções, como nocaso do volume da esfera que acabamos de mencionar. E isso perdurou no Ocidente por maisum milênio após o declíneo da civilização helenística.

o conteúdo dos Elementos

Os Elementos, para nós hoje, são uma obra antes de tudo de valor histórico. Sua melhor versão

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Capítulo 1: Os números reais 41

é a tradução inglesa de Thornas L. Hoath (publicnd.i pela Editora Dover cm três volumes).Isto porque Heath enriqueceu sobremaneira a obra de Euclides com uma excelente introdução,além de inúmeros, valiosos e esclarecedores comentários.

O volume I reúne os Livros I e II dos Elementos, o primeiro destes contendo uma boa parteda geometria plana, construções geométricas, teoremas de congruência, áreas de polígonos e oteorema de Pitágoras (que é a Proposição 47). Ainda no volume I de Heath encontra-se o LivroII dos Elementos, sobre o que se costuma chamar de "Álgebra geométrica". Por exemplo, aProposição 4 desse Livro II é O equivalente, em linguagem geométrica, da propriedade que hojeconhecemos como "quadrado da soma" (igual ao quadrado do primeiro, mais o quadrado dosegundo, mais duas vezes o primeiro vezes o segundo). Euclides enuncia isto geometricamenteassim: "se um segmento de reta é dividido em dois, o quadrado construído sobre o segmentointeiro é igual aos quadrados sobre os segmentos parciais e duas vezes o retângulo construídocom estes segmentos". Euclides nâo fala. ma." de cst.~\.se referindo a áreas, quando diz ~;:..éigual..."

O volume II de Heath contém os Livros III a IX dos Elementos, tratando do círculo (LivrollI), construção de certos pollgonos regulares (Livro IV), teoria das proporções de Eudoxo(Livro V), Semelhança de figuras (Livro VI) e teoria dos nrneros (Livros VII-IX). Por exemplo,a Proposição 20 do Livro IX é o famoso teorerna: "existem infinitos números primos". Mas Eu-clides não fala "infinitos" , já que os gregos não admitiam o que Aristóteles chama de "infinitoatual", apenas o chamado "infinito potencial". Em liuguagern de hoje ele diz o seguinte: "Dadoqualquer conjunto (finito, entenda-se bem!) de números primos, existe algum número primofora desse conjunto", E a demonstração, novamente, é geométrica. Segundo o matemáticoinglês Godfrey Harold Hardy (1877-1947). trata-se de uma das mais belas demonstrações daMatemática.

Finalmente, o volume III de Heath contém os Livros X-XIII, onde são tratados a incomen-surabilidade, geometria espacial e os poliedros regulares.

O leitor pode 'ler mais sobre os Elementos no excelente trabalho do Prof. João BoscoPitombeira sobre essa obra, publicado como volume 5 dos Cadernos da RPM; ou no livro deAsgar Aaboe, intitulado "Episódios da História Antiga da Matemática", traduzido e publicadopela SBM.

A Geometria dedutiva

Foi no século VI a.C. que Tales de Mileto inaugurou na Matemática a preocupação demons-trativa. A partir de então a Matemática grega vai assumindo o aspecto de um corpo deproposições logicamentc ordenadas: cada proposição é demonstrada n partir de proposiçõesanteriores, estas a partir de outras precedentes, e assim por diante, UI11 prOCC!:iSO que nãoteria fim. Mas os gregos logo perceberam isso e viram que era necessário parar o processoem certas proposições iniciais, consideradas evidentes por si meSOHLS; a partir destas todasaH outras são dernoustrudas. As proposições evidentes por si mosmns, silo hoje designadas,indiferentemente, "postulados" ou "axiomas". O aspecto mais importante dos Elementos éessa organização dos fatos, num admirável encadeamento lógico-dedutivo em que um reduzidonúmero de proposições e definições iniciais são o bastante para se demonstrar, uns após outros,todos os teoremas considerados. Historicamente, os Elementos são a primeira corporificaçãodesse "método axiornático", de que voltaremos a falar mais adiante.

As geometrias não-euclidianas

Embora muito admirado e aplaudido, o modêlo axiornático dos Elementos, no que se refere ao52.postulado, ou postulado das paralelas, suscitou questionamentos .. Já na antigüidade váriosmatemáticos acreditavam que ele pudesse ser demonstrado com base nos outros postulados, e

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42 Capítulo 1: Os números reais

tentaram fazer tal demonstração. Essas tentativas de demonstração foram retomadas nos tem-pos modernos pelo matemático italiano Girolamo Saccheri (1667-1733), que publicou, poucoantes de morrer, um opúsculo no qual pretendia ter demonstrado o postulado pelo métodode redução ao absurdo. Assim, negando o postulado, ele demonstrou uma série de teoremas,concluindo ter chegado a uma contradição. Mas, no fundo, no fundo, não havia contradiçãonas conclusões de Saccheri, embora isso só fosse notado muito mais tarde, quando EugênioBeltrami (1835-1900) descobriu o trabalho de Saccheri.

Por volta de 1830 já havia sérias suspeitas de que o postulado das paralelas não pudesse serdemonstrado a partir dos outros. Em outras palavras, suspeitava-se que se pudesse desenvolveruma geometria a partir de negações do postulado das paralelas, ao lado dos outros postuladosde Euclides. Foi nessa época que o matemático húngaro János Bolyai (1802-1860) e o russoNicokolai Ivanovich Lobachevsky (1792-1856) publicaram, independentemente um do outro,a descoberta de geometrias não-euclidianas, "ou seja, geometrias que negam o postulado dasparalelas."

Mas as publicações de Bolyai e Lobachevski não foram suficientes para convencer o mundomatemático da possibilidade das geometrias não-euclidianas. Na verdade, esses trabalhos eramparecidos com o de Saccheri: negavam o postulado das paralelas e desenvolviam uma série deteoremas sem chegar a contradição alguma. Mas, e daí? quem garante que a contradição nãoestá para. aparecer logo no próximo teorerna que ·ainda não foi demonstrado? Quem garanteque todos os teoremas já foram enunciados e demonstrados?

Aliás, foi somente após essas questões serem levantadas em conexão com as tentativasde demonstrar o postulado das paralelas, ou construir geometrias nâo-euclidianas, que osmatemáticos começaram a perceber que a própria Geometria de Euclides também estava su-jeita aos mesmos questionamentos. Quem poderia garantir que os cinco postulados de Euclidesnão poderiam levar a uma contradição? Afinal, Euclides demonstrara apenas um número finitode teoremas. Quem sabe a contradição poderia aparecer _no próximo teorerna, como alguémque, depois de tanto percorrer as areias de um deserto à procura de um oasis, quando não maisacredita que ele exista, pode - agora por felicidade e não desdita - encontrá-Io do outro ladoda próxima duna!. ..

Foi Beltrarni quem primeiro exibiu um modelo de geometria não-euclidiana que permitiainterpretar os fatos dessa geometria em termos da própria geometria euclidiana. Outros mo-delos foram construídos por Felix Klein (1849- 1925) e Henri Poincaré, estes também, como O

de Beltrami, apoiando-se na geometria euclidiana,Foi a partir de então - após esses vários matemáticos haverem exibido modelos eucli-

dianos das geometrias não-euclidianas -, que estas geometrias ganharam total credibilidade."Provava-se que elas eram consistentes, isto é, livres de contradições internas. Mas tais provasapoiavam-se na geometria euclidiana, de sorte que elas tornavam ao mesmo tempo evidentea necessidade de provar a consistência da própria Geometria de Euclides. Os matemáticoscomeçaram então a estudar a consistência dos postulados de Euclides, e logo perceberam queeles eram insuficientes para provar os teorernas conhecidos, sem falar nos demais que viessema ser considerados no futuro. Analisando os Elementos desse novo ponto de vista, eles desco-

6Quando jovem, o pai de Bolyaí havia sido colega de Gauss em Gõttingen. E quandoo filho pôs suas idéias por escrito, ele (o pai) enviou um exemplar do :manuscrito a Gauss,Mas este, pouco sensível -ao entusiasmo do jovem Jünos, escreveu de volta dizendo mais oumenos o seguinte: "sim, mas isso que seu filho fez não é novidade para mim, que percebiessa possibilidade há muitos anos, em minha juventude". Tudo indica que Gauss foi mesmo oprimeiro matemático a perceber a possibilidade das geometrias não-euclidianas.

7Estamos deixando de lado uma outra vertente importantíssima no desenvolvimento dasgeometrias não-euclidianas, devida a Riemann, mas que não é necessária no momento.

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Capítulo 1: Os números reais 43

briram que a axiornática euclidiana era muito incompleta e continha sérias falhas. Euclides,em suas demonstrações, apelava para muitos fatos alheios aos postulados. Era necessárioreorganizar a própria geometria euclidiana, suprindo, inclusive, os postulados que estavam fal-tando. Isto foi feito por vários matemáticos no final do século XIX, dentre eles David Hilbert(1862-1943) que, em 1889 publicou o livro "Fundamentos da Geometria", no qual ele faz limaapresentação rigorosa de uma axiornática adequada ao desenvolvimento lógico-dedutivo dageometria euclidiana..

Paralelamente ao que acontecia em Geometria, as preocupações com o rigor se faziampresentes também na Análise Matemática a partir de aproximadamente 1815, e sobre issofalaremos nas notas do final do Capítulo 4.

Os Fundamentos da Matemática

Os desenvolvimentos que vinham ocorrendo na Geometria, na Álgebra e na Análise durantetodo o século XIX convergiram, no final do século, para uma preocupação com os fundamentosde toda a l\latemática. Por duas razões -importantes os matemáticos acabaram se conven-cendo de que todas "as teorias matemáticas teriam de se fundamentar, em última instãncia,nos números naturais. De um lado, os números complexos, os números reais, os racionais eos inteiros puderam ser construídos, de maneira lógica e consistente, uns após outros, termi-nando nos números naturais. De outro lado, Hilbert estabelecera uma correspondência entreos elementos geométricos do plano - pontos e retas e círculos - com os entes numéricosda geometria analítica. Os pontos podem ser caracterizados por pares ordenados de númerosreais, e as retas e círculos por suas equações. Isto permitiu transferir o problema da con-sistência da Geometria à consistência da Aritmética. Provando-se a consistência desta, ficariatambém provada a consistência da"Geometria. Assim, a Geometria, que desde a antigüidadeera considerada o modelo de rigor lógico, estava agora dependendo da própria Aritmética parasua efetiva fundamentação.

Leopold Kronecker (1823-1891) dizia que Deus nos deu os números naturais e que o restoé obra do homem. Com isto ele queria dizer que esses números deveriam ser tomados comoo ponto de partida, o fundamento último de toda a Matemática. Não obstante isso, RichardDedekind mostrou ser possível construir os números naturais a partir da noção de conjunto,noção esta que seria mais extensamente desenvolvida por Georg Cantor (1845- 1918)8

A possibilidade de construir toda a Matemática a partir da teoria dos conjuntos intensi-ficou o interesse por esse campo de estudos. Porém, esses estudos estavam ainda incipientese os matemáticos já começavam a encontrar sérias contradições internas na teoria.? Muitasdessas contradições foram resolvidas, até que, em 1931 o lógico austríaco Kurt Gõdel (1906-1978) surpreendeu o mundo matemático com a publicação de um trabalho em que demonstravaque o método axiomático tem inevitáveis limitações, que impedem mesmo a possibilidade deconstruir um sistema axiomático abrangendo a Aritmética.

Para entender melhor o que isso significa, devemos lembrar que um sistema axiomáticodeve satisfazer às três condições seguintes: ser consistente, quer dizer, os postulados não podemcontradizer uns aos outros, por si mesmos ou por suas conseqüências; deve ser completo, nosentido de serem suficientes para provar verdadeiras ou falsas todas as proposições formuladas

"no contexto da teoria em questão; e, por fim, cada postulado deve ser independente dos de-mais, no sentido de "que não é conseqüência deles, "sob pena de ser supérfluo. Pois bem, Gõdelprova, dentre outras coisas, que a consistência de qualquer sistema matemático que englobea Aritmética não pode ser estabelecido pelos princípios lógicos usuais. Isto ele prova como

80 matemático italiano Giuseppe Peano (1858-1932) mostrou como construir esses númerosa partir de noções primitivas e postulados.

9A propósito, veja o artigo que publicamos na RPM 43.

1

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Capimlo 1: Os números reais

conseqüência deste seu outro resultado, conhecido como o teorema da incompletude: se umateoria formal abrangendo a Aritmética for consistente, ela necessariamente será incompleta, oque significa dizer que haverá alguma proposição sobre os inteiros que a teoria será incapaz dedecidir ser verdadeira ou falsa.

Seria errôneo pensar que os estudos de Fundamentos terminam com os resultados de Gôdel,ou que esses resultado, pelos seus aspectos negativos, condenam a Matemática a uma posiçãoinferior no contexto do conhecimento humano. O resultado de Gõdel certamente mostra que éfalsa a expectativa acalentada desde a antigüidade de que o conhecimento matemático, com seucaráter de certeza absoluta, possa ser ciscunscrito nos limites permitidos por um sistema axio-mático. Além de revelar as limitações do método axiomático, os resultados de Gõdel mostram,isto sim, que as verdades matemáticas, na sua totalidade, escapam aos figurinos formais dossistemas axiomáticos.

Hermann Weyl (1885-1955), que está entre os maiores matemáticos do século XX, disse,espirituosamente: Deus existe porque certamente a Matemática é consistente; e o demônioexiste porque somos incapazes de provar essa consistência.

Definição de corpo

O leitor encontrará, em livros sobre estruturas algébricas exposições sobre a teoria de corpos.Daremos aqui apenas a definição de corpo, sem entrar em maiores detalhes.

Um corpo (comututivo) é um conjunto não vazio C, munido de duas operações, chamadasadição e m·ultipl-icação, cada uma delas fazendo corresponder um elemento de C a cada par deelementos de C, as duas operações estando sujeitas aos axiomas de corpo listados a seguir. Asoma de x e V de C é é indicada por x + y e a multiplicação de x e y é indicada por xV. OSaxiomas de corpo são:

1-, (Associatividade) Dados quaisquer x, v, z E C,

(x + V) + z = x + (y + z) e (xy)z = x(yz);

2. (Comutatividade) Quaisquer que sejam z , y E C,

x + y = y + x e xy = yx;

3. (Distributividade da multiplicação em relação à adição) Quaisquer que sejam z , y, z EC, x(V+z) =xy+xz;

4. (Existência do zero) Existe um elemento em C, chamado "zero" ou "elemento neutro",indicado pelo símbolo "O", tal que x + O = x para todo x E C.

5. (Existência do elemento oposto) A todo elemento x E C corresponde um elementoz' E C tal que x + x' = O. (Esse elemento x', que se demonstra ser único para cada x, éindicado por -x.)

6. (Existência do elemento unidade) Existe um elemento em C, designado "elementounidade" e indicado com o símbolo "1", tal que ·lx = x para todo x E C.

7. (Existência do elemento inverso) A todo elemento x E C, x t= O, corresponde umelemento z" E C tal que zz" = 1. Esse elemento x" , que se demonstra ser único para cada x,é indicado com X-I ou l/x.

O corpo se diz ordenado se nele existe um subconjunto P, chamado o conjunto dos ele-mentos positivos, tal que: a) a sornae o produto de elementos positivos resulta em elementospositivos; b) dado x E C, ou x E P, ou x = O, ou ·-x E P.

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Capítulo 2

.. ~SEQUENCIAS INFINITAS

Intervalos

Antes de entrarmos propriamente no assunto deste capítulo, vamos rever algu-mas definições sobre intervalos numàicos, que serão usadas neste e nos capítulosseguintes.

Dados dois números a e b, com a <' b, chama-se intervalo aberto de extremosa e b, denotado por (a, b), ao conjunto

(a, b) = {x E R: a < x < b}.

Se incluirmos os extremos a e b no intervalo, então ele será denominado intervalofechado e indicado COIll o símbolo [a, b]:

[a,b]={xER: a:Sx:Sb}.

o intervalo pode também ser semifechado ou semi-aberio, como nos exemplosseguintes:

[-3,1) = {x E R: -3:S x < i}; (3, .51= {x E R: 3 < x :S 5}.

Introduzindo os símbolos -00 e +00, podemos considerar todo o eixo realcomo um intervalo:

(-00, +00) ={x: -00 < x < +oo}.

Adotamos notação análoga para serni-eixos fechados ou abertos na extremidadefinita, como

[7, +00) = {x: 7:S x < +oo}; (-oc, 3) = {x: -00 < x < 3}.

Sempre que nos referirmos aos intervalos (a, b), [a, b], (a, b] ou [a, b), a e bserão números finitos, com a < b.

Seqüências infinitas

Uma seqüência numérica al, a2; a3,.'" an,··· é uma função f, definida noconjunto dos números naturais N: f: n f-> f(n) = ano O número n que aí apareceé chamado o {ndice e an o n-ésimo elemento da seqüência, ou termo geral. Um

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46 Capítulo 2: Seqüências infinitas

exemplo de seqüência é dado pela seqüência dos números pares positivos, an =2n, n = 1, 2, 3, ... A seqüência dos números ímpares positivos também temuma fórmula simples para o termo geral, que é an = 2n -1, com n = 1, 2, 3, ... ;ou an = 2n + 1, com n 2: o.

Mas nem sempre o termo geral de uma seqüência é dado por uma fórmula,embora, evidentemente, sempre haja uma lei de formação bem definida quepermite determinar o termo geral da seqüência. É esse o caso das aproximaçõesdecimais por falta de V2, que formam a seqüência infinita

a5 = 1,41421, a6 = 1,414213, ...

aI = 1,4, a2 = 1,41, a3 = 1,414, a4 = 1,4142,

Outro exemplo é a seqüência dos números primos,

2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, n 29, 31, 37, 41, ... ;

Como é bem sabido, não existe fórmula para seu termo geral, mas todos ostermos estão determinados.

A notação (an) é muito usada para designar urna seqüência. Também se es-creve (an)nEN,. (aI, a2, a3,·.·) ou simplesmente an0 Alguns autores costumamescrever {an} em vez. de (an), mas preferimos reservar essa notação para o con-junto de valores da seqüência. Essa distinção é importante, pois uma seqüênciapossui infinitos elementos, mesmo que seu conjunto de valores seja finito. Porexemplo, a seqüência

{an} = {-I, +l}.

1, -1, 1, -1, 1, -1, ...

é infinita, com elemento genérico a" = _(_I)n = (-I)n-\.mas seu conjunto devalores possui apenas dois elementos, +1 e -1, de forma que, segundo conven-cionamos,

Pela definição, uma seqüência (an) é indexada a partir de n = 1, de formaque aI é seu primeiro termo. Mas, às vezes, é conveniente considerar seqüênciasindexadas a partir de um certo n i' 1; é esse o caso da seqü~ncia an = ~,que só faz sentido para n = 6, 7, 8, ... , de forma que a6 é o primeiro termo dessaseqüência. Mas, mesmo nesses casos, com uma translação de índices, pode-sefazer com que a seqüência tenha primeiro índice n = 1. Assim, no exemplo quedemos, é só definir bn = an+5 = v'Tl=l para que a seqüência fique definida apartir de n = 1.

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Capítulo 2: Seqiiências infinitas 47

Conceito de limite e primeiras propriedades

De interesse especial são as chamadas seqüências convergentes. Em termos su-gestivos, uma seqüência (an) é convergente se, à medida que o índice n cresce,o elemento an vai- se tornando arbitrariamente próximo de um certo número L,chamado o limite da(pqüência. A proximidade entre an e L é medida pelo valorabsoluto da diferença entre esses dois números, isto é, por lan - LI. Portanto,dizer que an vai-se tornando arbitrariamente próximo de L significa dizer quelan -' LI torna-se inferior a qualquer número positivo é, por pequeno que seja,desde que façamos o índice n suficientemente grande. Daí a definição precisa deconvergência que damos a seguir.

2.1. Definição. Diz-se que uma seqüência (an) conuerqe para o número L,ou tem limite L se, dado qualquer n'úmero é > O, é sempre possível encontrarum número N talque

n> N => Ia" - LI < é. (2.1)

Escreve-se liml1_oo an L, lim an == Lnão converge é' dita divergente. Chama-seconverge para zero:

ou an -> L. Uma seqüência queseqüência nula toda seqüência que

Essa definição requer várias observações. Aó dizermos "dado qualquer é >O", está implícito que é pode ser arbitrariamente pequeno, ou seja, tão pequenoquanto quisermos. E a condição (2.1), uma vez satisfeita para um certo é = éQ,

estará satisfeita com qualquer é > éQi portanto, basta prová-Ia para todo é

positivo, menor do que um certo éQ, como muitas vezes se faz, para que ela fiqueprovada para qualquer é > O. Quanto ao número N, podemos supô-Ia 'inteiropositivo, portanto, um índice da seqüência; pois se não for assim, é claro que elepode ser substituido por qualquer inteiro maior. Mas fique claro também queN pode não precisa ser inteiro, como veremos nos exemplos adiante.

O primeiro sinal de desigualdade em (2.1) tanto pode ser> como ~, domesmo modo que o segundo tanto pode ser < como ::;. De fato, se existe uminteiro positivo N' tal que n ~ N' => lan - LI < é, então, é claro que (2.1)vale com N = N' - 1. E se é possível fazer lan - LI ::;é com qualquer é > O,certamente é possível fazer lan - LI:::; é/2, portanto, lan - LI < é.

Observe também que tanto faz fazer lan - LI < é ou lan - LI < ke , onde ké uma constante positiva, pois se é possível fazer lan - LI < ke com qualquerE: ;> O, certamente é possível fazer lan - LI < k(é/k) = é.

Se suprimirmos de uma seqüência (an) um número finito de seus termos, emparticular, se eliminarmos seus k primeiros termos, isso em nada altera o caráterda seqüência com n -+ 00. Assim, se a seqüência original converge para L, ou

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48 Capítulo 2: Seqüências infinitas

diverge, a nova seqüência convergirá para L ou divergirá, respectivamente.

Definição de vizinhança

Dado um número L qualquer, chama-se vizinhança E de L a todos os númerosx do intervalo (L - E, L + E). Denotaremos esse intervalo com o símbolo V,,(L).Observe que a condição x E Vé(L) pode ser escrita das seguintes três maneirasequivalentes:

Ix - LI < E {=> -E < X - L < E {=> L - E < X < L + E.

Assim,ao definirmos limite, estamos dizendo que n > N '* an E V,,(L), ou seja,

n> N '* lan - LI < E, ou n> N '* L - E < an < L + E,

ou ainda, n > N '* L - E < an < L + E.

É importante observar também, na definição de limite, que uma vez dadoo número E, esse número permanece fixo; a determinaçãoo de N depende do E

particular que se considere, de sorte que, mudando-se E, deve-se, em geral, mudartambém o número N. Em outras palavras, E pode ser dado arbitrariamente,mas, uma vez prescrito, não pode ser mudado até a determinação de N. Issoestá ilustrado no exemplo que consideramos a seguir.

2.2. Exemplo. Vamos provar, segundo a Defiriição 2.1, que a seqüência

(n ) (1 2 3 n )

(an)= n+12 = 13' 14' 15' ... , n+12""

converge para o número 1. Para isso observamos que, dado qualquer E > O,

In I 12 12lan - 11 = --- - 1 = -- < E <=> n > - - 12. /.

. n + 12 n + 12 E /r:'.'

(2.2)

Isso quer dizer que, dado qualquer E > 0, existe N (= 12/ e - 12) tal que

n> N,* lan - 11 < E,

que é precisamente a condição (2.1) exigida na definição de limite.

Esse exemplo mostra que quanto menor o E tanto mais exigentes' estaremossendo quanto. à proximidade entre an e o limite 1, exigência essa que se traduzem termos de fazer o índice n cada vez rriaior. De fato, quanto menor o E,

tanto maior o número N = 12/E - 12. Assim, se E = 1/10, N = 108; seE = 1/100, N = 1188; em geral, se E = lO-k, N = 12· lOk - 12. Isso ilustrao que dissemos antes: a determinação do número N depende do número E

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Capítulo 2: Scqiiêllcias inii nitns 49

particular que seconsidere, Ao contrário, se dermos um é muito grande, podeaté acontecer que não haja qualquer condição no índice n; é o que acontece comé = 2 no exemplo que estamos considerando, que resulta em N = -6.

O raciocínio usado em (2.2) permite escrever: .

12lan - 11< é <* n > - - 12.é

No entanto, poderíamos também ter racionado assim:

, 12 12 12lan - 11= -- < - < é <* n >ti + 12 n é

(2.3)

Mas então a equivalência indicada é apenas entre as duas últimas desigualdades,não sendo mais verdade que

12lan - 11< é <* n >

O correto agora é a implicação (numa só direção)

12n> - :} lan - 11 < é,

é

que também é suficiente para a comprovação de que 1 é o limite. Perdemosa implicação contrária por causa da primeira desigualdade em (2.3), em con-sequência do que 12/(n + 12) < é não implica n > 12/é; pode agora ocorrer12/(n + 12) < é com n < 12/é, desde que seja n > 12/10 - 12. Veja: comé = 1/10, 12/10 = 120 e 12/10 - 12 =108.

2.3. Exemplo. Consideremos a seqüência

/ 3nan:= n + sen2n

É fácil ver que seu limite deve ser 3. Para evidencia;1 isso dividimos o numeradore o denominador por n e notamos que (sen 2n)/n --+ O. Assim,

3an = ---:----,--:--:-

1 + (sen 2n)/n

O que fizemos foi descobrir o limite; devemos agora demonstrar que 3 érealmente o limite, usando a Definição 2.1. Começamos observando que

lan - 31 = 31sen 2nl:s 3 :S 3 :S _3_, (2.4)In + sen 2nl In + senZn] n - [sen 2nl n - 1

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50 Capítulo 2: Seqiiências infinitas

as duas últimas desigualdades havendo sido obtidas graças às desigualdades[n + sen 2n 1 ~ n - [sen 2n 1 ~ n - 1. Fazendo agora intervir o número é, obtemosuma desigualdade fácil de resolver em n:

3 3lan - 31 ::; --.- < é <=> n > 1+ -n -1 é

(2.5)

de sorte que

n> 1+ 3/c =? lan - 31 < é, (2.6)

que estabelece o limite desejado.

O leitor deve notar, nas passagens efetuadas em (2.4), que procuramos chegara uma expressão simples, como 1/ (n - 1), para depois fazer intervir o é, obtendoentão uma desigualdade fácil de resolver, como em (2.4). Não fizéssemos taissimplificações e teríamos de enfrentara. intratável inequação

31sen 2nl ..,.--'------'---, < é .In+ sen2nl

É claro que as transformações feitas só permitem, em (2.6), a implicação nosentido aí indicado, que é suficiente para nossos' propósitos.

2.4. Exemplo. É fácil descobrir o limite do quociente de dois polinômiosde mesmo grau, dividindo numerador e denominador pela maior potência de n.Assim,

3n2+4n 3+4/nan = n2 + n _ 4 = 1 + l/n - 4/n2

claramente tende a 3, já que 4/n, l/n e 4/n 2 tendem a zero. Para provar issodiretamente da definição de limite, notamos que, a partir de n = 2 (que implican2 + n - 4> O),

1 1- n + 12 n + 12an-3 - < o

n2+n-4 n2-4'

e a partir de n = 12, n + 12::; 2n e 4 < n2/2, de sorte que n2 - 4> n2 - n2/2 =n2/2. Assim,

2n 4·lan - 31 < ?/2 = - < é,n- n

desde que n seja maior que o maior dos números, 4/é e 12, isto é,

n> N = max{4/é, 12}.

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Capítulo 2: Seqüências infinitas 51

Isso conclui a demonstração.

Este último exemplo mostra, em particular, que, com n tendendo a infinito,os termos com maior expoente no numerador e no denominador são dominantessobre os demais.

Seqüências limitadas

o cálculo de limites pode tornar-se mais e mais complicado, se insistirmos emfazê-Io diretamente da definição de limite. Felizmente, com essa definição pode-mos estabelecer as propriedades tratadas logo adiante, no Teorema 2.8, as quaispermitem simplificar bastante 6 cálculo de limites. Demonstraremos primeirodois teoremas de importância fundamental, o primeiro dos quais envolvendo anoção de "seqüência limitada". Diz-se que uma seqüência (an) é limitada à es-querda, ou limitada inferiormente, se existe um número A tal que A ::; an paratodo n; e limitada à direita, ou limitada superiormente, se existe um númeroB tal que an ::; B para todo n. .Quando a seqüência é limitada à esquerda eà direita ao mesmo tempo, dizemos simplesmente que ela é limitada. Como éfácil ver, isso equivale a afirmar que existe um número AI tal que lanl ::; /lI paratodo n.

)t. 2.5. 'Teorema. Toda seqüência convergente.é limitada.

Demonstração. Dadoqualquer z> 0, existe um índice N tal que

n > N =} L - é < an < L + é,

Isto nos diz que, a partir do índice n ='N + 1, a seqüência é limitada: à direitapor L + é e à esquerda por L - e. Para englobarmos a seqüência inteira, basta

, considerar, dentre todos os números

aquele que é o menor de todos, digamos, A, e aquele que é o maior de todos,digamos, B; então será verdade, para todo n, que

A::; an::; B,

o que completa a demonstração.Podíamos também ter atalhado um pouco, como é costume, procedendo

assim: seja

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52 Capítulo 2: Seqüências infinitas

Então lanl ::;M para todo n, o que prov,{l que a seqüência é limitada.- ~~2.6. Teorema.~ia (an) converge para um limite L, e se

< L < B, então, a partir de um certo índice N, A «~< B.

Demonstração. Dado qualquer é > O, existe' N tal que, a partir desse índice,,L - é < an < L + c. Portanto, é apenas uma questão de prescrever, de início, cmenor que o menor dos números L-A e B-L, para termos L-é> L-(L-A) =A e L+é:<:: L+(.f3~L) = B. Effi'conseqüência, n > N =? A < an < B, comoqueríamos demonstrar. . r-I-"--{-".....~l .1.-' r, _

f- tCorolário 2.7. Se uma seqüência (an) converge para um limite L =1= O,

então, a partir de certo índice N, lanl > ILI/2.

Para a demonstração, se L > O, tome A = L/2. Se L < O, tome B = L/2.

O teorema anterior e seu corolário são muito úteis nas aplicações e serãousados repetidamente em nosso estudo, como o leitor deverá notar. Observeque, sempre que tivermos uma seqüência com limite diferente de zero, poderemosencontrar números A e B de mesmo sinal nas condições do teorema. Em geral,nas aplicações, utilizamos apenas uma das desigualdades, ou A < an ou an < B.

Operações com limites

2.8. Teorema. Sejam (an) e (bn) duas sequencias convergentes, com li-mites a e b respectivamente. Então, (an + bn), (anbn) e (kan), onde k umaconstante qualquer, são seqüências convergentes, além do que,@Iim(an + bn) = lim an + lim bn = a + b;b) lim(kan) = k(liman) = ka; em particular, k = -1 nos dá an -> a =?

-an -+ -a;@im(anbn) = (liman)(limbn) = ab ;

d) se, além das hipóteses acima, b =1= O, então eX'iste o limite de an/bn, iguala a/b.

Demonstração. Demonstraremos os dois últimos itens, deixando os doisprimeiros, que são mais fáceis, para os exercícios.

Para demonstrar a terceira propriedade, utilizamos a desigualdade dotriângulo e o fato de-9ue a seqüência bn é limitada por uma constante posi-tiva !v!, de sorte que podemos escrever: --...,..,...--

lanb,,; - abll(an - a)bn + a(bn - b)1 ::; lan - allbnl + lallbn - bl::; Mla~ - ai + lallbn - bl·

Ora, tanto lan-al como Ibn-bl podem ser feitos arbitrariamente pequenos, desdeque n seja suficientemente grande. Assim, dado qualquer é > O, podemos fazer

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Capítulo 2: Seqiiências infinitas 53

lan - ai menor do que é/2M a partir de um certo índice N[ e Ibn - bl < õ/2lal apartir de um certo N2; então, sendo N o maior desses índices, n > N satisfará11. > N[ c n > JY2 simultaneamente; logo,

com-o queríamos demonstrar.

Observe, nesse raciocínio, que se nos contentássemos em fazer lan - ai eIbn - bl menores do que é, em vez de Ia" - ai < é/2M e Ibn - bl < õ/2la1, oresultado final seria

n > N =* la"b" - abl < (M + lal)E. = ke

Esse procedimento é tão sntisfatório quanto o anterior, COIllO já tivemos opor-tunidade de observar; se quiséssemos terminar com é, bastaria começar com onÚmero éjk em vez de é. ) I _

Para a demonstração da quarta propriedade, observamos que o quocientean/bn pode ser interpretado como o produto an(1/bn), de forma que, em vistada propriedade já demonstrada, basta provar que l/bn --> l/b. Temos:

I~_~I-Ibn - blbn b - Ib"bl

Como b =1= O, a partir de um certo Ni> Ibnl > Ibl/2; e, dado é > O, a partir deum certo N2, Ibn - bl pode ser feito menor do que IbI2é/2, de sorte que, sendoN = max{Nl, N2}, teremos:

n> N =* I~_~I< Ib12é/2 - é

bn b IbI2/2-e isso completa a demonstração.

Em vista deste Último teorema, fica fácil lidar com certos limites; comovemos pelo exemplo seguinte:

r 3n2 + 4nnn 511.2-7

lirn 3 + 4/n? = lim(3 + 4/~)5 - 7/n- lim(5 -7/n2)

lim3+lim(4/n) 3lim 5 - lim(7/n2) 5"

Terminamos esta seção com dois exemplos importantes de limites .

...........----1:-2.9. Exemplo. Dado um número a > O, y'a --> 1. Isso é evidente sea = 1, quando a seqüência é constantemente igual a 1. Suponhamos a > 1,

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" I f) " f ~ Ifl

54 Capítulo 2: Seqüências infinitas

logo, f/ã = 1 + hn, onde b-, é um número positivo conveniente. Utilizando adesigualdade d~ BernoulliJ_ teremos: ~~)

[Y= (1 +hn)n 2: 1+3> ~hn. n".t:. E:-rAssim, »; = rf/ã -~<a/n e isso será menor do que quakluer_L>_~ado deantemão, desde que n > a/é.

No caso O < a < 1, temos que l/a> 1, donde 1/ ifã:"" 1. Então, pelo itemd) do Teorema 2.8, concluímos que f/ã -> 1.

2.10. Exemplo. vn -> 1. Ainda aqui temos que vn = 1 + hn, ondehn novamente é um número positivo conveniente. Mas agora a desigualdade deBernoulli é insuficiente para nossos propósitos, pois, com ela,

e essa desigualdade não basta para provar que hn tende a zero.Apelamos para a fórmula do binômio, que permite escrever, já que hn > O:

n n(n - 1) 2 n n(n - 1) 2n = (1 + hn) = 1 + nhn + 2' hn + ... + hn > 2 hn,

donde h~ < 2/(n...., 1}. Agora sim, dado E; > O, 2/(n -1) será menor do que&!desde que n seja maior cio que 2/ é2 + 1 = N ,Conseqüentemente, .

n > N =? I vn - 11 = h~ < E;,

provando o resultado desejado. /~

Exercícios

1. Escreva os cinco primeiros termos de cada uma das seguintes seqüências:

a) an = _n_;n+l

nc) an = n2 + 1 ;

(_1)"d) a" = --'-.

n+2

2. Em cada um dos casos seguintes, são dados os primeiros termos de uma seqüência. Supondoque persista a tendência observada em cada caso, escreva a forma geral de cada uma dasseqüências.

a) 1/2, 2/3, 3/4, 4/5, ... ; ;b)l, -1/2, 1/3, -1/4 ... ;

c) 1, 1/4,· 1/9, 1/16, ... ; d) 1, -1/2, 1/6, -1/24, 1/120, ...

3. Use a Definição 2.1 para provar que

a) lim ---.!!- = O;n- + 1

2n2b) lim n' + 7 = 2; c) lim 3nvfn = 3.

nvfn+5

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Capítulo 2: Seqüências infinitas 55

4. Descubra o limite de cada uma das seqüências seguintes e,· em seguida, demonstre que osuposto limite satisfaz a Definição 2.1.

n cosJn'I+7a) an = n2 + 1

yTi(l+ 8yTi)4,. - 1

~ 5. (Unicidade do limite) Prove que uma seqüência só pode convergir para um único· limite.

~ 6. Prove que se a" tem limite L, então la"1 tem limite ILI. Dê exemplo de uma seqüência(an) tal que la"1 converge, mas não ano

7. Sejam (a,,) e (o") duas seqüências tais que Ia" - ai < Clb"l, onde a é um certo númeroreal e C uma constante positiva. Usando a definição de limite, mostre que se b« -+ O entãoan --+ a.

(j)Prove que se (a") é uma seqüência que converge para zero e (b") uma seqüência limitada,não necessariamente convergente, então (anb") converge para zero. r'

--@prove que a seqüência a" = jn + h - yTi tende a zero .

., tO. Faça o mesmo para a seqüência an = a". onde O < a < 1.

11. S~pondo que' an ::o: O para todo n e a" -+ O, prove que ..;a;; -+ O.

12. Supondo que a" -+ x > O, prove que a" > O a partir de um certo N.

13. Prove os itens a) e b) do Teorema 2.8. Generalize a propriedade da soma, provando que olimite de uma soma qualquer de seqüências convergentes é a soma dos limites. Generalizetambém a propriedade do produto para o caso de vários fatores.

14. Prove que se (an) é uma seqüência convergente, COIU ar1 ~ b, então lim an ~ b. MostreCQIn contra-exemplo que, mesmo que seja fin < b, não é verdade, em geral, que tini an «b.Enuncie e demonstre propriedade análoga no caso a" > b. .

15. Sejam (an) c (bn) seqüências convergentes, com an :::; bn. Prove que lim (Ln ::; lim "n.

Mostre por meio de contra-exemplo que também aqui pode ocorrer a igualdade dos limitesmesmo que seja a" < b«. [Observe que o exercício anterior é um caso particular deste, comseqüência (bn) =. (b, b, ... ).J

~ (Cdtédo de confronto ou Teorema da seqüência intercalada.) Sejam (an), (bn) e(eu) três seqüências tais que nu ::; bn ~ Cnl (au) e [c») convergindo para o mesmo limiteL. Demonstre que (bn) também converge para L.

~~pro~.: ..que fln -+ 1.

18. A nega~J5efinição 2.1 é "an não converge para L". Mas como escrever essa nel,latiçãoem termos de é e N?

Sugestões e soluções

2. a) n/(n + 1), n ?: 1; b) (_I)n+l/n, n?: 1, ou (-I)"/(n + 1),n::O: O;

d)-.(-I)"/n!, n::O:1.

14 14b) lan - 21= n2 + 7 < n2;

. 15 15c) lan - 31 = --;:;- < r.::"

nyn+5 nyn

I- 21- yTi + 2 yTi+ 2yTi _ J...-

4. b) an - < -.4n - 1 - 4n - n yTi

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56 Capítulo 2: Seqüências infinitas

5. Suponha existirem dois limites distintos, L e L' e tome é < IL - L'I/2. Então, lan - LI < éa partir de um certo NI e lan - L'I < é a partir de um certo N2. Seja N = max{NI, N2},de forma que n > N acarreta simultaneamente n > NI e n > N2. Assim, n > N acarretaIL - L'I = I(L - an) + (an - L')I ::; lan - LI + lan - L'I < 2õ < IL - L'I, o que é absurdo.

9. Multiplique numerador e denominador pela soma das raizes que aparecem na definição daseqüência.

10. Como b = l/a> 1, b = 1 + e, com e> O. Então,

n 1 ( )nb = an = 1+ c > 1+ ne > ne; logo, an < 2..ne

Outro modo, utilizando o logaritmo, baseia-se no seguinte:

n ~géa < é Ç} n log a < log é Ç} n > -1 -.

oga

Nessa última passagem, ao dividir a desigualdade por log a, levamos em conta que essenúmero é negativo, daí a mudança de sinal da, desigualdade.

11. Deseja-se provar que .;u:;: < é'a partir de um certo N. Observe que isto equivale a an < é2

12. Use o Teorema 2.6.

13. I(an + bn) - (a + b)1 ::; lan - ai + Ibn - bl·

17. Use o critério de confronto, notando que 1::; ffn::; vIn·ís. "Existe um é > O tal que, qualquer que seja o número natural N,.existe um índiceri > N

tal que lan - LI > i;:u. Isto é' o mesmo que:' "Existe' um é > O talque, qualquer que seja onúmero natural N, existe uma infinidade de índices n > N tais que lan - LI> s".

Seqüências monótonas

Há pouco vimos que toda seqüência convergente é limitada. Mas nem todaseqüência limitada é convergente, como podemos ver através de exemplos sim-ples como os seguintes:

1) an = (_l)n assume alternadamente os valores +1 e -1, portanto, nãoconverge para nenhum desses valores;

2) an = (-l)n(l + l/n) é um exemplo parecido com o anterior, mas agora aseqüência assume uma infinidade de valores, formando um conjunto de pontosque se acumulam em torno de -1 e +1. Mas a seqüência não converge paranenhum desses valores. Se ela fosse simplesmente 1 + l/n, então convergiriapara o número 1-

Veremos, entretanto, que há uma classe importante de seqüências limitadas- as chamadas seqüências "monótonas" - que são convergentes. ..

2.11. Definições. Diz-se que uma seqüência (an) é crescente se aI <a2 < '" < an < ... e decrescente se aI > a2 > ... > an > ... Diz-se quea seqüência é não decrescente se aI ::; a2 ::; ... an ::; ... e não crescente se

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Capítulo 2: Seqüências infinitas 57

al ~ a2 2: ... ~ a" ~ ... Diz-se que a seqüência é monótona se ela satisfazqualquer uma dessas condições.

As seqüências monótonas limitadas são convergentes, como verE'ITIOSlogo aseguir. Esse é o primeiro .resultado que vamos estabelecer, em cuja dE'IllOUS-tração utilizamos a propriedade do supremo. Aliás, foi a necessidade de fazertal demonstração para "funções monótonas" (Veja o Teorema 4.14, p. 114) aprincipal motivação que teve Dedekind em sua construção dos números reais .

.2.12. Teorema. Toda seqüência monótona e limitada é convergente.

Demonstração. Consideremos, para fixar as idéias, uma seqüência não de-crescente (an) (portanto, limitada inferiormente 'pelo elemento al)' A hipótesede ser limitada significa que ela é limitada superiormente; logo, seu conjunto devalores possui supremo S. Vamos provar que esse número S é o limite de an0

Dado e > O, existe um elemento da seqüência, com um certo índice N, talque S -ê < 4N ~ S. Ora, como aeqüência é. não decrescente, aN ~ an paratodo n > N, de sorte que

n> N => S - e < an < S + e,

que é o que desejávamos demonstrar.A demonstração do teorema no caso de uma seqüência não crescente é

análoga e fica para os exercícios .

i?fB O n úmcro c••

O número e, base dos logaritmos naturais, aparentemente surgiu na Matemáticapela consideração de um problema de juros compostos instantaneamente (vejanosso livro de Cálculo 1). Nesse contexto ele é definido mediante o limite

e = lim(1 +~rTrata-se, evidentemente, de uma forma indeterminadà do tipo 100, pois enquantoo expoente tende a infinito, a base 1 + l/n tende decrescentemente a 1.

Vamos provar que a seqüência que define e é crescente e limitada, portanto,tem limite. Pela fórmula elo binôrnio ele Newton,

(l+~r1 n (n - 1) 1 n (n, - 1) ... [n - (n - 1)1

l+n·-+ , '2"+"'+' ,n 2. n n.

2+ 2. (1 - ~)\+ 2. (1 - ~) (1 -'-~) + ...21 n 31 n n

~1 (1 - ~) (1 - ~) ... (1 ~ n: 1).

)0.1

+ (2.7)

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Ca~clo 2: Seqüências infinitas

L expressão para U-n+l, como esta última, conterá um termo a ma' nofu!a!. além dos que aí aparecem, com n + 1 em lugar de n, exceto em n! Mesmosem levar em conta o termo a mais, pode-se ver que cada um dos termos de (2.7)é inferior a cada um dos correspondentes com n + 1 em lugar de n. Isso provaque an < an+l, isto é, a seqüência (an) é crescente. Para provarmos que ela élimitada, basta observar que cada parênteses que aparece em (2.7) é menor doque 1, de sorte que I

an < f + ~ +; .. + ~! <t~-{~,+b + ... + +-V< !:)~ (2.8)

Sendo crescent~ e limitada" (anlt~m limite, que é o núm~ro e. Fica clarotambém que esse número está compreendido entre 2 e 3. I t~ t7 t.

Da expressão (2.7) para am decorre ~sendo~, t~~6___ a_m_J_2_+~(1-~)+' ~(1-"~)(~~)...(1-~

Mantendo fixo o número n, fazemoslTn=-> 00, o que nos dá: e ::::2 + 1/2! + ... +...- . ---=---1/nL Daqui e de (2.8) obtemos, finalmente, com n --> 00,

1 (2.9)

( l)-nMostremos também que lim 1- ; = e. Para isso, notamos que, sendo

m = n -1,

1 n - 1 11- - = -- = ---,-,,---,-

n n nl(n-l)1 1

(m + l)/m 1+ 11m'

(1)-n

1- -n ( l)Tn( 1)1+ m 1+ m -> e.

Em vista disso podemos escrever:

e = lim (1 + .!.)nn----.±oo n

Subseqüências

Quando eliminamos um ou vários termos de uma dada seqüência, obtemos o quese chama uma "subseqüência" da primeira. Assim, a seqüência dos númerospares positivos é uma subseqüência da seqüência dos números naturais. O

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Capítulo 2: Seqüências infinitas 59

mesmo é verdade da seqüência dos números ímpares positivos; da seqüênciados números primos; ou da seqüência 1, 3, 20, 37, 42, 47, ... , isto é,

ai = 1, a2 = 13, a3 = 20, an = 5n + 17 para n 2: 4.

Uma definição precisa desse conceito é dada a seguir.

2.13. Definição. Uma subseqüência de uma dada seqüência (an) é uma res-trição dessa seqüência a um subconjunto infinito N' do conjunto N dos núme;;'naturais. Dito de outra maneira, uma subseqüência de (an) é uma seqüência do

~ r-t,ipo (bj) = (anj~' onde ~é uma seqüência crescente de inteiros positivos, istoe, nl < n2 <-: ..

Como conseqüência dessa definição, 1 :s nl, 2 :s n2,· .. , e, em geral~DMas, como j < nj para algum j (a não ser que a subseqüência seja a pro .seqüência dada), esta desigualdade permanecerá válida para todos os índicessubseqüentes ao primeiro índice para o qual ela ocorrer. /

[:

A seqüência (an) = (-1)"(1 + l/n) tem subseqiiências (a2n),· (a4n),(a6n) etc., todas convergind.o para 1; e subseqiiências (a2n-d, (a4n-I), (a6n-d

~ etc., todas convergindo para -1. Mas tem também suoseqüências divergentes,como (an2) = (aI, a4, a9, 0~6, ... ) = (-2, 5/4, -10/9, 17/16,). ---

~y 2.14. Teorema. Se uma seqüência (an) converge para um limiteJ;,., entãotoda sua subseqüência (an .') também converge para L. '

. ~ } - .

Demonstração. De' an ~ L segue-se que, dado qualquer é > O existe N talque n > N :=:} lan - LI < é. Como vimos acima, nj '2: j, de forma que j > N :=:}

(nj> N:=:} la~j - LI < é), o que completa a demonstração,/~- /

-Limites infinitos

Certas seqüências, embora não convergentes, apresentam regularidade de com-portamento, o termo geral tornando-se ou arbitrariamente grande ou arbitraria-mente pequeno com o crescer do índice, Diz-se então que a seqüência divergepara +00 ou para -00 respectivamente. Damos a seguir as definições precisasdesses conceitos.

2.15. Definições. Diz-se que a seqüência (On) diverge (ou tende) para +00

e escreve-se lim an = +00 ou lim an = 00 se, dado qualquer número ositivo k,~iste N tal que n > N :=:} an2.3.\Analoga,mente, (an) diverge (ou tende) pa;a-00 se, dado qualquer número 'negativo k,(existe N tal que n > N :=:} an < k;neste caso, escreve-se lim an = .::00. _.

Por exemplo, é fácil verificar, á luz dessas definições, que as seqüências an =n, an = n2 + 1 e an = ,;n tendem, todas elas, a +00, enquanto que an =-n, an = 3 - n2 e an = 6 - ,;n tendem a -00,

'""jc•

i;

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60 Capítulo 2: Seqüências infinitas

As propriedades relacionadas no teorema seguinte são de fácil demonstraçãoe ficam para os exercícios.

~ 2.16. Teorema. a) an -> +00 Ç} -an -> -00.

b) Seja (an) uma seqüência não limitada. Sendo não decrescente, ela tendea +00; e sendo não crescente, ela tende a -00. .1 '"")fi

c) Se lim c., = ±oo, então l/an tende a zero. ./ lrf-<'-_~Q) Se lim c., = 9, então l/an tende a +00 se an > of e tende a -00 se

an < O'-V Y\.7)./G) Se (bn) é uma seqüência limiuuui'e an -> +00 ou a -00, então a seqüência

(an + bn) tende a +00 ou a -'00 respectivamente.f) Se an -> +00 ~ bn;.5 onde c é um número positivo, então anbn -> +00.

(Ein particular', a" c-'t. 00 e b« -> +00 => anb" -> +00.) Formule e de-monstre as outras possibilidades: an -> +00 e bn ::; c < O, an -> -00 ebn 2 c > O, an -> -00 e bn ::;c < O.

______ ~g)~S~e~a~n-->~~+~00~~e~a:1:'~<~b:n~,~e~n~t~ã;o~b~n~->_.~'~+~oo~. ~2.17. Exemplo. A seqüê 1?a an com a ).

O < l/a < 1, de forma que, pelo Exerc.lGda p. í$ff;~ ',"'.lo'go', pelo item d) do teorema an~r,/a---=, 00.

. -Podemos também raciocinar assim: a = 1 + h, onde h > O. Então an~l +',;)n' > I + nh > rili > k Ç} n >·Zh.

. -----Outro modo de tratar esse limite. faz uso do logaritmo, assim:

tende a infinito. De fato,l/a)n = l/an tende a zero;

lÍog kan > k Ç} n log a > log k <=} n > -- .

~a/

Outra maneira ainda apóia-se na igualdade Ian = ~-.(loga)n, pressupondo oconhecimento da função exponencial e de suas propriedades; em particular, apropriedade segundo a qual e(loga)x tende a infinito com x -> 00. Como aseqüência em pauta é uma restrição dessa função ao dominio dos números na-turais, é claro que ela também tende a infinito.

2.18. Exemplo. A seqiiência.c., = nk, onde k é um inteiro positivo, tendea infinito por ser o produto de k fatores que tendem a infinito. No entanto', ela

____ tende a infinito "mais devagar" do que a~ X. eVldendenterríêii'@. Podemosver isso considerando a razão rn = nk/an como restrição da função

a qual, como sabemos do Cálculo, tende a zero com x -> 00. Concluímos assimque rn tende a zero, e é isso ° significado preciso de dizer que p numerador nktende a infinito "mais devagar" do que ano /

/

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Ceoituío 2: Scqiiências infinitas 61

L

r--an (a a ~)-n;T < "1'"2 ... -N/i /= 2 c,~-----c../.

onde c = (2a)N / N! é uma, constante que só depende de N, que já está fixado.Essa desigualdade prova então que a razão de an para n! tende a zero, signi-ficando que a primeira dessas seqüências tende a infinito mais devagar qi.le:,a;;,.,:segunda. ), :',../ .:'

., \ .

2.20. Exemplo. Provemos finalmente que a seqüência n! é ainda maisvagarosa que n": De fato, basta notar que

n! 1 2 n 1- = - . - ... - < - -t O.nn n n n 11

Em vista dos três últimos exemplos acima, vemos que (sendo a > 1),

nklim-=O'

a'tt '

.. anhm, = O;

n.n!

lim-=O.nn (2.10)

Na linguagem sugestiva que vimos usando, isso significa que, embora as quatroseqiiências nk, an, n! e n" tendam todas a infinito, cada uma tende a infinitomais devagar do que a seguinte.

Seqüências recorrentes

Freqüentemente o termo geral de uma seqüência é definido por uma função deum ou mais de seus termos precedentes. A seqüência se chama, então, apropri-adamente, indutiva ou recorrente. Veremos a seguir um exemplo interessante deseqüência recorrente. Outros exemplos são dados nos exercícios.

Exemplo 2.21. Consideramos aqui uma seqüência q\le tem origemnum método de extração da raiz quadrada, aparentemente jl\ conhecido na

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62 Capítulo 2: Seqüências infinitas

Mesopotâmia de 18 séculos antes de Cristo! Dado um número positivo qual-quer N, deseja-se achar um número a tal que a . a = N. Acontece que, emgeral, não dispomos do valor exato da raiz, e o número a é apenas um valoraproximado. Sendo assim, o fator que deve multiplicar a para produzir N não énecessariamente a, mas sim o número N] «. Então, em vez de a . a = N, temos

Na·-=N.

a

Vemos, nesse produto, que se o fator a aumenta, o fator N]« diminui; e se adiminui, N] a aumenta. O valor desejado de a é aquele que faz com que ele sejaigual a N]«, quando será a raiz quadrada exata de N. Em geral, sendo a umaraiz aproximada por falta, N'[o será raiz aproximada por excesso e vice- versa,de sorte que a raiz exata está compreendida entre um e outro desses fatores.Daí a idéia de tomar a média aritmética deles, isto é,

como um valor que talvez seja melhor aproximação de ,fN do que o valor originala. Segundo esse argumento, é de se esperar que

seja, melhor aproximação ainda. Prosseguindo dessa maneira, construímos aseqüência recorrente

ao = a; 1( N ) .an = - an-l +. -- , n = 1, 2, ...2an-l

É notável que essa seqüência, cujus origens datam de tão alta antigüidade,seja talvez o mais eficiente método de extração da raiz quadrada, como se provacom relativa facilidade. (Veja o Exerc. 20 adiante.)

Exercícios

fmSeja (an) uma seqüência monótona que possui uma subseqüência convergindo para umVlimite L. Prove que (an) também converge para L.

2. Prove que toda seqüência monótona convergente é limitada.

3.. Sejam Nv e N2 subconjuntos infinitos e disjuntos do conjunto dos números naturais N>cuja união é o próprio N. Seja (a,,) uma seqüência cujas restrições a N1 e N2 convergempara o mesmo limite L. Prove que (an) converge para L.

4. Construa. unta seqüência. que tenha uma subseqiiência convergindo para -3 e outra con-vergindo para 8.

L

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C ' 1 2 S'" . . fi .t;;-?:63epitn o : equeticies 1D =r5. Construa uma seqqüência que tenha três subseqüências convergindo, cada uma p \ a caum dos números 3, 4, 5.

6. Generalize o exercício anterior: dados os números LI, L2, ... , Lk, distintos entre si, cons-trua urna seqüência que tenha t: subscqiiências, cada uma convergindo para cada UIIl dessesnúmeros.

7. Construa uma seqüência que tenha subseqiiências convergindo, cada uma parn cada UIn

dos números inteiros positivos.

~. Construa uma seqüência que tenha subseqüências convergindo, cada uma para cada umdos números reais.

9. Prove que se an > O e an+J/a" ~ c, onde c < 1, então an -> O.

GQ.' L0..Y!l que se an > O e ~-cronde <; < 1, então a" -> O. r11. Demonstre o teorema 2.16. r~_'-

12. Prove que se an -> +00 e bn -> L > 0, então a"bnrig + 00. Examine também as demaiscombinações de an -> ±oo com L positivo ou negativo.

13. Prove que 5[7.3 - '102 + 7 tende a infinito.

14. Prove que um polinõmio p(n) = aknk + ak_lnk-1 +.... + aln + ao tende a ±oo conformeseja ak positivo ou negativo respectivamente.

15. Seja p(n) como no exercício anterior, com ak > O. Mostre que y1p(n) -> 1.

16. Mostre que Jn2 + 1 - ...;r;:+h -> 00.17. Mostre que V';:J -> 00. _ ~_ _ ~_

~onsid;;;. a seqüência assim definida: al=V2,~n= ~~~.I elra n > 1. E~creva/' explicitarriente.os.pr imeiros quatro ou CIJ]COtermcs-dessu sequencra. Prove que ela e uma

seqüência convergente c calcule seu limite,

19. Generalize o exercício anterior considerando a seqüência ai = "fã, a;;:;;- J.a + an-I, ondea> O. ':.::~.",.',

20. Dado um número N > O e fixado um número qualquer ao = a, seja a~ = (';n~1 +N/an_I)/2para n > 1. Prove que, a excessão, eventualmente, de ao, essa seqüência é decrescente.Prove que ela aproxima ../N e dê uma estimativa do erro que se comete aó se tomar ancomo aproximação de ../N.

21. Prove que a seqüência anterior é exatamente a mesma que se obtém com a aplicação dométodo de Newton para achar a raiz aproximada de x2 - N = O.

~Divisão áurea). Já vimos (p. 23) que um ponto AI de umsegmento OA efetua a·~ivisão áurea desse segmento se OA/OAI = OAI/AIA. Vimos também que o número <1>,

raiz positiva de <1>2-<1>-1= O l= (J5+1)/2 "" 1,618], é chamado a razão áurea. ConsidereU1l1 eixo de coordenadas com origem O, ao = 1 a abscissa de A (= Ao) e aI = <p a abscissade AI. Construa a seqüência de pontos An com abscissa an = an-z - an-I, n ~ 2. Prove,como já anunciamos na p. 24, que An efetua a divisão áurea do segmento OAn-l e quean -> O. Observe que os pares (ao, aI}, (aI, az), (a2, a3), etc., são os lados de retãngulosáureos, como na construção de uma infinidade de retãngulos áureos da p. 23. Escreva os.primeiros dez termos da seqüência an· .

~(Seqüência de F'ibonaccí};' Defina [« indutivamente assim: 10 = h = 1 e [« =~ 1r.-2+ In-I. Escreva os primeiros dez-elementos dessa seqüência e observe que, pelo menos

IVeja a explicação da origem dessa seqüência em nosso artigo na RPM 6 ou no artigo doProf. Alberto Azevedo na RPl\1 45.

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&1 Capítulo 2: Seqiiências infinitas

para os primeiros valores de n, vale a relação: an = (-I)nUn_2 - 'PIn-t), onde an é aseqüência do exercício anterior. Prove, por indução, que essa relação é válida para todon 2': 2. Prove que a seqüência x" = InlIn+1 é convergente e seu limite é a razão áurea.

Sugestões e soluções4. A seqüência a2" = -3 e a2n+1 = 8 resolve. Construa outro exemplo.

5. Dado n E N, seja 1'n o resto de sua divisão por 3. Verifique que an = 1'" resolve o problema.

6. Seja rn o resto da divisão de n por k. aI. = Lr" resolve; explique por quê.

7. Construa a seqüência assim: 1; depois 1, 2; depois 1, 2, 3; depois 1, 2, 3, 4; e as-sim por diante, de forma que a seqüência é: 1, 1, 2, 1, 2, 3, 1, 2, 3, 4, ... Outromodo: decomponha o conjunto dos números naturais N numa união de conjuntos infini-tos e disjuntos N" N2, ... Por exemplo. N, pode ser O conjunto eLosnúmeros ímpares,lV2 = 2Nl, lV'j = 22Nt",,; C, em geral, Nç, = 2H

-1Nt. Verifique que esses lVn são real-

mente disjuntos e todo número natural está em um deles. Em seguida defina a seqüênciaassim: an = T11 se n E Nm. Outro modo: considere urna seqüência 1'1, 1"2, T3, .. '} obtida porenumeração de todos os números racionais. Observe que este exemplo também respondeàs exigências dos Exercs. 4 a 6. Observe também que as soluções dadas naqueles exercíciosresultavam em subseqüências constantes, ao p~so que os termos de r" são todos diferentesentre si.

8. A seqüência (r-,) do exercício anterior resolve. Outra solução, ainda com a notação doexercício anterior: defina an = rm se n E N,«.

10. Utilize o Teorema 2.6, tomando, por exemPlo.,~ .

14. Observe que p(n) = aknk(1 + ... ) == aknkb", ,onde b« é a expressão entre parênteses, ,quetende a 1.

17.0bserve que vnT > 1( Ç} n! > 1(". Agora lembre-se de que n! tende a infinito maisdepressa do que [(", qualquer que seja K,

18. Supondo por um momento que (an) convirja para um certo L, passamos ao limite ema~ = 2 + a"_I, resolvemos a equação resultante e achamos L = 2. (Mas é preciso provara existência do limite! Veja este exemplo: a seqüência 1, 3, 7, 15, 31, ... ; em geral, a" =2a"_1 + 1, evidentemente não converge, logo, não podemos simplesmente passar ao limitenessa última igualdade para obter L = 2L + 1, ou L = -1.) Prove que a seqüência dada écrescente e limitada superiormente por 2.

19. Seja b = max{a, ,fã., 2}. Claramente, ai :s; b e, supondo a" :s; b, teremos a,,+1 :s;J a + b :s; "f2b :s; 2b. Isso prova que a seqüência é limitada superiormente. Prova-setambém que ela é crescente, notando que a2 >, ai e que, supondo an > an-I, entãoa"+1 = Ja + an > Ja + an-I = ano Agora é só passar ao limite na fórmula de definição eachar a raiz positiva de L2 = a + L, isto é, L = (1 + ~)/2.

20. Por um cálculo simples, ai - ../Fi = (a - ../Fi) 212a. Isto prova que ai > .JN (mesmo quea < ../Fi). Além disso, se a > ../Fi,

rt; (a - ../Fi) 2 a - ../Fi rz: 1 rt: , rt:ai - V N = = ---(a - v N) < -(a- V N) < a - V N,

. 2a 2a 2

mostrando que ../Fi < ai < a. Com o mesmo tipo de raciocinio, mesmo que a seja menordo que .JN, prova-se que ../Fi < an+1 < an < ... < ai e que

.JN 1 .JN ai - ../Fi0< a"+, - N < 2'(a" - N) < ... < 2"

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Capítulo 2: Seqiiências infinitas 6.5

22. Das definições dadas segue-se que

mostrando que A2 divide OAl na razão áurea. Com raciocinio análogo prova-se, porindução, que An divide OAn_l na razão áurea.

Para provar que an ...-. O, prove que

aI a2 a3 antp = -' = - = - = 0.0 = --,

ao aI a2 an-l

e conclua que a" = .p":

23. Como já observamos, a relação an = (-1)" (1"-2 - 'P / n- tl é válidn para os primeiros valoresde 11; na verdade, basta saber que vale para" = 2. Vamos provar que se ela valer -para11 = 2, 3, ... , 1.:,ela deve valer para 11 = k + 1. Por definição, Uk+l = ak-l - ak; e como arelação que desejamos provar vale para n = 2, 3, ... , k, temos:

ak+l = ak-l - ak = (-I)k-l(h_J - 'Ph-2) - (-I)k(h_2 - <Ph-l);

mas (_I)k-l = (_I)k+l e (_I)k = _(_I)k+1, de forma que

ak+l (_I)k+l(h_3 - 'Ph-2 + h-2 - <p/k-tl(_I)k+l [h-J + h-2 - <p(h-2 + h-di(-l)k+L(h_l - <p/d,

o que completa a dl:1I10Ilsl,rac;ào. A. parl(~ filial do exercício íicn por contu do leitor.

Intervalos encaixados

Veremos, a seguir, uma importante conseqüência da propriedade do supremo.

Q 2.22. Teorema dos intervalos encaixados. Seja I n = [a", b,,], n1, 2, ... , uma família de intervalos fechados e encaixados, isto é, 11 :::> 12 :::>... :::> In :::> .... Então existe pelo menos um número c pertencendo a todos osintervalos L; (ou, o que é o mesmo, c E In n 12 n ... n In n .. .). Se, além dashípóteses feitas, o comprimento IInl = bn - an do n-ésimo intervalo tender azero, então o número c será único; isto é, 11 n 12 n ... In n ... = {c}.

vemos que (an) é limitada à direita por bl e (bn) é limitada à esquerda por c j :logo, essas duas seqüências possuem limites, digamos, A e B respectivamente.Como an < bn, é claro que

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~JÍm.1o 2: Seqüênciasiniinir.as

Isso significa que [A, BJ C I« para todo n. Então, se A < B, -a interseçãodos intervalos In é o próprio intervalo [A, BJ; e se A = B, como é o caso sebn - an tende a zero, essa interseção é o número c = A = B. Isso completa a. <---demonstração.

A condição de que os intervalos In sejam fechados .é essencial no teoremaanterior. Por exemplo, os intervalos In = (O, l/n) são encaixados e limitados,mas não são fechados. É fácil ver que sua interseção é vazia, não havendoum só número que pertença a todos esses intervalos. É também essencial que osintervalos sejam limitados. Por exemplo, In = [n, 00) é uma família de intervalosfechados e encaixados, mas sua interseção é vazia; eles não são limitados.

Pontos aderentes e teorema de Bolzano- Weierstrass

Já vimos que se uma seqüência converge para um certo limite, qualquer sub-seqüência sua converge para esse mesmo limite. Quando a seqüência não con-verge, nem tende para +00 ou -00, diz-se que ela é oscilante. De fato, comoveremos, nesse caso ela sempre terá várias subseqüências, cada uma tendendopara um limite diferente. Por exemplo, as seqüências (_l)n, (-l)n(1 + l/n), e(-l)n(l - l/n) possuem, todas elas, subseqüências convergindo ou para +1 oupara -1. Esses números são chamados "valores de aderência" da seqüência sobconsideração.

2.23. Definição. Diz-se qúe L é um valor de aderência o'u ponto deaderência de uma dada seqüência (an) se (an) possui uma subseqiiêticia con-uerqituio para L.

Quando a seqüência não é limitada, seus elementos podem se espalhar portoda a reta, distanciando-se uns dos outros, como acontece com an = n, an =1 - n ou an = (-1)n(2n + 1). Em casos como esses não há, é claro, pontosaderentes.

Se a seqüência for limitada, estando seus elementos confinados a um inter-valo [A, B], eles são forçados a se acumularem em um ou mais "lugares" desseintervalo, o que resulta em um ou mais pontos aderentes da seqüência. Esse é oconteúdo do "teorerna de Bolzano-Weierstrass", considerado a seguir. O leitorpode observar que sua demonstração está baseada na propriedade do supremo,via teorema dos intervalos encaixados .

• 2.24. Teorema (de Bolzano- Weierstrass). Toda sequencia l-i mitada(an) possui uma subseq'üência convergente. (Veja a versão original desse teorernana p. 129.)

Demonstração. Vamos utilizar o chamado método de bisseção, que ex-plicaremos a seguir, no contexto da demonstração. Seja (an) uma seqüência

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Capítulo 2: Scqiiências infinitas 67

limitada, portanto, toda contida num intervalo fechado 1, de comprimento c.Dividindo esse intervalo ao meio, obtemos dois novos intervalos (fechados) demesmo comprimento c/2, um dos quais necessariamente conterá infinitos ele-mentos da seqüência; seja 11 esse intervalo .. (Se os dois intervalos contivereminfinitos elementos da seqüência, escolhe-se um deles para ser 11') O mesmo pro-cedimento aplicado a 11 nos conduz a um intervalo fechado 12, de comprimentoc/22, contendo infinitos elementos da seqüência.

Continuando indefinidamente com esse. procedimento, obtemos umaseqüência de intervalos fechados e encaixados 1n, de comprimento c/2n, quetende a zero, cada um contendo infinitos elementos da seqüência ano Seja L oelemento que, pelo Teorema 2.22, está contido em todos os intervalos 1n. Agoraé só tomar um elemento an1 da seqüência (an) no intervalo 11, an2' no intervalo12 etc., tomando-os um após outro de forma que nl < n2 < ... Assim obtemosuma subseqiiência (anj) convergindo para L. De fato, dado qualquer é > O, sejaN tal que c/2N < e , de sorte que 1m C (L - E:, L + é) para m > N. Portanto,para j > N, nj será maior do que N (pois nj ~ j), logo, anj estará no intervalo(L - é, L + ê), o que- prova que anj -> L.

O leitor deve notar que a demonstração pode eventualmente permitir duasescolhas de intervalos em um ou mais estágios da divisão dos intervalos. Istosignifica que pode haver uma, duas ou mais subseqiiências convergentes, o quesignifica também que a seqüência original pode ter vários pontos aderentes.

Critério de convergência de Cauchy

O Teorema 2.12 é um "critério de convergência," ou seja, um teorema que per-mite saber se uma dada seqüência é convergente, sem conhecer seu limite deantemão. Mas ele refere-se a um tipo particular de seqüências, as seqüênciasmonótonas. Em contraste, o teorema seguinte, de caráter geral, é um critériode convergência que se aplica a qualquer seqüência.

~ 2.25. Teorema (critério de convergência de Cauchy). Uma con-dição necessária e suficiente para que uma seqüência (an) seja convergente éque, qualquer que seja é > 0, exista N tal que

n, m > N =? Jan - amJ < é. (2.11)

Observação. :A condição do teorema costuma ser escrita da seguinte maneiraequivalente: dado E: > 0, existe um índice N tal. que, para todo inteiro positivo p ,

(2.12)

Demonstração. Provar que a condição é necessária significa provar que se(an) converge para um limite L, então vale a condição (2.11). Essa é a parte

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68 Capítulo 2: Seqüências infinitas

mais fácil do teorema, pois, em vista da hipótese, dado E > O, existe N tal que

n > Nem> N => lan - LI < E/2 e Iam - LI < E/2.

Daqui e do fato de ser

segue o resultado desejado.Para provar que a condição é suficiente, a hipótese agora é (2.11). Que-

remos provar que existe L tal que an -> L. Não dispomos desse L, temosde provar sua existência. Procedemos provando, primeiro, que a seqüência empauta é limitada; portanto, por Bolzano- Weierstrass, possui uma subseqüênciaconvergente para um certo número L. Finalmente provamos que an -> L.

Fazendom = N+1 em (2.11), teremos: n> N => aN+I-E < an < aN+l+E,donde se vê que a seqüência, a partir do índice N + 1, é limitada. Ora, ostermos correspondentes aos primeiros N índices são em número finito( portanto,limitados, ou seja, a seq~ência toda é limitada p.elo maior d?s números

I .. \

, lal\' ... , laN\' laN+I - EI, laN+I + EI·'>...

Pelo teorema de Bolzano-Weierstr ass, (an) possui uma subseqüência(anj) queconverge para um certo L. Fixemos j'suficientemente grande para termos,simultaneamente, lanj - LI < E e nj > N. Então, como

teremos, finalmente:

e isso estabelece o resultado desejado.

2.26. Definição. Chama-se seqüência de Cauchy toda seqüência que satis-faz uma das condições equivalentes (2.i1) e (2.12).

Como vimos no teorema anterior, seqüências de Cauchy são as seqüênciasconvergentes. Esse tipo de seqüência surgiu no final do século XVIII em conexãocom processos numéricos para resolver equações. Por exemplo, uma equaçãocomo x3 - 8x + 1 = O pode-se escrever na forma x = (x3 + 1)/8, ou x = f(x),onde f(x) = (x3 + 1)/8. Com a equação nesta forma, podemos construir umaseqüênncia numérica infinita, começando com um certo valor Xl> assim:

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Capítulo 2: Scqiiências infinitas 69

Em geral, Xn = f(xn-I), com n =' 2, 3, 4, ... Se for possível provar que essa éuma seqüência de Cauchy, saberemos que ela converge para um certo xa. Emseguida procura-se provar que xa é solução da equação dada, os elementos Xn

sendo valores aproximados da soluçãoO esquema que acabamos de descrever é, na verdade, um poderoso instru-

mento de cálculo numérico (conhecido como "método das aproximações suces-sivas"), além de ter também uma enorme importância teórica em várias teoriasmatemáticas.

Exercícios1..Prove que uma seqüência converge paraL se e somente se L é seu único ponto de aderência.

2. Prove que uma seqüência limitada que não converge possui pelo menos dois pontos aderen-tes.

3. Prove que L é ponto de aderência de uma seqüência (<tn) se e somente se, qualquer queseja e > 0, existem infinitos elementos da scqüôncia no intervalo IL - E, L + s]. (Note 'lHO.esta última afirmação não significa que os infinitos elementos sejam todos distintos, podematé ter todos o mesmo valor.)

4. Construa uma seqüência com elementos todos distintos e que tenha pontos de aderênciaem -1, 1e 2.

5. Construa uma seqüência com uma infinidade de elementos inferiores a 3 e superiores a 7,mas que tenha 3 e 7 como pontos aderentes e somente estes.

6. Construa urna seqüência com elementos todos distintos entre si, tendo como pontos de. aderência k: números distintos dados, LI < ... < Li; e somente esses.

7. Sabemos que o conjunto Q dos números racionnis é cnumcnivcl. Seja (l'n) uma seqüênciadesses números numa certa enumeração, isto é, uma seqüência com elementos distintos,cujo conjunto de valores é Q. Prove que todo número real é ponto de aderência dessaseqüência,

8. Seja (an) uma seqüência tal que toda sua subseqüência possui urna subseqüência con-vergindo para um mesmo número L. Prove que (an) converge para L.

9. Prove que uma seqüência (an) que não é limitada possui uma subseqüência (anj) tal quel/anj - a.

10. Dê exemplo de uma seqüência não limitada que tenha subseqüências convergentes; e deseqüência não limitada que não tenha uma única subseqüência convergente.

11. Vimos que a propriedade do supremo tem como conseqüência a propriedade dos inter-valos encaixados. Prove que esta últirria propriedade implica a propriedade do supremo,ficando assim provado que a propriedade do supremo equivale à propriedade dos intervalosencaixados.

12. Prove que se postularmos que "toda seqüência não decrescente e limitada é convergente"conseguiremos provar a propriedade dos intervalos encaixados, portanto, também a pro-priedade do supremo, estabelecendo assim que esta. propriedade é equivalente a afirmarque "toda seqüência não decrescente e limitada converge."

13. Prove, diretamente da Definição 2.26, que as seguintes seqüências são de Cauchy:

1a) an = 1 + -;

n

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70 Capítulo 2: Seqüências infinitas

14. Prove, diretamente da Definição 2.26, que se (an) e (bn) são seqüências de Cauchy, tambémo são (an + bn) e (anbn).

15. Sejam (an) e (bn) seqüências de Cauchy, com b.; ~ b > O. a) Prove que (a,,/b,,) tambémé de Cauchy, b) Dê um contra-exemplo para mostrar que isto nem sempre é verdade sebn -+ O.

16. Dados ai e a2, com ai < a2, considere a seqüência assim definida: a" = (an-I + an-2),n = 3,4,5, ... a) Prove que ai, a3, cs , ... é seqüência crescente e limitada; e que a seqüênciade índices pares, a2,a4, a6, ... , é decrescente e limitada. b) Prove que (an) é seqüência deCauchy.

17. Observe que o Teorema 2.25 nos mostra que a propriedade do supremo tem como con-seqüência que toda seqüência de Cauchy converge. Prove a recíprova dessa proposição, istoé, prove que se toda seqüência de Cauchy. converge, então vale a propriedade do supremo,ficando assim provado que essa propriedade é equivalente a toda seqüência de Cauchy serconvergente.

Sugestões e soluções

1. Comece provando que an convergir para L significa que, qualquer que seja e > O, só existeum número finito de elementos da seqüência fora do intervalo [L - e, L + e].

4. Eis um modo de fazer isso: considere três seqüências distintas, -1+1/n, l+l/n e 2+1/n, asquais convergem para -1, 1 e 2, respectivamente. Em seguida "misture" convenientementeessas seqüências; por exemplo, tomando um elemento de cada uma delas em sucessão erepetidamente, construindo a seqüência (a>;», assim definida:

n3n ==-1 +. 1/3n; a3n+1 = 1 +.1/(3n + 1); a3n+2 ==2 + 1j(3n + 2),

6, Reveja o Exerc. 6 da p. 63.

8. Se (an) não converge para L, existe um e > O e uma infinidade de elementos an tais quelan - LI> e.

11. Seja C um conjunto não vazio e limitado superiormente. Queremos provar que C possuisupremo. Seja ai ~ algum elemento de C e bl > ai uma cota superior de C. Sejaa== (ai + bd/2 e seja [a2, b2] aquele dos intervalos [ai, a] e [a, bI] tal que a2 ~ algumelemento de C e b2 é cota superior de C. Assim prosseguindo, indefinidamente, construimosuma família de intervalos encaixados L; = [a", bn], cuja interseção determina um númeroreal c. Prove que c é o supremo de C.

12. Prove primeiro que toda seqüência não crescentee limitada converge.. p 1

13. a) Observe que Ia" - an+pl = -(---) < -. Quanto à parte b), observe que lan - a,,+pln n+p n

é menor do que o Rn da p. 83.

14. Observe que anbn - ambm ==an(bn - bm) + bm(an - a",) e que (an) e (bn) são seqüênciaslimitadas.

15. Observe que

I an _ am I = lanbm - ambnl < lan(bm - bn) + bn(an - am)1bn bm bnbm - bnbm.'

que bnbm ~ b2 e que as seqüências originais são limitadas.

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Capítulo 2: Seqüências infinitas 71

16. a) Comece fazendo um gráfico representando a" a2, a3. a4, as, a6, aJ, etc. Percebe-se que(a2n) é seqüência decrescente e (a2n+l) é crescente. Prove isso. b) Prove que

Observe também que

17. Basta provar que vale a propriedade dos intervalos encaixados.

Notas históricas e complementares

A não enumerabilidade dos números reaisO Teorema 2.22 permite dar outra demonstração de que o conjunto dos números reais nãoé enumerável, como, faremos agora. Raciocinando por absurdo, suponhamos que todos osnúmeros reais estivessem contidos numa seqüência (Xn). Seja 1, = [a" b,] um intervalo quenão contenha z i . Em seguida tomamos um intervalo h = [a2, b2) C I i, que não contenhaX2; depois um intervalo 13 = [a3, bJ) C h, que não contenha XJ; e assim por diante. Dessamaneira obtemos uma seqüência (J n) de intervalos fechados e encaixados, tal que nl n conteráao menos um número real c. Isso contradiz a hipótese inicial de que todos os números reaiscHtiio na scqiióucia (1:n), visto que :1:" rt nI". 8011105, pois, forçados u uhnudouur n hipóteseinicial e concluir que o conjunto dos números reais não é enumerável.

Cantor e os números reaisVimos, no Capítulo 1, como Dedekind construiu os números reais a' partir dos racionais. Ex-"poremos agora a construção dos reais feita por Cantor.

Georg Cantor (1845-1918) nasceu em São Petersburgo, onde viveu até 1856, quando suafamília transferiu-se para o sul da Alemanha. Doutorou-se pela Universidade de Berlim, ondefoi aluno de Weierstrass, de quem teve grande influência em sua formação matemática. Todaa sua carreira profissional desenvolveu-se em HaJle, para onde transferiu-se logo que terminouseu doutorado em Berlim.

Como no método de Dedekind, também no de Cantor partimos do pressuposto de que jáC:::ital110S de posse dos números racionais, com todas as suas propriedades. COlneçUl110S com

a seguinte definição: diz-se que uma seqüência (c.,) de números racion~ís é um.a seqüênciade Cnuclu) se, qualquer que seja o número (racional) é > O, existe N tal que n, m > N =>lan - aml < é. Uma tal seqüência costuma também ser chamada "seqüência fundamental."O próprio Cantor usou essa designação: Observe que existem pelo menos tantas seqüênciasde Cauchy quantos são os números racionais, pois, qualquer que seja o número racional r, aseqüência constante (rn) = (r, r, r, ... ) é de Cauchy. Dentre as seqüências de Cauchy, algumassão convergentes, como essas seqüências constantes, uma seqüência como (1/2, 2/3, 3/4, ... ) euma infinidade de outras mais. Mas há também toda uma infinidade de seqüências de Cauchyque não convergem (para número racional), Gomo a seqüência das aproximações decimais porfalta de ../2,

(rn) = (1,14,1,41,1,414,1,-1142 ... ), (2.13)

ou a sequencia a;' (1 + l/n)n que define o número e. Como se vê, essas seqüências só nãoconvergem por não existirem ainda os números chamados "irracionais." Para criá-los, podemossimplesmente postular que "toda seqüência de Cauchy (de números racionais) converge". Feitoisso teremos de mostrar como esses novos números se juntam aos antigos (os racionais) de forma

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72 Capítulo 2: Seqiiências infinitas

a produzir um corpo ordenado completo. E nesse trabalho tcriamos de provar que diferentesseqüências definem o mesmo número irracional; por exemplo, a seqüência (2.13) e a seqüênciadas aproximações decimais por excesso de -/2 devem definir o mesmo número irracional -/2.Do mesmo modo, as seqüências

devem definir o mesmo número e.Por causa disso torna-se mais conveniente primeiro juntar em uma mesura classe todas as

seqüências que terão um mesmo limite, para depois construir a estrutura de corpo. Fazemosisso definindo, no conjunto das seqüências de Cauchy, uma "relação de equivalência", assim:duas seqüências de Cauchy (an) e (bn) são equivalentes se (a" - bn) é uma seqüência nula,isto é, an - bn -+ O. Essa relação distribui as seqüências de Cauchy em classes de seqüênciasequivalentes, de tal maneira que duas seqüências pertencem a uma mesma classe se, e somentese, elas são equivalentes.

Cada número racional r está naturalruente associado à classe de seqüências a que pertencea seqüência constante 7'n = r. Muitas das classes, todavia, escapam a essa associação. Porexemplo, considere a classe à qual pertence a seqüência (2.13). É fácil ver que nenhumaseqüência Tu = r, com r racional, pode pertencer a essa classe, senão 1" - 1"n teria de tendera zero, o que é impossível. Essas classes que não contêm seqüências do tipo Tn = r sãoprecisamente aquelas que corresponderão aos números irracionais, a serem criados.

Para criar esses números, definimos, no conjunto das classes de equivalência, as operaçõesde adição e multiplicação, e suas inversas, a subtração e a divisão. Assim, se A e B são classesde equivalência, tomamos elementos representativos em cada urna delas, digamos, (an) em Ae (bn) em B e definimos A + B como sendo a classe à qual pertence a seqüência (an + bn).Essa definição exige que provemos que: se (an) e (bn) são seqüências de Cauchy, o mesmo" éverdade de (an +bn); e que a sorna fi. + B independe das seqüências particulares (an) e (bn)que tomamos em A e B respectivamente.

De maneira análoga definimos: a classe nula "0" é a classe das seqüências nulas; o elemenlooposto - B de uma classe B é a classe das seqüências equivalentes a (-bn); a diferença A - Bé simplesmente A + (-B); o produto AB é a classe das seqüências (a"b;,); o elemento inverso8-1 de uma classe não nula B é a classe das seqüências equivalentes a (l/bn); e o quocienteA/B, onde B f O, é o produto AB-I Se A f O, prova-se que se (an) E A, então existe umnúmero racional m > O tal que an > m ou a" < -m a partir de um certo índice N; e sendoisso verdade para uma seqüência, prova-se que é verdade para toda seqüência de A, o que nosleva a definir "A > O" ou -"A < O" respectivamente. Definimos "A > B" como sendo A - B > Oe 1.'11 = A se A ~ Oe IAI = -A se A < O.

Com todas essas definições e propriedades correlatas estabelecidas, resulta que o conjuntodas classes de equivalência das seqüências de Cauchy de números racionais é um corpo ordenadoR. Nesse corpo definimos "seqüências de Cauchy" de maneira óbvia e provamos que todaseqüência de Cauchy de elementos de R é convergente, isto é, se A" uma seqüência de Cauclujde elementos de R, então existe um elemento A de R tal que An -> A, ou seja, An - A -+ O.

O corpo R assim construído contém um sub-corpo Q' isornorfo ao corpo dos númerosruciouuis. Esse sub-corpo Q' é precisamente o conjunto das classes cujos elementos sãoseqüências equivalentes aseqiiências constantes de números racionais (r, 1', r', ... ). Nada maisnatural, pois, do que identificar o corpo original dos números racionais Q com o corpo Q', umprocedimento análogo ao da identificação de cada .núrnero racional l' com o corte de Dedekind(E, D) que ele define.

A propriedade de que em R "toda seqüência de Cauchy converge" significa que R é com-pleto, mesmo porque se tentarmos repetir nesse corpo a mesma construção de classes de

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Copituío 2: Seqüências infinitas 73

equivalência de seqüências de Cauchy, chegaremos a um novo corpo R' isomorfo a R, por-tanto, R' nada acrescenta a R. Na verdade, a menos de isomorfismo, só existe um corpoordenado completo. Portanto R é o mesmo corpo dos números reais construído pelo processode Oedekind. Aliás, como vimos no Exerc, 17 atrás, a propriedade de que toda seqüência deCauchy converge é equivalente à propriedade do supremo.

Nessa construção dos números reais por seqüências de Cauchy, cada número racional r éidentificado com a classe que contém a seqüência constante rn = r. As classes que escapam aessa identificação correspondem aos elementos novos introduzidos, os números irracionais. Éesse o caso da classe que contém a seqüência (2.13), e que define A.

O leitor que esteja se expondo a essas idéias pela primeira vez talvez sinta um certo de-sconforto quando dizemos que um número real. como·h, é toda urna classe de seqüências deCauchy (de números racionais) equivalentes entre si. Na verdade, basta uma só seqüência dessaclasse para identificar o número em questão. Assim, a classe que define .J2 está perfeitamentecaracterizada pela seqüência (2.13). E uma breve reflexão há de convencer o leitor de que,pelo IllCllOS tacitamente, ele sabe disso há. milito tempo, desde que se fruuilinrizou com a idéiade aproximuçõcs de um número como ,fi. Esse símbolo nada mais é do que um modo conve-uiente de designar o conjunto dessas aproximações; é claro que é muito mais fácil escrevê-lodo que escrever uma seqüência que o caracterize. Mas por que preferir a seqüência (2.13) enão a das aproximações decimais por excesso? Ou alguma subseqüência dessas? Ou qualqueroutra seqüência a elas equivalente? Como se vê, Ulll pouquinho de reflexão é o bastante paradissipar qualquer desconforto inicial e revelar que .J2 é mesmo toda uma classe de seqüênciasequivalentes.

Se essas observações ajudam a dissipar o desconforto inicial do leitor, pode ser que ele aindanão se conforme com essa construção de Cantor dos números reais. Nada mais natural do queperguntar se não 'bastarjua construção de Oedekind, por mais engenhosa que seja essa de Can-tor. De fato, muitas teorias matemát.icas - àsvezes bem engenhosas - são abandonadas ê atéesquecidas, por serem suplantadas por outras. ~las não é esse o caso da construção de ·Cailtor.Pelo contrário, esse método das "seqüências de Cauchy" é de grande eficácia em domíniosonde a solução de algum problema é obtida por algum tipo de aproximação. Essa soluçãoé então caracterizada por uma seqüência de Cauchy, urna seqüência dos valores aproximadosda solução. O Exemplo 2.21 (p. 61) descreve uma situação dessas, relativamente elementar,onde estarnos ainda lidando com "números". Xlas é freqüente acontecer que a solução de umcerto problema seja um objeto mais complicado que um número; por exemplo, um elementode um conjunto de funções, no qual conjunto exista um modo de medir o distanciamento en-tre os vários elementos desse conjunto.· Isso dá origem, de maneira bastante natural, ao quese -chulna "espaço métrico". Nesse contexto a noção de seqüência de Cauchy ocorre tambémnat urnlruente e é o instrumento adequado para fazer o que se churna "completar o espaço",um processo análogo à construção dos números reais pelo método de Cantor.

Como já dissemos, os métodos de Oedekind e Cantor são os dois mais usados na construçãodos números reais. Mas, como vimos nos exercícios atrás, a propriedade dos intervalos encaixa-dos e a propriedade das seqüências monótonas (vtoda seqüência não decrescente e limitada con-verge") são equivalentes à propriedade do supremo e à propriedade das seqüências de Cauchy("toda seqüência de Cauchy converge"). Issogarante que, além dos métodos de Oedekind eCantor, poderiamos chegar aos números reais postulando. no conjunto dos números racionais,seja a propriedade dos intervalos encaixado, 0\1 a propriedade das seqüências monótonas. Mas,corno é fácil ver, isso rcduudnria nutua coustruçâo dos números reais pruticamente idêntica àde Oedekind.

Bolzano e o teorema de Bolzano- Weierst rass

O critério de convergência de Cauchy aparece pela primeira vez num trabalho de Bolzano de

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74 Capítulo 2: Seqüências infinitas

1 17, pouco divulgado; e posteriormente num livro de Cauchy de 1821 (de que falaremos maisnas pp. 97 e 128), que teve grande divulgação e 'infiuência no meio matemático.

Bernhard Bolzano (1781-1848) nasceu, viveu e morreu em Praga. Era sacerdote católicoque, além de se dedicar a estudos de Filosofia, Teologia e Matemática, tinha grandes preo-cupações com os problemas sociais de sua época. Seu ativismo em favor de reformas educa-cionais, sua condenação do militarismo e da guerra, sua defesa da liberdade de consciência eem favor da diminuição das desigualdades sociais custaram-lhe sérios embaraços com o gover-no. As idéias de Bolzano em Matemática não foram menos avançadas. É até admirável que,vivendo em relativo isolamento em Praga, afastado do principal centro científico da época, queera Paris, e com outras ocupações, ele tenha tido sensibilidade para problemas de vanguardano desenvolvimento da Matemática. Infelizmente, seus trabalhos permaneceram praticamentedesconhecidos até por volta de 1870. Seu trabalho de 1817 (com o longo título de Provapuramente analítica da afirmação de que entre dois valores que garantem sinais opostos (deuma função) jaz ao menos uma raiz da equação [função]) representa um dos primeiros es-forços na eliminação da intuição geométrica das demonstrações. Seu objetivo era provar oteorerna do valor intermediário (p. 122) por meios puramente analíticos, sem recorrer à in-tuição geométrica. E é aí que aparece, pela primeira vez, a proposição que ficaria conhecidacomo "critério de Cauchy" (veja o comentário sobre Cauchy no final do próximo capítulo),formulado para o caso de uma seqüência de funções, nos seguintes termos:

"Se uma seqüência de grandezas

Fl(X), F2(X), .. " Fn(x), ... , Fn+r(x), ...

está sujeita à condição de que a diferença entre se'u n·ésimo membr'o Fn(x) e cada membrosequinle Fn+r(x), não importa quiio distante do n-ésimo termo este último possa estar, sejameno',' do que qualquer quantidade dada, desde que n seja tomado bastante qraruie; então, existeuma e somente uma determinada qraruleza, 'da qual se aproximam mais e mais os membros daseqüência,' e da qual eles podem se tornar tão próximos quanto 'se deseje, desde que a seqiiêncio.seja levada bastante longe".

Como se vê, essa proposição é O enunciado de uma condição suficiente de convergência daseqüência. A necessidade da condição fora notada por vários matemáticos antes de Bolzanoe Cauchy. A demonstração tentada por Bolzano é incompleta; e não podia ser de outromodo, já que ela depende de uma teoria dos números reais, que ainda não estava ao alcancede Bolzano. Ele usa essa condição para demonstrar outra proposição sobre existência desupremo de um certo conjunto, a qual, por sua vez, é usada na demonstração do teoremado valor intermediário. O método de bisseção que Bolzano utiliza na demonstração dessaproposição é também usado por Weierstrass nos anos sessenta para demonstrar o teorema queficaria conhecido pelos nomes desses dois matemáticos. É interessante notar que praticamenteo mesmo enunciado de Weierstrass aparece num trabalho de Bolzano de 1830, Théorie desfonctions, só publicado cem anos mais tarde, muito depois de se haver consagrado o nome"teorerna de Bolzano- Weierstrass" ,

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Capítulo 3

,SERIES INFINITAS

Primeiros exemplos

Vamos iniciar nosso estudo das séries infinitas com exemplos simples. Essasséries' surgem muito cedo, ainda no ensino fundamental, quando lidamos comdízimas periódicas. Com efeito, uma dízima como 0,777. " nada mais é do queuma progressão geométrica infinita. Veja:

(1 1 1 )0,777... = 7 x 0,111... = 7 10 + 100+ 1000+ ...

= 7e10 + 1~2+ 1~3+ ... ) = 7(1_ ~/10 -1) = 7eg

O-1) =~.

Mas quando se ensinam essas dízlmas, não é preciso recorrer às séries in-finitas, pode-se usar o procedimento finito que utilizamos no Capítulo 1, assim:

_ 7x = 0,777... =} 10x= 7,777... = 7+ x =} gx = ( =} x = -.. . . g

Voltando às séries infinitas..» que significa "soma infinita"? Como somarum número após outro, após outro, e assim por diante, indefinidamente? Numprimeiro contato com séries infinitas, particularmente séries de termos posi-tivos, a idéia ingênua e não crítica de soma infinita não costuma perturbar oestudante. Porém" encarar somas infinitas nos mesmos termos das somas fini-tas acaba levando a dificuldades séries, ou mesmo a conclusões irreconciliáveis,como bem ilustra um exemplo simples, dado pela chamada "série de Grandi":

5=1-1+1-1+1-1+ ...

Esta série tanto parece ser igual a zero como igual a 1, dependendo de como aencaramos. Veja:

5 = 1- 1+ 1 - 1+ 1- 1+ ... = (1 - 1)+ (1 - 1)+ (1 - 1)+ ... = O.

Mas podemos também escrever:

5 = 1- 1+ 1 - 1+ 1- 1+ ... = 1- (1 - 1) - (1 - 1) - (1 - 1)- ... = 1.

E veja o que ainda podemos fazer:

5 = 1- 1+ 1- 1+ 1- 1+ ... = 1- (1 - 1+ 1- 1+ ...) = 1- 5,

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6 Capítulo 3: Séries Infinitas

donde a equação S = 1 - S, que nos dá S = 1/2.Como decidir então? Afinal, S é zero, 1 ou 1/2?

Para encontrar uma saída para dificuldades como essa que vimos com asérie de Gradi, temos de examinar detidamente o conceito de adição. Somarnúmeros, sucessivamente, uns após outros, é urua idéia concebida para umaquantidade finita de números a somar. Ao aplicá-Ia a somas infinitas, por maisque somemos, sempre haverá parcelas a somar; portanto, o processo de somassucessivas não termina, em consequência, não serve para definir a soma de umainfinidade de números.

o conceito de soma infinita

o conceito de soma infinita é formulado de maneira a evitar um envolvimentodireto com a soma de uma infinidade de parcelas. Assim, dada uma série infinita

(3.1)

contentamo-nos em considerar as somas parciais

Em geral, designamos por Sn a sorria dos primeiros nelementos da seqüência(an), que é chamada a soma parcial ou reduzida de ordem n associada a essaseq íiência:

n

Srt = ai + a2 + «a + ... + a" = 2=: ajr=t.

Desse modo formamos uma nova seqüência infinita (Sn), que é, por definição,a série de termos an . Se ela converge para um número S, definimos a somainfinita indicada em (3.1) como sendo esse limite:

(3.2)

n 00

ai + a2 + a3 + ... = S = limSn = lim 2=:aj = L anj=l n=l

Esse último símbolo indica a soma da série, ou limite S de Sn. Mas é cos-tume indicar a série (Sn.) com esse símbolo mesmo que ela não seja convergente.Freqüentemente usamos também o símbolo simplificado Lan com o mesmo sig-nificado. A diferença S - Sn = Rn é apropriadamente chamada o resto de ordemn da série. Às vezes, quando consideramos certas séries particulares, a reduzidade ordem n pode não conter exatamente n termos, dependendo do índice n ondecomeçamos a somar. Por exemplo, na série geométrica abaixo começamos a so-mar em n = O e a reduzida Sn contém n + 1 termos. Dependendo de onde secomeça a somar, a reduzida Sn pode conter mais ou menos que n termos.

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Capítulo 3: Séries Infinitas 77

Como se vê, a noção de série infinita generaliza o conceito de soma finita,pois a série se reduz a uma soma finita quando todos os seus termos, a partir deum certo Índice, são nulos. Mas é bom enfatizar que há uma real diferença entrea soma de um número finito de termos e a soma de uma série infinita. Estaúltima não resulta de somar uma infinidade de termos - operação impossível;ela é, isto sim, o limite da soma finita Sn.õ.- .s ~ J.~

f à... ~Y'-

00

1+ q + q2 + ... = L q".n=O

j

•••••(«

3.1. Teorema. e uma série converge, se termo geral tende a zero. '\

/ Demonstração. Seja ~an uma série de reduzida s; e soma S. Então,an = Sn - S,,-l --> S - S = O, como queríamos demonstrar.

3.2. Exemplo (série geométrica). De importância fundamental é asérie geométrica de razão q:

Sua reduzida Sn é a soma 'dos termos de uma progressão geométrica:

1 qn+1Sn = 1+ q + q2 + ... + qn = _

l-q l-q

Supondo "'I < 1, q" tende a zero, de. forma que essa expressão converge para1/(1 - q), que é o limite de S" ou soma da série geométrica:

2 -0 n 1 111 + q + q + ... = L..., q = --, q < l.n=O 1- q

Notemos que a série é divergente se Iql 2: 1, pois neste caso seu termo geralnão tende a zero.

o teorema anterior nos dá uma/;ondição necessária para a convergênciade uma série. Essa condição, todavia, não é suficiente. É fácil exibir sériesdivergentes cujos termos gerais tendem ;;: zero. Por exemplo, Jn+1- JTi --> O(Exerc. 9 da p. 55); no entanto, a série

00L(rn+1 - .;n)n=1

é divergente, pois sua reduzida de ordem n é

s; (V2- vil)+ (V3 - V2) + ... + (.;n -~) + (v'n+l- J;)v'n+l-l,

I

:1

I

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Ó Capítulo 3: Séries Infinitas

que tende a +00.

O exemplo mais notável de série divergente, cujo termo geral tende a zero, .»é o da chamada "série harmônica", que vamos discutir agora.

3.3. Exemplo. Chama-se série harmônica à série

001 111"2:-=1+-+-+-+ ...n=l n 2 3 4

Pelo modo como seu termo geral tende a zero, quem encontra. essa série pelaprimeira vez é inclinado a pensar que ela converge. Foi Nicole Oresme, ummatemático do século XIV, quem primeiro provou que ela diverge. (Veja a nota"A divergência da série harmônica" na p. 95.) Oresme começou por agrupar ostermos da série assim:

s 1 (1 1) (1 1 1 1)1+-+ -+- + -+-+-+-2345· 6 7 8

(~ + 110+ ... + 116)+ (1\ + 118+ ... + 312)+ ...+

Em seguida ·ele observou que cada um desses grupos é maior do que 1/2;

1 1 1 1 1- + - > - +- = _.3 4 44 2'

11111111 11- + - + - + - > - + - + - + - = 4 x - = _.5 6 7 8 8 8 8 8 8 2'

11 111 1 119 + 10+ ... + 16 > 16+ 16 + ... + 16= 8 x 16= 2";11 111 1 1117+ 18+ ... + 32 > 32 + 32 + ... + 32 = 16x 32 = 2";

e assim por diante, de sorte que

s >1 1 1 1 1

1+ - + 2 x - + 4 x - + 8 x - + 16x - + ...2 4 8 16 32111 1

1.+-+-+-+-+ ...·2222

Como esta última soma é infinita, é claro que a série diverge.

Para tornar esse raciocínio um pouco mais formal, observamos que todos ostermos da série são positivos, de forma que suas reduzidas formam uma seqüência

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Cnpicuto 3: Séries Infinitas 79

crescente. Basta, pois, exibir uma subseqüência de reduzidas tendendo a infinito.É esse o caso da subseqüência

+

Substituindo os denominadores de cada um dos termos deste último parêntesespor 2j, obtemos

. n1 LI"l nS2n > I + - + ~(2J - 2)- ) = I + -.

- 2 . 2) 2')=2

que prova o resultado anunciado.

3.4. Teorema (Critério de Cauchy para séries). Uma condiçãonecessária e suficiente para que uma série 2::::: anseja convergent-; é que dado

-qualque'r é > 0, exista N taL que, par'a todo' inteiro positivo p,--'

Este teorerna é uma simples adaptação do Teorema 2.12 da p. 57 à seqüênciade somas parciais Sn- Basta notar que

3.5. Teorema. Se as séries 2::::: an e 2::::: bn convergem e k é um númeroqualquer, então 2::::: ka-, e 2:::::(an+ bn) convergem e

Este teorema é uma conseqüência imediada de propriedades análogas jáestabelecidas para seqüências (Teorema 2:8, p. 52). Dele segue, em particular,que se verificarmos a convergência de uma série, considerada somente a partirde um certo índice N, então a série toda é convergente e vale 11 igualdade

00 00

Lan = SN + LaN+n,n=l n=l

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80 Capítulo 3: Séries Infinitas

que decorre da seguinte observação:

00

lim SN + lim(aN+l + ... + aN+n) = SN +L aN+n·n=l

Séries de termos positivos

Suponhamos que LPn seja uma série de termos positivos (ou não negativos).Então, a seqüência de somas parciais

Sn = Pl + P2 + ... + Pn,

é não decrescente. Em conseqüência, a sene converge ou diverge para +00,conforme essa seqüência seja limitada ou não.

Suponhamos que os termos da série sejam reindexados numa outra ordemqualquer,

p~ + p~ + ... + p~ + ...Assim, p~ pode ser, digamos, o elemento P5 ,p~ pode ser P9, P3 pode ser Pl etc.Então, como os termos são todos não negativos, a nova soma parcial,

será dominada por alguma soma parcial Sm com m > n. Se a série originalconverge para S, teremos S~ S; Sm S; S, isto é, as sornas parciais S~ formamuma seqüência não decrescente e limitada, portanto, convergente. Seu limite. S' é seu supremo, de sorte que S' S; S. Mas a série original também pode serinterpretada como obtida de L P;, por reindexação, portanto, o mesmo raciocínionos leva a S S; s'. Provamos assim o teorerua que enunciamos a seguir.

3.6. Teorema. Uma série convergente de termos não negativos possui amesma soma, independentemente da ordem de seus termos.

É fácil ver também que se a série diverge, ela será sempre divergente para+00, independentemente da ordem de seus termos.

A noção de "série convergente, independentemente da ordem de seus ter-mos" pode ser formalizada facilmente. Basta notar que mudar a ordem dostermos corresponde a fazer uma "permutação infinita" desses termos, atravésde uma bijeção ou correspondência bilmívoca de N sobre N. (Veja a definiçãodesses conceitos na p. 102.) Seja f uma tal bijeção e ponhamos p~ = P f(n)'

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Capítulo 3: Séries Iniinit.es @)Diz-se então que a série L Pn é com utaiiutimentc convergente se for convergentea série L P~ = L P I(n) e L P~ = L P,,, qualquer que seja a bijeção j .

Exercícios

(DDada a .seqüência SOl de reduzidas de uma série, construa a seqüência original de termosa,t da serre.

2. Dada urna série convergente L a", com soma S e reduziu a SOl' prove que seu resto R" é asoma da série a partir do índice n + 1.

3. Chama-se série harmônica, em geral, toda série cujos inversos de seus termos formam umaprogressão aritmética, isto é, toda série da forma

00

La:n,., T ;60.n=l

, Demonstre que uma tal série é divergente.

~Obtenha a reduzida da série ~_(_l_._) e mostre que seu limite (soma da série) é 1.~ "=lnn+1 1- ~

Loo 1 l' .• ~-tA

5. Mostre que ()( ) = -. li )a+n a+n+l an;::lG O termo geral da séri~ L log(l + l/n) tend~ a zero. Mostre, todavia, que ela é divergente,

obtendo uma forma simples para sua reduzida SOl .

7. Dada uma série convergente L a" euma seqüência 'crescente de números naturais ·111 <n2 < ... , defina

b1 = aI + ... + aTlll b2 = anl +1 + ... + an2!

b3 = a",+l + ... + a"3 etc.

Prove que a série L bn converge e tem a mesma soma que a série original.

8. Use o critério de Cauchy para provar que o termo geral de uma série convergente tende a3 zero.

:l 9. Use o critério de Cauchy para provar que L a" converge se L la,,1 converge.

@calcule a reduzida SOl da série f n ~ 1 e mostre que seu limite é 1. .n=2

~ 00 ( l)"(n+2) 00 ( W-I~ ~ Mostre que L -n(n + 1) = 1- 3(log2), sabendo que log2 = L~'~ ...-.,. n=1 00 (-1)n(2n + 5) n=1

~Calcule a soma L (n + 2)(n + 3) 2n=O

~n2 -n-113. Mostre que a série L n! tem soma igual a 2.

n:2

Respostas, sugestões e soluções

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82 Capítulo 3: Séries Infinitas

2. Utilize o Teorema 3.5. Ou faça diretamente: pela definição que demos de resto, Ru = S-Sn.Por outro lado,

m m

S = lim (S" + "" an+j) = S" + lim ""'au+j.~-_ ~ m __ ~

j=1 j==1

Daqui e de S = Rn + Sn, concluímos que R« = lírn.; __ L7'=l an+j = L;':l an+j·

3. Se a > O e r > O, mostre que o termo geral da série pode ser feito maior do que umaconstante vezes I/n. No caso geral, trabalhe com os termos a partir de um certo índice, apartir do qual todos os termos tenham o mesmo sinal.

I I I4. Observe que n(n + 1) = -; - n + I

11. Proceda como no Exerc. 4, mostrando que an = (-1) n (~ - n: 1) .12. Mostre que an = (_1)" (_1_ +~3)'

n+2 n+

Teste de comparação

Um dos problemas centrais no estudo das séries consiste em saber se uma dadasérie converge ou não. Há vários testes para isso, dentre os quais o teste decomparação, tratado a seguir, é o.mais.básico.

3;7. Teorema (teste de comparação). Sejam Lan e Lbn duas séries.de termos não negativos, a primeira dominada pela seqiuula, isto é, an :::;bnpara todo n. Nessas condições podemos afirmar:

a) L bn converge * L an converge eL an :::;L »«:b) L an diverge * L bn diverge.

Demonstração. As reduzidas das séries dadas,

são seqüências não decrescentes, satisfazendo Sn :::;Tn. No caso a), Tn convergepara um certo limite T, de sorte que Sn ~ T para todo n. Assim, como Sn éuma seqüência não decrescente e limitada, ela converge para um certo S :::;T.

A demonstração de b) exige muito pouco: se L bn convergisse, então, pora), L an também teria de convergir, contrariando a hipótese.

Outra demonstração (pelo critério de Cauchy). Observe que

an+I + an+2 + ... + an+p :::; bn+l + bn+2 + ... + bn+p'

Se L bn converge, dado qualquer e > 0, existe N tal que o membro da direitadessa desigualdade pode ser feito menor do que e para n > N. Então o mesmo

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Capítulo 3: Séries Infinitas 83

é verdade do primeiro membro, provando que L an converge. A demonstraçãoda parte b) é a mesma anterior.

3.8. Exemplo . .Já vimos, em (2.9) (p. 58), que o número e é dado por

(1 1 1) 00 1

e = lim 2 + , + , + ... +, = 2:= ,.2. 3. n. n=O n.

Um modo de provar a convergência dessa série, independentemente do que vimosantes, consiste em observar que

1 1n! 2·3 ... n ::; 2·2 ... 2 2n-1'

donde segue que, à exceção do primeiro termo, a série dada é dominada pela sériegeométrica de razão 1/2, que é convergente; logo, a série original é convergente.

lrracionalidade do número e

Para provarmos que o número e é irracional, vamos primeiro obter uma estima-tiva do erro Rn que cometemos no cálculo desse número quando o aproximamospela soma parcial Sn da série anterior (que vai até o termo l/n!). Temos

1 (1 1 )R" "" (n +1)! 1+ n + 2 + (n + 2)(n + 3) + .

< ( 1 )' (1 + (n + 2)-1 + (n + 2)-2 + )n + 1 . .

1 n + 2 1. .--<(n + I)! n + 1 n!n

Podemos então escrever: Sn < e < Sn + l/n!n.Se e fosse racional, isto é, se e = m/n, com m e 11 inteiros positivos, n 2: 2

(pois, como já sabemos, e não é inteiro), então

1!1 1Sn < - = Sn + R" < Sn + -,-,

n n.n1

donde segue-se que n!Sn < m(n - I)! < n!Sn + - < n!Sn + 1. Ora, o númeron

n!Sn é inteiro, pois é igual a

,( 1 1 1)n. 2+ ,+,+ ... ,2. 3. n.

_ , n! ~ n!- 2n. + ?' + ,+... "_. 3. n.

Então a desigualdade anterior está afirmando que o número inteiro m(n - I)!está compreendido entre 08 inteiros consecutivos n!Sn e n!S" + 1, um absurdo.Concluímos que o número e é irracional.

Pelo que vimos acima, S" 6 uma aproximaçâo do muucro c COI11 erro inferiora (l/n)(l/n!). Como n! cresce muito rapidamente com n, Sn é realmente uma

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84 Capítulo 3: Séries Infinitas

boa aproximação de e, mesmo para 71 não muito grande. Por exemplo, n = 10já nos dá um erro inferior a 10-7. Euler calculou o número e com 23 casasdecimais, obtendo e = 2,71828182845904523536028.

-i' 3.9. Exemplo. Mostraremos agora que a série L l/nx é convergente sex > 1 e divergente se x :s: 1. Este último caso é o mais fácil, pois então a sériedada majora a série harmônica, visto que x :s: 1 => nX :s: 71, logo, 1/nx ~ 1/71.

Suponhamos agora que x > 1. Usaremos um raciocínio parecido com o queusamos no caso da série harmônica. Temos:

n(1 1 1)1 + j; 2jx + (2j + 1)'" + ... + (2j+l _ 1)'"

1+ ..ç.... ~(2j+l _ 2j) = 1+ ~ _1_.c: 2)'" c: 2(x-l))j=1 j=1

n ( l)j 00 ( 1)1 2x-1L 2",-1 < L 2"'-1 = 2"'-1 - 1.)=0 )=0 -

Vemos assim que a sequencia de reduzidas da sene dada, que é umaseqüência crescente, possui uma subseqüência limitada, portanto convergente.Concluímos que a seqüência de reduzidas converge para o mesmo. limite (Exerc.1 da p.62). Isso prova que a série original é convergente, como queríamosdemonstrar.

<

o exemplo que acabamos de discutir nos mostra que a serre harmônicaestá compreendida entre as séries convergentes L 1/n'" com x > 1 e as sériesdivergentes L 1/71'" com x :s: 1, situando-se, ela mesma, entre estas últimas.

É claro que a série L 1/71'" define uma função de z , a qual é chamada junçãozela de Riemann:

1 1 00 1((x) = 1+ - + - + ... = "'-.2'" 3x c: n'"

n=l

(3.3)

Embora conhecida por Euler (1707-1783) desde 1737, suas propriedades maisnotáveis só vieram a ser descobertas por Riemann (1826-1866) em 1859, nummemorável trabalho sobre teoria dos números.

Ao lado da série geométrica, a série (3.3) é muito usada como referênciapara testar se uma dada série converge ou diverge. Isso é possível quando otermo geral da série dada comporta-se como 1/71'" para 71 tendendo a infinito,

""" 3.10. Exemplo. A série

1 1 00 11+;-:;+:"2+"'=2..::1'

2-:3 n=ln

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Capítulo 3: Séries Infinitas 85

é evidentemente convergente e representa o valor ((2). Euler mostrou que asoma dessa série é 7[2/6.1 Vamos provar apenas que 1 < L l/n 2 < 2. Para issoobservamos que

00 1 001 001 oo 11 = L ( )< L 2 = 1 + L2 < 1 + L ( )'

n=l n n + 1 tt ee I n ,,=2 n n=2 n - 1 n

Nesta última série fazemos a mudança n - 1 = m, donde n = m + 1. Então,

00 1 00 11< L 2 < 1+ L ( )= 2,

n=1 n m=l m m + 1que é o resultado desejado.

o teste de comparação é muito usado para verificar a convergência de sériescujos termos gerais a" são complicados, mas para os quais é relativamente fácilverificar que an :S bn, sendo bn o termo geral de uma série convergente. Essasituação é ilustrada no exemplo seguinte.

G 00 15n+ v'n2-=13.11. Exemplo. A série L .,\ 0tTI é convergente. Para

n=15'/1.' -I- 2n ti -I- 1 - 17vermos isso notamos que seu termo geral an é tal que

2 15n3 + n2Jn2 - 1 16n an = --;:----;:==,..-- -> -5n3 + 2nVn+1 - 17 5 .

de sorte que (Teorerna 2.6, p. 52), a partir de um certo índice N, teremos2 < n 2an < 4; logo, a partir desse índice N, a série é positiva e dominada pelasérie de termo geral 4/n2. Como esta série é convergente, também o é a sérieoriginal.

3.12. Exemplo. Usaremos o teste de comparação na ordem inversa paraprovar que a série

~nVn+1L- n2 - 3~1 •

é divergente. Para isso basta notar que, sendo an o termo geral da série, entãoman -> 1, de sorte que, a partir de um certo N, an > l/2m e este número éo termo geral de uma série divergente.

3.13. Exe~plos. Mostrarernosque, sendo k inteiro positivo e a > 1, asséries

~~.L- nnn=1

(3.4)

IVeja nosso artigo na Revista Matemática Universitária, Nº 3, Junho de 1986).

Page 92: Análise para  Licenciatura G,Ávila completo

co rergentes, De fato, pelo que vimos no Exemplo 2.18 (p. 60), nk+2 / an ->

0, de sorte que nk [o" < 1/n2 a partir de um certo N. Isso prova que a primeiradas séries em (3.4) é convergente por ser dominada, a partir de N, pela sérieconvergente L1/n2.

No Exemplo 2.19 provamos que an/n! < c/2n, o que mostra que a se-gunda das séries em (3.4) é convergente por ser dominada pela série convergenteLc/2n.

Finalmente observe que, sendo n > 2,

e aqui também podemos concluir que a terceira das séries em (3.4) é convergente.

~

~

xerCíCiOS .

1. Prove que se L a" é uma série convergente de termos positivos, entiio L n;, é convergente.2. iejam La" uma série convergente de termos positivos e (bn) uma seqüência limitada deelementos positivos. Prove que L anbn converge,

)

3. Sendo a" ::::O e i; ::::O, prove que, se as séries L a~ e L b~ são convergentes, então a sérieLanbn também é convergente.

4 Prove que se an ;:::Oe L a~ converge, então L an/n converge.

::í Verifique, dentre as séries seguintes, qual del~conv ge, qual delas diverge:. I-,

ia) ~ IogA b) ~ _1 ~c) ~ _1_; d) ~ 1L.. n L.. logn L.. Jn3 + 1 L.. 'l'n2 + 1;n=2 n=2 n=l n=l

'" n2

- 23" + 9 ~ 2 - sen23n '" 1

e) L.. 4n3J;:l+7-2n+cos3n2 L.. 2n+n2+1' g) L.. (Iogn)k:n=l n=l n=2

h)~ _1_.~ (logn)rt'n=2

6. Sejam Pk(n) e Pr(n) polinômios em n de graus k e r respectivamente. Prove que se r-k ::::2a série LPk(n)!Pr(n) é convergente, e se r - k :::;1 ela é divergente.

7. Sendo a > b > O,mostre que a série de termo eral a" = (c" - bn)-l é convergente se a> 1e divergente se a :::;1.

8. Supondo an ::::Oe a" ~ O,prove que La" converge ou diverge se, e somente se, L n,,/( 1+an) converge ou diverge, respectivamente.

9. Prove que, se a" ::::O e Lan converge, então La;,/(1 + a;,) converge. Construa umexemplo em que a primeira dessas séries diverge e a segunda converge; e outro exemplo emque ambas divergem.

10. Prove que, sendo c > O, a série L sen(c/n) é divergente.

Page 93: Análise para  Licenciatura G,Ávila completo

Capítulo 3: Séries Infinitas 87

11. Prove que se (an) é uma seqüência não crescente e L:an converge, então nan ~ O. Issopode não ser verdade se (a,,) oscilar, como ilustra o exercício seguinte. Observe que acondição na" --> O não é suficiente para a convergência da série; um contra-exemplo é asérie I: l/(nlogn), que é divergente. (Veja o Exemplo 3.18, p. 89).

12. Construa uma série convergente de termos positivos I:a" tal que na" não tenda a zero.

Sugestões

4. Conseqüência de um dos dois exercícios anteriores.

5. a) e b) dominam a série harmônica. Em c) e e), n3/2a" -> c > O. Algo parecido em d).Em f), O < 2"a" < 2 + Isen2 3nl < 3, logo, an < 3/2". g) Diverge. Observe que se 10>'0,logn < n l/k a partir de um certo N. h) Converge, pois log n > 2 a partir de certo N. i)Converge. No caso da série em k), observe.que

11. Sendo S a soma da série, S2n - S" = an+1 + ... + a2" 2: na2n. Isso permite provar oresultado desejado para n par. Para" ímpar observe que (2n + 1)a2"+1 :::;(2n + 1)u2n.

12. Tome uma série convergente (por exemplo, I:q", com O< q < 1) e substitua por 1/". umainfinidade de seus termos an, tomados cada vez mais espaçadamente para não destruir aconvergência (por exemplo, substitua os termos de ordem n = e por 1/" = 1/102).

Teste da razao

Uma importante conseqüência do teste de comparação é o chamado teste darazão ou teste de d 'Alembert que consideramos a seguir.

3.14. Teorema (teste da razão). Seja I:an uma série de termos posi-ti{;os tal que existe o limite L do quociente an+dan. Então, a série é convergentese L < 1 e divergente se L > 1, sendo inconclusiuo o caso em que L = 1.

Demonstração. Seja c um número compreendido entre L e 1. SupondoL < 1, esse número c também será menor que 1. A partir de um certo índice Nteremos an+d an < c, ou seja, an+l <anc. Daqui obtemos as desigualdades

em geral, aN+j < aNcj, j = 1, 2,.... Isso mostra que a partir do índiceN + 1 a série dada é majorada pela série geométrica aN I:J, que é convergente,pois O < c < 1. Então a série original também é convergente, pelo teste elecomparação.

Page 94: Análise para  Licenciatura G,Ávila completo

88 . Capítulo 3: Séries Infinitas

o raciocinio, no caso L > 1, é mais simples ainda, pois então, a partir deum certo N, aN+1 > aN, aN+2> aN+1 > aN; em geral, aN+j > aN, provandoque o termo geral aN+j não tende a zero, logo a série diverge.

A demonstração do teorema deixa claro que nem precisa existir o limite nelereferido; basta que, a partir de um certo índice N, tenhamos sempre an+d an ::;c < 1 ou sempre a"+l/ an 2: l.

3.15. Corolário. A série de termos positivos L an é convergente se apartir de um certo índice vale sempre an+l/ Qn ::; C < 1; e divergente se a partirde um certo índice vale sempre an+1/ an 2: l.

3.16. Exemplos. A convergência de cada uma das três séries dadas em(3.4) (p. 85) pode ser estabelecida facilmente pelo teste da razão, sem pre-cisar descobrir de antemão como os termos dessas séries tendem a zero. Aliás,provando-se, pelo teste da razão, que essas séries convergem, teremos provadoo resultado (2.10) (p. G1). Consideremos, como ilustração, a terceira das sériesem (3.4), para a qual Qn = n!/nn, logo,

(n + I)! nn

(n + 1)n+1 n!1 1

~------- ~ - < 1,(1+1/n)n e

duudc segue a couvcrgênciu da série. O cálculo desse limite no caso das outrasduas séries resulta .em 1/ ae zero, respectivamente; é um cálculo fácil, como oleitor pode verificar.

Observe que o teste da razão nada nos. diz se lim all+1/ an = 1. É o que aconteceno caso das séries L 1/ n e L l/n 2, a primeira divergente e a segunda conver-gente. Em ambos os casos an+l/ an tem limite 1; no entanto, a primeira divergee a segunda converge. ~

Exercícios· &Teste cada uma das séries se uintes, verificando se converge ou não:

~ b " 00 ..;n 00 (n!)2l.L..,na,O<a<l. 2~L~" 3. L (2n)!'

n=l n::::l n=l

6.f 2"n!(1 - cosn2) .

n=1 2.5.8 ... (371 - 1)

~ 3"nl(2 + sen n2)7. L.., (?)'3.5.7 ... _n - 1

1):;::1

8. Dada uma série convergente de termos positivos L a" = S, prove que, se a partir de um.certo índice N, an+l/a" :<:; q < 1, então S - S" < aNq,,+l-N /(1 - q) para 71> N.

Page 95: Análise para  Licenciatura G,Ávila completo

Capítulo 3: Séries Infinitas 89

9. Sejam L a" e L bn séries de termos positivos, esta última convergente. Suponhamos queexista N tal que n > N =} an+l/an ::; bn+l/bn. Prove que Lan converge.

10. Obtenha a primeira parte do Teorema 3.14 como conseqüência do exercício anterior.

Sugestões

2. an+1 = ~J1+ ..!:..an 2 n (2n + 1)(2n + 2) .

n24 an+1 _ ~ a__. a" - 2(n+1)2 - (2n + 1)'

5 an+1 _ a[(n + 1)!J22,,2 a(n + 1)2. a" - (n!)22("+1)2 = 2(2n+1) .

6. O < a" ::; 5.8 ... (3n _ 1) = b«,b,,+l 2(n + 1) 2-;;;: = 3n + 2 -> 3'

bn+1 3(n + 1) 3-;;;: = 2n + 1 -> 2'

9. Escreva a desigualdade do enunciado para os Índices N, N +1, ... , n e multiplique, membroa membro, as desigualdades obtidas.

n+110. Sendo L < c < 1, an+1 ::; c::; ~, a partir de um certo N.

an c

o teste da integral

Um outro teste de convergência de séries de muita utilidade é o chamado teste daintegral, porque baseado na comparação da série com a integral de uma função.

3.17. Teorema. Seja f(x) uma função positiva, decrescente e an = f(n).Então

f(2) + ... + f(n) < ln

f(x)dx <: f(l) + ... + f(n - 1). (3.5)

Em conseqüência, a série L an converge ou diverge, conforme a integral que aíaparece seja convergente ou divergente, respectivamente, com n -+ 00.

Demonstração. Imediata, pois a desigualdade em (3.6) é obtida da soma de

fU) < 1~1f(x)dx < fU - 1),

j variando de 2a n.

3.18. Exemplos.00 1

A série :L --1-- é divergente, poisn=2 n ogn

l" _ldX = loglOgXln -+ 00.)2 x og x 2

Page 96: Análise para  Licenciatura G,Ávila completo

90 Capítulo 3: Séries Infinitas

É interessante observar que se aumentarmos, por pouco que seja, o logaritmo nodenominador, obteremos uma série convergente. Assim, dado e > Opor pequenoque seja,

-:-:-_1---:-1'11-->€(log x)" 2

d d 1 ' -- ~ 1 ,on e cone uimos que a serre L (1 )1+< e convergente.'11=2 n ogn -

('li dxJ2 x(log x)1+ô

1

Exercícios

l' 2:Use o teste da integral para mostrar que a série harmônica é divergente.

"-0 Faça o mesmo para mostrar que a série 2:= 1/11" é convergente se x > 1 e divergente sex<l.

3. Estabeleça as seguintes desigualdades:

a)f:z < 2;n=l

4. Mostre, pelo teste da integral, que as séries seguintes são convergentes:00

a) I>-n; b) Lne-n'; ,ç) Lne-n;n"=l n=l n=l

Neste último exemplo k é um número real qualquer.

5, Estabeleça a convergência da série I;(e/n)n e prove a convergência da integral

[0 (e/x)"dx.

oc

6, Estabeleça a convergêuciu da série L j ,n=:2 (Iogn)log H

7. Sendo f(x) uma função crescente em x 2: 1, prove que

fel) +.,. + f(n - 1) < Jn f(x)dx < f(2) + ... + f(n).

8. Fazendo f(x) = logx no exercício anterior, prove que

donde segue, em particular, que ::;:;;f/n ~ l/e.

9. Verifique que o teste 'da razão não permite saber se a série 2:= enn!/nn converge ou não.Prove que esta série é divergente, usando o resultado do exercício anterior.

Sugestões3. Integre, em cada caso, uma função f(x) apropriada.

Page 97: Análise para  Licenciatura G,Ávila completo

Capítulo 3: Séries Infinitas 91

5. A convergência da série pode ser obtida como conseqüência da convergência das duasúltimas séries em (3.4) (p. 85), pois (e/nY = (e" /n!)(n!/nn).

6. Basta provar que é convergente a integral, ele 2 a 00, da função

J(.I:) = (logx)-IOg x = C-(lo~x)loglogx = C-9(I),

onde g(x) tem:significado óbvio. (É fácil verificar que J(x) é decrescente a partir de umcerto xo. pois g'(x) = x-1(loglogx + 1) > O a partir de um certo xo.) Para isso fazemos asubstituição y = log z , donde

{OOJ(x)dx = 100

(e/y)"dy,J2 log 2

integral esta que sabemos ser convergente pelo exercício anterior.

Convergência absoluta e condicional

Diz-se que uma série L an converge absolutamente, ou é absolutamente conver-gente, se a série L lanl é convergente. Pode acontecer, como veremos adiante,que I: an seja convergente e I: lanl divergente, em cujo caso dizemos que a sérieI:an"e condtcionalmente convergente. -

3.19. Teorema. Toda série absolutamente convergente é convergente.M ais do que isso, é com··uto.tivo.menteconvergente, isto é, o. soma do. série dadaindepende do. ordem de seus termos.

Demonstração. Sejam Pr a somados termos ar 2': O e gr a soma dos valoresabsolutos dos termos a,. negativos, onde, em ambos os casos, r S; n. Então, asreduzidas das séries L lanl e I: an são dadas por

(3.6)

e(3.7)

respectivamente. As seqüências (Tn), (Pn) e (qn) são não decrescentes, aprimeira das quais converge, por hipótese. Seja T seu limite. Temos quePn S; Tn S; Te qn S; T« S; T, donde concluímos que (Pn) e (qn) convergem. Sejamp e q seus respectivos limites. Então Sn também converge: Sn = Pn - qn -+ P - q.Isso completa a demonstração da primeira parte do teorema.

Para ver que a soma da série dada independe da ordem de seus termos,basta notar que Pn e qn são reduzidas de séries de termos não negativos, e assomas dessas séries independem da ordem em que se considerem seus termos,como vimos no Teorema 3.6 (p. 80).

Outro modo de provar a convergência da série utiliza o critério de Cauchy.Para isso observamos que

lan+! + ... + an+pl S; lan+!1 + ... + lan~pl·

Page 98: Análise para  Licenciatura G,Ávila completo

@Capítulo 3: Séries Infinitas

Ora, dado qualquer e > O, existe um índice N tal que 71 > N acarreta estaúltima soma ser menor do que ê, logo, o mesmo acontece com a primeira.

3.20. Exemplo. Vamos provar que a série

~ ~ sen3n2

~ an = ~ 712 _ Vn+9é absolutamente convergente. Para isso observamos que a partir de 71 2 odenominador é positivo e

2 n2Jsen 3n2J 712

71 JanJ = < --+ 1,n2 - Jn + 9 - 712 - Vn+9de sorte que, a partir de um certo N, n2JanJ < 2 e isso prova que L JllnJ éconvergente.

Séries alternadas e convergência condicional

Diz-se que uma série é alternada quando seus termos têm sinais alternadamentepositivos e negativos. Para essas séries vale a recíproca do Teorema 3.1 (p. 77),desde que o valor absoluto do termo geral tenda a zero decrescentemente. É oque vere os a seguir.

eor erna (teste de Leibniz): Seja (an) umaseqüêricia que tendea ~ êcresceniemenie, isto é, ai 2: a2 2: ... , an --+ O. Então, a série al-ternada L( -1)n+ 1an converge. Além disso, o erro que se cometeiiomando-se -uma reduzida ual uer da série como valor aproximado de s'ua soma é, em valorabsoluto, menor ou igual ao primeiro termo desprezado.

Demonstração. Consideremos separadamente as reduzidas de ordem par ede ordem ímpar da série dada, as quais podem ser escritas assim:

e

S2n+! = aI - (a2 - a3) - .: . - (a2n - a2n+l),

por onde vemos claramente que (S2n) é. não decrescente ~ (S2n+d é não.crescente. Além disso, S2n = S2n+l - a2n+! ~ S2n+! ~ a0 isto é, (S2n) é nãodecrescente e limitada, portanto, convergente para um certo número S. Este étambém o limite da seqüência ele reeluzielas"ge ordem ímpar, como se 'vê pas-sando ao limite em S2n+l = S2ri + a2n-tf"~oncluímos que a sequencia (Sn)[email protected]!}§ID.Q n úm~~~xer~:...1...d-ª-~L- Quanto ao erro, observe que as desigualdades -----

Page 99: Análise para  Licenciatura G,Ávila completo

Capítulo 3: Séries Infinitas 93

nos dão:

e

o ~~- S} S2n+l -' S2n~ = a2n+2',/

Isso prova que ISn - SI ~ a,,+l para todo n e conclui a. demonstração,

. 3.22. Exemplo. A série harmônica alternada,

1 1 1 00 (_1)n+1l--+---+",=L-'----'-

2 3 4 n=l n

é convergente, pelo teorema anterior; portanto, condicionalmente convergente,pois a série de modulas, 2:: l/n, é a série harmônica que, como sabemos, diverge.

As séries condicionalmente convergentes são, por natureza, vagarosas noconvergir. A mudança da ordem de seus termos muda a soma da série e podemudar tanto que é possível reordenar convenientemente os termos da série paraque sua soma seja qualquer número dado ele antemão. Esse surpreendente re-sultado, que discutiremos a seguir, é descrito e demonstrado por Riemann emum de seus trabalhos.

3.23. Teorema. Se umd dada série 2:: an é condicionalmente convergente,seus termos podem ser reordenados de maneira que a série convirja para qualquernúmero S que se prescreva.

Demonstração, Com a mesma notação do Teorema 3.19, como Tn -+ 00,

vemos, por (3.6), que o mesmo ocorre com Pn ou qn .• Mas Sn converge, logo,por (3,7), ambos Pn e qn tendem a infinito. Agora é fácil ver como reordenar ostermos da série para que sua soma seja S: da seqüência c j , a2, ... vamos tirandoelementos positivos, na ordem em que aparecem, e somando-os até obtermosum número maior do que S; em seguida vamos adicionando a esse resultadoelementos negativos até obtermos uma soma menor do que S; e voltamos aadicionar elementos positivos, depois negativos, e assim por diante. Como asérie original converge, an -+ O, de sorte que, dado qualquer e > O, existe N talque n > N => lanl < e, Ora, o recirdenamento descrito produz uma série

a~ + a~ + a~ + ..'+ a~ + ' ' . ,

cujas reduzidas Si têm a seguinte propriedade: existe J tal que, sendo j > J, Siincorpora todos os elementos da série original com índices que vão de 1 até N +1,de forma que o último elemento da série original que aparece em sj tem índicenj > N; logo, tem valor absoluto menor do que e, E foi esse elemento que fez

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94 Capítulo 3: Séries Infinitas

a soma Sj ultrapassar o número S, seja para a direita ou para a esquerda, desorte que ISj - SI < lanj I· Assim, podemos concluir que

j > J => Isj - SI < e,

e isso completa a demonstração do teorema.

Deste último teorema e do Teorema 3.19 segue facilmente o corolário queenunciamos a seguir.

3.24. Corolário. Uma condição necessária e suficiente para que uma sérieseja comutativamente convergente é que ela seja absoZ.utamente convergente.

Os resultados sobre séries aqui discutidos são os mais freqüentemente usa-dos. Porém, muitos outros existem, principalmente testes de convergência.

ExercíciosVerifique, em cada um dos exercícios seguintes, se a série dada é convergente; e, em sendo, seabsoluta ou condicionalmente. i') ~' ::. ~~

~ cos 3n; 5)~(-:,l}"n;~n2+1 ~ n-+ln=l t n::;l ~

3. f (~~f'; ~ f:::-sellk;s ~ 2+= n -, G) i"!,-:~"-n1;. n~l ,fo(2 + ,fo) , ~ . n~l

I:oo(-w. ~7. ,log n

n=2

00 [2n _ (-3)"J9. L (2n)! - n! ;

n:::::;l

oo (n!)211. I: (2n)! cos n;

n=lI:""(2n)!(cos n).

12. ,(n!)3

n=l

Notashistóricas e· complementares

A origem das séries infinitasA possibilidade de representar funções por meio de séries infinitas, particularmente séries depotências, foi percebida desde o início do desenvolvimento do Cálculo no século XVII, tendo-seconstituído num dos mais poderosos estímulos a esse.desenvolvimento.

Page 101: Análise para  Licenciatura G,Ávila completo

Capítulo3: SériesInfinitas!?;

i\[as as senes infinitas são conhecidas desde a antiguidade. A primeira a ocorDHistória da Matemática é uma série geométrica de razão 1/4, que intervém no cálculo daárea da parábola, fcito por Arquimcdes. Seguindo a tradição grcgn de evitar o infinito, pelasdificuldades lógicas que esse conceito pode trazer ern seu bojo, Arquirnedes não sorna todos ostermos da referida série; ele observa que a soma de urna certa quantidade à reduzida de ordemn produz uma quantidade independente de n, que é a soma da série.2

Depois dessa ocorrência de uma série geométrica num trabalho de Arquimedes. as sériesinfinitas só voltariam a aparecer na Matemática cerca de 1.500' anos mais tarde, no séculoXIV. Nessa época havia um grupo de matemáticos na Universidade de Oxford que estudava acinemática, ou fenômeno do movimento. Foi esse estudo que levou à reconsideração das sériesinfinitas. E foi então que se descobriu que o termo geral de uma série pode tender a zero semque a série seja convergente. Isto OCorreu em conexão com a série harrnônica e a descobertafoi feita por Nicole Oresme, de quem falaremos logo adiante.

A divergência da série harmônica

A divergência da série hnrmônicn (! IIIIl fato not.ivcl, que jruuais seria descoberto cx pcriurcu-talmente. De fato, se fôssemos capazes de somar cada termo da série em urn segundo detempo, como um ano tem aproximadamente 365,25 x 24 x 60 x 60 = 31.557.600 segundos,nesse período de tempo' seríamos capazes de somar a série até n = 31.557.600, obtendo paraa soma um valor pouco superior ti 17j ~In 10 anos a soma chegaria a pouco mais de 20; em100 anos, a pouco mais de 22. Como se vê, esses números são muito pequenos para indicardivergência da série; não somente isso, ma.' depois de 100 anos já esturfamos somando algomuito pequeno, da ordem de 3 x 10-9. É claro também que é impossível efetuar essas somaspara valores tão grandes de n.

Vamos fazer mais .urn exercício de .imaginação. Hoje em dia temos computadores muitorápidos, e a tecnologia está produzindo máquinas cada vez mais rápidas. Mas isso tem umlimite, pois, como sabemos, nenhum sinal tísico pode ser transmitido com velocidade superiorà da luz. Portanto, nenhum computador poderá efetuar urna soma em ternpo inferior a 10-23

segundos, que é o tempo gasto pela luz para' percorrer distância igual ao diâmetro de um elétron.Pois bem, com tal computador, ern um ano, mil anos e um bilhão de anos, respectivamente,poderíamos somar tenTIOS em números iguais a

315.576 X 102." 315.576 x 1028 e 315.576 x 103.'.

E veja os resultados aproximados que obteríamos para a soma da série harmônica, em cadaum desses casos, respectivamente:

70,804, 77,718 e 91, 52,:3.

Imagine, finalrnente, que esse computador estivesse ligado desde a origem do universo, há 16bilhões de anos. Ele estaria hoje obtendo o valor aproximado de 9.J.,2990 para soma da sérieharmônica, um número ainda muito pequeno para fazer suspeitar que a série diverge.

~ Mas como se chega ao número 94,299, se o (idealizado) computador mais rápido quese possa construir deveria ficar ligado durante 16 bilhões de anos?

Sim, não há como fazer essa soma, mas existem métodos que permitem substituir a sornaSn dos n primeiros termos da série por uma expressão matemática que aproxima S« e que

2Veja nosso artigo na Revista Matemática Universitária, .\iº 4, Dezembro de 1986.

Page 102: Análise para  Licenciatura G,Ávila completo

96 Capítulo 3: Séries InHnitas

pode ser calculada numericamente; e os matemáticos sabem disso há mais de 300 anosl. ..3

Nicole Oresme e a série de Swineshead

Nicole Oresme (1325-1382) foi um destacado intelectual em vanos ramos do conhecimento,como Filosofia, Matemática, Astronomia, Ciências Físicas e Naturais. Além de professor uni-versitário, Ores me era conselheiro do rei, principalmente na área de finanças públicas; e nessafunção revelou-se um homem de larga visão, recomendando medidas monetárias que tiveramgrande sucesso na prática. Ao lado de tudo isso, Ores me foi também bispo de Lisieux.

Ores me mantinha contato com o grupo de pesquisadores de Oxford e contribuiu no estudode várias das séries estudadas nessa época. Uma dessas séries é a seguinte:

1 2 3 ~ nS = 2" + 4" + "8 + ... = D 2n '

n=l

Essa sene foi considerada, por volta de 1350, por Richard Swineshead, um dosmatemáticos de Oxford. Ela surge a propósito de um movimento que se desenvolve durante ointervalo de tempo [O, 1] da seguinte maneira: a velocidade permanece constante e igual a 1durante a primeira metade do intervalo, de zero a 1/2: dobra de valor no segundo subintervalo(de duração 1/4), triplica no terceiro subintervalo (de duração 1/8), quadruplica no quartosub- intervalo (de duração 1/16) etc. Como Se vê, a soma da série assim construida é a somados produtos da velocidade pelo tempo em cada um dos sucessivos sub-intervalos de tempo erepresenta o espaço total percorrido pelo móvel (Fig. 3.1a).

Swineshead achou o valor 2 para a soma através de um longo e complicado argumentoverbal. 'fv{aistarde, Orcsme, deu urna explicação goornétric« hastnutc intcrexxautc para a SOlllil

da série. Observe que essa sorna-é igual à área da figura formada com uma infinidade deretângulos verticais, como ilustra a Fig. 3.1a. O raciocínio de Swineshead, combinado com ainterpretação geométrica de Oresme, se traduz simplesmente no seguinte: a soma das áreasdos retângulos verticais da Fig. 3.1a é igual à soma das áreas dos retângulos horizontais daFig. 3.1b. Ora, isso é o mesmo que substituir o movimento original por uma sucessão infinitade movimentos, todos com velocidade igual à velocidade original: o primeiro no intervalo detempo [O, 1]; o segundo no intervalo de tempo [1/2, 1]; o terceiro no intervalo [3/4, 1); e assimpor diante. Vê-se assim que o espaço percorrido (soma das áreas dos retângulos da Fig. 3.1b)é agora dado pela soma da série geométrica

001 1 1. ,,1S = 1+ 2 + 4" + "8 + ... = D 2n .

n=O

Isso permite obter a soma da série original, pois sabemos somar uma série geométrica; no casodesta última o valor é 2.Hoje em dia a maneira natural de somar a série de Swineshead é esta:

12:00n-1 12:00n S= 1+ - -- = 1+ - - = 1+ -,2 2n-1 2 2n 2n=2 n=l

30 leitor curioso pode ver a explicação desses métodos em nosso artigo na RevistaMatemática Universitária, Nº 19, Dezembro de 19%.

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Capítulo 3: Séries Infinitas 97

-

II

I

III

(o) rhJFig. 3.1

donde S = 2. Deixamos ao leitor a tarefa de interpretar esse procedimento em termos doraciocínio de Swineshead e Oresme.

As séries infinitas, como dissemos acima, tiveram um papel importante no desenvolvi-mento do Cálculo, desde o início desse desenvolvimento no século XVII. ~Ias foi no séculoXIX que as idéias de convergência e somas infinitas atingiram plena maturidade, e isso devido,principalmente, ao trabalho de Cauchy, de que falaremos a seguir.

Cauchy e as séries infinitas

Augustin-Louis Cauchy (1789-1857) é a figura mais. influente da Matemática na França desua época. Como professor da Escola Politécnica ele escreveu vários livros didáticos, bastanteinovadores, por .isso mesmo tiveram grande influência por várias décadas. O primeiro desseslivros é o Cours d'Analyse de 1821,cujo capítulo VI é dedicado às séries, econtém quase todosos resultados que discutimos no presente capítulo. É também aí que aparece o critério deconvergência que viria ser chamado "de Cauchy", formulado nos seguintes termos:

"... para que a série tio, Ul, U21 ••• UnI Un+l, &c ... seja convergente, é necessário esuficiente que valores crescentes de n façam convergir indefinidamente a soma Sn = liO + lil +li2 +&c ... +Un-l para um valor fixo s: em outras palavras, é necessário e su.ficiente que, paravalores infinitamente grandes do número n, as somas Sn, Sn+l, Sn+2, &c ... difiram da somaS, e por conseqüência entre elas, por quantidades infinitamente pequenas,"

O pouco mais que Cauchy escreve em seguida sobre esse critério nada acrescenta de subs-tância, apenas esclarece ser [... necessário e suficiente} "que, para valores crescentes de n, assornas das quantidades UnI Un+t, Un+2. &c._ .. tomadas, a partir da primeira, tantas quantasse queiram, resultem sempre em valores numéricos inferiores a todo limite prescrito."

Ao contrário de Bolzano, Cauchy sequer acena com uma demonstração - parece julgá-Iadesnecessária -, limitando-se a usar esse critério para provar que a série harmônica é divergentee que a série alternada 2:( = l ]" /n é convergente. No primeiro caso ele observa que

1 1 1 1S2n- Sn = n + 1 +' n + 2 + ... + 2n > 2'

donde conclui que a série é divergente. No segundo caso o raciocínio é o seguinte, supondom > n: se m - n for ímpar,

1 (1 1)ISn-Sml=-- ---n+l n+2' n+3

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9 Capítulo 3: Séries Infinitas

e se m - n for par,

ISn _ Sml = _1__ (_1 1_·) _ ... _ (_1 1_· )n+1 n+2 n+3 m-2 m-1 m

Em qualquer desses casos, ISn - Sml < l/n, o que prova a convergência desejada. É fácilverificar que esse último raciocínio se aplica também à série alternada 2:( -l)"an, onde (an)

é uma seqüência nula não crescente. Aliás, a convergência dessa série já era sabida de Leibniz(1646-1716), que lhe faz referência numa carta de 1713, o que explica atribuir-se a ele o testedado no Teorema 3.21 (p. 92).

Essas são as únicas aplicações em que Cauchy utiliza seu critério de convergência,podendo-se então dizer que tal critério não teria feito falta alguma a Cauchy. Sua importânciasó se faria sentir mais tarde, no final do século, no trato de importantes problemas de apro-ximação, em equações diferenciais e cálculo de variações.

Embora, como dissemos, o trabalho de Cauchy tenha tido influência decisiva no desen-volvimento e consolidação do estudo da convergência das séries no século XIX, esse desen-volvimento vinha desabrochando desde o final do século anterior. E a esse respeito devemosrnencionar aqui o importante trabalho de urn ilustre autor português, José Anastácio da Cunha.As séries infinitas são discutidas no capítulo IX ("livro" IX) de sua obra "Princípios Mathe-maticos' , onde se pode identificar uma verdadeira antecipação de muitas das idéias de Cauchye seus contemporâneos, inclusive o "critério de convergência de Cauchy" .•

"Veja o artigo de J. F. Queiró na Revista Matemática Universitária, Nº 14, Dezembro de1992.

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Capítulo 4

FUNÇOES, LIMITE E

CONTINUIDADE

o conceito de função

O leitor já encontrou o conceito de função em seus estudos anteriores, sobretudonas disciplinas de Cálculo. Tendo em conta a importância desse conceito numcurso de Análise, vamos retorná-lo aqui, começando com alguns aspectos de suaevolução histórica a partir do século XVII. Nessa época, com o aparecimento daGeometria Analítica, muitos problemas matemáticos eram convenientementeformulados e resolvidos em termos de variáveis ou incógnitas que podiam serrepresentadas em eixos de coordenadas.

Fig.4.1

o

Consideremos, como exemplo, o problema de traçar a reta tangente a umadada curva (Fig. 4.1). Kesse problema intervêm várias grandezas, como aordenada do ponto de tangência T, os comprimentos da tangente OT, da sub-tangente OA, da normal TN e da subnorrnal AX. E as investigações giravamem torno de equações envolvendo essas várias grandezas, as quais eram enca-radas como diferentes variáveis ligadas à curva, em vez de serem vistas comofunções separadas de uma única variável independente. Mas, aos poucos, umadessas variáveis - no caso, a abscissa de T - foi assumindo o papel do quehoje chamamos a variável independente

A palavra "função" foi introduzida por Leibniz (1646-1716) em 1673, justa-mente para designar qualquer das várias variáveis geométricas associadas comuma dada curva. Só aos poucos é que o conceito foi-se tornando independentede curvas particulares e passando a significar a dependência de uma variável

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100 Capítulo 4: Funções, limite e continuidade

em termos de outras. Mas, mesmo assim, por todo o século XVIII, o conceitode função permaneceu quase só restrito à idéia de uma variável (dependente)expressa por alguma fórmula em termos de outra ou outras variáveis (indepen-dentes).

Essa idéia de função, todavia, revelou-se inadequada a partir do momentoem que os matemáticos começaram a definir funções pelos processos infinitos doCálculo. Por exemplo, uma função pode ser definida pela fórmula

00 (_I)n+lf(x) = L sennx,

n=l nMas prova-se que a soma dessa série é

xf(x)="2 se -7r<X<7r; f(-7r)=f(7r)=O.

Faça um gráfico desta última função e repare em seu aspecto tipo "serra", comdescontinuidades nos pontos x = n7r. No entanto, a série inicial que a definetem um aspecto de muita regularidade, pela regularidade de seus termos, todoscom gráficos contínuos, sem qualquer ruptura. Foi o processo de soma infinitada definição inicial que fez surgir uma fórmula nova para definir a função, bemcomo as descontinuidades do gráfico.

Exemplos como esse que acabamos de dar deixavam claro que o conceitode função-dado por uma fórmula era inadequado. A definição mais geral defunção que utilizamos hoje e que é dada logo a seguir, evoluiu principalmentedos trabalhos de Fourier e Dirichlet no século XIX, e sobre os quais falaremosmais em nota no final do capítulo.

4.1. Definição. Uma função f: D.f-+ Y é uma lei que associa elementosde um conjunto D, chamado o domínio da função, a elementos de um outroconjunto Y, chamado o contradomínio da função.

Em geral, o contradomínio é um conjunto fixo, o mesmo para toda umaclasse de funções sob consideração, não acontecendo necessariamente que todoelemento de Y corresponda a algum elemento do domínio pela ação da funçãoque esteja sendo considerada. Já com o domínio a situação é diferente, pois cadafunção tem seu domínio próprio, e todos os elementos do domínio são objeto deação da função.

Em nosso estudo estaremos interessados tão-somente em funções cujosdomínios sejam subconjuntos dos números reais, principalmente intervalos dosvários tipos considerados logo no início do Capítulo 2. O contradomínio serásempre o mesmo, o conjunto dos números reais.

Terminologia e notação

Costuma-se denotar com f(x) o elemento que uma função f associa ao elemento

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Capítulo 4: Funções, limite e continuidade 101

z . Escreve-se:j : xEDt-->y=/(x),

significando com isso que y é a imagem de x pela [: Outro modo consiste emidentificar a função com seu gráfico, que é o conjunto / = {(x, /(x)): x E D}.

É muito comum dizer "seja a função y = /(x)", em cujo caso estarnos usandoo próprio símbolo y = / (x) para denotar a função /, embora com certa impro-priedade, pois /(x) é o valor da função num valor particular de D. Portanto,quando essa notação é usada, deve-se entender que x denota qualquer valor nodomínio D, por isso mesmo chama-se variável de domínio D, a chamada variávelindependente. 1/ é a imagem de x pela função f, a chamada uaruiuel dependente.

O conjunto de todos os valores da função,

Ij = {y = /(x): x E D},

é chamado a imagem de D pela i, e freqüentemente indicado por / (D). De ummodo geral, sendo A um subconjunto de D, define-se a imagem de A mediantea expressão

/(A) = {/(x): x E A}.

Para caracterizar uma função não basta prescrever a lei .de correspondênciaI, é necessário também especificar seu domínio D. Frequentemente as funçõessão dadas por fórmulas algébricas 011 analíticas, como

Mas nem sempre é assim; teremos oportunidade de lidar com funções dadas porleis bem gerais, que não se enquadram nessas categorias.

Muitas vezes o domínio de uma função não é mencionado, ficando subenten-dido tratar-se do maior conjunto para o qual a expressão que define a funçãofaz sentido. Assim, nos dois primeiros exemplos acima, o domínio é o conjuntode todos os números reais, enquanto no último é o sem i-eixo x > l.

Uma função f com domínio D é dita limitada à esquerda ou limitada infe-riormente se existe um número A tal que A ::; f(x) para todo x E D; e limitadaà direita ou limitada superiormente se existe um número B tal que f(x) ::; Bpara todo x E D. .Urna função que é limitada à direita e à esquerda ao mesmotempo é dita, simplesmente, limitada; é claro que isso equivale a dizer que existeum número M tal que 1/(x)l::; AI para todo x E D.

Diz-se que uma função 9 é extensão de uma função /, ou que / é restriçãode g, se o domínio de / está contido no domínio de 9 e as duas funções coinci-dem no domínio de I. As operações sobre funções, como adição, multiplicação,divisão etc., são definidas de maneira óbvia, em termos das mesmas operações

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ções sobre as quais se faz-em essas operaçõeso !IleiIDO domínio; e se não for esse o caso, é necessário restringir

6=~JS ao co junto interseção dos domínios das funções envolvidas. Por~=~_l!o, embora a função f(x) = x2 esteja definida para todo. z real, o produto:; ts: =;::2 x é uma função com domínio x· 2: O, o mesmo da função h(x) = ,jX.

"ários ipos de função

Sejam f e 9 duas funções, com domínios Df e Dg, respectivamente. Suponhamosque g(Dg) C Df; assim, qualquer que seja x E Dg, g(x) E Df e podemosconsiderar f(g(x)). A função h : x >-+ j(g(x)), com domínio Dg, é chamadaa composta das funções f e g, freqüentemente indicada com o símbolo "fog".Por exemplo, h(x) = G-=-I é função composta das funções f(x) = ,fi eg(x) = x2 - 1. Como o domínio de f é o serni-eixo x 2: O, o domínio de h é oconjunto dos números x tais que Ixl 2: l.

Diz-se que uma função f: D f-t Y é injetiva ou invertível se

x =f. x' => f(x) =f. f(x').

Isso é o mesmo que afirmar: f(x) = f(x') => X = x'; e significa que cadaelemento y da imagem ele f provém ele um único elemento x no domínio elef: y = f(x). Isso nos permite definir a chamada função inversa da função I,frequentemente indicada com o símbolo j-l , que levaj, E j(D) no elementox E D tal que j(x) = y. É fácil ver então que j-l(j(x)) = z para todo x D ej(j-l(y)) = Y para todo y E j(D).

Diz-se que uma função f: D >-+ Y é sobrejetiva se j(D) = Y. Uma fun-ção que é ao mesmo tempo injetiva e sobrejetiva tem inversa definida em todoo conjunto Y. Ela estabelece assim uma correspondência entre os elementosx E D e os elementos y = j(x) E Y, que é chanada correspondência biuníuoca,justamente por ser unÍ'uoca nos dois sentidos: cada elemento em D tem ume um só correspondente em Y pela j; e cada elemento de Y tem um e um sócorrespondente em D pela inversa j -1. Uma função nessas condições é chamadauma bijeção ou função bijetiva. É claro que toda função injetiva é uma bijeçãode D sobre j(D).

Diz-se que uma função j definida num intervalo é crescente se x < z' =>f(x) < j(x'); decrescente se x < x' => j(x) > f(x'); não decrescente se x <x' => j(x) ~ j(x') e não crescente se x < x' => f(x) 2: j(x'). Em todos essescasos j é chamada função monótona.

Diz-se que j é uma função par se seu domínio D é simétrico em relação áorigem (isto é, x E D {o} -x E D) e j(-x) = j(x); j é função ímpar se odomínio é do mesmo tipo e j(-x) = -j(x).

Dada uma função f: DI-> Y e B um subconjunto de Y, define- se f-l(B)

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Capítulo 4: Funções, limite c continuidade 103

(mesmo que f não seja invertível) mediante

r1(B) = {x E D: f(x) E B}.

Exercícios

1: Considere a função f(x) = sen(l/x), definida para todo x # o. Estude seu gráfico, notandoparticularmente o comportamento da função quando [z] torna-se arbitrariamente grandeou próximo de zero. Determine os pontos onde f se anula.

2. Faça o gráfico das funções f(x) = xse"n(l/x) e g(x) = x2sen(1/x), que estão definidas paratodo x # O.

3. Considere a seguinte função, conhecida como junção de Dirichlet: f(x) = 1 se x é racionale j(x) = Ose x é irracional. Descreva a função g(x) = f( .;x).

4. Se! é a função de Dirichlet, descreva o conjunto {x: !(x) :s; x}. Descreva também o con-junto {x: f(x) :s; x2}.

5. Prove que toda função crescente (decrescente) é invcrttvel e sua inversa é crescente (decres-cente).

6. Defina convenientemente o domínio de cada uma das função seguintes, de forma que elassejam invertfveis e calcule suas inversas:

a) f(x) = x2 - 2x - 3; b) f(x) = _x2 + X + 2;

d) f(,:) = - V'I - :1:2•

7. Faça o gráfico da função y = J x. . Prove que sua imagem é o intervalo Iyl < 1. Provex2 + 1

que ela é injetiva, provando que y = y' =l- x = x'. Calcule sua inversa.

8. Prove que toda função com domínio simétrico em relação à origem decompõe-se de maneiraúnica na soma de uma função par com uma função ímpar.

9. Se f·é uma função com domínio D e A e B são subconjuntos de D, prove que f(A U B) =f(A)uf(B) e j(AnB) C f(A)nf(B). Dê um contra-exemplo para mostrar que f(AnB)pode ser diferente de f(A) n f(B). prove que a última inclusão é a igualdade se f forinjetiva.

10. Prove, de um modo geral, que quaisquer que sejam a função f com domínio D e (Ai)~luma seqüência enurncrável de subconjuntos de D, valem as seguintes relações:

Prove ainda que esta última inclusão é a igualdade se f for injetiva.

11. Prove que se f: D •....•Y é uma função qualquer e B um subconjunto de Y, então f-l(y-B) = D - r'(B).

12. Sejam f: D •....•Y uma função qualquer e A e B subconjuntos de Y. Prove que

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10-! Capítulo 4: Funções, limite e continuidade

13. Generalize o resultado anterior, provando que

onde f: D •....•Y é uma função qualquer e (Ai)~l é uma seqüência enurnerável de subcon-juntos de Y.

14. Prove que se f: D •....•Y é injetiva e AC D, então f-l(J(A)) ~ A. Mostre, por contra-exemplo, que isso não é necessariamente verdade se f não for sobrejetiva.

15. Prove que se f: D •....•Y é sobrejetiva e B C Y, então nr: B)) = B. Mostre, porcontra-exemplo, que isso não é necessariamente verdade se f não for injetiva.

16. Se f é uma função qualquer, seja Ifl a [unção rnódulo, assim definida: IJI(x) = If(x)l.Dadas duas funções f e g, com o mesmo domínio, expresse

(max{J, g})(x) = max{J(x), g(x)} e (min{J, g})(x) = min{J(x), g(x)}.

em termos da função módulo.

17. Seja f uma função com domínio D. Por sup o l . sup f(x), ou simplesmente sup f, designa-xED

se o supremo do conjunto f(D) = {J(x): x E D}; e analogamente para infD [, J~bf(x),

ou inf f. Sendo f e 9 funções limitadas num domínio D, prove que

sup(J+g):<;supf+supg e inf(J+g);:::inff+infg.

Dê exemplos mostrando que os sinais de desigualdade podem ser estritos ou não.

is. Seja f uma função limitada num domínio D.A oscilação de [ ern D, denotada por w ou,mais precisamente, w(J, D), é definida porw = AI - m, onde AI = sup'! e m = ··inff.Proveque w = sup A, onde A = {J(x) - f(y): X E D, y E D}.

Sugestões e soluções

1. Essa função é estudada detalhadamente em nosso livro Cálculo 1.

3. 1\OS pontos x da forma (pjq)2, com p e q primos entre si, onde ela é 1.

8 f(~) _ f(x) + [( -x) + f(x) - f( -x). - 2 2·

9. Com referência à inclusão, se y·E f(AnB), y = f(x), com x E AnB, logo y E f(A)nf(B).Pode acontecer que um certo y esteja em f(A) n f(B) sem estar em f(A n B). Para issobasta que y seja igual a f(a) e igual a f(b), com a E A e b E B, sem que haja um c E A nBtal que y = [(e). Dê um exemplo concreto dessa situação.

11. Observe que x E f-l(y - B) => f(x) E Y e j(x) f/:. B; e que isto implica x E D ex ri. f-l(B). Observe também que essas implicações são reversíveis.

16. max{J, g} = f +g ~IJ - gl e expressão análoga para min{J, g}.

17. Observe que (J + g)(D) = {J(x) + g(x): x.E D} C f(D) + g(D).e aplique o resultado dosExercs. 15 e 18 da p. 36: Ou, então, observe que, qualquer que seja x E D,

inf f + inf 9 :5 inf j + g(x) :<; f(x) + g(x) e f(x) + g(x) :<; sup [+ g(x) :<; supf + supg.

18. É claro que sup A :<; w. Por outro lado, dado qualquer é > 0, existem x e y em D tais quef(x) > M - éj2 e f(y) < m + éj2, donde f(i) - j(y) > w - é; e isso prova que w :5 supA.

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Capítulo 4: Funções, limite e continuidade 105

Limite e continuidade,primeiras definições

Sempre que falarmos em "número" sem qualquer qualificação, entederemostratar-se de um número real. Como os números reais são representados porpontos de uma reta, através de suas abscissas, é costume usar a palavra "ponto"em lugar de "número"; assim, "ponto x" significa "número x".

Já definimos "vizinhança t:" de um ponto na p. 48. De um modo geral, vizi-nhança de um ponto é qualquer conjunto que contenha a internamente. Mas, amenos que o contrário seja dito explicitamente, "vizinhança" para nós significarásempre um intervalo aberto. Em particular, dado e > O, o intervalo Ve(a) =(a -t:, a +0:) é uma vizinhança de a, chamada naturalmente vizinhança simétri'cade a, ou vizinhança E: de a. Às vezes interessa considerar uma vizinhança E: de a,excluído o próprio ponto a, a chamada vizinhança perfurada. Vamos denotá-IaV;(a): '

V;(a) = Vó(a) - {a} = {x: O < Ix - ai < e}.

Diz-se que um número a é ponto de àcumulação de um conjunto C se todavizinhança de a contém infinitos elementos de C. Isso equivale a dizer que(Exerc. 1 adiante) toda vizinhança de a contém algum elemento de C diferentede c ; ou ainda, dado qualquer E: > O,V;(a) contém algum elementodeC.

Um ponto de acumulação de umconjunto pode ou não pertencer ao conjunto;por exemplo, os extremos a e b de Ulll intervalo aberto (a, b) são pontos deacumulação desse intervalo, mas não pertencem a ele. Todos os pontos dointervalo também são seus pontos de acumulação e pertencem a ele.

Um ponto x de um conjunto C diz-se isolado se não for ponto de acumulaçãode C. Isso é equivalente a dizer que existe E: > O tal que V;(x) não contémqualquer elemento de C. Chama-se discreto todo conjunto cujos elementos sãotodos isolados. O conjunto

'{ 1 2 3A = 2' 3' 4'

n...}

n+1

é discreto, pois seus pontos são todos, isolados, e seu único ponto de acumulaçãoé o número 1, que não pertence ao conjunto.

Vamos introduzir uma noção referente a dois conjuntos A e B, que é utilizadacom freqiiência quando A C B, embora esta condição não seja necessária nadefinição que vamos dar.

Diz-se que um conjunto A é denso num conjunto B se todo ponto de B quenão pertencer aA é ponto de acumulação de A. Dito de outro modo, todo pontode B ou já está em A ou é ponto de acumulação de A, de sorte que se juntarmosa A seus pontos de acumulação, o conjunto resultante conterá B. Em particular,A ser denso em R significa que todo número real é ponto ele acumulação de A.

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106 Capítulo 4: Funções, limite e continuidade

Por exemplo, o conjunto Q é denso em R; também é denso em R o conjuntodos números irracionais.

As definições de limite e continuidade

Historicamente, o conceito de limite é posterior ao de derivada. Ele surge danecessidade de calcular limites de razões incrementais que definem derivadas. Eesses limites são sempre do tipo O/O. Por aí já se vê que os exemplos interessantesde limites devem envolver situações que só começam a aparecer num curso deCálculo depois que o aluno adquire familiaridade com uma classe razoável defunções. Aliás, os primeiros limites interessantes a ocorrer nos cursos de Cálculosão os das funções

senx 1'-: cosx

x x(4.1)-- e

com x tendendo a zero. Isso acontece no cálculo da derivada da função y =sen x. Mais tarde, no estudo das integrais impróprias, surge a necessidade deconsiderar limites de funções como

lx sen t--dt

o vT=t ' (4.2)

com x tendendo a l.Observe que.em todos esses casos e outros parecidos,· a variável x deve »Ó:

aproximar um certo valor, sem nunca coincidir com esse valor; e que o valor doqual x se aproxima deve ser ponto de acumulação do domínio da função. Essasobservações ajudam a bem compreender a definição que damos a seguir.

4.2. Definição. Dada uma função f com domínio D, seja a um ponto deacumulação de D (que pode ou não pertencer a D). Diz-se que uni número Lé o limite de f(x) com x tendendo a a se, dado qualquer é> O, existe 8 > O talque

x E D, O < Ix - ai < 8 * If(x) - LI < é. (4.3)

Para indicar isso escreve-se

lim f(x) = L, limx_a f(x) = L, f(x) -> L com x -> a,x-a

ou limf(x) = L, omitindo a indicação "x -> a" quando for óbvia.A condição (4.3) pode ainda ser escrita das seguintes três maneiras equiva-

lentes: .x E V';(a) n D * If(x) -LI < é,

x E V';(a)nD * L -é < f(x) < L+é,

X E V';(a)n *f(x) E V.,(L):

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· Capítulo 4: Funções, limite e continuidade 107

A Definição 4.2 costuma ser chamada a definição e-/5 de limite, por razõesóbvias. Há uma outra maneira equivalente de definir limite, a chamada definiçãosequencial de limite, caracterizada no Teorema 4.10 adiante.

A exclusão do ponto x = a na definição de limite é natural, pois o limite Lnada tem a ver com o valor f(a), como vemos pelos muitos exemplos concretos.como em (4.1) e (4.2). O conceito de limite é introduzido para caracterizar ocomportamento da função f (x) nas proximidades do valor a, porém mantendo-sesempre diferente de a. Assim, podemos mudar o valor da função no ponto comoquisermos, sem que isso mude o valor do limite, e é assim mesmo que deve ser.Agora, se a função já está definida em a, e seu valor aí coincide com seu limite.então ocorrerá a continuidade no ponto. É por isso mesmo que, quando a funçãoainda não está definida, mas tem limite num ponto a, costuma-se defini-Ia nesseponto como send'~'o valor do limite. É o que fazemos em exemplos como (4.1)e (4.2).

Sempre que lIOS referirmos ao limite de uma função com J; -t a deve-seentender que a é ponto de acumulação do domínio da função, mesmo que isso nãoseja dito explicitamente. E entendemos também que fl. seja ponto de acumulação

do domínio D dafunção j , ao investigarmos se f é contínua nesse ponto.

4.3. Definição. Diz-se que a função f é contínua no ponto x = a se existiro limite de f(x) com x tendendo a a e esse limite for igual a f(a); e diz-se quef é contínua em seu domitiio, ou contínua, simplesmente, se ela for continuaem todos os pontos desse domínio.

Propriedades do limite

4.4. Teorema. Se uma função f com domínio D tem limite L com x -t a.então If(x)1 tem limite IL I. Em particular} se f é continua em x = a, entãoIf(x)1 também é contínua nesse ponto, isto é, lill1x_a If(x)1 = If(a)l·

Para a demonstração, observe que Ilf(x)l- ILII ::; If(x) - LI. Por hipótese.dado e > O, existe /5 > O tal que x E V;(a) n D =? If(x) - LI < e . Portanto.teremos também x E V;(a) n D =? Ilf(x)1 - ILII < e . como queríamos provar.

4.5. Teorema. Se uma junção f com domínio D tem limite L com x -t a.e se A < L < B, então existe /5>0 tal que x E V;(a)nD =? A < f(x) < B.

Demonstração. Como na demonstração do Teorema 2.6 (p. 52), basta tomare < min{L - A, B - L}; o /5 que for determinado em correspondência a esse =satisfará a condição do teorerna, pelas mesmas razões explicadas na demonstra-ção do Teorema 2.6.

4.6. Corolário. Se uma função f com domínio D tem limite L com x -t a.

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108 Capítulo 4: Funções, limite e continuidade

então existe 8 > O tal que f(x) é l'imitada em Vó(a) n D.

A demonstração é imediata, considerando, por exemplo, A = L-I e B =L + 1 no teorerna anterior,

4.7. Corolário (permanência do sinal). Se uma função f com domínioD tem limite L =f. O com x -+ a, então existe 8' > O tal que, x E Vó(a) n D =}

f(x) > L/2 se L > O e f(x) < L/2 se L <O; ou seja, If(x)1 > ILI/2 em ambosos casos.

Para a demonstração, se L > O faça A = L/2 no teorema; e se L < Ofaça B = L/2. Este resultado é conhecido como o teorema da permanência dosinal, justamente porque, numa vizinhança do ponto a, a função permanece como mesmo sinal de L, Porém, mais do que permanência do sinal, é importanteobservar que a função permanece afastada de zero, ou seja, If(x)1 > ILI/2 emVó(a) nD. Observe a utilização deste resultado na demonstração do item d) doteorerna seguinte.

4.8. Teorema. Se duas funções f e 9 com o mesmo domínio D têm limitescom x -+ a, então (Nos limites indicados a seguir, é claro, x -+ a.)

a) f(x) + g(x) tem limite e lim[J(x) + g(x)] = limf(x) + limg(x);b) sendo k constante, kf(x) tem limite e lim[kf(x)] = k ·limf(x);c) f(x)g(x) tem limite e lim [J(x)g(x)]= limf(x) .limg(x);d)se, além das hipóteses feitas, limg(x) =f. O, então f(x)/g(x) tem limite e

lim f(x) = lim f(x).g(x) limg(x)

Demonstração. Vamos demonstrar apenas o item d), deixando os demais acargo do leitor, já que as demonstrações de todos eles são inteiramente análogasàs do Teorema 2.8 da p. 52,

Sendo L =f. O o limite de g, vamos provar que l/g(x) -+ l/L com x -+ a. Oprocedimento é o mesmo da demonstração dada para o item d) do Teorema 2.8.Dado qualquer I': > O, sabemos que existe 8 > O tal que .

(4.4)

Se necessário, diminuimos o ó de maneira a termos também, de acordo com oCorolário 4.7,

x E Vó(a) n D =} Ig(x)1 > ILI/2. (4.5)

Então, com x E Vó(a) n D, teremos

11 11 Ig(x)-LIg(x) - L = ILg(x)1

I':L2 I':L2 2< 2ILg(x)1 < -2- . L2 = 1':,

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Capítulo 4: Funções, limite e continuidade 109

e isso completa a demonstração.

Se g(x) tende a zero e f(x) tem limite diferente de zero, então o quocientef(x)/ g(x) pode tender a ±oo (limites infinitos serão tratados mais adiante),tudo dependendo do comportamento particular de f e g. Quando f(x) e g(x)tendem ambas a zero, o quociente f(x)/g(x) pode ter limites os mais variados,dependendo novamente do comportamento particular de 'f e g. Trata-se aquide um tipo de "forma indeterminada", muito estudada nos cursos de Cálculo,principalmente em conexão com a chamada "regra de l'Hôpital".

4.9. Corolário. Se f e 9 são funções contínuas em x = a, então sãotambém contínuas em x = a as funções J + g, Jg e kJ, onde k é uma constanÚqualquer; e é também contínua em x = a a função Il». desde que g(a) =I-O.

o teorema seguinte permite definir limite de uma função em termos de limitede seqüências, urna definição equivalente à Definição 4.2.

4.10. Teorema. Uma condição necessária e suficiente para que uma -jun-ção f com domínio D tenha limite L com x --> a é que, para toda seqüênciaXn E D - {a},xn --> a, se tenha f(xn) --> L. Em particular, f é contínua numponto a se, e somente se, para toda seqüência x,nE D - {a}, Xn --> a, se tenhaf(xn) --> f(a). .

Comentário. O teorema afirma aequivalência de duas proposições A e B,que são:

Proposição A: dado qualquer e > O, existe 8 > O tal que x E V;(a) nD ~f(x) E Võ(L).

Proposição B: Xn E D - {a}, Xn --a '* f(xn) --> L.

Demonstração. Vamos provar primeiro a parte mais fácil: a condição énecessária, ou seja, A '* B. Supomos, então, que f(x) -- L com x -- a. SejaXn E D - {a}, Xn --> a; devemos provar que f(xn) -- L. Ora, dado qualquere > O, existe 8 > O tal que x E V;(a) nD '* f(x) E Võ(L). Com esse õ > Odeterminamos N tal que n > N '* Xn E V;(a); logo, n > N ~ f(xn) E V,,(L),e isso prova B.

Provaremos em seguida que a condição é suficiente, ou seja, que B ~ A.Raciocinaremos por absurdo, provando que a negação de A acarreta a negaçãode B. Vamos escrever essas negações em detalhe, já que elas são freqüentementeum tropeço para o aluno menos experiente.

Negação de A: existe um e > O tal que, qualquer que seja {j > O, sempreexiste x E V;(a) nD com f(x) ~ Võ(L).

Negação de B: existe urna seqüência Xn E D - {a}, Xn --> a, tal que f(xn)

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110 Capítulo 4: Funções, limite e continuidade

não converge para L.

Como estamos negando A, existe um E > O com o qual podemos tomarqualquer 8; tomemos então toda uma seqüência 8n = l/n. Em correspon-dência a cada um desses 8n, escolhemos e fixamos um x" E V{/n(a) n D comf(xn) ri V,,(L). Dessa maneira produzimos a negação de B, como desejávamos,pois exibimos uma seqüência Xn E D, xn =I a, xn -+ a, tal que f(x) não convergepara, L. Isso completa a demonstração do teorema.

O teorema que acabamos de demonstrar permite deduzir o Teorema 4.8 doTeorerna 2.8 (p. 52). Por exemplo, supondo que f(x) e g(x) tenham limitesF e G, respectivamente, com x -+ a, vamos provar que o limite do produtoé o produto dos limites. Seja xn E D - {a} uma seqüência convergindo paraa. Então, pela hipótese do Teorema 4,8, f(xn) -+ F e g(xn) -+ C; e, peloTeorema 2.8, f(xn)g(xn) -> FC, donde o Teorema 4.10 nos leva a concluir quef(x)g(x) -+ FC, que é o item c) do Teorema 4.8.

4.11. Corolário. Uma condição necessária e suficiente para que umafunção f com domínio D tenha l-imitecom x -+ a é que f(xn) tenha l-imite,qúalquer que seja a seqüência XII E D - {a}, x" -+ a.

Demonstração. Teneloem conta o Teorema 4.10, a única coisa que elevemosprovar é que o limite def(.rn) é o mesmo, qualquer que seja a seqüência Xn ED - {a}', _Xn .:....a. Em outras palavras, .basta provar que se tivermos eluasseqüências, Xn E D - {a}, Xn -+ a e Yn E D - {a}, Yn -+ a, então f(xn) e f(Yn)têm o mesmo limite. Sejam L' e L" esses limites, respectivamente, Devemosmostrar que L' = L". Formemos a seqüência (zn), onele Z2k = Xk e Z2k-l = Yk'

É claro que z" -+ a (Exerc. 3 ela p. 62), logo, fez,,) converge para um certonúmero L. Mas f(x,,) e J(Yn) são subseqiiências ele f(zn), logo convergem parao mesmo limite L, donde L' = L" = L, como queríamos demonstrar.

4.12. Teorema (critério de convergência de Cauchy). Uma condiçãonecessária e suficiente para que uma função f(x') com domínio D tenha limitecom x -> a é que, dado qualquer E > O, exista 8 > O tal que

x, y E Fb(a) n D => If(x) - f(Y)1 < E. (4.6)

Demonstração. Para provar que a conelição é suficiente, seja Xn E D - {a}uma seqüência qualquer, converginelo para a. Então, em virtude ele (4.6), dadoqualquer E > O, existe N tal que

n, ui > N =} If(xT!) - f(:r",)1 < e .

Pelo critério ele convergência de Cauchy para seqüências (Teorema 2.25, p. 67)segue-se que f(xT!) converge: e pelo Corolário 4.11, concluímos que f(x) temlimite, como queríamos provar.

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Capítulo 4: Funções, limite e continuidade 111

Deixamos ao leitor a tarefa de provar que a condição é necessária, que é aparte mais fácil.

4.13. Teorema (continuidade da função composta). Scjam j c 9junções com domínios Df e Dg respéctivamente, com g(Dg) C D'], Se 9 écontínua em xo e j é contínua em YO ~ g(xo), então h(x) = j(g(x)) é contínuaem Xo.

Demonstração. Pela continuidade da função j, dado qualquer E> O, existeó' > O tal que

Y E VÓI(YO)n Df =:;. Ij(y) - f(Yo)1 < E.

Analogamente, pela continuidade da função g, existe ó > O em correspondênciaa ó' tal que

x E Vó(xo} nDg =:;. Ig(x) - g(xo}1 < s'.É claro então que

x E v(ó) n Dg =:;. Ij(g(x)) - j(g(.1'o))1 < E,

que completa a demonstração.

Exercícios

1. Prove que a é ponto de acumulação de um conjunto X se e somente se dado qualquer e > Oexiste x E .'í. tal que x E V;(a).

2. Prove que o limite de uma função, quando existe, é único.

3. Verifique que a função de Dirichlet, f(x) = 1 se x é racional e f(x) = Ose x é irracional,pode ser expressa como

f(x) = lim [Iim (cosn!1Tx)2k].n-oo k-oo

4. Dê exemplo de uma função f que seja descontínua para todo x, enquanto Ifl seja semprecontínua.

5. Prove que a função f(x) = x para x racional e f(x) = -x para x irracional só é contínuaem x = O,mas If(x)1 é contínua para iodo x.

6. Prove que fi é urna função contínua em seu domínio x ~ O.

7. Prove, diretamente da Definição 4.2, que f(x) = x2 é uma função contínua em todo o seudomínio.

8. Prove que a função f(x) =sen(l/x) não tem limite com x -> O.

9. Prove que a função f(x) = 1 se x > Oe -1 se x < Onão tem limite com x -> O.

10. Prove todos os itens do Teorerna 4.8.

11. Prove o Teorema 4.8 diretamente, sem usaro Teorema 4.10.

12. Prove, diretamente da Definição 4.2, que lim _5_ = 1.x-6 X - 1

13. Prove, diretamente da Definição 4.2, que lim -=-- = ~.x-I X + 1 2

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112 Capítrdo 11: Funções, limitc c cOlltilluidade

14. Prove que um polinômio é uma função contínua em todo ponto x = a, o mesmo sendoverdade do quociente de dois polinômios, nos pontos que não anulam o denominador.

15. (Critério de confronto ou da função intercalada.) Sejam I, 9 e h três funções como mesmo domínio D, sendo I(x) :s; g(x) :s; h(x). Prove que se I(x) e h(x) têm o mesmolimite L com x -> a, então g(x) também tem limite L com x -> a.

16. Prove que se I(x) é contínua em x = a e I(x) ;:::O, então g(x) = ..;I(x) é contínua emx =a.

17. Sejam I uma função com domínio D, E C D e a um ponto de acumulação de E. Proveque se I(x) -> L com x -; a em D, o mesmo é verdade com x -> a em E. Dê um contra-exemplo, mostrando que uma função pode ter limite quando restrita a um sub-domínio Ede D e não ter limite em seu domínio D.

18. Seja I uma função contínua em toda a reta, que se anula nos racionais. Prove que I éidenticamente nula. Prove, em geral, que toda função contínua num domínio D, que sejanula num subconjunto denso de D, é identicamente nula.

Sugestões e soluções

2. Basta provar que é impossível haver dois limites distintos L e L'.

6. Observe que, sendo a > O,

1v'X - Vãl = Ix - ai < Ix - aivIx+Vã Vã'

Portanto, dado E"> O, basta tomar Ó= ó"fã para satisfazer a condição (4.3). O caso a = Oé mais simples ainda: vIx «:e $} x <: ó2.

7. Se a f. O, Ix2 - a21 = Ix + atlx - ai :s; (lxl + lal)lx - ai :s; 31atlx - ai, esta últimadesigualdade sendo verdadeira se restringirmos x de forma que [z] < 21al,O que é suficientepara acomodar x = a no intervalo (-2Ial, 21al), como bem mostra um gráfico simples. E,em conseqüência, Ix2 - a21 < ó se Ix - ai < Ó < ó/3a. Para garantir a condição [z] < 21al,notamos que Ixl = I(x - a) +ai :s; Ix - ai + [c] < Ó + [c]: portanto, devemos tomar Ó < 21al,além de ó < €/3a. O caso a = O é mais fácil: x2 < e $} Ixl < V€ = Ó.

8. Utilize o Corolário -l.Ll , seja construindo urna seqüência x" -; O tal que I(x,,) não convirja,seja construindo duas seqüências x" -> O e y" -> O tais que I(x,,) e I(y,,) tenham limitesdistintos. Outro modo seria usar a desigualdade do triãngulo para mostrar que a Definição4.2 é violada com um e < 2.

9. Proceda como no exercício anterior.

11. O procedimento é análogo ao da demonstração do Teorema 2.8 da p. 52.

12. É preciso provar que pode-se fazer _5_ -1 em módulo menor que qualquer € > O prescrito,x-I

fazendo Ix - 61< Ó. Ora,

1_5_-11-lx-61x-I - Ix - 11'

Como o x vai estar numa vizinhança Ó de 6, podemos supor {j < 1, garantindo I·r - 11> 4.Faça uma figura para ver que deve ser assim, embora tal fato precise ser provado. E paraisto usamos a desigualdade do triângulo, assim:

Ix - 11= I(x - 6) + 51;:::5 - Ix - 61> 5 - {j > 5 - 1= 4.

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Capítulo 4: Funções, limite e continuidade 113

Então,

1_5__ 11 < IX-61.x-I 4

Isto será menor do que E se fizermos Ix - 61< 4ô, donde se vê que Ó deve ser o menor dosnúmeros 4€ e 1.

13. O procedimento é análogo ao do exercício anterior. Esses dois exercícios servem parailustrar a eficácia do Teorema 4.8, mediante o qual os resultados pedidos nos Exercs. 5, 10e 11 dispensam todo esse trabalho de provar diretamente da definição de limite.

14. Use repetidamente o Teorema 4.8.

17. Como contra-exemplo considere a função f(x) = sen(l/x), que não tem limite com x -+ o.Tome, por exemplo, D' = {1/mr, n = 1, 2, 3 ... }.

Limites laterais e [unções monótonas

As definições de limite e continuidade são gerais e abrangem também os casoschamados limites à direita e à esquerda, bem como continuidade à direita econtinuidade à esquerda. Essas noções surgem quando lidamos com uma funçãoj cujo domínio só t~~ha pontos à direita ou à esquerda, respectivamente, doponto x = a, onde desejamos considerar o limite. Por exemplo, a função y =fi tem domínio x > O; podemos considerar seu limite com x -+ O segundoa definição dada, porém isso resultaránuma aproximação de x = O somentepOI' valores positivos. Daí escrevermos, para enfatizaresse fato, "x -+ O + ".Igualmente, o limite de FX com x -+ O, será um limite com "x -+ O - "

De um modo geral, sendo j uma função cujo domínio D só contenha pontosà direita de um ponto x = a, que seja ponto de acumulação de D, então o limitede j(x) com x -+ a, se existir, será um limite à direita. Ao contrário, se D sócontiver pontos à esquerda de x = a, o limite de j(x) com x -> a, se existir,será um limite à esquerda. Esses limites são indicados com os símbolos

lim j(x) ou j(a+) e lim j(x) ou j(a-),x--+a+ x-a-

respectivamente. Diz-se que j é contínua à direita (resp. à esquerda) em x = ase j está definida nesse ponto, onde seu limite à direita (resp. "à esquerda") éj(a).

Se o domínio de j contiver pontos à direita e à esquerda de x = a, devemosrestringir esse domínio aos pontos x > a ou x < a para considerarmos seuslimites" à direita" e " à esquerda" respectivamente. Evidentemente, para queisso seja possível é preciso que x = a seja ponto. de acumulação dos domíniosrestritos. Diremos que x = a é ponto de acumulação à direita do domínio Dse ele é ponto de acumulação do domínio restrito a valores x > a; e ponto deacumulação à esquerda se é ponto de acumulação do domínio restrito a: valoresx < a. Por exemplo, a função j(x) = x/lxl, que é igual a +1 se x> Oe a -1 se

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114 Capítulo 4: Funções, limite e continuidade

x < O tem limites laterais em x = O:

xlim -11 =/(0+)=1 ex-o+ x

. xlim - = 1(0-) =-l.x~o-Ixl

Ela será contínua à direita em x = O se definirmos 1(0) = 1; e será continua àesquerda nesse mesmo ponto se pusermos 1(O) = -l.

O teorema que consideramos a seguir é um resultado fundamental na teoriadas funções monótonas, o análogo do Teorema 2.12 (p .. 57) para seqüênciasmonótonas. Foi para demonstrar esse teorema que Dedekind sentiu necessidadede urna fundamentação adequada dos números reais.

4.14. Teorema. Seja 1 uma função monótona e limitada, definida numintervalo I, do qual x = a é ponto de acumulação à direita ou à esquerda. EntãoI(x) tem limite com x -> a- ou x -> a+, respectivamente.

Demonstração. Suponhamos, para fixar as idéias, que j seja função nãodecrescente e x = a seja ponto de acumulação à esquerda. Neste caso, bastasupor que 1 seja limitada à direita. Seja L o supremo dos valores de I(J;), paratodo x E 1, x < a. Provaremos que I(a-) = L. De fato, dado qualquer E> O,existe ó > O tal que L - E < I(a - ó) S L. Mas 1 é não decrescente, de sorteque f(a - ó) S f(x) para a -ó <xe xE I; logo,

J; E I, a - Ó < x < a =;- L - E < I(x) :S L,

que prova o resultado desejado.As demonstrações nos outros casos são feitas por raciocínio análogo e ficam

a cargo do leitor.

4.15. Teorema. Uma condição necessária e suficiente para que uma [unçãoseja cont'ínua n"!!Tnponto a de seu dominio; que seja ponto de aC'umulação àdireita e à esquerda desse domínio, é que os limites laterais da [unção existamnesse ponto e sejam ambos iquais a f(a).

A demonstração é fácil e fica para os exercícios.

Limites infinitos e limites no infinito

A definição de limite de uma função se estende aos casos em que, ou a função, oua variável independente, ou ambas, tendem a valores infinitos. Dizer que umavariável tende a +00 significa dizer que ela fica maior do que qualquer númerok > O. Urna semi-reta do tipo x > k é ,por assim dizer, urna "vizinhança de+00". Analogamente, x < k, qualquer que seja k, em particular k < O, é uma"vizinhança de -00".

------------- -

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Capítulo 4: Funções, limite e conu'nllidl1de 115

As definições seguintes são bastante naturais e dispensam maiores co-mentários.

4.16. Definições. Scja f uma função com domínio D c seja a um ponto deacumulação de D. Diz-se que f(x) tende a +00 com x -> a se, dado qualquernúmero k > O, existe ó > O tal que x. E V';(a)nD => j(x) > k. De modo análogo,diz-se que j(x) tende a -00 com x -> a se, dado qualquer k > O, existe ó > Otal que x E V';(a) nD => j(x) < -k. Indicam-se esses limites, respectivamente,com os símbolos

limj(x)=+oo e limj(x)=-oo.x-a x~a

Suponhamos agora que D seja ilimitado superiormente. Diz-se que j(x) temlimite L com :r -> +00 se, dado qualquer o > 0, existe um núme'l'O k > Otal que x E D, x > k => Ij(x) - LI < o. Analogamente, sendo D ilimitadoinferiormente, diz-se que j(x) tem limite L com x -> -00 se, dado qualquero> O, existe um número k > O tal que x E D, x < -k => Ij(x) - LI < o. Esseslimites são indicados, respectivamente, com os símbolos

lim j(x) = L e lim j(x) = L.x~+~ x--oo,

Definem-se também, de maneira óbvia,

lim f(x) = +00, lim f(x) = -00, lim f(x) = +00,x-a+ x-a+ x-a-

lim j(x) = -00, lim j(x) = +00, lim f(x) = -:xl,x-+a- x-+oo x-+oo

lim j(x) = +00, e lim f(x) = -00.x-+-oo x--oo

V ários dos resultados anteriores sobre limites permanecem válidos com asnoções de limites aqui introduzidas, às vezes com pequenas e óbvias adaptações;outros ainda podem ser formulados e estabelecidos com procedimentos análogosaos usados anteriormente. Veremos, a seguir, alguns desses resultados.

4.17. Teorema. a) Toda junção monótona e limitada, cujo domínio con-tenha um intervalo do tipo [c, +(0), possui limite com x -> +00; b} toda funçãomonótona e limitada, cujo domínio contenha um intervalo do tipo (-00, c],possui limite com x -> -00.

Demonstração. Esse teorema é o análogo, para x -> ±oo, do Teorema 4.14,e a demonstração também é análoga. No caso a) suponhamos que j seja nãocrescente, bastarido então supor que j seja limitada inferiormente. Seja A oÍnfimo de seus valores j(x). Então, dado qualquer o > O, existe k > O tal queA :::;f(k) < A + o. Como'j é não crescente, x > k => f(x) :::;f(k), logo

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116 Capítulo 4: Funções, limite e continuidade

x > k => A ~ f(x) < A + e; isso conclui a demonstração no caso considerado.Deixamos ao leitor a tarefa de terminar a demonstração nos demais casos.

Para o próximo teorema notemos que aproximações laterais, consideradasna seção anterior, ocorrem também com os valores de uma função, e não apenasde sua variável independente. Isso pode ser ilustrado em exemplos simples comoestes:

lim Tx = O±;x ....•O± lim (2 - x)3 = 04=;

x~2±I

x - sen xim =0+.x ....•o± x

De um modo geral, f (x) -> a+ com x -> a significa: dado qualquer e > O, existeÓ > O tal que, sendo D o domínio de f,

x E V;(a) nD => L ~ f(x) < L + e .

Para a definição de f(x) -> L- basta trocar as últimas desigualdades porL - e < f(x) ~ L.

4.18. Teorema. Seja f uma função com domínio D, f(x) =I O. Se f(x) ->

0+ com x. -> a, então 1/f(x) -> +00 com x -> a; e se f(x) -> 0- com x -> a,então l/f(x) -> -00 com x -> a.

Demonstração. Pela hipótese, dado qualquer k > O, existe ó >0 tal quex E V;(a) n D=>O < f(x) < l/k, portanto 1/ f(x) > k. Isso prova a primeiraparte. A segunda parte é análoga e fica a cargo do leitor.

4.19. Teorema. Suponhamos que f(x) -> A e g(x) -> B com x -> +00.Então, com x -> +00, a) f(x) + g(x) -> A + B; b} sendo k constante, kf(x) ->

kA; c) f(x)g(x) -> AB; d) f(x)/g(x) -> A/B, desde que B =I O.

Este teorema é análogo ao Teorema 4.8; a demonstração também é análogae fica a cargo do leitor.

4.20. Teorema. a) Se f(x) -> +00 com x -> a e se g(x) > k , entãof(x) + g(x) -> +00 com x -> a. Além disso, se k > O, f(x)g(x) --; +00 comX ---1- a.

A demonstração fica a cargo do leitor.

Os teoremas acima são ilustrações de vários resultados envolvendo limites noinfinito ou limites infinitos. Deixamos ao leitor a tarefa de verificar a validadede resultados análogos, seja com a variável independente ou com os valores dasfunções tendendo a -00.

Convém observar que muitos resultados válidos para limites finitos não sãoválidos no caso de limites infinitos. Por exemplo, se duas funções tendem a +00,sua diferença pode ter limite +00, -00 ou qualquer valor finito. Esse é um dos

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Capítulo' 4: Funções, limite e continuidade 117

casos de forma indeterminada, do tipo 00 - 00, estudada nos cursos de Cálculo.Outros tipos de formas indeterminadas são 00/00, 00, 100 e 000. Não vamosnos deter na consideração dessas formas, por serem elas bastante estudadas noscursos de Cálculo.

As descontinuidades de uma função

Do mesmo modo que só consideramos continuidade de lima função em pontosde acumulação de seu domínio, a noção de descontinuidade será igualmenteconsiderada nesses pontos.

Sendo a um ponto de acumulação do domínio D de uma função f, dizemosque j é descontínua em x = a se, ou j não tem limite com x -> a, ou esse limiteexiste e é diferente de j(a), ou I não está definida em1 x = a. Analogamentedefinimos descoiitiiiuidade à direita e descontinuidade à esquerda.

De acordo com essa definição, estamos admitindo que um ponto possa serdescontinuidade de uma função, mesmo que ele não pertença ao domínio de j. Arigor, não deveria ser assim, só deveriamos admitir descontinuidades em pontospertencentes ao domínio da função. Mas é natural considerar o que se passa nasproximidades de pontos ele acumulação do domínio ele uma função, mesmo quetais pontos não pertençam ao domínio. Assim, as funções

senx 1 1- . e sen-,x xx z:

são todas contínuas em seus domínios (iguais a R - {O}); e, embora z = O nãopertença a esse domínio, é natural. considerar o que acontece com essas funçõesquando z. tende a zero.

De acordo com nossa definição, a primeira das funções em (4.7) seria clas-sificada como descontínua em x = O simplesmente por não estar aí definida,pois tem limite 1 quando x -> O. Atribuindo-lhe o valor 1 em ~. = O, ela ficarádefinida e será contínua em toda a reta, por isso mesmo dizemos que esse tipode descontinuidade é removível. A segunda tem limites laterais diferentes comx -> O; ela será contínua à direita se pusermos j(O) = 1 e contínua à esquerdase definirmos j(O) = -1. A terceira função tende a ±oo com x -> O pela direitaou pela esquerda, respectivamente. Finalmente, a quarta função não tem limitecom x -> O. Não há, pois, como remover a descontinuidade, mesmo lateralmente,no caso das duas últimas funções .

.As descontinuidades de uma função costumam ser classificadas em três tipos:remouível, de primeira' espécie e de segunda espécie. A descontinuidade re-mouíuel é aquela que pode ser eliminada por uma conveniente définição'da funçãono ponto considerado, como no primeiro exemplo de (4.7). Como se vê, ela nem. é bem uma descontinuidade, pois a função tem limite no ponto. considerado,apenas não está adequadamente definida nesse ponto. A descontinuidade é de

1t1

(4.7)

,

I'I f

I, I

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118 Capítulo 4: Funções, limite e continuidade

primeira espécie ou do tipo salto quando a função possui, no ponto considerado,limites à direita e à esquerda, mas esses limites são distintos. É esse o caso dasegunda função em (4.7). Finalmente, a descontinuidade é de segunda espéciequando a função tende a ±oo no ponto considerado (terceiro exemplo em (4.7)),ou não tem limite nesse ponto (quarto exemplo em (4.7)).

O teorema seguinte é um resultado interessante sobre as funções monótonaslimitadas.

4.21. Teorema. Os pontos de descontinuidade de uma função monótonaf num intervalo I (limitado ou não) só podem ser do tipo salto; e formam umconjunto no máximo enumerável.

Demonstração. Que as descontinuidades só podem ser do tipo salto é ime-cliato, pois a função possui limites laterais em cada ponto.

Vamos provar que o conjunto de pontos de descontinuidade é no máximoenumerável. Suponhamos, para fixar as idéias, que a função seja não decrescente.Se a < Xl < X2 < ... < Xn < b são pontos de descontinuidade, todos contidosnum.intervalo [a, b] C I, então

de sorte que os saltos de f nos pontos Xi, definidos como sendo

[J(X;)]= f(xi+) - f(xi-),

são tais que

n

L[J(xi)] [- f(xl-) + f(Xl+)] + [- f(x2-) + f(x2+)] + ...i=1

+ [- f(xn-) + f(xri+)]n-l

- f(Xl-) - :2)f(Xi+I-) - f(x;+)] + f(xn+)i=1

::; f(xn+) - f(xl-)::; /(b) - f(a).

Isso prova que, sendo a função limitada, para todo inteiro m > O só podehaver um número finito de pontos de descontinuidade onde [l(Xi)] > 11m, istoé, o conjunto

Dm = {x: [J(x)] > 11m}

é finito. Ora, qualquer ponto de descontinuidade da função está num dessesconjuntos Dm, cuja união é o conjunto D de todos os pontos de descontinuidade.Portanto, esse conjunto D é no máximo enumerável, pelo mesmo argumentousado nas pp. 15-16 para provar a enumerabilidade do conjunto dos númerosracionais. Isso completa a demonstração.

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Capítulo 4: Funções, limite e continuidade 119

o caso de uma função não crescente é análogo e fica por conta do leitor. Nosdois exemplos seguintes exibimos funções não decrescentes, com infinitos pontosde descontinuidade .

. 4.22. Exemplo. Consideremos a seqüência 1'" = -1/ n e seja f a função

1f(x) = L 2'

Tn<X n

onde a somatória, como se indica, estende-se a todos os índices n tais que Fri < x.Assim,

f(x) = O para x::; -1; f(x) = 1 para - 1 < x ::; -1/2;

f(:l:) = 1+ 1/4 para - 1/2 < :/:::; -1/3;

f(x) = 1+ 1/4 + 1/9 para - 1/3 < x ::; -1/4;

e assim por diante. Como se vê, f é contínua em todos os pontos x # rn econtínua à esquerda em todos os pontos x = r". Seu gráfico tem o aspectoindicado na Fig. 4.2. Deixamos ao leitor a tarefa de verificar, como exercício,que

. 00 1lim f(:l:) = L 2" = f(y) para y 2': O.x-o- ,,=1 n

(4.8)

Fig.4.2

I--++-- 5'4 + 19.-+---ll-+-j--I-- 5.4

r----------+~~+_~__11II,I, ,

I" I·1

o leitor deve notar que funções como essa podem ser construídas com qual-quer seqüência crescente 1"n que tenha limite zero ou outro qualquer valor, equalquer série.convergente de termos positivos L an, pondo, simplesmente,

f(x) = L anoTn<X

4.23. Exemplo. Seja ("n) lima seqüência densa na reta, por exemplo, umaseqüência obtida pela enumeração dos números racionais. Vamos construir uma

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120 Capítulo 4: Funções, limite e continuidade

função crescente e limitada, definida em toda a reta, e que tenha saltos em todosesses números Tn. Para isso escrevemos

1j(x) = L 2

Tn<X n(4.9)

Como se vê, estamos somando sobre todos os índices n para os quais r« é menordo que x. Como a série L 1/n2 é convergente, é claro que a soma em (4.9) éconvergente. É claro também que a função aqui definida é crescente, pois

1x < y => j(y) - j(x) = L 2> O.

x$"n<V n

Deixamos para os exercícios a tarefa de verificar que

j(-oo) = lim j(x) = O,x-+-oo

00 1j(+oo) = lim j(x) = L 2·

X--+CXJ nn=l

(4.10)

bem como a de provar que a função aqui definida é contínua em todo x i' Tn;é contínua pela esquerda e descontínua pela direita em todo x = Tn, onde seusalto é 1/n2. O leitor deve deter-se num exame atento dessa função, tentar everificar a impossibidade de construir seu gráfico, para bem entender que estádiante de um exemplo de função que é interessante e bastante geral. Finalmente,cabe observar que esse é um exemplo extremo de função monótona descontínua,pois as descontinuidades da função já formam um conjunto enumerável e densona reta, não sendo possível, pelo teorema anterior, ampliá-Ia ainda mais.

Exercícios

1. Faça as demonstrações do Teorema 4.14 nos casos omitidos.

2. Demonstre o Teorema 4.15.

3. Defina cada uma das quatro expressões contidas em limx_±oo f{x) = ±oo.

4. Faça a demonstração do Teorerna 4.17 nos casos omitidos.

5. Faça a demonstração da segunda parte do Teorema 4.18.

6. Demonstre os Teoremas 4.19 e 4.20.

7. Prove que f(x) = x3 - 7x2 + 2x - 9 -; +00 com x -; +00.8. Prove que todo polinõrnio p(x) = z " + an_1Xn-1 + ... +alx + ao tende a +00 com x -; ±oo

se n for par; e se n for ímpar, p(x) tende a =oocom x -; -00 e a +00 com x -> +00.9. Estude os limites de um polinômio

p(x) = anXn + an_1Xn-1 + ... + alx + ao, an # O,

com x -; OCo Mostre, em particular, no caso n ímpar, que se an > O, limp(x) = ±oo com. x -+ ±oo (havendo correspondência de sinais}; e se a" < 0, lilTlJ)(l:)= '1=00COIllX -, ±oo.

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Capítulo ,1: Funções, limite e continuidade 121

x3 + IX - 4lim --'----;-- = +00.x+1

11. Dados os polinômios p(x) = aoxo + ... + alx + ao e q(x) = bmxm + ... + blx + bo,onde anbm 01 O, estude os limites de p(x)/'1(J:) com x ~ +00 e X ~ -00. Prove que esseslimites são iguais a ao/bm se n = m; são ambos nulos se n < m; ambos iguais a +00 sen > m, n - m é par e unbm > O. Examine estas e todas as demais possibilidades.

12. Prove que a função f(x) = x se x é racional e f(x) = 1- x se x é irracional é contínua emx = 1/2 e somente nesse ponto.

13. Seja [ uma função crescente e limitada num intervalo (a, b). Prove que [(a+) < f(x) <f(b-).

o P r 6x2 - 5x + 1 r x2 - x + 11. rove que x~~"" 2x2 + 7x _ 8 = 3, x~~,:", .1:3 + 5 = O,

14. (Critério de convergência de Cauchy) Prove que uma condição necessária e suficientepara que uma função f tenha limite finito com x ~ +00 é que, dado qualquer é > O, existak > O tal que

x, u > k => If(x) - [(y)1 < é.

Enuncie e prove propriedade análoga com x ~ -00.15. Prove a relação (4.8).

16. Prove as relações (4.10)

17. Prove que a função (4.9) é contínua em x 01 "0 para todo n.

18. Prove que a funçiio (4.9) é contínua pela esquerda em x = TN e dcscontfuua pela direita,com salto [J(XN)] = I/N2.

19. No somatório em (1.9) troque "" < x por r ::; x c prove que a nova função obtida é contínuapela direita e descontínua pela esquerda em todo ponto x = rN. , onde o salto ainda é 1/N2.

20. Sejaj=uma função monótona numintervalo ]c, õ], cuja imagem é todo um intervalo [c, d].Prove que I é contínua.

Sugestões e soluções7. Aplique o Teorema 4.20, notando que [(x) = x3(1 - l/X + 2/x2 - 9/x3) e que a expressãoentre parênteses tende a I com x ~ +00, logo, é maior do que qualquer k, O < k < I paraI:rlluaior do que um certo N.

8. Pode-se usar o mesmo procedimento do exercício anterior. Outro modo de resolver oproblema é o seguinte:

I ( li I n( an-I ai ao lip x = x 1+ ~ + ... + xo-I + XO

2 Ixol(1':"lan-1 + ... + ~l + ao Ilx xn- xn

2 IxOI[1 - Oao-II + ... + I~II + Iao 1)].x xn.- xn

Tomando x suficientemente grande, podemos fazer la;fxo-il ::; 1/2n, O ::; i ::;n - 1, desorte que Ip(x)1 2 Ixol/2 ..

14. Transfira o problema para <: = O com a transformação <: = l/x.

16. Para provar a segunda das relações, referente ao limite com x ~ +00', d'evemos provar que,dado qualquer" > O, existe X tal que

z "> X =>f :2 - L :2 < é.n=1 r•.•.<x

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122 Capítúlo 4: Funções, limite e continuidade

Da convergência da série L l/n2 segue-se que existe N tal 'que essa soma, a partir den = N + 1, é < c, Tomemos X tal que "1"", TN sejam todos < X, Então, sendo x > X,a segunda soma na diferença acima inclui todos os termos correspondentes a n = 1, , , , , N,logo

~ ~ - " ~ < ~ ~ - ~ ~ < é,~ n- D n- Z:: n- ~ n2n:;::;1 Tn <x n=:1 n==1

17, Observe que, sendo h > O,

j(x+h)-j(x)= L n2 e f(x)-j(x-h)= L n2'

x<rn<x+h x-h5rn<r

18, Com 11> O, j{!-,v + h) - j(rN) = 1n2e j{!-,v) - j(TN - h) =

o teorema do valor intermediário

Vamos considerar agora um importante resultado que tem uma visualizacãogeométrica muito evidente. EUl linguagem corrente, ele alirrua que o gráficode uma função ao passar de um lado a outro do eixo dos x necessariamentetem de cortar esse eixo. Por um bom tempo, até o final do século XVIII,esse resultado foi aceito sem que ninguém pensasse em dernonstrá-lo. Aliás, atentativa de Bolzano emelemonstrá-lo foi um dos principais marcos do início dorigor na Análise no começo elo século XIX. Vamos apresentar esseteorema em

, ' '

sua versão mais geral, como enunciamos a seguir.

4.24. Teorema (do valor intermediário). Seja f uma função cont"Ínuanum intervalo I = [a, b], com f(a) # f(b). Então, dado qualquer número dcompreendido entre f(a) e J(b), existe c E (a, b) tal que f(c) = d. Em outrasptilauras, f(x) assume todos os valores couipreendidos entre f(CL) e f(b), com xvariando em (a, b).

Demonstração. Basta demonstrar o teorema no caso em que d = O, pois ocaso geral se red uz a este para a função 9 (x.) = f (x) - d.

Faremos a demonstração pelo método de bisseção, como na demonstração doTeorema 2.24 (p. 66). Seja I o comprimento de [a, bJ. Começamos dividindo esseintervalo ao meio, obtendo dois novos intervalos fechados, digamos, [a, 1'J e [r, bJ.Se f(r) = 0, o teorema estará demonstrado. Se f(1') > O, escolhemos o intervalo[a, 1']; e se f(r) < O, escolhemos o intervalo [r, bJ. Em qualquer desses dois casos,tereinos um novo intervalo, que denotaremos [aI, bd, de comprimento 1/2, e talque f(cq) < O e f(a2) > O. Novamente dividimos este intervalo ao meio, como que, ou encontramos uma raiz de f(x) ~ 0, ou teremos um novo intervalo[a2, b2], com f(a2) < O e f(b2) > O. Prosseguindo assim, sucessivamente, ouesse processo termina com o encontro ele uma raiz de f (x) = O, ou obtemos umafamília (In) de intervalos encaixados, 1n =' [an, bn], o comprimento de 1n sendo

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Capítulo 4: Funções, limite e continuidade 123

1/2n. Portanto, pelo teorema dos intervalos encaixados (p, 65), a interseçãodesses intervalos contém um único ponto c., Observe que c é interior a I, isto é, é diferente dos extremos de I. Vamos

provar que f(c) = O. Se fosse f(c) > O, pela propriedade da permanência do sinal(p. 108), haveria uma vizinhança V,,(c), na qual f seria sempre positiva. ~Iasisto é impossível, pois basta fazer n suficientemente grande para que In C V,,(c)e f(an) < O. Assim, concluímos que f(c) = O. O raciocínio é inteiramenteanálogo no caso de supormos f (c) < O.

Guiados pela intuição, podemos ser levados a pensar que toda função quegoze da propriedade do valor intermediário seja contínua. No século XIX chegou-se mesmo a acreditar, erroneamente, nesse fato, como nos conta Lebesgue (1875-1941) na p. 96 de seu livro "Leçons sur l'intégration", publicado em 1903. (AChelsea Publishing Co. publica a 3ª- edição, de 1973.) Um contra-exemplo édado pela função f(x)=sen(l/x) se x i- O, e f(O) igual a qualquer valor do inter-valo [-1, +1J. Assim definida, f satisfaz a propriedade do valor intermediárioem qualquer intervalo [-a, aJ, mas não é contínua em x = O. Neste exemplo afunção só é descontínua num único ponto; entretanto, existem funções descon-tínuas em todos os pontos e que, não obstante, gozam da propriedade do valorintermediário em qualquer intervalo, como nos mostra Lebesgue.

4.25. Exemplo. Oteorema do valor intermediário tem importantes aplica-ções, tanto de natureza teórica como prática. Por exemplo, ele permite provarque todo polinômio p(x) = xn + an_IXn-IX + ... + alx + ao, de grau Ímpar, tempelo menos uma raiz real. Para isso lembramos o Exerc. 8 da p. 120, segundo oqual p(x) muda de sinal com x passando de uma certa vizinhança de -00 a umavizinhança de +00. Mais precisamente, existem vizinhanças V_de -00 e V+ de+00, tais que p(x) é negativo em V_ e positivo em V+. Em conseqüência, existemnúmeros a E V_, b E V+, a < b, tais que p(a) < O < p(b). Daqui e do teoremado valor intermediário segue-se que existe c, a < c < b, tal que p(c) = o. (Éclaro que pode haver mais de um número c nessas condições; o que podemosgarantir, em geral, é a existência de pelo menos um.) Em contrapartida, umpolinômio de grau par, como p(x) = x2 + 1, pode nunca se anular.

O teorema seguinte é mais uma aplicação do teorema do valor intermediário.

4.26. Teorema. Toda função f, contínua e injetiva num intervalo I, écrescente ou decrescente.

Demonstração. Se f não fosse estritamente crescente ou decrescente, exis-tiriam números Xl, X2 e x3 em I tais que Xl < X2 < X3 e f(XI) < f(X2) > f(X3),ou f(XI) > f(X2) < f(X3)' Na hipótese de ser f(XI) < f(X2) > f(X3), sef(X3) > f(xtJ (faça um gráfico para acompanhar o raciocínio), pelo teoremado valor intermediário, deveria existir um número x' entre X I e X2 tal que

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124 Capítulo t1: Funções, limite e continuidade

f(x') = f(X3), contradizendo a injetividade de i: e se fosse f(X3) < f(Xl), pelomesmo teorema, deveria existir x' entre X2 e X3 tal que f(Xl) = f (x'), novamentecontradizendo a injetividade de f. a raciocínio, no caso f(Xl) > f(X2) < f(X3),é análogo. Concluímos, então, que f é estritamente crescente ou decrescente,como queríamos provar.

a teorema que acabamos de demonstrar é muito interessante, pois nos dizque as funções crescentes e as decrescentes são as únicas funções contínuasdefinidas em intervalos que são invertíveis. Isso nos leva, naturalmente, a per-guntar: será que são essas as únicas funções (definidas em intervalos) invertíveis?A resposta é negativa, como vemos pelo seguinte contra-exemplo: seja f assimdefinida no intervalo I = [O, 11: f(x) = x se x for racional e f(x) = 1 - xse x for irracional. Faça o gráfico dessa função e verifique que ela é invertível,mas não é monótona em qualquer subintervalo de I; em conseqüência, não écontínua em seu domínio, apenas no ponto x = 1/2 (Exerc. 13 adiante).

a método de bisseção utilizado na demonstração do Teorerna -1.24 é muitoútil para implementar esquemas numéricos de computação. Com uma simplescalculadora científica é possível calcular raízes polinomiais com boas aproxima-ções. (Veja o Exerc. 2 adiante.)

Exercícios

1. Faça a demonstração do Teorema 2.24 no caso j(a) > j(h).

2. Prove que a equação x· + 10x3 - 8 = O tem pelo menos duas raízes reais. Use umacalculadora científica para determinar uma dessas raízes com aproximação de duas casasdecimais.

3. Prove que um polinômio de grau ímpar tem um número ímpar de raízes (reais), contandoas multiplicidades.

4. Prove que se n é par, p(x) = xn + an_1Xn-1 + ... + alX + ao assume um valor mínimo m.Em conseqüência, prove que p(x) = a tem pelo menos duas soluções distintas se a > m enenhuma se a < m.

5. Prove que se um polinômio de grau n tiver r raizes reais, contando as multiplicidades, entãon - r é par.

6. Prove que todo número a > Opossui raizes quadradas, uma positiva e outra negativa.

7. Prove que todo número a > O possui uma raiz n-ésima positiva; e se n for par, possuirátambém uma raiz n-ésima negativa.

8. Seja j uma função contínua num intervalo.ronde ela é sempre diferente de zero. Prove quej é sempre positiva ou sempre negativa.

9. Sejam j e 9 funções contínuas num intervalo [a, hJ, tais que j(a) < g(a) e j(b) > g(h).Prove que existe um número c entre a e h, tal que j(c) = g(c). Faça um gráfico paraentender bem o que se passa.

10. Seja j uma função contínua no intervalo [O,1), com valores nesse mesmo intervalo. Proveque existe c E [O,1) tal que j(c) = c. Interprete este resultado geometricamente.

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Capítulo 4: Funções, limite e continuidade 125

11. Nas mesmas hipóteses do exercício anterior, prove que existe e E [O, 1] tal que f(e) = 1 - e.Interprete este resultado geometricamente.

12. Seja f uma função contínua no intervalo [O, 1], com f(O) = f(I). Prove que existe umnúmero e E [O, 1/2] tal que f(e) = f(e + 1/2). Este exercício tem uma interpretação físicamuito interessante: se f representa a temperatura num determinado instante, ao longode qualquer curva fechada simples sobre a superfície terrestre - em particular o equadorterrestre -, e x representa a distância ao longo dessa curva a partir de um c erto ponto,o resultado anunciado significa que existem dois pontos, e e c} 1/2, onde a temperaturatem o mesmo valor.

13. Prove que f(x) = x se x for racional e l(x) = 1 - r se x for irracional é contínua emx = 1/2 e somente nesse ponto.

14. Considere a funçâo f assim definida: f(r) = -r se x for racional e f(x) = l/x se x forirracional. Faça o gráfico dessa função e mostre que ela é uma bijeção descontínua em todosos pontos.

Sugestões

2. Lembre-se de que quando um polinórnio com coeficientes reais tiver uma raiz complexa, eleterá também .a complexa coujugada como raiz. Verifique que há uma raiz entre zero e 1 edetermine esta raiz pelo método de bisseçâo.

6. Suponhamos a i= 1, já que o caso a = 1 é trivial. Se a > 1, f(x) = r2 é tal que f(l) < f(a);logo, pelo teorema do valor intermediário, existe um número entre 1e a, designado por Vã,

.tal que f( Vã)=.a. Se a < 1, fel) > a > l(a), e novamente existe um número Vã entre ae 1 tal que f( Vã) = a. E o caso de raiz negativa? .

10. Considere a função g(x) == fer) - T, se já não for f(O) = O ou f(l) = 1.

11. Use o Exerc. 9 com g(x) = 1 - z ,

12. Considere a função g(x) = f(x) - f(x + 1/2) no intervalo [I, 1/2].

Notas históricas e complementares

o início do rigor na Análise Matemáticao desenvolvimento da teoria das funções que começamos a apresentar neste capítulo é obrado século XIX. E só foi possível depois de um longo período, de cerca de século e meio, dedesenvolvimento dos métodos e técnicas do Cálculo, desde o início dessa disciplina no séculoXVII.

As idéias fundamentais do Cálculo, sobretudo o conceito de derivada, careciam, desde oinício, de uma fundamentação lógica adequada. Os matemáticos sabiam disso e até forammuito criticados em seu trabalho. A mais contundente e bem fundamentada dessas críticaspartiu do conhecido bispo e filósofo inglês George Berkeley (1685-1753), numa publicação de1734. Houve também respostas a essas críticas, bem como, durante todo o século .XVIII,tentativas de encontrar uma' fundamentação adequada para o Cálculo, embora sem maioresconseqüências. A mais importante dessas tentativas foi a que empreendeu Lagrange, e que estáassociada às séries de funções.

Nessa época ainda não havia muita motivação para o trato de questões de fundamentos.Os matemáticos desse século tinham muito mais do que se ocupar em termos de explorar asidéias do Cálculo, desenvolver novas técnicas e usá-Ias na formulação e solução de problemas

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126 Capítulo 4: Funções, limite e continuidade

aplicados, em Mecânica, Hidrodinâmica, Elasticidade, Acústica, Balística, Ótica, Transmissãodo Calor e Mecânica Celeste. Em conseqüência disso, não havia uma separação nítida en-tre o Cálculo e suas aplicações, entre a Análise Matemática e a Física Matemática; e ficavadiminuída, ao menos em parte, a importância do rigor na formulaçâo dos métodos, pois muitasvezes os resultados empíricos já eram um teste do valor desses métodos. Assim, por exem-plo, um problema físico que se traduzia numa equação diferencial, como o movimento de umpêndulo ou as vibrações de uma corda esticada, já tinha garantidas, por razões físicas, a e-xistência e a unicidade da solução. I~so está exemplificado na produção científica dos maisimportantes matemáticos do século, dentre os quais destacam-se Leonhard Euler (1707-1783)e Joseph-Louis Lagrange (1736-1813).

Não obstante o pouco que se fez, durante todo o século XVIII, em termos de rigor naAnálise Matemática, foi em meados desse século que surgiu um dos problemas que se tornouo mais fértil no desenvolvimento da Análise no século seguinte, e que consiste em expressaruma dada função em série infinita de senos e cossenos. Mais especificamente, dada uma funçãoperiódica f, de período 271', determinar os coeficientes an e bn de forma que

00

ao ""f(x) = "2 + L....,(a" cosnx + bn, sen nx).n=d

(4.11)

Esse problema surgiu primeiro em 1753, em situação particular, num trabalho de DanielBernoulli (1700-1782), em seu estudo da corda vibrante, em que se punha a questão de expres-sar a função que dava o perfil inicial da corda como série de senos. As vibrações de uma cordaesticada foram estudadas pela primeira vez por Jean le Rond d'Alembert (1717-1783) em 1747;e logo em seguida por Euler, depois por Bernoulli. Tratava-se de determinar uma função deduas variáveis satisfazendo uma equação diferencial parcial, a chamada equação das ondas.. Eu-ler achava que o perfil inicial da corda pudesse ser inteiramente arbitrário. d'Alembert achava'que só podiam ser admltidasfunçôes dadas por uma-expressão analítica, cornoum polinôrnioou mesmo uma série de potências; ou em termos das funções transcendentes familiares, comoas funções trigonométricas, a exponencial ou O logaritmo. Isso porque ele entendia a derivaçãocomo operação que transformava as funções umas nas outras segundo um formalismo algébricobem determinado: xn em nxn-l, senx em cos z , etc. Como derivar f(x) se ela fosse dada poruma lei qualquer?

O modo como Bernoulli ataca o problema difere bastante dos pontos de vista adotados pord'Alembert e Euler. O importante a notar aqui é que essas investigações acabaram envolvendoseus autores numa controvérsia inconclusiva. Cada um manteve sua própria opinião, nadapuderam decidir, justamente porque lhes faltavam idéias precisas dos conceitos de função ederivada. (Analisamos esse episódio em artigo na Revista Matemática Universitária, Nº 1,JUnho de 1985.)

Vimos, no início do capítulo, como o conceito de função foi evoluindo gradualmente.Também o conceito de continuidade teve uma evolução gradual. De começo significava a per-manência da mesma expressão analítica que definia a função, ao passo que "descontinuidade"significava, não a "ruptura" do gráfico da função, mas da expressão analítica ou lei que definissea correspondência entre a variável dependente e a variável independente (ou variáveis indepen-dentes): Como a derivada era concebida como uma operado';' algébrico, as funções admitidasnuma equação diferencial, como a da corda vibrante, só poderiam ser aquelas dotadas de "ex-pressões analíticas", corno insistia d' Alembert. Isso excluía a possibilidade de um perfil maisgeral, do tipo ilustrado na Fig. 4.3, como pretendia Euler, adotando assim um conceito defunção que ia além da simples idéia de uma variável dada em termos de outra (ou outras)mediante uma fórmula ou expressão analítica. E ambos, d'Alembert e Euler, não concordavamcom a possibilidade sugerida por Bernoulli de que uma função arbitrária pudesse admitir umdesenvolvimento do tipo (4.11), em termos de funções periódicas tão particulares como os ter-

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Capítulo 4: Funções, limite e continuidade 127

mos da série. A questão posta por Bernoulli permaneceu dormente por cerca de meio século atéque fosse retomada pelo eminente físico-matemático Jean-Baptiste Joseph Fourier (1768-1830)em seus estudos sobre a propagação do calor. Nesses estudos surge várias vezes a necessidadede desenvolvimentos do tipo .(4.11). Ea possibilidade desse desenvolvimento, em toda a suageneralidade, apresenta-se, no início do século XIX, como um problema central da AnáliseMatemática.

Fig.4.3

A forma mais completa dos trabalhos de Fourier sobre propagação do calor encontra-seem seu livro Théorie Analytique de la G'haleur, publicado em 1822 (traduzido em inglês pelaEditora Dover). Fourier acreditava que funções "arbitrárias" pudessem ser desenvolvidas emséries do tipo (4.1Í); e pensou haver demonstrado esse resultado. Eis um exemplo concreto, jáapresentado no início tio capitulo:

00 ( l)n+lf(x) = L -=-;--sennx,

11.::::::1

(4.12)

. onde a função f, ·soma da série, resulta ser

If(x) = 2" se - 'ir < X < 1r; f(-1r.) = f(1r) = O; (4.13)

e f é definida em toda a reta como função periódica de período 2;0. Esse é um exemplo quecontrasta com os pontos de vista tanto de Euler como de dAlernbert, pois vista em sua re-presentação (4.12) ela seria, para ambos, analítica; ao passo que, para eles, (4.13) seria outrafunção, obtida p'ela junção das translações de f(x) = x/2 com domínio (-1r, 1r)!

Exemplos como esse deixavam clara a insuficiência dos antigos conceitos de função econtinuidade de meados do século XVIII para lidar com os problemas trazidos ao cenáriomatemático pelos estudos de Fourier. O próprio Fourier já tem uma idéia bem mais ampladesse conceito. Eis como ele o descreve no Art. 417 da p. 430 de seu livro:

Em geral a função f(x) representa uma sucessão de valores ou ordenadas arbitrárias. (. . .)Não supomos essas ordenadas sujeitas a uma lei comum; elas sucedem umas às outras dequalquer maneira, e cada uma é dada corno se fosse uma grandeza única.

Isso equivale praticamente à definição que adotamos hoje em dia, segundo a qual umafunção f é uma correspondência que atribui, segundo uma lei qualquer, um valor y a cadavalor x da variável independente.

Situações novas como as apresentadas por Fourier evidenciavam a necessidade de umaadequada fundamentação dos métodos' usados no trato dos problemas. Era preciso agoraaclarar de vez o significado de "derivar" ou "integrar" uma função, fosse ela dada por uma"fórmula" ou não. "Derivar" não podia significar apenas aplicar uma "lei algébrica" a uma"fórmula", assim como "integrar" não podia mais ser apenas "achar uma primitiva". Essasmaneiras de encarar as operações do Cálculo eram, a partir de então, insuficientes.

Como já dissemos, no final do capítulo anterior, Cauchy foi o protagonista principal donovo programa de tornar rigorosos os métodos da Análise. Ele certamente estava a par do

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128 Capítulo 4: Funções, limite e continuidade

trabalho de FOUFier e dos novos problemas. que tinham de ser atacados. No prefácio de seuCOU7'S d'Analyse Cauchy enuncia claramente seus altos padrões de rigor:

Quanto aos métodos, procurei dar-lhes todo o riqor que se exige em Geometria, de maneiraa jamais recorrer a razões tiradas da r;eneralidade da álgebra. Tais razões, embora muitofreqüentemente admitidas, sobretudo na passagem das séries convergentes às séries diver-gentes e de grandezas reais a expressões imaginárias, a meu ver só podem ser consideradascomo induções próprias a sugerir a verdade, mas que pouco têm a ver com a tão festejadaexatidão as ciências matemáticas. Deve-se mesmo observar que elas tendem a atribuir àsfórmulas algébricas validade universal, quando a maior parte dessas fórmulas só valem sobcertas condições e para certos valores das grandezas envolvidas. Determinando essas condiçõese esses valores, e fixando de maneira precisa o sentido da notação de que me sirvo, faço desa-parecer toda incerteza.

o ponto de partida de Cauchy em sua fundamentação da Análise foi a definição de con-tinuidade: "... a função f{x) será contínua em x num intervalo (estamos usando a palavra"intervalo" para simplificar o enunciado de Cauchy) de valores dessa variável se, para cadavalor de x nesse intervalo, o valor numérico da diferença f(x + Q) - f(x) decresce indefinida-mente com Q. Em outras palavras, f(x) é continua se um acréscimo infinitamente pequeno dex produz um acréscimo infinitamente pequeno de f(x)."

Essa definição está muito próxima da que usamos hoje em dia, em termos de e e Ó. Aliás,essa simbologia também é devida a Cauchy, que a usa em várias demonstrações, embora elasó se uníversalize a partir da década de sessenta, com as preleções de Weierstr ass em Berlim,

Devemos mencionar ainda o trabalho de Bolzano, já citado no Capítulo 2 (p. 74). Pu-blicado em 1817, ele traz praticamente a mesma definição de continuidade de Cauchy, numenunciado .até mais próximo de nossa definição atual. Ei-la: "uma função :j(x) varia seguridoa lei da continuidade para lodos os valores de x situado.'> num inierualo (novamente usamo» apalavra "intervalo" para simplificar) se a dijerença f(J; + w) - f(x) pode tornar-se men01' quequalquer valor dado, se se pode sempre tomar w tão pequeno quanto se queira."

O objetivo de Bolzano era provar o teorerna do valor intermediário, De momento caberessaltar o mérito desse seu trabalho, onde ele revela as mesmas preocupações com o rigorque vimos em Cauchy, e que estavam na ordem d'o dia. Aliás, na introdução ele mencionaque no ano anterior (1816) Causs publicara duas demonstrações do Teorema Fundamental daÁlgebra, quando sua demonstração do mesmo teorema, dada em 1799, continha uma falha derigor, como ele mesmo (Causs) reconhecia, por fundamentar uma verdade puramente analíticanum fato geométrico, falha essa que está ausente nas duas novas demonstrações mencionadas.

Devemos observar que Cauchy, não obstante seus inegáveis méritos e influência que teveno desenvolvimento da Análise Matemática, nisso foi muito beneficiado pelas posições que ocu-pava, pela prolixidade com que publicava e, particularmente, por trabalhar no mais importantecentro europeu da época, que era Paris, Outros matemáticos seus contemporâneos havia, demaior visão que ele, e Gauss certamente era um desses, indubitavelmente o maior matemáticodo século, Mas tinha um estilo todo diferente, antes recolhido em si, publicava pouco ("paucased matura"): e Gôttingen, o centro a que pertencia, ainda não rivalizava com Paris.

o teorema do valor intermediário, .

Já tivemos oportunidade de mencionar que o objetivo principal de Bolzano. com seu trabalhode 181.7, foi demonstrar o teorema do valor intermediário por meios puramente analíticos,

Cauchy, após enunciar o teorema do valor intermediário no texto de seu Cours d'Analyseoferece, como "demonstraçào'' I o que não passa de uma simples 'justificativa", baseada na"visualização geométrica". De fato, supondo que b seja um valor compreendido entre f(xo) ef(X), para mostrar que existe x entre zo e X tal que f(x) = b, ele simplesmente argumenta que

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Capítulo 4: Funções, limite c continuidade 129

"a curva que tem por equação y = f(x) deve encontrar uma ou várias vezes a reta que tem porequação y = b no intervalo compreendido entre as ordenadas que corresporuiern às abscissasXo e X", apelando simplesmente para o fato de que o gráfico de f é uma curva contínua ...Todavia, uma verdadeira "demonstração analítica" é dada na "Nota lII" no final de seu livro.

, Como já observamos, o teorema do valor intermediário é evidente, quando interpretadogeometricamente. E por isso mesmo era aceito e usado no século XVIII, sem questionamento.As duas argumentações de Cauchy, mencionadas acima - a "justificativa" e a "demonstraçãoanalítica" - refletem muito bem a utilização do teorerna no cálculo aproximado de raizesde polinômios. E revelam também a familiaridade que Cauchy certamente possuía com ostrabalhos desses matemáticos do século XVIII. .

Weiers tr ass e os fundamentos da Análise

Karl Weierstrass (1815-1897) estudou direito por quatro 'anos na Universidade de Bonn, pas-sando em seguida para a Matemática. Abandonou os estudos antes de se doutorar, tornando-seprofessor do ensino secundário (Gymnasium) em Braunsberg, de 1841 a 1854. Durante todoesse tempo, isolado ,~o mundo científico, trabalhou intensamente e produziu importantes tra-balhos de pesquisa que o tornaram conhecido de alguns dos mais eminentes matemáticos daépoca. Um desses trabalhos, publicado em 1854, tanto impressionou Richelot, professor emKônigsberg, que este conseguiu persuadir sua Universidade a conferir a Weierstrass um títulohonorário de doutor. O próprio Richelot foi pessoalmente à pequena cidade de Braunsberg paraa apresentação do título a Weíerstrass, saudando-o como "o mestre de todos nós". \Veierstrassdeixou Braunsberg e passou por vários postos do ensino superior, terminando professor titularda Universidade de Berlim, de onde sua fama se espalhou por toda a Europa. Tornou- se umprofessor muito procurado, que mais transmitia suas idéias através dos cursos que ministravado que por trabalhos publicados; e dessa maneira exerceu grande ·influência sobre dezenas dematemáticos que freqüentavam suas preleções.

A partir de 1856 Weierstrass ministrou diversos cursos sobre teoria das funções, às vezes omesmo curso repetidas vezes, e vários de seus alunos, que mais tarde se tomariam matemáticosfamosos, fizeram notas desses cursos, como A. Hurwitz, ;"1. Pasch e H. A. Schwarz. E muitasdas idéias e resultados obtidos por Weierstrass estão contidos nessas notas ou simplesmenteforam divulgados por esses seus alunos, por cartas ou em seus próprios trabalhos científicos.Nas Notas dos cursos de Weierstrass aparecem as primeiras noções topológicas, em particular adefinição de "vizinhança" de um ponto, a definição de continuidade em termos de desigualdadeenvolvendo é e 8, e vários resultados sobre funções contínuas cm intervalos fechados. Emparticular, o chamado "Teorerna de Bolzano-Weierstrass" está entre esses resultados, o qualWeierstrass formulou originalmente para conjuntos infinitos e limitados, e não para seqüências,como vimos no Capítulo 2 (p. 66). O teorema diz que todo conjunto numérico infinito elimitado possui ao menos um ponto de acumulação. O leitor não terá dificuldades em provaro teorema nesta versão com os mesmos argumentos usados na demonstração da outra versãodada na p. 67. Weierstrass, através de seus cursos, exerceu decisiva influência na modernizaçãoda Análise.

CarI Friedrich Gauss (1777-1855)

Gauss nasceu em Brunswick, de pais pobres; e teve suas qualidades de gênio reconhecidas bemcedo. Graças à proteção do duque de Brunswick pôde estudar e cursar a Universidade deGõttingen, onde, a partir de 1807 e pelo resto de sua vida, seria Professor de Astronomia eDiretor do Observatório.

Ao lado de Arquimedes e Newton, Gauss é considerado um dos três maiores matemáticosde todos os tempos. Sua produção científica se espalha por todos os domínios da Matemática

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130 Capítulo 4: Funções, limite e continuidade

e da Ciência Aplicada, como Astronomia, Geodésia, e mesmo Eletricidade e Magnetismo.As preocupações de Gauss com os fundamentos da Análise, e com o rigor na Matemática

de um modo geral, são anteriores às de Cauchy, e revelam mesmo uma sensibilidade maisapurada. Sua primeira demonstração do Teorema Fundamental da Álgebra, de 1799, nãosatisfez a si próprio, por apoiar-se na intuição" geométrica, por isso mesmo ele daria váriasoutras demonstrações do mesmo teorema. E nessa mesma época, vinte anos antes de Cauchy,Gauss já define corretamente o limite superior de uma seqüência e demonstra que a sérieI:: an cos nx converge se an tende a zero. Em 181:1ele publica 11m alentado trabalho sobre asérie hipcrgeométrica,

( ) ~ (a)n(b)n nF a, b, C;x = L-.. --I (-)-x ,

n. c ni=l

onde o símbolo (r)n significa r(r + l)(r + 2) ... (r + n - 1). Juntamente com Legendre, Abel eJacobi, deixou marcantes contribuições à teoria das funções elípticas.

Por várias razões Gauss não teve em sua época tanta influência como Cauchy. Comojá dissemos, só publicava trabalhos muito bem acabados, que nada deixassem por fazer; eencontrava-se afastado de Paris, que era a meca científica da época. A "issodeve-se acrescentarque não tinha pendores para o ensino. Confessava mesmo que não gostava de ensinar, e tevepoucos alunos.

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Capítulo 5

•• A

SEQUENCIAS E

SÉRIES DE FUNÇOES

Introdução

Num primeiro curso de Cálculo, o estudante aprende a calcular certas integraisde funções dadas em termos de funções bem conhecidas. Exemplos:

fx dt 1-dt = 1--;

1 t2 xrx dtia 0 = 2Vx.

Mas são muito poucas as funções que podem ser efetivamente integradas.As integrais da grande maioria das funções ficam apenas indicndas, visto nãopoderem ser efetuadas em termos de funções conhecidas. Exemplos:

lax 0--dtoo t3 + 1 ' lx -,,---,-e_t-,-_d i:

-1 t2 + 3et + 5 ' fx ..«:5 dtoI t +t+1

Cada uma destas integrais define uma nova função. A função chamada loqariimonatural, por exemplo, costuma ser definida assim:

fX1logx = -dt

1 tpara todo x > o.

Uma outra função, de importância fundamental em estudos de Probabilidade eEstatística, chamada distribuição normal, é definida por uma integral, assim:

1 lX 2iP(x) = .rn- e-t dtv 27r -00

o fato de todas essas integrais não poderem ser calculadas em termos defunções "elementares" bem conhecidas não traz maiores inconvenientes, poistais integrais têm sido exaustivamente estudadas, com valores numéricos calcu-lados e tabelados, muito antes mesmo de contarmos com os poderosos recursosmodernos dos computadores.

As séries de funções são um outro processo infinito muito importante para adefinição e o estudo das propriedades de [unções. Por exemplo, o leitor já viu,

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132 Capítulo 5: Seqüências e séries defunções

em seu curso de Cálculo, que funções como sen x e cos x, possuem as seguintesséries de l\IacLaurin:

X2 x4 00 (_l)nx2nCOSX=l-2!+4!-"'=~ (2n)!

Estas séries podem ser usadas como ponto de partida para a definição de sen x ecos x de maneira puramente analitica, sem a necessidade de recorrer à motivaçãogeométrica, como se costuma fazer em Trigouometria.

Seqüências de funções

Vamos iniciar este nosso estudo com as seqüências de funções fn, todas com omesmo domínio D. Assim, para cada valor de x em D, temos uma seqüêncianumérica fn(x), à qual se aplicam todos os conceitos e resultados do Capítulo2, em particular o conceito de limite. Aqui, entretanto, esse limite, em geral,depende do valor I considerado - é função de x; daí designarmos o limite deuma seqüência de funções fn(x) por f(x), justamente para evidenciar que esselimite é função de x.

Convergência simples e convergência uniforme

Quando lidamos com seqüências de funções, há que se distinguir dois tipos deconvergência, um dos quais é o de convergência simples ou convergência pontual.Diz-se que uma seqüência de funções i«, com o mesmo domínio D, convergesimplesmente ou pontualmente para uma função f se, dado qualquer E > O,para cada x E D existe N tal que

n> N =} Ifn(x) - f{x)1 < E.

Observe, entretanto, que o N que é determinado nessa definição pode nãoser o mesmo para diferentes valores de x.

5.1. Exemplo. Um exemplo simples e bastante esclarecedor do conceitode convergência uniforme é o da seqüência fn(x) = x [ii, o domínio de x sendotoda a reta. É claro que f,,(x) -+ O, pois, dado qualquer E> O,

. IxlIx/nl < E {=} n > N = -.

E

Vemos assim que, para cada :c fixado, encontramos um N; mas esse N variacom o variar de :1.': e quanto maior for Ixl, tanto maior será o N, o qual tende

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Capítulo 5: Seqiiências e séries de funções 133

a infinito com Ixl -> oo , Em conseqüência disso, a convergência de 'x/n parazero não se dá de maneira "uniforme" para diferentes valores de x. A Fig. 5.1ilustra muito bem o que se passa: o gráfico das funções y = x [r: são retas, quesetornam tanto mais próximas do eixo dos x quanto maior for o Índice n. Mas,não importa quão grande seja esse índice, há sempre valores de x para os quaisIfn(x)1 supera qualquer número positivo, digamos, Ifn.(x)1 > 1. Dito de outramaneira, os gráficos não aproximam o eixo dos x de maneira "uniforme em x".

cFig. 5.1 Fig. 5.2

Porém, como a própria figura sugere, restringindo o domínio das funções fna um intervalo do tipo Ixl ~ c, onde c é qualquer número positivo, conseguimosdeterminar um índice N, válido para todos os valores x desse intervalo. Comefeito, neste caso, Ix/nl ~ cf n; de forma que basta fazer c/n < é para termostambém Ix/nl < é; ora, fazer cf n. < é é o mesmo que fazer n > c] e, Assim,

c Ixln> N = - => Ifn(x)1 = - < é.é n

Dizemos então que a convergência é "uniforme em x", visto que conseguimosencontrar um N (= c/ é) válido para todo x E [-c, cl. É interessante observartambém que, se aumentarmos o c, teremos de aumentar o N, embora a con-vergência continue uniforme em qualquer intervalo Ixl ~ c. Mas observe: elanão é uniforme na união desses intervalos, que é todo o eixo real!

5.2. Definição. Diz-se que uma seqüência de funções fn converge uni-formemente para uma função f num domínio D se, dado qualquer é > O, existeN tal que, para todo x E D,

n> N => Ifn(x) - f(x)1 < é.

É costume referir-se à convergência de uma seqüência de funções fn paralima Iunçâo f, sem qualquer qualificntivo; neste caso deve-se entender que se

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134 Capítulo 5: Seqüências e séries de [unções

trata de convergência simples ou pontual. .É claro que este tipo de convergência éconseqüência da convergência uniforme, mas a convergência pontual não implicaa convergência uniforme.

A convergência uniforme admite uma interpretação geométrica simples esugestiva: ela significa que, qualquer que seja ê > 0, existe um índice N a partirdo qual os gráficos de todas as funções fn ficam na faixa delimitada pelos gráficosdas funções f(x) + e e f(x) - e (Fig. 5.2). Ao contrário, a convergência nãosendo uniforme, existe um E > ° tal que, para uma infinidade de valores n, ográfico de f acaba saindo da faixa (-ê, s), centrada no gráfico de f. É esse ocaso da seqüência fn(x) = x/n, que converge para f(x) = ° (x real), mas nãouniformemente. Então, qualquer que seja e > 0, o gráfico de qualquer fn acabasaindo da faixa (-ê, e ), centrada no eixo dos x, como se vê na Fig. 5.1.

Para negar a convergência uniforme, não é preciso que a desigualdadeIfn(x) - f(x)1 < e seja violada qualquer que seja e e para todo n, como aconteceuno exemplo anterior. Basta que essa violação ocorra para algum e > ° e parauma infinidade de índices n, como ilustra o exemplo a seguir.

.~

O n

5.3. Exemplo. Consideremos a função f(x) = e-x2, cujo gráfico é simétrico

em relação ao eixo Oy e que tende a zero com x -> ±oo. Seja fn a seqüênciadada por fn(x) = f(x - n). Como se vê, o gráfico de !n é o de ! transladadon unidades para a direita (Fig. 5.3). É fácil ver, então, que !n(x) -> ° pontual-mente. Mas essa convergência não é uniforme, pois !n(n) = 1, de sorte que acondição Ifn(x) - !(x)1 < e estará violada em x = n com qualquer e < 1. En-tretanto, se nos restringirmos a qualquer semi-eixo x :s: c, teremos uniformidadeda convergência, visto que, a partir de n 2: c, In(x) :s: !n(c) :s: exp[-(c - n)2J;ora, esta última expressão pode ser feita menor do que qualquer e > ° a partirde um certo índice N, independentemente de x, desde que x :s: c.

Fig.5.3

5.4. Teorema (Critério de convergência de Cauchy). Uma con-dição necessária e suficiente para que uma seqüência de funções fn convirjauniformemente para uma função f num domínio D é que, dado qualquer e > 0,exista' N tal que, qualquer que seja x E D, se tenha:

n > Nem> N => Ifn(x) - fm(x)1 < E. (5.1)

Demonstração. Para provar que a condição é suficiente, observamos que(5.1) e o critério de Cauchy para seqüências numéricas garantem que, para cadax fixado, a seqüência numérica fn(x) converge para um certo número f(x), de

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Capítulo 5: Seqüências e séries de funções 135

sorte que In{x) - Im{x) tende a !n{x) - I{x) com m -+ 00; portanto, passandoao limite em (5.1) com m -+ 00, obtemos

n> N,* I!n{x) - l{x)1 ~ e,

qualquer que seja x E D, e isso prova a convergência uniforme de In para I.(O fato de havermos perdido a desigualdade estrita não importa; se quiséssemosterminar com Ifn{x) - f{x)1 < e, bastaria começar com €/2 em (5.1), o que noslevaria a IIn{x) - f{x)1 ~ €/2 < s.)

Deixamos ao leitor a tarefa de provar que a condição é necessária.

Exercícios

1. Prove que, qualquer que seja z , cosnx não tende a zero.

2. Mostre que J,,(x) = l/nx --+ ° pontualmente em x # 0, mas não uniformemente. Proveque a convergência é uniforme em qualquer domínio do tipo JxJ 2: c > O. Faça os gráficos

. das J"(x) para entender o que acontece.

3. Prove que },,(x) = 1/(1 +~nx) tende a zero em x # 0, mas não uniformemente.

<1. Mostre que as soquências

J,,(x)=~logn

• (- ) _ sen(nx + cos nx)e J,,:r. - x2 + Tl + 1

tendem a zero uniformemente em z, para todo x real.

5. Mostre que a seqüência J,,(x) = z " tende a zero pontualmente no intervalo [O, 1), masnão uniformemente. Prove que a convergência é uniforme em qualquer intervalo [O, c],com c < 1. Faça o mesmo no caso dos intervalos (-1, 1) e [-c, c). Interprete sua análisegeometricamente nos gráficos das funções J".

6. Faça os gráficos das funções da seqüência

J ( ) - { (l - n)x + 1"x - 1/n2x

se O:::: z ::::l/nse x 2: l/n

Mostre que essa seqüência tende a zero pontualmente em x > 0, mas não uniformemente.Prove que a convergência é uniforme em qualquer semi-eixo x 2: c > O.

7. Prove que J,,(x) = x2/(1 + nx2) tende a zero uniformemente em toda a reta.

8. Prove que a seqüência J,,(x) = x/(1 + nx) tende a zero uniformemente em x 2: O. Analiseo comportamento dessa seqüência em x < O.

9. Estude a seqüência J,,(x) = nx/(l + nx) quanto à convergência simples e uniforme.

10. Determine o limite da seqüência J,,(x) = nx2 /(1+nx) e prove que a convergência é uniformeem ;c 2:: O. Anal isc I.L situação CIII :J: < O.

11. Mostre que a seqüência J,,(x) = eX/" tende a 1 pontualmente para todo x real, mas não

uniformemente. Prove que a convergência é uniforme em qualquer intervalo [-c, c).12. Mostre que a seqüência J"(x) = nxe-"x. considerada em x 2: 0, tende a zero pontualmente,

mas não uniformemente. Prove que a convergência é uniforme em qualquer semi-eixox 2: c > O.

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136 Capítulo 5: Seqüências e séries de [unções

13. Faça o mesmo que no exercício anterior para a' seqüência I,,(x) = n2xe-nx.

14. Estude a seqüência In(x) = x/(l +nx2) quanto à convergência simples e uniforme em todaa reta.

15. Considere a seqüência I,,(x) = xn(l - xn) no intervalo [O, 1]. Faça o gráfico de [«,determinando, inclusive, seu valor máximo e o ponto x" onde ele é assumido. Mostre queIn(x) tende a zero pontualmente, mas não uniformemente. Prove que a convergência éuniforme em qualquer intervalo [O, c]. c < l.

16. Faça o gráfico de I n (x) = z" /(1 +xn) para todo x 2: O e mostre que essa seqüência convergepara a função

I(x) = { I/2 se O::; x < 1se x = 1se x> 1

111as não uniformemente, Prove que a convergência é uniforme em qualquer domínio dotipo R+ - \'6(1), com 6 > O. (Aqui, como de costume, R+ denota o conjunto dos númerosreais positivos.

17. Mostre que In(x) = nx/(1 + n2x2) - O qualquer que seja x real, mas não uniformemente.Prove que a convergência é uniforme em qualquer domínio Ixl 2: c > O.

18. Prove que a seqüênciaIn(X) = nx

1 +n2x2logntende a zero uniformemente, para todo x real.

Sugestões e soluções

1. Se cos nx ~ O, o mesmo seria verdade de cos 2nx. Como cos 2nx = cos2 nx- sen2nx, sen nxtambém tenderia a zero, o que é absurdo, pois sen2nx + cos2 nx = 1.

2. Observe que In(l/n) = 1/2.

5. Observe queIO<Té

z " < é Ç} n log x < Iog e Ç} n > N = _I o .. ogx

Vemos assim que para cada x fixado encontramos um N, mas esse N varia com o variarde x,tendendo a infinito com x-I (estamos supondo O < é < 1); logo, a convergência épontual, mas não uniforme. Com a restrição O < x ::;c < 1,

loge: < log€logx - log c '

de forma que basta tomar N = log é/ log c, para que tenhamos

n > N => z" < é.

7. Observe que In(x) < l/n.

8: O caso x ::::O é análogo ao exerCICIOanterior. No caso x < O não· podemos permitirx = -l/n em In(x). Mas, qualquer que seja c > O, com n > 2/c e x ::; -c, teremos:

11 + nxl = nlxl - 1 > nlxl - nlxl/2 = nlxl/2 > nc/2,

donde segue a convergência uniforme.

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Capítulo 5: Seqüências e séries de funções 137

9. A convergência é uniforme em qualquer domínio do tipo Ixl ~ c > O, como se vê analisandoa diferença 1 - in(x). Observe que in(l/n) = 1/2, donde se vê que a convergência nãopode ser uniforme em toda a reta.

x2 x 110. I. ,,(x) = --/- -> x; li,,(x) - z] = 1---1 < - se x ~ O, o que prova que a con-

x + 1 n 1+ nx nvergência é uniforme nesse domínio. Se J: < 0, como x não pode ser igual a - l/n, pelomenos a partir de um certo n, podemos nos restringir a x S c < O, onde, novamente, aconvergência é uniforme, como o leitor deve provar. .

14. i", que é função ímpar, assume valor máximo 1/2.,fii em x" = 1/,,;n. Faça o gráfico de I"- para diferentes valores de n.

15. i" assume seu valor máximo 1/4 em Xn = 1/ V'2, que tende a 1 crescentemente. Compareos gráficos das diferentes funções In para valores crescentes de n.

16. Calcule as derivadas primeira e segunda de I,,(x); verifique que a derivada primeira ésempre positiva e a derivada segunda se anula em x" = [(n - l)/(n + 1)j1/", que tende a 1crescente mente. Compare os gráficos das diferentes funções l«, para valores crescentes den.

17. Observe que In(±l/n) = ±l/2. Se Ixl ~ c > O, li,,(x)1S l/nlxl S l/ne.18. Observe que I" é funcão ímpar e ache seu valor máximo.

Conseqüências da convergência uniforme

A convergência uniforme, como se vê, é mais restritiva que a convergência sim-ples, por isso mesmo tem várias conseqüências importantes, como veremos aseguir.

5.5. Teorema. Se fn é uma sequencui de funções contínuas num mesmodomínio D, que converge uniformemente para uma [unçâo ] , então f é contínuaem lJ.

Demonstração. Sejam x, x' E D. A desigualdade do triângulo permiteescrever:

lJ(x) - f(x')1 IU(x) - fn(x)) + Un(x) - fn(x')) + Un(x') - f(x'))1:s If(x) - fn(x)1 + Ifn(x) - !n(x')1 + I!n(x') - f(x')1

Dado qualquer e > O, a convergência uniforme permite determinar N tal que,para n > N, o primeiro e o último termo desta última expressão sejam cadaum menor do que ê/3, quaisquer que sejam x, x' E D. Feito isso, fixamos oíndice n e usamos a continuidade de fn para determinar Ó > O tal que x, x' ED, Ix - x'l < ó; Ifn(x) - fn(x')1 < êj3. Assim, obtemos

x, x' E D, Ix - x'l < ó ~ If(x) - f(x')1 < ê,

e isso completa a demonstração.

De acordo com o teorema que acabamos de demonstrar, se o limite de umaseqüência de funções contínuas num domínio D não é uma função contínua

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138 Capítulo 5: Seqüências e séries de funções

nesse domínio, então a convergência certamente não é uniforme. É esse o casoda seqüência xn /(1 + xn) que, como vimos no Exerc. 16 atrás, converge para afunção

{

O se ° < x < 1f (x) = 1/2 se x = 1

1 se x> 1

que é descontínua; logo, a convergência não pode ser uniforme em qualquerintervalo que inclua o ponto x = 1. Do mesmo modo, a seqüência xn nãoconverge uniformemente no intervalo [O, 1], pois a função limite é 1 em x = 1 ezero em x < 1.

Deve-se notar também que uma seqüência de funções contínuas pode con-vergir para uma função contínua, sem que a convergência seja uniforme, comonos Exercs. 3 e 4 atrás, dentre outros.

5.6. Teorema. Nas mesmas hipóteses do teorema anterior, sendo D uminter'valo [a, b], temos:

lim t fn(x)dx = t[limfn(x)]dX = lb

f(x)dx. (5.2)

Demonstração. Da convergência uniforme segue~se que, dado qualquer e > 0,existe N tal que n >N '* If(x}- fn(x)1 < e ; logo, n > N implica

donde

11bfn(x)dx -l f(X)dXI ::; lb1fn(x) - f(x)ldx < ê(b - a).

Isto prova o resultado desejado.

O teorema que acabamos de provar nos diz que podemos trocar a ordemdas operações de integração e de tomar o limite com n ---> 00, desde que a con-vergência seja uniforme. Ele foi demonstrado no pressuposto de que as funçõesfn fossem todas contínuas no intervalo [a, b]. Mas tal hipótese nem é necessária;basta, além da convergência uniforme, que as funções fn sejam integráveis em[a, b], mas não vemos tratar este caso aqui.

5.7. Teorema. Seja fn uma seqüência de funções com derivadas contínuasnum intervalo [a, õ], tal que f~ converge uniformemente para uma função g.Suponhamos ainda que num ponto c E [a, b] a seqüência numérica fn(c) con-verge. Então, fn converge uniformemente para uma função f, que é derivável,

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Capítulo 5: Seqiiências e séries de [unções 139

com!, = g. Esta última relação também se escreve

d d-limfn(x) = lim - fn(x).dx dx (5.3)

Dcmonstraçiio, O tcorcma fundamental do Cálculo permite escrever

(5.4)

e como a convergência .: -> 9 é uniforme, podemos passar ao limite sob o sinalde integração, o que prova que fn(x) tem por limite uma função f(x), dada por

f(x) = f(c) + II g(t)dt. (5.5)Daqui segue que f' = g.

Falta apenas' provar que fl1 -> f uniformemente. De (5.4) e (5.5),

[fn{x) - f{x)[ :::;[f,,{c) - f{c)[ + tlI[J~{t) - g{t)]dtl· (5.6)

Dado qualquer é: > O, existe N tal que, para todo t E [a, e],

li, > N =- I!n(C) - f{c)[ < E e [f~{t) - g(t)[ < E.

Daqui e de (5.6) obtemos: li, > N => [fn(x) - f(x)[ < E[1 + (b - a)], o quecompleta a demonstração.

O leitor deve notar que a hipótese de convergência uniforme, não daseqüência original [«, mas da seqüência de derivadas f~, foi decisiva na demons-tração deste último teorema; e sem ela não podemos chegar à mesma conclusão.Por exemplo, a seqüência f,,(x) = sennx/n converge uniformemente para zero,mas f~(x) = cos nx nem sequer converge, como vimos no Exerc. 1 atrás.

Séries de funções

Os conceitos de convergência simples e uniforme de seqüências transferem-senaturalmente para séries, interpretadas estas como seqüências de reduzidas ousornas parciais. Assim, a convergência uniforme de uma série de funções,

00L in{x) = fl(x) + h{:I;) + ... ,n=l

significa a convergência uniforme da seqüência de somas parciais ou reduzidasde ordem n,

Sn(x) = fl{x) + ... + !n{x).

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140 Capítulo 5: Seqüências e séries de [unções

Portanto, diz-se que uma série de funções, I.: fn(x), converge uniformementenum domínio D para uma soma f(x) se, dado qualquer I:: > O, existe N tal que,qualquer que seja x E D,

n 00

n > N ~ lJ(x) - Lfi(x)\ = \ L fj(x)\ <I::.j=1 j=11+1

Os Teoremas 5.5 a 5.6 e 5.7, aplicam-se às séries, resultando, como é fácilver, nos teoremas seguintes, sem necessidade de novas demonstrações.

5.8. Teorema (Critério de Cauchy). Uma condição necessária e sufi-ciente para que uma série I.:J.n(x), onde os termos fn são funções com o mesmodomínio D, convirja uniformemente é que, dado qualquer I:: > O, exista N talque

n> N ~ \fn+l(x) + fn+2(X) + ... + fn+p(x)\ < 1::,

qualquer que seja p inteiro positivo;

5.9. Teorema. Uma série de funções contínuas, que converge uniforme-mente num intervalo, tem por soma uma função contínua; e pode ser' integradater-mo a termo.

9.10. Teorema. Se uma dada série de funções I.: fn(x) é tal que a série dederivadas I.: f:,(l;) cotiuerqe uniformemente num iiiterualo, e se a série originalconverge num ponto desse intervalo, então sua soma f é derivável nesse intervaloe a derivação de f pode ser feita derivando termo a termo a série dada.

O teorema seguinte, conhecido como teste M de Weierstrass, é um critériomuito útil para verificar se uma dada série de funções converge uniformemente.

5.11. Teorema (teste M de Weierstrass). Seja fn uma seqüência defunções com o mesmo domínio D, satisfazendo a condição \fn(x)\ S; AI" paratodo x E D, onde I.: M" é uma série numérica convergente, Então a sérieI.:fn(x) converge absoluta e uniformemente em D.

Demonstração. É claro que a série de funções converge para uma certafunção f(x), e converge absolutamente, devido à dominação \fn(x)1 S; AIn e dofato de ser convergente a série I.: Mn' A convergência desta série garante que,dado qualquer c > O, existe N tal que

00

n> N ~ L AIj < C.

j=n+1

Então, para todo x eru D,

n 00 00

11 > N => \f(x) - L fj(x)1 = \ L fJ(x)\ S; L Mj < 1::,

j=1 j=n+1 j=n+1

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Capítulo 5: Seqiiências e séries de [unções 141

o que prova a uniformidade da convergência e conclui a demonstração do teo-rema.

Outra demonstração pode ser feita com base no critério de Cauchy: dadoqualquer é > O, existe N tal que, para todo x E D,

n> N =} Ifn+1(x) + ... + fn+p(x)1 S Mn+1 + ... + Mn+p < é.

Na aplicação do teste de Weierstrass, basta, evidentemente, que a série dadaseja dominada pela série numérica a partir de um certo índice N, não necessa-riamente N = 1.

"" sennx5.12. Exemplo. A série ~ converge uniformemente em toda(n + l)n!

a reta, pois é dominada pela série numérica convergente L 1/1/.! Portanto, eladefine uma função contínua f. Além disso, a série de derivadas também convergeuniformemente, como é fácil ver, donde concluímos que f é derivável e

co/ ~ cosnxf (x) = ~ (n + l)(n _ I)!'

Como se vê, temos aqui um exemplo de função definida por uma serre.

Muitas funções importantes nas aplicações são assim definidas, por meio deséries de funções. Isso acontece tipicamente na solução de equações diferenciaispor meio de séries.

Exercícios

1. Prove que a seqüência fn(x) = nxe-nx2 não converge uniformemente em [O, 1], verificandoque

lim [fn(X)dX # [[limfn(X)]elX.

Nos Exercs. 2 a 5, prove que a série dada converge absoluta e uniformemente no domínioindicado.

00

2. ~-21 2elllR;L..- n' + :c'n=l

00

L sennz:.l. cmR;n'2 + cosnx

n=O00

5. Lxnc-n:r erIlx~O.n=O

6. Prove que a série L z" /(1 +xn) converge absoluta e uniformemente em qualquer intervaloIxl :s c < 1, mas não em (-1, 1). Prove que ela define urna função contínua em' todo ointervalo (-1, 1).

7. Prove que a função f(x) = Lxn/(1 + z "}, definida no intervalo (-1, 1), tende a 00 comx ~ 1 e a -00 com x -+ -l,

8. Prove que L 1/(1 + n2x) define uma função contínua em R, excetuados x = Oe os pontosda forma -1/n2, com n inteiro. Prove também que essa funçâo é derivável, com derivadadada pela série obtidapor derivação termo a termo da série original.

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142 Capítulo 5: Seqüências e séries de (unções

9. Faça o mesmo que no exercício anterior no caso da série L 1/(n2 - x2), 'os' pontos omitidosneste caso sendo os inteiros.

10. Estude a função definida pela série

quanto à continuidade e derivabilidade termo a termo.

11. Faça o mesmo que no exercício anterior no caso da série

f(; -sen;).n=l

12. Seja L In(X) uma série de funções positivas, contínuas e não decrescentes num intervalo[a, b], tal que L: In(b) converge. Prove que a série dada converge uniformemente e que suasorna é integrável, logo,

lb 00 00 lb

I:/n(x)dx =I: In(x)dx.a Il=O n=O a

13. Prove que L e-nx [n converge uniformemente em qualquer serni-eixo do tipo x ?: c > O,logo, é uma função contínua em x > O. Prove que essa função tendea infinito com x -+ O.

Sugestões e soluções

5. Aplique o teste AI de Weierstruss, notando que xHe-H" = e-H(x-Io~x) ~ e-H, pois x-Iogxatinge seu mínimo em x = 1.

6. Observe que [z" /(1 +xn)1 ~ c" I(l-c) e aplique o teste AI de Weierstrass. Se a convergênciafosse uniforme em Ixl < I, pelo critério de Cauchy, dado qualquer € > O, existiria N talque n > N implicaria

xnII + xn I = ISn - Sn-11 < e

para todo x E (-1, 1). Ora, com n par, suficientemente grande, existe x nesse intervalo,muito próximo de 1 ou de -1 (x = Xn = l/.vI2), fazendo o primeiro membro da expressãoacima igual a 1/3. Que a série define uma função contínua em Ixl < 1 é evidente, poisqualquer elemento desse intervalo está em algum [-c, c], com c < 1.

7. Fixado x E (O, 1), In(x) = xn/(l + z ") é uma seqüência numérica decrescente; logo,N

SN(X) = I:xn 1(1 +xn) > Nx.v /(1 +xN). Isso permite mostrar que existe uma vizinhançan=l

de x = 1, onde SN(X) > N/3. Para provar que lim I(x) = -00, considere -S2N(X), em .:r--l .

x = =u. com y -+ 1:

Isto pode ser feito maior do que N12 com y numa vizinhança de 1.

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Capítulo 5: Seqüências e séries de funções 143

8. Considere primeiro x positivo. Em qualquer semi-eixo x ~ c > O,

donde se prova, com O teste M de Weierstras, a convergência uniforme da série original eda série de derivadas. Qualquer x > O está em algum semi-eixo x ~ c > O, o que provaa continuidade da soma da série e sua 'der ivabilidade termo a. termo. Se x :=:: -c < O,tomamos n grande o suficiente para que 1 < n2c/2, donde

1_1_1 = __ 1_ < _1_ < 2/c1+ n2x n21."1- 1 - n2c - 1 n2

9. Considere x restrito a um intervalo [a, bJ que não contenha número inteiro e prove que aía convergência é uniforme, tanto da série original como da série de derivadas.

10. Observe que1-cosx sen2x 1--- . -+ - com x -+ O.

x2 x2(1+cosx) 2

Então, sendo Ixl :=:: AI e n suficientemente grande, a série dada é dominada pela sérieL:!lf2/n2. A série de derivadas, L: (l/n)sen(x/n) também converge absoluta é' uniforme-mente no mesmo intervalo Ixl :=:: AI, pois, a partir de um certo índice N, a correspondentesérie de módulos é dominada por L: 2M /n2.

11 C . . teri t d r x - sen x.. orno no exerci CIO an enor '. es u e lmx_O x3"

Séries de potências

Dentre as séries de funções desempenham papel especial as chamadas séries depotências, que são séries do tipo L:an(x - xo)n, onde xo e os coeficientes an sãoconstantes. Como se vê, elas são séries de potências de x - xo. Dizemos queelas são centradas em xo, têm centro em z n, ou que são séries de potências comreferência a xo.

Sem nenhuma perda de generalidade, no estudo dessas séries podemos fazerxo = O, considerando então séries do tipo L:anxn. Evidentemente, todos osresultados estabelecidos para estas séries podem ser facilmente traduzidos paraaquelas com a substituição de x porx.- zn.

5.13. Lema. Se a série de potências L:anxn converge num certo valorx = Xo f= O, ela converge absolutamente em todo ponto x do intervalo Ixl < Ixol;e se a série diverge em x = xo, ela diverge em todo x fora desse intervalo, istoé, em Ixl > Ixol·

Demonstração. Se a sene converge em xo, seu termo geral, anxa, tende azero; portanto, é limitado por uma constante M: Em conseqüência,

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144 Cnpitulo 5: Seqüências e séries de Iiuicôes

Isso mostra que a série (I/M) L lanxnl é dominada pela série geométrica determo geral Ix/xoln, que é convergente se Ixl < Ixal; logo, L lanxnl converge nointervalo Ixl < Ixol·

Se a série 2.:: anxn diverge em x = z n, ela não pode convergir quando 1:r.1 >1:1:01. senão, pelo que acabamos de provar, teria de convergir em x = xo, o quecompleta a demonstração.

Uma série de potências 2.:: anxn pode convergir somente em x = 0, como é ocaso da série L nlz "; ou pode convergir em qualquer valor x, como se dá com asérie Lxn/n! Excluídos esses dois casos extremos, é fácil provar, como faremosno teorema seguinte, que existe um número positivo r tal que a série convergese Ixl < r e diverge se Ixl > r.

5.14. Teorema. A toda série de potências Lanxn, que converge em algumvalor x' =1= O e diverge em alqum outro valor x'', corresponde um número positivor tal que a série converge absolutamente se Ix I < r e diuerqe se Ix I > r.

Demonstração. Seja T o supremo dos números Ixl, x variando entre os va-lores onde a série converge. É claro que T é um número positivo, com Ix'l < r;e r < Ix"l (pois, se Ix"l < 1", haveria x entre [z"] e 1", onde a série convergiria;e, pelo lema anterior, ela teria de convergir também em x", o que é absurdo).Se x é tal que lil < 'r, existe Xo onde a-série convergeccorn jz ] < Ixol ::; r.Então, pelo lema anterior, a série converge absolutamente em x. A série divergeem x com Ixl > 'r, senão, pelo mesmo lema, teria de convergir em todo y comIxl > Iyl > 1" e r não seria o supremo anunciado.

Raio de convergência

O número r introduzido no teorema ante}iór é chamado o raio de convergênciada série. Essa denominação se justifica porque o domínio natural de estudo dasséries de potências é o plano complexo, e quando x varia no plano complexo, oconjunto Ix I < r é um círculo de centro na origem e raio r. Demonstra-se entãoque a série converge no interior do círculo e diverge em seu exterior. Todavia,em nosso estudo só vamos considerar x real; mas, mesmo assim, pelas razõesexpostas, chamaremos r de "raio de convergência" .

O Teorerna 5.14 garante a convergência absoluta no intervalo aberto Ixl < 1",

nada afirmando sobre os extremos -1" e +1'. É fácil dar exemplos ilustrativos detodas as possibilidades. Assim, as séries

têm todas o mesmo raio de convergência, r = 1, como se constata facilmente,verificando que elas convergem quando]z] < 1 e divergem quando Ixl > 1. A

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Capítulo 5: Seqüências e séries de [unções 145

primeira converge em -1 e +1, a segunda converge em -1 e diverge em +1, ea terceira diverge nos dois extremos x = ±l.

A definição de "raio de convergência" como supremo dos números [z], xvariando entre os valores onde a série converge, se estende a todas as serres,podendo ser zero ou infinito, como é o caso das séries L:n!xn e L:xn/n! respec-tivamente. É fácil ver, nestes dois casos, que as afirmações do Teorema 5.14permanecem válidas, com as devidas adaptações: se r = '0, a série diverge paratodo x =1= O; e se r = 00, a série converge para todo x.

O raio de convergência pode ser facilmente calculado quando existe o limitede lan+danl. De fato, neste caso, pelo critério da razão, a série L:anxn éabsolutamente convergente se

I. lan+l Ilm--x. an

for menor do que 1; e divergente se esse limite for maior do que 1. Resulta daíque o raio de convergência da série considerada é

. I an Ir=hm --,an+l

. (mesmo que esse limite seja zero ou infinito), pois a série converge se Ixl < l' ediverge se Ix I > r.

Propriedades das séries de potências

5.15. Teorema. Toda série de potências LanXn, com raio de convergênciar > O (r podendo ser infinito), converge uniformemente em todo intervalo[-c, c], onde O < c < r.

Demonstração. Fixado c < r, seja xo um número compreendido entre c e r.Como a série converge absolutamente em ro, existe M tal que lanxol é limitadopor uma constante M; logo, sendo Ixl :::;c,

lanxnl = lanxoll2..ln :::;}"ll-=-In.Xo Xo

Isso mostra que a série L lanxnl é dominada pela série numérica convergenteLM !C/xoln. Então, pelo teste de Weierstrass, L lanxnl converge uniforme-mente em Ixl :::;c, como queríamos provar.

Observe que o teorema anterior garante.a convergência uniforme em qualquerintervalo Ixl :::;c contido no intervalo Ixl < r, mas não neste último, que é aunião daqueles. Como exemplo, considere a série geométrica

~ n 2 16x =l+x+x + ... =--,n=O l-x

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146 Capítulo 5: Seqüências e séries de [unções

cujo raio de convergência é r = 1. Mas a convergência não é uniforme em todoo intervalo Ixl < 1. Com efeito, pondo

1 - xn+lSn(x) = 1 + x + x2 + o o. + xn = ----

1 - x

temos:

I1 I Ixln+!Sn(x) - --o = --.

l-x l-x

É claro que, dado E > O, não existe N tal que para n > N esta última expressãoseja menor que E para todo x em (-1, 1); basta pensar numa seqüência Xntendendo a 1, com Ixnln+l mantendo-se maior ou igual a um número c tal que° < c < 1. Por exemplo, Xn = c1/(n+l}.

5.16. Teorema da unicidade desenes de potências. Se uma funçãof admite desenvolvimento em série de potência,s num ponto XQ, esse desenvolvi-mento é único.

Demonstração. Suponhamos que f tenha dois desenvolvimentos numa vizi-nhança da origem, Ixl < r:

Essas séries podem ser derivadas repetidamente, termo a termo, na referida vi-zinhança, em particular, em x = O, donde segue que an = bn para todo n, o queprova o teorema.

Se uma função tem serre de potências 'relativamente a um centro XQ, nãoimporta que método empreguemos para obter essa série, já que ela é única peloteorema que acabamos de demonstrar. Muitas séries são obtidas a partir de seuspolinômios de Taylor, como no exemplo a seguir. Outro modo eficaz de obterséries de potências consiste em integrar séries já conhecidas; assim podem serobtidas as séries em potências de x de log(l+x), arctgx e arcsenx, consideradosnos exercícios propostos adiante.

5.17. Exemplo. Os desenvolvimentos de várias funções em séries depotências são freqüentemente obtidos de seus desenvolvimentos de Taylor ouMacl.aurin, bastando para isso verificar que o resto Rn(x) tende a zero comn --+ 00. Por exemplo, sabemos do Cálculo que a função eX tem desenvolvi-mento de MacLaurin dado por:

x2 x3 xneX = 1 + x + I" + I" + ... , + R,,(x),

2. 3. n.

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Capítulo 5: Seqiiências e séries de {unções 147

eC+1xn+londe Rn(x) = ( ) e c é um número compreendido entre zero e x. Então,

n + 1 !

Esta estimativa de R,,(x) nos mostra que tal resto tende a zero com n ~ 00,

qualquer que seja x, donde concluirmos que

x x2

x3 :!;n 2:::00x"e = 1 + x + -2'+ -3

'+ ... + -, + ... = -

• • • 11.. n' 'n~,O .

desenvolvimento este que é válido para todo x real.

De modo inteiramente análogo obtemos os desenvolvimentos de seno ecosseno dados na p. 132.

ExercíciosCalcule o raio de convergência de cada uma das séries dadas nos Exercs. 1 a 6.

l. '2)2n+ 1).7:". 2. f(X-3)". ~. I)J3)2"(:I: I- 2)".11

n=O n:::::l n=O

<'O

4. ~yrnx". 5. 'L)3"/n3)x". 6. 2::: nl(x +1)"1·3 ... (2" - 1)"

n=1 n=l n=l

7. A chamada série hipergeométrica, dada por F(a, b, C; x) = ~ (a~n«)b)nz", onde o símbolo'~ n. Cnn=l

(r)« significa r(r + l)(r + 2) ... (r + n - i), engloba várias funções importantes da FísicaMatemática. Supondo que nenhum dos números a, b, c seja um inteiro negativo, proveque o raio de convergência dessa série é 1.

Obtenha os desenvolvimentos dados nos Exercs. 15 a 21, indicando, em cada caso, odomínio de convergência da série.

x3 x5 00 (_1)"X2"+18. senx = x - -3' + -5' - ... = L (2 )1.. n+ 1.

n==O

x2 x4 ~(_1)"x2"9. COSX = 1 - 2f + 4f - ... = L (2")! .

n::;Q

x3 x5 00 x2n+l

10. senhx = x + 3! + 5! - ... =L (2n+ 1)1n=O

x2 x" oo x2n11.coshz = 1+ 2f + 4f - ... =L (2n)! .

n=O

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148 Capítulo 5: Seqüências e séries de [unções

. X2 X3 00 (_X)n+l12.log(l+x)=x-T+'3-"·= 2:--n-'

n=l

13. Série binomial: (1 + xl" = 1 + TX + (;)x2 + ... = f(:)xn.n=O

x3 X5 00 (_1)n14. arctgx = x- - + -- ... = "" x2n+l. Faça x = 1 e obtenha o seguinte resultado,3 5 L..,. 2n + 1

n=O

nhecid .. d L b' "Ir 1 1 1 1co teci o como serre e ei mz: 4' = -:3 + 5' - '7 + .

?, _. _1_.3 .. ~.5. _ ~l ·3· 5 (2.,.. - 1) .2n+l- 2. arcsen x - X + 2 . 3 x I 2!22 . 5x -l ... - L..,. n!2" (2n + 1) z .

n=O

Sugestões

a" vrn (n) I/n4. an+l = n+.yn + 1 = n + 1 .

5. ~=~(n+l)3 ->~.

an+1 3 n 3

e

As funções trigonométricas

Nos Exercs. 8 e 9 atrás obtivemos as funções. seno e cosseno em serres de .potências de x. Observe que para se obter tais séries basta supor que existamduas funções s(x) e c(x), de classe e1 em toda a reta, e tais que

S'(X) = c(x), c/(:o) = -.5(;), s(O) = O, eCO)= 1. (5.7)

De fato, se existirem duas tais funções, é claro que elas serão de classe eooem toda a reta; e que s2(x) + c2(x) = 1 (Exerc. 1 adiante), donde Is(x)1 ::; 1 eic(x) I ::; L Em conseqüência, essas funções têm desenvolvimentos de MacLaurin,com rés tos que tendem a zero com n -> 00, qualquer que seja x. fazendo n -e+ 00

nesses desenvolvimentos, obtemos as séries já mencionadas e aqui repetidas:

00 (_1)"x2n+l

s(x) =:; (2n +- 1)! e (5.8)

É facil verificar que essas séries convergem qualquer que seja x, portanto, real-mente definem funções de classe C?" em toda a reta, podem ser derivadas termoa termo e satisfazem as propriedades (,5.7). Elas são agora usadas como nossoponto de partida para definir as funções seno e cosseno.

É interessante notar que as funções dadas em (5.8) são o único par de funçõessatisfazendo (5.7) (Exerc. 2 adiante). Portanto, a partir de agora escreveremossenx em lugar de s(x) e cosx em lugar ele c(s).

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Capítulo 5: Seqüências e séries de funções 149

Das fórmulas (5.8) segue imediatamente que cos x é uma função par e sen xé ímpar. Provam-se também as seguintes "fórmulas de adiçào de arcos":

sen(a + b) = sen a cos b + cos (t sen b,

(5.9)

cos( a + b) = cos a cos b - sen a sen b

Todos as fórmulas e resultados da trigonometria seguem das identidadesfundamentais obtidas acima.

Vamos provar que existe um número c > O tal que, à medida que x crescede zero a c, sen x cresce de zero a 1 e cos x decresce de 1 a zero. Definiremos onúmero rr como sendo igual a 2c, donde c = To /2.

Começamos observando que cos x > O em toda uma vizinhança da origem,pois é função contínua e positiva em x = O; e como (senx)' = cos z , vemos quesen x é crescente logo à direita da origem, portanto, positiva, já que sen 0= O.E como (cos x)' = -sen x, cos x é decrescente logo à direita da origem.

Vamos provar que cos x se anula em algum ponto à direita da origem.Supondo ocontrário,pelo teoremadovalor intermediário, cos x > Opara x ~. O;portanto, seu x é estritamente crescente e cos x estritamente decrescente emx > O. Fix~do qualquer a > 0, teríamos:

e, por induçâo, cos2na < (cosa)2" para todo ri inteiro positivo. Concluímosque cos 2na -; 0, já que cos a < 1. Em conseqüência, existe b > O tal quecos~ b < 1/2 e sen2b > 1/2; logo,

cos 2b = cos2 b. - sen'2b < O,

que contradiz a suposição inicial de que cos x não se anula em x > O.Existem, pois, raízes de cos x = O em x > O. Seja c o ínfimo dessas raizes.

É claro que c > O; e cos c = O pela continuidade de cos x. Como esta funçãoé positiva em O ::; x < c, sen x é crescente nesse intervalo, portanto, sen c = 1.Pomos agora rr = 2~. Em resumo, quando x varia de zero a rr/2, sen ,r cresce dezero a 1 e cos x decresce de 1 a zero.

Uma vez definidas as funções seno e cosseno, as demais funçõestrigonométricas, bem como todas as inversas, são definidas e estudadas demaneira óbvia, como o leitor deve reconhecer sem dificuldades. Algumas dessasquestões são propostas nos exercícios.

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1. Prove que se s(x) e c(x) são duas funções de classe el satisfazendo (5.9), entãos2(x) + c2(x) = 1.

2. Prove que (5.8) é o único par de funções s(x) e c(x) de classe el satisfazendo (5.7).

3. Prove as fórmulas (5.9).

·L Prove que senrr = O, cos rr = -1, scn3rr/2 = -1, cos3rr/2 = O, sen2rr = O, cos2rr = 1,sen(x -rr/2) = cosx e cos(x - rr/2) = senx.

5. Prove que sen x e cos x são funções periódicas de período 2rr. Prove também que 2rr é omenor período positivo dessas funções. Faça os gráficos dessas funções.

6. Prove que lim ~ = 1.x-o x

150 Capítulo 5: Seqiiências e séries de [unções

Exercícios

7. Mostre que a função sen x, restrita ao intervalo Ixl < t:12, é invertível; e que sua inversatem derivada (1 - X2)-1/2. Repita o exercício restringindo a função senx ao intervalo[rr/2, 3rr/2]; agora a derivada deverá ser -(1- x2)-1/2.

8. Mostre que a função cosx, restrita ao intervalo O < x < te, é invertível; e que sua inversatem derivada -(1- x2) -1/2. CaBIO no exercício anterior, repita a questão, começando COIll

a função cosx restrita ao intervalo [rr, 2rr].

9. Defina tg x =sen x] cos x e faça o gráfico dessa função. Prove que, restrita ao intervaloIxl < rr, ela é invertível; e que sua inversa, -arctg z , tem derivada (1 + x2)-1. O número 7r

pode ser calculado por integração numérica dessa derivada entre x = O e x = +00.

Sugestões

1.Derive f(x) = s2(x) -\- c2(:z:) e note que f(O) = L

2. Suponha que existisse outro par de funções. S e e. nas mesmas condições de s e c,respectivamente. Mostre que se - Sc = a e sS -l- ce = b são consto.ntes; a = O, b = 1.Tendo em conta que 8'2 + (? = 1, obtenha a.') + bc = C c bs - ac = S. Daqui segue, COIU

x = O, que S(x) = s(x) e e(x) = c(x).

3. Ponhaf (x) = sen( x -l- b) - sen x cos b - cos x sen b,

g(x) = cos(x -t- b) - cosx cos b + senx senb;

e verifique que t' = 9 e o' =' - I, e que f2 + g2 = O. Conclua, pela continuidade, que

f =g = O.

5. Se p e p' são períodos, também o são -p e p + p': Mostre que se p é um período entre zeroe 2rr, então existe um período menor do que tt e outro menor do que tt 12.

Notas históricas e complementares

As séries de potênciasAs séries de potências começaram a surgir logo no irúcio do Cálculo, no século XVII. Assim,Newton obteve a série geométrica

_1_ = 1+ x + x2 + x3 -\- •••l-x

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Capítulo 5: Seqiiências e séries de funções 151

por divisão direta do numerador 1 pelo denominador 1 - x. E obteve a série do logaritrno,

;c2 x3 oo (_x)1L+l10g(1 + x) = x - - + - - ... = '\' ---,

x.3 0 nn=l

integrando termo a termo a série anterior. Isso aconteceu por volta de 1665, no contextode calcular áreas sob a hipérbole, mas tais resultados só foram publicados posteriormente.Nicolaus Mercator (16:20-1687), apoiando-se nos resultados de Crcgorius Saint Vincent, obtevea mesma série do logaritmo em 1668, daí essa série ser às vezes chamada "série de Newton-Mercator",

Newton obteve muitas outras séries. de potências por esse mesmo método de expandircertas Iunções simples e integrar termo a termo. Por exemplo, aplicando esse procedimento àsérie

1 2. 61+ x2 = 1 - x + x - x + ... ,

obtemos a série de arctg x:

,,3 x"' .::;:... (-1)" 2,,+1arctg x = x - "3 + "5 - ... = 0 2n + 1x .

n=O

Nesse domínio das séries, o mais importante dos resultados de Newton foi sua descoberta dasérie binomial (Exerc. 13 da p. 148).

A descoberta das séries de potências das funções elementares den grande impulso ao desen-volvimento do Cálculo. Bastava agora saber derivar eintegrar potências de" pari' ser possívelderi var e integrar uma função qualquer. Foi até providencial que as séries de potências fossemdescobertas antes que outros tipos de séries de funções, já que elas definem funções muito bemcomportadas - as chama:das junções anoliticas. Por causa disso elas podem ser derivadase integradas termo a termo, operações essas que eram executadas desde o início do Cálculo,sem maiores preocupações com questões de convergência. Mas isso não é sempre possível coruoutras séries de funções, como as séries trigonométricas. É interessante notar também que osurgimento dessas outras séries nas aplicações, sobretudo as séries de Fourier no final do séculoXVIlT, foi um fator dccisi vo no descnvol virncnto da teoria da convergência.

Lagrange e as funções analíticasJoseph-Louis Lagrange (1736-1813) nasceu em Torino, onde tornou-se professor de Matemáticana Escola Real de Artilharia aos 19 anos. E aos 25 anos já era reconhecido como um dos maioresmatemáticos do século. Em 1776 Lagrange aceitou o convite para substituir Euler em Berlim,já que este transferia-se de volta para São Petersburgo. Ele satisfazia assim O expresso desejode Frederico II, segundo o qual "era preciso que o maior geômetra da Europa vivesse junto aomaior dos reis". Com a morte de Frederico em 1787, Lagrange transferiu-se para Paris, ondepermaneceu pelo resto de sua vida.

Lagrange produziu urna série de trabalhos da maior importância, nos mais variadosdomínios da Matemática e da ciência aplicada. Sua. obra mais famosa é a Mécanique Ana-/yUque, concebida em sua juventude, ruas só publicada em 1788, e COIU a qual a Mecânicaficava definitivamente estabelecida como uru ramo da Análise Matemática.

Em 1797 Lagrange publicou um livro intitulado Théorie des [onclions ana/ytiques, no qualele procura resolver o problema da fundamentação do Cálculo em bases puramente algébricas,sem a necessidade de considerar grandezas infinitesirnais. Para isso ele serve-se da série deTaylor, num processo inverso: partindo da série de Taylor de uma dada função, ele introduzas sucessivas derivadas da função em termos dos coeficientes de sua série. Essa construção

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152 Capítulo 5: Seqiiêncies e séries de [unções

se assentava na premissa de que toda função possui desenvolvimento em série de Taylor, masisto é falso. Embora falho em seu intento principal, o livro de Lagrange traz importantescontribuições ao Cálculo, além de representar o esforço mais significativo do século XVIII paraos fundamentos dessa disciplina, bem como o prenúncio do rigor definitivo que iria logo sedcsenvol ver no século seguinte.

A convergência uniforme

As questões de convergência, derivabilidade e integrabilidade de séries de funções só puderamser equacionadas e resolvidas depois que o trabalho de Fourier, devidamente apreciado, deixoubem evidentes as peculiaridades das séries trigonométricas.

Em seu Cours d'Analy-se de 1821 Cauchy dá um tratamento bastante completo e sa-tisfatório à convergência das séries. Mas não está totalmente livre das idéias antigas de in-finitésimos e do hábito de conceber variáveis corno abscissas de pontos móveis ao longo deeixos. Sua própria definição de continuidade revela esse aspecto dinâmico em seu modo deconceber limites. Por causa disso e por não perceber que a convergência das séries de [unçõestem aspectos que não estão presentes na convergência das séries numéricas, cometeu erros emafirmações que exigiam o conceito de "convergência uniforme" ou de "continuidade uniforme" .Assim é que ele prova o (falso) teorema, segundo o qual "a soma de uma série de funçõescontínuas é uma função contínua". E também ao provar a integrabilidade de qualquer funçãocontínua, a interveniência da continuidade uniforme passa despercebida a Cauchy.

Um outro matcmático brilhante dessa época foi o norueguês Niels Henrik Abel (1802-1829). Ele era filho de um pastor pobre e teve um professor à altura de seu gênio, BerntHolmboe. Quando Abel tinha 17 anos, Holmboe predisse que ele seria o maior matemáticodo mundo, e procurou encaminhá-Io adequadamente. Com urna bolsa de estudos, Abel viajoupara Paris, onde encoIitrou os maiores matemáticos da época, inclusive Cauchy. Mas não foidevidamente reconhecido. Viajou para Berliru, onde tcveo apoio de Crelle, mas também aí asorte não esteve a seu lado. Logo ficou tuberculoso e morreu muito cedo. O destino, portanto,não permitiu que se curupr isse a previsão de Holrnboe.

Nuru trabalho de 1826 sobre séries, particularmente sobre a série binomial, Abel usou fi

série tr igonoruétrica L::(-l)n+lsennx/n para rnostrur a falsidade da afinnação de Cauchy. Defato, a soma dessa série é a função periódica de período 211", que é igual a x /2 no intervalo(-11", 11"). Como se vê, é uma função com saltos em todos os pontos da forma (2k + 1)11".SabCITIOS que a condição que faltava a Cauchy para que seu teorerna fosse verdadeiro é a da"convergência uniforme". Mas Abel também não a identificou; e em seu trabalho ele incorrenos mesmos erros que embaraçaram Cauchy: sua concepção dinâmica de continuidade é amesma de Cauchy (! n t.rnto com iufinitésiuios tu.mhém segue () mesmo estilo de Cauchy.

O primeiro matemático a identificar o conceito de convergência uniforme parece ter sidoChristof Gudermann (1798-1852) num trabalho de 1838. E Weierstrass, que preparou suatese (sobre funções elípticas) para a obtenção do diploma de "professor de 2Q grau" comGudermann, assimilou bem o novo conceito, dele tirando todas as implicações importantes nateoria das séries de funções. Em suas preleções em Berlim ele sempre enfatizou a importânciada convergência uniforme, particularmente para a integração termo a termo de uma sérieconvergente de funções contínuas.

A aritmetização da Análise

Logo no início do desenvolvimento racional da Maternritica, há cêrca de 25 séculos, surgiu fi

crença, atrihllídn. tl Pitli.gol'l\:i, de.: que «) lIÚIIlCI;) ê a chave da explicação dos fClIUIIlCllOS. Masnão tarcLaria. muito para que essa crença fosse seriamente abalada com a primeira grande crisede fundamentos da Matemática, de que já falamos no Capítulo 1. Essa crise foi contornada por

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Capítulo 5: Seqüências e séries de funções 1.5:3

3udoxo, ligado à escola de Platào, Cat11 sua "teoria das proporções", descrita no Livro V dos':lel1lento~de Euclidcs. Isso deslocou o eixo dos fundamentos, da Aritmética. para 1\ Ccomctria.~ Platâo exprime muito bem essa nova convicção quando ensina que "Deus geornetriza sempre"J manda escrever, no pórtico da Academia, "quem não for geôrnctrn não entre". Desde então,::! por muitos séculos a Matemático identifica-se com a Gcotuctrin, tanto assim que até uns CCJlI

:..n05 atrás os matemát icos enUTI conhecidos corno "gcõmetras" .Por isso IllCS1UO, os ruaternáticos do século XVII, que tanto inovaram e deram origem

à nova disciplina do Cálculo, foram, todavia, buscar inspiração em Euclídes e Arquimedes,cujas obras eram então estudadas c admiradas como modelo mais acabado de rigor. E essacrença numa possibilidade de fundamentação geométrica do Cálculo perdurou até o início doséculo XIX. Os conceitos de derivada e integral, que tiveram origem nos conceitos de retatangente e área, prcscrvarnm por muito tempo suas feições geométricas. Por unia curiosacoincidência, foi no momento IlICS1l10 em que a. Gcomctr ia CODICÇOU a. revelar SlH\.C) ralhas deIunda montos , nas primeiras décadas do século, fui cnt.ào que também tiveram início esforçosbem-sucedidos para fundamentar o Cálculo fora da Geometria. Todos os conceitos básicos deFunção, limito, dcrivndn, integral c convergência seriam agora definidos P.1Jl termos dos tu'imct-os.Mas percebe-se então que os próprios números reais carecem de uma adequada Iund ameutaçào,a qual, entretanto, não tarda em ser encontrada. Até aquela definição de limite de Cauchy- correta, porém, ainda eivada da noção espúria de movimento - é agora substituída peladefinição puramente numérica de Weierstrass: 1(:7;) tem limite L com x tendendo a Xo sigTlifica:dado quolquer e > O existe Ó > O tal qu"e

O < Ix - xol < "8 =õ- If(x) - LI < E.

Completava-se assim um movimento "queveio "aser chamado de ATitmetizaçâo da ATlál"isepor Fclix Klcin. Agora a própria Geometria" teria de buscar na Aritmética elementos maisseguros para sua Iunclameutaçáo. Era, .de certo 1110do, uma volta a Pitágorns.

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Bibliografia recomendada -ASGER AABOE, Episódios da História Antiga da Matemática, tradução pu-

blicada pela Sociedade Brasileira de Matemática. Livro excelente, escrito porum pesquisador competente, que vai direto' às fontes. Tem a virtude de nãoser muito extenso e de fazer uma seleção de tópicos. os mais importantes einteressantes da Matemática da antigüidade.

R. P. BOAs, A Primer of Real Functious, publicado pela MathematicalAssociation of America, 3ª edição, 1979.

U. BOTTAZZINI, The Higher Calculus: A History of Real and Complex Anal-ysis from Euler to Weierstrass, Springer- Verlag, 1986.

BOURBAKI, Éléments d'histoire des mathématiques, Hermann, 1974. Estelivro reúne as Notas Históricas que aparecem na extensa obra do autor, in-titulada Éléments de Mtiihénuitique. Uma das virtudes do livro consiste nasfreqüêntes referências a uma rica bibliografia de 345 títulos, diretamente ligadosao desenvolvimento da Matemática através dos séculos.

C. B. BOYER, História da Matemática, traduzido e publicado em portuguêspelaEditora Edgard Bliicher, tanto a 1ª como a 2ª edição, esta em 1996. Umdos mais abalizados livros do gênero, escrito por eminente autoridade no assunto,principalmente no que diz respeito à fidelidade às fontes históricas originais.

C. B. BOYER, The History of the CalclLllLs and its Conceptuol Development,Dover , 1959.

J. DIEUDONNÉ, AbTégé d'liisioire des mathématiques, Hermann. Págs. 46,107, 12l.

E. H. Edwards, Jr., The Historical Development of the Calculus, Springer-Verlag, 1979. Este é um excelente livro, que reúne várias qualidades ao mesmotempo: não é muito longo, faz uma criteriosa seleção dos episódios que apresenta,é fiel aos fatos, usa a linguagem moderna para explicar e tornar inteligíveis osraciocínios antigos, sem contudo deformar esses raciocínios, o que não é fácil,mas torna a apresentação bastante didática.

H. EVES, Introdução à História da Matemática, Editora da Unicamp, 1995.Traduzido do inglês e com mais de 800 páginas, é um dos melhores e maiscompletos textos de História da Matemática atualmente em uso nos EstadosUnidos. De leitura agradável e amena, é enriquecido com seções intituladas"panoramas culturais", que dão valiosos apanhados histórico-culturais dos váriosperíodos de desenvolvimento da Matemática,

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J. V. GRABINER, The Oriqins of Cauchsj's Rigorous Calculus, The l\HTPress, 1981.

1. GRATTAN-GUINNESS, The Development of the Foundations of Mathemat-ical Analysis from Euler to Riemann, The 1IIT Press, 1970.

1. GRATTAN-GUINNESS (Editor), From the Calculus to Set Tlieorq, 1630-1910 - An lulroduciorij Historij, Gerald Duckworth & Co., 1980.

L. H. J ACY l\IONTEIRO, Elementos de Álgebra, Ao Livro Técnico, 1969. Em-bora seja um livro de Álgebra, contém um tratamento detallhado dos númerosreais.

M. KUNE, The Evolution of Mathematieal Thought [rom Anc-ient to ModernTimes, Oxford University Press, 1972. Livro de mais de 1.200 páginas, muitobem estruturado, bem escrito e fiel aos fatos.

'vV. RUDIN, Princípios de Análise Matemática, Ao Livro Técnico, 1971.

M. SPIVAK, Calculus, Editorial Reverté, Barcelona. Original em inglês de1967. Embora se trate de um livro de Cálculo, este livro é um "Honors Calculus"muito bem escrito e que inclui vários tópicos típicos de um curso de Análise.Altamente recomendável. O original, em inglês, é da Editora W. A. Benjamin,Inc.

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