Análise tática de futebol no jornalismo esportivo

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Manual sobre análise tática de futebol direcionada ao jornalismo esportivo, com diversos conceitos teóricos e maneiras de reproduzi-los em veículos de imprensa.

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    1-Campo de batalha.........................................................................pgina 3

    2-Anlise ttica no jornalismo esportivo.......................................pgina 7

    3-Padres de comportamento.......................................................pgina 11

    4-Conceitos bsicos......................................................................pgina 13

    4.1-triade primria................................................................pgina 14

    4.1.1-posicionamento (ou posicionamento inicial)...............pgina 14

    4.1.2-posio........................................................................pgina 14

    4.1.3-funo.........................................................................pgina 14

    4.2-ttica e estratgia.......................................................... pgina 16

    4.3-desmembrando a ttica.................................................pgina 16

    4.4-momentos do jogo.........................................................pgina 18

    4.4.1-organizao ofensiva..................................................pgina 19

    4.4.2-organizao defensiva................................................pgina 27

    4.4.3-transio ofensiva.......................................................pgina 37

    4.4.4-transio defensiva.....................................................pgina 38

    4.4.5-bola parada.................................................................pgina 41

    5-Sistemas tticos..........................................................................pgina 42

    6-Mtodo de anlise.......................................................................pgina 59

    6.1-Identificar o posicionamento inicial................................pgina 60

    6.2-Estabelecer o sistema ttico base.................................pgina 60

    6.3-Descrever as funes dos jogadores.............................pgina 63

    6.4-Identificar o sistema de marcao.................................pgina 64

    6.5-Diagnosticar o estilo do time..........................................pgina 65

    6.6-Recorrer a ferramentas de auxlio.................................pgina 66

    7-Contextos complementares do jogo.........................................pgina 68

    8-Enviando a mensagem...............................................................pgina 70

    9-Posies, funes e expresses...............................................pgina 72

    10-Concluso..................................................................................pgina 74

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    1. CAMPO DE BATALHA

    Vem da literatura blica a popularizao da palavra ttica, e

    consequentemente de seu conceito. Debruados sobre mapas que

    descreviam a topografia das regies em conflito, militares das mais

    altas patentes destacaram-se pelas vitrias amparadas em

    planejamento quem ataca, de que forma, e quando; quem defende,

    o que defende, e como.

    Da teoria prtica, distribuam nos campos de batalha seus

    combatentes e seus apetrechos letais conforme uma lgica, levando

    em considerao o maior nmero possvel de fatores integrados ao

    contexto - caractersticas do terreno e do tempo, virtudes e defeitos

    prprios e do adversrio. Seguiam, para a tomada de decises,

    preceitos encontrados em livros e no prprio aprendizado com a

    experincia.

    Nos filmes e seriados sobre o tema os militares encenados criam

    armadilhas, encurralam oponentes, induzem os inimigos a fugir na

    direo de emboscadas minuciosamente arquitetadas, simulam a

    queda iminente para abrir a guarda rival. Cada soldado sabe

    exatamente qual tarefa cumprir, de forma sincronizada com os

    demais companheiros de bandeira.

    Alguns comandantes desenham mapas com gravetos no cho

    arenoso e empilham pedras simulando habitaes. Localizam

    geograficamente cada combatente, apontando onde ele deve estar, o

    que deve fazer, e qual o momento exato para desencadear a ao.

    Ministram verdadeiras palestras.

    Cito em especial, se quiserem recordar ou ento pesquisar para

    assistir depois, cenas de filmes como O Patriota, Gladiador, O

    ltimo Samurai, 300, entre muitos outros. Legtimas prelees.

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    Sempre h referncias tticas em qualquer filme ou seriado de

    guerra e conflito.

    Ttica , enfim, a arte de manobrar tropas. Imprescindvel, portanto,

    organizao das equipes de futebol inseridas no campo de batalha

    delimitado por linhas brancas, bandeiras e traves. A organizao no

    futebol apropriou-se do planejamento blico pela evidente analogia:

    h duas tropas formadas por onze guerreiros distribudos de forma

    inteligente e com atribuies definidas para sobrepujar o oponente.

    Neste contexto, o papel do jornalista especializado se torna

    fundamental. necessrio estudar os mesmos conceitos aplicados

    pelos treinadores para facilitar a compreenso dos movimentos das

    equipes. Como um correspondente de guerra precisa fazer para

    transmitir um relato o mais fiel possvel de um conflito armado, ou

    como o reprter de economia que antes de falar da poltica

    econmica do pas adquire conhecimento sobre o tema.

    Em uma de suas melhores crnicas, Exagero, Lus Fernando

    Verssimo fala sobre os avanos tecnolgicos e a consequente

    adaptao humana aos novos confortos. Ele recorda, por exemplo,

    que h algumas dcadas no existiam rdios portteis. Era

    impossvel ouvir uma transmisso esportiva e assistir ao jogo no

    estdio simultaneamente. E ento Verssimo ironiza:

    Como as pessoas sabiam se estavam gostando ou no do jogo sem

    ouvir os comentaristas?

    A sentena verdadeira, e se aplica ao passado ilustrado pelo autor.

    Antes da internet e da tev a cabo o conhecimento pblico sobre

    futebol estava restrito s opinies dos comentaristas, geralmente

    reprteres de campo com muitos anos de trabalho que, pelo

    desgaste da idade, subiam s cabines.

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    Ainda hoje assim. So bons contextualizadores, debatedores,

    polemistas, mas no analistas tticos. Tm, nas suas agendas, nas

    suas pautas, enfoque direcionado ao ambiente e aos efeitos, no s

    causas, aos comportamentos dos jogadores. Por falta de hbito e de

    interesse. No da cultura do antigo futebol brasileiro enfatizar a

    ttica, o jogo em si.

    Mas a audincia tem novos integrantes. Hoje os garotos de dez anos

    assistem s melhores coberturas esportivas do Brasil e de outros

    pases com tradio no jornalismo e no futebol, leem artigos em

    blogs e sites das mais diversas origens, jogam videogames de ltima

    (ou mais que ltima) gerao. Inconscientemente qualificam-se para

    o debate. Esto familiarizados com os conceitos tticos, desde a

    simples numerologia dos sistemas at os complexos

    estrangeirismos.

    A grande massa, tambm verdade, ainda est presa frase de

    Verssimo, depende do comentarista no apenas para entender o

    que supostamente acontece em campo, mas para formar a prpria

    opinio. Consome e fomenta o jornalismo no qual a anlise um

    tabu. Este cenrio, entretanto, vai mudar. Est mudando.

    Esta nova audincia no precisa mais do comentarista para entender

    o que est acontecendo. Eles j sabem, e querem da pessoa com a

    caneta ou o microfone algum com quem compartilhar as

    informaes. Em questo de minutos os jovens da gerao

    Playstation identificam sistemas tticos, funes dos jogadores,

    estratgias, movimentos ofensivos e defensivos, jogadores-chave,

    virtudes e defeitos das equipes. uma demanda que precisa ser

    atendida.

    Conhecem os nomes, sabem as procedncias, as idades, as

    caractersticas. So capazes de produzir excelentes anlises - e

    alguns o fazem, artesanalmente, em blogs e redes sociais.

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    Consomem, tambm, o contedo de entretenimento ligado ao

    futebol, mas no abdicam de avanar no entendimento do jogo.

    O novo comentarista precisa acompanhar a nova audincia - mesmo

    sabendo que haver maior espao e consequente maior repercusso

    aos cortes de cabelo, s cores de chuteiras, s polmicas e s

    fofocas. O jornalista esportivo no mais o pretenso e exclusivo

    proprietrio de um conhecimento que ele no tem, mas diz possuir.

    Evoluiu o futebol. Passou da fase exclusivamente tcnica - os

    primrdios, quando a organizao era incipiente, e as iniciativas

    individuais sobressaam-se; e tambm ultrapassou o perodo de

    aprimoramento fsico - os mais preparados, fortes e velozes venciam;

    chegamos ao terceiro estgio da evoluo deste esporte, o estgio

    ttico. A evoluo tcnica dos jogadores persiste, a preparao fsica

    ainda avana, mas hoje a organizao ttica desponta e arrasta

    consigo as demais valncias.

    Agora, para a audincia chegar ao estgio onde o futebol se

    encontra, papel do jornalista qualificar o debate. Ele no v mais o

    que ningum v. No tem suas opinies protegidas por um jogo

    secreto assistido apenas in loco no estdio. Se antes o que dizia era

    lei, hoje apenas mais uma voz entre as centenas de milhares

    emitidas nas redes sociais durante as partidas.

    Ele deve compartilhar conhecimentos com os quais uma parcela do

    pblico j se familiarizou, pela profuso de mdias e de

    oportunidades, e precisa partir deste ponto - da anlise criteriosa -

    para alcanar a opinio embasada. Caminhar at onde se encontram

    os mais jovens e desencadear uma procisso de novos interessados

    pelo tema.

    No basta mais decretar o que certo ou errado apenas em funo

    de preconceitos pessoais. A anlise ttica aplicada ao jornalismo

    esportivo, fundamentada em conceitos tericos e seguindo um

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    mtodo claro de trabalho, oferece ao pblico um produto de acordo

    com a evoluo do futebol.

    2. ANLISE TTICA NO JORNALISMO ESPORTIVO

    Equipes de futebol so organismos vivos. A identificao do sistema

    - os numerozinhos que ilustram a distribuio dos jogadores - so

    apenas o ponto de partida da observao. A essncia da anlise

    ttica aplicada ao jornalismo est na compreenso dos movimentos

    do jogo. Com a bola e sem ela, em todos os momentos da partida.

    Descoberto o sistema ttico base de cada time, o analista deve

    aprofundar os elementos vinculados estratgia: funes de cada

    jogador, sincronias entre pequenos grupos, tipo de marcao, estilo

    de jogo - sem ignorar fatores complementares, como o local da

    partida, o contexto do campeonato, os jogadores disponveis...

    Por mais que este contedo especializado seja vendido como um

    tabu pelos prprios jornalistas esportivos mais ligados ao

    entretenimento - embora no sejam produtos excludentes, e possam

    conviver pacificamente dentro de qualquer mdia - todos ns

    desempenhamos a tarefa nas arquibancadas ou em frente tev.

    Mesmo sem saber que o estamos fazendo.

    Qualquer pessoa que perceba uma cobertura - volante protegendo o

    lado atacado s costas do lateral que retorna do campo ofensivo -

    est fazendo uma anlise ttica, ainda que inconsciente. Capturou

    um movimento especfico. O mesmo vale para o amigo ao seu lado

    na arquibancada, que reclama da falta de posse de bola: anlise

    ttica, novamente. Identificou um padro. Muito alm dos nmeros,

    que so fceis de obter, so os comportamentos deste corpo coletivo

    os alvos.

    Como organismos vivos, os times movimentam-se. Mas, tambm

    como organismos vivos, esta movimentao organizada,

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    sincronizada. O treinador pede, o jogador cumpre. E a maneira como

    o tcnico transmite a ideia elaborada pode variar imensamente.

    Esta obra dirige-se a jornalistas, no a tcnicos, mas preciso

    ressaltar: evidente que o discurso do analista no o mesmo das

    prelees. Sabemos que o treinador fala com cada jogador de

    acordo com sua capacidade de compreenso. Ele planeja o 4-4-2

    com meio-campo em losango, cria e treina os movimentos, mas no

    chega para o atleta e diz:

    Vais atuar como o vrtice lateral direito do losango assimtrico que

    elaborei.

    A prerrogativa da anlise do analista. Assim como a linguagem -

    falaremos ao final sobre a comunicao com o pblico-alvo. O

    jogador integra o vrtice lateral direito de um losango, se preciso for,

    sabendo ou no o que um losango. Se ele no est familiarizado

    com tamanha pompa, o treinador vai l e diz:

    Voc fica aqui desse lado, vai ter um volante por trs, sai pela direita

    com a bola, fecha at aqui sem ela, vamos para dentro dos caras.

    Pronto, ele o vrtice lateral direito do losango, e quem estiver nas

    cabines de imprensa, do alto, poder identificar facilmente o desenho

    ttico da equipe e a funo destinada a este jogador.

    O discurso do tcnico e o do jornalista, embora baseados nos

    mesmos conceitos tericos, tm caractersticas prprias, porque no

    se dirigem ao mesmo pblico. Um no invalida o outro, pois falam da

    mesma coisa com o uso de palavras diferentes.

    Disseminar estas ideias parte da busca pela evoluo da anlise

    ttica na mdia de acordo com os conceitos tericos que norteiam as

    decises dos treinadores. Com tantas inovaes e variaes em

    evoluo constante nestes organismos vivos chamados times de

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    futebol, estabelecer critrios ajuda a criar uma linha de raciocnio

    uniforme. Qualquer partida ser analisada sob os mesmos

    parmetros.

    Quando iniciei as anlises jornalsticas em 2008 no blog Prancheta,

    no clicRBS, recm havia me formado no breve curso do Sindicato

    dos Treinadores de Futebol do RS. A ideia no era me tornar tcnico,

    e sim aprimorar meu trabalho no jornalismo. O curso serviu de pedra

    fundamental para a busca de bibliografias e para a construo de

    uma rede de contatos formada por outros apreciadores do assunto

    no Brasil e fora dele, trocando informaes e conhecimentos.

    Estudar ajudou a resgatar na memria o aprendizado da infncia.

    Ainda garoto, enquanto os amigos brincavam na rua, fechava-me na

    biblioteca do curso de ingls Cultural - no centro de Porto Alegre,

    poca gratuita - para ler sobre futebol.

    Colecionava os manuais da Disney com a histria das Copas e de

    grandes jogadores, estudava sistemas tticos, e no quadro negro do

    meu quarto passava instrues aos times de boto, em caprichadas

    prelees recheadas de diagramas em giz. Estes manuais

    continham, mesmo que as capas com Pato Donald e Z Carioca

    sugerissem o contrrio, muitas informaes relevantes sobre

    treinadores, selees histricas, jogadores e competies.

    Programava o despertador para tocar cedo nos domingos, podendo

    assim assistir aos jogos do Campeonato Italiano - competio da

    qual colecionava cards com informaes tcnicas dos jogadores.

    Guardava ainda revistas Placar, lbuns de figurinhas, e arquivava as

    principais informaes com recortes direcionados parte ttica.

    Reuni todas estas referncias, da infncia e da antiga profisso, em

    um mtodo para a anlise ttica aplicada ao jornalismo esportivo.

    Selecionei os conceitos que considero importantes seguindo uma

    ordem lgica. Cada passo est concatenado ao anterior e ao

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    prximo. Desta forma, as anlises dos meus blogs poderiam

    apresentar aos leitores uma linha de raciocnio, um critrio, sem

    achismos ou demasiada opinio pessoal.

    Vale destacar - e repetir, e repetir, e repetir - que esta frmula no

    acadmica, muito menos definitiva, professoral, exclusiva ou

    excludente. At porque minhas referncias, j listadas, so em

    grande parte empricas. Fruto da minha vivncia, da minha

    experincia, do meu contato com outros. Partem da iniciativa

    pessoal, da leitura, da tradio oral - sim, conversar com quem sabe

    vale tanto quanto a informao escrita.

    No fiz faculdade de Educao Fsica. E nela h pouco sobre ttica

    aplicada ao futebol, assim como h pouco sobre anlise. Defendo

    que o treinador - no este o foco do livro, mas no me constranjo

    em dizer - no precisa ser educador fsico, pois a comisso conta

    com um preparador especializado.

    O treinador precisa, sim, ser um estrategista, um pensador, em

    elaborador de ideias colocadas em prtica com o amparo de uma

    grande comisso multidisciplinar formada por especialistas.

    Mas formei-me jornalista. Portanto, o livro se dirige em primeiro lugar

    queles que pretendem comunicar anlises. E existe uma questo

    muito importante neste processo: anlise ttica informao, no

    opinio.

    Com um mtodo, com processos encadeados, com uma lgica

    implcita, com qualificao constante, acervo terico e contedo, o

    comunicador pode transmitir ideias claras e fundamentadas sobre os

    movimentos de uma partida de futebol, sem achismo, sem opinio,

    sem palpite. Informao, em resumo.

    Compartilho agora este mtodo pessoal no com a pretenso de

    fazer dele uma regra, mas sim para ajudar quem se interessa pelo

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    tema. Comecei as anlises s cegas, pois a bibliografia se dirige aos

    treinadores - e, mesmo assim, rara - no aos jornalistas. Como j

    vimos, so discursos e pblicos diferentes.

    Faltam recursos tericos para ajudar quem se prope a traduzir os

    acontecimentos do campo. Cada pessoa, seja um f do assunto ou

    um companheiro de profisso - afinal, ainda sou jornalista, embora

    fora da grande mdia - pode se utilizar dele como princpio para a

    formulao de um novo mtodo, ou ento adot-lo integralmente.

    Este processo de anlise o objeto das palestras e aulas dos cursos

    que participo, seja na Escola Perestroika, seja em iniciativas

    paralelas voltadas a alunos de comunicao ou jornalistas formados.

    Tomara que ele sirva de auxlio aos atuais e aos futuros analistas

    tticos.

    O futebol evoluiu, a audincia est seguindo o mesmo caminho, no

    fiquemos para trs. Disseminem e compartilhem todo o

    conhecimento ligado ao tema. Qualificar o debate no jornalismo

    esportivo no ser uma luta v.

    3. PADRES DE COMPORTAMENTO

    Algum pode se perguntar: ora, diabos, por que analisar taticamente

    uma equipe? Qual a finalidade? No h mistrio. Tanto nos

    processos internos dos clubes - onde a funo foi batizada anlise

    de desempenho, muito mais complexa - como na imprensa esportiva

    especializada, o objetivo principal identificar padres de

    comportamento.

    Padro de comportamento uma expresso que se basta, mas no

    custa explic-la: no futebol, so aes que se repetem. E elas se

    repetem pelo simples fato de que so treinadas. Analisar taticamente

    uma equipe decifrar as orientaes transmitidas pelo tcnico aos

    jogadores.

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    De incio, o mais importante educar-se para separar as

    circunstncias de jogo dos padres de comportamento. Futebol

    movimento, e por vezes toda a ordem treinada exausto

    insuficiente para lidar com uma situao, e a conta-se com o

    improviso, com o imprevisvel.

    No entanto, a ocorrncia de aes circunstanciais no atrapalha a

    anlise porque, obviamente, elas no se repetem. E, se padres de

    comportamento so aes reiteradas, no difcil peneirar o que

    fruto de treino, e o que ocasional.

    Dentro das comisses tcnicas, a anlise de desempenho serve para

    auxiliar o treinador no planejamento de treinos. Diagnosticando

    padres de comportamento da equipe nos jogos e nas atividades

    prvias, o tcnico pode avaliar quais aes esto correspondendo ao

    trabalho da semana, e quais outras precisam ser otimizadas, o que

    interfere positivamente no microciclo de treinos.

    Na anlise ttica voltada ao jornalismo esportivo, a identificao de

    padres de comportamento tambm serve, caso o profissional da

    rea acompanhe treinos, para verificar o que foi assimilado, e o que

    no deu certo na relao com os trabalhos da semana. Mas serve,

    principalmente, para transmitir informaes relevantes audincia.

    Situao hipottica simples: o jornalista identifica um padro de

    comportamento defensivo. Nele, o lateral da equipe em questo

    deixa a base da linha defensiva para acompanhar individualmente o

    adversrio que entra em seu setor, mesmo que ele esteja sem a

    bola, e mesmo que ele se afaste bastante daquela regio.

    Em contrapartida, o adversrio se utiliza disso para jogar a isca,

    arrastando com um atacante o lateral para fora do respectivo lado, e

    ingressando com outro jogador para receber livre e com espao o

    lanamento, causando desorganizao no sistema defensivo.

  • 13

    Cabe ao jornalista esportivo fazer esse diagnstico e informar

    audincia porque o jogador adversrio recebeu livre o lanamento.

    uma informao, e a anlise ttica precisa ser trabalhada desta

    forma.

    Repito: informao, informao e informao. Dito isso, o jornalista

    at pode lanar sua opinio, dizer se acha certo ou errado a maneira

    como o lateral est marcando o adversrio - sem que sua opinio

    seja uma verdade absoluta - mas acredito que o mais importante

    transferir para o ouvinte-telespectador-internauta-leitor-torcedor a

    oportunidade para tambm pensar sobre o assunto e tirar sua prpria

    concluso.

    Antes, os comentaristas no especializados, alheios anlise ttica,

    eram tidos como formadores de opinio. Falei antes da crnica

    Exagero, e a oportuna ironia sobre a influncia dos comentaristas

    em mentes vazias de conhecimento sobre o tema.

    Hoje, entretanto, a audincia capaz de formar o prprio acervo de

    informaes, de referncias tericas ou empricas. E, com este

    embasamento, compartilhar anlises e opinies com os

    comentaristas, no mais os donos da verdade, mas sim participantes

    deste grande debate futebolstico.

    4. CONCEITOS BSICOS

    Saber diferenciar conceitos bsicos da ttica no futebol minimiza os

    erros causados pela confuso de referncias diferentes. E, sem um

    critrio claro, a anlise perde qualidade e credibilidade.

    O mais comum entre os problemas provocados pela falta de uma

    base terica superficial observar duas equipes com modelos de

    jogo semelhantes, porm com perspectivas diferentes - ou o

    contrrio, enxergar analogias entre times totalmente divergentes.

  • 14

    Sem um critrio, sem um padro, o contedo oferecido se torna

    confuso. Como no existem verdades, determinismos ou lgica no

    futebol, o ponto de partida importante na criao de uma linha de

    raciocnio com a qual podemos identificar as referncias do analista,

    e assim debater suas ideias.

    4.1-Trade primria

    Bsico do bsico: diferenciar posicionamento, posio e funo.

    Confundir estes conceitos a maior causa de rudos de comunicao

    na anlise ttica, comprometendo a simples identificao do sistema

    inicial.

    4.1.1-Posicionamento (ou Posicionamento Inicial) a regio da

    qual o jogador parte, e para onde ele retorna. Obviamente, na partida

    em questo. A soma dos posicionamentos de cada atleta resulta no

    sistema ttico da equipe.

    Por isso a prtica mais comum para se identificar um sistema

    esperar a equipe ficar sem a posse de bola. Isso porque no momento

    de marcar os jogadores retornam aos seus posicionamentos iniciais -

    tiro de meta do adversrio, por exemplo, tido como o momento

    mais fcil para tal observao. Mais frente, entretanto, vamos

    debater situaes de exceo que envolvem a identificao do

    sistema e os posicionamentos iniciais dos jogadores.

    4.1.2-Posio a caracterstica do jogador. No na partida em

    questo, como no caso acima, mas sim na vida. a palavra que ele

    preencheria na hipottica questo profisso caso fosse entrevistado

    por censeadores do IBGE. Diz respeito a suas virtudes, e como ele

    as utiliza em campo.

    4.1.3-Funo o conjunto de atribuies que o jogador cumpre na

    partida. Sinnimo de ttica individual. O que ele faz nos quatro

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    momentos do jogo (falaremos sobre isso em breve) durante os 90

    minutos.

    Os problemas surgem com a sobreposio dos conceitos de posio

    e funo. quando o analista confunde a caracterstica do jogador

    com a funo desempenhada em campo. Podemos nos utilizar de

    um exemplo prximo e recente: Robinho atacante (posio), ou

    seja, tem caracterstica de jogador de frente; mas, na Seleo

    Brasileira de 2010, com o tcnico Dunga, ele cumpria em jogo a

    funo de meia-extremo.

    Se um eventual observador atento apenas s caractersticas dos

    jogadores, ignorando os movimentos realizados na partida, assistisse

    ao Brasil de Dunga, diria que o sistema ttico era o 4-4-2 - porque

    Robinho e Lus Fabiano so atacantes de origem. Mas, observando-

    se os posicionamentos iniciais e as funes cumpridas por ambos,

    era um 4-2-3-1, com Robinho - apesar de originalmente atacante por

    ofcio - cumprindo a ttica individual de extremo aberto pelo lado

    esquerdo na segunda linha de meio-campo.

    Existem outras dezenas de casos, e o 4-2-3-1 muito prdigo em

    anlises equivocadas quando se utilizam atacantes (posio original)

    no meio-campo (funo no jogo), com os observadores tomando a

    posio pela funo. Por isso reiterei tanto que anlise ttica

    informao: nestes casos, ao perceber um 4-4-2 que no existe o

    comentarista transmite uma informao equivocada, que influencia

    negativamente a compreenso do jogo pela audincia.

    Para terminar a exemplificao, o caso descrito pode ser resumido

    em Robinho atacante (posio) atuando como meia-extremo (funo)

    no lado esquerdo da segunda linha de meio-campo do 4-2-3-1 da

    Seleo (posicionamento inicial). Simples. Dizer que o Brasil jogava

    no 4-4-2 porque Robinho atacante, e mesmo se fosse escalado no

    gol continuaria atacante, um erro de informao oferecido ao

    pblico.

  • 16

    4.2-Ttica e Estratgia

    Outra diferenciao importante, breve e no menos simples, envolve

    ttica e estratgia. E no semntica, mas sim futebolstica. A ttica

    o sistema - embora tenha encontrado muitas referncias alm-

    futebol que no os tratam como sinnimos. Os numerozinhos.

    Em resumo, o sistema ttico o planejamento responsvel por

    ordenar a distribuio dos jogadores em campo, coordenando todas

    as partes em si.

    J a estratgia o conjunto de movimentos atribudos a cada

    jogador, e da em diante a cada pequeno grupo, e tambm a cada

    setor. Rene elementos diversos, desde a caracterstica dos

    jogadores escolhidos, passando pelo sistema de marcao, pela

    intensidade dos movimentos, pelas funes, pelas sincronias em

    pequenos grupos, pela ordenao dos setores.

    , na verdade, o pensamento coletivo aplicado ao sistema ttico. No

    futebol, os treinadores chamam este conjunto de princpios e

    subprincpios de modelo de jogo.

    Tornando ainda mais clara a diferenciao, duas equipes

    enfrentando-se com sistemas tticos semelhantes podem adotar

    estratgias totalmente diferentes: por exemplo, uma no 4-3-3

    agressivo, valorizando posse de bola ofensiva, com linhas

    adiantadas e marcao por zona; outra no 4-3-3, mas jogando para

    contra-atacar, sem posse, com linhas recuadas e marcao com

    encaixe individual no setor. Sistemas iguais, estratgias opostas.

    4.3-Desmembrando a ttica

    A palavra ttica aparece vrias vezes na teorizao do futebol, na

    maior parte delas significando funo. E como o futebol um

    esporte coletivo, a funo muitas vezes diz respeito a grupos,

    maiores ou menores, e no se refere exclusivamente a um atleta

    apenas.

  • 17

    Ttica individual, como j vimos, a funo que o jogador cumpre

    na partida analisada. Para onde vai quando tem a bola, ou quando

    um companheiro est com a posse; o que faz quando est sem a

    bola. Como marca, que tipo de jogo prope, a regio do campo pela

    qual se movimenta, tudo isso integra o conceito.

    Ttica de grupo o conjunto de funes sincronizadas entre

    jogadores prximos, ou do mesmo setor (um movimento coletivo da

    defesa, por exemplo) ou da mesma regio do campo (uma

    triangulao ofensiva entre lateral, meia e atacante da direita). O

    modelo de jogo recente do Barcelona tem disseminado a associao

    dos tringulos ao conceito de ttica de grupo so as interaes

    entre jogadores prximos.

    Reparar nestas tticas de grupo um dos grandes baratos (ainda se

    diz barato?) da anlise ttica. Identificar as coberturas defensivas e

    compensaes consequentes realizadas por jogadores que sabem o

    quanto importante manter aquele padro de comportamento para o

    bom funcionamento coletivo muito importante para o entendimento

    do jogo. Vale destacar que cada jogador integra diversos pequenos

    grupos e, portanto, participa de vrias tticas de grupo simultneas e

    sincronizadas.

    Ttica coletiva sinnimo de sistema ttico. Os famigerados

    numerozinhos, antigamente restritos aos trs setores principais -

    defesa, meio e ataque (4-3-3, 4-4-2, etecetera) - mas hoje

    fragmentados em tantas faixas que provocam at certos exageros. O

    mais habitual na anlise moderna dividir o meio-campo em duas

    partes, colocando quatro algarismos na descrio (4-2-3-1, 3-4-1-2,

    4-3-1-2, etecetera).

    Tenho certa restrio a esta prtica porque seus entusiastas partem

    da premissa do alinhamento. O 4-4-2, por exemplo, s pode ser

  • 18

    assim caracterizado quando for o britnico em duas linhas. O

    quadrado teria de ser 4-2-2-2.

    Mas h falhas, e elas me incomodam um pouco por indefinirem os

    critrios. O antigo 4-4-2 em losango agora chamado de 4-3-1-2.

    Notem, entretanto, que os volantes no posicionam-se alinhados. H

    um primeiro volante, dois mdio-apoiadores pelos lados, e um

    enganche. O desdobramento, no critrio das linhas formadas, teria

    de ser 4-1-2-1-2. Um exagero, que mais atrapalha do que ajuda.

    De incio, em meus blogs, padronizei os diagramas em trs

    algarismos com um complemento por escrito - 4-4-2 quadrado, 4-4-2

    losango, 4-4-2 duas linhas. Os desdobramentos, porm, mesmo sem

    critrio definido so aceitos pela audincia, e para atender

    demanda adotei tambm as fragmentaes mais populares, como o

    4-2-3-1 e o 3-4-1-2, mesmo sem concordar inteiramente. Afinal, se

    todos fazem, menos eu, provavelmente estou errado, o que diz a

    lgica.

    Recuso-me, entretanto, a desdobrar em mais de quatro faixas, por

    um simples motivo: a descrio numrica dos sistemas tticos refere-

    se aos setores, no aos alinhamentos. Defesa, meio-campo e

    ataque. Mais atualmente, defesa, meio-campo defensivo, meio-

    campo ofensivo e ataque. Os jogadores no precisam estar

    alinhados, mas sim posicionados inicialmente dentro do mesmo

    setor.

    4.4-Momentos do jogo

    Talvez seja esta a parte mais importante na configurao das demais

    pequenas peas do emaranhado de conceitos que levam anlise

    ttica no futebol. Identificar exatamente o que os jogadores, os

    pequenos grupos e o grande coletivo fazem em cada momento do

    jogo fundamental para eliminar erros de interpretao, minimizar

    dvidas e ser o mais preciso possvel.

  • 19

    O jogo tem quatro momentos para cada equipe - cinco, se levarmos

    em considerao a bola parada - e eles vo se alternando

    ininterruptamente. Quem manda nesta diferenciao a bola.

    Vejamos:

    4.4.1-Organizao ofensiva a fase de posse de bola da equipe,

    quando ela comea a construir a jogada. importante visualizar a

    movimentao dos jogadores e de seus respectivos pequenos

    grupos, e tambm identificar a proposta coletiva implcita nestes

    movimentos. A ideia principal de uma equipe com a bola

    desorganizar o adversrio, criando espaos e/ou aproveitando-se de

    espaos j descobertos por eventuais erros do oponente, para

    obviamente fazer gols.

    E essa desorganizao do adversrio, em especial da linha

    defensiva dele, passa pela movimentao sincronizada dos

    jogadores, arrastando marcadores, oferecendo linhas de passe,

    proporcionando ao time progredir no campo ofensivo e finalizar a gol.

    Tambm importante avaliar a contribuio individual de cada

    jogador, com suas caractersticas aplicadas s funes cumpridas na

    partida.

    Analisando-se estes arranjos orquestrados pelos pequenos grupos

    possvel capturar a proposta coletiva da posse de bola - o estilo, ou

    modelo de jogo (com seus princpios e subprincpios, como gostam

    os treinadores): posse paciente, ou objetiva, ou cedida para jogar em

    contra-ataque, entre outras. E dentro destes princpios (ter a bola,

    querer o contra-ataque) encaixam-se movimentos que atendem

    proposta principal, ou seja, os caminhos que levam consolidao

    do planejamento para o jogo, como por exemplo:

    - Existe o jogo de 1 e 2. A primeira bola aquela disputada pelo

    alto aps um lanamento longo - seja a quebrada do goleiro, seja em

    sada de zagueiros, laterais ou volantes. Ela se dirige especialmente

    ao centroavante, que briga pela vitria de cabea com os

  • 20

    marcadores. J a segunda bola a sobra desta primeira, o rebote

    do confronto pelo alto.

    bastante comum encontrar equipes especializadas em jogo de 1 e

    2, com zagueiros lanadores, centroavante de referncia e um

    avano sincronizado do meio-campo para se aproximar do alvo da

    bola longa e apanhar a sobra para atacar de frente.

    - O jogo de 1 e 2 pode, ainda, integrar um conceito mais amplo, que

    se chama ataque direto. quando a equipe abdica da posse

    organizada no meio-campo, optando pelos lanamentos longos aos

    atacantes.

    Mas esta conexo direta no precisa necessariamente ser pelo alto,

    pode acontecer para disputas em velocidade pelos lados, desde que

    os alvos sejam os atacantes, e desde que a bola no passe pelo

    meio-campo com muitas paralelas dos laterais para os pontas.

    - Se o responsvel pelo lanamento para o jogo de 1 e 2 (ou para o

    jogo de ataque direto) for o goleiro, podemos concluir que o time

    analisado tem a primeira fase de construo longa. a sada de

    bola. Enquanto alguns times preferem comear jogando curto, com

    posse trabalhada desde os zagueiros, passando de setor em setor,

    outros escolhem a sada longa, quebrada no centroavante.

    bom destacar, entretanto, que o comportamento defensivo do

    adversrio influencia nesta deciso. Se o oponente avana suas

    linhas e marca no campo ofensivo o tiro de meta adversrio, obriga o

    goleiro a quebrar o passe longo, enquanto se o adversrio procura

    manter um posicionamento mais recuado, possvel sair jogando

    curto sem riscos.

    - O centroavante de referncia importante em outro movimento

    ofensivo para o qual se requisita fora fsica: o piv. De costas para a

    marcao, o jogador recebe o passe e pode escolher entre girar para

  • 21

    avanar de frente (caso o marcador no o tenha acompanhado), girar

    sobre o marcador (caso ele esteja encaixado) devolver rpido para

    um companheiro que avance em velocidade de frente para o gol,

    segurar espera da aproximao em bloco do time, ou fazer a troca

    de corredor - a bola vem de um lado e ele aciona um companheiro no

    outro:

    Centroavante recua para arrastar marcador e abrir espao infiltrao do ponta, oferecendo duas opes de passe ao homem da bola

    - Na troca de corredor, o time opta coletivamente pela mudana do

    lado da bola. A jogada comea em um corredor (direito, esquerdo ou

    central) e termina em outro.

    Essas trocas podem acontecer com circulao de bola - trocas de

    passes curtos e mdios - ou com viradas longas:

  • 22

    Troca de corredor pode ser feita de p em p, com passes curtos, ou ento com uma inverso longa, fazendo a bola chegar mais rpido do outro lado do campo

    E a inteno induzir o adversrio a adotar o comportamento

    desejado. Jogar a isca. Falaremos a seguir do balano defensivo,

    quando a equipe sem a bola movimenta-se na direo do corredor

    atacado, em bloco.

    Sabendo disso, um time treinado para se utilizar da troca de corredor

    pode propositalmente levar a bola para um lado - enquanto posiciona

    outro jogador bem aberto na direo oposta - forar o adversrio a se

    compactar neste setor, e inverter a bola rapidamente at o outro

    corredor, liberado em razo do balano defensivo rival.

    - Avanando um pouco mais na importncia da circulao de bola

    (girar a bola e rodar a bola so sinnimos ao termo circular a bola), a

    velocidade com a qual ela executada ajuda a definir a proposta da

    equipe. Circulao rpida, com poucos toques na bola (domina e

    passa), e passes verticais (para frente, entrelinhas) apresenta um

  • 23

    time mais objetivo, mais agressivo, mais contundente. Circulao

    lenta, com trocas de passes dentro do setor, revela um time disposto

    a diminuir a velocidade do jogo.

    Os dois comportamentos podem ser utilizados at mesmo dentro de

    um jogo, conforme as ambies da equipe em questo - imprime

    velocidade at marcar o gol, depois segura a posse e diminui a

    rotao da partida. Circula a bola, desorganiza o adversrio, e

    imprime objetividade para definir o lance no momento certo.

    - Ser agressivo, contundente e objetivo tambm significa ser vertical,

    ou seja, arriscar passes frente da linha da bola, procurar opes

    prximas ao gol, ocupar espaos adiantados e levar a bola at l.

    - Sobre as trocas de passe, de conhecimento notrio a busca pela

    criao de tringulos, o que nada mais so do que duas opes

    prximas. Na Espanha estes tringulos chamam-se pequenas

    sociedades, e integram o conceito de ttica de grupo:

    Cada cor configura um tringulo diferente; jogadores participam de mais de um tringulo, e no foram assinalados todos os tringulos possveis neste contexto

  • 24

    So jogadores treinados para cooperar entre si conforme o contexto

    da jogada. Obviamente, cada jogador participa de mais do que

    apenas um tringulo.

    Exemplo simples, no 4-3-3 com um volante e dois meias, sistema

    prdigo na formao de tringulos: o meia-esquerda participa,

    pensando superficialmente, de triangulaes com lateral e ponta do

    setor; com meia-direita e centroavante; com ponta do setor e

    centroavante; com meia-direita e volante; com lateral e volante. E por

    a vai. A referncia para a formao do tringulo a bola.

    - As movimentaes dos jogadores, sempre procurando ocupar

    espaos relevantes de forma inteligente e, acima de tudo, oferecendo

    linhas de passe ao homem da bola, modificam a estrutura. Eles

    realizam, muitas vezes, trocas ofensivas, principalmente pelos lados.

    Tambm importante salientar que os mesmos tringulos servem

    organizao defensiva, seja na fase sem bola, seja na de transio

    (veremos a seguir).

    - Superioridade numrica um contexto muito procurado. Criar

    situaes nas quais seu time tenha mais jogadores que o adversrio

    no setor onde est a bola, possibilitando linhas de passe que levem o

    oponente a criar um efeito domin de coberturas apressadas,

    improvisadas. Mas os treinadores tambm preparam combinaes

    na situao contrria, quando h inferioridade numrica.

    - Nestes casos, a vitria pessoal importante. o drible, o momento

    que o jogador com a bola tenta o 1x1, ou no popular: vai dentro do

    cara. Os momentos de vitria pessoal mais desejados so

    geralmente pelo lado do campo, sobre a ltima linha do adversrio,

    tentando quebra-la para conquistar campo em profundidade e criar

    uma situao de gol iminente.

  • 25

    - Integram este contexto ofensivo, ainda, a amplitude e a

    profundidade.

    Amplitude a tentativa de abrir as linhas adversrias, distribuindo

    jogadores de uma ponta a outra do campo ofensivo, o que oferece

    linhas de passe longas para inverses e lanamentos diagonais,

    dificultando a marcao. Abrir o campo para facilitar a criao de

    espaos e a consequente articulao ofensiva;

    Profundidade a oferta de opes de passe frente, na direo da

    linha de fundo, com maior possibilidade, portanto, de se chegar ao

    gol.

    Laterais e pontas oferecem amplitude total ao homem da bola, abrem o campo

    Os conceitos de amplitude e profundidade so bastante utilizados em

    sistemas com duas linhas, ou no 4-2-3-1, fazendo os pontas abrir o

    campo, e consequentemente abrir a defesa.

  • 26

    - Com o time distribudo de forma larga, essas equipes recorrem

    muitas vezes diagonal longa. O time trabalha a bola, faz a

    circulao com passes de p em p, induz o adversrio a fazer o

    balano defensivo (como descrito na parte sobre a troca de corredor)

    na direo desejada, e inverte a bola em lanamento para o ponta

    oposto.

    Este movimento, em especial, tem exigido a qualificao de

    zagueiros e volantes na preciso do passe longo. Jogadores destas

    posies capazes de acionar diretamente um ponta em diagonal,

    encontrando o passe certo e colocando a bola no espao certo so

    artigos de luxo no futebol europeu. Zagueiro e volante moderno

    precisam disso para se destacar hoje.

    - Futebol movimento, e acima de tudo a ocupao dos espaos

    importantes de forma inteligente. Na fase de organizao ofensiva, a

    equipe planeja maneiras de abrir espaos no campo de ataque e

    causar desordem no sistema defensivo adversrio. Criados os

    espaos importantes e desorganizada a marcao, o time pode

    progredir e finalizar ocupando-os de maneira inteligente e

    organizada.

    Cada jogador precisa, a cada lance, saber para onde ir, quando ir e o

    que fazer, o que configura a tomada de deciso como um dos

    elementos mais importantes entre as virtudes de um atleta: preciso

    que eles tenham inteligncia de jogo para identificar os espaos

    certos e os momentos oportunos para ocupa-los, alm da percia

    tcnica na execuo das aes com bola. O analista pode incluir em

    suas observaes destaques ou ressalvas a jogadores que tenham

    ou no esta capacidade.

    Voltando analogia blica, como dizem os generais histricos:

    dividir para conquistar. Um time precisa desorganizar o adversrio

    (dividir, quebrar suas linhas de marcao, abrir espaos) para

    conquistar (ocupar os espaos criados e finalizar marcando gols).

  • 27

    4.4.2-Organizao defensiva a fase de posse de bola do

    adversrio. Quando os jogadores retornam aos seus

    posicionamentos e iniciam o combate visando recuperao da bola,

    impedindo que os oponentes avancem no campo e criem

    oportunidades de gol, e ao mesmo tempo desorganizando-se o

    mnimo possvel.

    Boa parte das equipes defende-se de forma mista, combinando

    movimentos diversos, ou ento combinando comportamentos

    diferentes em cada setor. importante saber se a equipe faz defesa

    de zona, encaixe individual dentro do setor ou por funo; se a

    defesa mantm uma linha com sistemas de cobertura em diagonal,

    ou se mantm um zagueiro um passo atrs formando sobra.

    - A marcao individual um caso de exceo, pois se torna muito

    difcil exerc-la em todo o campo.

    Mas - aumentando a incidncia de times com marcao mista,

    principalmente no Brasil - ela ocorre em um alvo especfico do

    adversrio: nove jogadores da equipe marcam da mesma forma, e

    um persegue a referncia tcnica oponente.

    A inteno anular um jogador-chave, impedi-lo de jogar, mesmo

    que para isso o seu jogador - o marcador escolhido - tambm acabe

    saindo do jogo, por se omitir de todas as aes que no tenham

    relao direta com o combate a este rival especfico.

    - Na defesa de zona (marcao zonal, marcao por zona...) a

    principal referncia do jogador o espao que deve ser ocupado, e

    ele se posiciona em funo da bola, e tambm dos demais

    companheiros.

    Em resumo, os jogadores se movimentam organizadamente para

    ocupar os espaos mais importantes - os mais prximos da bola - de

  • 28

    forma inteligente, criando uma sucesso de coberturas. uma

    proposta usual na Europa e em pases inspirados no futebol do Velho

    Continente: defesa de zona tendo o espao, a bola e os

    companheiros como referncias.

    Com a bola como referncia, a equipe no se desorganiza

    perseguindo adversrios sem ela, e sim os impede de ingressar em

    espaos valiosos. O jogador do setor onde est a bola pressiona o

    adversrio com ela, os demais aproximam-se, fechando os espaos

    e induzindo o adversrio a errar, ou a voltar, ou a se movimentar na

    direo que o marcador deseja, para haver o desarme:

    Jogador do time branco pressiona a bola em seu setor (referncias so o espao e a bola); demais companheiros ocupam seus setores, sem desorganizar

    A partir da ocupao inteligente dos espaos prximos bola, a

    equipe fecha as linhas de passe adversrias, ou seja, impede que os

    oponentes tambm prximos consigam espao para ser vistos e

    acionados pelo homem com a bola.

  • 29

    H um pequeno avano neste conceito que a zona pressionante,

    uma reunio da defesa zonal com a presso sobre a bola (falaremos

    em breve sobre o tema). Alm de fechar as linhas de passe

    prximas, o marcador responsvel pela zona onde est o homem da

    bola exerce presso para que ele no realize qualquer passe,

    forando-o a retornar, errar, perder a bola...ou cometendo falta.

    - No encaixe individual dentro do setor a principal referncia o

    adversrio, depois a bola, depois o espao. Cada atleta da equipe

    encaixa e acompanha um adversrio nos setores prximos bola

    mesmo que ele esteja sem ela - dentro dos limites da sua zona (ou

    seja, existem limites geogrficos para persegui-lo):

    A bola est prxima do setor esquerdo defensivo: um jogador pressiona a bola, e os jogadores prximos encaixam os adversrios dentro de seus setores

    Notem que neste caso, ao contrrio da marcao individual, o

    jogador no persegue sempre o mesmo adversrio. Ele se

    responsabiliza pelo encaixe no primeiro que ingressar em sua zona,

    at o final da jogada. Se o adversrio de referncia no momento sair

  • 30

    daquele setor, ou se no movimento seguinte outro oponente por ali

    passar, o marcador troca o alvo. uma espcie de zona mista.

    Este modelo de marcao bastante comum na Amrica do Sul,

    especialmente no Brasil. Criam-se algumas compensaes, porque

    ele provoca desorganizao do desenho inicial da equipe.

    Enquanto na defesa de zona a distribuio dos jogadores permanece

    uniforme - tendo a ocupao de espaos como referncia - no

    encaixe individual ele se molda organizao ofensiva do

    adversrio, e fora a trocas momentneas volante protegendo o

    espao do lateral que saiu, lateral no espao do volante aguardando

    o momento certo para voltarem ao modelo original, por exemplo.

    Se o jogador rival sai demasiadamente de uma zona, seu

    perseguidor o abandona e o entrega a outro companheiro, voltando

    ao seu setor e encaixando-se a novo adversrio.

    Tambm habitual do encaixe de marcao no setor a formao de

    uma sobra defensiva. Se o adversrio tem dois atacantes, por

    exemplo, dois integrantes da defesa encaixam-se a eles, e outro fica

    mais atrs. Tendo o outro time como referncia, a ideia sempre

    formar superioridade numrica de um jogador na defesa, para que

    ele faa a sobra.

    - O encaixe individual por funo tpico dos sistemas com trs

    zagueiros utilizados na Amrica do Sul. Enquanto no modelo acima -

    o encaixe por setor - cada marcador varia seu alvo conforme o

    jogador adversrio que ingressa em sua zona de atuao, no encaixe

    individual por funo o que vale o nmero da camisa.

    Cada jogador tem um alvo especfico a seguir, sem espao

    delimitado, encaixando-se a ele at o final da jogada no importando

    necessariamente o setor onde est a bola.

  • 31

    No 3-5-2 e suas variaes comum dizer que o ala bate com o

    lateral, traduzindo, o ala marca individualmente o lateral adversrio

    (encaixe por funo); zagueiros batem com atacantes - um sobra,

    volantes com meias, meias com volantes e atacantes com zagueiros.

    o famoso cada um pega o seu, modelo mais vulnervel s

    movimentaes dos adversrios - pois se desorganiza em funo

    deles - e tambm mais dependente das vitrias pessoais dos

    marcadores, que esto sempre no 1x1 fato que no tem acontecido

    nos recentes sistemas 5-3-2, com alas alinhados aos zagueiros na

    fase defensiva. Ao invs do encaixe individual por funo, a linha

    defensiva realiza balano.

    Mudando um pouco de assunto, independentemente do sistema de

    marcao, as equipes podem combater em alturas diferentes.

    - O bloco alto com incio da presso no campo ofensivo,

    adiantando os setores com a defesa posicionada na altura da divisa

    de campo, e com atacantes combatendo a sada de bola adversria:

  • 32

    - O bloco mdio posiciona a equipe entre as intermedirias:

    - E o bloco baixo pe a equipe da intermediria defensiva para trs:

  • 33

    Outros conceitos importantes aplicados aos sistemas de marcao

    so a presso sobre a bola, o estreitamento, a compactao e o

    balano defensivo.

    - Presso sobre a bola refere-se intensidade do combate realizado

    pelo jogador. Nada tem a ver com a altura da presso coletiva (os j

    citados blocos alto, mdio ou baixo). Seja na defesa de zona, seja no

    encaixe individual por setor, pressionar a bola hoje fundamental.

    A ideia tirar o adversrio com a bola da zona de conforto e evitar

    que ele tenha tempo/espao para achar bons passes. Sob presso

    do seu marcador ele obriga-se a sair dali, podendo sofrer o desarme,

    errar o passe ou voltar a jogada.

    Este comportamento ainda importante para minimizar os riscos da

    amplitude ofensiva do adversrio, como vimos no item acima,

    evitando a diagonal longa. Mesmo que o oponente abra jogadores

    pelos dois lados e ambicione balanar sua defesa para acionar o

    ponta oposto, a presso sobre a bola impede que o jogador com ela

    consiga tempo e espao para acertar o lanamento. Sob presso,

    precisa definir rpido o lance, diminuindo a preciso da bola longa.

    O contrrio da presso sobre a bola a defesa passiva, em qualquer

    dos modelos de marcao. Seja na defesa de zona, seja nos

    encaixes individuais ou por funo, o jogador apenas ocupa o

    espao, ou apenas acompanha o adversrio, sem lhe incomodar,

    sem lhe forar a tomar uma deciso precipitada, o que permite ao

    oponente encontrar tempo e espao para tomar boas decises - com

    drible, passe curto ou longo.

    Alm do modelo de marcao, portanto, importante ao analista

    diagnosticar o comportamento dos jogadores sem a bola, se

    pressionam os adversrios, ou permitem que tomem decises.

  • 34

    - Estreitamento a distncia entre as pontas laterais do time. Sem a

    bola as equipes no se espalham em campo, mas sim estreitam-se

    no setor atacado. Com os jogadores prximos, fecham-se as linhas

    de passe, proporcionando melhor ocupao dos espaos valiosos e,

    consequentemente, dificultando a movimentao ofensiva do

    adversrio:

    Equipe com pouco espao entre as linhas ou setores (compactao); e tambm com pouco espao entre os jogadores (estreitamento)

    - Compactao a distncia entre os setores do time. Da mesma

    forma que o estreitamento, a compactao das linhas importante

    para fechar as linhas de passe e ocupar os espaos valiosos de

    forma inteligente, sem permitir ao adversrio que encontre caminhos

    desimpedidos para progredir. preciso manter uma distncia curta

    entre defesa, meio e ataque, impedindo que o adversrio encontre

    espao para trabalhar a bola entrelinhas.

  • 35

    - Balano defensivo o movimento coletivo de basculao do time

    na direo da bola. como se os jogadores estivessem conectados

    atravs de cordas, levando obrigatria movimentao coletiva por

    estarem amarrados uns aos outros. Popularmente conhecido por

    gangorra ou por rodar a marcao, o balano defensivo tem como

    referncia a bola:

    Linhas de defesa movimentam-se na direo do setor atacado fazem o balano

    Primeiro os jogadores esperam o adversrio definir por onde sair

    jogando: corredor direito, corredor esquerdo ou corredor central.

    Definido o caminho - e as boas equipes trabalham com a ideia de

    induzir o adversrio a escolher o caminho no qual a prpria defesa

    mais forte, conduzindo-o sorrateiramente armadilha - todo o time

    movimenta-se naquela direo, obedecendo aos critrios definidos

    pelo sistema, seja defesa de zona, seja encaixe.

  • 36

    Este conceito anula a interjeio muito ouvida em arquibancadas ou

    na frente das tevs quando o adversrio tem a bola na direita e

    aparece um jogador livre l na esquerda. Totalmente desmarcado.

    O torcedor se assusta e grita: olha o cara livre, ningum vai

    marcar?. Resposta: no. Trabalha-se a presso sobre a bola

    exatamente para dar suporte ao estreitamento, compactao e ao

    balano defensivo.

    Pois vejamos: se o adversrio est marcado por um jogador que o

    combate com intensidade, sem passividade com presso; se todo o

    time movimentou-se na direo daquele setor; se as linhas de passe

    prximas esto fechadas, ocupadas por defensores inteligentemente

    posicionados...como ele conseguir acertar uma virada?

    Mesmo assim, se ele tiver vitria pessoal, ou seja, se ele conseguir

    sob presso desvencilhar-se do marcador e assim ganhar

    espao/tempo para achar o passe longo, o time est preparado para

    agilizar o balano defensivo naquela posio, cada qual com suas

    coberturas/compensaes combinadas.

    - As equipes tambm ambicionam a superioridade numrica. Dobrar,

    ou at triplicar a marcao sobre o adversrio no setor atacado.

    uma forma, qualquer que seja o sistema adotado, de manter pelo

    menos um jogador pressionando o adversrio com a bola, e outro

    imediatamente prximo, em diagonal ao lance, na cobertura, sem

    contar todas as demais linhas de passe bloqueadas.

    Dessa maneira, mesmo que o oponente tenha vitria pessoal no 1x1,

    possvel combat-lo com a subida de presso daquele que estava

    na cobertura diagonal, evitando uma desorganizao prematura da

    estrutura defensiva.

    Ao analista, na fase de organizao defensiva cabe, portanto,

    especial ateno no diagnstico de todos estes pontos listados:

  • 37

    sistema de marcao (por zona, com encaixe no setor ou por funo,

    com uso de marcao individual, com uso de mais de um modelo -

    misto, portanto); altura de bloco (alto, mdio e baixo) e eventuais

    alternncias entre eles; estreitamento no setor atacado; balano

    defensivo; compactao entre as linhas; superioridade numrica; e

    intensidade da presso sobre a bola no combate.

    4.4.3-Transio ofensiva - contra-ataque, o que o time faz quando

    rouba a bola. A ideia identificar e explorar os aspectos vulnerveis

    do oponente em combinao com as prprias virtudes. possvel

    acelerar a sada, seja no setor onde a bola foi roubada, seja trocando

    o corredor com objetividade para definir o lance - ou manter a posse.

    Aspectos individuais, como a procura de um jogador especfico para

    coordenar a transio, ou ento para receber os lanamentos e

    tentar a vitria pessoal com velocidade e drible, tambm so

    importantes. Assim como a intensidade da aproximao de apoio

    ofensivo - velocidade com a qual o time sai da defesa:

    Contra-ataque para definio rpida com trs opes de passe ao homem da bola

  • 38

    Existem equipes cuja proposta de jogo o contra-ataque, abdicando

    da fase de organizao ofensiva - cede posse ao adversrio - e

    baixando estrategicamente o bloco de defesa para ganhar campo.

    o jogo de transio. Geralmente, estes times procuram definir

    rpido os lances, em contra-ataques verticais e objetivos: sai rpido,

    e em dois ou trs toques j finaliza a gol.

    Enquanto o oponente pode pensar que seu rival est acuado, na

    verdade est apenas induzindo-o a avanar, desorganizar-se, e dar

    espao sada rpida. Considero importante que o analista saiba

    diferenciar quando uma equipe est sendo empurrada pelo

    adversrio, enclausurando-se na defesa, ou quando ela est

    oferecendo posse e campo para jogar em transio ofensiva.

    Nos contra-ataques preciso identificar a mudana de

    comportamento da equipe, ou seja, a partir da roubada da bola os

    jogadores que estavam em comportamento defensivo precisam

    imediatamente assumir o comportamento ofensivo.

    Outro aspecto interessante identificar se o time sabe explorar o

    lado fraco do adversrio. Em um contra-ataque vertical, este o

    objetivo: encontrar o caminho mais curto para o gol, onde o oponente

    que tinha a bola est momentaneamente vulnervel. E, caso no

    d para agredi-lo, manter a posse, esperar os demais companheiros

    sair detrs e entrar em organizao ofensiva.

    So propostas muito diferentes e relevantes para o contexto do jogo.

    Fazer o diagnstico correto da proposta ajuda a julgar, no final, se a

    equipe teve xito. bastante comum, sem fazer essa diferenciao,

    criticar uma equipe por estar demasiadamente recuada ou sem

    posse quando na verdade esta exatamente sua inteno.

    4.4.4-Transio defensiva a recomposio, o contra-ataque

    adversrio, o que o time faz quando perde a bola. E a anlise

  • 39

    comea na fase de organizao ofensiva. Quando tem a posse, toda

    equipe mantm um nmero determinado de jogadores atrs da linha

    da bola.

    Geralmente, em uma equipe com linha defensiva, ficam o lateral

    oposto ao lado da bola, mais os dois zagueiros e eventualmente

    ainda um volante. Eles se encaixam aos adversrios que esto

    posicionados para oferecer-se ao contra-ataque, na maioria das

    vezes com uma sobra, e sempre priorizando a superioridade

    numrica. Formam, na prtica, uma espcie de losango defensivo.

    O time tem a bola, mas mantm lateral oposto, zagueiros e um volante espera

    Mas essa s uma parte. A outra parte, ainda mais importante para

    o contexto da anlise, o comportamento dos jogadores que esto

    participando da organizao ofensiva. importante verificar se o

    jogador que perde a bola o primeiro a combater para retomar, por

    exemplo.

  • 40

    Da mesma forma como na transio ofensiva, importante avaliar se

    os jogadores fazem a mudana de comportamento na recomposio,

    se eles passam do comportamento ofensivo para o comportamento

    defensivo imediatamente.

    Est se utilizando bastante a transio defensiva intensa, com a

    equipe agressivamente atacando a bola de forma compacta e

    estreita, contando com o comprometimento de todos no retorno

    imediato em direo bola e s linhas de passe prximas do

    adversrio, para recuper-la o quanto antes. Neste caso, o jogador

    que perde a bola deve ser o primeiro a tentar recuper-la, enquanto

    os companheiros prximos o ajudam a sufocar o adversrio e a

    fechar os espaos prximos a ele.

    Noutros casos, menos comuns no futebol dito moderno, poucos

    jogadores atacam a bola com a inteno de atrasar a sada do

    adversrio, enquanto os demais recuam para se reposicionar,

    organizando a equipe ao invs de buscar o desarme. A ideia

    apenas tirar a velocidade do lance, temporizar a jogada.

    importante, ainda, reconhecer se a equipe contra-atacada

    consegue induzir o adversrio a tomar o caminho mais difcil. Se

    quando o time contra-ataca precisa identificar o lado vulnervel do

    oponente, da mesma forma quando perde a bola precisa fazer com

    que ele se dirija ao setor mais protegido.

    Na transio defensiva aparece tambm a to famosa falta ttica,

    recurso utilizado para interromper o contra-ataque adversrio quando

    no se exerce boa presso sobre a bola, a formao da espera atrs

    da linha se desorganiza ou se v em igualdade/inferioridade

    numrica. Ver se o time mata a jogada na transio defensiva

    integra as prerrogativas da anlise.

  • 41

    4.4.5-Bola parada um captulo que comea a ser aceito na teoria

    ttica do futebol como o 5 momento do jogo. preciso observar

    como as equipes se posicionam nas cobranas ofensivas e

    defensivas de faltas laterais, faltas diretas e escanteios.

    Existem tantas formaes tticas para bola parada quanto para bola

    rolando. muito grande o nmero de variaes possveis. Nos

    escanteios defensivos, por exemplo, trs so os principais pilares:

    primeira trave, marcao na rea e rebote.

    Varia entre um e at trs jogadores na primeira trave; a marcao

    dentro da rea pode ser por zona - sim, faz-se zona em bola parada -

    ou individual (cada um pega o seu); o rebote pode ter um, dois ou at

    trs jogadores prximos; existem ainda treinadores que posicionam

    um jogador na segunda trave.

    Tambm varia o posicionamento do goleiro, e a maneira como o

    adversrio cobra com jogador de p aberto, ou de p fechado

    ajuda a definir onde o camisa 1 fica, assim como o nmero de

    jogadores na primeira trave.

    Nos escanteios defensivos, geralmente, as equipes sobem com cinco

    jogadores para a rea e mais um ou dois no rebote. As cobranas

    podem alternar p aberto ou fechado. A distribuio destes cinco

    jogadores varia tambm, assim como o local onde a bola cruzada.

    O posicionamento dos jogadores que ficam para o rebote - ofensivo,

    evitando contra-ataques, ou defensivo, armando as transies

    rpidas - tambm importante, assim como a reposio do goleiro

    planejada para determinados espaos.

    Os treinadores estudam muito a bola parada adversria antes dos

    jogos, e comum adaptarem-se a ela, fazendo pequenas alteraes

    de seu modelo em funo das caractersticas do oponente.

  • 42

    5. SISTEMAS TTICOS

    A organizao ttica das equipes est intrinsicamente ligada

    organizao do futebol como um esporte coletivo, desde seus

    primrdios. A partir do momento no qual definiram-se parmetros

    para a disputa - dimenses do campo, nmero de participantes,

    aes permitidas e aes proibidas, entre outros - passou-se a

    pensar na melhor ocupao de espaos.

    E a coisa comeou a ficar sria no final do sculo 19, na Inglaterra.

    Aps ser praticamente banido no pas em razo da violncia

    exagerada entre praticantes e entusiastas, o futebol voltou com tudo

    quando o governo local entendeu que esportes coletivos eram

    importantes para manter jovens sob controle, incluindo-o como

    atividade fsica prevista nos currculos escolares.

    Mas cada escola passou a pratic-lo de uma forma, variando desde

    os componentes at - e principalmente - as aes de conduo da

    bola. Isso impedia que as instituies de ensino realizassem

    confrontos entre si, pois as regras no eram uniformes.

    Em 1848 as escolas inglesas interessadas reuniram-se, e discutiram

    a unificao das leis do futebol. Algumas propostas foram vetadas,

    como a do uso das mos colocada em pauta pela Rugby School -

    cujo representante no concordou com os termos, retirou-se e

    precipitou a criao do rugby. Outras tantas, a lei 6 entre elas -

    curiosamente tambm proposta pela Rugby School - foram

    aprovadas, e formaram o primeiro livro de regras do futebol.

    A lei 6 colocava em impedimento qualquer jogador frente da linha

    da bola. Como acontece, ainda hoje, no rugby. Portanto, a gnese da

    organizao ttica teria de atender a esta demanda legal. Assim

    nasceu o 1-2-7, primeiro estgio da evoluo ttica do futebol.

  • 43

    1-2-7

    Um zagueiro, dois meios-campos e sete atacantes em linha foi a

    primeira formao conhecida. Como curiosidade, nos colgios os

    veteranos ocupavam as funes ofensivas, pois marcar os gols

    conferia status - principalmente entre as torcedoras, no que talvez

    seja registrado como o primeiro movimento no menos organizado

    das marias-chuteiras - enquanto os calouros ficavam lutando em

    absoluta inferioridade numrica na zaga.

    A proposta, entretanto, tornava o futebol um esporte chato. Pois, se

    no possvel passar a bola para ningum frente da linha dela,

    obriga-se algum jogador a tomar a iniciativa pessoal de conduzi-la

    at o gol. E assim, ao invs de coletivo, o futebol comeou quase

    como um esporte individual. Quem pegava a bola dava um bico para

    frente e corria atrs dela, sem trocas de passes.

  • 44

    2-3-5

    Dezoito anos depois, a monotonia fazia despencar o interesse pelo

    futebol. E os cartolas da federao inglesa buscaram correes. A

    principal foi, em 1866, modificar a regra original do impedimento, at

    ento inspirada no rugby: agora, bastaria ter pela frente trs

    adversrios (o goleiro e mais dois, por exemplo) para legalizar a

    posio de um jogador. Estava liberada a linha de passe objetiva.

    O impacto na organizao ttica foi imediato. Criou-se o 2-3-5,

    sistema denominado pirmide. O mais importante foi o surgimento

    do centromdio, jogador colocado entre os dois volantes,

    responsvel pela armao das jogadas. Era ele quem recebia a

    sada de bola e fazia os lanamentos para os atacantes.

    A curiosidade deste sistema foi a numerao das camisas, em

    cronologia posicional obrigatria pela federao inglesa, assim como

    a identificao dos jogadores de 1 a 11. E a ordem era crescente: 1

    para o goleiro; 2 e 3 para os zagueiros; 4, 5 e 6 para os meios-

    campos; 7, 8, 9, 10 e 11 para os atacantes.

  • 45

    Notem que o centromdio herdou a 5, assim como o centroavante a

    9, os pontas a 7 e a 11, e os meias armadores - que seriam recuados

    poucos anos depois - ficaram com a 8 e a 10. Nmeros que se

    tornaram verdadeiras descries de cada funo, marcas

    registradas, at hoje relacionados s caractersticas dos jogadores

    que os ostentam nas camisas.

    O 2-3-5 disseminou-se pelo mundo em amistosos disputados pelas

    equipes inglesas na Europa, e tambm pelos amistosos disputados

    l e aqui entre sul-americanos e europeus. Sem circulao ostensiva

    de jornais, tevs ou internet, a notcia se espalhava pelo contato.

    Excursionar era a melhor maneira de se atualizar. Muitas equipes e

    selees daqui passavam mais de um ms em navios para jogar no

    Velho Continente, retornando com novas ideias. E assim o 2-3-5

    chegou a 1930 sendo o sistema utilizado por todas as selees que

    disputaram a primeira Copa do Mundo, no Uruguai.

    W.M

  • 46

    Pouco antes da Copa, entretanto, uma nova formao surgiu na

    Inglaterra, transformando-se em tendncia anos depois. Foi com o

    tcnico Herbert Chapman, no Arsenal. O embrio est em nova

    mudana da regra do impedimento, ocorrida em 1925: os jogadores

    estariam legalizados tendo dois oponentes - um defensor e o goleiro

    - frente, e no mais trs. Isso porque, apesar da alterao anterior,

    as partidas continuavam arrastadas e sem grande marcao de gols.

    Em apenas uma tacada, a partir da nova regra, Chapman testou

    duas variaes significativas: recuou o centromdio para a faixa dos

    zagueiros, centralizando-o; e baixou dois atacantes para uma

    segunda linha de meio-campo. Formava-se o W.M, assim descrito

    pela disposio dos jogadores lembrando a escrita destas letras, na

    prtica um 3-4-3 com o meio-campo em quadrado.

    Enfrentando o 2-3-5, o W.M deixava defesa e meio-campo em

    superioridade numrica, com o objetivo de trabalhar melhor a bola,

    aumentar a posse e criar mais chances de gols. Deu to certo que o

    Arsenal comeou a enfileirar ttulos, levando a coletividade europeia

    ao uso do mesmo sistema.

    Na poca, Chapman tambm desenvolveu a marcao individual.

    Era o cada um pega o seu. Agora, sugiro o exerccio de

    imaginao: sobreponham duas equipes em W.M. Viram? Fica um

    espelhamento perfeito: trs zagueiros contra trs atacantes, dois

    volantes contra dois meias, e assim sucessivamente.

    A marcao era praticamente pelo nmero da camisa. O 5, antes

    centromdio, agora o zagueiro central - termo at hoje utilizado -

    marcava o 9, o 2 e 3 pegavam o 7 e o 11, o 5 e o 6 combatiam o 8 e

    o 10, ainda forando o futebol a ser um jogo de vitria pessoal,

    apesar de coletivo. Era preciso driblar o marcador para desorganizar

    o adversrio.

  • 47

    Na Inglaterra, a tendncia era sempre a mesma: cria-se um sistema,

    todos copiam e ningum o desenvolve. Mas no restante do

    continente a moda era pegar uma ideia e adaptar as caractersticas

    locais a ela.

    Foi o que aconteceu com o 1-2-7, que na Esccia virou 2-2-6 com a

    tentativa de, mesmo sem poder passar para frente, criar linhas de

    passe laterais mais prximas. Este modelo chegou, poca, aos

    pases do Danbio - ustria e Hungria, principalmente - influenciando

    na criao de uma escola mais voltada posse ofensiva,

    contrariando a gentica inglesa de lanamentos longos e correria

    individual pelas pontas.

    Com o W.M, os hngaros encontraram o ponto certo do tempero que

    impulsionou a gerao de Puskas. O modelo era o mesmo - trs

    zagueiros, dois volantes, dois meias e trs atacantes. Mas no havia

    no elenco da seleo um centroavante alto, que pudesse aparar de

    cabea os cruzamentos e bales para o alto que j eram tpicos do

    futebol ingls.

    Atento caracterstica local, o tcnico Gusztav Sebes criou o falso-

    nove, mesmo que na poca no fosse assim chamado. Hidegkuti,

    centroavante baixinho e movedio, passou a sair da referncia do

    ataque, arrastando consigo o camisa 5 - seu marcador individual,

    lembram? - e abrindo espao s infiltraes dos pontas e dos meias,

    entre eles Puskas.

    Assim conquistaram a medalha de ouro na Olimpada de 1949, e

    foram vices do Mundial de 1954, perdendo para a Alemanha

    Ocidental em partida de marcao muito violenta - na poca ainda

    no haviam substituies, e os jogadores hngaros, aps 36 jogos

    invictos, sucumbiram s faltas rotineiras com as quais os adversrios

    tentavam par-los, sofrendo a virada aps abrir 2 a 0.

  • 48

    4-2-4

    Eis que o dito pas do futebol, pentacampeo mundial, entra na

    ciranda de inovaes tticas mundiais. Em razo da Segunda

    Guerra, e da expanso comunista no Leste Europeu, muitos tcnicos

    hngaros precisaram se exilar. E vieram ao Brasil, onde seguiram

    atuando na mesma funo.

    O intercmbio entre estes hngaros - Fleitas Solich e Blla Guttman,

    por exemplo - com brasileiros do naipe de Flvio Costa, Zez Moreira

    e Martim Francisco, prestou-se correo de um problema at hoje

    reclamado pelo pblico daqui: a indisciplina ttica.

    Segundo consta nos registros histricos, os hngaros tentaram

    implantar o W.M no Brasil. Mas os jogadores brasileiros no os

    obedeciam integralmente. Um dos volantes costumava se adiantar

    mais para jogar, assim como um dos meias tirava frias no ataque e

    no voltava. Eles foram adaptando variaes at formar o W.M com

    duas diagonais no meio-campo, formando um paralelogramo, e no

  • 49

    um quadrado: estas diagonais levaram ao surgimento do 4-2-4,

    com o qual Vicente Feola conquistou a Copa de 1958. Bastou recuar

    um pouco o primeiro volante, tornando-o o quarto zagueiro -

    nomenclatura at hoje conhecida - e adiantar um pouco o meia.

    Do Brasil saiu a primeira linha defensiva de quatro jogadores que se

    tem notcia. E, imediatamente, a variao da variao, com o ponta-

    esquerda Zagallo retornando para compensar a brusca queda de

    quatro para dois homens no meio-campo, na gnese do 4-3-3.

    4-3-3

    Com os mundiais de selees, e com o desenvolvimento das

    comunicaes, no se precisava mais apenas excursionar de navio

    para aprender novidades. Cada pas, cada clube, passou a

    desenvolver suas variaes, disseminando sistemas com

    peculiaridades locais, adaptando modelos a caractersticas prprias.

  • 50

    O 4-3-3, por exemplo, passou por inmeras variaes. E ele abriu o

    que pode se considerar a Era Moderna do futebol, integrada pelos

    sistemas ainda utilizados.

    Hoje ele conta com dois desenhos bsicos: um volante e dois meias

    (um tringulo com a base alta no meio-campo), ou dois volantes e

    um meia (tringulo de base baixa), que por vezes confundido com

    o 4-2-3-1, sistema do qual falaremos depois.

    Nos anos 70 ele foi a principal fonte de inspirao dos treinadores,

    beneficiando no Brasil a qualidade individual dos pontas na

    velocidade e no drible, dos meias na articulao das jogadas, dos

    centroavantes na definio dentro da rea e dos laterais no apoio

    ofensivo. No existe grande clube no Brasil - ou, talvez, pequeno

    tambm - que no registre em sua histria uma vitoriosa e nostlgica

    formao no 4-3-3.

    4-4-2

    J em 1966 a Inglaterra de Sir Alf Ramsey seria campe mundial sob

    a gide do 4-4-2, sistema que mais desenhos proporcionou - e ainda

    proporciona - na histria do futebol.

    O incio teve um volante e trs meias (4-1-3-2), modelo que

    imediatamente originou o losango de meio-campo desenvolvido com

    grande xito - ttulo mundial de 78 - na Argentina: um volante; dois

    mdio-apoiadores, l chamados carrilleros por fazerem o vai-vem

    sobre trilhos (carris, em espanhol) imaginrios; e um meia armador, o

    enganche, responsvel pela articulao, pela ligao do setor com os

    atacantes.

    Mais recentemente, o losango tem se transformado em 4-3-1-2, com

    os mdio-apoiadores transformados em volantes alinhados ao antigo

    centromdio.

  • 51

    No Brasil o losango, poca, no pegou. Foi o quadrado (4-2-2-2),

    consagrado por Tel Santana na Copa de 1982, que tomou conta:

  • 52

    O 4-4-2 tambm permite assimetrias, ou seja, uma distribuio de

    jogadores no meio-campo que no forme desenho algum, com o

    primeiro volante pouco mais recuado, um dos meias aberto, o outro

    centralizado...enfim, ao gosto do fregus.

    Paralelamente aos desenvolvimentos do losango na Argentina e do

    quadrado no Brasil, em 1977 novamente a Inglaterra capitaneou uma

    revoluo ttica. Foi na rouparia de Anfield Road, estdio do

    Liverpool, que planejou-se o 4-4-2 em duas linhas, sistema

    originalmente elaborado para beneficiar o controle da posse de bola

    com as linhas de passe proporcionadas pela sobreposio de dois

    pelotes de quatro jogadores cada.

    Por uns considerado obsoleto, por outros ainda um tabu - rarssimo

    no Brasil - o 4-4-2 em duas linhas tem variaes, ou com um volante

    entre as linhas (4-1-4-1), ou com um meia frente da segunda linha

  • 53

    (4-4-1-1). Seu sucesso precisa da conexo do sistema com a

    marcao por zona com presso sobre a bola, alm da compactao

    e do estreitamento das linhas, e de jogadores com intensidade para

    atacar e defender com o mesmo vigor pelos lados.

    3-5-2

    Foi na Copa de 1986 - alguns atribuem Dinamarca, mas a maioria

    pe a culpa em Carlos Bilardo e sua Argentina campe - que o

    mundo conheceu os sistemas com trs zagueiros. Na verdade,

    falamos da verso moderna do trio defensivo, pois o W.M era na

    prtica um 3-4-3.

    Nem mesmo o lbero era uma novidade, pois a sobra defensiva j

    havia aparecido no 4-3-3 do catenaccio da Inter de Milo, com um

    jogador atrs de outros trs zagueiros; e o carrossel holands das

    copas de 74 e 78, iniciado com Rinus Michels no Ajax de Cruyff,

    tambm contava com um lbero no 4-3-3.

  • 54

    O que inspirou Bilardo foi a disseminao do 4-4-2. Ele pensou:

    porque marcar com linha defensiva de quatro jogadores se acabaram

    os pontas, e todos jogam com apenas dois atacantes? Ento

    desenvolveu a ideia de encaixar dois zagueiros nos atacantes, tendo

    uma sobra, e adiantar os laterais - tornando-os alas.

    Esta proposta de jogo ainda muito forte na Amrica do Sul,

    principalmente no Brasil, na Argentina e no Equador. A Itlia voltou a

    utiliz-la recentemente, mas no com marcaes encaixadas, e sim

    com uma curiosa defesa de setor em linha de cinco.

    As variaes so inmeras: um volante frente do trio defensivo com

    alas mais adiantados (3-1-4-2), um meia frente dos volantes com

    alas mais recuados (3-4-1-2), dois meias frente dos volantes (3-4-

    2-1), um volante com alas mais recuados (3-3-2-2), trs atacantes

    com meio em linha ou em losango (3-4-3), alas transformados em

    laterais na linha dos zagueiros (5-3-2)...

    4-2-3-1

  • 55

    Quando o filho bonito, todo mundo quer embalar a criana e

    assumir a paternidade - raras excees so aquelas que envolvem

    pagamento de penso. Mas, como o 4-2-3-1 no exige remunerao

    mensal do progenitor, muita gente ergue os braos e pede o crdito:

    fui eu, fui eu!.

    As referncias tericas no conseguem identificar o pai, nem mesmo

    a naturalidade do 4-2-3-1. Teria ele se iniciado na Espanha, ou na

    Frana, em algum ponto da linha do tempo entre as Eurocopas de

    1996 e 2000. fato, entretanto, que o verdadeiro pai quem cria.

    Nada mais justo, portanto, que registrarmos esta bela criana em

    nome do francs Arsene Wenger, tcnico do Arsenal.

    Parece bvio que este sistema, hoje um dos mais corriqueiros no

    Brasil aps se tornar tendncia entre as selees do Mundial de

    2010, desenvolveu-se a partir do 4-4-2 em duas linhas, com o

    avano dos meias-extremos e o recuo de um dos atacantes pelo

    centro.

    Com ele, Wenger fez do Arsenal com Bergkamp, Ljungberg, Henry,

    Vieira, Pires, Gilberto Silva, Anelka, Overmars - entre outros - uma

    equipe praticamente imbatvel na Inglaterra. E suas vitrias, como no

    ttulo nacional invicto de 2004, disseminaram o sistema.

    Porm, o 4-2-3-1 mostra sua cara em diversas equipes muito

    anteriores dcada de 90, em pocas nas quais estas sutilezas

    modernas proporcionadas pelo desdobramento do meio-campo em

    duas faixas inexistiam. Chamava-se por outro nome, mas na prtica

    eram 4-2-3-1s embrionrios.

    O Brasil campeo mundial de 1970, por exemplo, tinha Clodoaldo e

    Grson na primeira linha do meio-campo, Rivelino e Jairzinho pelos

    lados, e a dupla Tosto-Pel revezando-se pela faixa central - ora um

  • 56

    na referncia e outro na articulao, ora o inverso. No seria um 4-2-

    3-1?

    Talvez. Eram tantas movimentaes e compensaes que at hoje

    no se chegou a um consenso sobre a formao tricampe - uns

    falam 4-3-3, outros 4-2-4, e o 4-2-3-1 tambm parece-me uma

    hiptese bastante aceitvel.

    E o Flamengo de 1981, com Adlio e Andrade na primeira linha, mais

    Tita e Lico pelas pontas, Zico centralizado e Nunes frente? E o

    Grmio de Felipo, com Carlos Miguel e Paulo Nunes nas pontas,

    Arlson centralizado, e Jardel na referncia? O primeiro tido por 4-3-

    3, o segundo por 4-4-2 quadrado, mas ambos com momentos, com

    aes bem ntidas, do que viria a ser chamado de 4-2-3-1, anos

    depois.

    4-3-2-1

  • 57

    Para encerrar o levantamento de sistemas tticos, desde os

    histricos j relegados at os modernos e ainda utilizados, h o 4-3-

    2-1 carinhosamente chamado de Christmas Tree (rvore de natal,

    em ingls), em razo do desenho que sugere o sistema ttico.

    No encontrei referncias histricas sobre o desenvolvimento deste

    sistema, que parece ser uma variao do 4-4-2 losango a partir do

    recuo de um atacante regio de articulao, mantendo-se o trip

    frente da linha defensiva. Mas, parece, tudo comeou no incio da

    dcada de 90 com o Tottenham.

    Este sistema pouco usual, restringindo-se quase exclusivamente

    ao tcnico italiano Carlo Ancelotti - quase uma assinatura de seu

    trabalho. Foi assim no Milan, no Chelsea, e no incio de sua recente

    passagem pelo PSG.

    Ancelotti aplica a este 4-3-2-1 um conceito interessante: o

    playmaker, ou seja, o armador, na verdade o primeiro volante; e

    as posies de meias ofensivos so ocupadas por dois atacantes,

    utilizando bastante o recurso da bola longa saindo do primeiro

    volante na direo dos meias-atacantes que abrem pelos lados na

    fase de organizao ofensiva para receber.

    Tendncias

    Especular talvez no seja preciso, mas possvel. Talvez o prximo

    passo da evoluo ttica, desta linha do tempo de variaes

    apropriadas a cada gerao, a cada contexto temporal do futebol,

    no esteja especificamente ligada distribuio dos jogadores em

    campo. A organizao moderna parece estar cada vez mais ligada

    aos movimentos, e consequentemente s propostas de jogo.

    Como sempre, o modelo vitorioso do momento quem dita as

    regras. No caso do sculo 21, o Barcelona. E como defini-lo? Ele

    parte de uma base estruturada no 4-3-3, mas com liberdade para

    variaes na coluna central, envolvendo o volante e o centroavante,

  • 58

    a exemplo do que j se fazia no Carrossel Holands - trocas de

    posio verticais, e no dentro dos setores, como usual.

    Se o primeiro volante recua, e empurra os laterais, vira um 3-4-3 em

    linha. Ele pode ainda recuar e o centroavante vir para trs junto, em

    3-5-2. Se o volante ficar no setor, e quem recuar for apenas o

    centroavante, vira 4-4-2 losango.

    Ou ento, ainda mais complexo, um lateral vira ponta, empurra o

    atacante do setor para o meio-campo, e o lateral oposto torna-se

    zagueiro, em 3-4-3 com meio-campo em losango. So variaes

    treinadas e executadas exausto pelo Barcelona e sua escola

    holandesa, inspirada nos laranjas mecnicos de Cruyff, utilizadas

    tambm pelos treinadores argentinos com trabalhos marcantes no

    Chile, Marcelo Bielsa e Jorge Sampaoli.

    Esta nova tendncia, camalenica, de mutaes estruturais

    constantes exigindo alta complexidade de movimentos - e,

    consequentemente, jogadores inteligentes o suficiente para

    compreender as variaes tticas e saber execut-las quando for

    necessrio - deixa em aberto o prximo espao da linha do tempo.

    Qual seria o modelo a seguir no futuro? Qualquer um, desde que

    nele constem mobilidade, complexidade ttica e intensidade. Figuras

    como o falso-nove - centroavante que ora agride, ora arma; e o lbero

    em linha de quatro - zagueiro-volante capaz de atuar nas duas

    funes so importantes constataes dessa tendncia.

    Isso pode eliminar, por exemplo, a exigncia do porte fsico na

    escolha do defensor e do centroavante. Para acompanhar a

    mobilidade, a agilidade e a intensidade de falsos-noves, os zagueiros

    no precisariam mais ser valentes fortes e carrancudos, mas sim

    jogadores com velocidade e capacidade de reao. Da mesma

    forma, com bola no p e muitas variaes sincronizadas, os

  • 59

    centroavantes precisariam ser rpidos, habilidosos e tcnicos, no

    mais trombadores especializados no uso do corpo.

    tudo conjectura. Afinal, o sucesso dita a tendncia. Pode ser que

    tudo isso acontea: um futuro prximo com sistemas indefinidos,

    variaes, rotaes constantes de posicionamento e funo,

    jogadores geis, intensos e mveis.

    Mas o eventual surgimento de um sistema novamente voltado ao

    tamanho e fora, com capacidade de bloquear os espaos

    desejados pelos atacantes de mobilidade, e com imposio para

    vencer pelo alto as defesas formadas por jogadores mais baixos e

    velozes, poderia modificar tudo de novo. Ou no? Melhor esperar.

    6. MTODO DE ANLISE

    Esta espcie de passo a passo que proponho fruto dos quatro

    anos nos quais, entre 2008 e 2012, mantive na imprensa online

    espaos exclusivos para a anlise ttica. Por acreditar que o

    estabelecimento de critrios importantssimo na observao de um

    jogo, desenvolvi um processo adaptado a esta minha necessidade,

    que : organizar-se para capturar a organizao em campo.

    Nem preciso reiterar que este mtodo no a verdade absoluta,

    tampouco acadmico ou dogmtico. Utilizo-o para organizar as

    ideias enquanto assisto aos jogos, tentando minimizar erros e

    maximizar a percepo do maior nmero de movimentos e

    posicionamentos.

    Algo importante destacar que pressa e anlise no andam juntas.

    Embora raros jogos possibilitem excees, muito difcil chegar a

    concluses nos minutos iniciais das partidas. Assisto a jogos sem

    nenhuma pressa para determinar posicionamentos e movimentos.

  • 60

    Pelo contrrio: quase sempre com papel e caneta s mos, vou

    desenhando e anotando tudo o que percebo, seguindo a linha de

    raciocnio, sempre cruzando informaes e dando tempo para

    identificar o que realmente um padro de comportamento. E, se um

    padro de comportamento uma ao que se repete, precisamos de

    tempo para diagnostic-lo reiteradas vezes, e assim inclu-lo na

    anlise.

    Tambm serve dizer que a cronologia do processo no rgida.

    Conforme o desenvolvimento da partida volta-se a passos iniciais, ou

    ento pula-se etapas e depois se retorna a elas. O importante

    responder s questes listadas pelo mtodo.

    6.1-Identificar o posicionamento inicial de cada jogador

    A frmula mgica para isso aguardar o momento de organizao

    defensiva. De preferncia, em um tiro de meta adversrio, quando os

    jogadores retornam a seus posicionamentos iniciais e, nas

    transmisses de tev (principalmente as europeias, em especial as

    inglesas) o enquadramento da imagem abre e abraa todo o campo

    do alto. Assim possvel observar cada jogador em sua respectiva

    zona original de ao

    6.2-Estabelecer o sistema ttico base

    Na teoria, basta somar os posicionamentos iniciais identificados no

    primeiro passo da anlise e chegar ao sistema ttico. Voc