Anarquismo - Uma Ideologia Ou Uma Metodologia

download Anarquismo - Uma Ideologia Ou Uma Metodologia

of 6

Transcript of Anarquismo - Uma Ideologia Ou Uma Metodologia

  • 8/13/2019 Anarquismo - Uma Ideologia Ou Uma Metodologia

    1/6

    ANARQUISMO: UMA IDEOLOGIA OU UMA METODOLOGIA?

    Como definir o anarquismo? Como um projeto de sociedade futura? Uma ideologia? Ou como umatcnica de ao no presente? Uma metodologia? Em outros termos: A "anarquia" um fim ou ummeio?

    A definio usual do anarquismo, encontrada nos dicionrios, sempre centrada no projeto desociedade futura do anarquismo: a Anarquia, cuja definio amide burlesca. Por exemplo, noLittrencontramos: "Anarquia: ausncia de governo, e, por consequncia, desordem e confuso".Algumas so, contudo, menos risveis e aproximam-se mais de uma definio que poderia pareceraceitvel pelos prprios anarquistas. Por exemplo, a enciclopdia Larousseretoma a definio doLittr, mas prope igualmente a seguinte definio da anarquia: "sistema poltico ou socialsegundo o qual todo indivduo deve ser emancipado de toda tutela governamental." Em seguida, o

    anarquismo definido como uma "ideologia ou doutrina que preconiza a supresso do Estado,quaisquer que sejam as condies histricas".Esse tipo de definio, centrada unicamente no projeto social, conduz amide o anarquismo a sercatalogado como sendo uma ideologia, a classificar entre tantas outras. Infelizmente, procederassim significa falsear, e at mesmo desviar completamente, a essncia profunda do anarquismoque se estende de certo para alm do mbito restrito de uma ideologia. o que eu gostaria detentar mostrar aqui, para em seguida propor um outro tipo de abordagem que estaria mais emrelao com a especificidade do anarquismo(1).O anarquismo, uma ideologia?Antes de tudo, o anarquismo no certamente um sistema de pensamento cristalizado, nem umateoria nica concernindo um pensador bem particular; ele caracteriza-se, ao contrrio, por umpensamento em constante evoluo, e pela grande diversidade de correntes que o compem. Nosendo uma teoria social fixa e bem determinada, o anarquismo no se presta facilmente anlise

    sistemtica (ao contrrio do marxismo mais frequentemente formalizado, conquanto ele tambmseja bem mltiplo), o que leva um bom nmero de comentadores a anul-la como sendo utpica,primitiva e incompatvel com a complexidade das realidades sociais.Mas o que geralmente considerado como uma prova de fraqueza terica, revela-se, narealidade, uma das provas da coerncia, da flexibilidade e da riqueza da idia anarquista. Comoobservava o anarco-sindicalista alemo Rudolf Rocker (1873-1958):"O anarquismo no uma soluo certificada para todos os problemas humanos, nem uma Utopiaou uma ordem social perfeita, como ele foi amide chamado, porquanto ele rejeita em princpiotodo esquema e conceito absolutos. Ele no cr em nenhuma verdade absoluta, ou objetivo finaldefinido pelo desenvolvimento humano, mas na perfectibilidade ilimitada das organizaes sociaise das condies de vidas humanas, que so sempre inclinadas s mais elevadas formas deexpresso e s quais, por esta razo, no se pode atribuir nenhum fim determinado nem afirmar

    nenhum objetivo fixado. O pior crime de qualquer tipo de Estado que seja justamente que ele

  • 8/13/2019 Anarquismo - Uma Ideologia Ou Uma Metodologia

    2/6

    tenta sempre forar a rica diversidade da vida social a formas definidas, e ajust-la a uma formaparticular que no permite perspectiva mais ampla, e considere os excitantes estados precedentescomo terminados."(2)Constata-se, portanto, que o anarquismo no pode ser definido como uma doutrina social quesupe apresentar asoluo a todos os problemas da sociedade, o que o afasta de uma definioideolgica. Isso poderia bastar, mas interessante aprofundar um pouco mais a natureza daideologia e as relaes que ela mantm com o poder antes de afirmar que o anarquismo no podeser uma ideologia.Ideologia e poderO ponto de partida a constatao de que "no h poder sem necessidade de justificao e,assim, (...) de ideologia" segundo A. G. Calvo para quem a ideologia simplesmente "a forma friae desapegada da justificao"(3). A natureza da ideologia seria, pois, a de ser um discurso aservio do poder (do poder instalado ou daqueles que ambicionam conquist-lo):"A ideologia uma condio indispensvel do Estado. No apenas a ideologia que exprimemdiretamente os rgos do Poder, mas tambm aquela desenvolvida pelos militantes contra oPoder, integrados na ordem."(3)Com efeito, toda ideologia, qualquer que seja sua forma, pe-se de acordo com a ideologia do

    Estado e a consolida, em nome de sua pretenso a uma explicao total, que resultanecessariamente (como o Estado) em querer cristalizar a rica diversidade da vida social numaforma nica fixa no tempo.Desde logo, seria mais apropriado considerar o anarquismo como sendo uma antiideologia, vistoque, em vez de ter como funo legitimar o poder, o anarquismo tem por princpio renegar alegitimidade de toda forma de poder.Anarquia e ideologiaDe toda maneira, saber se o anarquismo ou no uma ideologia, significa apresentar umaquesto ruim, pois a anarquia no necessita de ideologia; s a autoridade precisa de umajustificao, quanto tenta legitimar os limites que ela impe liberdade de cada um.Segundo o clebre lingista Noam Chomsky, o anarquismo inclusive"uma expresso da idia que o nus da prova est sempre sobre aqueles que sustentam que aautoridade e a dominao so necessrias."

    A anarquia no precisa de ideologia, mas isso no significa, evidentemente, que ela no necessitade idias. O anarquismo entre outras coisas uma corrente de pensamento amplo e variado. Arejeio da ideologia no significa certamente recusar os discursos tericos ou as tentativas deanlises globais. A contaminao das idias tal que alguns esquecem, s vezes, que a ideologiano a nica forma possvel de discurso racional sobre o mundo e sobre as maneiras deapreend-lo. Essa idia errnea est diretamente religada a essa outra, montada, segundo a qualo Estado a nica forma possvel de organizao da sociedade.Observemos que a contaminao ideolgica e o mal-entendido em relao natureza doanarquismo so tais que mesmo os libertrios so, amide, eles prprios vtimas sem sab-lo doparadigma ideolgico quando tentam definir o anarquismo.O anarquismo, um movimento histrico?Uma vez rejeitada a definio ideolgica, somos com freqncia levados a encontrar umadefinio mais concreta do anarquismo, como movimento histrico. Por exemplo, na EncyclopdieUniversallis lemos: "O anarquismo um movimento de idias e aes que (...) se prope areconstruir a vida em comum base da vontade individual autnoma." um caminho semelhantequele seguido por Rudol Rocker para quem o anarquismo "uma tendncia definida no desenvolvimento histrico da humanidade, que (...) se esfora paraobter o livre desenvolvimento de todas as foras individuais e sociais da vida."(2)Mas como unificar as idias contidas nas diversas definies precedentes (no projeto social, corpode idias, movimento histrico) que contm todas fragmentos da natureza profunda doanarquismo?O anarquismo, visto como uma metodologiaUma maneira de proceder para unificar esses diversos elementos definir o anarquismo no comouma ideologia (isto , um sistema de interpretao do mundo de pretenso total da qual decorreuma doutrina social determinada), mas como uma metodologia (quer dizer, uma reflexo geral

  • 8/13/2019 Anarquismo - Uma Ideologia Ou Uma Metodologia

    3/6

    quanto ao fim e aos meios resultando num mtodo de ao). Proceder assim, tem por objetivoressaltar e extrair o que constitui a fora, a vitalidade e a pertinncia atual da idia anarquista.(4)Definir o anarquismo como uma metodologia no uma simples questo de sutileza semntica, uma distino fundamental muito concreta, que remonta s origens do anarquismo quando daciso do movimento socialista em duas correntes: autoritria e antiautoritria.Fundamentos histricosO socialismo antiautoritrioO socialismo libertrio (ou antiautoritrio) encontra sua fonte na clebre querela entre Marx eBakunin, no seio da Primeira Internacional, que culminou na expulso de Bakunin em 1872.Desse debate, sempre atual, emergiram dois modelos de movimentos sociais.O modelo marxista: segundo o qual uma vanguarda deve guiar as massas ao socialismo futuro, opapel das massas reduzindo-se a conduzir essa vanguarda ao poder (pelo voto ou pela revoluoarmada dependendo se esse modelo reformista ou revolucionrio), a passagem ao socialismodevendo acontecer com um perodo de transio estatista (sucesso de reformas do "Estadoburgus" pelos social-democratas; "ditadura do proletariado" pelos marxistas-leninistas);O modelo bakuninista: toda autoridade poltica deve ser rejeitada, a ao direta das massaslivremente organizadas sem hierarquia sendo o meio de realizar o socialismo aqui e agora, sem

    fase de transio.Antes de tudo, o antagonismo entre socialismo autoritrio e antiautoritrio , assim,metodolgico. Com efeito, esses dois movimentos partilham uma crtica comum do capitalismo eum mesmo projeto social: a sociedade socialista sem Estado. So os meios propostos pararealiz-los que os opem. E a escolha do mtodo (ou mais exatamente os princpiosmetodolgicos que determinam e constituem essa escolha) que funda o socialismo libertrio,histrica e ontologicamente (no sentido em que, definido como uma metodologia, o ser dosocialismo o seu mtodo).Essa ruptura condena toda aliana ao fracasso; a profundidade de suas divergncias noconcernem unicamente ao futuro (transio ou passagem imediata ao socialismo) ou ao passado(cruis lembranas, infelizmente muito reveladoras), mas sobretudo ao presente (aceitar ourejeitar o Estado como meio, como modelo para a transformao social).Ideologias diferentes, e at mesmo opostas, conseguem amide fazer aliana num combate

    poltico particular pelo controle do poder (exemplo evidente: as eleies), em contrapartida,divergncias metodolgicas so de natureza inconciliveis (o drama das revolues russa eespanhola suficientemente claro com relao a isso). Porquanto o fim concerne ao futuro e osmeios residem no presente, eles entram, portanto, diretamente em conflito. Pode-se jogar com ofim, no com os meios.A anarquia, uma idia em aoO exemplo do socialismo antiautoritrio mostra que, contrariamente a uma idia disseminada, no s a recusa do Estado pela sociedade futura que caracteriza o anarquismo (a totalidade dacorrente socialista partilha em princpio desse objetivo), mas sobretudo as prticas desenvolvidasno presente.Segundo o historiador Georges Woodcock (1912-1995),"o anarquismo no se limita a um projeto de sociedade futura, mas, de preferncia, apia naprtica as idias e os modelos libertrios to longe quanto isso possa ser feito, aqui e agora."(5)Em vez de esperar passivamente a revoluo, que pode muito bem nunca vir ou degenerar numasimples mudana de senhores se a sociedade no estiver preparada o suficiente, cabe aoanarquismo, segundo ele,"reforar e encorajar todas as impulses libertrias e mutualistas, que elas seja m construtivas, nosentido em que criam novas organizaes libertrias, ou rebeldes, no sentido em que resistem aosnovos ataques liberdade ou buscam pr fim s velhas tiranias e discriminaes."(6)O anarco-sindicalismoDefinir o anarquismo como uma metodologia permite igualmente compreender a razofundamental dos mltiplos sucessos histricos do anarco-sindicalismo. Este ltimo encontra suaorigem na constatao efetuada por volta de 1894 pela maioria dos anarquistas do fracasso dattica da "propaganda pelo fato". Contrariamente s imensas esperanas que os atentadosindividuais tinham podido suscitar em alguns militantes, nenhuma tomada de conscincia coletiva

  • 8/13/2019 Anarquismo - Uma Ideologia Ou Uma Metodologia

    4/6

    se produzira no seio das massas operrias. Pior, a represso que se seguiu aos atentados, longede constituir o preldio da revoluo social, marcou bem mais o fim de uma poca.Um grande nmero de anarquistas juntou, ento, as organizaes sindicais nascentes (as Bolsasde Trabalho) nas quais desempenharam um grande papel, reavivando os princpios metodolgicosdo socialismo libertrio, isto , da independncia em relao s organizaes polticas (autonomiasindical, antiparlamentarismo...), a prtica da ao direta (greves "selvagens", boicotes,ocupaes, sabotagens tcnicas, greve geral...), a organizao autnoma e federada domovimento social...O anarco-sindicalismo amide definido como um "anarquismo que atribui aos sindicatos aorganizao sa sociedade" (Larousse ). De novo, uma definio do tipo "doutrina social" erra seualvo e empobrece, melhor dizendo, desvia a significao real. Com efeito, as organizaes anarco-sindicalistas no so organizaes especificamente anarquistas, conquanto um bom nmero deanarquistas nelas participem (a denominao sindicalismo revolucionrio, amide sinnimo deanarco-sindicalismo, no contm, por sinal, referncia explcita ao anarquismo).Em vez de uma doutrina social, o sindicalismo revolucionrio uma prtica dos princpios emtodos libertrios no seio do movimento social, pelo vis do sindicato. Uma definiometodolgica como essa presta conta provavelmente bem melhor de sua natureza e das razes

    de seu sucesso.O anarco-sindicalismo corresponde, ento, essncia profunda da propaganda pelo fato(propagar as idias libertrias pela ao), antes que ela degenere num niilismo destruidor, fonte econseqncia do isolamento revolucionrio conduzindo os mais impacientes a trgicos atos dedesespero.Princpios fundadoresAdequao entre o fim e os meiosPara concluir esta pesquisa da natureza do ana rquismo, indispensvel analisar o princpiofundador do mtodo anarquista: a necessria adequaoentre o fim e os meios.Meios em contradio com o fim conduzem inevitavelmente a um resultado oposto aos objetivosperseguidos. A idia de querer utilizar o Estado para conduzir sociedade socialista sem Estadocontm sua prpria contradio e s podia levar aos fracassos mais trgicos. Para convecer-sedisso, basta observar os fracassos do socialismo autoritrio, seja ele reformista ou revolucionrio.

    A adequao dos meios com o fim , em contrapartida, um princpio positivo levando adesenvolver hojeprticas prefigurando a sociedade de amanh. Com efeito, a sociedade vindourano independente dos meios utilizados para cri-la, mas o reflexo do combate social que aprecedeu e das idias que lhe serviram de base. Esse princpio metodolgico de adequao dosmeios com o fim resulta em trs princpios metdicos: recusa da poltica, ao direta e auto-organizao do movimento social. Os dois primeiros so s vezes fontes de confuso, e por issoque eles so comentados mais detalhadamente.Recusa da polticaA recusa ao parlamentarismo e ao poltica pelo anarquismo muito amide mal compreendidoe interpretado por seus detratores como a prova de um desinteresse pela coisa pblica, de umaincapacidade de modificar o curso da sociedade, ou de uma recusa de assumir suasresponsabilidades quando decises devem ser tomadas.Mas antes de tudo, o que a poltica? O sentido dado a essa palavra varia enormemente.Limitando-se definio dada pelo filsofo Andr Comte-Sponville, descobre-se que a poltica" a vida comum e conflitual, sob a dominao do Estado e para seu controle: a arte de tomar,conservar e utilizar o poder."(6)Entendida nesse sentido (sentido ao qual se referem os anarquistas quando eles rejeitam a aopoltica), a poltica no se limita gesto da vida comum e conflitual (que ocentro de interessedo anarquismo), ela sua monopolizao pelo poder.Essa monopolizao tem por efeito, entre outros, desviar a ao poltica de seu objetivo confesso:a gesto da vida social, para um objetivo inconfesso: o controle do poder. Com efeito,"todo homem que faz poltica aspira ao poder - seja porque o considera como um meio a serviode outros fins, ideais ou egostas, seja porque o deseja 'para si mesmo' com vistar a gozar osentimento de prestgio que ele confere."(7)

  • 8/13/2019 Anarquismo - Uma Ideologia Ou Uma Metodologia

    5/6

    assim que o anarquismo no um movimento poltico, mas um movimento social, na medidaem que ele no luta para tomar o poder, mas tenta pr um fim a toda forma de poder. Em outrostermos, ele visa transformaoda sociedade, e no a seu controle (mesmo em nome de umnobre fim). E por isso que o movimento anarquista no necessita de ideologia. A conquista depoder precisa de uma ideologia para justificar o aambarcamento da gesto da sociedade por umaminoria que impe a todos um modelo social determinado suposto garantir a felicidade de todos.O anarquismo visa, ao contrrio, restituir a gesto da vida comum prpria sociedade, e essarestituio no necessita de justificao, ela lhe cabe de direito.Ao diretaMas a recusa da ao poltica e as razes dessa recusa no bastam para caracterizar ametodologia anarquista, pois ela determina uma tcnica de ao e no de inao. Entre osanarquistas, a ao direta substitui a ao poltica.A ao direta consiste "em intervir diretamente na sociedade, sem passar pela intermediao dasinstituies(8)."Ela visa realizar nossos objetivos atravs de nossa prpria atividade e ao invs daatividade dos outros, particularmente aquela de "representantes", sobretudo preocupados com apreservao do status quo. Ela se baseia numa crtica radical da democracia formal parlamentarno qual o cidado delega seu poder em vez de exerc-lo.

    A ao direta com freqncia associada, na opinio pblica, violncia, mas essa tcnica deao inteiramente independente da escolha ou da recusa da violncia, ela pode ter tanto umcarter violento quanto no-violento. Em contrapartida, conforme ressalta a anarquista americanaVoltairine de Clyere (1866-1912),"o verdadeiro no-violento s pode crer na ao direta, nunca na ao poltica, pois a base detoda ao poltica a coao; mesmo quando o Estado faz boas coisas, isso repousa, enfim, sobreuma matraca, um revlver ou uma priso."Para os anarquistas, a ao direta no apenas um mtodo de protesto, tambm uma escolalibertria, na qual os indivduos reencontram sua dignidade ao reapropriar-se do poder de agirsobre sua prpria existncia e ao restabelecer os laos sociais de apoio mtuo e de solidariedade.Assim concebida, a ao direta a anarquia em ao, aqui e agora.O princpio metodolgico de adequao dos meios com o fim permite ancorar no presente umprojeto de sociedade que, sem isso, poderia parecer muito distante, e mesmo francamente

    inacessvel, quando, no seio da sociedade atual, j existe, em germe, a sociedade de amanh, nasinmeras associaes de indivduos embasadas na cooperao voluntria e no apoio mtuo. Emconseqncia, esse princpio metodolgico vai alm de uma simples reconciliao entre o fim e osmeios, ele visa operar uma real fuso entre eles.Os meios so o fim, o fim o meioTodas as ideologias tm em comum o fato de separar os meios do fim, o que os conduz a...Subordinar o fim aos meios. a tara fundamental do reformismo. Seu defeito incurvel no tanto querer uma transformao progressiva da sociedade, mas se concentrar na ao poltica. Osmeios (as lutas do poder) logo se tornam, ento, um fim em si, e a necessidade de tomardecises em concordncia com as "duras imposies da realidade" resulta rapidamente emrenunciar aos princpios iniciais.Subordinar os meios ao fim. a tara das revolues autoritrias. Seus partidrios consideramque, desde que o fim seja bom e que se o tenha sempre no esprito, os meios importam pouco (ofim possui a capacidade de transcender os meios), s conta o critrio da eficcia, assimilada tomada do poder.Para ser mais preciso, reformistas bem como revolucionrios adotam duas posies em grausdiversos e segundo as circunstncias, mas de qualquer modo, essas duas atitudes separam osmeios do fim e subordinam um em relao ao outro.O anarquismo, como metodologia, considera, ao contrrio, que os meios e o fim estoindissoluvelmente ligados. Separar artificialmente o fim dos meios significa negar a relaoorgnica que os une. Cada meio est estreitamente ligado a um objetivo. Os meios contm eengendram inevitavelmente o fim que lhes prprio.Por exemplo, da natureza do Estado manter a diviso da sociedade em classes antagonistas emque uma exerce sua dominao sobre a outra. O Estado utilizado como um meio (por exemplo,

  • 8/13/2019 Anarquismo - Uma Ideologia Ou Uma Metodologia

    6/6

    para chegar sociedade sem classes e sem Estado) s pode chegar ao fim que lhe prprio, querdizer, o Estado, que seu prprio fim.Mas a idia anarquista vai mais longe que a necessria adequao entre os meios e o fim jevocado precedentemente, ela consiste de fato em fusionar os meios e o fim. Por um lado, oobjetivo perseguido pelo anarquismo precisamente pr em prtica a anarquia aqui e agora,desenvolvendo as formas de organizaes libertrias no seio da sociedade, e lutando contra adominao exercida pelas foras da desordem estabelecida. Por outro lado, o projeto sociallibertrio no uma abstrao elaborada, nas lutas e nas alternativas vividas concretamenteque a anarquia toma forma elabora-se progressivamente, em contato com a realidade.O fim indica os meios, e, por sua vez, os meios constroem o fim.ConclusoA questo de incio A anarquia: um fim ou um meio? parece ter uma resposta: a anarquia simultaneamente o fim e o meio do anarquismo.Enquanto o apangio das ideologias de todos os calibres separar o fim dos meios, o anarquismotenta fusion-los numa anarquia que no seria uma utopia para amanh, mas uma idia em aoaqui e agora.

    Xavier - Bruxelas

    Notas:1. Esclareo imediatamente que no tenciono de modo algum ser detentor de qualquer verdaderevelada. Essa outra abordagem no absolutamente inovadora, quando muito, tenta ressaltar ecorresponder originalidade prpria do anarquismo desde suas origens, infelizmente muitoamide dissimulada atrs de um biombo ideolgico por seus detratores e por seus partidrios...Tambm no sou um experto em histria do anarquismo e espero ter limitado ao mximo asinexatides ao apresentar o socialismo libertrio e o sindicalismo revolucionrio.2. Rudolf Rocker, Anarcho-Syndicalism: Theory and Practice, Secker and Warburg, 1938.3. Augustin Garcia Calvo, Qu'est-ce que l'tat?, Atelier de Cration Libertaire, 1992.4. Dave Neal,Anarchism: Ideology or Methodology?,The Spunk Press Archive, 1997.5. Georges Woodcock, Tradition and Revolution,Kick It Over nE19-20, vero e inverno, 1987.6. Andr Comte-Sponville, Penses sur la politique, Albin Michel, 1998.7. Max Weber, Le savant et le philosophe, Libraire Plon, 1959.8. Jean-Marie Muller,Lexique de la non-violence, Alternatives non-violentes nE68, 1988.

    Texto publicado noAlternative Libraire, no217, maio de 1999.

    Traduzido do francs por Plnio Augusto Colho.

    Retirado em portugus da revista Libertrios.