ANASTASIA, Carla. Vassalos Rebeldes

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    PARTE I

    TRADiO E SOBERANIA FRAGMENTADA:dos motins dentro das regras do jogo colonial aos casos hbridos

  • CAPTULO 1TRADiO E REGRESSO:

    os motins das primeiras dcadas do sculo XVIII

    Em 1713, alguns moradores da Vila do Carmo amotinaram-secontra o Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca, o Dr. Manoel daCosta Amorim

    "sem admitirem administrao da justia (...) que que-ria fazer aos rus e delinqentes que lhe resistiram emuma vistoria que a requerimento das partes foi fazerem umas terras minerais'?" .

    A revolta resultou da deciso do Ouvidor Geral de redistribuiralgumas lavras e retirar os mineradores que nelas haviam se esta-belecido. Manoel da Costa alegava pertencerem aquelas terras datada Real Fazenda, a qual deveria ser levada hasta pblica de acordocom as disposies do Regimento de 1702. Os mineradores no con-cordaram, j que vinham lavrando as terras h muito tempo, e levan-taram-se em motim.

    Buscando sistematizar a explorao do ouro e garantir a ordemna regio, o Regimento dos Superintendentes, Guarda Mores e maisoficiais deputados para as minas de ouro de 1702 determinava que o

    40 ATA de 20 de maio de 1713. Atas da Cmara de Ouro Preto. Revista do Instituto Histrico e GeogrficoBrasileiro. 49 (1927): 270-273.

    O ouvidor Manoel da Costa Amorim apresentava, como os demais ministros das Minas, comportamentoabsolutamente inadequado. Da carta que lhe foi enviada por D. Brs Baltasar da Silveira, sobre o pssimotratamento que dispensava ao preso Manoel Ferreira da Fonseca, consta ordem do Governador para queo Ouvidor Geral da Comarca de Vila Rica publicasse

    "...a sentena do preso para que fosse castigado conforme ela, cujo despacho [o ouvidor me tornou] aremeter sem lhe dar cumprimento, querendo maltratar o preso tendo-o na cadeia todo o tempo que [fosse]necessrio para satisfao de sua vingana."

    O governador reiterava ao ouvidor que no era desta forma que se servia Sua Majestade, que noqueria que "as suas leis [vingassem] agravos particulares, mas que se [fizesse] justia a todos comretido". D. Brs ameaou Costa Amorim, " vista da repugnncia que [o ouvidor mostrava] no cumpri-mento dos [seus] despachos", de tomar "as medidas proporcionadas para conservar o respeito do [seu]carter e da [sua] pessoa".

    Cf. CARTA de D. Brs Baltasar da Silveira para o Ouvidor Geral da Comarca de Vila Rica de 30 de dezem-bro de 1714. APM. Seo Colonial. Cdice SG 09 fi. 38.

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    Superintendente deveria se empenhar em resolver as pendncias en-tre os minera dores, ouvindo imparcialmente as partes. Este ministro,responsvel pela distribuio das datas e pela resoluo dos eventu-ais problemas entre os lavradores, acabou por abusar das vistorias _um tipo de fiscalizao dos trabalhos minerais - o que generalizouum clima de tenso entre os moradores da rea.

    Este clima foi agravado em razo dos morros serem consideradosrealengos, impedindo-se a distribuio de datas naqueles locais, o querestringia a rea de minerao. Exemplos foram os morros da Pas-sagem, de So Vicente e de Catas Altas, entre outros.

    Mostrando a dificuldade de se impor as novas regras, no morrode Vila Rica, por exemplo, importantssimo ncleo de minerao, oslavradores desprezavam as regulamentaes e faziam o que bem enten-diam, "sem mais ttulo que o da ambio e da injustia". Os problemaseclodiam quando, nas vistorias, o Superintendente detectava a ocu-pao irregular dos morros e tentava reintegrar as lavras Real Fa-zenda".

    Voltando tumultuada situao de Vilado Carmo em 1713,comoa revolta se generalizasse sem que fossem tomadas medidas para suaconteno, os oficiais da Cmara de Vila Rica recomendaram aos deVila do Carmo que acabassem logo com o tumulto pelo "dano que da-quela sublevao podia resultar a todas [as] minas ... "42. Os oficiais da C-mara de Vila do Carmo reconheciam, entretanto, a legitimidade daatitude dos amotinados e solicitaram Cmara de Vila Rica interce-der junto ao Ouvidor Geral para que fosse concedido perdo aos su-blevados, devolvidos os bens seqestrados e as terras em que lavra-vam: A Cmara de Vila Rica, porm, tomou uma posio irredutval afavor da deciso do Ouvidor Geral. Como castigo exemplar, os cabe-as foram presos e, aps a devassa, alguns foram condenados ao de-gredo para Benguela e outros a "degredo mais suaoe?", No obstante aameaa de castigo, as terras e os bens seqestrados acabaram por serdevolvidos aos mineradores amotinados e, por determinao do Go-vernador, foi concedido o perdo aos revoltosos'".

    " CI. COELHO. Jos Joo Teixeira. Instruo para o governo da Capitania de Minas Gerais. Belo Hori-zonte: Fundao Joo Pinheiro, 1994. p. 181-183.

    42 ATA de 20 de maio de 1713. Doe. cit.

    43 CARTA do Governador ao Rei de 28 de maio de 1716. APM. Seo Colonial. Cdice SG 04 tis. 439 a442.

    44 Ibidem.

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    Em circunstncias semelhantes s da ecloso do motim de Vilado Carmo, os moradores do distrito de Itaverava revoltaram-se con-tra o escrivo das datas, responsvel pela repartio de "algumas la-vras velhas". O povo de Itaverava reuniu-se em armas para reparti-Ias"sem autoridade do guarda mor com o pretexto de que nesta forma repartiao povo as datas no princpio [das] minas=" .

    Estas revoltas explicitam a dificuldade que tinham as autorida-des em impor regras sem respeitar aquelas estabelecidas no convvioda comunidade. Foram revoltas claramente reativas, nas quais osmineradores no pretendiam colocar em xeque as regras estipuladaspara o jogo colonial, mas to somente lutavam para garantir a manu-teno de determinados procedimentos, inaugurados no alvorecer dasminas e, em geral, considerados razoveis pela sua populao.

    . Da mesma maneira se comportaram os atores de outras revol-tas, ocorridas na Capitania das Minas Gerais na primeira metade doSetecentos. A exemplo das tax rebellions europias, a tentativa de al-terao da forma de arrecadao dos impostos provocou inmerosconflitos.

    -No ano de 1715, o povo das minas se levantou contra o paga-mentodos quintos por batea"'. Os mineradores exigiram que D. BrsBaltasar da Silveira, Governador da Capitania, declarasse as minasisentas para sempre desta forma de cobrana, e fixaram o valor dopagamento do quinto em 30 arrobas anuais. Declararam que no dis-cutiam a justia do pagamento do tributo com o qual volunta-riamente se dispunham a arcar, mas que nada pagariam caso a for-ma da arrecadao fosse alterada.

    Por Carta Rgia de 24 de julho de 1711,havia sidp_d~J~Jm.inadoque a cobrana do quinto se faria por bateias. Contudo, o GovernadorAntnio de Albuquerque, ciente das dificuldades de se cobrar o quin-to desta forma, suspendeu a execuo da carta rgia, explicando aoRei as razes da adoo da medida. A capitao se manteve suspensaat o governo de D. Brs Baltasar da Silveira, que convocou uma Jun-ta a Vila Rica em 7 de dezembro de 1713, com o intuito de lembrar a

    45 CARTA de D. Brs Baltasar da Silveira para o Ouvidor Geral da Comarca de So Joo dei Rei de 12 dejaneiro de 1716. APM. Seo Colonial. Cdice SG 0911.45.

    46 "Pela palavra bateia se designarn os escravos, de sorte que o quinto por bate ia ou por cabea de escravovinha a ser uma rigorosa capitao". CI. VASCONCELOS, Diogo P.R. de. Minas e Quintos do ouro. Revistado Arquivo Pblico Mineiro. 6 (1901) p. 856.A anlise subseqente sobre o estabelecimento da cobrana do quinto por bateias baseia-se na obracitada. p. 856 passim.

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    promessa que os mineradores haviam feito ao seu antecessor de pa-garem dez oitavas por bateia. Como os povos estavam indispostoscom a nova taxa, a Junta apresentou uma contra-proposta ao Gover-nador pela qual os mineradores se dispunham a arcar com 30 arrobasde ouro pelos quintos de um ano. Esta taxa foi finalmente ratifica daem 06 de janeiro de 1714, regulando-se a forma da sua arrecadao.

    No obstante a concordncia de D. Brs com o pagamento pro-posto pelos minera dores, o Rei, por Carta Rgia de 16 de novembrode 1714, insistiu na imposio do sistema de bateias, estabelecendoque cada escravo seria tributado em 12 oitavas de ouro.

    . Tamanho era o repdio cobrana do quinto pelo novo modode arrecadao, que os mineradores ofereceram, nova Junta de 13 demaro de 1715, vinte e cinco arrobas sobre as trinta j acordadas. Noentanto, as ordens do Rei foram taxativas. D. Brs pressionou as C-maras para que aceitassem a cobrana por bateias e conseguiu suaconcordncia com o pagamento de 12 oitavas por escravo, o que ficouajustado em termo feito na Cmara de Vila Rica em 15 de maro de1715.

    Imediatamente os moradores do Morro Vermelho, termo de VilaNova da Rainha, levantaram-se em motim, reivindicando iseno dotributo para os povos das minas. Preocupado com o movimento queavanava para Vila de Sabar, Vila Rica e Vila do Carmo, o Governa-dor suspendeu a medida e retornou ao ajuste do pagamento das trin-ta arrobas de ouro anuais. Nesta ocasio, D. Brs informou ao Rei quese insistisse no estabelecimento da nova taxa "provocaria uma geral su-oleoao=", Em carta de 28 de maro, o Governador dava conta aosoberano de sua " ...mgoa (...) de no poder dar a execuo das ordens de[Sua] Majestade sobre o pagamento dos quintos ser por bateias ..."48 .

    O Rei de Portugal acatou a deciso do Governador. Em CartaRgia de 04 de maro de 1716, que concedia perdo aos revoltosos,afirmou a D. Brs que fizera bem " ... em sossegar esses povos com deixar

    .7 CARTA de D. Brs Baltasar da Silveira ao Rei de 28 de maro de 1715. APM. Seo Colonial. Cdice SG04 fls. 396 a 398 . Ibidem. Em carta a Francisco de Tvora, Provedor da Fazenda, D. Brs informava ter Sua Majestade lheordenado

    'fizesse praticar nestas minas a cobrana dos quintos por bate ias ( ...), sem embargo de todas as dilign-cias que [fez] a este respeito no pde persuadir [os] moradores a que aceitassem esta forma de cobran-a; e como de persistir nela poderiam originar-se algumas inquietaes muito contra o sossego destegoverno, [suspendeu] a execuo por no arriscar [as] minas ltima runa ..."Cf. CARTA de D. Brs Baltasar para Francisco de Tvora de 23 de abril de 1715. APM. Seo Colonial.Cdice SG 09 fls. 39-40.

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    de executar as ordens para se cobrarem os quintos por bateias ... " permitindo" ...em que se continuasse com a forma estabelecida e assentada comtodos os povos em trinta arrobas de ouro por ano ... ,,49. O Rei aindacomunicava ao Governador ter levado em conta as consideraes apre-sentadas pelo Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas e pelos ofi-ciais das Cmaras das vilas envolvidas no conflito sobre a injustia destacobrana, "em razo de ser incerta nos escravos a ocupao de minerur'" .

    Alguns motins setecentistas mineiros tambm apresentaramcaractersticas que os aproximam dos food riots europeus, e explicitarama luta dos moradores da Capitania contra a carncia de produtos deprimeira necessidade na regio e contra o estabelecimento de contra-tos destes gneros, em razo das possibilidades de desabastecimentoe de aumentos dos preos dos produtos.

    'Em setembro de 1721, a Cmara de Vila Real e o Ouvidor Geralda Comarca do Rio das Velhas resolveram por em contrato o corte dascarnes consumidas naquela vila, at ento livremente comercializadas.Ao tomar conhecimento do estanco, imediatamente os moradoresamotinaram-se em razo de serem os contratos das carnes

    "odiosos e prejudiciais aos povos porque sempre[redundaram] em interesses particulares, principal-mente que, pela grande distncia em que [os] povos se[achavam] do mar,lhes [faltava] o peixe e no [tinham]outra coisa que comer mais do que a carne ..."51.

    No mesmo ano, tambm os moradores da Vila de So Joo deIRei se levantaram contra o estabelecimento do contrato de aguarden-te determinado pela Cmara, por ser o produto largamente consumi-do e tambm de livre comrcio na regio.

    Em carta a D. Loureno de Almeida, o Rei criticava acidamenteestes Ouvidores e Senados da Cmara pelo grande prejuzo que cau-savam ao Real servio, em especial por serem responsveis pela eclosode motins "dificultosos de soeeegar'?", Pela mesma carta, convicto da

    .9 CARTA Rgia de 04 de maro de 1716. APM. Seo Colonal. Cdice SG 04 ls. 129 e 130.50lbidem.

    51CARTA do Rei a D. Loureno de Almeida de 15 de maio de 1722. APM Seo Colonial. Cdice SG 20 fI. 40.52lbidem.D. Joo V ordenou a D. Loureno de Almeida que impedisse "as cmaras e ouvidores de usarem seme-lhantes procedimentos, [perturbando os povos} por suas convenincias particulares" sem ordem real.ex-pressa ou licena do Governador.

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    legitimidade das revoltas, ordenou ao Governador que suspendesseos contratos das carnes e da aguardente para que cessassem os movi-mentos.

    Por sua vez, os problemas de desabastecimento, recorrentes naregio mineradora, tambm foram responsveis pela ecloso de mo-tins na Capitania.

    A carncia dos gneros de primeira necessidade estampava-seem edital de 1722, publicado pela Cmara de Vila Rica, do qual cons-tava a "muita falta de vveres, assim vindos do Rio de Janeiro como do Sertodos Currais'", Outro edital de 1732, publicado em Vila do Carmo, in-formava que "no morro de Mata Cavalos e em outras partes h grande faltade mantimentos para o sustento dos negros e ainda dos brancos ... "54.

    Em geral, o desabastecimento era menos fruto da carncia dosprodutos na regio do que do movimento dos atravessadores, os quaisrevendiam os gneros de primeira necessidade produzidos prximoss vilas. Um bando de D. Loureno de Almeida proibiu os "ganhosilcitos que [aos atravessadores] resultavam de revenderem mantimentos[ocasionando] a falta de [vveres] de milho e farinhas que h tempo se [expe-rimenunx''" .

    Podemos detectar os problemas causados pelos atravessadoresna portaria enviada pelo Governador Cmara de Vila Rica:

    "Porquanto em todos os Povos h um grande clamorcontra os atravessadores de milho, de que me tem che-gado repetidas queixas, dizendo-me que vem maisPovo a esta vila por estar atravessado a maior partedele assim no campo, como em as outras mais para-gens deste termo o que em gravssimo prejuzo des-tes povos, a respeito da suma carestia, de que sem-pre so causa os atravessadores ..."56 .

    53APM. Seo Colonial. Cdice CMOP 06115.2Bv e 29. Apud CHAVES, Cludia M. G. e VIEIRA, Vera L. D.Tropas e tropeiros no abastecimento da regio mineradora no perodo de 1693 a 1750. Belo Horizonte.Relatrio apresentado a PRPq/UFMG/CNPq, 1991 (mimeo).

    54APM. Seo Colonial. Cdice CMM 03 fls. 113v e 114.lbidem.

    55APM. Seo Colonial. Cdices CMM 04 fI. 115v e CMOP 06 IIs. 44 a 45. Ibidem.

    56PORTARIA do Governador mandada Cmara de Vila Rica de agosto de 1"723.'APM. Seo Colonial.Cdice CMOP 06 fI. 43.

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    O mesmo argumento encontra-se em edital da Cmara de VilaRica de 1723:

    "...a nossa notcia veio que muitas pessoas, moradoresna travessa do Teixeirae neste Ouro Preto, e mais par-tes desta vila, tem atravessado e costumam atravessaros mantimentos que vem para esta vila, e seu termo,dos portos do mar, como so peixe, azeite, vinagre,queijos, farinha do reino, e mais molhados, o que emgrande prejuzo do Povo, por estes tais atravessadores[pretendem] os revender, e principalmente retendo-os em casa, a esperar os maiores preos ...57 .

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    Exemplo destas dificuldades foi o motim ocorrido em setembrode 1744 em Vila Rica. Joo de Siqueira, juiz almotacel, responsvelpela fiscalizao do comrcio dos gneros de primeira necessidade,representou contra dois oficiais de justia que estavam levando, como conhecimento do Ouvidor, mantimentos para fora de Vila Rica.

    O Ouvidor no aceitou as acusaes feitas por Joo de Siqueiraaos oficiais de justia, seus subordinados, e tentou fazer valer a suaautoridade, afirmando governar "sobre o passar dos ditos alimentos maisdo que a Cmara"!", a qual nomeara o almotacel. A postura do Ouvidorevidencia os conflitos intra-autoridades na Capitania, em especial aque-les que opem os interesses dos Senados da Cmaras e das comunida-des e os dos magistrados portugueses. Estes enfrentamentos foramextremamente freqentes nas Minas durante a primeira metade dosculo XVIII.

    . Por sua vez, os moradores de Vila Rica, colocaram-se ao lado doalmotacel e pressionavam Joo de Siqueira para que ele proibisse de-finitivamente a sada dos mantimentos de Vila Rica, argumentandoque precisavam deles. Os amotinados incitaram a apreenso dos ali-mentos e sua repartio entre o pOVOS9.

    Deve-se ressaltar que, no obstante o comportamento doOuvidor de Vila Rica em 1744, os Senados da Cmara, no mais dasvezes, tentaram garan~i: tanto o abastecimento das vilas quanto o bai-

    57 EDITAL da Cmara de Vila Rica de janeiro de 1723. APM. Seo Colonial. Cdice CMOP 06fls. 41,41v.

    58TERMOS de Acrdo de 20 de setembro de 1744. APM. Seo Colonial. Cdice CMOP 50 fI. t 07.

    59lbidem.

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  • Vass~IOs. Rebeldes: violncia nas Minasna pnmeira metade do Sculo XVIII

    xo ~reo dos alimentos. Exem 10 foi , .?bngao com os produtoretde 1 a I:ratIca de se firmar termos deImpedindo de vender os gn mantimentos e frutos da terra os

    J em 1719 e 1722 eros aos atravessadores'". 'd d ' os moradores de P . ho a arremataodo impost d apagalO aviam discorda-taram matar o contratador o e passagem do Rio das Velhas e ten-, que escapo 1/ '1uma bala, [e deitaram-lhe} as canoas ue ti hU :nl ag:osamente, passado debandeira com as armas [de 5 M ~ tn a no abaixo e [tiraram-lhe} umaporto'": ua a;estade} que estava, por sinal, naquele

    Parece claro que nas revolt .d ..(ood riots, motivadas tanto pela :tt~r:~hfIcadas s tax rebellions e aosImpostos ou da distribuio inicial d ~o da forma de cobrana dosmento de contratos prejudiciais a as avras, quanto pelo estabeleci-pelo abuso de poder das autordadea alut. pelo desabastecimento ese dentro das regras do jogo coloni 1';. luta dos_atores desenvolveu-tava estas regras e lutava nos s Ia . A populaao da Capitania acei-como haviam sido, de incio, a:::d~~~:~e~os, ~uscando preserv-Iascomo enfatizam os recentes estudos b' st~ e? c~mpo da tradio,

    .Trabalhos histricos sobre . ol re a violncia coletivaas m a VlOencia da multid .. assas, em seus movimentos fo .. 1 ao revelam que

    rais e polticas que legitimavam' r~m mspIr~das por tradies mo-e ate prescrevIam seus atos'" E=-____________ . sses,60.Exemplo o termo de obrigao firmado

    ?ilVelra, produtor de mantimentos e frutos ~~t;:r~a Se~ado da Cmarade Vila Rica e Francisco Gom dpelo Senado da Cmara [ficou obri suas roas reais no ano de 1741: es epara tornar a revende () _ gado] a fazer termo de no atrav .(...) ficando por este t:r~~ :u:~ ~e~~r os ditos mantimentos por ;::rp~::~/;;ntos ou frutos da terrase observa no expressado [d J t as as penas que o dito Senado lhe im que andasse pela ruacomigo, Manoel de Queirs o errr;o e =r= assim o disse e se obri pusesse, cobrando-lhe o queObrigao que faz Francisc~ e~~::: :aOclamara que por mandado dela !~~~Ze este. ter,:o que assinou6'CAR e Ivelra(1741) APM S - assme/.Cf.TERMOde6'. TA de 29 de janeiro de 1726. APM Se _ : ~ eao Colonial. Cdice SG 45. fI. 6

    E interessante ressaltar ue a .: ao Colonial. Codice SG 29 l. 16. .motins referidos s for q '. ro contrario da regio mineradora do B' .muito comuns entre o~~~~~iltlcas coloniais, levantamentos contra a~~~~~olonlal na qual prevaleceramMxico vrias tax rebellions oneses da Amrica Espanhola. Em es eci oes nas regras do jogo forammetropolitanas no mais da ao lado de incontveis revoltas contra ~ ab ai, podem ser constatadas noin Colonial Me~ican vilfage~ v;~esf o ;orregedor. ciTAYLOR, William B Dr~~Zdec:das autoridades63 N E . . an or : Stanford University Press 1979' mg, omicide and Rebellion

    a uropa do seculo XVIII, considerav . - ,.das revoltas contra o aumenio de i a-se a multido, que participava dos .uma besta de muitas cabe e Impostos, a "escria do populacho sem chamados motins de fome ecomo uma "muttido ! as (.. .) uma ral insens". Em Paris m ' . ordem, sem freio, sem lder ( )

    d

    o Ignorante governad I ,esma epoca os amoti d .. ,a oportunidade de cometer ' . a pe os apetites dos que a incitam ' na os eram vistos

    Janeiro: Paz e Terra 1990 p i~~~uer tipo de crueldade". (Ver: DAVIS Natat e;r~mos de ttuve, esperada aristocracia fre~te ~uitid . ~o seculo XIX, ao desprezo pela; mass~~ . ulturas do povo. Rio deempobrecidas do campo em o. ste medo generalizou-se e aprofund seuiu-se o 'terror pnico'

    , constante movimento em direo id d ou-se quando as populaes5 CI a es, ameaaram revoltar-se, em

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    Vassalos Rebeldes: vloloclll nl'il MII\ na primeIra melad~ do SculO XVIII

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    por sua vez, no foram casuais, sem limites, mas dirigidos a alvosdefinidos e escolhidos dentre um repertrio de formas de destruiotradicionais64 Assim que George Rud, analisando levantamentospopulares ocorridos na Frana e na Inglaterra, afirma que "0 crime e omotim, longe de serem companheiros inseparveis, foram apenas companhei-ros ocasionais, e no muito vontade entre Si"65. Em geral, a violncia eradirigida s propriedades e aos smbolos que representavam a sujeiodos revoltosos. Raramente atentava-se contra a vida nos

    enfrentamentos.Tambm no se pode esquecer um dos argumentos fun-damentais da literatura recente sobre a violncia da multido - a cons-tatao do carter propriamente poltico dos movimentos pr-indus-triais (se que podemos cham-Ios, assim). A atribuio de um carterpoltico ao s motins invalida, sem dvida, a perspectiva dairracionalidade dos atores, ainda que se deva relativizar o significadode poltico. Nicolas Roger, por exemplo, ao analisar motins em Lon-dres no incio do reinado de George 1, afirma que os historiadores,no obstante os avanos no tratamento metodolgico da multido,

    especial na dcada de 1840. Em linais do Oitocentos, a critica multido encontrou, segundo as palavrasde Hirschman, "uma expresso mais refinada nas teorias sociais cientficas quando as descobertas mdi-cas e psicolgicas demonstraram que o comportamento humano era motivado por foras irracionais emmedida muito maior que fora reconhecido anteriormente". Expresso desta corrente foi Gustave Le Bon,que viu a multido como uma forma de vida inferior, embora potencialmente perigosa. Segundo Le Bon,pouco apta para raciocinar, a multido era, ao contrrio, muita apta para a ao. Esta ao teria assumido,no mais das vezes, a lorma de surtos anmicos por parte das multides criminosas ou de movimentos demassa manipulados por lderes demaggicos. (Ver: HIRSCHMAN, Albert O. A retrica da intransigncia.

    So Paulo: Cia das Letras, 1992. p. 27-28).Durante muito tempo, a retrica conservadora sustentou e manteve viva nas cincias sociais a tese dairracionalidade da multido. Foi a partir de meados deste sculo que estudiosos procuraram recuperar aimagem dos desordeiros, rebeldes e amotinados, atravs de anlises da composio social das massas.Os historiadores, em especial, negaram a concepo corrente segundo a qual a multido seria uma turba

    incontrolvel que praticava uma violncia gratuita e irracional. / CI. DAVIS, Natalie Z. Op. clt, Ver tambm, entre outros: RUD, George. Ideologia e protesto popular.Petrpolis: Zahar Editores, 1982; RUD, George, A multido na histria. Rio de Janeiro: Campus, 1991;THOMPSON, E.P. La "economia moral' de Ia multitud en Ia Inglaterra dei siglo XVIII. In: -r-. Tradicin, revueltay consciencia de clase. Barcelona: Editorial Critica, 1984; KRANTZ, Frederik, org. A outra histria. Ideolo-gia e protesto popular nos sculos XVII a XIX. Rio de Janeiro: Jorge Zanar Editor, 1990; HUNT, Lynn, org.A nova histria cultural. So Paulo: Martins Fontes, 1992, em especial o artigo de Suzan

    neDesan, "Mas-

    sas, comunidade e ritual na obra de E.P. Thompson e Natalie Davis'; TILLY, Charles. The Changing Place01 Collective Violence. In: scort James C. Weapons of the weak. Everyday forms of peasant resistance.New Haven: Yale University Press, 1985; Scon, James C. Domination and the arts of resistance. Hiddentranscripts. New Haven: Yale University Press, 1990; TAYLOR, William B. Drinking, homicide and rebellionin colonial mexican vil/ages. Stanford: Stanford University Press, 1979; ROGER, Nicolas. popular Protest inEarly Hanoverian London. Past & Present. 79 (1978): 70-100, entre outros inmeros artigos sobre o tema

    nesta mesma revista.65RUD, George. A multido na histria. p.219.

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  • Vassalos Rebeldes: violncia nas Minasna primeira metade do Sculo XVIII

    tm desprezado a possibilidade de os levantamentos populares se tra-duzirem em uma poltica de rua muito particular das massas.

    Dentro desta perspectiva - a do carter poltico dos motins - otrabalho de Thompson exemplar". Thompson empreendeu umaanlise cultural do comportamento e das atitudes populares. Enfatizou,particularmente, o significado, as motivaes e os meios de legitimaoda violncia coletiva.

    Os motins de subsistncia na Inglaterra foram, para Thompson,formas muito complexas de ao popular direta, disciplinada e comclaros objetivos. A motivao maior dos levantamentos - a fome - co-locava a questo da legitimidade da comercializao dos gneros deprimeira necessidade, da cobrana de impostos etc. idia tradicio-nal das normas e obrigaes sociais das funes econmicas, prpriasdos distintos setores dentro da comunidade (tomados em seu conjunto),Thompson denominou economia moral dos pobres. Qualquer atropeloa estes supostos morais seria ocasio habitual para a ao direta damultido.

    O autor critica a idia de que a multido, no perodo anterior Revoluo Francesa, agisse de forma mais compulsiva do que auto-consciente ou auto-ativada, gerando distrbios sociais repentinos quenada mais seriam do que simples respostas a estmulos econmicos.Thompson detecta nos levantamentos a noo legitimizante dada pelamultido aos conflitos na medida em que os revoltosos acreditavam,firmemente, estar defendendo direitos ou costumes tradicionais e, viade regra, estavam apoiados por amplo consenso da comunidade.

    Embora, de acordo com Thompson, no se possa afirmar queesta economia moral seja estritamente poltica, tampouco se podeconsider-Ia apoltica "posto que supe noes de bem pblico categrica eapaixonadamente sustentadas".

    Como bem nos ensina Charles 1111y,os food riots e as tax rebellions,caminhos que a multido encontrou na busca de interesses partilha-dos, tiveram sua prpria racionalidade e seu prprio e significativolugar na poltica. Contudo, embora reconhea o papel crucial desempe-nhado pela tradio nesses movimentos, Tilly, diferentemente deThompson, defende o desenvolvimento de um repertrio mais elsti-co da ao coletiva em resposta a determinadas mudanas econmi-cas, polticas e sociais. O autor investigou escolhas feitas pelos atores

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    Vassalos Rebeldes: violncia nas Minasna primeira metade do Sculo XVIII

    entre cursos de ao disponveis, o que pode tornar mais dinmica aanlise da violncia coletiva 67

    O padro dos motins das Minas nas primeiras dcadas do Sete-centos no foi muito diferente do padro geral do comportamento damultido durante os food riots e tax rebellions europeus. Tambm nasreas mineradoras, homens encapuzados, ao som de tambores, des-truam as propriedades de suas vtimas e os documentos oficiais quesimbolizavam sua sujeio; queimavam seus inimigos polticos emefgie, matando-os simbolicamente. Assim, explicitava-se uma dasimportantes caractersticas do comportamento da multido pr-indus-trial - a preservao, no mais das vezes, da vida humana, restringin-do-se os levantes destruio da propriedade.

    Alm da semelhana ritualstica, alguns dos motins ocorridosna Capitania eclodiram, como mostrei, por motivos tambm prxi-mos queles responsveis pelos levantamentos das populaes fran-cesa e inglesa entre os sculos XVII e XIX - aumento dos preos dosalimentos, tributao excessiva, carncia de gneros em virtude daespeculao, entre outros.

    Estes levantes europeus so considerados movimentos de car-ter reativo e/ ou regressista. Charles Tilly, por exemplo, ao julgar estasrevoltas reativas, partiu do comportamento do povo frente s deman-das crescentes do Estado em processo de centralizao e da expansodo mercado nacional de insumos; enfim, caracterizou-as como umaforma peculiar de se resistir emergncia do Estado-Nao centrali-zado. As tax rebellions, mais especificamente, colocavam em xeque odireito do governo central intervir na vida local e derivaram, em largamedida, das exigncias de um Estado vido, em expanso'". Rud,por sua vez, ao tratar dos food riots e das tax rebellions considera-osregressistas, provocados "tanto por lembranas de direitos costumeiros oupela nostalgia de utopias do passado, como pelas reivindicaes presentes "69

    67 Cf. HUNT, Lynn. Charles Tilly's Collective Action. In: SKOCPOL, Theda. Vision and method in historicalsociology Cambridge: Cambridge University Press, 1984.68 Cf. TILLY. Charles. The Changing Place of Collective Vio/ence. Op. clt, p. 146.69 RUD, George. A multido na histria. p.4.Entre vrios outros, os motins Rebeca, ocorridos no Pas de Gales na primeira metade do sculo XIX,foram movimentos exemplares que tanto podem ser considerados reativos quanto regressistas.Em finais de 1838, Rebeca, rebelde travestido de mulher, e suas 'filhas", o grupo de revoltosos. levanta-ram-se em motim contra o arrecadador profissional de impostos que havia assumido a direo de todas asbarreiras, anteriormente controladas por vrios concessionrios, e que passara a cobrar taxas mais altas.Alm do aumento dos impostos, o coletor construiu novas barreiras, muitas delas localizadas em estradassecundrias onde nunca antes haviam sido instaladas. Estas barreiras apresentavam um inconvenlentparticular para os agricultores que transportavam cal de um forno prximo e que teriam de pagar o ped-

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    na primeira metade do Sculo XVIII

    Vassalos Rebeldes: violncia nas Minasna primeira metade do Sculo XVIII

    Muitos motins, com estas caractersticas, ocorreram na Europaentre os sculos XVII e XIX.Na maioria deles, mas no em todos, a tenta-tiva de manter inalterada a ordem das coisas,como elas haviam sempresido no passado, foi a tnica dominante. Nestes movimentos, lutava-secontra o aumento do preo do po e dos impostos, enfrentava-se as ten-tativas de cercar os rocios e instituir pedgios nas estradas.

    Nas Minas do Setecentos, os movimentos desta natureza emgeral ficaram adscritos s duas primeiras dcadas do sculo XVIII.Originados por questes fiscais, abusos de poder das autoridades,problemas derivados da arrematao de contratos e da comercializaode produtos de primeira necessidade, foram movimentos nos quaisos atores lutaram pela manuteno de determinados procedimentosque, no obstante impostos pela Metrpole, eram considerados "jus-tos" e "comedidos" pela populao colonial/Estes levantmentos, quevisavam a restaurar um equilbrio tradicional, buscaram estabelecerum nvel razovel de negociao com as autoridades portuguesas e,via de regra, saram vitoriosos nas suas reivindicaes (muito emboraa represso pudesse estar presente no processo de conteno do mo-vimento).

    Devemos acrescentar, porm, que pelo menos dois significati-vos movimentos ocorridos nas Minas, na primeira metade do Sete-centos, apresentaram tanto caractersticas dos motins dentro das re-gras do jogo colonial quanto evidncias de terem se originado em con-textos de soberania fragmentada e serem revoltas referidas s formaspolticas coloniais. Isto , estes motins reuniram elementos tipicamen-te reativos, em geral encarnados nas reivindicaes da gente mida,com elementos caractersticos de competio entre atores sociais commaiores recursos de poder. Como estes movimentos combinam, commaior ou menor intensidade, elementos de comportamentos dos ato-res tanto dentro das regras quanto referidos s formas polticas colo-niais, so considerados casos hbridos de atuao dos atores. Referimo-nos revolta de 1720, ocorrida em Vila Rica, e aos chamados motinsdo Serto do So Francisco que eclodiram no noroeste de Minas em1736.li

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    gio trs ou quatro vezes em um pequeno trecho da estrada. Segundo Rud, ''no era tanto o volume dotributo cobrado, mas sim a multiplicao de barreiras que constitua o principal motivo de reclamao elevou o ressentimento a incendiar-se em conspirao e violncia".Em janeiro de 1839 construram-se quatro novos postos fiscais, e quase que imediatamente foram todosdestrudos " noite, por homens de rosto pintado de preto, vrios deles vestidos de mulher. Rebeca e suas'filhas' (...) tinham feito sua primeira apario". Seguiram-se outros motins e a deciso do concessionriode levantar novas barreiras foi revogada, em razo de uma moo do deputado do condado no Parlamen-to. Rebeca e suas "filhas", nesta primeira fase dos motins, haviam sado vtoriosas.Nova fase dos motins iniciou-se no inverno de 1842. Arrendatrios queimaram os cereais pertencentes pequena nobreza e reiniciaram a campanha de Rebeca contra as barreiras. O movimento perdurou duran-te todo o ano de 1843, e alguns incidentes isolados ainda ocorreram nos ltimos meses de 1844.O padro de comportamento dos amotinados foi o mesmo dos movimentos de 1839. As barreiras eramdestrudas ou retiradas noite, ocasionalmente as guaritas ou cabanas dos vigias eram incendiadas.Segundo Rud,"Rebeca, como seus historiadores nos lembram, era rigorosamente sabatista. Nunca operava aos domin-gos e at mesmo evitava, cuidadosamente, agir nas noites de sbado e nas madrugadas de segunda-feira. Era notavelmente discriminatria: s as barreiras consideradas injustas eram atacadas,.em par-ticular as que enchiam as estradas secundrias que, por sua proliferao, criavam um pesado custo extrasobre o transporte de cal"."Beca", lder dos amotinados, em carta aos guardas especiais, que confirma o carter reativo do movimen-to, afirmava: "Podem ter certeza de que todas as barreiras dessas pequenas estradas sero destrudas,mas desejo que as barreiras das estradas reais fiquem".Rebeca e suas "filhas", na "guerra" contra as barreiras, saam em grupos de 40 a 100 pessoas os quais,algumas vezes, chegaram a somar 250 amotinados. Os revoltosos agiam disfarados ou simplesmentepintavam o rosto de preto. No obstante agissem armados, usavam plvora, muito raramente balas e, aolongo de todo o perodo de agitao, Rebeca s fez uma vtima: uma velha abatida a tiros em sua barreira.CI. RUD, G. Op. cit, p. 172 passim.

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    CAPTULO 2

    MASCARADOS FACINOROSOS:a sedio de Vila Rica

    "... se os principais dos cabeas interessavam no mo-tim a conservao do respeito, a imunidade doscabedais, e as esperanas do mando, os de menos notase prometiam tambm em no ser avexados pelas suasdvidas, de no ser punidos pelos seus crimes. Dondeparece que os motins (...) por estes dois diferentesprincpios se compem neste pas de duas qualida-des de pessoas, ou de dois gneros de maldade. Damalcia daqueles que, levados do incrvel desejo dedominar o governo se tinham antigamente apoderadoda autoridade e mando de que hoje se achavam desti-tudos, e o procuraram por meio to ilcito recobrar;(...) e do furor de alguns da nfima plebe, que reduzi-dos da fortuna ltima misria, e temerosos da justiapelos seus empenhos e delitos (...) se agregavam livre-mente a esta faco'"? .

    -A citao do trecho significativo do Discurso histrico e polticosobre a sublevao que nas minas houve no ano de 1720, cuja autoria atribuda, pelo menos na sua primeira parte" , ao Conde de Assumar,se justifica ao considerarmos que este fragmento permite entrever oduplo carter da sedio de 1720, ocorrida em Vila Rica. Por um lado,o levantamento apresentou reivindicaes tpicas de tax-rebellions oufood-riots, contidas nos parmetros do jogo colonial, com a condena-o do estabelecimento das Casas de Fundio, de contratos novos edo pagamento dos direitos de entrada no registro de Borda do Cam-po; a defesa do controle sobre o processo de aferio e sobre os abusosde poder do Senado da Cmara". Por outro lado, pode ser constatada

    70 DISCURSO histrico e poltico sobre a sublevao que nas minas houve no ano de 1720. 'Belo Horizon-te: Fundao Joo Pinheiro, Centro de Estudos Histricos e Culturais, 1994. p. 83/84.

    71 VER SOUZA, Laura de Mello e. Estudo 'Crtico.ln: Discurso histrico e poltico. Op. cit. p. 13/56.

    72 TERMO que se fez sobre a proposta do povo de Vil~ Rica na ocasio em que veio amotinado a Vila doCarmo de 02 de julho de 1720. APM. Seo Colonial. Cdice SG 06. tis. 95 a 97. Ver Anexo I.

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    Vassalos Rebeldes: violncia nas Minasna primeira metade do Sculo XVIII

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    uma situao de soberania fragmentada, exteriorizada pelo com-portamento rebelde dos potentados, dos ouvidores de Vilas e Comarcase dos oficiais das Cmaras" .

    Tendo sido ajustada a cobrana dos quintos por arrobas no gover-no de D. Pedro de Almeida, de acordo com Regimento de 04 de marode 1718, uma das medidas cruciais adotada foi a de retirar das Cmarasa administrao dos quintos, pelo desservio que faziam ao Tesouro Real.Para isto foi decisiva a opinio do Conde de Assumar ao informar ao Reide um motim, liderado por Manoel Dias de Menezes, oficial da Cmarade Vila Rica, que poderia ter posto a "perder a causa do ouinto?" .

    O Rei, ciente das desordens observadas na distribuio da fintadas 30 arrobas, resolveu estabelecer Casas de Fundio nas Minas,buscando evitar os descaminhos do ouro"'. Ordenou ao Governador

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    73 A sedio de 1720 aparece na literatura tanto aproximada a uma tax-rebellion quanto contendo elemen-tos tpicos de uma situao de soberania fragmentada. Diogo Pereira R. de Vasconcelos, C, R. Boxer e,mais recentemente, Luciano Raposo de Almeida Figueiredo, no obstante a diferena de estilos e a diver-sidade das fontes utilizadas, a consideram o resultado da ameaa de se estabelecer as Casas de Fundi-o nas minas. C. R. Boxer e Diogo P.R. de Vasconcelos acrescentam a impopularidade do Ouvidor de VilaRica, Martinho Vieira, aos motivos da ecloso do levante. Ainda Boxer e Luciano R. A. Figueiredo susten-tam estar a sedio de 1720 inserida numa srie de motins, ocorridos em vrios distritos da Capitania, quese originaram do enrijecimento da tributao a partir de 1719. Tais consideraes imputam sedio deVila Rica caracteristicas de movimento no qual o comportamento dos atores est contido nos parmetrosdas regras do jogo colonial.Joo Jos Teixeira Coelho foi econmico na anlise da sedio de 1720. Afirma ter adquirido o levante o'carter de uma "rebelio formar por culpa dos pau listas, "inimigos irreconciliveis dos europeus'.Por sua vez, Diogo de Vasconcelos e Tefilo Feu de Carvalho perceberam no levante de Vila Rica compor-tamento sedicioso decisivo dos potentados locais e a luta pelo poder que se travava entre os atorescoloniais. Dr. Diogo apresenta como as razes principais para a ecloso do motim: a perda dos postos deoficiais de ordenana, que eram preenchidos pelos homens principais da Vila, e o declnio do poder dospotentados em decorrncia da atuao poltica do Conde e do Ouvidor de Vila Rica, Martinho Vi eira.Ver: VASCONCELOS, Oiogo Pereira Ribeiro de. Breve descrio geogrfica, fisica e poltica da capitaniade Minas Gerais (1807). Belo Horizonte: Fundao Joo Pinheiro, Centro de Estudos Histricos e Cultu-rais, 1994, p. 11"7; BOXER, C. R. The golden age of Brazil. 1695-1750. Berkeley: University of CaliforniaPress, 1962. p.193-195; FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Alrneica. Tributao, sociedade e administra-o fazendria em Minas Gerais no sculo XVIII. IX Anurio do Museu da Inconfidncia. Ouro Preto, 1993.p. 96-100; COELHO, Jos Joo Teixeira. Op. cit. p. 135-136; VASCONCELOS, Oiogo de. Histria antiga deMinas Gerais. Belo Horizonte: ltatiaia, 1974. v.2. p. 172-209; CARVALHO, Feu de. Ementrio da histriamineira. Filipe dos Santos Freire na sedio de Vifa Rica em 1720. Belo Horizonte: Edies Histricas, s/doVer especialmente o estudo critico de Laura de Mello e Souza em: DISCURSO histrico e poltico sobre asublevao que nas Minas houve no ano de 1720. Op. cit. p. 13-56.

    74 VASCONCELOS, Oiogo P R. Minas e quintos do ouro. Op. cit. p. 862.

    75 "Inteirado el rei das desordens acontecidas na distribuio das trinta arrobas, se resolveu a estabelecerem Minas uma e mais casas de fundio, aonde o ouro se reduzisse a barras marca das no cabo superiorcom as armas reais, tendo no inferior contramarcas ... Haveria livros de registro para o assentamento dasbarras, peso delas, quilates do ouro (...). Nas ditas casas se deduziria o quinto do ouro, e correriam porconta da Fazenda Real as despesas delas. (...) as pessoas que tivessem ouro a fundir o deviam levar scasas para nelas se lhe reduzir a bsrre, bem entendido, que se Ihes no tiraria o quinto do adquiridodurante a finta, seno do que houvessem depois ..". Cf. VASCONCELOS, Oiogo P. R. Ml'nas e quintos doouro. Op. cit. p. 862-863.

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    Vassalos Rebeldes: violncia nas Minasna primeira metade do Sculo XVIII

    em 11 de fevereiro de 1719 providenciar a construo das casas. Omaterial necessrio seria enviado de Portugal pela frota, e da Bahia edo Riode Janeiro lhe seriam expedidos oficiais e instrumentos indis-pensveis ao seu funcionamento.

    I' Na frota de 1719, vieram os livros e material destinados s Ca-sas de Fundio e tambm a Carta Rgia de 29 de maro de 1719, queordenava caber ao Governador escolher os lugares nos quais seriamerguidas. Em Junta, reunida a 16 de junho de 1719, decidiu-se peloestabelecimento de quatro casas, cada uma delas localizada nas cabe-as das Com arcas, a saber Vila Rica, Sabar, So Joo deI Rei e Vila doPrncipe. Nesta mesma Junta, ficou resolvida a criao de um !:~strQ...,em Borda do Campo, um outro prximo ao Rio Grande e um terceiro. na Comarca do Rio das Velhas. Ainda, fixou-se o prazo de um ano, apartir de 23 de julho de 1719, data estipulada para o encerramento dosistema de fintas, para que fossem inauguradas as Casas de Fundioa serem construdas s custas dos povos da Capitania. Durante esteintervalo, a finta seria mantida.

    A ameaa de alterao na forma da cobrana dos quintos gerouinquietaes nas Minas. De acordo com a anlise de D. Loureno deAlmeida, sucessor do Conde de Assumar no governo das Minas, os"povos todos tm concebido grande horror a estas casas, porque lhe servem domaior prejuzo "76 . D. Loureno apresentou ao Rei as razes que ele acre-ditava serem responsveis por este prejuzo alegado pelos minera-dores. Em primeiro lugar, a desorganizao que acarretaria ao siste-ma de crdito, de uso generalizado nas Minas/": a seguir as dificulda-des tcnicas encontradas na extrao do ouro nas Minas que elevari-am em muito os custos de produo". Finalmente, a dupla taxao

    76 CARTA de O.Loureno de Almeida ao Rei de 31 de outubro de 1722. Revista do Arquivo Pblico Mineiro.31 (1980).p.152-153.

    77 "Nestas minas no h pessoa por abundante que seja de cabedais que no deva grossa fazenda,porque como todos esses homens so mineiros e o estilo comprar-se tudo fiado a pagamento de um edois anos (...). Os escritos e crditos que se passam destas dividas, com a condio que se houver novoimposto de pagar, o devedor d mais o que importar a maioria da imposio, e como havendo Casas deMoeda e de Fundio se h de pagar o quinto de todo o ouro. esto os devedores obrigados por cada miloitavas que deverem, a pagarem mil e duzentas oitavas, e como esta maioria compreende a todos estesmoradores, porque todos devem muito, uma das causas de grande horror que tm s Casas de Fundl-o".lbidem. p. 152.

    " "... O ouro todo que hoje se lira das minas que se abrem, todo de oiteiros, porque os dos veios da gua,que era o mais fcil, est extinto, e para se abrirem lavras nos oiteiros preciso ser como regatos de guapara desmontarem a terra, a qual gua trazem encaminhada muitas vezes de distncia de lguas (u.){neste servial gastam grande cabedal, porque h servios que gastam um e dois anos de tempo traba- Ihando nele com quarenta e sessenta negros e muitas vezes com muitos mais ..."lbidem. p. 153,

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  • Vassalos Rebeldes: violncia nas Minasna primeira metade do Sculo XV111

    que incidiria sobre os negros vendidos nas Minas, uma vez que secontinuariam a pagar os outros impostos costumeiros.

    Estes motivos teriam sido os responsveis pela repugnncia dospovos quanto alterao na cobrana dos quintos e, em conseqncia,pelo levantamento da populao de Vila Rica em junho de 1720.

    Por outro lado, os insustentveis conflitos referidos s formaspolticas coloniais entre autoridades e potentados, Governador e C-mara e, especialmente, Ouvidor e ex-Ouvidores prepararam o terrenopara a ecloso do motim, o qual se restringiu, oficialmente, at o 16 dejulho, mas que contribuiu para a instabilidade nas Minas at os pri-meiros meses de 172179 O Conde reforou a face mais rebelde domovimento:

    "Vrios tm sido os motins e sublevaes que em di-versos tempos houve nas Minas. Mas nenhuma de toperniciosas conseqncias, e tanto para temer, comoa presente do ano de mil setecentos e vinte, pelo te-merrio e inaudito fim a que se encaminhava e diri-gia, qual era alar a obedincia ao seu prncipe, usur-par ao patrimnio real esta rica poro, e introduzi-rem-se nela despoticamente soberanos, os mesmosque ainda eram indignamente vassalos'"" .

    Estas perniciosas conseqncias da sedio podem ser detecta-das na carta de D. Pedro de Almeida ao Vice-Rei, Vasco FernandesCsar, em que informava as dificuldades de outra vez se tentar esta-belecer as Casas de Fundio e Moeda. Segundo o Conde, os cabeasda sedio, presos no Rio de Janeiro, e seus seguidores, que continua-ram nas minas, influam nos povos divulgando o boato que a Casa daMoeda seria transformada em Casa de Fundio. Esta notcia horrori-zou a populao da Capitania de tal forma que " ...passados alguns me-

    i,, 79 Na opinio de D. Pedro de Almeida, a atuao dos ouvidores e das Cmaras loi decisiva na ecloso demotins nas Minas:u a experincia tem mostrado que depois que h ouvidores nas minas, todas as alteraes que os povostm movido so nascidas das suas injustias ou movidas por eles mesmos" (SOBRE o modo de se trata-rem os quintos na Casa da Moeda. Carta de D. Pedro de Almeida ao rei de Portugal de 10 de julho de 1720.APM. Seo Colonial. Cdice SG 04. IIs. 849 a 855.e"... encostando-se as Cmaras as opinies dos povos acham nelas um grande apoio". SOBRE o estadodeste governo e da eleio das Cmaras dele. Carta de D. Pedra de Almeida ao Rei de Portugal de 14 dejaneiro de 1721. APM. Seo Colonial. Cdice SG 04. Ils. 906 a 909.

    eo DISCURSO histrico e poltico. Op. cit, p. 59.

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    ses da quietao (...) quase todo este governo [estava] no menos que subleva.do (...), intestinamente [estavam] os nimos no menos levantados que estl.oerum'T",

    Em carta ao rei, novamente se referia o Governador ao estabele-cimento das Casas de Fundio e aos "nimos alterados e suspeitosos"nas comarcas do Rio das Mortes e do Rio das Velhas. Afirmava o Con-de correr nas minas o boato de que os responsveis pela sedio de1720 estavam inocentes, e que logo estariam em liberdade, sussurrosque conduziam o governo ao desassossego".

    Reiterava D. Pedro a Ayres de Saldanha de Albuquerque, go-vernador do Rio de Janeiro, que se renovavam "...por toda a parte assedies querendo envolver nelas os povos com a sugesto de que [o Conde]tinha jurado por as casas de fundio a todo o risco ...". Tanto em Vila Ricaquanto nas outras vilas haviam sido publicados vrios pasquins sedi-ciosos induzindo os povos a no pagarem os quintosO Conde, preq-cupado com as dificuldades que enfrentaria na cobrana do imposto,seguro de serem os presos do Rio de Janeiro os responsveis pelasalteraes, solicitou ao governador Ayres de Saldanha de Albuquerqueque os remetesse com a maior brevidade para Lisboa de forma a "aia-lhar este grande dano't'" .

    Quanto mais intransigente tornava-se a cobrana dos impostose visvel o abuso de poder, mais precria ficava a situao de acomo-dao nas Minas. Em muitas circunstncias, os povos haviam se le-vantado contra as alteraes na forma da tributao, o estabelecimen-to de contratos, em especial os da carne e da aguardente e a eventualtirania dos ouvidores ou dos Senados da Cmara, conflitos inscritosdentro das regras do jogo colonial. Mas, tambm, as instveis estrutu-ras acomodativas, observadas entre os atores coloniais perderam

    81 CARTA de D. Pedra de Almeida para Vasco Fernandes Csar de Menezes de 10 de janeiro de 1721.APM. Seo Colonial. Cdice SG 13. Ils. 15, 15v.

    De acordo com Delumeau, os rumores nascem de um 'tunda prvio de inquietaes acumuladas', emgeral a "espera de um infortnio", particularmente o medo do aumento de impostos. Na Frana de linais dosculo XVII e incio do sculo XVIII, a crescente tributao gerou a mxima que do "Estado tudo se podetemer", Segundo Delumeau, nessa perspectiva, as sedies eclodem porque "amadurecido numa esperainquieta e alimentado portada uma mitologia anti-fiscal, um rumor basta para incendiar a plvora". Exem-plo importante da relao estreita entre rumores e sedio foi o Grande Medo da 1789 na Frana. CI.DELUMEAU, Jean. Histria do medo no Ocidente 1300-1800. So Paulo: Cia. das Letras, 1989. p. 179-188.

    S2 CARTA de D. Pedra de Almeida ao rei de Portugal de 21 de janeiro de 1721. APM. Seo Colonial.Cdice SG 04. IIs. 909 a 911.

    83 CARTA de D. Pedro de Almeida ao governador do Rio de Janeiro de 23 de janeiro de 1721. APM. SeoColonial. Cdice SG 16. Ils. 2v, 3.

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    muitas vezes sua viabilidade em decorrncia da intensa disputa pelopoder dos principais atores polticos, os quais ao arregimentar o povona defesa de interesses particulares ou compartilhados, engendraramgraves situaes de soberania fragmentada.

    Em Vila Rica, no foram diferentes as razes da ec1oso do le-vante de 1720.

    Na noite de 28 para 29 de junho, aproveitando o entretenimentoda populao em virtude dos festejos de So Pedro, mascarados ar-mados, ao som de tambores, desceram do morro do Ouro Podre, eajuntando-se a moradores da Vila, foram casa do Ouvidor Geral daComarca, Martinho Vieira, "...para o matarem, e no o acharam (...) aque-les tornaram a rasgar-lhe a livraria e apregoar os autos e deit-Ias pela janelaabaixo ..."B4.

    Saindo da casa do Ouvidor, concentraram-se os revoltos os napraa em frente Casada Cmara e l permaneceram por toda a noi-te. Um letrado redigiu o memorial de reivindicaes dos amotinadosque foi encaminhado ao Conde Covernador'".

    D. Pedro, no obstante ciente da situao explosiva no distrito,confessou-se perplexo aos oficiais da cmara de Vila Rica, admiradodo levantamento da vila, " ...entre todas [dele] a mais estimada't'", Naocasio, condenou a infidelidade dos oficiais da Cmara os quais

    " ...todos foram cmplices no pouco zelo que mostra-ram e esta cousa bastante para que no seja injusta aindignao de Sua Majestade, e que afronta ser paraVila Rica se virem privilgios a todas as outras cma-ras menos a esta, ou de servir a afronta de Vila Rica deglria s demais vilas, particularmente daquelas quesouberam distinguir-se nesta ocasio para fazer maisnegra e mais feia a ndoa da infidelidade que nestavila foi pblica e manfesta=" .

    De posse do memorial, o Conde achou por bem no levar emconta as exigncias dos revoltosos.

    84 APM. Cdlce Costa Matoso (cpia). fI. 36v, 37v. Para a descrio minuciosa do conflito ver:VASCONCE-LOS, Diogo. Op. cit. p. 172/209.B5 Ver Anexo I.

    ss PARA os oficiais da cmara de Vila Rica de 30 de junho de 1720. APM. Cdice SC 11. fI. 242v, 243r;Cmara Municipal de Ouro Preto. Cdice CMOP 06. tis. 23, 23v.

    87 TERMO de vereana de 17 de agosto de 1720. Atas da Cmara de Vila Rica. Revista do Arquivo PblicoMineiro. XXV (1937). p. 146.

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    Em 29 de junho, novamente o povo se levantou e enviou trsprocuradores Vila do Carmo exigindo resposta s suas reivindicaes,

    O Governador lhes concedeu o perdo mas no atendeu os pon-tos apresentados no memorial. Em 02 de julho, revoltados, os mais demil amotinados obrigaram os oficiais da Cmara da Vila a acompanh-10s Vila do Carmo e pressionar o Conde a uma resposta favorvel" .Quando os rebeldes aproximaram-se da sede do governo, o Condedeterminou ao Senado da Cmara da Vila do Carmo, que fosse comseu estandarte arvorado, ao encontro deles no Alto do Rosrio. En-vou com o Senado o tenente Jos de Morais, tom ordens de no per-mitir que os revoltosos seguissem em frente e de persuadi-Ias a envi-arem um procurador ao encontro de D. Pedro, sem o que seriamrepe-lidos mo armada.

    Na opinio do Governador, os cabeas do motim esperavam-ique ele discordasse das reivindicaes " ...para terem pretexto de jazer

    sublevar todas as minas na dvida se [ele se] opunha ao interesse comum emque todos estavam uniformes de no querer Casas de Fundio" .O Gover-nador porm, acatou todas as proposies, justificando que o haviafeito por duas razes "mui urgentes". A primeira porque estava segu-ro da inteno dos cabeas que era

    Ili Segundo pitoresca narrao de J. V.Couto de Magalhes, os oficiais da Cmara de Vila Rica acabarampor concordar em seguir frente dos revoltosos at Vila do Carmo porque foram vencidos pela fome.Segundo Magalhes: '"No dia seguinte o jejum tinha operado merevitne [nos oficiais da Cmara de Vila Rica]; os mais pertina-Z., estavam completamente corda tos e mais que prontos a irem levar ao general a proposta dos rebeldes. verdade que os castelos que tinham fundado no protesto de sua fidelidade esvaeciam-se completamen-t Mas em suma nenhum deles tinha assentado que daria testemunho de fidelidade mesmo a despeito dafome e, portanto, de comum acordo, deliberaram pr-se a caminho para vila do Carmo. A crnica ou atrsdllo no diz se os conjurados permitiram que eles comeassem a execuo do tratado por algum,Imoo, ou se os obrigaram a fazer as duas lguas de viagem naquele mesmo rigoroso jejum a que ostinham submetido por 24 horas'.MAGALHES, J.V.Couto de. Um episdio da histria ptria (1720), Revista do Instituto Histrico, Geogr--/Ro.fJ Etnogrfico do Brasil. 25 (1862). p. 333.

    ~,~08 principais cabeas da sedio de Vila Rica foram o mestre de campo Pascoal da Silva Guimares, "om,'. pfJrnlcloso', homem riqussimo. proprietrio de mais de 2.000 homens. entre escravos e camaradas,oonoentrados no morro de Ouro Podre, distrito de Vila Rica; o sargento-mar Sebastio da Veiga Cabral, o

    . ex-ouvldor Manoel Mosqueira da Rosa; seu filho, Frade Bento; Frei Francisco de Monte Alverne, amigopllaoal de Pascoal da Silva Guimares e Filipe dos Santos que tez, segundo o Conde. "causas inauditasnlltll motins'.No que ae relere s Casas de Fundio, interessante a seguinte passagem do Discurso histrico epolltlco:"P'rsoe qUfJa Inquieta sorte dos passados r.. .) inventou esta lei de quimos e casas de fundilo s para."vlrem dfJ capa ao atrevimento com que os rebeldes, socolor de utilidade comum, amotinaram os po-vo."," .' "DISCURSO histrico e poltico. Op. cit. p. 68. /' - -,

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    veesace Rebeldes: violncia nas Minasna primeira metade do Sculo XVIII

    "sugerir o povo com pretextos aparentes da sua con-venincia e valer-se desta para que no houvesse go-vernador, nem ministros nestas minas, nem tornas-sem a admitir-se outros postos por [Sua] Majestade,conspirao mui semelhante a de Catalina e urdida[por] pessoas que na desesperao de no poderempagar a ningum as exorbitantes dvidas que deviam,e querendo ainda assim conservar respeito e autorida-de desptica maquinaram muito tempo".

    A segunda razo do Conde residia na sua expectativa de, umavez atendida as reivindicaes dos povos, restarem amotinados s oscabeas e seus negros, "como depois mostrou a experincia't'",

    Premido entre as duas faces da sedio de 1720, D. Pedro deAlmeida buscou conciliar a resoluo dos interesses do povo de VilaRica, inscritos dentro das regras do jogo colonial, com a situao desoberania fragmentada, explicitada em movimento referido s formaspolticas coloniais pelo qual os poderosos tentavam minar a autorida-de do Governador e dos demais ministros da Comarca.

    -No calor da revolta em Vila Rica, o Conde escreveu ao Rei dePortugal sugerindo que a idia do estabelecimento das Casas de Fun-

    -> dio nas minas fosse abandonada pela sua pouca utilidade'". Argu-mentava o Governador que o descaminho do ouro era inevitvel emrazo dos "infinitos portos de mar". Exemplo aludido na poca foi odesvio do ouro pata o resgate de negros na Costa da Mina, e da paraas naes estrangeiras sem que fosse pago o quinto de Sua Majestadee sem "tirar deste comrcio utilidade nenhuma para a fazenda [real]"92.

    -_'.,_ContinuavaD. Pedro afirmando ao rei negarem-se os povos a pagar o"quinto rigoroso'

  • VassaJos Rebeldes: violncia nas Minasna primeira metade do Sculo XVIII

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    porm, que a revolta chegaria logo ao seu trmino.No entanto, ao reunir-se, em 10de julho, com o Ouvidor Martinho

    Veira, Eugnio Freire de Andrade, superintendente das Casas de Fun-dio, o tenente geral Flix de Azeredo Carneiro e Cunha e o capito dedrages [oseph Rodrigues de Oliveira, D. Pedro lamentou comunicarque o povo continuava em tumulto no s com "...tenacidade mas tambmcom induo de outros para engrossar o seu partido (...) com armas nas mosintentando vir nesta forma a (Vila do Carmo ]"98 . O Conde informou tam-bm que os cabeas do motim, por sua vez, haviam enviado cartas atodas as comarcas, especialmente do Rio das Velhas, para que os apoi-

    __> assem. Nas noites que se seguiram, os cabeas enviaram emissrios Vila Rica, convocando os moradores que os acompanhassem "0que acha-va fcil aceitao por servirem todos no interesse comum de requerercontra os quintos e casas de [undio"?". D. Pedro ainda informou aospresentes, comentar-se na Vila que os amotinados preparavam mais rei-vindicaes alm daquelas j arroladas no memorial.-> quela altura, o Conde acreditou ser prudente considerar o

    perdo que os rebeldes pediam atravs dos procuradores do povo.Adeciso de conceder o perdo foi unnime, tendo em vista a ocupaodos morros e desfiladeiros pelos amotinados que punham em perigo,durante os ataques aos revoltos os, pessoas inocentes, "constrangidaspor fora no mesmo tumulto", e a "aceitao da casas de fundio (...) tomeiindroea'"?', De acordo com informaes dos oficiais da Cmara deVila Rica ao Rei, o Governador teve de ceder j que a revolta, apoiadapor grandes e pequenos, se generalizava, atingindo Sabar e MatoDentro. Se o indulto no fosse concedido " ...entravam os povos destasminas em uma geral subleoao"?" .

    No obstante o perdo, em 5 de julho o povo de Vila Rica nova-mente levantou-se. Revoltou-se pela ameaa da cobrana das 30arrobas de ouro dos mineradores de Vila Rica, tributao que se refe-ria a toda a Capitania'?", Em carta aos oficiais da Cmara, o Conde

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    TERMO de perdo dado ao povo de Vila Rica na ocasio que se levantou de 01 de julho de 1720. APM.Seo Colonial. Cdice 5G 06. IIs. 94, 94v."Ibidem.

    100Ibidem. Em edital de 01 de julho de 1720, consta que o Conde u{howe] por bem conceder a rodos osmoradores desta vila e outros quaisquer que se acharam no dito tumulto ou fossem cabeas dele, ouno, perdo ...". SOBRE o perdo concedido aos moradores de Vila Rica de 01 de julho de 1720. APM.Seo Colonial. Cdice 5G 11. fI. 289r.101SOBRE a revolta de 1720. Carta da Cmara de Vila Rica ao rei de 15 de julho de 1720. Doe. eu.

    102PARA os oficiais da Cmara de Vila Rica; 6 de julho de 1720. APM. Seo Colonial. Cdice 5G 11. fI.243v. Ver nota de rodap 35 deste captulo.

    54

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    VassaJos Rebeldes: violncia nll Mino.na primeira metade do Sculo XVIII

    mostrara-se perplexo com a "imaginao" do povo, Como cobrar to-das as 30 arrobas de Vila Rica, se j era difcil cobr-Ias de todas asMinas? D. Pedro reiterava aos oficiais sequer estar estabelecido o pa-gamento que caberia a cada uma das Vilas e que Vila Rica pagaria suaparte na tributao como qualquer outra localidade na Capitania'?",

    A face propriamente rebelde da sedio, aquela que caracteri-zamos como referida s formas polticas coloniais, explicitou-se coma presena de Pascoal da Silva Guimares e Manoel Mosqueira daRosa em Vila Rica, os quais tentavam persuadir o Governador de que.os conflitos s cessariam, uma vez que eles ocupassem os postos mais

    . importantes da Comarca.r O objetivo, c1aramemte explicitado, dos.. /

    potentados era o de tomar os lugares do Conde Governador e doOuvidor Geral da Comarca.

    Para acalmar os nimos dos revoltos os, o Conde de Assumarprovidenciara a sada do ouvidor Martinho Vieira da Comarca. Ten-tando neutralizar Manoel Mosqueira, nomeou-o Provedor da Fazen-da Real, na ausncia do Ouvidor, e solicitou ao Bispo do Rio de Janei-ro que o nomeasse Provedor dos defuntos e ausentes. Enviou ao ex-Ouvidor Mosqueira uma carta na qual expressava toda sua admira-o e lhe pedia que

    /I . [ assistisse] em Vila Rica para sossegar com seu res-peito toda e qualquer alterao procurando que pelaspassadas [ficassem] os nimos quietos e sossegados emvirtude do perdo que lhes [concedera] ..."I04.

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    Mosqueira, contudo, no ficou satisfeito com o ofcio de Prove-dor da Fazenda Real. Desejava tomar o lugar de Martinho Vieira e porisso incitou um novo motim no qual deveria ser aclamado Ouvidor.Por sua vez, o sargento-mor Sebastio da Veiga Cabral pretendia tor-nar-se Governador. Insistia Veiga Cabral que os tumultos cessariamuma vez que o Conde se retirasse para So Paulo, j que o desejo dosamotinados era fazer-lhe Governador. Para por fim ao conflito, o sar-gento-mor sugeriu ao Conde fingir-se de doente e deixar o governoem suas mos por alguns meses.

    Em razo da sua permanncia nas Minas, D. Pedro foi informa-do de um novo motim a iniciar-se em 12 de julho, visando colocar

    103lbidem.

    104ORDEM do Governador de 10 de julho de 1720. APM. Seo Colonial. Cdice 5G 11 fi. 244v.

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    Vassalos Rebeldes: violncia nas Minasna primeira metade do Sculo XVIII

    Sebastio da Veiga Cabral no poder e preencher os outros cargos eofcios j previamente divididos por Pascoal da Silva Guimares'?".

    A esta altura, o Governador tratou de por ordem em Vila Rica.Atravs do bando de 13 de julho, determinou

    "... para evitar todo o gnero de desassossego que tmcom osmascarados, tornando estes insolentes a apare-cer lhe atirem e os matem por serem perturbadores dosossego pblico e inquietadores do pOVO"106

    .>,

    Aqueles que exterminassem os mascarados, freqentadores domorro de Ouro Podre e de Vila Rica, no incorreriam em crime algume ainda seriam recompensados com cem oitavas de ouro'?". Segundoo Governador, estes homens disfarados, geralmente os cabeas dosmotins, tinham "urdido uma conjurao feita entre eles para expulsar [das]minas Governador e ministros e todos mais oficiais de Sua Majestade", patadominarem os povos, apossarem-se de seus bens e ficarem isentos desuas dvidas'!". Com a reincidncia do motim, o perdo concedidoem 10 de julho continuou em vigor somente para o povo da Vila, ten-do sido revogado para os lderes da sedio.

    . .> O Conde determinou que o ajudante de tenente Manoel da Cos-ta Pinheiro, o alferes Manoel de Barros Guedes e o capito Manoel daCosta Fragoso, juntamente com 30 drages, prendessem os cabeasda revolta, misso concluda com xito. Foram presos ManoelMosqueira da Rosa; o mestre de campo Pascoal da Silva Guimares;Frei Vicente Botelho: Frade Bento, filho de Mosqueira e Frei Franciscode Monte Alverne, amigo pessoal de Pascoal da Silva'?".

    A priso dos cabeas desencadeou um novo motim. Homensmascarados, com um nmero considervel de negros armados, inva-diram Vila Rica, quebraram portas e janelas, arrombaram e saquea-ram as casas, ameaando incendiar toda a Vila.

    Generalizada a desordem, dirigiu-se o Conde em 16 de.julhopara Vila Rica, acompanhado de todas as 'pessoas principais do distri-

    105SOBRE os motins de Vila Rica e castigos feitos nos cabeas deles. Carta do Governador ao Rei de 21de julho de 1720, APM. Seo Colonial. Cdice SG 04, tis. 855 a 878.106BANDO de 13 de julho de 1720, APM. Seo Colonial. Cdice SG 11.fls. 291r, 291v,1'lbidem. . .

    108SOBRE se querer somente castigar os cabeas do motim de Vila Rica; 14 de julho de 1720. APM.Seo Colonial. Cdice SG 11.tls. 290v. 291 r.109SOBRE os motins de Vila Rica e castigos feitos nos cabeas deles, Doe, cit,

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    Vassalos Rebeldes: violncia nas Minasna primeira melade do Sculo XVIII

    to de Vila do Carmo, com um montante de 1500 negros armados e acompanhia de drages

    "... para por em sossego [VilaRica1 e livrar o seu povodas vexaes,hostilidades, inquietaes e extorses quelhe faziam os cabeas amotinadores e perturbadoresdo sossego pblico ..."110

    D. Pedro queria uma platia expressiva para presenciar o casti-,go exemplar reservado aos amotinados, para que no se repetisse o"horroroso atentado como para no deixar a mo alada para outro". Erainconcebvel um povo

    "... no domnio [de Sua Majestade] rebelado contra assuas leis e reais ordens, fazendo lubibrio delas, ul-trajando-as e inventando novas leis para se observa-rem; desatino to atroz que ofende os ouvidos de quemo ouve escandalizadamente mais aos que com media-na fidelidade o presenciaram"!" .

    Chegando Vila, o Governador ordenou atear fogo s casas dePascoal da Silva Guimares e em muitas dos seus cmplices situadas

    ~? no morro do Ouro Podre de onde originavam, todas as noites, os mo-tins. Durante o comeo de uma sublevao, ocorrida tambm em 12de julho, no stio de Cachoeira do Campo, prendeu-se Filipe dos San-tos, acusado de cabea e instigador do levantamento, que foi executa-do sumariamente.

    Em 17 de julho, o Conde publicou um bando pelo qual determi-nava que todos os proprietrios de casas ou vendas localizadas nomorro de Ouro Podre se desfizessem delas no prazo de quinze dias, efossem se estabelecer em Vila Rica ou qualquer outro lugar que dese-jassem. Segundo costume da poca, as casas e vendas seriam arrasa-das e queimadas "para que no houvesse mais memria delas"?" . O ban-

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    "0 TERMO de vereana de 17 de agasto de 1720. Atas da Cmara de Vila Rica. Revista do ArquivoPblico Mineiro. XXV (1937), p. 145.t t t Ibidem.

    112 O ritual de arrasar e queimar com o usa do fogo os loei da desordem na colnia simbolizava a purifica.o e a regenerescncia destes locais, aspectos positivos da destruio. Por sua vez, o uso do 811,apIa destruio pelo fogo. representava a tentativa de tornar estes lugares infrteis para sempre, Inibindo Igerao de novas idias rebeldes e a recorrncia das desordens. Este ritual j era observacto entre 01romanos, que jogavam sal nas terras das cidades que destruam para-tornar o solo eternamente 111.rll. Cf.CHEVALlER, Jean et ai. Dicionrio de smbolos, p. 440-443; 797-798,r.

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    Valllo, Rebeldea: violncia nas Minasna primeira melada do Sculo XVIII

    do especificava ainda que todos os moradores de Vila Rica deveriamestar recolhidos s suas casas no prazo de trs dias sem o que seriamconsiderados cabeas dos rebeldes e traidores de Sua Majestade, ten-do os bens confiscados e estando sujeitos s penas da lei pelo horroro-so crime em que ficariam incursos'"'.

    Em 20 de julho, o Conde convocou o Ouvidor Martinho Vieirapara reocupar o seu lugar na Comarca, comunicando-lhe a priso dosprincipais da sedio e o esquartejamento de Filipe dos Santos'" .

    Nem por isso a inquietao em Vila Rica e nos demais distritosda Capitania foi aplacada. O Conde de Assumar queixou-se ao secre-trio de Estado, Diogo de Mendona, dos poderes limitados dos go-vernadores na conteno das desordens nas minas onde " ...a malciados mal contentes [era] muitas vezes mais atendida que a sua [dos governa-dores] justificada razo'T":

    A ecloso de motins que entendemos como referidos s formaspolticas coloniais derivava, na opinio de D. Pedro de Almeida, da

    "...soltura com que vivem os poderosos nesta terra, eno haver lei que [proporcionasse] os termos sua sol-tura (...) um dos danos maiores, seno for o mais es-sencial (...) e que no pode haver uma lei geral (...) paratodos os climas, e favorecendo [o das minas] a liberda-de e a dissoluo, e usando-se s dos meios que apon-

    Este procedimento de queimar e salgar propriedades dos cabeas das revoltas foi utilizado, por exemplo,nas casas e roas de Domingos Rodrigues do Prado, lder da sedio de Pitangui (ver capitulo 4 destetrabalho). Exemplo mais conhecido deste ritual est ordenado na sentena de condenao de Tiradentes,a qual determinava arrasar e salgar a casa em que vivia o Alferes Joaquim Jos da Silva Xavier "para quenunca mais no cho [coisa alguma] se editioue".Existe uma polmica quanto destruio do morro de Ouro Podre que teria sido totalmente incendiado epassado a se denominar Morro da Queimada. Cf. VASCONCELOS, Diogo de. Op. cit. Apesar do bando doConde de Assumar, que ameaava arrasar e queimar casas e vendas situadas no morro, no encontra-mos nenhum documento que confirmasse a sua destruio total. Somente foram queimadas as proprieda-des de Pascoal da Silva Guimares. No obstante vrios so os relatos que atestam a destruio total doMorro de Ouro Podre, incorporando a verso na histria dos motins de 1720 em Vila Rica.113BANDO de 17 de julho de 1720. APM. Seo Colonial. Cdice SG 11.fI. 291v. Em razo das desordens,por termo de acrdo, a Cmara de Vila Rica resolveu eleger seis cabos das rondas, "homens dos maiscapazeS' que deveriam, cada um, reunir 12 homens e, repartidos pelos bairros de Vila Rica noite, "...con-vir ao sossego e quie/ao destes moradores, observando em tudo o regimento que Ihes havia de dar oSenado para melhor expedio s obrigaes de que Ihes faziam cargo".TERMO de acrdo de 08 de agosto de 1720. ATAS da Cmara de Vila Rica. Revista do Arquivo PblicoMineiro. XXV (1937). p. 139.,1

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    CAPTULO 3POTENTADOS E BANDIDOS:

    os motins do Serto do So Francisco

    /I onde nunca se conheceu Rei."

    Em 1736, levantou-se a regio noroeste da Capitania de MinasCerais'" .A revolta do Serto do So Francisco compreendeu urna s-rie de motins os quais constituram "uma rebelio declarada que (...) noachamos na histria de minas tempestade mais temerosa em todo o perodocotoniai"?",

    Os motins resultaram do repdio dos moradores do noroestede Minas ao estabelecimento, em fevereiro de 1736,da taxa de capitaono Serto do So Francisco e se generalizaram a partir dos entendi-mentos entre a gente mida e os grandes potentados.

    Embora os motins possam ter se iniciado apresentando caracte-rsticas de uma tax rebellion, logo definiram seus contornos de revoltareferida s formas polticas coloniais. A sedio de 1736 apresenta par-ticularidades se comparada aos motins hbridos ocorridos em Vila Ricaem 1720. Alm de contar com a participao das camadas mais baixasda populao do So Francisco nas assuadas - mulatos, mamelucos,ndios - os motins de 1736 foram muito violentos, provavelmente pelodesenvolvimento singular da regio.

    A dinamizao do noroeste de Minas

    O Serto do So Francisco estava, na terceira dcada do sculoXVllI, sob a jurisdio da Comarca do Rio das Velhas. Embora distan-te de Sabar, a sua incluso nesta Comarca se explicava pela indefinio

    117 A regio noroeste de Minas, que denominamos o Serto do So Francisco, compreendia os arraiais deSo Romo, Manga, Brejo do Salgado (hoje Januria), Capela das Almas, Japor (hoje Nhandutiba),barra do Rio das Velhas (hoje Guaicui). Montes Claros, entre outros ncleos urbanos menores. Sobre oassunto ver: MATA MACHADO, Bernardo. Histria do serto noroeste de Minas Gerais. 1690-1930. BeloHorizonte: Imprensa Oficial, 1991. p. 11 passim.

    t18 VASCONCELOS, Diogo de. Histria mdia de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1918.p.98.

    61

  • Vassalos Rebeldes: violncia nas Minasna primeira metade do Sculo xvm

    dos limites territoriais de cada jurisdio1l9 . A regio, submetida ad-ministrativamente Comarca do Rio das Velhas, ligava-se porm, noque se referia jurisdio eclesistica, aos Bispados de Olinda e. daBahia, em razo da tardia criao do Bispado de Mariana

    12o

    Como o Serto do So Francisco no se vinculava economiade exportao, podia-se observar, nesta rea, grande fluidez adminis-'trativa e uma organizao scio-econmica bem diferenciada daque-la da regio mineradora, embora sua formao e desenvolvimentoestivessem intimamente ligados a estas. A ocupao do So Franciscodesviou-se dos pressupostos administrativos bsicos da poltica me-tropolitana para as regies mineradoras - montagem de um vastoaparelho burocrtico, tributrio e fiscalizador.

    --;> Somente aps a instalao do Arcebispado da Bahia foram cria-das freguesias no Serto, nas quais era cobrado o imposto, meio civilmeio eclesistico, do dzimo. A Carta Rgia de 20 de janeiro de 1699representou o primeiro esforo para introduzir alguma ordem no Ser-to. Foram criados juzes, semelhana dos juzes de vintena, e desig-nados o capito-mor e cabos de milcia para sustentarem as decises

    judiciais.A resistncia tentativa da Metrpole de organizar a rea nofoi pequena. Mas o Serto continuou "um pas (...) habitado de rgulosque no conheciam outra lei, que a da fora", que devia, por todos os mei-os, ser reduzido " boa ordem e sujeio justia"

    12l

    Desde que o apresamento dos ndios tapuias se constituiu comoeconomia bsica da Capitania de So Vicente, foram organizadas paraeste fim bandeiras e entradas. Foram os responsveis por estas ban-

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    119 Segundo Joaquim Ribeiro Costa: "Na criao das primeiras vilas limitavam-se os respectivos atosoficiais declarao pela qual eram os antigos arraiais elevados quela categoria, como sedes de muni-cpios, mas no faziam referncia ao territrio da respectiva jurisdio. A sua delimitao verificava-se namedida em que se estendia, na prtica, a ao das autoridades at onde no se entrassem em conflitocom a autoridade vizinha. o que teria ocorrido na fixao dos limites entre Vila do Carmo e Vila Rica eentre estas e a Vila Real de Sabar. Esta ltima, limitando-se ao sul com aquelas duas, no teria natural-mente outros limites a observar pelo simples fato de que outras vilas no haviam sido criadas. Assim, tantoao norte como a oeste, e a leste, sua jurisdio se estenderia at onde chegassem, por aqueles lados, oslimites da capitania. Foi, ao que parece, o que ficou positivado com a criao das trs primeiras comarcas,uma das quais, com sede na Vila Real, teve ajustada a sua divisa com as de Vila Rica, tocando a esta aparte do sul e quela a do norte. Desta forma, a jurisdio da vila de Sabar foi muitssimo maior que as

    das outras duas reunidas'.COSTA, Joaquim Ribeiro de. Toponmia de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1970. p. 80.

    120 A margem' direita do So Francisco submetia-se Vigaria Geral, com sede em Minas Novas, e amargem esquerda ligava-se ao Vigrio da Vara que regia a rea pernambucana.121 CARTAS de Martinho de Mendona de 29 de junho de 1736 e de 17 de outubro de 1737. Motins do

    Serto. Revista do Arquivo Pblico Mineiro, 1 (1896). p. 649-600, p. 662.

    62

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    Vassalos Rebeldes: violncla nas Minasna primeira metade do Sculo XVIII

    deiras, transformadas em meados do sculo XVII em prescrutadorasde metais preciosos, os formadores dos ncleos criatrios e comerci-ais do noroeste da Capitania de Minas Gerais. Caio Prado Jnior, emsua obra clssica Formao do Brasil contemporneo, afirma que o nortee noroeste da Capitania achavam-se povoados pelos baianos desde osculo XVII e que a ocupao realizada pelos paulistas no teve con-tnudade'". Embora a proximidade com a Bahia possa sugerir umpovoamento derivado das regies baianas e pernambucanas, as evi-dncias documentais nos permitem afirmar que to (ia ar~a_foi origi-nalmente povoada pelos paulistas aos quais se deveu tambm a suadinamizao.

    Consta do documento annimo Informaes sobre as Minas doBrasil:

    "Das vilas de So Paulo para o Rio de So Franciscodescobriram os paulistas antigamente um caminho aque chamavam Caminho Geral do Serto, pelo qualentravam e cortando os vastos desertos que medeamentre as ditas vilas e o dito rio, nele fizeram vrias con-quistas de tapuias e passaram a outras para os sertes,de diversas jurisdies, como foram Maranho,Pernambuco e Bahia sendo para todas geral o dito ca-minho at aquele termo fixo que faziam nesta, ou na-quela parte do rio de So Francisco, em o qual muda-vam de rumo conforme a jurisdio, ou Capitania aque encaminhavam, ou convenincia que se lhe ofere-cia; e com to continuada freqncia facilitaram o trn-sito daquele caminho que muitos deles transportandopor ele suas mulheres e famlias mudaram os seus do-miclios de So Paulo para as beiras do dito rio de SoFrancisco, nas quais hoje se acham mais de cem casaistodos paulistas e alguns deles comcabedais muito gros-SOS"123.

    Segundo Afonso de Taunay, importantes bandeirantes paulistas.fundaram enormes fazendas de criao no vale do So Francisco, dafoz do rio das Velhas para o norte, e nos de seus afluentes como oVerde, o Urucuia, o Carinhanha, o Paracatu'".122 PRADO Jr., Caio. Formao do Brasil contemporneo. p. 197.

    123 INFORMAES sobre as Minas do Brasil. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de J.n.'ro. 87(1939).p.172. .

    124 TAUNAY, Afonso. Histria das bandeiras paulistas. So Paulo: Melhoramentos, 1963. v.t. Vir Anlxa 2.

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  • VlIIIiOI Rtblldtl: vlollnel. na. Minas11Iprlma~.mllldt do S6culo XVIII

    A dinamizao da economia agro-pastoril do noroeste de Mi-nas, no quadro do movimento de articulao interno entre as vriascapitanias promovido pela minerao, resultou de uma dupla conju-gao de fatores - posio estratgica, centro geogrfico do intercm-bio que se estabelecia, localizao s margens do So Francisco,marginado por rota terrestre j existente e via natural de acesso. Soestas condies que permitiram regio intermediar o movimento dofluxo de mercadorias que envolveu tanto o setor minerador da pr-pria Capitania quanto o comrcio da Bahia, Gois e Mato Grosso, e,ainda, montar seus ncleos prprios de produo.

    Fica evidenciado atravs do exame das Informaes sobre as Mi-nas do Brasil que o volume do comrcio entre a rea agro-pastoril donoroeste de Minas e a rea mineradora da Capitania j era vultoso navirada do sculo XVII para o sculo XVIII. Segundo o documento:

    "Quanto ao primeiro motivo que respeita conveni-ncia dos moradores das minas, no s grande, masprecisamente necess~ia a que eles tm no comrciodo rio So Francisco. E grande porque lhe entram porele fazendas de todo o gnero, escravos, e mais cousasnecessrias para o seu uso cO,mmenor valor do quelhe custam no Rio de Janeiro. E precisamente necess-ria porque pelo dito rio ou pelo seu caminho lhe en-tram os gados de que se sustenta o grande povo queest nas minas, de tal sorte que de nenhuma outra par-te lhe vo nem lhe podem ir os dos gados, porque noos h nos sertes de So Paulo nem nos do Rio de Ja-neiro. Da mesma sorte se prove pelo dito rio caminhode cavalos para suas viagens, de sal feito de terra norio de So Francisco, de farinha e de outras causas, to-das precisas para o trato e sustento da vida"!" .

    O comrcio com as minas de Gois representou um dos pontosaltos da economia do norte de Minas. Em 1726 iniciava-se a explora-o aurfera de Gois e j em 1732 estabeleciam-se os primeiros vncu-los comerciais com a nova rea mineradora. Neste mesmo ano escre-via o Conde de Sarzedas ao Rei D. Joo V que o arraial de Meia Ponteesperava" carregaes e muito maior nmero de gado do rio de So Francis-co, Currais e Minas Gerais"126.

    125 INFORMAES sobre as minas do Brasil. Op. cil. p. 179.

    \26 CARTA de 12 de outubro de 1732. Documentos interessantes. Apud PINTO, Virglio Noya. O ourobrasileiro e o comrcio anglo-portugus. So Paulo: Nacional, 1979. p. 98.

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    V Io. Robtld : vlolOnelana. Mina.n. prlmolr. matldo do S6culo XVIII

    A tentativa rgia de fechar os caminhos para Gois explicitava-se na Carta Rgia de 10 de janeiro de 1730 que ordenava a existnciade um s caminho para a regio via So Paulo. Tentativa infrutfera.Em 1734 informava o Conde de Sarzedas ao Rei que haviam sido aber-tas novas picadas "por onde vieram do rio de So Francisco e das MinasGerais no s fazendas, mas tambm gados, com o interesse de extrarem ospagamentos em ouro sem pagarem os quintos que se deve, a Vossa Majesta-de"127.

    A rea mineradora goiana, semelhana do serto agro-pasto-ril do So Francisco, rea de povoamento peculiar, apresentou gran-des dificuldades para se enquadrar dentro do esquema metropolita-no e manter as formas acomodativas entre sua populao e a Coroa.Os moradores de Cois, nmades, garimpando beira dos rios, espa-lhados por uma rea vastssima, dificilmente constituram em ncle-os urbanos, dificultando o controle da regio. A articulao comercialentre o noroeste de Minas e Gois representou, no momento de resis-tncia ao estabelecimento da taxa de capitao na rea agro-pastorildo So Francisco, uma sada para burlar os agentes metropolitanos.Em 1736, Martinho de Mendona, governador interino de Minas Ge-rais, informou ao rei de Portugal que, apesar da cobrana da capitaoter se realizado, um numeroso contingente de escravos fugira para aregio de Cois!" .

    A dinamizao da rea do So Francisco foi gradatva, atenden-do ao crescimento da demanda das regies mineradoras. A possibili-dade de contribuir para o abastecimento da populao mineira incen-tivou a formao de grandes currais nas margens do So Francisco. Alavoura desenvolveu-se em razo do mercado crescente para os seusprodutos. Srgio Buarque de Holanda enfatizu a expanso demandiocais, algodoais e arrozais, a implantao de engenhos com odesenvolvimento da cana-de-acar, mostrando "o aparecimento de ati-vidades produtivas novas, no menos rendosas, muitas vezes, do que o dasprprias jazidas, uma vez que atraem por vias diferentes o produto delas" 129.

    Para se evitar o descaminho do ouro, o comrcio das minas coma Bahia, pelo caminho do So Francisco, foi proibido, excetuando-se ocomrcio do gado. Providncias neste sentido esto contidas nas or-

    127 Carta de 15 de maro de 1734. Ibidem. p. 99.

    \28 MOTINS do Serto. Revista do Arquivo Pblico Mineiro. 4 (1896). p. 663.

    129 HOLANDA, Srgio Buarque de. Metais e pedras preciosas. In: -. Histria geral da civilizao brasileira.Rio de Janeiro: Ditei, 1977.1.1. v.2. p.289.

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    dens e bandos de Arthur de S e Menezes, de 23 e 25 de setembro e 20de dezembro de 1701, reforadas pela Carta Rgia de 9 de dezembrodo mesmo ano. As providncias foram renovadas por D. lvaro daSilveira de Albuquerque, em atos de 16 e 25 de setembro de 1702,10 e13 de maro de 1703.

    Contudo, as proibies nunca foram respeitadas, principalmentepelas maiores facilidades oferecidas para o escoamento das mercado-rias, seja atravs da via fluvial, do So Francisco, seja das rotas terres-tres do serto. Deve-se tambm ressaltar que o mercado paulista, pri-meiro centro abastecedor das Gerais, sofreu uma aguda crise em ra-zo da grande demanda das minas nos seus primeiros anos. O merca-do paulista no estava em condies de suprir as necessidades dasminas e, ao mesmo tempo, sustentar as regies vicentinas o que acar-retou a proibio, em 1705, da venda de gneros de subsistncia parafora de So Paulo. Com o aumento da produo paulista, a proibiofoi cancelada em 1722mantendo-se somente a restrio quanto ao co-mrcio de gado. Tal situao tornou o comrcio atravs do So Fran-cisco fundamental para a sobrevivncia das minas nos seus primeirosanos. Segundo Mafalda Zemella:

    "Avida nas minas, nos primeiros anos que sucederamdescobertas, seria praticamente impossvel sem os for-necimentos partidos do Recncavo e das zonas margi-nais do So Francisco, as quais ofereciam as carnes eas farinhas necessrias ao sustento dos mineradores,assegurando assim a continuidade da indstriaextrativa do ouro" 130.

    Aproduo e a intermediao fizeram surgir importantes em-prios comerciais na regio - Barra do Rio das Velhas, Brejo doSalgado, Morrinhos, So Romo. Estes emprios, situados no ca-minho do So Francisco, tiveram peso significativo na Capitaniade Minas Gerais durante o sculo XVIII. Tratando de So Rorno,afirmou Waldemar de Almeida Barbosa que o arraial foi "centrocomercial de importncia com negcios de peixe, carne, melancias, a-car e, sobretudo, de sal"!",

    1~ ZEMELLA, Mafalda. o abastecimento da Capitania de Minas Gerais no sculo XVIII. So Paulo: USp,1951. p. 68.

    131 BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionrio histrico-geogrfico de Minas Gerais. Belo Horizonte:Promoo Familia, 1971. p. 472.

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    Brejo do Salgado foi considerado, no sculo XVIII, o maior em-prio comercial entre o Alto e Mdio So Francisco, de onde saamboiadas para a regio do rio das Velhas. A importncia de Barra doRio das Velhas foi assinalada por Joo Emmanuel Pohl- "o arraial temgrande fama pelo seu amplo trfego comercial" 132.

    ,O desenvolvimento econmico do serto do So Franciscoapoiou-se, assim, na criao de gado e na produo de gneros desubsistncia para o consumo das regies mineradoras. Toda essa mas-sa de mercadorias que era comercializada com as reas de extraoaurfera voltava em ouro.

    'A totalidade dos arraiais do noroeste da Capitania de MinasGerais teve a pecuria e a produo de gneros de subsistncia comobase de sua economia. Ressaltando a baixa capitalizao da atividadepastoril, as facilidades para o desenvolvimento das lavouras e os lu-cros obtidos pelo gado e demais produtos nas minas, fcil inferir aalta capitalizao dos fazendeiros da regio, isto sem levar em contaos lucros da intermediao comercial. Assim, a riqueza destes gran-des proprietrios, aliada grande autonomia administrativa da re-gio, como veremos, permitiu a emergncia de potentados e, conse-qentemente, graves dificuldades para a manuteno das formasacomodativas no serto do So Francisco ..

    A regio agro-pastoril do noroeste de Minas, ao contrrio daregio mineradora, sofria muito pouco com a tributao. Com exce-o dos dzimos da Ordem de Cristo e dos impostos cobrados nosregistros - "postos fiscais estabelecidos nos limites dos distritos mineradores,nos principais e mais freqentes pontos das rotas que buscavam aquelas regi-es"133 - que controlavam a sada do ouro das minas, fiscalizavam etaxavam pessoas, escravos e gneros, a tributao praticamenteinexistia no serto do So Francisco, onde o poder das autoridadesera apenas nominal. A regio noroeste, isenta do quinto, por no seconstituir em rea de minerao, ficava ainda excluda dos direitos depeagem, dos impostos locais recolhidos pelos Senados da Cmara edas propinas, porque seus ncleos urbanos no possuam as insgniasde vila. Com exceo de So Romo, nico arraial onde se recolhiaimpostos, evidentemente nfimos, se comparados com aqueles reco-lhidos nas vilas da Comarca do Rio das Velhas, todos os demais arra-

    132 POHL, Joo Emmanuel. Viagem ao interior do Brasil, Belo Horizonte: Itatiaia, 1971. p. 155,

    133 ELLlS, Miriam. Contribuio ao estudo do abastecimento das zonas mineradoras do Brasil no sculoXVIII. Revista de Histria, 36 (1958). p. 436,

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    ais e a totalidade da populao do noroeste mineiro ficaram isentosde taxaes de fato at 1736.

    Os motins do serto

    Ao se iniciar os anos 30 do sculo XVIII, o volume do ouro arre-cadado na Capitania ficava muito aqum das expectativas de D. JooV Consultas aos ex-governadores das Minas, D. Pedro de Almeida,Conde de Assumar, e D. Loureno de Almeida, indicaram a possibili-dade de se adotar o imposto da capitao, segundo as diretrizestraadas por Al