anatomia de um -...

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anatomia de um escândalo Uma das principais executivas de marketing do país. Uma das maiores empresas do Brasil. Um suposto rombo de R$ 27 milhões. O caso “Cristina Duclos versus Telefônica Vivo” se tornou o assunto predileto das rodinhas corporativas, mas talvez não seja bem o que parece ser... SÉRGIO XAVIER O CASO CRIS DUCLOS 52 53 epocanegocios.globo.com Outubro 2016 Outubro 2016 epocanegocios.globo.com

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anatomiade um

escândaloUma das principais executivas de marketing do país. Uma

das maiores empresas do Brasil. Um suposto rombo de R$ 27 milhões. O caso “Cristina Duclos versus Telefônica Vivo” se tornou o assunto predileto das rodinhas corporativas, mas

talvez não seja bem o que parece ser...

SÉRGIO XAVIER

O C A S O C R I S D U C L O S

52 53epocanegocios.globo.comOutubro 2016Outubro 2016epocanegocios.globo.com

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EXECUTIVA Cristina Duclos achou que era a sua hora. Diretora de marketing da Telefôni-ca Vivo, ela comandava 150 pessoas em dez divi-sões tão distintas quanto propaganda, orçamento, digital, retenção, fide-lização. Ela não dirigia apenas uma área, era

responsável por um naco considerável da Vivo. Só em verba publicitária, mais de R$ 1 bilhão anuais. A evolu-ção da carreira também sugeria voos mais altos. Cris-tina foi escolhida Women to Watch pelo jornal Meio & Mensagem e ficou com o prêmio Caboré de melhor pro-fissional de marketing em 2013. Com oito anos de em-presa, era a hora de pleitear o cargo de vice-presidente.

Cristina já encaminhara no início de 2016 a conver-sa com seu chefe direto, Christian Gebara, vice-presi-dente executivo de Receitas da Telefônica Vivo. Queria alinhavar a promoção antes de viajar para ser jurada no Festival de Publicidade de Cannes, em junho. Foi quando o tempo começou a virar. O sol foi embora e nuvens negras apareceram no horizonte. Na primeira semana de junho, Gebara deu os primeiros indícios de problemas. Na reestruturação desenhada pela em-presa, Cris não aparecia como vice-presidente. Geba-ra deu a entender que talvez fosse o caso de buscar a posição desejada em uma outra companhia. No dia 9 de junho, a sugestão se tornou decisão. Constrangido, o VP explicou a Cris que ela não aparecia mais no or-ganograma da Telefônica/Vivo: ela estava demitida.

O desapontamento foi compensado pelas perspec-tivas. A diretora de marketing (na Vivo, a nomencla-tura é diretora de imagem e comunicação) já estava na mira de headhunters, talvez a mudança fosse para melhor. E havia Cannes, depois férias na Europa com os dois filhos e o marido, o publicitário Ricardo Silvei-ra, mais conhecido no mercado como Ricardo Ches-ter. Em 18 de julho, o chuvisco virou trovão. Cristina

foi procurada pelo jornal Valor Econômico. O jornal fazia uma reportagem sobre irregularidades no depar-tamento de marketing da Telefônica Vivo. Uma audi-toria de Israel teria apurado desvios na contratação de fornecedores. Segundo o Valor, a fonte era do alto escalão da própria empresa...

Antes mesmo da publicação da reportagem, o trovão virou tormenta. Em 21 de julho, o jornalista Fernando Rodrigues publicou uma nota cifrada em seu blog no portal UOL. “Uma grande empresa de telefonia demitiu sua diretora de marketing há cerca de 20 dias. Motivo: ela foi acusada de dar um desfalque de R$ 27 milhões. O dinheiro escapava por meio de três agências de pu-blicidade. Sobretudo via o criativo de uma das agências, que era casado com a tal diretora.” Qualquer um que conviva no meio publicitário era capaz de rapidamente preencher as lacunas. Cris e Ricardo Chester são uma espécie de Casal 20 do segmento. Ela poderosa, bem-sucedida, conhecida. Ele, um dos principais homens de criação do país, com 15 Leões de Cannes enjaulados em casa. A Telefônica Vivo tinha três agências, Young & Rubicam, DPZ&T e Africa. Chester, atualmente na Al-map, trabalhou na Africa por três anos, de 2011 a 2014.

A nota ficou poucas horas no blog (procurado, Fer-nando Rodrigues não explicou por qual razão a tirou do ar, mas ressalta que não fez menção à Vivo nem a qual-quer pessoa). Mas foi o suficiente para provocar um salseiro no mercado. As redes sociais se encarregaram de espalhar a notícia com rapidez. A segunda bomba foi detonada no dia seguinte. O jornalista Políbio Bra-ga, que mantém um blog de economia em Porto Alegre, veio com mais detalhes e dando nome aos personagens. “A diretora usava as três agências para superfaturar produções de filmes publicitários e repassar a propina de volta para ela. Mais: ela fez um acordo com a agên-

aDEMISSÃO, BOATO E TRIBUNAIS

Em poucas semanas, a vida de Ricardo Chester e Cris Duclos mudou

radicalmente. Para pior

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epocanegocios.globo.com Outubro 2016 epocanegocios.globo.comOutubro 2016foto: Fabiano Accorsi

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cia Africa (de Nizan Gua-naes) para contratar seu marido, Ricardo Chester, que recebia a propina sob a forma de um salário milionário, muito acima da média da equipe.” Po-líbio ia mais longe. Dizia que Fernando Rodrigues havia tirado o post do ar por pressão de Nizan Guanaes e da Vivo. E di-zia que uma longa repor-tagem do jornal Valor te-ria sido abafada por Nizan. Procurado, Nizan não quis comentar.

O bombardeio seguiu nas redes sociais sendo carac-terizado como uma espécie de “mensalão da iniciativa privada”. E se potencializou quando o site O Antago-nista, de Diogo Mainardi e Mario Sabino, requentou a versão de Políbio, dando ênfase à versão de que Ni-zan superfaturava o salário de Ricardo Chester como forma de repassar a propina de Cristina. Quando saiu

Mentor Muniz Neto, uma espécie de grilo falante da publicidade brasileira, escreveu sobre o caso: “Cris e Chester foram atingidos por um dos mais devastadores problemas da atualidade: o tribunal das redes sociais. O mais cruel tribunal de todos, porque é composto por 99% de promotores. Um tribunal que julga em sessões fechadas, em grupos de mensagem, em almoços. Eles ficaram em silêncio por muito tempo, talvez por isso os boatos tenham aumentado”. A reportagem do Valor Econômico chamou a atenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Suspeita de desvio, auditoria ex-terna, tudo isso deveria ser comunicado ao mercado. Companhias de capital aberto como a Telefônica de-vem essas explicações aos acionistas. A CVM a inter-pelou e aí o caso revelou as primeiras estranhezas. A Telefônica negou a existência da tal auditoria israelen-se. E não confirmou as irregularidades descritas pelo jornal. “Os contratos com as agências de publicidade estão ativos. Pelas regras de compliance [boa conduta corporativa], teriam sido suspensos se houvesse qual-quer irregularidade”, dizia a nota.

Cristina Duclos lembra que não houve descreden-ciamento de nenhum fornecedor, de nenhuma agência. “Onde está a irregularidade? Eu nunca negociava valo-res com fornecedores, tudo era com a equipe de com-pras. Qualquer contrato da empresa era assinado por dois diretores e autorizado pelo jurídico.” Época NE-GÓCIOS procurou executivos das agências Africa, Y&R e DPZ&T. Nenhum deles se dispôs a falar. A pedido da Telefônica, as agên-cias publicaram uma nota conjunta que negava qual-quer problema e reafirma-va a seriedade de todos.

Outras fragilidades da boataria chamavam a atenção, como o tal pa-gamento feito da agência Africa para a empresa de Ricardo Chester como

a reportagem do Valor – mais sóbria e sem citar os tais R$ 27 milhões – , o mercado publicitário já tinha os detalhes mais pi-cantes da história, pelos posts nas redes sociais. O jornal não falou de rombo, mas de irregula-ridades na contratação de fornecedores. E falava da demissão de Cristina. Ligando os pontos todos, a história parecia ter co-

meço, meio e fim. Uma reportagem de quatro minutos no Jornal da Band, da TV Bandeirantes, detalhava o iní-cio de tudo. Segundo a matéria, a desconfiança do CEO da Vivo, Amos Genish, em relação à propina, começou em um passeio em um condomínio de luxo no interior de São Paulo. Ele teria ficado impressionado com a casa alugada por Cristina. A partir daí nasceu a investiga-ção. “É conhecer minimamente as pessoas envolvidas e como o setor funciona para saber que tinha algo errado nessa história toda”, diz Ênio Vergeiro, presidente da Associação dos Profissionais de Propaganda. Até então, a Telefônica Vivo não havia se manifestado.

lllCADÊ A AUDITORIA?_ O inferno do casal estava só começando. Já nos primeiros dias, uma entrevista de recolocação de Cristina foi desmarcada. Por tempo indeterminado. Nas semanas seguintes, Cristina fala-ria com outros quatro headhunters. Três deles, poli-damente, sugeriram que a carreira da executiva havia chegado ao fim, mesmo que o desfecho do caso pro-vasse a sua inocência. Em dois meses, ela perdeu quase dez quilos. Chester foi afastado de suas funções na Al-map até que a poeira baixasse. Vários amigos não re-tornavam as ligações. Poucos foram solidários. O casal teve dificuldade para orientar os filhos pré-adolescen-tes. O que dizer na escola? O diretor de arte e escritor

forma de repassar a “propina” de Cris Duclos. De saída, havia um descasamento de datas. Chester foi homem de criação da Africa por três anos e, desde agosto de 2014, trabalha na Almap. Ele tinha e tem a empresa Linha-res & Linhares Propaganda exatamente para receber o salário mensal. A reportagem de Época NEGÓCIOS teve acesso às notas emitidas entre 2013 e 2014 pela Linhares. São sequenciais e revelam o salário mensal de R$ 75 mil pagos pela Africa. Um ótimo salário, sem dúvida, compatível com a função que Chester exercia na época. Ele é do primeiro time de criação da publici-dade brasileira, já foi dono de agência, era responsável pela conta do Itaú, uma das maiores da Africa. Se há um roteirista nessa história toda, ele foi desleixado ao

tentar transformar um publicitário premiado em um mero laranja de esquema. A Telefônica ainda mantinha silêncio sobre o caso.

Uma fonte com aces-so à cúpula da empresa garante que existe mes-mo uma investigação em curso feita pela área de compliance global e te-ria relação direta com os

MISSÕES Desde que chegou, o CEO, Amos Genish, reestruturou a Vivo e aumentou o lucro. Falta explicar o caso Cris Duclos

INTENÇÃO REVERSA O VP da Vivo Christian Gebara era o

chefe direto de Cris. Pensava em promovê-la. Teve de demiti-la

Três meses após a demissão, a Vivo resolve falar, com

exclusividade, sobre o caso. E diz: não foi justa causa

O casal montou uma defesa para cada

acusação. Ainda falta achar um

acusador56 57

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epocanegocios.globo.com epocanegocios.globo.comOutubro 2016 Outubro 2016foto: Carol Carquejeiro/Valorfoto: Claudio Belli/Valor

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O LOTE E OS APELOS O terreno comprado pelo casal e o cheque com o preço real. Nos e-mails, Cris pede que a empresa salve sua reputação. Em vão

De: Cris DuclosPara: Amos Genish (Presidente da Telefônica)Data: 18/7/2016

“Hoje um jornalista do Valor Econômico me ligou, perguntando minha posição sobre meu afastamento e sobre uma suposta investi-gação, contratada pela Vivo, de uma empre-sa de auditoria de Israel, que foi contratada para investigar supostas irregularidades em contratos de marketing. Falei com o Gustavo sobre isso! (...)

Estou sendo crucificada por algo que eu nem mesma sei o que é.

Preciso urgentemente falar com você, pes-soalmente. Preciso saber o que está aconte-cendo. Acho que é justo.”

De: Cris DuclosPara: Gustavo Gachineiro (Vice-Presidente de Regulamentação, Comunicação Corporativa e Assuntos Institucionais da Telefônica Brasil)Data: 21/07/2016

“Ela (a jornalista) comentou que recebeu a informação de alguém do primeiro escalão da Vivo dizendo que após a minha saída te-ria havido uma reunião organizada por Amos Genish com vice-presidentes e diretores, e que se teria falado abertamente que eu teria sido desligada da empresa por irregularida-des em contratos de marketing encontrados por uma auditoria fora do Brasil.

A Telefônica precisa afirmar de forma ca-tegórica ao jornal que a minha saída se deu por uma reorganização e não por quaisquer outros motivos. Isso é mais do que suficiente para que meu nome não seja relacionado a qualquer conteúdo difamatório.”

De: Cris DuclosPara: Eduardo Navarro de Carvalho (Presidente do Conselho de Administração da Telefônica do Brasil)Data: 21/7/2016

“Queria que você soubesse que os últimos dias de minha vida têm sido um verdadeiro inferno! Depois de 8 anos de muita dedicação e profissio-nalismo e um trabalho reconhecido interna e externamente, estou sendo crucificada (...)”

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revisões são atividades rotineiras (...), compatíveis às melhores práticas de mercado”.

No terreno das boatarias publicadas e republicadas pelos blogs, Cristina teria saído escoltada logo após a demissão, sem direito a conversar com outros funcio-nários. Outra falha de roteiro. No dia seguinte ao desli-gamento, ela voltou ao prédio da Vivo para se despedir dos colegas, que confirmam a versão. Mais: Cristina, além de verbas indenizatórias legais, recebeu 12 salá-rios mais um bônus generoso. Em troca, se comprome-tia a não trabalhar para a concorrência no período de um ano. Um bocado estranho uma corrupta ser premia-da ao ser demitida.

Nos primeiros dias do escândalo, as notícias davam conta de que o CEO da Telefônica Vivo, Amos Genish, teria se espantado ao saber que Cristina alugava uma mansão no condomínio Quinta da Baroneza e já teria comprado lá um terreno de R$ 4 milhões. Teria sido a partir daí que começou toda a investigação na empresa. Outro equívoco. Cristina e Chester alugavam uma casa e compraram, de fato, um terreno. Mas em um outro lu-gar, no condomínio Fazenda Boa Vista, em Porto Feliz. O aluguel da casa custava R$ 17 mil mensais. De novo, um valor alto para o padrão médio brasileiro, ainda que faça sentido diante de uma renda mensal na casa dos três dígitos. No ano passado, o casal comprou por R$ 1,6 milhão um terreno de 3 mil metros quadrados. O registro em cartório bate exatamente com o valor do cheque administrativo pago por Chester pelo terreno e publicado nessa reportagem. Os termos de compra e venda também estão publicados na página 58. “Nosso patrimônio é de um casal que guarda dinheiro há 20 anos. Não temos dinheiro no exterior. É o apartamento que moramos no Morumbi e esse terreno, que já está a venda para pagar tudo que estamos gastando em nossa defesa. Nossa vida virou de pernas para o ar”, diz Ri-cardo Chester.

lllAS PERGUNTAS_ Em meio a tantas incongruências, uma série de dúvidas fica no ar: o que diabos está acontecendo na Telefônica Vivo? Por que Cris Duclos foi demitida? Se foi flagrada desviando recursos, por que foi indenizada na saída, e por que indícios verda-deiros do esquema não apareceram, mesmo em forma de boatos vazados? De onde saiu a versão da propina? E por quê?

gastos na Copa do Mundo de 2014. Amos Genish teria recebido um relatório mostrando desvios na contrata-ção de fornecedores dos eventos patrocinados pela em-presa. De fato, houve uma auditoria que se debruçou sobre o assunto. O computador de Cristina chegou a ser apreendido para averiguar mensagens e planilhas. Cristina reconhece que os auditores estranharam o alto custo dos ingressos comprados pela Vivo de uma em-presa chamada Top Service. “O meu e os computadores de outras pessoas foram investigados. Depois a turma da Espanha até se desculpou pelo incômodo. Fato é que os ingressos eram mesmo caríssimos, alguns custavam até R$ 10 mil, com as mordomias todas. Só que a Top Service era a única fornecedora para os patrocinado-res oficiais. Era aceitar isso ou não ativar um patrocínio comprado por um preço ainda maior.” Época NEGÓ-CIOS checou e a Top Service – empresa ligada ao ex--presidente da CBF Ricardo Teixeira e colecionadora de denúncias variadas – era mesmo a única opção ofi-cial na compra de ingressos. Cristina conta que a au-

Dada a demora da Telefônica em se pronunciar, o mercado publicitário elaborou quatro hipóteses para tentar responder ao enigma.

1) A de que a executiva tenha mesmo cometido ir-regularidades, principalmente no período da Copa do Mundo, e que a empresa ainda não tenha levantado to-das as provas. Sem evidências explícitas, o melhor seria deixar a história murchar até sumir de vez.

2) A história teria sido gestada pelo grupo que veio da GVT com Amos Genish. Seria uma forma de mostrar como a turma que sobrou da diretoria anterior era relap-sa em relação aos procedimentos éticos e de compliance. Christian Gebara é um dos últimos remanescentes do grupo anterior que comandava a companhia. É o número 2 da empresa no Brasil, responde a Amos, mas tem ligação direta com o board da Telefônica na Espanha (veja maté-ria na página 60). Amos e Gebara mantêm uma relação apenas profissional, sem proximidade. Nessa hipótese, o que se argumenta é que haveria uma disputa de poder, conhecida nos corredores da Telefônica. Diz a assessoria de imprensa do grupo: “O convívio entre os executivos da empresa sempre foi saudável, construtivo e profissional”.

A distância entre Amos e Gebara só aumentou nos úl-timos meses. A demissão de Cris Duclos não foi consen-sual. Gebara estava tentando a promoção da subordinada e foi surpreendido com a ordem de demissão. É evidente que os rumores de desvios acertaram em cheio Geba-ra, afinal tudo teria acontecido na área em que ele era o responsável. Em um primeiro momento, ele parecia ter ficado enfraquecido na organização. Mas as semanas se passaram e não apareceram evidências das tais irregula-ridades na sua área. Os espanhóis estariam descontentes com a forma como Amos está lidando com a questão. A empresa nem mostrou o que estava errado, nem se de-fendeu com clareza. Deu margem, enfim, para a boataria ganhar consistência. A imagem da Telefônica foi abalada.

3) Agências que adorariam ter a conta da Vivo te-riam aproveitado a demissão para propagar a versão es-candalosamente espetacular que teria sido gerada den-tro da própria Telefônica (veja matéria na página 62).

4) Cristina Duclos teria se desentendido com uma elegante advogada catarinense: Heloísa Genish.

lllCULTURA E MARKETING_ A advogada Heloísa Bec-ker conheceu Amos quando se formava pela escola de culinária Le Cordon Bleu em Paris. Poucos meses de-

ditoria focava na quebra de regras internas no uso de ingressos. Uma executiva da Telefônica Vivo que havia recebido um ingresso o teria cedido ao filho, por exem-plo. Um desvio de comportamento, não exatamente um crime. A mesma fonte que fala da investigação garante, contudo, que as irregularidades vão muito além da dis-tribuição de ingressos.

A TELEFÔNICA, ENFIM, FALA_ Segundo a Tele-fônica, as mudanças que ocorreram nas operações do Brasil são resultado de uma reorganização. “A exe-cutiva Cris Duclos foi desligada da empresa como parte de um projeto de reestruturação de cargos; consequentemente, sem justa causa”, diz um e-mail da assessoria de imprensa. “Nessa mesma reestrutu-ração, saíram outros diretores.” É a primeira vez que a empresa fala abertamente sobre o caso. A respeito da investigação de compliance na Espanha, nenhum detalhe. A Telefônica vale-se da nota enviada à CVM: “Os trabalhos internos relacionados com auditorias e

O ISRAELENSE Amos Genish é um trator. Do nada, inventou uma das mais impressionantes companhias telefônicas do mundo. Não em Nova York, Tóquio ou Londres. Em Curitiba. A GVT era tão desejada que foi disputada a tapa por grandes empresas do mundo. Primeiro foi adquirida pelo grupo francês Vivendi. Depois os espanhóis da Telefônica compraram dos franceses a GVT. Quer dizer, compraram Amos. Tanto que no momento de fazer a fusão das duas, o CEO escolhido foi ele. O mundo dos negócios chama isso de “cultura reversa”, quando o comprado impõe seus valores ao comprador. O pequeno engole o grandão.

Economista, EX-CAPITÃO do exército de Israel, Amos consegue ser duro nas cobranças sem deixar de ser inspirador. É raro isso acontecer. Vai na contramão

do senso comum empresarial. Na GVT, montou um call center com 100% de funcionários próprios. Seu atendimento era melhor. Espalhou fibras óticas por todos os cantos, não economizou em excelência. Sua tecnologia era melhor.

Fundou a companhia em 1999, com R$ 100 mil de investimento. Dez anos depois vendeu-a para os franceses por R$ 7,2 bilhões. Em 2014, a GVT custou R$ 25 bilhões para os espanhóis. Em pouco tempo, Amos mostrou a que veio. Em um ano complicado para a economia como um todo e para o setor em geral, a Telefônica está com bons números. Deve ser a única das teles do país a apresentar aumento de receita em 2016. “Os resultados fortes só são possíveis porque temos uma equipe de executivos que trabalha em clima construtivo”, diz Amos. Neste ano, ele foi

eleito um dos melhores CEOs do país por headhunters ouvidos pela NEGÓCIOS.

Amos desembarcou na Telefônica Vivo com seu pequeno exército. A “República de Curitiba” se instalou em São Paulo. Um ano depois, apenas dois dos 18 integrantes da diretoria antiga permaneceram. Um deles é Christian Gebara, homem de confiança dos espanhóis. É o número 2 no Brasil. Amos costuma dizer que não há substituto para ele. O caso Cris Duclos (Amos não fala sobre isso) é um evidente desconforto interno, até porque carece de esclarecimentos. Segundo apurou Época NEGÓCIOS, se alguma auditoria investigou irregularidades na área de marketing, o resultado está trancado em um cofre. Apenas Amos Genish tem a chave.

Genish é um gênioSua empresa foi vendida duas vezes. E ele continua à frente do negócio

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epocanegocios.globo.com epocanegocios.globo.comOutubro 2016 Outubro 2016foto: Eduardo Knapp/Folhapress

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(como Lei Rouanet) da Vivo. Esse era um recurso ge-rido pelo setor de Cristina. “No início do ano tivemos problemas, quando Heloísa me comunicou que iria precisar da verba utilizada pela Vivo no patrocínio do torneio de tênis Brasil Open”, afirma Cris. Heloí-sa teria dito que usaria o montante (algo como R$ 3 milhões) para alguns projetos culturais. No limite do desentendimento, as duas combinaram envolver seus respectivos vice-presidentes na questão. Uma reunião foi marcada com Christian Gebara (chefe de Cris) e Giovane Costa (VP de Recursos Humanos, chefe de Helô). Dias antes do encontro, a reunião foi desmarcada. Cris conta que recebeu um e-mail de Giovane avisando que a verba do Brasil Open tinha nova dona. Nem houve tempo para retomar o assun-to. No mesmo período em que Cristina era demitida, Heloísa deixava a Vivo, oficialmente por um proble-ma de saúde. A empresa comenta: “Heloísa pediu de-missão em data separada, e isso se deu por questões pessoais”. NEGÓCIOS apurou, no entanto, que a ho-mologação das duas ocorreu no mesmo dia.

Enquanto era funcionária, Cristina cultivava uma boa relação com o CEO. No evento de unificação das marcas Vivo e GVT, em julho do ano passado, Amos apresentou Cris para 300 funcionários como “a me-lhor diretora de marketing do Brasil”. Desde 9 de ju-nho, isso mudou. O presidente de uma grande empresa sediada em São Paulo conta que recebeu um telefone-ma de Genish. Havia rumores que essa empresa esta-

ria sondando Cris Duclos. Amos tratou de dar espon-taneamente as referências sobre a ex-funcionária. No caso, as piores.

Em uma reunião de diretoria, que aconteceu alguns dias depois da demissão, segundo o jornal Valor, Amos comentou que Cristina havia sido demitida por ques-tões de compliance. Não é comum no mundo empresa-rial temas tão delicados serem tratados diante de muitas pessoas. Na Telefônica, mais incomum ainda. Há alguns anos, um funcionário foi flagrado na empresa em uma ilegalidade. O departamento inteiro foi demitido. E a notícia não vazou. Dessa vez, o contrário. A área de Cris Duclos foi preservada. E o tema virou assunto de padaria.

O caso ainda está longe de ter um desfecho. Segue correndo na Justiça do Trabalho uma ação movida por Cris Duclos de reintegração na Telefônica Vivo e abertura de sindicância para apurar a origem da boata-ria. Consultada se algo mudou, depois da admissão da Telefônica Vivo sobre as razões de sua demissão, Cris Duclos responde: “Só posso me pronunciar depois de consultar meus advogados”. Para se defender, o casal investiu pesado. Contratou um escritório para adminis-trar crises (Giusti Comunicação), advogados (Peixoto & Cury) e uma auditoria (Grant Thornton) que vai checar o patrimônio da família. A ironia da história é que uma auditoria dessas geralmente é contratada por empresas para se defender de acusações. Cris Duclos e Ricardo Chester são pessoas físicas, e ainda estão em busca de uma acusação formal e de um acusador.

9/6

A diretora de marketing

Cristina Duclos é demitida após 8

anos de Telefônica/Vivo. No mesmo dia, a diretora cultural,

Heloísa Genish, sai da empresa.

Heloísa é mulher do CEO, Amos Genish

25/7

Agência Reuters distribui a notícia

para o mundo. Rádio Jovem Pan faz um editorial

contundente, de 6 minutos. Descreve

o caso como um “petrolão

privado”

18/7

O jornal Valor Econômico

procura Cristina para comentar irregularidades

no departamento de marketing da

empresa

27/7

Com base na reportagem do Valor, a CVM

pede explicações para a Vivo sobre

auditoria e irregularidades.

A empresa nega existência

de auditoria externa e de

irregularidades

18/7

Cristina envia e-mail ao CEO da Vivo (e para outros membros

da diretoria) pedindo uma

declaração sobre a sua demissão.

Não obteve resposta

30/7

Cristina e Chester dão entrevista, refutam as acusações

e prometem contra-ataque jurídico

21/7

O blog de Fernando

Rodrigues publica post cifrado,

falando da demissão de uma diretora que teria desviado R$ 27 milhões de uma

telefônica. Horas depois, tira o post

do ar

9/8

A TV Bandeirantes mostra reportagem no Jornal da Band

dizendo que a investigação teria começado

após o CEO Amos Genish saber que

a funcionária tinha um terreno em

condomínio de luxo em SP

22/7

O jornalista Políbio Braga republica versão

completa de Fernando

Rodrigues, já com todos os personagens

nomeados: Cristina Duclos, Vivo mais agências Africa,

DPZ e Y&R

15/9

O casal anuncia a contratação de

uma auditoria para aferir o próprio

patrimônio. Cristina entra com uma ação de reintegração na Vivo/Telefônica

e pede uma sindicância para

averiguar os supostos desvios

22/7

Site O Antagonista

republica a versão de Políbio, com ênfase no repasse do desvio feito por

Nizan Guanaes, da Africa, para

Ricardo Chester, publicitário e

marido de Cristina

29/9

Primeira audiência de conciliação na 33ª

Vara Trabalhista de São Paulo quebra cláusula de

sigilo que impedia Cris Duclos de falar sobre a própria demissão. Ela

não foi demitida por justa causa e ainda recebeu

um ano a mais de salário para não trabalhar na

concorrência

24/7

O jornal Valor Eco-nômico publica a reportagem sobre irregularida-des no marketing da Vivo. Não men-

ciona valores de supostos desvios

UM ROMBO na maior empresa de telefonia do país, a suspeita sobre uma executiva premiada e o envolvimento de um dos grandes criativos do país já seriam suficientes para magnetizar a atenção do mercado publicitário. O “Caso Cris Duclos” fica ainda mais interessante pela cifra envolvida e pela quantidade de players envolvidos. Comprovadas irregularidades, a Vivo poderia reabrir a concorrência para escolher as agências que cuidam da conta anual estimada em mais de um bilhão de reais.

No ano passado, Young & Rubicam, DPZ&T e África venceram a concorrência. O mercado não acompanha os desdobra-mentos do caso somente de camarote. Tem torcedor inflamado, tem até torcida organizada ampliando ou tentando ame-nizar a força dos boatos. Nizan Guanaes é um dos que já paga o preço por ser amado e odiado no meio. Apesar de a suspeita não passar de uma suspeita, Nizan está sempre presente de alguma forma nos boatos mais picantes. “Se tivéssemos descoberto um centavo irregular você

acha que continuaríamos até agora com as três agencias?”, pergunta um alto exe-cutivo da Telefônica. Independentemente do desdobramento do caso, a agência Ha-vas, que já tem a conta da Telefônica em boa parte do mundo, deve aparecer em breve com uma parte da conta da Vivo. É pouco provável que o escândalo tenha sido gerado por publicitários malévolos em busca da conta bilionária, mas não há dúvidas de que o mercado pegou uma carona no caso para se beneficiar de eventuais reflexos.

O jogo do bilhão

Diário da crise

Mercado publicitário em frenesi: quem não quer um naco da conta da Vivo?

Da demissão de Cris Duclos até a audiência na Justiça, todos os lances do caso

pois, eles já estavam casados e morando em Curitiba. No comando da sua GVT, Amos empossou Heloísa, já com o sobrenome Genish, como presidente do Institu-to GVT. No ano passado, em São Paulo, ela se tornou diretora de Gestão Responsável e Sustentável da Tele-fônica Vivo. A partir dali, surgiu um certo desconfor-to de parte da diretoria, que não via nisso uma prática corporativa das mais saudáveis. Questionada sobre o assunto, a empresa diz que a “incorporação de Heloísa à empresa foi aprovada pela área de compliance”.

Nos primeiros tempos, a convivência com Cris Duclos foi pacífica, sem conflitos. Com o passar dos meses, Heloísa passou a se dedicar aos projetos cul-turais da Vivo e também se interessar por assuntos mais ligados ao marketing, justamente a área que Cristina comanda desde que entrou na empresa. No final de 2015, por exemplo, Heloísa pediu para parti-cipar da apresentação das agências que disputavam a conta da Vivo. A contragosto, Cristina topou. Em se-guida, Heloísa passou a disputar a verba incentivada

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