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Z Q Q Z a b a b b =0 A[X ] A A a, b A ab =0 a =0 b =0 a, b A a =0 b =0 ab =0 F = { f : R R | f } (f + g)(t)= f (t)+ g(t) (fg)(t)= f (t)g(t) 1 1 0 f (t),g(t) f (t),g(t) ∈F (fg)(t)=0 (fg)(t)=0 t R F c F d

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Page 1: Anéis e Corpos - Instituto de Matemática, …engler/ma673_2_2010.pdfQuestão 7. Sejam F e K dois corpos e θ : F → K um homomor smo de anéis (A propósito, um corpo é um anel,

Anéis e Corpos

Polinômios, Homomor�smos e Ideais

Observe que há uma relação natural entre o anel Z dos inteiros e o corpo Q dos racionais que

pode ser traduzida na a�rmação Q é o menor corpo onde todo elemento não nulo de Z tem inverso.

Um corpo com essa propriedade é chamado de Corpo de Frações. Estamos acostumados a tomar

as fraçõesa

b, com a e b inteiros, b 6= 0, que não percebemos que o corpo de frações tem que ser

construído de forma cuidadosa para que as contas funcionem bem.

Até agora os anéis que estudamos estão dentro de um corpo e por isso podemos formar suas frações

sem nenhum cuidado, como no caso dos inteiros e dos racionais. Mas vamos formalizar melhor isso

para casos onde o corpo não é tão evidente. Por exemplo, onde estão as frações de A[X], anel de

polinômios com coe�cientes em um anel A?

Antes de mostrarmos a construção do corpo de frações precisamos por em evidência uma pro-

priedade que alguns anéis têm e que permite a construção do corpo de frações.

De�nição. Dizemos que um anel A é um domínio de integridade se valer propriedade: ∀a, b ∈ A

se ab = 0, então a = 0 ou b = 0.

Dois elementos a, b de um anel A tais que a 6= 0, b 6= 0, mas ab = 0 são chamados de divisores de

zero.

Vários exemplos de anel têm divisores de zero. Em geral isso acontece nos anéis de funções; por

exemplo, o conjunto de todas as funções F = { f : R → R | f função } com a soma e o produto

usuais de funções: (f + g)(t) = f(t) + g(t) e (fg)(t) = f(t)g(t) é um anel onde o 1 é a função

constante de valor 1 e, analogamente, o 0 é a função constante de valor zero. Nesse anel encontramos

facilmente exemplos de funções f(t), g(t) que não são nulas mas cujo produto é a função nula.

Questão 1. Encontre exemplos f(t), g(t) ∈ F , não nulos, cujo produto (fg)(t) = 0 (essa igual-

dade quer dizer: (fg)(t) = 0 para todo t ∈ R).

Podemos obter também exemplos desse tipo em Fc, conjunto das funções contínuas, e em Fd,

conjunto das funções diferenciáveis. Encontre exemplos nesses casos.

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Corpo de Frações.

Seja A um domínio de integridade e tomemos M = { (a, b) | a, b ∈ A com b 6= 0 }. Em M podemos

de�nir soma e produto de pares de maneira natural:

(a, b) + (c, d) = (ad + bc, bd) e (a, b)(c, d) = (ab, cd).

Claro que os pares (a, b) são os candidatos a frações a/b. Mas temos que lidar com pares que

representem a mesma fração. Por exemplo, se A = Z e M = { (a, b) | a, b ∈ Z, b 6= 0 } muitos pares

representarão a mesma fração, como no caso (1, 2), (2, 4), (3, 6), (25, 50), e assim por diante. Todos

eles representam �um meio�. Logo não podemos tomar diretamente os pares como sendo as frações.

Precisamos identi�car pares que representem a mesma fração. No exemplo acima os pares (1, 2),

(2, 4), (3, 6), (25, 50) e todos os outros do tipo (n, 2n) devem ser �tornados iguais.� Fazemos isso

atravéz de uma relação de equivalência.

Em M vamos de�nir uma relação de equivalência da seguinte forma:

(a, b) ' (c, d) ⇔ ad = bc.

Essa relação é baseada no fato de que dois pares representarão a mesma fração se forem equiva-

lentes.

Questão 2. Veri�que que ' é uma relação de equivalência, isto é, que é re�exiva, simétrica, e

transitiva.

Vamos a seguir colocar operações nas classes de equivalência. Para isso vamos veri�car que dados

(a1, b1), (a2, b2), e (c1, d1), (c2, d2) em M as seguintes condições valem:

se

(a1, b1) ' (c1, d1) e

(a2, b2) ' (c2, d2)então

(a1b2 + a2b1, b1b2) ' (c1d2 + c2d1, d1d2) e

(a1a2, b1b2) ' (c1c2, d1d2)(♠)

Isto é, estamos veri�cando que somando-se e multiplicando-se pares equivalentes obtemos os mesmos

resultados.

Questão 3. Demonstre que valem as relações (♠) acima.

Vamos agora denotar K = M/ '. Isto é K é o conjunto das classes de equivalência de M . Dado

um par (a, b) ∈ M denotamos sua classe em K por (a, b). Por exemplo (0, 1) = { (a, b) ∈ M | a = 0 };

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(1, 1) = { (a, b) ∈ M | a = b 6= 0 } (lembrar que o anel A tem um �1� e um �0�). Queremos que K

seja um corpo. Em K as duas classes acima (0, 1) e (1, 1) vão ser o �0� e o �1� do corpo K.

Podemos agora de�nir soma e produto em K sem maiores di�culdades, graças as relações (♠).

(a, b) + (c, d) = (ad + bc, bd) e (a, b) (c, d) = (ac, bd).

Questão 4. Demonstre que a soma é associativa, comutativa, tem (0, 1) como �zero� e que cada

elemento tem um negativo. Fazer o mesmo com a multiplicação: é associativa, comutativa, tem (1, 1)

com �1� e é distributiva em relação a soma.

Mostre �nalmente que se (a, b) 6= 0 = (0, 1), então (a, b) (b, a) = (1, 1). Isto é, mostre que K é

um corpo.

Observe agora que a função Θ : A → K de�nida por a 7→ (a, 1) é injetiva e preserva as operações

de A e K, mais precisamente, Θ(a + b) = Θ(a) + Θ(b) e Θ(ab) = Θ(a)Θ(b), quaisquer que sejam

a, b ∈ A. Θ é o que chamamos de um homomor�smo. De qualquer forma podemos identi�car A com

{ (a, 1) | a ∈ A }.

Tomemos agora um elemento qualquer de K, (a, b), e vamos decompo-lo da seguinte maneira:

(a, b) = (a, 1) (1, b). Temos também que (1, b) = (b, 1)−1. Logo (a, b) = (a, 1) (b, 1)

−1= Θ(a)Θ(b)−1.

Ou se preferirmos (a, b) =Θ(a)

Θ(b). Como Θ é injetiva podemos fazer uma identi�cação Θ(x) = x para

cada x ∈ A. Como isso temos que (a, b) =a

b. Temos assim K = { a

b| a, b ∈ A, b 6= 0 } é o corpo de

frações de A.

Exemplos:

(a) Q é o corpo de frações de Z.

(b) Q(√

2) é o corpo de frações de Z[√

2].

(c) Q(i) é o corpo de frações de Z[i].

Demonstrações. Veri�quemos que a a�rmação do item (b) acima é correta. Pela nossa con-

strução o corpo de frações de Z[√

2] seria formado pelas frações, com denominador 6= 0, do tipo

a + b√

2

c + d√

2=

(a + b√

2)(c− d√

2)

(c + d√

2)(c− d√

2)=

(ac− 2bd) + (bc− ad)√

2

c2 + 2d2=

(ac− 2bd)

c2 + 2d2+

(bc− qd)

c2 + 2d2

√2.

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Como(ac− 2bd)

c2 + 2d2,

(bc− qd)

c2 + 2d2∈ Q resulta

a + b√

2

c + d√

2∈ Q(

√2),

como queríamos. Isso mostra que o corpo de frações de Z[√

2] está contido em Q(√

2). Para vermos

a outra inclusão sejam m, n, r, s ∈ Z, com n, s 6= 0 e tomemos

z =m

n+

r

s

√2 ∈ Q(

√2). Trabalhando um pouco temos z =

m

n+

r

s

√2 =

ms + rn√

2

ns + 0√

2

que está no corpo de frações de Z[√

2]. Logo vale a�rmação do item (b).

O item (c) é semelhante e �ca como exercício.

Outros exemplos particularmente interessante são os seguintes:

(a) Seja F um corpo. O corpo de frações de F [X] é dado por

F (X) =

{f(X)

g(X)

∣∣∣ f(X), g(X) ∈ F [X], g(X) 6= 0

}.

(b) Seja Z[X] o anel de polinômios com coe�cientes inteiros. Então Q(X) é seu corpo de frações.

Isso vale mais geralmente: dado um domínio de integridade A com corpo de frações K temos

que K(X) é o corpo de frações de A[X].

(c) Seja F um corpo e t1, . . . tn n indeterminadas sobre F . O anel dos polinômios em n variáveis

sobre F é dado por

F [t1, . . . tn] ={

f(t1, . . . , tn) =∑

ai1,...,inti11 · · · tinn∣∣∣ ai1,...,in ∈ F

}.

Seu corpo de frações é dado por

F (t1, . . . , tn) =

{ϕ(t1, . . . , tn) =

f(t1, . . . , tn)

g(t1, . . . , tn)

∣∣∣ g(t1, . . . , tn) 6= 0

}.

Os corpos F (X) e F (t1, . . . tn) são chamados de corpos de funções racionais em n variáveis. O

primeiro caso ocorre se n = 1.

Questão 5. Faça a veri�cação da a�rmação do item (b) acima.

Antes de prosseguirmos vamos introduzir um novo conceito que já apareceu na construção do

corpo de frações.

De�nição. Seja A e B dois anéis. Dizemos que uma função θ : A → B é um homomor�smo (de

anéis) se as seguintes condições forem veri�cadas:

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1. ∀ a, b ∈ A, θ(a + b) = θ(a) + θ(b);

2. ∀ a, b ∈ A, θ(ab) = θ(a)θ(b);

3. θ(1) = 1.

• No axioma (3) acima estamos dizendo que θ transforma o �1� de A no �1� de B.

• Compare essa de�nição com a de�nição de transformação linear entre dois espaços vetoriais.

• Decorre desses três axiomas que θ(−x) = −θ(x), para todo x ∈ A e θ(0) = 0, onde aqui

também o primeiro zero é o 0 ∈ A e o segundo é o 0 ∈ B, que podem ser bem diferentes.

Um homomor�smo θ : A → B é chamado de injetivo, ou monomor�smo se a função θ for

biunívoca; é chamado de sobrejetivo se a função θ for sobrejetiva e é chamado de isomor�smo se a θ

for bijetiva (novamente compare com as transformações lineares entre espaços vetoriais).

Aqui também estudamos o núcleo de um homomor�smo. Dado um homomor�smo θ : A → B,

chamamos de núcleo de θ: notação N(θ)

N(θ) = {x ∈ A | θ(x) = 0 }.

Por outro lado, a imagem da função θ dentro de B é denotado por Im(θ) e é um subanel de B

(compare com as transformações lineares).

Questão 6. Mostre que o N(θ) tem as seguintes propriedades:

1. 0 ∈ N(θ).

2. ∀x, y ∈ N(θ), vale que x + y ∈ N(θ).

3. ∀x ∈ N(θ) e a ∈ A, vale que ax ∈ N(θ).

Um subconjunto I de um anel A que tenha as três propriedades do último exercício é chamado

de ideal de A.

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Questão 7. Sejam F e K dois corpos e θ : F → K um homomor�smo de anéis (A propósito,

um corpo é um anel, não é?). Mostre que N(θ) = { 0 } (lembrar que todo elemento não nulo tem

inverso).

Questão 8. Para um homomor�smo θ : A → B mostre que θ é injetivo se e somente se N(θ) =

{ 0 } (compare com transformações lineares).

No exercício anterior vimos que todo homomor�smo θ : F → K entre dois corpos é injetivo.

Nesse caso dizemos que K é uma extensão de F .

Questão 9. Sejam F ⊂ C um corpo e α ∈ C. Considere a função θ : F [X] → C dada por

θ(h(X)) = h(α), para todo polinômio h(X). Mostre que

1. θ é um homomor�smo de anel.

2. θ é injetiva se e somente se nenhum polinômio h(X) ∈ F [X] se anular em α (h(α) 6= 0, para

todo h(X) ∈ F [X]). Nesse caso dizemos que α é transcendente sobre sobre F . Observe que

nesse caso imagem de θ = {h(α) | h(X) ∈ F [X] } é um subanel de C que é isomorfo a F [X].

Em outras palavras, podemos �colocar� F [X] dentro de C. Por exemplo, no caso de F = Q e

α = π temos que Q[X] é isomorfo ao subanel {h(π) | h(X) ∈ Q[X] } de C e podemos considerar

que Q[X] está contido em C.

3. Suponha agora que existe polinômio f(X) ∈ F [X], não constante, tal que f(α) = 0 (nesse caso

dizemos que α é algébrico sobre F ). Mostre que nesse caso tomado-se p(X) como um polinômio

de menor grau que se anula em α vamos ter que o núcleo de θ é o ideal (p(X)) = {h(X) ∈

F [X] | p(X) | h(X) } (queremos dizer que h(α) = 0 se e somente se p(X) | h(X)).

Dica. Use o algorítimo de Euclides para dividir h(X) por p(X) e observe que o resto da divisão

tem grau menor que o grau de p(X).

4. Para α e p(X) como no item anterior, mostre que p(X) é irredutível. (p(X) é chamado de

polinômio mínimo de α sobre F .

5. Para p(X) e α como no exercício anterior seja n = gr p(X). Queremos descrever a imagem

Im(θ).

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(a) Mostre que Im(θ) = { f(α) | f(X) ∈ F [X] e gr f(X) < n } = { ao+a1b+ · · ·+an−1bn−1 |

ao, a1, . . . , an ∈ F }.

Dica. Use a divisão euclidiana por p(X) para mostrar que para todo h(X) ∈ F [X] existe

f(X) ∈ F [X] com gr f(X) < n tal que θ(h(X)) = θ(f(X)).

Observação. Nesse caso denotamos Im(θ) por F (α).

(b) Im(θ) = F (α) é um espaço vetorial de dimensão n sobre F .

Dica. Lembrar que p(X) é o polinômio de menor grau em F [X] tal que p(α) = 0.

(c) Im(θ) = F (α) é um corpo.

Dica. Observe que o único problema é mostrar que todo z ∈ F (α), z 6= 0 tem inverso

em F (α). Como z ∈ F (α) é da forma f(α) com f(X) ∈ F [X] e gr f < gr p, e p(X)

é irredutível (item 4), f(X) e p(X) são relativamente primos. Logo um MDC de f(X)

e p(X) é 1 e assim, pelo Teorema de Bezout, existem u(X), v(X) ∈ F [X] tais que 1 =

f(X)u(X) + p(X)v(X). Logo 1 = f(α)u(α). Como queremos um inverso na forma r(α),

com gr r(X) < n = gr p(X) tomamos o resto r(X) ∈ F [X] da divisão euclidiana de u(X)

por p(X). Assim r(α) ∈ F (α) é o inverso multiplicativo de z.

6. Aplique o que vimos no último item no caso F = Q e α = 3√

2. Encontre o polinômio mínimo

de 3√

2 e o corpo Q( 3√

2).

Anéis de Polinômios e o Teorema de Gauss

Vamos voltar ao estudo dos anéis de polinômios A[X] com coe�cientes em um anel dado A. Já vimos

que se A é um corpo, então A[X] é euclidiano. Vamos continuar nosso estudo considerando agora o

caso em que A é fatorial.

Teorema de Gauss. Se A é um domínio fatorial, então A[x] também é fatorial.

Esse resultado é muito útil no estudo de anéis de polinômios. Antes de falarmos de uma demons-

tração vamos ver sua principal consequência.

Consequência Se A é fatorial, então A[X1, . . . , Xn] também é fatorial. De fato, basta lembrarmos

que A[X1, X2] = B[X2], onde B = A[X1]. Como A é fatorial, resulta do Teorema de Gauss que B é

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fatorial e portanto B[X2] também é fatorial. Podemos ir repetindo esse argumento �n vezes� e assim

concluir que A[X1, . . . , Xn] é fatorial.

Exemplos que conhecemos de anéis fatoriais são: Z e portanto Z[X], Z[X,Y ], Z[X1, . . . , Xn],

K[X], onde K é um corpo, pois nesse caso K[X] é euclidiano. Logo K[X, Y ], K[X1, . . . , Xn] também

são fatoriais. Portanto temos muitos fatoriais.

Vamos a seguir discutir os irredutíveis dos anéis de polinômios.

Exemplos de irredutíveis de Z[X]:

Questão 10. Todo irredutível de Z é irredutível de Z[X], por exemplo, 2, 3, −7, etc,

Questão 11. Mais geralmente, se A é um anel fatorial, mostre que todo irredutível de A é

irredutível de A[X].

Questão 12. Veri�que que X, X + 1, ou 2X + 3 são irredutíveis de Z[X].

Observação. Um fato importante é que Z[X] não é euclidiano. Realmente se fosse euclidiano

um MDC de 2 e X seria 1, pois os dois são irredutíveis e não são associados (veri�car que Z[X]× =

Z× = { 1,−1 }). Vimos que em um anel euclidiano o MDC de dois elementos é uma combinação

linear desses dois elementos, isto é, se Z[X] fosse euclidiano existiriam elementos f(X), g(X) ∈ Z[X]

tais que 1 = 2f(X) + Xg(X). Como essa é uma igualdade em Z[X], é uma igualdade entre funções,

logo substituindo-se a indeterminada X por 0 a igualdade continua valendo: 1 = 2f(0). Mas isso é

impossível, pois f(0) é inteiro (o termo independente de f(X)).

Já vimos um teorema que diz que todo anel euclidiano é um anel fatorial. No exemplo acima

estamos vendo que não vale a recíproca desse teorema. Nem todo anel fatorial é um anel euclidiano.

Logo a propriedade da fatoração única, embora importantíssima, é mais fraca que a propriedade de

existir a divisão euclidiana.

Vamos agora voltar aos anéis fatoriais e ao Teorema de Gauss. Seja A um anel fatorial e K seu

corpo de frações. Vamos escrever A[x] ⊂ K[x] uma vez que colocamos A dentro de K. Iniciamos

com a de�nição de MDC de uma família �nita de elementos.

De�nição. Dados a1, . . . , am em um anel A dizemos que d ∈ A é um MDC de a1, . . . , am se

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1. d|a1, d|a2, . . . , d|am.

2. Se e ∈ A também tiver a propriedade e|a1, e|a2, . . . , e|am, então e|d.

Assim um MDC é um divisor comum de a1, . . . , am que é divisível por todos os outros divisores

comuns. Dizemos também que a1, . . . , am são relativamente primos se 1 for um MDC de a1, . . . , am.

Observe que três elementos, como 6, 15, 17 podem ser relativamente primos, mas dois deles como 6

e 15 não serem. O que não existe é um número que divida os três ao mesmo tempo e seja diferente

de 1 e −1.

De�nição. Seja f(X) = ao+a1X+a2X2+· · ·+anX

n ∈ A[X] um polinômio não nulo. Chamamos

de conteúdo de f(X), e denotamos por c(f), a um MDC dos coe�cientes ao, a1, a2 . . . , am de f(X).

Repare que dado f(X) = ao + a1X + a2X2 + · · ·+ anX

n vamos ter para cada 0 ≤ i ≤ n, bi ∈ A tal

que ai = c(f)bi. De�nindo-se f1(X) = bo + b1X + b2X2 + · · ·+ bnX

n temos que f(X) = c(f)f1(X) e

c(f1(X)) = 1.

Quando um polinômio tem conteúdo igual a 1 dizemos esse polinômio é primitivo. No caso acima

f1(X) é primitivo e acabamos de ver que todo polinômio f(X) satisfaz f(X) = c(f)f1(X), com

f1(X) primitivo.

Como o conteúdo de f(X) é obtido como o MDC dos coe�cientes de f(X) ele é único no sentido

de que se d também é um MDC dos coe�cientes de f(X), então d e c(f) são associados (d = uc(f),

com u ∈ A×).

Observe também que se g(X) for um polinômio primitivo, e d ∈ A, for não nulo, então c(dg(X)) =

d.

Seja A um anel fatorial e f(X) ∈ A[X]. Seja c(f) = p1 · · · pn a fatoração do conteúdo de f(X)

em irredutíveis de A. Então já temos uma parte da fatoração de f(X) em irredutíveis de A[X], pois

f(X) = p1 · · · pnf1(X) e agora só falta fatorar o f1(X) que é primitivo.

Questão 13. Seja A um anel fatorial. Mostre que um polinômio que não é primitivo não pode

ser irredutível em A[X].

Questão 14. Sejam K o corpo de frações de A e f(X) ∈ A[X] primitivo. Se f(X) for irredutível

em K[X], então f(X) também é irredutível em A[X].

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Dado um domínio de fatoração única A, a�rmamos que os polinômios irredutíveis de A[X], que

não sejam constantes, são do tipo p(X), onde p(x) é primitivo e é irredutível em K[X], onde K é o

corpo de frações de A.

Teorema[Gauss] Sejam A um domínio fatorial e K seu corpo de frações.

(a) Todo p ∈ A irredutível é também um irredutível em A[X].

(b) Se f(X) ∈ A[X] é não constante, então f(X) é irredutível em A[X] se e somente se f(X) é

primitivo e irredutível em K[X].

(c) Sejam f(X), g(X) ∈ A[X], primitivos. Então f(X) e g(X) são associados em A[X] se e

somente se f(X) e g(X) são associados em K[X].

(d) Dados f(X), g(X) ∈ A[X], temos que c(f(X)g(X)) = c(f(X))c(g(X)). Em particular, se

f(X) e g(X) são primitivos, então f(X)g(X) também é primitivo.

O teorema da página 7 e o teorema acima são atribuídos a Gauss. Por eles sabemos que A[X]

é fatorial, para um domínio de fatoração única A, e temos uma descrição dos irredutíveis de A[X].

Os itens (c) e (d) também são elucidativos sobre o comportamento dos polinômios de A[X] e são

necessários para a demonstração do teorema da página 7.

A demonstração do teorema acima pode ser lida em Garcia-Lequain, pg. 54 e a demonstração do

teorema da página 7 está na pg. 56, do mesmo livro.

Vamos a seguir estudar melhor as raízes de um polinômio f(X) ∈ A[X], onde A é um anel fatorial.

Nossa primeira propriedade é a seguinte:

Teorema. Sejam A um anel fatorial e f(X) ∈ A[X], não constante e com coe�ciente dominante

1 (polinômios com a propriedade de ter coe�ciente dominante 1 são chamados de mônicos). Seja

também K o corpo de frações de A. Se existir α ∈ K tal que f(α) = 0, então α ∈ A.

Estamos dizendo que as raízes de um polinômio mônico com coe�cientes em A que estiverem em

K, estão de fato em A.

Demonstração. Sejam f(X) = ao + a1X + a2X2 + · · ·+ Xn ∈ A[X] e α ∈ K uma raiz de f(X).

Escreve α = c/d, com c, d ∈ A. Podemos simpli�car a fração e assumir que c e d são relativamente

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primos (a�nal estamos trabalhando com um anel fatorial). Logo

0 = f( c

d

)= ao + a1

c

d+ a2

c2

d2+ · · ·+ an−1

cn−1

dn−1+

cn

dn.

Multipliquemos essa igualdade por dn e obtemos

0 = aodn + a1cd

n−1 + a2c2dn−2 + · · ·+ an−1c

n−1d + cn.

Até aqui nada de anormal. Para termos α ∈ A é necessário que d ∈ A×. Vamos supor por absurdo

que d 6∈ A×. Logo exite um irredutível p ∈ A que divida d. Mas então p divide aodn + a1cd

n−1 +

a2c2dn−2 + · · · + an−1c

n−1d e como cn = −(aodn + a1cd

n−1 + a2c2dn−2 + · · · + an−1c

n−1d), vamos ter

que concluir que p divide cn e assim p divide c. Mas isso contradiz nossa escolha de tomar c e d

relativamente primos. Conclusão não há irredutíveis dividindo d o que signi�ca que d ∈ A× e α ∈ A,

como queríamos.

q.e.d.

Questão 15. Modi�que a demonstração acima para um polinômio não mônico f(X) = ao +

a1X +a2X2 + · · ·+anX

n ∈ A[X] mostrando que se α = c/d ∈ K, com c e d relativamente primos, for

uma raiz de f(X) então d|an e c|ao. Esse é um resultado que aprendemos no colegial para polinômios

com coe�cientes em Z que tenham raiz em Q. Vemos agora que o resultado vale em todo domínio

fatorial.

De�nição. Seja A um domínio de integridade e K seu corpo de frações. Dizemos que A é

um domínio integralmente fechado se para todo polinômio mônico f(X) ∈ A[X] valer a seguinte

propriedade: se f(α) = 0 com α ∈ K, então α ∈ A.

Na demonstração acima mostramos que todo anel fatorial é integralmente fechado.

Exemplo de anel não integralmente fechado. Tomemos Z[√−3] que tem Q(

√−3) como corpo

de frações. Observe o polinômio Φ3(X) = X2 + X + 1 ∈ Z[X] ⊂ Z[√−3][X]. É mônico e tem

−1 +√−3

2∈ Q(

√−3) como raiz. Mas

−1 +√−3

26∈ Z[

√−3] (veri�que como exercício).

Observe agora que demonstramos que todo anel fatorial é integralmente fechado. Como Z[√−3]

não é integralmente fechado podemos concluir que Z[√−3] não é um anel fatorial. Logo também

não é euclidiano (para nenhuma função ϕ).

11

Page 12: Anéis e Corpos - Instituto de Matemática, …engler/ma673_2_2010.pdfQuestão 7. Sejam F e K dois corpos e θ : F → K um homomor smo de anéis (A propósito, um corpo é um anel,

Vamos terminar este estudo com o critério de Eisenstein para anéis fatoriais. Esse citério permite

veri�car de forma simples que um polinômio não constante é irredutível. Essa é outra vantagem de

saber-se que um domínio A é fatorial.

Critério de Eisenstein [Garcia-Lequain, Teorema III.2.8, pg. 71] Sejam A um anel fatorial e

f(X) = ao +a1X + · · ·+anXn ∈ A[X], um polinômio não constante. Se existir um irredutível p ∈ A

tal que p 6 |an, p|a1, . . ., p|ao e p2 6 |ao, então f(X) é irredutível em K[X], onde K é o corpo de frações

de A.

Observe que se f(X) for primitivo, então f(X) também é irredutível em A[X], mas como não

sabemos isso a priori, só podemos garantir a irredutibilidade de f(X) no anel K[X], onde todas as

constantes são unidades.

Exemplo: Seja f(X, Y ) = (X +1)Y 5 +(X2−1)Y 3 +(X2−3X +2)Y 2 +(X2 +X−2) ∈ Z[X, Y ].

Olhando-se f(X, Y ) = g(Y ) ∈ A[Y ], onde A = Z[X] é um anel fatorial. Vemos que os coe�cientes

de g(Y ) em A são X + 1,X2 − 1, X2 − 3X + 2, X2 + X − 2, e 0 (zero) que são os coe�cientes de

Y 4 e Y . Temos que X − 1 ∈ A é irredutível, não divide o coe�ciente de Y 5, divide todos os outros

coe�cientes e (X − 1)2 6 |(X2 + X − 2). Logo pelo critério de Eisenstein esse polinômio é irredutível

em K[Y ], onde K = Q(X) é o corpo de frações de A. Como esse polinômio é primitivo, ele é também

irredutível em A[Y ] = Z[X, Y ].

Observe que se tomarmos (X2 − 2)f(X, Y ) esse polinômio não é mais irredutível em A[Y ]. Mas

ele continua irredutível em K[Y ], pois X2 − 2 é invertível em K (lembrar quem é K).

Questão 16. Veri�que se os seguintes polinômios de Z[X] são irredutíveis:

X7 − 6; 3X4 + 6X3 − 2X + 10.

Podemos aplicar Eisenstein em 5X7 + (1 + i)X2 − 2 ∈ A[X], com A = Z[i]?

Ideais e Congruências

Vamos retomar o estudo de homomor�smos de anel e ideais. Vamos recordar a de�nição de ideal.

De�nição. Um subconjunto I de um anel A é chamado de ideal de A se

1. 0 ∈ I.

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Page 13: Anéis e Corpos - Instituto de Matemática, …engler/ma673_2_2010.pdfQuestão 7. Sejam F e K dois corpos e θ : F → K um homomor smo de anéis (A propósito, um corpo é um anel,

2. ∀x, y ∈ I, vale que x + y ∈ I.

3. ∀x ∈ I e a ∈ A, vale que ax ∈ I.

Observe inicialmente que a de�nição de ideal é semelhante a de�nição de subespaço vetorial.

Podemos construir facilmente ideais em um anel dado.

De�nição. Sejam A um anel, a1, . . . , an ∈ A e seja I = a1A+a2A+ · · ·+anA = { a1x1+ · · · anxn |

x1, . . . , xn ∈ A }. Veremos que I é um ideal de A e dizemos que I é o ideal gerado por a1, . . . , an.

Vamos veri�car que I é um ideal de A. Inicialmente temos que 0 = a10 + · · · an0 ∈ I. Dados x =

a1x1+· · · anxn e y = a1y1+· · · anyn dois elementos de I, então x+y = a1(x1+y1)+· · · an(xn+yn) ∈ I.

Também para a ∈ A temos que ax = a1(ax1) + · · · an(axn) ∈ I. Logos as três propriedades estão

demonstradas.

No caso particular em que n = 1 dizemos que I é um ideal principal. Essa é outra propriedade

que os domínios euclidianos têm.

Teorema do Ideal Principal Seja A um anel Euclidiano com uma função ϕ. Para todo ideal

I ⊂ A existe d ∈ I tal que I = { dx | x ∈ A }. Mais ainda, se d′ também satisfaz a propriedade

I = { d′x | x ∈ A }, então d′ ∼ d.

Demonstração. Observemos que se I = { 0 }, então I = 0A e o resultado vale (veri�que que

{ 0 } é sempre um ideal). Para um ideal I 6= { 0 } de A tomemos I = {ϕ(x) | x ∈ I, x 6= 0 }. Como

estamos assumindo que existe x 6= 0 em I o conjunto I não é vazio e tem um menor elemento. Seja

d ∈ I tal que ϕ(d) é o menor elemento de I. A�rmamos que I = dA. Por um lado, como d ∈ I

temos que dA = { dx | x ∈ A } ⊂ A pela propriedade (3) dos ideais (ver de�nição acima). Veja que

vale a outra inclusão. Para todo y ∈ I o Algorítimo de Euclides garante que existe q, r ∈ A tais que

y = dq + r e r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(d). Observe que r = y − dq ∈ I, devido as propriedades (2) e (3)

dos ideais. Se r 6= 0 vamos ter uma contradição pois, nesse caso, ϕ(r) ∈ I, mas ϕ(r) < ϕ(d). Logo

r = 0 e y ∈ dA, mostrando que vale I ⊂ dA. Logo I = dA, como a�rmado.

Suponhamos agora que d′A = I = dA, com d′ ∈ A. Observe que d = d · 1 ∈ dA e d′ = d′ · 1 ∈ d′A.

Portanto d | d′ e d′ | d. q.e.d

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Page 14: Anéis e Corpos - Instituto de Matemática, …engler/ma673_2_2010.pdfQuestão 7. Sejam F e K dois corpos e θ : F → K um homomor smo de anéis (A propósito, um corpo é um anel,

Vemos assim que em anéis como Z, K[X], onde K é um corpo, Z[i] seus ideias são todos

principais. Ideais principais são a forma mais simples possível para um ideal não nulo.

De�nição. Dizemos que um anel é um domínio de ideias principais se todos os seus ideais são

principais.

Acabamos de ver que todo domínio euclidiano é um domínio de ideais principais. Não vale da

outra direção, isto é, existem exemplos de anéis que são domínio de ideais principais mas não são

euclidianos. Demonstrar esse fato porém, não é nada fácil.

Questão 17. Seja A um anel, a, b ∈ A e tomemos o ideal aA + bA = { ax + by | x, y ∈ A }.

(a) Suponhamos que exista d ∈ A tal que dA = aA + bA. Mostre que d é um MDC de a e b.

(b) Seja A um domínio de ideais principais e p ∈ A um irredutível. Mostre que para b ∈ A se p - b,

então o ideal pA + bA = A. Isto é um MDC de p e b é 1 e p e b são relativamente primos.

(c) Em um domínio de ideais principais um irredutível p tem a propriedade: para a, b ∈ A, se

p | ab, então p | a ou p | b.

Dica. Use o item anterior.

(d) Mais geralmente, nas condições do item anterior se um irredutível p divide um produto x1 · · ·xn,

com x1, . . . , xn ∈ A, então p | xi, para algum 1 ≤ i ≤ n.

Observação. Para um domínio de ideais principais A o item (a) da questão acima mostra que

todo par a, b ∈ A tem MDC d e que esse MDC pode ser escrito na forma d = ta + sb, com t, s ∈ A.

Um resultado igual ao Teorema de Bezout que foi demonstrado para anéis Euclidianos.

O item (c) dessa questão mostra que um irredutível de um domínio de ideais principais, também

tem a propriedade forte: se p | ab, então p | a ou p | b. Vamos ver em seguida que um domínio de

ideais principais é fatorial.

Teorema da Fatoração Única Todo domínio de ideais principais é um domínio de fatoração

única.

Demonstração. Demonstra-se a unicidade como no caso Euclidiano usando o exercício anterior.

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Page 15: Anéis e Corpos - Instituto de Matemática, …engler/ma673_2_2010.pdfQuestão 7. Sejam F e K dois corpos e θ : F → K um homomor smo de anéis (A propósito, um corpo é um anel,

A existência da fatoração em irredutíveis já é mais trabalhosa. Suponhamos que existe a ∈ A

tal que a 6= 0, a /∈ A×, e a não admite fatoração em irredutíveis. Logo a não pode ser irredutível

de A e portanto existem b, c ∈ A tais que a = bc e b, c 6∈ A×. Vemos agora que um dos dois,

b ou c, não pode admitir fatoração em irredutíveis (de A). Chamemos a1 a esse elemento. Logo

a1 tem as mesmas propriedade que a: a1 /∈ A×, e a1 não admite fatoração em irredutíveis. Por

outro lado a1 | a. Chamemos ao = a e temos então que aoA & a1A. De fato a1 é igual a b ou c,

b, c /∈ A×, e bc = ao. Logo ao e a1 não são associados e portanto não acontece a igualdade aoA = a1A.

Vemos que para i = 0, 1 temos que ai /∈ A×, ai não admite fatoração em irredutíveis, e aoA & a1A.

Repetimos agora o raciocínio inicial com a1: não pode ser irredutível e fatora-se na forma a1 = xy

onde x, y /∈ A× e pelo menos um dos dois não admite fatoração em irredutíveis de A. Chamamos de

a2 a esse elemento que não tem fatoração e obtemos para ele que: a2 /∈ A×, a2 não admite fatoração

em irredutíveis, e a1A & a2A. Vamos repetindo esse procedimento e construímos uma sequência

ao, a1, . . . , an, an+1, . . . , tal que ai /∈ A×, ai não admite fatoração em irredutíveis e aiA & ai+1A,

para todo i ≥ 0. Seja agora

I =⋃i≥0

aiA.

Do fato de termos uma cadeia aoA & a1A & · · · anA & an+1A & · · · vamos obter que I + I ⊂ I.

Como para cada x ∈ I existe i ≥ 0 tal que x ∈ aiA vamos ter que cx ∈ I, para todo c ∈ A.

Como é claro que 0 ∈ I podemos concluir que I é um ideal de A. Mas A é um domínio de ideais

principais, logo existe d ∈ A tal que I = dA. Devido a construção de I, existe i ≥ 0 tal d ∈ aiA.

Mas então I = dA ⊂ aiA ⊂ I, resultando que I = aiA. Olhando agora para ai+1A temos que

I = aiA ⊂ ai+1A ⊂ I. Logo aiA = I = ai+1A, contradizendo a forma com que a sequência foi

construída. Logo a hipótese: �existir a ∈ A tal que a 6= 0, a /∈ A×, e a não admite fatoração

em irredutíveis� é falsa, ou melhor, todo a ∈ A tal que a 6= 0, a /∈ A×, e a admite fatoração em

irredutíveis de A.

q.e.d.

Voltemos ao exemplo Z[√−5] das Notas 1 que vimos ser não fatorial pois 2×3 = 6 = (1+

√−5(1−

√−5) são duas fatorações distintas de 6. Vamos escrever somente O = Z[

√−5] para simpli�car a

notação.

Tomemos o ideal d = 2O+(1+√−5)O. Vejamos inicialmente que d 6= O. De fato se d = O, então

existiriam α, β ∈ O tais que 1 = 2α + (1 +√−5)β ∈ d. Multiplicando-se essa equação por 1−

√−5

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vamos obter 1 −√−5 = 2(1 −

√−5)α + 6β = 2((1 −

√−5)α + 3β), mostrando que 2 | (1 −

√−5),

oque não acontece. Logo d 6= O. Mais geralmente, se existisse δ ∈ O tal que δO = d, isto é, se d

fosse principal, então δ seria um MDC de 2 e 1 +√−5, mas veri�ca-se (fazer como exercício) que

os únicos divisores comuns de 2 e 1 +√−5 são as unidades µ ∈ O× = { 1,−1 }. Portanto d não

é principal. Observemos que em relação aos ideais principais 2O e (1 +√−5)O d tem as seguinte

propriedade:

• 2O ⊂ d e (1 +√−5)O ⊂ d;

• se um ideal I de O também satis�zer as condições 2O ⊂ I e (1 +√−5)O ⊂ I, então d ⊂ I.

Por essa razão d é considerado o MDC dos ideais 2O e (1+√−5)O. Possivelmente por essa razão

os ideais receberam esse nome. Originariamente eram chamados de �números ideias� pois embora

não sendo um número, um ideal fazia o papel de número, como no exemplo acima. Na verdade nos

chamados Domínios de Dedekind temos que todo ideal se fatora de maneira única em ideais primos,

em uma forte analogia com os domínios fatoriais.

Questão 18. Vamos ver agora alguns exercícios básico sobre ideais. Nas questões abaixo teremos

sempre que A e B são anéis e A ⊂ B é um subanel de B.

1. Dados a, b ∈ A, mostre que aA ⊂ bA se e somente se b | a. Mais ainda, aA = bA, se e somente

se a ∼ b. Por causa disso, dados dois ideais I e J de A, dizemos que I | J (I divide J) se J ⊂ I.

2. Dados dois ideais I e J de A, mostre que I ∩ J e I + J = {x + y | x ∈ I, y ∈ J} também são

ideais de A.

Mostre também que em relação a divisibilidade de ideais de�nida no item anterior temos: I∩J

é o mínimo multiplo comum de I e J e I + J é o máximo divisor comum de I e J .

3. Dados dois ideais I e J de A de�nimos o produto deles como IJ = {∑n

t=1 atbt | n ≥

1, e para todo i, ai ∈ I, bi ∈ J }. Isto é, IJ é o conjunto de todas as somas de produtos

de um elemento de I por um elemento de J . Mostre que IJ é um ideal de A e que IJ ⊂ I ∩ J .

4. Dados três ideais I, J e U de A, mostre que I(J+U) = IJ+IU (observe que IJ+IU ⊂ J+U).

5. Usando o exercício anterior mostre para dois ideais I e J de A que (I ∩ J)(I + J) ⊂ IJ .

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Page 17: Anéis e Corpos - Instituto de Matemática, …engler/ma673_2_2010.pdfQuestão 7. Sejam F e K dois corpos e θ : F → K um homomor smo de anéis (A propósito, um corpo é um anel,

6. Dado um ideal I de A de�nimos o radical de I como√

I = { a ∈ A | an ∈ I, para algum n ≥ 1 }.

Por exemplo, para A = Z e I = pmZ, onde p é irredutível e m > 1 temos que√

I = pZ. Mostre

que√

I é um ideal de A.

7. Dado um ideal I de A de�nimos J = IB = {∑n

t=1 atbt | n ≥ 1, e para todo i, ai ∈ I, bi ∈ B }.

Mostre que IB é um ideal de B. Esse ideal é chamado de extensão de I à B.

8. Dado um ideal J de B, mostre que J ∩ A é um ideal de A.

Dê um exemplo de dois anéis A ⊂ B (A subanel de B) onde A não é corpo e existe ideal não

nulo J de B tal J ∩ A = { 0 }.

9. Mostre que um domínio que só tem dois ideais distintos é um corpo.

10. Seja θ : A → B um homomor�smo de anéis. Mostre que para cada ideal J de B, θ−1(J) é um

ideal de A. Observe que θ−1(J) contém o núcleo de θ.

Será que podemos também dizer: �para cada ideal I de A, θ(I) é um ideal de B�?

Questão 19. Mostre que Z[X, Y ] e K[X, Y ], com K corpo, não são domínios de ideais principais.

Conclua disso que não existe função ϕ que possa tornar esses anéis em domínios euclidianos. Observe

contudo que esses anéis são fatoriais.

Congruências módulo um ideal

Recordemos que �xado um inteiro n ∈ Z de�nimos que dois inteiros a, b ∈ Z são congruentes módulo

n (notação: a ≡ b (mod n)), se n | (a − b). Congruência é uma relação de equivalência (re�exiva,

simétrica e transitiva) e preserva operações, isto é:

se a ≡ b (mod n) e c ≡ d (mod n), então a + c ≡ b + d (mod n) e ac ≡ bd (mod n). (∗)

O conjunto das classes de equivalência é usualmente denotado por Zn e costumamos tomar para um

sistema completo de restos módulo n o conjunto { 0, 1, . . . , n − 1 }. Também costumamos escrever

Zn = { 0, 1, . . . , n− 1 }. Mais geralmente para cada m ∈ Z de�nimos m = r caso r seja o resto da

divisão de m por n.

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Page 18: Anéis e Corpos - Instituto de Matemática, …engler/ma673_2_2010.pdfQuestão 7. Sejam F e K dois corpos e θ : F → K um homomor smo de anéis (A propósito, um corpo é um anel,

Do fato das operações serem preservadas pela relação de equivalência (as equações (∗) acima)

obtemos em Zn operações de�nidas por

a + b = a + b e a b = ab.

Podemos veri�car que Zn com as operações acima é um anel. Um anel desse tipo é chamado de anel

quociente.

Vamos agora estender esse processo a um ideal qualquer de um anel.

De�nição. Sejam A um anel, I um ideal de A, e a, b ∈ A. De�nimos a ≡ b (mod I) se e somente

se a− b ∈ I.

Observe que a relação a ≡ b (mod n) é o mesmo que a− b ∈ nZ. Como Z é um domínio de ideais

principais as congruências módulo ideais são a mesma coisa que as congruências módulo elementos.

Para um anel A que não é um domínio de ideais principais as as congruências módulo ideais são mais

gerais.

Questão 20. Veri�que que a classe de equivalência de um elemento a ∈ A é dada por a = a + I,

isto é, b ≡ a (mod I) se e somente se b = a + c, para algum c ∈ I. Então a + I = { b ∈ A | b ≡ a

(mod I) }.

No caso dos inteiros temos que m = m + nZ e as n − 1 classes distintas são dadas por 0 + nZ,

1 + nZ, . . . , (n− 1) + nZ.

De�nição. Para A e I como na de�nição anterior chamamos de anel quociente de A por I ao

conjunto das classes de equivalência

A/I = { a = a + I | a ∈ A }

com as operações dadas por

a + b = a + b e a b = ab,

quaisquer que seja a, b ∈ A, como no caso dos inteiros.

Também aqui as operações são preservadas pela relação de equivalência, isto é,

se a ≡ b (mod I) e c ≡ d (mod I), então a + c ≡ b + d (mod I) e ac ≡ bd (mod I). (∗∗)

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Page 19: Anéis e Corpos - Instituto de Matemática, …engler/ma673_2_2010.pdfQuestão 7. Sejam F e K dois corpos e θ : F → K um homomor smo de anéis (A propósito, um corpo é um anel,

Por causa disso as operações de soma e produto que de�nimos estão bem de�nidas, isto é, a cor-

respondência + : A/I × A/I → A/I que associa a cada par (a, b) o elemento a + b é uma função.

Igualmente a correspondência · : A/I × A/I → A/I que associa a cada par (a, b) o elemento ab

também é uma função. Essas funções binárias (em duas variáveis) de�nem duas operações que tor-

nam A/I um anel, com podemos veri�car facilmente. É igualmente imediato que a correspondência

π : A → A/I dada por π(a) = a é uma função e é um homomor�smo sobrejetivo de anéis cujo núcleo

é exatamente o ideal I.

Vamos agora relacionar homomor�smos de anel com anel quociente. O resultado que veremos é

chamado de �Teorema do Isomor�smo.�

Seja θ : A → B um homomor�smo de anel (recordar a de�nição de homomor�smo na página 4).

Tomemos o anel quociente A/N(θ), onde N(θ) é o núcleo de θ (ver de�nição de N(θ) na página 5

e também a Questão (6)). De�nido-se Θ : A/N(θ) → B como Θ(a) = θ(a) obtemos que Θ é uma

função, é um homomor�smo e é injetivo, e ainda Θ◦π = θ. Vemos assim que todo homomor�smo de

anel pode ser decomposto na composição de um homomor�smo sobrejetivo com um homomor�smo

injetivo.

Temos ainda que N(π) = N(θ) e N(Θ) = { 0 } (ver Questão (8), página 6). Mais ainda Im(Θ) =

Im(θ).

Podemos então concluir que Θ é um isomor�smo entre A/I e o subanel Im(θ). (ver item (1) da

Questão (21), logo abaixo).

De�nição. Dizemos que um homomor�smo de anel ϕ : A → B é um isomor�smo se ϕ for uma

função bijetora. Nesse caso escrevemos A ' B.

Observação. Se a coleção de todos os anéis fosse um conjunto a relação de isomor�a ' de�nida

acima seria um relação de equivalência. Contudo ela tem as três propriedades: re�exiva, simétrica e

transitiva.

Questão 21.

1. Seja θ : A → B um homomor�smo de um anel. Demonstre que a imagem de θ = Im(θ) = θ(A)

é um subanel de B. Queremos mostrar que Im(θ) é um anel em relação a restrição das operações

de B.

2. Sejam θ : A → B e ϕ : B → C dois homomor�smos de anel. Demonstre que ϕ ◦ θ : A → C é

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um homomor�smo de um anel.

3. Seja ϕ : A → B um isomor�smo de anéis. Demonstre que ϕ−1 : B → A é um homomor�smo

de anel (portanto um isomor�smo).

De�nição. Dado um anel A, dizemos que um elemento a ∈ A é um divisor próprio de zero se

a 6= 0 e existe b ∈ A, b 6= 0 tal que ab = 0. Claro que o elemento b dessa de�nição também é um

divisor próprio de zero.

Questão 22. O exemplo mais simples de anel com divisores próprios de zero é obtido fazendo-se o

produto cartesiano de dois anéis. Sejam A e B dois anéis e tome C = A×B com operações de�nidas

coordenada a coordenada: (a, b)+(a′, b′) = (a+a′, b+b′) e (a, b)(a′, b′) = (aa′, bb′). Encontre divisores

próprios de zero em C.

Questão 23. Considere os anéis quocientes de Z. Isto é, Zn = Z/nZ. Demonstre para esses

anéis vários fatos não usuais:

• Se n não é irredutível, então Zn tem divisores próprios de zero.

• Encontre valores para n de forma a temos a 6= 0 e a 2 = 0. Mais geralmente podemos ter a 6= 0

e a r = 0, com r ≥ 2. Elementos desse tipo são chamados de nilpotentes.

• Encontre as unidades de Zn. Mais precisamente demonstre que Z×n = { r | 1 ≤ r ≤ n− 1 e r

é relativamente primo com n }.

Podemos então concluir duas coisas:

(a) o número de elementos de Z×n , ou melhor a ordem de Z×

n é igual a ϕ(n) = indicador de Euler

de n que por de�nição é exatamente o número de inteiros no intervalo 1 ≤ r < n que que são

primos com n.

(b) Se n é irredutível Z×n = Zn r { 0 } e Zn é um corpo.

Dado p ∈ Z um irredutível, vamos denotar o corpo Zp por Fp. Esse corpos também são conhecidos

como �corpos de Galois� (também são denotados por GF (p), do inglês 'Galois Fields').

Observe a gora que como Fp é um corpo o anel Fp[X] é euclidiano e portanto tem propriedades

análogas às do anel Q[X]. Em particular Fp[X] é fatorial, assim como também são fatoriais os anéis

Fp[X1, . . . , Xn], pelo Teorema de Gauss.

20

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Como consequência de Fp[X] ser fatorial temos que todo polinômio f(X) ∈ Fp[X] tem no máximo

gr f(X) raízes. Esse foi o fato que usamos na Questão 22 da página 20 das Notas 1 para concluir

que o polinômio X2k + 1 tinha que ter raízes em Fp e como consequência disso que existia c ∈ Z tal

que c2 ≡ −1 (mod p).

Podemos agora reformular aquelas a�rmações dizendo que �se p ≡ 1 (mod 4), então o polinômio

X2 + 1 ∈ Fp[X] tem rais em Fp.�

Vamos a seguir examinar como o estudo do quociente de um anel por um ideal pode ser útil no

estudo da resolução de equações polinomiais.

Na verdade os homomor�smo são a melhor maneira para determinar quem é um anel quociente.

O matemático J. J. Rotman costumava dizer: �deixe que os homomor�smos trabalhem para voce.�

Vejamos como fazer isso:

1. Seja o polinômio irredutível f(X) = X3 − 5 ∈ Q[X] (Eisenstein). Quem é o anel quociente

Q[X]/f(X)Q[x]? Neste exemplo simples tomamos α ∈ C uma raiz de f(X); α = 3√

5 ∈ R,

por exemplo. De�nimos θ : Q[X] → C como θ(h(X)) = h(α). Veri�camos que θ é um

homomor�smo de anéis com núcleo N(θ) = f(X)Q[X]. Logo, pelo Teorema do Isomor�smo,

Q/(f) ' Imθ. Vamos denotar a imagem de θ por Q(α) e determiná-la de forma mais precisa.

Usando o algorítimo de Euclides vemos que para cada h(X) ∈ Q[X] existem q(X), r(X) ∈ Q[X]

tais que h(X) = f(X)q(X) + r(X), onde r(X) = 0 ou gr r(X) < 3. Assim h(α) = r(α).

Isso mostra que podemos trabalhar somente com polinômios de grau ≤ 2. Logo Q(α) =

{ ao + a1α + a2α2 | ao, a1, a2 ∈ Q }. Observe que o corpo Q(α) pode ser de�nido de forma

absoluta (sem usar θ) como a interseção de todos os subcorpos de C que contém α.

2. Um exemplo mais complexo. Seja I = 5Z[X]+h(X)Z[X], onde h(X) = X3+2X−1. Tomamos

primeiro θ : Z[X] → F5[X] de�nida como

θ(ao + a1X + · · ·+ anXn) = ao + a1X + · · ·+ anX

n,

onde a = a+5Z é a classe de restos de a módulo 5. Veri�ca-se facilmente que θ é um homomor-

�smo sobrejetivo de anéis. Veri�camos em seguida que N(θ) = 5Z[X]. Logo Z[X]/5Z[X] '

F5[X] (estudaremos mais adiante ideais primos e veremos que 5Z[X] é um ideal primo de Z[X]

pois o quociente é um domínio de integridade, mas não era isso que estamos procurando.)

Veri�camos agora que h(X) = X3 + 2X − 1 ∈ F5[X] é irredutível (não tem raízes em F5, basta

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Page 22: Anéis e Corpos - Instituto de Matemática, …engler/ma673_2_2010.pdfQuestão 7. Sejam F e K dois corpos e θ : F → K um homomor smo de anéis (A propósito, um corpo é um anel,

calcular h(a) para cada a). Como no item anterior F5[X]/h(X)F5[x] ' F5(α), para alguma raiz

α de h(X) escolhida em um fecho algébrico de F5. Seja ϕ : F5[X] → F5(α) o homomor�smo

de�nido com no item anterior: ϕ(g(X)) = g(α), para todo g(X) ∈ F5[X]. Temos que ϕ é

sobrejetivo e N(ϕ) = h(X)F5[X]. Tomemos em seguida a composição ϕ ◦ θ : Z[X] → F5(α) e

veri�camos que o núcleo de ϕ ◦ θ é o ideal I. Usando a descrição F5(α) = { ao + a1α + a2α2 |

ao, a1, a2 ∈ F5 }, como no item anterior, podemos veri�car que F5(α) é um corpo com 53

elementos. (De�niremos mais adiante ideal maximal e veremos que I é um ideal maximal de

Z[X] pois Z[X]/I ' F5(α), é um corpo.)

Motivados pelos exemplos acima vamos agora ver que em alguns casos podemos determinar

propriedades do anel quociente a partir de propriedades do ideal. Vamos introduzir dois ideais

especiais.

De�nição. Seja A um anel e I um ideal de A.

(primo) Dizemos que I é primo se dados a, b ∈ A tais que ab ∈ I, então a ∈ I ou b ∈ I.

(maximal) Dizemos que I é maximal, se toda vez que I ⊂ J ⊂ A, onde J é também um ideal de A, resultar

que J = I ou J = A.

Questão 24. Vejamos a seguir alguns exercícios envolvendo as de�nições acima.

1. Demonstre que um ideal I de um anel A é primo se e somente se A/I for um domínio de

integridade. Isto é, A/I não tem divisores próprios de zero.

2. Demonstre que um ideal I de um anel A é maximal se e somente se A/I for um corpo. (Sugestão:

se I é maximal observe que para todo a ∈ A, a /∈ I temos o ideal I+aA que contém propriamente

I).

3. Mostre que todo ideal maximal é um ideal primo.

4. Sejam A e B anéis com B ⊂ A um subanel de A. Dado um ideal primo J de B, mostre que

J ∩ A é um ideal primo de A.

5. Seja A um anel e P um ideal primo de A. Demonstre os seguintes fatos:

(a) Se I e J são ideais de A tais que IJ ⊂ P , então I ⊂ P ou J ⊂ P . Lembrar que também

dizemos P | IJ quando IJ ⊂ P . Logo P | IJ implica que P | I ou P | J .

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Page 23: Anéis e Corpos - Instituto de Matemática, …engler/ma673_2_2010.pdfQuestão 7. Sejam F e K dois corpos e θ : F → K um homomor smo de anéis (A propósito, um corpo é um anel,

(b) Demonstre a recíproca do item anterior. Isto é, se P um ideal de A tal que se IJ ⊂ P ,

para ideais I, J de A, resulta que I ⊂ P ou J ⊂ P , então P é primo.

(c) Sejam I1, . . . , In ideais de A. Se I1 ∩ · · · ∩ In ⊂ P , então existe 1 ≤ t ≤ n tal que It ⊂ P .

6. Mostre que em um domínio de ideais principais todo ideal primo é maximal. Em particular

isso é verdade em todo domínio Euclidiano.

7. Mostre que em um domínio de fatoração única A o ideal pA, com p ∈ A um irredutível de A,

é um ideal primo. Por outro lado mostre que existem domínios de fatoração única onde temos

ideais primos que não são maximais.

8. Sejam I e J dois ideais de um anel A.

(a) Mostre que a função θ : A → (A/I) × (A/J) de�nida por θ(a) = (a + I, a + J) é um

homomor�smo de anéis que tem I ∩ J como núcleo. Logo, pelo Teorema do Isomor�smo,

temos um homomor�smo injetivo Θ : A/(I ∩ J) → (A/I) × (A/J), como descrito na

página 7.

(b) θ não é sobrejetiva em geral. Mas se assumirmos uma condição adicional podemos obter

a sobrejetividade e como consequência que Θ será um isomor�smo.

De�nição. Dizemos que dois ideais I e J de um anel A são co-maximais se I + J = A.

Assumindo-se que I e J são co-maximais obtemos a sobrejetividade de θ. De fato, seja

(a1 + I, a2 + J) ∈ (A/I) × (A/J). Como I + J = A, existem b1 ∈ I e b2 ∈ J tais que

1 = b1 + b2. Seja c = a1b2 + a2b1 ∈ A. Observe que c − a1 = a1(b2 − 1) + a2b1 ∈ I e

igualmente c− a2 ∈ J . Portanto θ(c) = (c + I, c + J) = (a1 + I, a2 + J).

(c) A condição de I e J serem co-maximais tem outra consequência: I ∩ J = IJ . Podemos

interpretar esse fato dentro da aritmética dos ideais da seguinte maneira: se I e J são

relativamente primos (pois I + J = A, ou MDC de I e J é A), então o mínimo múltiplo

comum deles é igual a seu produto, isto é, I∩J = IJ . De fato, sempre vale que IJ ⊂ I∩J .

Para mostrar a outra inclusão usamos o item (5) da Questão 18, página 16.

(d) O resultado acima pode ser generalizado para uma família �nita de ideais de A: sejam

I1, . . . , In ideais de A, dois a dois co-maximais, i.e., It + Is = A sempre que t 6= s. Mostre

que dados a1, a2, . . . , an ∈ A existe c ∈ A tal que c ≡ at(modIt), para todo t = 1, . . . , n.

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Page 24: Anéis e Corpos - Instituto de Matemática, …engler/ma673_2_2010.pdfQuestão 7. Sejam F e K dois corpos e θ : F → K um homomor smo de anéis (A propósito, um corpo é um anel,

Portanto a função dada por Θ(a + (I1 ∩ · · · In)) = (a + I1, a + I2, . . . , a + In) induz um

isomor�smo A/(I1 ∩ · · · In) ' A/I1 × A/I2 × · · ·A/In.

Dica.Mostre primeiro, por indução, que o fato de I1, . . . , In serem dois a dois co-maximais

implica que I1 ·I2 · · · In = I1∩· · ·∩In. O caso n = 2 é o item (c) acima. Assumindo-se que

vale para n− 1 temos I1 · I2 · · · In−1 = I1 ∩ · · · ∩ In−1. A�rmamos agora que I1 · I2 · · · In−1

e In são co-maximais. De fato, para cada 1 ≤ t ≤ n− 1 existem ut ∈ It e vt ∈ In tais que

1 = ut + vt. Logo u = u1u2 · · ·un−1 = (1− v1)(1− v2) · · · (1− vn−1) = 1− v, para algum

v ∈ In. Logo 1 = u + v ∈ I1 · I2 · · · In−1 + In e assim I1 · I2 · · · In−1 + In = A. Agora é só

usar o caso n = 2 e a hipótese de indução para demonstrar o resultado com n ideais.

Observação. O argumento acima demonstra que se I1, . . . , In são dois a dois co-maximais,

então I1 · · · It−1 · It+1 · · · In + It = A, para todo t = 1, . . . , n.

Para obter o c ∈ A tal que c ≡ at(mod It) siga a seguinte receita: tome bt ∈ I1 · · · It−1 ·

It+1 · · · In e dt ∈ It tais que bt+dt = 1, para todo t = 1, . . . , n (observado acima). Tomamos

�nalmente c = a1b1 + · · · anbn e veri�camos que c− at ∈ It, para todo t = 1, . . . , n.

Esse resultado é conhecido como �Teorema Chines de Restos.� Em particular se A = Z

e tomamos It = atZ onde a1, . . . , an ∈ Z são dois a dois primos entre si, então para toda

sequência z1, . . . , zn ∈ Z existe z ∈ Z tal que z ≡ zt(mod at), para todo t = 1, . . . , n.

Mais ainda se z′ for outra solução desse sistema de congruências (z′ ≡ zt(mod at), para

todo t = 1, . . . , n), então z′ ≡ z (mod a), onde a = a1 · · · an (uma espécie de unicidade da

solução).

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