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1 ÂNGELA APARECIDA BATISTA CONVERSANI A PRESENÇA DO FOLHETIM NA MINISSÉRIE INCIDENTE EM ANTARES MARÍLIA 2008

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ÂNGELA APARECIDA BATISTA CONVERSANI

A PRESENÇA DO FOLHETIM NA MINISSÉRIE INCIDENTE EM ANTARES

MARÍLIA

2008

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ÂNGELA APARECIDA BATISTA CONVERSANI

A PRESENÇA DO FOLHETIM NA MINISSÉRIE INCIDENTE EM ANTARES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Marília-SP – UNIMAR, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação. Linha de pesquisa: Ficção na mídia Orientadora: Profa. Dra. Lúcia Correia Marques de Miranda Moreira

MARÍLIA

2008

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA – UNIMAR

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E TURISMO

REITOR:

MÁRCIO MESQUITA SERVA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

COORDENADORA: PROFª. DRª. ROSANGELA MARÇOLLA

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO:

MÍDIA E CULTURA

LINHA DE PESQUISA:

FICÇÃO NA MÍDIA

ORIENTADORA:

PROFª. DRª. LÚCIA CORREIA MARQUES DE MIRANDA MOREIRA

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AGRADECIMENTOS

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RESUMO

Nesta dissertação, pretendemos estudar a presença do folhetim na

minissérie Incidente em Antares (1994), adaptada por Charles Peixoto e Nelson

Nadotti e baseada no romance homônimo de Erico Veríssimo. Podemos notar a

presença de traços folhetinescos na minissérie, principalmente, pela inclusão de

duas duplas românticas formadas pelos personagens Pudim de

Cachaça/Erotildes e Pedro Paulo/Valentina, os quais atenuam a trama principal

cujo foco é o fato de sete pessoas não poderem ser enterradas graças a uma

greve geral deflagrada na cidade de Antares. Portanto, é possível verificar que os

autores optaram por incluir elementos folhetinescos na minissérie com o objetivo

de conquistar o telespectador, que poderia rejeitar a minissérie, se somente fosse

mostrada a crítica à sociedade antarense feita pelos mortos insepultos.

Palavras-chave: minissérie televisiva; folhetim; Érico Veríssimo; Incidente em

Antares; adaptação.

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ABSTRACT

In this dissertation, we intend to study the presence of the feuilleton in the

television mini-series Incidente em Antares (1994), written by Charles Peixoto and

Nelson Nadotti and based on the homonymous novel by Erico Veríssimo. We can

note the presence of feuilleton traces in the television mini-series, mainly, by the

inclusion of two romantic couples formed by the characters Pudim de

Cachaça/Erotildes and Pedro Paulo/Valentina, who attenuate the main story

whose focus is the fact that seven people can‟t be buried due to a general strike

set off in the city of Antares. Therefore, it is possible to verify that the authors

chose to include feuilleton elements on the television mini-series with the objective

of conquering the televiewer, who could reject the television mini-series if it was

only shown the critique to Antares‟ society done by unburied dead people.

Keywords: television mini-series; feuilleton; Erico Veríssimo; Incidente em

Antares; adaptation.

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Cabe observar, [...] que o termo „folhetim‟ oferece sentidos vários. De início, designa nos jornais franceses, assediados pela imprensa napoleônica, um espaço destinado ao entretenimento: o rodapé da página ─ [...]. Ali, publicam-se todas as matérias cobertas, a princípio, pelas rubricas „Variedades‟ ou „Miscelânea‟, mais tarde substituídas por „Folhetim‟. Crônicas leves, cartas, crônicas mundanas, mas também resenhas de livros, de peças teatrais ou óperas. Na década de 1840, a palavra „folhetim‟, sempre designando aquele mesmo espaço fixo, vai denominar também uma grande invenção jornalística com propósito de aumentar os lucros, aguçando a curiosidade e a fidelidade do leitor: a publicação de romances em picadinhos, dia após dia, com o promissor: „continua amanhã‟. Logo se descobre a fórmula que requer o corte, a suspensão, o suspense, as necessárias repetições para quem perdeu um pedaço. Está criado o célebre romance-folhetim, com alguns títulos até hoje familiares, como Os três mosqueteiros, Os mistérios de Paris e O Conde de Monte Cristo. Será também romance de muitas lágrimas, emoções, sustos, amores contrariados ou forçados, filhos trocados, pais perdidos ─ em suma, o „avô‟ da telenovela. Ao mesmo tempo, designa a forma de publicação seriada, a ser adotada pela maioria dos editores, por conveniência econômica, para todo e qualquer romance. Marlyse Meyer

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .....................................................................................................09

I. ÉRICO VERÍSSIMO: O ESCRITOR, O TRADUTOR........................................16

1. A vida de Érico Veríssimo.................................................................................17

2. Produções literárias e traduções.......................................................................23

II. O UNIVERSO DO FOLHETIM..........................................................................30

1. O romance folhetim francês..............................................................................31

2. O romance folhetim no Brasil............................................................................42

III. TELEDRAMATURGIA BRASILEIRA: AS MINISSÉRIES.................................48

1. Minisséries: conceituação e formatos...............................................................49

2. Obras adaptadas do escritor gaúcho: minisséries, novelas e filmes.................64

3. Narrativas audiovisuais em Érico Veríssimo – releitura do real........................68

IV. MARCAS DO FOLHETIM NA MINISSÉRIE INCIDENTE EM ANTARES........72

1. Traços do folhetim no universo dos mortos.......................................................73

2. Elementos folhetinescos no mundo dos vivos...................................................87

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................99

REFERÊNCIAS...................................................................................................104

ANEXOS .............................................................................................................108

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INTRODUÇÃO

Sempre achei que o menos que um escritor pode fazer numa época de violências e injustiças como a nossa é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão propícia aos ladrões e assassinos. Segurar a lâmpada a despeito da náusea e do resto. Érico Veríssimo

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A ficção se insere no processo comunicacional como um recurso. Ela migra

de um campo cultural para outro e dialoga com várias linguagens: literatura,

cultura oral, cultura popular de massa, produção audiovisual, entre outras.

As formas de comunicação e de transmissão de cultura são várias –

cinema, telenovela, propaganda, videoclipes – a força dessas modalidades

midiáticas está na imagem, que é poderosa e tem um impacto muito grande de

significação, pois comporta uma carga visual que se comunica imediatamente,

sem necessidade, às vezes, de palavras. A imagem tem seus próprios códigos de

interação com o espectador. Assim, o texto escrito é um recurso auxiliar que

ajuda na complementação dessa significação.

Essas tecnologias produtoras de imagens alteram sensivelmente a maneira

de ver o mundo, de senti-lo, interagir com ele e de representá-lo por meio da

literatura e da arte. De tal forma que a técnica cinematográfica e a dinâmica de

suas imagens em movimento influenciam a técnica narrativa literária. Por outro

lado, houve desde o início, uma influência sobre o cinema, com o aproveitamento

de textos ficcionais na narrativa cinematográfica.

Tomando-se por base as considerações expostas acima, acreditamos ser

plausível a realização de um estudo que aborde a análise comparativa que se

pretende realizar entre o romance Incidente em Antares, de Érico Veríssimo e a

minissérie homônima, adaptada por Charles Peixoto e Nelson Nadotti para o

canal de TV aberta, a Rede Globo. Há, na minissérie, especificidades e

particularidades que fazem parte da dinâmica dos campos de cada um dos

formatos narrativos (literário e o audiovisual, especificamente o tele-ficcional), e

existem algumas alterações na transposição da palavra para a tela de maneira a

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permitir que o modelo tele- ficcional, neste caso, transforme-se em verdadeira

recriação. Desse modo, surgiu o desejo de analisar como a arte cinematográfica

exprime, via formas audiovisuais, uma das mais famosas obras do romancista

gaúcho Érico Veríssimo.

O objetivo central do presente trabalho é rastrear a presença do modelo

folhetinesco nos dois universos que se configuram na narrativa televisiva, ou seja,

no mundo dos mortos, representado pela dupla de personagens Pudim de

Cachaça-Erotildes (Gianfrancesco Guarnieri e Marília Pêra), e no mundo dos

vivos, através do par amoroso Pedro Paulo-Valentina (Alexandre Borges e Valéria

Monteiro).

Além da obra Incidente em Antares, temos notícia de que outro romance de

Veríssimo foi adaptado para a televisão: Olhai os lírios do campo (1938), que foi

transformado em novela do horário das seis, escrita por Geraldo Vietri e Wilson

Rocha, no ano de 1980. No entanto, enfatizamos que nossa escolha recaiu sobre

Incidente em Antares porque, além da facilidade de se encontrar a versão tele -

ficcional que é muito maior, uma vez que o DVD da minissérie foi lançado

recentemente, se trabalhássemos com a novela, certamente as dificuldades para

se conseguir os capítulos seriam enormes e, além disso, acreditamos que o

romance selecionado oferece mais possibilidades analíticas.

Sendo assim, julgamos que, nos dias atuais, a comunicação incorporou de

forma significativa a imagem e o som com o rádio, a televisão e o cinema. A

ficção adaptada para os meios de comunicação passa a fazer parte do

telespectador. Particularmente, interessa-nos a adaptação para a televisão. Neste

caso, o espectador projeta-se no universo televisivo. A televisão molda o seu

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imaginário e contribui para o diálogo de várias culturas. Firma-se, assim, como

linguagem universal e diminui as distâncias entre os idiomas e entre as classes

sociais.

Enquanto um romancista tem à sua disposição a linguagem verbal, com

toda a sua riqueza metafórica, um roteirista ou autor de textos para televisão lida

com diferentes materiais de expressão: imagens visuais (em movimento),

linguagem verbal oral (diálogo), sons não verbais (efeitos sonoros) e a música.

Todos esses materiais podem ser manipulados de diversas maneiras, portanto, a

diferença entre os dois meios não se reduz à diferença entre linguagem escrita e

a imagem visual. Levando-se em conta os fatos expostos, o presente trabalho

propõe-se a fazer um estudo da adaptação feita para a televisão da obra do

escritor gaúcho, por Peixoto e Nadotti, ressaltando o modo pelo qual o folhetim é

retomado na recriação televisiva.

A obra de Érico Veríssimo não tem simplesmente a intenção de contar a

história de sete pessoas que, numa sexta-feira, 13 de Dezembro, amanhecem1

mortas e, devido a uma greve de coveiros, não podem ser enterradas, decidindo,

então, retornar à cidade para reivindicar seus direitos, mas ao contrário, o autor

tece no livro um verdadeiro painel sócio-político do país. Seu mapeamento

1 Na realidade, abre-se um novo horizonte para os personagens.

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abrange mais de cem anos e atreve-se a acompanhar as marchas e

contramarchas da política nacional. Publicado em 1971, Incidente em Antares se

enquadra no estilo modernista não só pelas inúmeras referências a fatos e

pessoas da época atual, como também pela presença de ingredientes que

configuram, no livro, o gosto modernista. Portanto, a questão central é mostrar

aos leitores/espectadores dados que permitam tomar consciência sobre fatos que

realmente fazem parte da história da sociedade brasileira, numa época em que a

ditadura imperava e os escritores eram censurados e não se tinha nenhuma

liberdade de expressão. Desse modo, pela boca dos mortos, Érico Veríssimo

consegue dizer muitas verdades que de outro modo impediriam a circulação do

romance. Vale ressaltar que Veríssimo pode ter se inspirado na obra Memórias

póstumas de Brás Cubas (1881), na qual o narrador também é um defunto e

dessa maneira privilegiada, também pode narrar e se desnudar, já que não tem

mais nada a perder. Há, sem dúvida, uma relação intertextual entre essas duas

obras.

Procuraremos estudar a contribuição do dialogismo entre literatura e

televisão para a visão da comunicação midiática, destacando de que forma os

adaptadores se valem da fórmula do folhetim para recriar a história de Antares

para a televisão.

Para atingir nosso objetivo, dividimos o trabalho em quatro capítulos. No

primeiro, enfocamos a vida do escritor Érico Veríssimo, suas obras e os textos de

autores estrangeiros que ele traduziu.

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No segundo capítulo, tratamos do romance folhetim surgido na França, no

século XIX, até aportar em terras brasileiras e se tornar o modelo por excelência

das obras exibidas pela televisão.

A teledramaturgia brasileira e, em especial, as minisséries, a sua

conceituação e os seus formatos são discutidos no terceiro capítulo. Também

tecemos um comentário geral sobre o modelo folhetinesco presente nas referidas

minisséries e algumas particularidades sobre a transposição do romance

Incidente em Antares para a narrativa audiovisual.

Finalmente, no quarto capítulo, vamos levantar elementos que comprovam

a existência do modelo do folhetim nas ações vivenciadas pelos seguintes

personagens: Pudim de cachaça – Erotildes e Pedro Paulo – Valentina.

Ressaltamos que, no romance, verifica-se a quase total inexistência de

traços folhetinescos, uma vez que a obra faz uma crítica severa à sociedade de

Antares (que pode ser interpretada como uma crítica à sociedade brasileira), na

qual a corrupção, o crime e a impunidade são os elementos mais destacados.

Assim, observa-se que os adaptadores procuraram adequar o texto literário para

agradar ao público, oferecendo-lhe um produto que mantém as características

das telenovelas, pois, por mais ousado ou diferente que seja o assunto tratado, a

presença do par romântico é imprescindível.

Enfim, a fórmula do folhetim parece inesgotável e garantia da aceitação e

aprovação do telespectador em todos os formatos televisivos e as minisséries não

são exceção à regra, pelo contrário, necessitam também desta estrutura que veio

da França e instalou-se no Brasil e é, até o momento, um dos requisitos básicos

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para que um produto televisivo ─ novela ou minissérie ─ possa garantir seu

sucesso junto ao público.

Finalmente, na última parte do trabalho denominada anexos, apresentamos

um quadro que pretende elencar todas as minisséries exibidas pela Rede Globo

até a presente data (2008) e também algumas fotos extraídas da minissérie

Incidente em Antares, as quais ilustram o emprego do recurso do folhetim e

também de alguns aspectos sobrenaturais que são explorados na

transcodificação televisiva.

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I. ÉRICO VERÍSSIMO: O ESCRITOR, O TRADUTOR

Ler Érico Veríssimo é essencial para a compreensão da mentalidade brasileira.

Moacir Scliar Érico entregou-se à ficção, em geral e histórica, à literatura infanto-juvenil, a livros de viagem, biografias, ao ensaio, artigos e crônicas. [...] Quase todos os seus romances são uma forma de denúncia das desigualdades e injustiças à época em que viveu, mas ainda hoje tão actuais. João-Maria Nabais

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1. A VIDA DE ÉRICO VERÍSSIMO

O escritor gaúcho Érico de Melo e Albuquerque Veríssimo da Fonseca, ou

simplesmente Érico Veríssimo, como ficou mais conhecido, nasceu no dia 17 de

dezembro de 1905, na cidade de Cruz Alta, no Rio Grande do Sul. Seus pais,

Sebastião Veríssimo da Fonseca e Abegahy Lopes Veríssimo, faziam parte de

uma família rica e tradicional que se arruinou devido à crise que atingiu a

pecuária rio-grandense nas primeiras décadas do século XX.2

Em 1922, ocorreu a separação dos pais e Érico Veríssimo começou a

trabalhar, exercendo “várias actividades menores, desde empregado de

armazém, bancário, ajudante e mais tarde, sócio sem vocação de uma farmácia”

(NABAIS, 2008, p. 3) que faliu. Após este fato, Veríssimo foi viver em Porto

Alegre.

Desde muito jovem, o escritor gaúcho dedicou-se à leitura de autores

brasileiros: Machado de Assis, Afrânio Peixoto, Joaquim Manuel de Macedo,

Coelho Neto, Aluísio Azevedo e também estrangeiros: Eça de Queirós, Anatole

France, Jonathan Swift, Julio Verne, Émile Zola, Walter Scott, Dostoievski,

Bernard Shaw, Oscar Wilde, Aldous Huxley, Somerset Maugham, Ibsen, dentre

outros (NABAIS, 2008, p. 3-7).

No ano de 1931, começou a trabalhar na Editora Globo como secretário de

redação e, mais tarde, tornou-se diretor da referida empresa, onde começou a

2 As informações constantes desta parte do trabalho baseiam-se em BOSI, Alfredo. História

concisa da literatura brasileira. 43. ed. São Paulo: Cultrix, 2000, p. 407-409; NABAIS, João-Maria. Érico Veríssimo: Um gaúcho a pé mais a sua máquina de escrever: 1905-1975. Disponível em http://www.vidaslusofonas.pt/erico_verissimo.htm. Acesso em 03.02.2008.

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publicar suas obras. Ainda neste mesmo ano, casou-se com Mafalda Volpe, com

quem teve dois filhos: Luis Fernando Veríssimo, também escritor, e Clarissa.

Mudou-se com a família para os Estados Unidos, em 1943, onde ministrou

aulas de Literatura Brasileira na Universidade de Berkeley, até 1945. Entre 1953

e 1956 foi diretor do Departamento de Assuntos Culturais da Organização dos

Estados Americanos, em Washington. De sua estada nos Estados Unidos e de

outras viagens resultaram obras de tom memorialístico publicadas ao longo de

sua vida como é o caso de Gato Preto em campo de neve (1941) e a Volta do

Gato Preto (1946); México ─ história de uma viagem (1957); Israel em abril

(1969). Tais obras podem ser classificadas como “impressões de viagem” e

comprovam a diversidade de assuntos tratados pelo escritor ao longo de sua

produção textual.

Um dado curioso sobre a vida de Érico Veríssimo é o fato de que em 1933

ele escreveu o romance Clarissa e, quando nasce sua filha, em 09 de março de

1935, ele a batiza com o nome de Clarissa, a protagonista da obra mencionada.

Tal acontecimento revela a importância que a produção ficcional tinha na vida do

escritor gaúcho, uma vez que a decisão de se colocar o nome de um personagem

na própria filha desvela, por parte dele, um grande afeto e uma grande

valorização das suas criações ficcionais.

Sobre os filhos de Veríssimo, é valido destacar que Clarissa mora em

Washington, casou-se com o americano David Jaffe, em 1956 e teve três filhos:

Michael, Paul e Edward, os quais nasceram nos anos de 1958, 1960 e 1962. O

filho Luis Fernando casou-se com Lúcia Helena Massa, em 1964 e dessa união

nasceram Fernanda (1965), Mariana (1967) e Pedro (1970).

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Suas obras foram traduzidas para vários idiomas: alemão, espanhol,

finlandês, francês, holandês, húngaro, indonésio, inglês, italiano, japonês,

norueguês, polonês, romeno, russo, sueco e tcheco. As traduções apontam para

o fato de que a obra de Érico Veríssimo tornou-se conhecida e lida

universalmente e emparelham-no com autores como Machado de Assis e Jorge

Amado, também muito conhecidos e apreciados no exterior.

Quando estava próximo de completar setenta anos, o escritor sofreu um

enfarte e morreu em Porto Alegre, no dia 28 de novembro de 1975.

Depois de sua morte, a sua obra continuou “viva” por meio de adaptações

televisivas, fílmicas e teatrais. Em síntese, as adaptações referidas são as

seguintes, de acordo com informações contidas no site intitulado “Enciclopédia da

literatura brasileira” (2007):

Cinema Mirad los Lírios del Campo [Olhai os Lírios do Campo] – Direção Ernesto Arancibia, Argentina; baseado em obra homônima – 1945 O Sobrado – Direção Cassiano Gabus Mendes e Walter George Durst; baseado na obra O Tempo e o Vento – 1956 Um Certo Capitão Rodrigo – Direção Anselmo Duarte; baseado na obra O Tempo e o Vento - 1970 Ana Terra – Direção Durval Gomes Garcia; baseado na obra O Tempo e o Vento – 1971 Noite, Brasil – Direção Gilberto Loureiro; baseado na obra Noite - 1985 Televisão O Tempo e o Vento – Direção Dionísio Azevedo; novela de Teixeira Filho para TV Excelsior baseada em obra homônima – 1967 Olhai os Lírios do Campo – Direção Herval Rossano; novela de Geraldo Vietri e Wilson Rocha para a TV Globo baseada na obra homônima – 1980 O Resto é Silêncio – Direção Arlindo Pereira Brasil; telerromance de Mario Prata para a TV Cultura baseado na obra homônima – 1981 Música ao Longe – Direção Edson Braga; telerromance de Mario Prata para a TV Cultura baseado na obra homônima – 1982

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O Tempo e o Vento – Direção Paulo José; minissérie de Doc Comparato para a TV Globo baseada na obra homônima – 1985 Incidente em Antares – Direção Paulo José, minissérie de Charles Peixoto e Nelson Nadotti para a TV Globo baseada na obra homônima – 1994 Teatro A Fonte – Direção e adaptação Luiz Arthur Nunes, Porto Alegre; baseado na obra O Tempo e o Vento – 1988 Fantoches – Direção Luiz Carlos Maciel, Rio de Janeiro; baseado na obra homônima – 1995.

Conforme se observa, o grande número de obras adaptadas permite

considerar Érico Veríssimo como um grande escritor, que merece figurar entre os

nomes de autores como Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos

entre outros. Aliás, o próprio escritor gaúcho torna-se alvo de juízos críticos no

romance Incidente em Antares, num diálogo sobre literatura que ocorre entre o

professor Martim Francisco Terra e Quitéria Campolargo:

─ Sei que a senhora gosta de ler ─ digo. ─ Muito. Não se ria se eu lhe disser que o romance mais bonito que li em toda a minha vida foi a Joana Eira da Carlota Bronte. Conhece? Uma jóia. Acho que li esse livro uma vinte vezes. Devorei também todo o Walter Scott e o Alexandre Dumas. Nunca suportei o Zola nem o Flaubert. Mas gostava do Tolstoi. Ah! leio também os modernos. Estrangeiros e nacionais, naturalmente. ─ Já leu Jorge Amado? ─ Por alto. É bandalho e comunista. ─ E o nosso Érico Veríssimo? ─ Nosso? Pode ser seu, meu não é. Li um romance dele que fala a respeito do Rio Grande de antigamente. O Zózimo, meu falecido marido, costumava dizer que por esse livro se via que o autor não conhece direito a vida campeira, é ‘bicho de cidade’. Há uns anos o Veríssimo andou por aqui, a convite dos estudantes, e fez uma conferência no teatro. Fui, porque o Zózimo insistiu. Não gostei, mas podia ter sido pior. Quem vê a cara séria desse homem não é capaz de imaginar as sujeiras e despautérios que ele bota nos livros dele. ─ A senhora diria que ele também é comunista? D. Quitéria, que mastigava uma broinha de milho ─ e mais que nunca parecia um pequinês ─ ficou pensativa por um instante.

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─ O Prof. Libindo costuma dizer que, em matéria de política, o Érico Veríssimo é um inocente útil. Voltamos a falar na dissolução dos costumes. (VERISSIMO, 1995, p. 178).

O personagem Martim Francisco Terra é o autor de uma espécie de diário

chamado “Jornal de Antares”, no qual comenta “pessoas e lugares que viriam a

ser envolvidos no controvertido „incidente‟ de 13 de dezembro de 1963”

(VERISSIMO, 1995, p. 149) e tal relato é transcrito na primeira parte do romance

em itálico. Na passagem em apreço, nota-se que a opinião de Martim Francisco

sobre Érico Veríssimo é positiva. Depois que a matrona de Antares enumera uma

série de escritores estrangeiros, o professor Martim lembra-lhe a existência do

escritor gaúcho, que é menosprezado por Quitéria, pois ela considera-o como

autor de “sujeiras e despautérios” e, em relação à política, é “um inocente útil”

(VERISSIMO, 1995, p. 178).

Digladiam-se, portanto, duas opiniões sobre Veríssimo: uma que considera

o escritor como um dos mais importantes autores nacionais (professor Martim

Francisco) e outra que se revela como uma crítica feroz às obras de Érico

Veríssimo e ao seu posicionamento político (Quitéria Campolargo). Por meio do

recurso metaficcional (o fato de os personagens estarem discutindo e tecendo

comentários sobre a obra e o escritor do romance Incidente em Antares, do qual

fazem parte), o narrador deixa a questão em aberto sobre o julgamento que se

possa conceber sobre a obra e o escritor gaúcho. De certo modo, o narrador lega

ao leitor tal avaliação crítica e se exime de expor posições cristalizadas e

imutáveis.

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No entanto, diante de tudo o que expusemos nesta parte e também pelo

fato de havermos escolhido a transmutação de uma obra de Érico Veríssimo para

a televisão como objeto de estudo, devemos deixar claro que consideramos o

escritor gaúcho como um dos mestres da literatura brasileira contemporânea e

cuja obra merece e deve ser estudada em profundidade, assim como as demais

adaptações de seus textos para a televisão, o teatro e o cinema.

Dando seqüência ao nosso trabalho, vamos tecer algumas considerações

sobre as obras e as traduções realizadas por Érico Veríssimo.

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2. PRODUÇÕES LITERÁRIAS E TRADUÇÕES

Os críticos literários, dentre os quais podemos destacar Alfredo Bosi

(2000), Luciana Stegagno Picchio (1997), Antonio Candido (1999), filiam a obra

de Érico Veríssimo ao período denominado como Modernismo, o qual veio a

caracterizar um novo movimento dentro da literatura brasileira, diferente do

Parnasianismo e do Simbolismo.

Num artigo bastante esclarecedor, João-Maria Nabais (2008, p. 9) define o

Modernismo nos seguintes termos:

Entende-se por Modernismo, como uma designação genérica de movimentos e tendências literárias e artísticas vanguardistas, das primeiras décadas do século XX, que surgem mais ou menos simultaneamente, em vários países europeus, [tais como] futurismo, dadaísmo, expressionismo, surrealismo, [...]. A corrente modernista [...] mais do que uma profunda revolução artística, expressa uma nova forma de ver, pensar, sentir e interpretar a vida do homem ocidental, privilegiando a valorização da vida quotidiana e o sentimento da sua interioridade e do seu próprio arbítrio. Muitas vezes a literatura surge associada às artes plásticas e por elas influenciada, numa verdadeira renovação da linguagem, na busca da experimentação e na autonomia criativa. Uma das características essenciais do Modernismo é a máxima liberdade para criar, praticamente sem regras, assim como possuir uma abordagem directa sobre os problemas sociais mais evidentes, denunciando situações chocantes de desemprego, infortúnio, fome, miséria, doença, exploração do homem pelo homem...

Verifica-se que o Modernismo abriu novas perspectivas para a literatura

brasileira, valorizou o quotidiano e a linguagem popular dos brasileiros e permitiu

uma maior liberdade de invenção para os escritores, além de uma reflexão mais

aprofundada da realidade de nosso país.

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Uma visão semelhante à de João-Maria Nabais é sustentada por Antonio

Candido sobre o Modernismo Brasileiro. Para o renomado crítico, o referido

movimento

abriu a fase mais fecunda da literatura brasileira, porque já então havia adquirido maturidade suficiente para assimilar com originalidade as sugestões das matrizes culturais, produzindo em larga escala uma literatura própria. A sua contribuição fundamental foi a defesa da liberdade de criação e experimentação, [...]. [Os modernistas] combateram a mania gramatical e pregaram o uso da língua segundo as características diferenciais do Brasil, incorporando o vocabulário e a sintaxe irregular de um país onde as raças e as culturas se misturam. (CANDIDO, 1999, p. 69-70).

Além disso, os escritores do período conhecido como modernista

passaram por cima das distinções entre os gêneros, injetando poesia e insólito na narrativa em prosa, abandonando as formas poéticas regulares, misturando documento e fantasia, lógica e absurdo, [...]. Os modernistas [...] procuraram [no índio] e no negro o primitivismo, que injetaram nos padrões da civilização dominante como renovação e quebra das convenções acadêmicas. (CANDIDO, 1999, p. 70).

Portanto, nota-se que os escritores assumiram novas e ousadas atitudes

em relação aos modos de produzir e criar poesia, textos em prosa, e outras artes

como a música, a escultura, a pintura etc.

O marco histórico do Modernismo Brasileiro foi a Semana de Arte

Moderna, realizada em São Paulo, em 1922, por ocasião do Centenário da

Independência e foi concebida por um grupo de intelectuais e artistas, dentre os

quais se destacam Heitor Villa-Lobos (1887-1958), Mário de Andrade (1893-

1945), Oswald de Andrade (1890-1954), Victor Brecheret (1894-1955), Anita

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Malfatti (1889-1964), Candido Portinari (1903-1962). Tal acontecimento propiciou

uma mudança significativa no horizonte cultural brasileiro em todas as áreas

artísticas (literatura, pintura, escultura, arquitetura).

Deste modo, o Modernismo representou alterações profundas na produção

literária do período e das décadas futuras, fincando as raízes de uma literatura

que se voltou para os problemas do Brasil, valorizando a diversidade lingüística e

favorecendo o aparecimento e o desenvolvimento de autores como João

Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Mário

Quintana, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles,

Érico Veríssimo e muitos outros.

Sem dúvida, Érico Veríssimo é um dos autores brasileiros que, juntamente

com Jorge Amado e Graciliano Ramos, retratou diferentes facetas da realidade

brasileira e mais ainda, produziu obras relevantes que ressaltam a formação

histórica do Rio Grande do Sul, pois o autor gaúcho,

constrói um grande afresco histórico-poético em módulos extraídos da narrativa inglesa (Mansfield, Huxley, Maugham) e alemã (Thomas Mann), mas com angulações sugeridas pela sua individual experiência de rio-grandense [...]. (PICCHIO, 1997, p. 587).

Como se observa, a produção literária de Érico Veríssimo caracteriza-se

pela influência de escritores estrangeiros Katherine Mansfield, Aldous Huxley,

Somerset Maugham, Thomas Mann e ainda pelo destaque à história rio-

grandense, conforme também atesta Antonio Candido (1999, p. 87), referindo-se

à sua obra:

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[Nela] o homem e a sociedade locais aparecem sobretudo no universo urbano, com um toque humanitário e sentimental [...]. [...] as suas qualidades de narrador são grandes, inclusive pela sobriedade do estilo discreto e despretensioso.

Assim, podemos considerar que Érico Veríssimo é um escritor que se

firmou pela sua capacidade de fabular os eventos históricos do Rio Grande do

Sul e pela simplicidade do seu discurso, o qual vem cativando leitores há várias

décadas.

A sua produção literária é bastante diversificada e consta de romances,

literatura infanto-juvenil, narrativas de viagem, autobiografias, ensaios e

traduções.

Os romances escritos por Érico Veríssimo são os seguintes: Clarissa

(1933), Caminhos cruzados (1935), Música ao longe (1936), Um lugar ao sol

(1936), Olhai os lírios do campo (1938), Saga (1940), O resto é silêncio (1943), O

tempo e o vento. I. O continente (1949), O tempo e o vento. II. O retrato (1951), O

tempo e o vento. III. O arquipélago (1961), O senhor embaixador (1965), O

prisioneiro (1967), Incidente em Antares (1971). Também escreveu uma novela,

Noite (1954) e contos publicados em Fantoches (1923), As mãos de meu filho

(1942) e O ataque (1958).

A literatura infanto-juvenil escrita por Érico Veríssimo apresenta uma

temática variada: há obras que têm um cunho didático, outras que tratam da vida

de santos e de recriações de textos tradicionais infantis: A vida de Joana d’Arc

(1935), As aventuras do avião vermelho (1936), Os três porquinhos pobres

(1936), Rosa Maria no castelo encantado (1936), Meu ABC (1936), As aventuras

de Tibicuera (1937), O urso com música na barriga (1938), A vida do elefante

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Basílio (1939), Outra vez os três porquinhos (1939), Viagem à aurora do mundo

(1939), Aventuras no mundo da higiene (1939), Gente e bichos (1956).

As viagens do autor gaúcho pelos Estados Unidos e por outros países

renderam as seguintes obras: Gato preto em campo de neve (1946), México –

história de uma viagem (1957), Israel em abril (1969).

As obras que se inscrevem no campo autobiográfico são: O escritor diante

do espelho (1966), Solo de clarineta – memórias I (1973), Solo de clarineta –

memórias II (1976). Os dois últimos volumes foram editados postumamente e

organizados por Flávio L. Chaves.

Érico Veríssimo escreveu também ensaios: Brazilian literature – an outline

(1945), traduzido como Breve história da literatura brasileira (1955), Mundo velho

sem porteira (1973) e a biografia de seu amigo Henrique, filho do dono da Editora

Globo: Um certo Henrique Bertaso (1972).

Vale também destacar que Érico Veríssimo exerceu a atividade de tradutor

e as suas traduções abrangem desde romances policiais: O sineiro (1931)3, O

círculo vermelho (1931), A porta das sete chaves (1931), todos de Edgar Wallace;

romances contemporâneos de autores renomados: Contraponto (1934), de

Aldous Huxley, Ratos e homens (1941), de John Steinbeck, Maquiavel e a dama

(1948), de Somerset Maugham; até contos da escritora inglesa Katherine

Mansfield: “Psicologia” (1939), “Felicidade” (1940), “O meu primeiro baile”

(1940)4.

3 As datas entre parênteses referem-se aos anos em que as obras foram traduzidas.

4 Dados extraídos de http://pt.wikipedia.org/wiki/erico_verissimo. Acesso em 03.02.2008.

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Nesta parte do trabalho, procuramos apresentar o escritor gaúcho, elencar

os seus textos ficcionais e não ficcionais e as obras que traduziu. Vale destacar

que Érico Veríssimo é um dos mais conhecidos e traduzidos autores brasileiros

(PICCHIO, 1997, p. 537) e uma das possíveis razões para tal fato é a clareza e a

simplicidade da sua escrita: “A sua prosa límpida, impressionista, construída de

períodos curtos, nasce sob o signo do tempo, que é o verdadeiro personagem do

seu narrar” (PICCHIO, 1997, p. 537).

Além da temática temporal que aparece principalmente na trilogia de O

tempo e o vento, na qual o escritor dá ênfase à história da formação do Rio

Grande do Sul, ressalvamos que as preocupações do escritor com o seu tempo e

a sua época encontram-se presentes principalmente no romance Incidente em

Antares. Esta obra foi transposta para a televisão em forma de minissérie e nela

vamos estudar como se configura a apropriação do modelo do folhetim na

estrutura da narrativa televisiva.

Vamos tentar ligar as duas duplas românticas ─ Pudim de

Cachaça/Erotildes e Pedro Paulo/Valentina aos dois núcleos dos quais elas

fazem parte, buscando estabelecer as relações dos personagens entre si e os

objetivos que os levam a atuarem dentro de cada um dos núcleos narrativos

mencionados.

Isto nos possibilitará comprovar que a minissérie, assim como o romance,

apresenta uma estrutura social fixa, que até pode ser abalada, mas que não se

altera, seja no universo dos vivos ou dos mortos, embora tal fato apareça mais

diluído na minissérie, exatamente pela presença dos dois casais que suavizam o

“dramalhão” vivenciado pelos mortos com pitadas de romantismo, associadas a

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uma interpretação precisa e competente, particularmente no caso de Pudim de

Cachaça/Erotildes (Gianfrancesco Guarnieri/Marília Pêra).

No próximo capítulo, teceremos algumas considerações, buscando definir

o que é o romance-folhetim, além de discutir suas características e o seu

surgimento na França e no Brasil, até chegar à presença do modelo folhetinesco

na minissérie Incidente em Antares, marcada principalmente pela existência de

duas duplas românticas nos dois núcleos que constituem a obra televisiva ─ o

dos vivos e o dos mortos. Aguarde-se o próximo capítulo.

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II. O UNIVERSO DO FOLHETIM

No romance-folhetim, sentimos [...] um caso fascinante de exploração extrema da capacidade fabuladora, para atender a nossa necessidade de absorver mundos imaginários.

Antonio Candido

Resultado do casamento da imprensa com a literatura, o romance de folhetim (ou em folhetins) constitui no Brasil um fenômeno muito mais importante do que tem dado a entender a estreiteza da história literária na parte das pesquisas capazes de revelar o lado histórico-social das muitas circunstâncias que envolvem a atividade de escrever. José Ramos Tinhorão

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1. O ROMANCE-FOLHETIM FRANCÊS

A premissa que impulsiona nosso estudo da minissérie Incidente em

Antares é o fato de que os adaptadores, Charles Peixoto e Nelson Nadotti,

encaixaram a fórmula do folhetim na referida minissérie por meio dos seguintes

personagens: as duplas Erotildes (Marília Pêra)/Pudim de Cachaça (

Gianfrancesco Guarnieri) e Valentina (Valéria Monteiro) /Pedro Paulo( Alexandre

Borges). A inclusão de um dos principais recursos do folhetim ─ o drama amoroso

─ possivelmente se deveu à tentativa dos adaptadores de não subverter

totalmente o modelo ao qual o telespectador já está acostumado através das

telenovelas. Uma trama que se centrasse somente no universo dos mortos e na

crítica à sociedade, fatalmente desagradaria os telespectadores e poderia

comprometer a sua audiência.

Nesse sentido, Neuza Sanches (1994), em um artigo publicado na revista

Veja, assinala a preocupação com os receptores da obra televisiva:

Minisséries como Incidente em Antares constituem um produto de primeira linha, exibem uma linguagem perfeitamente alinhada com o veículo [televisivo] [...], divertem, fazem com que o telespectador se interesse em ler o livro que lhe deu origem [...].

Um pouco mais adiante, citando José Teixeira Coelho Netto, estudioso da

linguagem televisiva, Sanches (1994) corrobora a afirmação do crítico de que o

que aparece na televisão submete-se à estética do folhetim:

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Essa estética reza, por exemplo, que se tenha um par romântico, custe o que custar. Por isso, os adaptadores de Incidente em Antares [...] superdimensionaram o personagem de Valéria Monteiro [Valentina], quase invisível no livro. Na minissérie, ela é apaixonada por um padre da Igreja progressista, Pedro Paulo, representado por Alexandre Borges.

No entanto, esta não é a única dupla romântica que se observa na

minissérie. Há um romance entre dois defuntos ─ Erotildes e Pudim de Cachaça

─ dois seres infelizes enquanto viveram e que puderam encontrar a felicidade

somente depois de mortos. Voltaremos a este assunto de forma mais abrangente

no quarto capítulo, no qual buscamos levantar e analisar as marcas da estética do

folhetim na minissérie, explorando os dois casais que conformam o modelo do

folhetim e atenuam o tom lúgubre e funéreo do enredo transposto para a

televisão.

Diante do exposto, julgamos então necessário conceituar o romance-

folhetim e levantar as suas características mais relevantes e também discutir a

sua evolução ao longo dos séculos XIX e XX até integrar o formato das

telenovelas e também das minisséries exibidas pela televisão brasileira.

O romance-folhetim surgiu na França, no século XIX, publicado em jornal,

numa parte muito específica deste, como afirma Marlyse Meyer (1996, p. 57):

De início, ou seja, começos do século XIX, le feuilleton designa um lugar preciso do jornal: o rez-de-chaussée ─ rés-do-chão, rodapé ─ geralmente o da primeira página. Tinha uma finalidade precisa: era um espaço vazio destinado ao entretenimento. [...]

Dois jornais franceses, La Presse e Le Siècle, encarregam-se de difundir e

popularizar o folhetim em suas páginas, uma vez que

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vai-se jogar ficção em fatias no jornal diário, no espaço consagrado ao folhetim vale-tudo. E a inauguração cabe ao velho Lazarillo de Tormes: começa a sair em pedaços cotidianos a partir de 5 de agosto de 1836. A seção Varietés, que de início dá o título à novidade, é deslocada, com seus conteúdos polivalentes, para rodapés internos. A receita vai se elaborando aos poucos, e, já pelos fins de 1836, a fórmula „continua amanhã‟ entrou nos hábitos e suscita expectativas. Falta ainda fazer o romance ad hoc que responda às mesmas, adaptado às novas condições de corte, suspense, com as necessárias redundâncias para reativar memórias ou esclarecer o leitor que pegou o bonde andando. No começo da década de 1840 a receita está no ponto, é o filé mignon do jornal, grande isca para atrair e segurar os indispensáveis assinantes. Destinado de início a ser uma outra modalidade de folhetim, o então chamado folhetim-romance vai se transformar no feuilleton tout court. Brotou assim, de puras necessidades jornalísticas, uma nova forma de ficção, um gênero novo de romance: o indigitado, nefando, perigoso, muito amado, indispensável folhetim „folhetinesco‟ de Eugène Sue, Alexandre Dumas pai, Soulié, Paul Féval, Ponson du Terrail, Montépin etc. etc. (MEYER, 1995, p. 59).

Inicialmente, o feuilleton era um espaço onde se publicavam “artigos de

crítica, crônicas e resenhas de teatro, de literatura, de artes plásticas, comentários

mundanos, piadas, receitas de beleza e de cozinha, boletins de moda, entre

outros assuntos de entretenimento” (NADAF, 2002, p. 17). O folhetim, neste

período, pelos assuntos publicados, era sinônimo de “variedades”, até que se

passou a publicar textos ficcionais “em fatias”, que agradavam os leitores, criavam

o hábito da leitura e fidelizavam os assinantes dos jornais. Embora os críticos

tenham sempre menosprezado o romance-folhetim, é inegável o seu sucesso e a

sua importância como veículo de comunicação. Para os críticos, esta espécie de

ficção é considerada como literatura de massa, uma “subliteratura”, sem valor

quando comparada à literatura culta produzida por escritores considerados como

clássicos ─ Miguel de Cervantes, Dostoievski, Herman Melville, Marcel Proust,

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Thomas Mann, Gustave Flaubert, Ernest Hemingway etc. No entanto, é bom que

se ressalte que as duas modalidades literárias mencionadas têm o seu valor e as

suas especificidades e oferecem farto material para qualquer estudo crítico.

A publicação do romance-folhetim favoreceu e propiciou um enorme

desenvolvimento da imprensa e também possibilitou um acesso maior às páginas

impressas, devido ao barateamento dos seus custos de produção e venda:

O resultado foi um grande sucesso. A fórmula „continua amanhã‟ ou „continua num próximo número‟ que a ficção em série proporcionava ao folhetim alimentava paulatinamente o apetite e a curiosidade do leitor diário do jornal e, obviamente, como resposta, fazia aumentar a procura por ele, proporcionando-lhe maior tiragem e, conseqüentemente, barateando os seus custos. O jornal democratizava-se junto à burguesia e saía do círculo restrito dos assinantes ricos. (NADAF, 2002, p. 18).

Como se percebe, o folhetim transformou-se num sucesso, gerando lucros

para os donos de jornal, que aumentaram consideravelmente as assinaturas de

seus periódicos, e ainda passou a ser a fonte de entretenimento não só para os

mais abastados, mas para o povo de forma geral e abrangente.

A temática folhetinesca sobrevive da recorrência e repetição de assuntos,

conforme atesta Yasmin Jamil Nadaf (2002, p. 21):

[...] lembramos a recorrência usual no romance-folhetim de estórias de amores contrariados, paternidades trocadas, filhos bastardos, heranças usurpadas, todas elas seguidas de duelos, raptos, traições, assassinatos e prisões. Núcleos de novelos narrativos geradores de muita tensão, testados e aprovados anteriormente com êxito pelo [...] melodrama, e que neste modo de romance foram acrescidos de um recheio extraído do próprio „habitat‟ e dos conflitos da vida doméstica do público consumidor elevando ainda mais sua carga emotiva.

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É válido destacar, conforme a argumentação de Yasmin Nadaf exposta

anteriormente, a importância do melodrama na configuração e afirmação do

romance-folhetim. Opinião semelhante também é exposta por Marlyse Meyer

(1996, p. 60), em seu amplo estudo intitulado Folhetim: uma história:

Alexandre Dumas, já então consagrado romancista e, principalmente, dramaturgo ─ [...] descobre o essencial da técnica do folhetim: mergulha o leitor in media res, diálogos vivos, personagens tipificados, e tem senso do corte de capítulo. Não é de espantar que a boa forma folhetinesca tenha nascido das mãos de um homem de teatro. A relação do folhetim com o melodrama que domina então, ao mesmo tempo que o drama romântico, é estreita. [...] Os mistérios de Paris de Eugène Sue [...] haverão de se inspirar num melodrama e se transformar em melodrama após o sucesso de sua publicação no jornal. É o que chamo de estética do „ir‟ e „vir‟.

Complementando este pensamento, Marlyse Meyer (2002, p. 181-182)

ainda tece as seguintes considerações sobre a relação entre o melodrama e o

romance-folhetim:

A apropriação do melodrama ocorre em múltiplas combinações, com usos diversos e mais de uma vez como paródia explícita. São incontáveis as frases no gênero: „Tudo isto é mais estranho, mais terrivelmente embaralhado do que um melodrama de boulevard‟. Mas há também cenas inteiras de situações e diálogos que são puros melodramas, verdadeiras cenas de teatro sem a menor intenção paródica, talentosa apropriação do gênero que é afinal o irmão gêmeo do folhetim. Ambos recorrem a infindáveis repetições, numa recorrência insistentemente configuradora de quadros e situações para aqueles leitores e espectadores apenas alfabetizados, que eram a maioria.

Há ainda outros elementos comuns ao teatro, tais como as unidades de

tempo, ação e espaço que se configuram como normas no romance-folhetim. O

parentesco entre o melodrama e o folhetim é tão evidente que Alfred Nettement

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(apud NADAF, 2002, p. 21) assegura que o “folhetim-romance é somente um

teatro móvel que vai procurar os espectadores ao invés de esperá-los. Mesmas

imagens, mesmos sentimentos, mesmas idéias, mesma moral, mesmos dramas e

freqüentemente mesmos atores”. É possível, portanto, estabelecer um

parentesco entre as duas modalidades aqui mencionadas: teatro e folhetim, pois

este se apropria de elementos estruturadores daquele. Além das semelhanças

apontadas,

Regra geral, [no folhetim] inclui-se a tríade indispensável do melodrama ─ o herói salvador, a mulher virtuosa porém desafortunada, e o vilão, no final sempre derrotado. Um triângulo necessário para fazer valer a luta do Bem contra o Mal, vencendo o primeiro, que a ficção folhetinesca arrogou para o seu ideário. (NADAF, 2002, p. 24).

Aliás, a tríade mencionada é a mesma que sustenta a telenovela nos dias

atuais. Antes de tratar deste assunto, vale acrescentar que o romance-folhetim

francês passou por três fases, segundo Marlyse Meyer (1996):

1) de 1836 a 1850 ─ cujos representantes foram Eugène Sue (1804-1857) com

Os mistérios de Paris (1842-43), O judeu errante (1844-45) e Alexandre Dumas

(1802-1870) com Os três mosqueteiros (1844) e O Conde de Monte Cristo

(1845). Tais obras definiram o perfil do romance-folhetim, baseadas nos dramas

do quotidiano e também na vertente histórica, com obras do inglês Walter Scott

(1771-1832);

2) de 1851 a 1871 ─ destacam-se Pierre Aléxis Ponson du Terrail (1829-1871)

com Dramas de Paris (1865) e Paul Féval (1817-1887) com Mistérios de Londres

(1844);

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3) de 1871 a 1914 ─ tornaram-se célebres Xavier de Montépin (1823-1902), autor

de A entregadora de pães (1885) e Émile Richebourg (1833-1898), que escreveu

A toutinegra do moinho (1892).

Semelhantemente ao que postula Marlyse Meyer (1996), Jesús Martin-

Barbero (1998, p. 184-185) também estabelece três momentos de evolução do

romance-folhetim:

No primeiro, predomina o romantismo social, fazendo passar pelo espaço folhetinesco, junto à vida das classes populares, um dualismo de forças sociais que sempre se resolve de modo mágico-reformista. É a época de Soulié, Sue e Dumas, que vai até a Revolução de 1848. No segundo período, a aventura e a intriga substituem e dissolvem as preocupações sociais, enquanto o folhetim „ajusta‟ seus mecanismos narrativos aos requisitos industriais; durante essa etapa, que vai até 1870, os maiores sucessos são obra de Pierre Aléxis Ponson du Terrail e Paul Féval. Por último, nos anos que se seguem à Comuna de Paris5, o folhetim entra em clara decadência e ideologicamente assume franca posição reacionária em autores como Xavier de Montépin. O folhetim acompanhou assim em suas evoluções o movimento da sociedade: de apresentação de um quadro geral que mina a confiança do povo na sociedade burguesa até a proclamação de uma integração que traduz o pânico dessa sociedade diante dos acontecimentos da Comuna.

Pode-se inferir, de tudo o que afirma Jesús Martin-Barbero, que o folhetim

está estreitamente ligado à sociedade francesa. No primeiro período do romance-

5 No governo de Napoleão III, a França envolveu-se em uma série de conflitos. Ele declarou

guerra contra a Prússia, visando conter o processo de unificação alemã comandado por Otto Von Bismark. No entanto, os prussianos venceram a França e aprisionaram seu soberano durante a batalha de Sedan em 1870. A França foi obrigada a conceder pesadas indenizações aos prussianos e, com isso, diversas manifestações populares eclodiram em Paris. O governo republicano francês, controlado por Adolphe Thiers, sofreu com a onda de protestos, que alcançou seu auge quando os revoltosos decidiram instituir a Comuna de Paris. Portanto, a Comuna de Paris foi um governo popular organizado pelas massas parisienses em 18 de março de 1872, que visava melhorar as condições de vida dos indivíduos que compunham aquela sociedade, tão marcada por conflitos políticos, econômicos e sociais. A experiência da Comuna durou pouco (72 dias – de 18/03 a 28/05/1871). Sob as ordens de Adolphe Thiers, as tropas militares entraram em Paris e sufocaram a Comuna com feroz violência. Cerca de 20 mil pessoas foram mortas em uma única semana. (http:/www.historia.uff.br – acesso em 06/07/2008).

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folhetim há heróis, quase super-homens, que são capazes de vencer qualquer

obstáculo e auxiliar as camadas mais desfavorecidas a solucionarem seus

problemas. No segundo, a maior preocupação dos escritores de folhetim é

proporcionar entretenimento ao público-leitor por meio de histórias de aventuras

que privilegiam o enredo e, no último período, as histórias folhetinescas buscam

contestar o poder do governo e oferecer soluções palpáveis para os problemas

sociais enfrentados pelo povo francês.

Sintetizando as três fases do romance-folhetim arroladas anteriormente,

Marlyse Meyer (1996, p. 65) faz as seguintes colocações:

Fênix eternamente renascida, com similitudes estruturais e temáticas dentro das diferenças de história e de veículo. Comum às três fases do folhetim, a habilidade da carpintaria, cada vez mais aperfeiçoada, chamariz sempre amado por seu público e deixando sempre transparecer ─ apesar de todas as suas ambigüidades, sua ideologia e as diferenças que não permitem falar do folhetim como um bloco homogêneo ─ a verdade daqueles que são, ao mesmo tempo, seus destinatários mais visados e os sujeitos da ação romanesca.

Embora haja diferenças entre as três fases, o que importa é que o povo se

reconhece nas histórias impressas no jornal e garantem o seu sucesso por um

extenso período. Uma das razões para este fato é a predominância de uma

espécie de fórmula que se mantém ao longo dos anos, uma fórmula

rocambolesca (adjetivo derivado do personagem Rocambole, criado por Ponson

du Terrail):

[...] Uma formidável máquina narrativa, repleta de lugares-comuns, de hilariantes fórmulas, repetições, mas na qual explodem

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esplêndidos fogos de artifício ficcionais, um delírio imaginativo, um surrealismo de invenção [...]. (MEYER, 1996, p. 104). [...] Ponson du Terrail, cuja genialidade consistiu em, tal como sua criatura [Rocambole], conceber e construir a máquina fria de planejar e urdir fio por fio todas aquelas tramas diabólicas em que as vítimas designadas acabarão fatalmente por se enredar e perder-se, o conjunto das aventuras de Rocambole. (MEYER, 1996, p. 121). Os grandes gêneros populares do século XIX engendraram todo um campo semântico intercambiável e de carga altamente pejorativa. Melodrama, melodramático, folhetim, folhetinesco conotando previsíveis e redundantes narrativas, sentimentalismo, pieguice, lágrimas, emoções baratas, suspense e reviravoltas, linguagem retórica e chapada, personagens e situações estereotipadas etc. No referido campo semântico também está acoplado o rocambolesco, sinônimo de delirante aventura, enrolada como o bolo ao qual deu nome. (MEYER, 1996, p. 157).

Nos três fragmentos citados, percebe-se a existência de uma “fórmula” que

dá conta de peripécias que perpassam a publicação diária francesa: o desenrolar

de aventuras de um herói ou heroína, que passam por prolongadas e infinitas

provações, infelicidades, sofrimentos, tragédias, até chegar ao seu final,

geralmente, com um final feliz. A duração do romance-folhetim dependia

expressamente do público, enquanto este estivesse apreciando a história, ela

poderia ser estendida quase que indefinidamente. Fenômeno semelhante é o que

ocorre com a telenovela, que é considerada como uma evolução do romance-

folhetim, apropriando-se de sua estrutura básica ─ a história de amor com seus

percalços e o seu happy-ending. Conforme ponderações de Marlyse Meyer

(1996, p. 234), o folhetim apresenta um caráter protéico, transferindo-se do jornal

para outros veículos de comunicação:

Um gênero desprezado, que irá se multiplicar na diversidade dos veículos para além do tradicional ir e vir entre as páginas do jornal

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e do livro, e do livro ao palco do melodrama, espalhando-se pelos fascículos e, reproduzindo-se no cinema, nos cine-romances, nas fotonovelas, nas novelas de rádio, até alcançar seu mais assumido e brasonado descendente: a telenovela .

Não há dúvidas de que os “sofrimentos elementares, amor, ciúme, ódio,

[...] alimentam a forma nova” (MEYER, 1996, p. 234) presente nos meios de

comunicação e, mais do que isso, são o sustentáculo das novelas e minisséries

televisivas:

[...] o folhetim francês [...] é a grande matriz do pejorativo e indispensável recurso da grande narrativa de massa, tão inseparável da televisão como ele próprio o foi do jornal: o folhetinesco como categoria narrativa específica, que sabe também lançar mão do teatro não só nos coups de théâtre como no recorte das cenas e nos efeitos ditos dramáticos, na transposição narrada de um gestual expressionista de efeitos ampliados, adequado à apresentação na „telinha‟, como o foi ao cinema mudo. O folhetinesco como estruturador e agenciador de uma história pensada para se estender no tempo, apresentada em picadinhos cotidianos a um espectador que, tal como foi o leitor/ouvinte do folhetim, é ao mesmo tempo destinatário e determinador dos rumos dessa história. Pois é prioritária a exigência de quem consome e paga: o caro leitor de ontem, o distinto público de hoje, sem esquecer os patrocinadores da novela. E pelo jeito, por mais moderno que se pretenda ser, por mais distante que estejamos dos velhos tempos e temas do folhetim e do melodrama, parece que, para contar uma boa história televisiva, não há como escapar à receita salvadora: ganchos, suspenses, chamadas, retrospectos, acaso, coincidências. E EMOÇÃO!!! [...]. (MEYER, 1996, p. 234-235, grifo da autora).

Portanto, as marcas do folhetim francês estão presentes em todas as

produções televisivas ─ novelas, seriados, minisséries ─ bastando recordar

novelas como O clone (2001-2002), de Glória Perez, cujo enredo principal tratava

da clonagem humana; O profeta (1977-1978), de Ivani Ribeiro, que contava as

aventuras de um rapaz, Daniel, que tinha o dom da vidência; A viagem (1975-

1976), de Ivani Ribeiro, trama que abordava o espiritismo (estas duas novelas

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foram produzidas pela extinta TV Tupi e reeditadas pela Rede Globo com grande

sucesso); Barriga de aluguel (1990-1991), de Glória Perez, história da disputa de

duas mulheres por uma criança; Sétimo sentido (1982), de Janete Clair, que

levou à televisão a história de uma mulher, Luana Camará, com o dom de prever

o futuro; ou ainda nas minisséries: Memórias de um gigolô (1986); Rabo de saia

(1984); Lampião e Maria Bonita (1982); A casa das sete mulheres (2003);

Labirinto (1998) etc. Enfim, em todas as novelas, cujos temas estão mais ligados

ao cotidiano, à vida comum: os problemas, os dramas do dia-a-dia de um modo

geral, e também nas minisséries que abordam temas mais profundos, questões

tratadas com mais profundidade por oposição a uma certa superficialidade das

telenovelas, inclusive com um trabalho artístico de elaboração maior, horário

diferenciado na transmissão, entre outros que elencamos no terceiro capítulo,

não importa qual a temática dominante, a presença do folhetim é incontestável:

em todas há um par romântico que é a espinha dorsal do enredo, em torno do

qual gravitam histórias paralelas que se entrelaçam com os protagonistas que,

por exigência do público, devem terminar juntos no fim da história.

Até mesmo quando se vai estrear uma novela na rede Globo, anuncia-se

que dia tal, às tantas horas, estréia o novo folhetim das seis, sete ou das oito

horas da noite. Nos jornais e nas revistas, as críticas feitas às novelas empregam

o termo folhetim indistintamente para caracterizar a novela televisiva. E tal termo

e os elementos que o conformam estão presentes também nas minisséries como

é o caso de Incidente em Antares, que é o nosso objeto de estudo.

A seguir, vamos tecer um panorama do folhetim no Brasil.

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2. O ROMANCE-FOLHETIM NO BRASIL

O romance-folhetim reinou soberano no século XIX, passando a ser

consumido não só pelos que tinham posses, mas também pelo povo em geral.

Ele tornou-se um fenômeno daquilo que se considera como literatura de massa:

A incorporação das classes populares à cultura hegemônica tem uma longa história na qual a indústria de narrativas ocupa lugar primordial. Em meados do século XIX, a demanda popular e o desenvolvimento das tecnologias de impressão vão fazer das narrativas o espaço de decolagem da produção massiva. O movimento osmótico nasce na imprensa, uma imprensa que em 1830 iniciou o caminho que leva do jornalismo político à empresa comercial. Nasce então o folhetim, primeiro tipo de texto escrito no formato popular de massa. Fenômeno cultural muito mais que literário, o folhetim conforma um espaço privilegiado para estudar a emergência não só de um meio de comunicação dirigido às massas, mas também de um novo modo de comunicação entre as classes. (MARTIN-BARBERO, 1998, p. 181-182, grifos do autor).

Conforme já dissemos, o romance-folhetim democratizou o jornal, pois

diminuiu os custos para os seus proprietários e, em conseqüência, tornou-se mais

barato para o público, que passou a acompanhar as narrativas “em fragmentos”

nas páginas impressas. Vale lembrar que a modalidade de narrativa mencionada

era lida não só pelos mais ricos, mas atingiu também as camadas mais pobres,

uma vez que se fazia a leitura em voz alta para aqueles que eram analfabetos ou

não podiam adquirir o periódico. A publicação em jornal do folhetim foi bem

sucedida na França e este vai chegar ao Brasil por volta de 1839, quando em 04

de janeiro, o Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, publicou Edmundo e sua

prima, de Paul de Kock (1793-1871) (NADAF, 2002, p. 41).

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Em terras brasileiras, nas primeiras décadas do século XIX, o folhetim, na

sua maior parte, constitui-se de traduções de folhetins, novelas curtas e romances

tradicionais franceses. Vale enfatizar que o modelo francês era adotado no Brasil

em todas as áreas e com a literatura também não foi diferente. A literatura que se

consumia era a francesa, que era também o formato imitado pelos escritores

brasileiros. A influência de Baudelaire, Chateaubriand, Flaubert, só para

mencionar os escritores mais conhecidos, era enorme e deixou profundas marcas

nas produções ficcionais da época.

A publicação de obras folhetinescas de autores como Eugène Sue,

Alexandre Dumas, Ponson du Terrail influenciou enormemente a literatura

brasileira, conforme assinala Muniz Sodré (1985, p. 11):

De autores como Sue, Alexandre Dumas, Paul de Kock, Charles Dickens, Walter Scott, Ponson du Terrail e outros, partiram „receitas‟, importadas e adaptadas pela literatura brasileira. E nesta linha enquadram-se romances de Joaquim Manuel de Macedo (A moreninha, que se tornaria uma espécie de fórmula para o autor; O moço loiro; Vicentina; Nina), Bernardo Guimarães (O ermitão de Muquém, O garimpeiro, A escrava Isaura, O seminarista), Visconde de Taunay (O encilhamento), Franklin Távora (O cabeleira), José de Alencar (A pata da gazela, Encarnação, Diva) e outros.

José Ramos Tinhorão (1994, p. 30) vai mais longe ainda, ao tecer as

seguintes afirmações:

O estudo dos inícios da vida literária, contemporânea do romantismo, mostra hoje não ter existido realmente um único romancista brasileiro do século XIX completamente alheio à influência dos folhetins. De uma forma geral, essa influência não chegava a ser confessada, evidentemente, devido ao tom popularesco e fácil da maioria das histórias em capítulos ─ o que

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lhes tirava a respeitabilidade literária de trabalho „sério‟ ─ mas nem por isso os estilos e técnicas sensacionalistas e sentimentais dos escritores de folhetins deixavam de exibir suas marcas, mesmo nas obras de grandes escritores. Aliás, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.

Não se pode negar a influência do modelo e técnicas do romance-folhetim

na literatura nacional. Além dos textos franceses traduzidos, no Brasil, muitos

escritores dedicaram-se a produzir relatos folhetinescos para a publicação em

jornal, de acordo com o levantamento elaborado por Tinhorão (1994, p. 46-95),

que enumera 308 títulos, iniciando no ano de 1830, com a obra Olaya e Júlio ou a

Periquita, sem indicação de autoria, até o ano de 1994, com James Lins 51 (O

playboy que não deu certo), de Mário Prata.

Escritores como João Manuel Pereira da Silva, Francisco Adolfo de

Varnhagen, Joaquim Norberto de Souza e Silva, Augusto Vitorino Alves do

Sacramento Blake entre outros dedicaram-se ao ofício da escritura de folhetim.

Contudo, autores como José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Manuel

Antonio de Almeida, Machado de Assis escreveram romances e os publicaram

sob a forma de folhetim em jornais da época.

Segundo José Ramos Tinhorão (1994, p. 43-44), não havia diferença

entre os romances escritos por autores renomados como aqueles que

mencionamos acima e as histórias anteriormente publicadas em capítulos, pois

a maioria delas já incorporava todos os estereótipos resultantes da diluição do estilo romântico que caracterizaria o verdadeiro folhetim. A novidade dos romances escritos especialmente para a publicação parcelada resultava do fato de que os autores, não mais precisando estruturar previamente seus enredos com princípio, meio e fim ─ como faziam quando se tratava de entregar

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ao editor a obra acabada, para edição em livro ─ ficavam mais livres no uso da imaginação.

Além da maior liberdade adquirida pelos escritores, houve outras

vantagens para aqueles que se dedicavam à escrita de ficção folhetinesca:

Assim, como contavam com um fluxo real de tempo a acompanhar o desdobramento das tramas, podiam alongar-se ao sabor do sucesso obtido pelas histórias junto ao público dos jornais, complicando o enredo com a criação de novos personagens inesperados, digressões, desvios e voltas ao fio condutor, o que contribuía até por esse mesmo acúmulo de elementos novos para a movimentação constante da ação. Neste sentido o romance de folhetim mais típico do gênero acabaria por antecipar de século e meio o conceito de obra aberta proposto pelo italiano Umberto Eco, até finalmente chegar com o moderno herdeiro de seu espírito e de sua técnica ─ a novela de televisão brasileira posterior à década de 1960 ─ à sua mais avançada concretização: a história partida de simples proposta de tema, ou sinopse inicial, e escrita posteriormente, capítulo a capítulo, com sujeição às reações do público e aos interesses dos veículos de divulgação. (TINHORÃO, 1994, p. 44-45).

A publicação de romances em jornais permitia aos seus autores um relativo

controle da história, dependendo da reação do público, o que possibilitava alongar

ou encurtar a história. Este fato ainda pode ser observado nas produções

televisivas atuais. Se uma novela desagrada o público, há interferências, suavizam-

se certas atitudes de personagens, eliminam-se outros ou os ressuscitam,

priorizam-se determinados casais, outros ficam relegados a segundo plano e, deste

modo, pode-se colocar a narração televisiva nos “trilhos”, para que agrade ao

público e dê a audiência desejada.

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Com acerto, Marlyse Meyer (1996, p. 382 e 387) resume a evolução do

folhetim jornalístico para o televisivo na junção do “alto e baixo”, ou seja, do que se

considera culto com o popular, porque

Aí, talvez, reside a verdadeira filiação entre o folhetim-romance de jornal e o folhetim de telenovela: o alimento imaginário, um imaginário que não hesita em fazer novas misturas, romper fronteiras, contaminando a realidade do „fato diverso‟ ao recontá-lo folhetinescamente. [...] Não seria a telenovela a „tradução‟ atualizada de um velho gênero que jornais, revistas (a Fon-Fon), fascículos prolongaram pelo século XIX, recontado através de novos veículos? Um produto novo, de refinada tecnologia, nem mais teatro, nem mais romance, nem mais cinema, no qual reencontramos o de sempre: a série, o fragmento, o tempo suspenso que reengata o tempo linear de uma narrativa estilhaçada em tramas múltiplas, enganchadas no tronco principal, compondo uma „urdidura aliciante‟, aberta às mudanças segundo o gosto do „freguês‟, tão aberta que o próprio intérprete, tal como na vida, nada sabe do destino de seu personagem. Precioso freguês que precisa ficar amarrado de todo jeito, amarrado por ganchos, chamadas, puxado por um suspense que as antecipações anunciadas na imprensa especializada e até cotidiana não comprometem, na medida em que a curiosidade é atraída tanto pelo „como‟ quanto pela expectativa dos diversos reconhecimentos que dinamizam as tramas. E sempre, no produto novo, os antigos temas: gêmeos, trocas, usurpações de fortuna ou identidade, enfim, tudo que fomos encontrando nesta longa trajetória se haverá de reencontrar nas mais atuais, modernas e nacionalizadas telenovelas. Até sua distribuição em horários diversos, correspondendo a modalidades folhetinescas diferentes: aventura, comicidade, seriedade, realismo.

As características do folhetim sobrevivem e revivem nas telenovelas que

conhecemos hoje. A presença da fórmula folhetinesca é indispensável para o

sucesso da novela televisiva. Até mesmo em obras que buscam inovações, como é

o caso da novela Caminhos do coração (2007-2008), de Tiago Santiago, exibida

pela TV Record, na qual vários personagens, frutos de experiências científicas,

tornam-se mutantes, com super-poderes, a existência de uma dupla amorosa

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central é mantida, tal como se verificava nos primórdios do folhetim publicado em

jornais.

Tampouco as minisséries globais distanciam-se do esquema folhetinesco.

Em todas as minisséries que mencionaremos no próximo capítulo, a presença do

par romântico, a solução de crimes, amores contrariados, a ressurreição de

mortos, as revelações, as surpresas, os ganchos são empregados para garantir

que o telespectador prenda-se à história transmitida e assista a todos os seus

capítulos fielmente.

Baseado no que expusemos até aqui, vamos rastrear e estudar as marcas

ou traços folhetinescos mais evidentes na minissérie Incidente em Antares.

Para que possamos atingir nossa proposta, é conveniente definir o que é

uma minissérie, estabelecer as diferenças entre esta e a telenovela, além de

fornecer um quadro, que se encontra nos anexos, no final desta dissertação, no

qual damos conta de todas as minisséries produzidas pela rede Globo e também

por outras emissoras, com o intuito de ilustrar nossa pesquisa, mas também para

que o referido quadro possa servir como um auxílio a futuros pesquisadores que

se dediquem ao estudo desta modalidade televisiva. Tudo isto e muito mais, nos

próximos capítulos!

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III. TELEDRAMATURGIA BRASILEIRA: AS MINISSÉRIES

Suposições sobre a literatura envolvem suposições sobre linguagem e sobre significado, e estas, por sua vez, envolvem suposições sobre a sociedade humana. O universo independente da literatura e a autonomia da crítica são uma ilusão. Catherine Belsey

Razão, linguagem e imaginário são elementos indissociáveis da atividade simbólica ─ tanto da produção quanto da recepção dos processos comunicativos (de caráter ficcional ou não).

Lúcia Correia Marques Miranda Moreira

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1. MINISSÉRIES: CONCEITUAÇÃO E FORMATOS

Podemos considerar que o surgimento das minisséries televisivas tem sua

origem nas primeiras novelas transmitidas pelo rádio e pela televisão, pois elas

eram curtas, com cerca de vinte capítulos e, inicialmente, apresentadas durante

alguns dias da semana até se tornarem diárias.

As novelas atuais têm uma média de duração de uma hora, mas nem

sempre foi assim. As telenovelas exibidas pela Rede Globo de Televisão, no

horário das seis da tarde, duravam trinta minutos e várias delas não chegavam a

ter mais de cem capítulos. A título de ilustração, recordemos algumas destas

novelas: Helena (1975), de Gilberto Braga, com 20 capítulos; Escrava Isaura

(1976), de Gilberto Braga, com 100 capítulos; À sombra dos laranjais (1977), de

Benedito Ruy Barbosa e Sylvan Paezzo, com 89 capítulos; Memórias de amor

(1979), de Wilson Aguiar Filho, com 71 capítulos; Olhai os lírios do campo (1980),

de Geraldo Vietri e Wilson Rocha, com 107 capítulos; Terras do sem fim (1981),

de Walter George Durst, com 89 capítulos.6

Na década de 80, as novelas das seis passaram também a ter o mesmo

tempo de exibição das novelas das sete e das oito da noite, ou seja, uma hora.

Entretanto, é válido ressaltar que as telenovelas das seis podem ser

consideradas como um embrião das futuras minisséries apresentadas a partir de

6 Para mais informações, consultar o site www.telenovela.hpg.ig.com.br.

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1982, com Lampião e Maria Bonita, de Aguinaldo Silva e Doc Comparato. Se

levarmos em conta que as telenovelas mencionadas acima teriam por volta

de cinqüenta capítulos, com a exibição diária de uma hora, é possível considerá-

las como um formato muito próximo ao das minisséries. Contudo, sabemos que o

investimento e a qualidade destas últimas são bem superiores àquelas.

Quanto ao formato das minisséries, Luiz Carlos Rondini (2007, p. 1-2)

afirma que há três ordens de considerações que o caracterizam: 1) o número de

capítulos: mais de um e bem menos capítulos que uma novela; 2) aberto ou

fechado quanto à escrita (estar ou não concluído quando a minissérie está sendo

exibida) e construção cuidadosa da produção; 3) temáticas ligadas à realidade

nacional construídas por meio de textos originais ou adaptados e o horário e o

período de exibição.

De um modo mais específico, Anna Maria Balogh (2005,p.193-194) afirma

que

[...] a minissérie constitui o formato mais fechado de todos os demais formatos de ficção que a tradição televisiva consagrou: séries, seriados, unitários e telenovelas. A minissérie só vai ao ar quando inteiramente terminada. A novela, pelo contrário, mais parece um grande gerúndio em processo de gestação enquanto é exibida, passível de mudanças e modulações, caracterizada por uma cotidianeidade próxima àquela da vida do espectador. Todas estas características tornam a novela um texto bem mais poroso e vulnerável às inserções de merchandising, tanto político quanto social, além do comercial propriamente dito. O texto da minissérie devido à sua clausura poética é o que mais se aproxima do universo literário, até mesmo em termos de extensão, que no Brasil é muito mais longa que no estrangeiro, se presta admiravelmente para a transposição de romances. A mesma clausura do texto torna o formato bem mais impermeável do que os demais a qualquer tipo de inserção estranha ao texto, sobretudo de merchandising.

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A posição das minisséries no mosaico de programação, em geral após as dez horas da noite, dirige os processos de recepção para um público mais seleto e mais exigente do que o das novelas prévias do mosaico. Todos estes fatores acentuam o esmero das minisséries em relação aos demais formatos, tanto é assim que elas constituem la crème de la crème da programação das emissoras e, em conseqüência, os formatos mais disputados pelos profissionais da área.

Portanto, para Balogh, a minissérie constitui-se num produto diferenciado,

que recebe maiores investimentos e cuidados na sua produção, escalação de

elenco e também é direcionada a um público mais seleto e exigente.

De um modo geral, as minisséries da Rede Globo têm uma média de vinte

capítulos,7 são exibidas por volta das 22 horas nos primeiros meses do ano e

várias delas também foram apresentadas no segundo semestre. Conforme

aponta Rondini (2007, p. 2), até 2003, 30 minisséries foram exibidas no primeiro

semestre e 24 no segundo.

Além disso, as minisséries gozam de uma maior liberdade em relação à

temática e aos índices de audiência. Na Rede Globo, o horário a partir das 20

horas, no qual se transmite o Jornal Nacional e, em seguida, a novela das oito, é

considerado como o prime time e “tem os segundos de intervalos comerciais mais

caros da televisão brasileira e, conseqüentemente, as cobranças da empresa por

maiores índices de audiência nesse horário são também maiores” (RONDINI,

2007, p. 2).

7 Em alguns casos, a quantidade de capítulos tem variado bastante: Meu destino é pecar (45

capítulos); Riacho doce (40); O sorriso do lagarto (52), A muralha (49), Aquarela do Brasil (60), A casa das sete mulheres (53). Para maiores informações, consulte-se o quadro de minisséries apresentado nos anexos desta dissertação.

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As minisséries, como eram e são apresentadas próximas ou um pouco

depois das 22 horas, sofriam menos interferências da censura e podiam inovar e

até discutir assuntos polêmicos:

Seguindo a tradição dos seriados e das novelas das 22 horas, o horário foi lugar de tramas que buscavam ampliar o leque de assuntos para temas considerados tabus e para o aprofundamento de questões comportamentais, de violências ou históricas que, pressupunha-se, não agradariam nem aos censores, nem ao público do horário nobre. [...] [...] o horário das 22 horas, por atingir, em princípio, um público menor, sofria uma menor restrição dos censores, permitindo, segundo os próprios produtores da época, uma maior ousadia no tratamento da história. (RONDINI, 2007, p. 2).

As restrições e os cortes da censura diminuíram, mas, mesmo assim,

minisséries como Bandidos da falange (1983), Anarquistas graças a Deus (1984),

Anos rebeldes (1992) sofreram a ação e as restrições da censura (as duas

primeiras) e a terceira, do próprio presidente da Rede Globo, Roberto Marinho,

que declarou: “É assim que funciona. Tudo faz parte de um sistema. Quem quiser

falar coisas livremente deve escrever um livro ou montar sua própria emissora de

televisão” (apud RONDINI, 2007, p. 2). Assim, observamos que a censura não

deixou de existir, mas, paulatinamente, tornou-se mais branda, com uma grande

abertura para novos temas e maiores possibilidades para o novo formato

televisivo que se firmou nas décadas de 80 e nas seguintes.

Outro ponto importante em relação às minisséries é o fato de muitas delas

serem adaptações de obras literárias, conforme aponta Sandra Reimão (2004, p.

28):

[...] nos anos 1980 e 1990, pode-se dizer que, especialmente na TV Globo e Manchete, há uma mudança de orientação no que

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tange ao formato básico da ficção seriada televisiva baseada em

literatura de autores nacionais esse filão se fará presente basicamente em minisséries. Entre 1980 e 1997 a Globo, a Manchete e a Bandeirantes realizaram mais de vinte minisséries deste tipo. Ou seja, do conjunto das cerca de 69 minisséries produzidas de 1982, ano em que esse formato se consolidou (com Lampião e Maria Bonita, Globo), até fins de 1997, 37% delas (26) foram adaptações de romances de autores brasileiros.

Ainda segundo a referida autora, as minisséries adaptadas da literatura

brasileira que mais se destacaram “pelo cuidado e requinte de suas produções”

(REIMÃO, 2004, p. 28) foram: Grande sertão: veredas, adaptação da obra de

João Guimarães Rosa (Globo, 1995), Agosto, de Rubem Fonseca (Globo, 1993)

e Memorial de Maria Moura (Globo, 1994) e, em termos de impacto social e

geração de polêmica, a minissérie Anos rebeldes, de Gilberto Braga e Sérgio

Marques (Globo, 1991) que, embora não seja uma adaptação literária, teve

grande repercussão por tratar de um período marcado pela opressão e pela

censura, o regime militar, também conhecido metaforicamente como “anos de

chumbo” em face das arbitrariedades e violências perpetradas pelos militares

contra o povo brasileiro.

Conforme foi apontado, as minisséries, cujo número de capítulos e curta

duração aproximam-nas das primeiras novelas apresentadas no rádio e depois

na televisão, transformaram-se num produto diferenciado e mais aprimorado:

Dos anos 1980 para cá, parece que as minisséries, produtos de maior prestígio e sofisticação no conjunto da produção televisiva ficcional seriada, é que passam então, a ser o espaço da adaptação de romances de autores nacionais com ênfase para este fato. Nas minisséries, o recurso a tramas e personagens advindos de romances de escritores brasileiros parece ter duas funções básicas: a primeira delas seria fornecer personagens e enredos mais sólidos que os da média das telenovelas, muitos

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deles com traços de „época‟ ou regionalismos que se destacam em uma produção que se propõe ser mais cinematográfica que televisiva. Uma Segunda função que as minisséries parecem ter, especialmente as oriundas de adaptações literárias, é a de atuarem como forma de legitimação do veículo TV no conjunto das produções culturais nacionais, no sistema cultural brasileiro como um todo, um sistema que, cada vez mais, gravita em torno desse meio. (REIMÃO, 2004, p. 29-30).

Segundo Sandra Reimão, as obras literárias, além do fornecimento de

personagens e enredos sólidos para as minisséries, buscam legitimar as

produções televisivas como um bem cultural, ou seja, como obra de arte que

possui semelhanças com as produções cinematográficas.

Embora as minisséries tenham um parentesco inegável com as

telenovelas, como discutimos anteriormente, atualmente, elas diferenciam-se

bastante destas:

As novelas contêm uma narrativa mais lenta e um alto grau de redundância, as chamadas barrigas, momentos em que a história parece não avançar. Nesse sentido, se o espectador perder um ou mais capítulos é possível retomar o entendimento da história em poucas assistências. A minissérie, por ser mais rápida em sua narrativa, exige que o espectador esteja atento ao desenvolvimento da trama. Um capítulo perdido, dependendo do tamanho da minissérie, pode implicar em perder o fio da história, podendo gerar desinteresse em novas assistências. Essa questão, juntamente com a exibição em um horário mais tardio, são dificuldades naturais das minisséries diante do público. A mudança ocorrida em 1990 aumentou o intervalo de exibição de dois para três dias, de sexta até terça-feira, ampliando a possibilidade de dispersão do público. (RONDINI, 2007, p. 4-5).

A principal diferença entre as novelas e as minisséries é o fato de que as

primeiras são mais longas, são exibidas de segunda a sábado, permitem que o

telespectador perca alguns capítulos e ainda possa voltar a assisti-las, sem

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grande prejuízo para a compreensão da trama. As minisséries, por sua vez, são

mais concentradas, necessitam de um público mais fixo, pois a perda de um

único capítulo pode comprometer o entendimento do seu enredo. Além disso, até

1990, as minisséries eram apresentadas de segunda a sexta-feira, mas a partir

de Desejo, de Glória Perez, elas passaram a ser exibidas de terça a sexta-feira e,

às segundas-feiras, sempre é apresentado um filme de sucesso na sessão

denominada Tela quente, após a novela das oito.

Ainda que as minisséries dependam de um telespectador mais assíduo e,

até certo ponto, mais crítico e apto a lidar com temas polêmicos e variados, elas

caracterizam-se por ser um produto mais bem elaborado, que recebe um cuidado

diferenciado e possibilitam também uma maior experimentação e ousadia de

seus produtores.

Depois de aclararmos o que é uma minissérie, quais os seus traços mais

relevantes e diferenciá-la das telenovelas, julgamos que seja válido comentar

algumas minisséries exibidas pela Rede Globo e ainda mencionar as minisséries

produzidas por outros canais de televisão, tecendo algumas considerações sobre

suas particularidades para centrarmo-nos em Incidente em Antares, que é o alvo

de nossa dissertação. As informações detalhadas sobre as minisséries exibidas

pela Globo entre 1982-2008 encontram-se nos anexos desta dissertação.

Nas minisséries apresentadas tanto pela Rede Globo quanto por outras

emissoras, é possível afirmar que em todas elas está presente o folhetim como

elemento estruturador por meio da história de um par central (muitas vezes

triângulos amorosos), ao qual se ligam uma série de outras tramas paralelas ou

subtramas. Tal fato pode ser verificado na exemplificação que se segue e que dá

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conta do enredo de algumas minisséries selecionadas por nós, a título de

amostragem.

Na história de Lampião e Maria Bonita (1982), primeira minissérie

apresentada pela Rede Globo, são contados os últimos dias de Lampião (Nelson

Xavier) e Maria Bonita (Tânia Alves). A ação tem início com o seqüestro do

geólogo inglês Steve Chandler (Michael Menaugh) pelo bando de Lampião e o

pedido de resgate feito ao governador da Bahia. Há um jogo de insinuações e

troca de olhares nos quais Maria Bonita demonstra interesse por Steve (que na

verdade quer seduzi-la para que ela o liberte), somente não se consumando o

relacionamento pelo medo que ela tem de Lampião. No final, a dupla central

morre, assassinada pela polícia, acabando de modo trágico sua história. Como

aspectos folhetinescos facilmente visíveis nesta minissérie podemos citar a

formação do triângulo amoroso, as aventuras do bando de Lampião, os combates

entre a força policial e os cangaceiros e a impossibilidade de um final feliz para os

protagonistas, à moda de Camilo Castelo Branco (Amor de perdição).

Meu destino é pecar (1984) foi uma minissérie baseada no romance

homônimo de Nelson Rodrigues. A trama gira em torno de Leninha (Lucélia

Santos), que se vê obrigada a casar sem amor com Paulo (Tarcísio Meira). Uma

vez casada, nega entregar-se ao marido, enquanto vai se sentindo atraída cada

vez mais pelo cunhado ─ Maurício (Marcos Paulo). De acordo com Ismael

Fernandes (1994, p. 293), o enredo apresentado foi uma “honesta transposição

do universo de Nelson Rodrigues na linguagem da minissérie, valorizada pelo

soberano clima folhetinesco que emanava da trama”. Aliás, Nelson Rodrigues

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publicou o livro sob o pseudônimo de Suzana Flag e a história é mesmo um

folhetim, que respeita e segue a fórmula desta modalidade narrativa.

Em Anos dourados (1986), a trama se passa no Rio de Janeiro, a capital

do Brasil, no final dos anos 50. Duas histórias de amor impossíveis se intercalam.

Na primeira, Lurdinha (Malu Mader), uma garota de família conservadora,

apaixona-se por Marcos (Felipe Camargo), um rapaz do Colégio Militar e filho de

pais desquitados. A família da moça opõe-se veementemente ao romance dos

dois. Na segunda, a mãe de Marcos, Glória (Betty Faria), apaixona-se por um

homem casado ─ o major Dornelles (José de Abreu). Este segundo romance é

marcado por oposições mais violentas ainda que o primeiro: se uma mulher

desquitada já era um escândalo para a sociedade da época, o relacionamento

com um homem casado equivalia a considerar tal mulher como uma prostituta.

Está presente, nestes elementos apontados, uma das marcas inconfundíveis do

folhetim: amores impossíveis, marginalização da mulher, preconceito, enfim, tudo

o que é necessário para que uma história “caia” no gosto do público.

O autor de Anos dourados foi também o mesmo de Anos rebeldes (1992):

Gilberto Braga. Esta minissérie mostra a luta clandestina de grupos engajados

politicamente na tentativa de mudar o país assolado pela ditadura e cobre os

anos de 1964/71. O pano de fundo é o caso de amor entre Maria Lucia (Malu

Mader) e João Alfredo (Cássio Gabus Mendes). Além disso, a narrativa televisiva

apresenta a história de Heloísa (Cláudia Abreu), filha do poderoso banqueiro

Fábio (José Wilker), que ajudou a financiar o golpe militar de 64 e acaba sendo

fuzilada no último capítulo.

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Novamente, há o recurso do par romântico a amarrar histórias paralelas,

inclusive trazendo para o público uma visão histórica de momentos marcados

pela repressão violenta e pela falta de liberdade no período que ficou conhecido

como “os anos de chumbo” da ditadura militar brasileira.

Apelando para o humor e a irreverência, Memórias de um gigolô (1986)

explora as aventuras de Mariano (Lauro Corona), um aprendiz de gigolô, criado

no bordel de sua madrinha, Madame Yara (Elke Maravilha). Mariano apaixona-se

por uma das meninas do bordel ─ Guadalupe (conhecida também como Lupe ou

simplesmente Lu), mas tem que dividi-la com Esmeraldo (Ney Latorraca). Há uma

série de reviravoltas no enredo: Lu parece amar tanto Mariano quanto Esmeraldo

e passa toda a história num movimento pendular, indo de um para o outro de

seus gigolôs. Além disso, a trama está recheada de golpes perpetrados por Lu e

seus dois amores. Há mistério: Guadalupe abandona Mariano e ele, depois de

algum tempo, entra em um bar, onde há um show de uma bailarina mascarada.

Depois de alguns capítulos, Mariano e o público vão descobrir que ela na verdade

é Lu. As ações e aventuras acumulam-se ao longo da minissérie, nas quais o

suspense e a emoção estão sempre presentes e ao final, há um “desfecho

comovente” (FERNANDES, 1994, p. 321), quando os protagonistas, já idosos,

passam a viver numa mesma casa sem os arroubos da juventude, mas numa

espécie de solidariedade mútua, para garantir a sua sobrevivência.

Esta minissérie foi uma adaptação do romance homônimo de Marcos Rey

e é um folhetim típico, conforme se pode comprovar pelos elementos

mencionados acima.

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A última minissérie apresentada até este momento ─ Queridos amigos

(2008), de Maria Adelaide Amaral também se estrutura basicamente num relato

folhetinesco. Léo (Dan Stulbach) é um homem rico e generoso que, depois de

sonhar com a própria morte, decide reunir seus amigos ─ Lena (Débora Bloch),

Tito (Mateus Nachtergaele), Vânia (Drica Moraes), Ivan (Luiz Carlos

Vasconcelos), Lúcia (Malu Galli), Rui (Tarcísio Filho), Benny (Guilherme Weber),

Flora (Aída Leiner), Pingo (Joelson Medeiros), Raquel (Maria Luísa Mendonça),

Pedro (Bruno Garcia) e Bia (Denise Fraga) ─ procurando resgatar seus antigos

sonhos, seus ideais e suas paixões. É claro que o reencontro vai trazer à tona

rancores, amores infelizes, paixões reprimidas, pesadelos do passado (a

violência e o estupro da personagem Bia por um agente da ditadura) etc. É

evidente que esta mescla de histórias que se entrecruzam, remetem também ao

formato folhetinesco, sem dúvida.

Seguramente, nota-se a sobrevivência e o fôlego do folhetim que é a

estrutura sobre a qual se assentam todas as narrativas televisivas que

conhecemos, sejam elas novelas ou minisséries.

De acordo com o quadro apresentado nos anexos, é possível verificar que,

das minisséries produzidas de 1984 até 2008, trinta e quatro foram feitas tendo

por base textos literários, a maioria de autores do século XX e vinte e nove foram

textos originais, ou seja, concebidos especialmente para o formato de minissérie.

Dentre os autores mais adaptados encontram-se Jorge Amado, com quatro

obras adaptadas: Tenda dos milagres (1985), Tereza Batista (1990), Dona Flor e

seus dois maridos (1998), Pastores da noite (2002). Em seguida, aparecem

Nelson Rodrigues, com duas obras: Meu destino é pecar (1984), Engraçadinha

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(1995); Érico Veríssimo, com O tempo e o vento (1985) e Incidente em Antares

(1994); Dias Gomes, com O pagador de promessas (1988) e Decadência (1995).

Verifica-se que há uma preferência por adaptar títulos nacionais de autores

conhecidos do público. As únicas exceções são Mempo Giardinelli, escritor

argentino, cuja obra Luna caliente (1999) foi adaptada para a televisão como uma

minissérie de três capítulos e Eça de Queirós, escritor português, com dois

romances adaptados: O primo Basílio (1988) e Os Maias (2001).

Um aspecto relevante que deve ser apontado em relação às minisséries

que são adaptações de obras literárias é o fato de elas aumentarem a vendagem

de tais obras:

[...] mesmo em casos de fracasso de audiência, como ocorreu com a minissérie Os Maias, problemas de produção não impediram a grande vendagem de alguns livros adaptados. Reconhecemos que a dramaturgia televisiva inspirada na literatura tem o mérito de movimentar as livrarias. No mês em que a minissérie Agosto foi exibida, no ano de 1993, o livro de Rubem Fonseca teve mais de trinta mil exemplares vendidos. No caso do romance Memorial de Maria Moura, de Rachel de Queiroz, lançado em 1992, foram vendidos cinco mil exemplares até maio de 94, quando a minissérie estreou. Durante o programa, a vendagem dobrou. O sucesso da minissérie A muralha impulsionou a venda dos livros, mais de 18 mil exemplares do romance de Dinah Silveira, que há muito estava fora de catálogo, foram comprados no mês de janeiro de 2000. Outro exemplo desta forte influência que as produções da rede Globo exercem sobre o mercado editorial está relacionado ao sucesso repentino em torno do livro A casa das sete mulheres, da autora Letícia Wierzchowski. Lançado em abril de 2002, tinham sido vendidos, até a estréia da minissérie, treze mil exemplares. Após chegar à TV, ultrapassaram os trinta mil em três semanas. (BRASIL JÚNIOR, GOMES e OLIVEIRA, 2004, p. 5).

Notamos que são infundadas as críticas daqueles que afirmam que a

adaptação prejudica a leitura, pois pelos dados expostos acima, pode-se concluir

que as obras adaptadas têm as suas vendas aumentadas consideravelmente e a

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exibição das minisséries funciona como uma propaganda do livro adaptado,

propiciando a sua vendagem em larga escala a um grande número de leitores.

Outras emissoras também se aventuraram a exibir minisséries durante a

sua programação. A extinta Rede Manchete8 foi a rede que mais produções

apresentou neste formato: O fantasma da ópera, de Paulo Afonso de Lima e Jael

Coaracy, baseada na obra de Gaston Leroux, direção de Del Rangel (1991), O

guarani, de Walcyr Carrasco, baseada no romance de José de Alencar, direção

de Jayme Monjardim (1991), Floradas na serra, de Geraldo Vietri, baseada no

romance de Dinah Silveira de Queiroz, direção de Nilton Travesso (1991), Na

rede de intrigas, de Geraldo Vietri, direção de Henrique Martins (1991), O farol,

de Paulo Halm, baseado em um conto de Oswaldo Orico, direção de Álvaro

Fugulin (1991), Ilha das bruxas, de Paulo Figueiredo, direção de Henrique Martins

(1991), Filhos do sol, de Walcyr Carrasco e Eloy Santos, direção de Henrique

Martins (1991), Rosa dos rumos, de Walcyr Carrasco e Rita Buzzar, direção de

Del Rangel (1990), Mãe de Santo, de Paulo César Coutinho, direção de Henrique

Martins (1990), O canto das sereias, de Paulo César Coutinho, direção de Jayme

Monjardim (1990), Escrava Anastácia, de Paulo César Coutinho, direção de

Henrique Martins (1990), A rainha da vida, de Wilson Aguiar Filho e Leila

Miccollis, direção de Walter Campos (1987), Tudo em cima, de Bráulio Pedroso e

Geraldo Carneiro, direção de Ary Coslov (1985), Santa Marta Fabril S. A., escrita

8 As informações aqui apresentadas sobre as minisséries da TV Manchete, Bandeirantes e Record

foram retiradas de http://pt. Wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_minisseries_brasileiras. Acesso em 03.02.2008.

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e dirigida por Geraldo Vietri, baseada na peça teatral de Abílio Pereira de Almeida

(1984); Viver a vida, de Manoel Carlos, direção de Mário Márcio Bandarra (1984),

Marquesa de Santos, de Wilson Aguiar Filho, direção de Ary Coslov (1984). No

total, a Manchete exibiu 16 minisséries e somente 6 delas foram adaptações de

textos literários (brasileiros e estrangeiros).

A Rede Record investiu no formato entre os anos de 1997-1998, com seis

minisséries, nenhuma delas baseada em obras literárias: A filha do demônio, de

Ronaldo Ciambroni, direção de Atílio Riccó (1997), Olho da terra, de Ronaldo

Ciambroni, direção de Atílio Riccó (1997), Por amor e ódio, de Vivian de Oliveira,

direção de Atílio Riccó (1997), O desafio de Elias, de Yves Dumont, direção de

Luís Antonio Piá (1997), Alma de pedra, de Vivian de Oliveira, direção de Luís

Antonio Piá (1998), A história de Ester, de Yves Dumont, direção de Luís Antonio

Piá (1998).

Timidamente, a Rede bandeirantes produziu somente 4 minisséries, sendo

três baseadas em obras de autores brasileiros (Jorge Amado, Dirceu Orico e

Mario Palmério): Capitães da areia, direção de Walter Lima Jr. (1989), O cometa,

de Manoel Carlos (1988), Chapadão do Bugre, de Antonio Carlos da Fontoura

(1988) e a única que não se pautou por um texto literário foi Colônia Cecília, de

Carlos Nascimbeni (1989).

A TV Cultura produziu entre os anos de 1981 e 1982 um programa

chamado tele-romance, exibindo adaptações de livros de escritores brasileiros,

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com cerca de vinte capítulos, num formato que pode ser aproximado ao das

minisséries.9 Como ilustração, enumeramos alguns títulos: Vento do mar aberto

(1981), Floradas na serra (1981), O fiel e a pedra (1981), O pátio das donzelas

(1982), Nem rebeldes nem fiéis (1982), Picnic classe C (1982), Casa de pensão

(1982), O coronel e o lobisomem (1982), Iaiá Garcia (1982). No entanto, tais

produções, apesar da curta duração, são consideradas como telenovelas

(REIMÃO, 2004, p. 126-128), possivelmente pelo baixo investimento e pela

qualidade final do produto.

Enfim, podemos observar que a televisão vale-se, freqüentemente, de

obras literárias para criar um produto mais aprimorado, exibido geralmente por

volta das dez da noite, para um telespectador mais exigente. Assim, temas

históricos e atuais, polêmicos e controversos, migram da esfera literária para a

televisiva, atingindo um grande público e impulsionando a venda de livros.

Ressaltamos ainda que, embora outras redes de televisão tenham exibido

minisséries, aquelas produzidas pela Rede Globo foram as que conseguiram

obter maior respaldo junto aos telespectadores e também obtiveram maiores

índices de audiência.

Depois deste panorama das minisséries produzidas no Brasil, vamos

enfocar os livros de Érico Veríssimo que foram adaptados e transformados em

novelas, filmes e minisséries.

9 Para mais esclarecimentos a este respeito, consultar o Anexo 2 – Telenovelas nacionais

adaptadas de romances de autores brasileiros – 1964-2000, apresentado em REIMÃO, Sandra. Livros e televisão: correlações. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004, p. 121-130.

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2. OBRAS ADAPTADAS DO ESCRITOR GAÚCHO: MINISSÉRIES, NOVELAS E

FILMES

Entre as diversas obras ficcionais escritas por Érico Veríssimo, algumas

foram adaptadas pela teledramaturgia brasileira, a maioria delas pela Rede Globo

e pela TV Cultura.

De acordo com Sandra Reimão (2004, p. 117), no tópico denominado

“telenovelas não-diárias adaptadas de romances de autores brasileiros

transmitidas ao vivo em São Paulo – 1951-1963”, a primeira novela baseada em

um texto de Érico Veríssimo foi Clarissa (1961), exibida pela TV Cultura, seguida

de Olhai os lírios do campo (1961), também apresentada pela mesma emissora.

O romance Olhai os lírios do campo também foi transformado em novela

pela Rede Globo no horário das dezoito horas, apresentada entre 21 de janeiro e

24 de maio de 1980, com 108 capítulos. A adaptação ficou a cargo de Geraldo

Vietri, que depois foi substituído por Wilson Rocha. Além disso, o romance

mencionado foi adaptado para o cinema em 1947, com o título de Mirad los lirios

del campo, uma produção argentina dirigida por Ernesto Arancibia e em seu

elenco estavam Mauricio Jouvert e José Olarra.

Na TV Excelsior, O tempo e o vento, com título homônimo, tornou-se uma

novela de Teixeira Filho, com direção de Dionísio Azevedo, em julho de 1967,

apresentada às 21:30, com Carlos Zara como Capitão Rodrigo e Geórgia Gomide

vivendo Ana Terra. Entre 22 de abril e 31 de maio de 1985, a obra em apreço foi

adaptada para o formato de minissérie por Doc Comparato, com 25 capítulos,

dirigida por Paulo José e exibida às 22:30.

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Na década de 80, a TV Cultura transpôs dois romances do escritor gaúcho

para o programa denominado tele-romance, no qual eram apresentadas histórias

pautadas em romances brasileiros, com uma média de vinte capítulos. Conforme

já comentamos, tais produções são classificadas como telenovelas por Sandra

Reimão (2004, p. 27). O primeiro tele-romance (ou telenovela) foi O resto é

silêncio (1981), adaptado por Mário Prata, exibido às 21 horas. O segundo foi

Música ao longe (1982), adaptado pelo mesmo autor, apresentado às 19:30.

No ano de 1994, foi exibida a minissérie Incidente em Antares, adaptada

por Charles Peixoto e Nelson Nadotti e baseada no romance homônimo de Érico

Veríssimo. A obra televisiva inicia-se com o anúncio de uma greve geral, durante

a qual sete mortos são impedidos de ser enterrados. Os defuntos são os

seguintes: Quitéria Campolargo (Fernanda Montenegro), a matriarca da cidade,

que morreu do coração: o anarquista Barcelona (Elias Gleizer), vítima de um

aneurisma cerebral; João Paz (Diogo Vilela), jovem pacifista que foi torturado na

prisão; o corrupto advogado Cícero Branco (Paulo Betti), que morreu de uma

hemorragia cerebral; o bêbado Pudim de Cachaça (Gianfrancesco Guarnieri),

envenenado pela mulher; o pianista que cometeu suicídio – Menandro Olinda

(Rui Rezende) e a prostituta Erotildes (Marília Pera), vitimada pela tuberculose

porque não recebeu os cuidados médicos necessários.

Soma-se ao elenco estelar apontado, a participação de Regina Duarte,

interpretando a telefonista Shirley, que passa o tempo todo comentando os

acontecimentos da cidade e funciona como uma espécie de narrador que, a cada

novo capítulo, rememora para os telespectadores os fatos mais relevantes do

capítulo anterior. Quando a minissérie foi transformada em DVD, a sua atuação

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reduziu-se a duas pequenas participações, uma vez que os doze capítulos foram

condensados em cerca de três horas e meia. Também é necessário mencionar o

trabalho memorável do ator Paulo Goulart na pele do prepotente e arrogante

coronel Tibério Vacariano.

A minissérie em questão recebeu cuidados primorosos na sua produção,

na seleção do elenco, nos efeitos especiais e foi, na época de sua exibição, uma

das mais caras produções da Rede Globo:

É [...] a mais cara produção do gênero na história da TV brasileira. Incidente em Antares consumiu 140.000 dólares por capítulo. [...] [...] Gastou-se nela o tempo que se leva para rodar um filme. Ao todo, a minissérie demorou um ano para ficar pronta. Só o trabalho de adaptação consumiu quatro meses, contra uma média de dois das minisséries anteriores. Cada ator teve um mês para

estudar o roteiro e o seu personagem muito diferente de uma novela, em que esse prazo é, no máximo, de uma semana. (SANCHES, 1994, p. 1-2).

Observa-se que os recursos e o esforço empregados na minissérie deram

bons resultados e a obra televisiva teve uma grande repercussão e foi bem aceita

pelo público, obtendo uma excelente audiência. Além destes fatores, cabe

apontar que a minissérie traz à cena uma visão da sociedade brasileira

caracterizada pela impunidade e pela cristalização das classes sociais. Tal

cristalização é verificada na separação entre os interesses do povo e os da elite,

os quais nunca são coincidentes e a conseqüente vitória das classes abastadas,

em detrimento dos menos favorecidos, que são perseguidos, feridos,

assassinados, obrigados a fugir, enquanto a “nobreza”, apesar de infringir-lhes tal

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flagelo, consegue manter-se impune, apesar das denúncias feitas pelos defuntos

antarenses, como se poderá comprovar no quarto capítulo desta dissertação.

Aliam-se aos elementos enunciados acima, a presença de duas duplas

românticas que amenizam e suavizam a crueza e o horror da história principal ─

os sete mortos insepultos ─ e também a violência e os desmandos dos poderosos

nas tramas paralelas. Tais pares românticos caracterizam-se como marcas

específicas de um tipo de narração ─ o folhetim, conforme se poderá verificar na

seqüência de nossa dissertação.

Antes de enfocarmos o objetivo central deste trabalho ─ a presença do

folhetim na minissérie Incidente em Antares ─ vamos tecer algumas breves

considerações sobre a adaptação de uma obra literária para uma narrativa

audiovisual.

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3. NARRATIVAS AUDIOVISUAIS EM ÉRICO VERÍSSIMO – RELEITURA DO

REAL

Uma narrativa audiovisual configura-se estruturalmente de modo idêntico

às narrativas que a antecederam (narrativas orais, literárias, enfim). Assim,

podemos reconhecer na sua base estrutural: um narrador, personagens, tempo,

espaço e acontecimentos.

Talvez o elemento narrativo mais instigante de uma narrativa audiovisual

seja o narrador, aquele que conta a história, ora mostrando (através do

movimento da câmera) ora anunciando (por meio da trilha sonora).

A composição da imagem pelo movimento da câmera, os efeitos da

iluminação e o acompanhamento de uma trilha sonora que se desdobra em sons

diversos e música trazem um narrador “vivo” que dinamiza a narrativa.

Em Incidente em Antares notamos, além da força de um estilo resultante

do conhecimento das necessidades narrativas, a evolução, as gradações, o

suspense, o clímax, em que o tom de farsa e a técnica descritiva cinematográfica

são levados ao extremo. Dessa maneira, torna-se possível estabelecer paralelos

entre a narrativa ficcional e a audiovisual, levantando diversos aspectos, como,

por exemplo, o fato do macabro incidente acontecer no dia 13 de Dezembro e

envolver 7 (sete) mortos, que indignados resolvem reunir, no coreto da praça de

Antares, toda a população de uma cidade. Desta forma, abre-se espaço para

que se recrie, na praça de Antares, o mito do Juízo Final.

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Confiramos uma imagem da minissérie, com a presença dos sete mortos,

no momento em que Cícero Branco denuncia as arbitrariedades, os abusos,

enfim, os crimes praticados pelos poderosos da sociedade antarense:

Efetivamente, a presença de todos os habitantes de Antares na praça, dos

sete mortos no coreto e as exposições das atrocidades praticadas por Tibério

Vacariano, Inocêncio Pigarço, Vivaldino Brazão, Quintiliano do Vale, dentre

outros, criam um cenário aterrador ─ como se o dia do Juízo Final houvesse

chegado e os pecados de todos os moradores da cidade pudessem ser revelados

em praça pública e Antares fosse ser punida com a destruição, o que acaba não

ocorrendo e os mortos decidem retornar a seus caixões para serem enterrados.

Percebemos um narrador incidental que se mostra através de uma série de

recursos que extrapolam os tradicionais postulados realistas configurados na

reação dos personagens mortos contra a organização social e moral de Antares.

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Trata-se de uma reação relativizada, pois se faz através de 7 (sete) mortos, que já

não se incluem neste mundo que criticam e sobre o qual, portanto, não têm

nenhuma possibilidade efetiva de modificação (CHEVALIER e

GHEERBRANT,1999).

Nessa linha, o recurso à simbologia do número 7 (sete) reflete a ideologia

do autor, ou seja, a dimensão contestadora do romance incide sob o símbolo de

perfeição, a totalidade da ordem moral, indicando o sentido de uma mudança

depois de um ciclo concluído e de uma renovação positiva onde predomina a

fabulação, a narrativa ficcional, produto da imaginação do autor.

Por outro lado, o fato do incidente ocorrer no dia 13 de Dezembro remete à

idéia de mau agouro, pois este número “determina uma evolução fatal em direção

à morte, em direção à consumação de um poder” (CHEVALIER e GHEERBRANT,

1999, p.902), ou seja, o confronto entre o Bem e o Mal, alegoria de um Juízo

Final. Além disso, temos no número 13 (treze) uma referência ao nº 4 ( ao

somarmos seus dois dígitos).

O número 4 (quatro) remete para a totalidade do universo – o que temos

em Antares é também uma espécie de Universo, bem peculiar, sendo

questionado.

Se por um lado é possível, através da técnica de Veríssimo, visualizar os

personagens, suas ações e a dimensão dos acontecimentos marcantes de um dia

macabro em uma cidade prosaica, perdida no interior do país, por outro “na

narrativa audiovisual temos um elemento muito peculiar que, essencialmente, a

diferencia da sua precursora: a imagem” (MOREIRA, 2005, p. 31).

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No formato audiovisual a imagem exerce um desempenho narrativo que

não presenciamos no romance, artifício este explorado com maestria pelos

roteiristas e diretores de algumas obras adaptadas para a televisão, como é o

caso de Incidente em Antares.

A seguir, vamos explorar as imagens e outros recursos que são

empregados na minissérie em apreço com o intuito de destacar a presença do

folhetim na referida narrativa televisiva, manifestada pelo amor proibido entre um

padre e uma mulher casada ─ Pedro Paulo/Valentina e pelo par romântico

formado no universo dos sete mortos ─ Pudim de Cachaça/Erotildes.

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IV. MARCAS DO FOLHETIM NA MINISSÉRIE INCIDENTE EM ANTARES

O advento do romance-folhetim foi, de certo, uma conseqüência da expansão da imprensa diária na primeira metade do século passado. Émile de Girardin é tido como um dos primeiros, senão o primeiro diretor de jornal a compreender o partido que podia tirar do gênero. Observando o êxito extraordinário dos melodramas, nos teatros parisienses, por volta de 1840, chegou à conclusão de [que] se publicasse no jornal, em folhetins diários, romances com aqueles ingredientes dos melodramas ─ amores contrariados, duelos, tiros, fugas na noite, em meio a tempestades e trovões ─ teria igual sucesso. Brito Broca

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1. TRAÇOS DO FOLHETIM NO UNIVERSO DOS MORTOS

Há um fato relevante que deve ser apontado sobre a gênese da obra

Incidente em Antares. Quando Érico Veríssimo estava escrevendo um romance

intitulado A hora do sétimo anjo ─ um projeto que não chegou a concluir ─ teve, a

partir de uma fotografia, o ponto de partida para a escritura daquela que talvez

seja a sua obra-prima: “Estava bem adiantado no plano do livro [A hora do sétimo

anjo] quando vi um dia, numa revista estrangeira, uma fotografia que me

impressionou pelo que continha de simbólico” (VERISSIMO apud SILVA, 2000, p.

62) e, pode se dizer que a imagem, com tudo que ela representava de simbólico,

perdurou na sua memória, até que o escritor abandonou o projeto iniciado para se

dedicar a escrever a nova obra ─ Incidente em Antares ─ reaproveitando idéias e

tramas do livro inacabado:

Por mais estranho que pareça, a idéia me foi inspirada por uma foto que vi numa revista estrangeira: um cemitério, tendo à frente uns dez ou doze caixões enfileirados, por ocasião de uma greve de coveiros. Pensei assim: „E se esses mortos resolvessem erguer-se e fazer greve contra os vivos?‟ Achei que era um bom ponto de partida para um conto ou uma novelinha. Brinquei com a idéia por algumas horas, mas depois esqueci dela, dedicando-me inteiramente ao romance que então escrevia, A hora do sétimo anjo. Achei que a coisa da fotografia poderia acabar sendo apenas uma anedota macabra. Andava caminhando com minha mulher pelas colinas do Alto Petrópolis quando a idéia me voltou com tanta força que comecei a trabalhar nela mentalmente. [...] Meia hora depois, em casa, enfiei no fundo duma gaveta toda a papelada de A hora do sétimo anjo e comecei a trabalhar no Incidente (ou acidente?). A primeira coisa que fiz foi um desenho em cores da praça central da cidade, onde a parte mais dramática do romance se desenrola. [...] (VERISSIMO apud SILVA, 2000, p. 64).

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Evidentemente, a fotografia não permaneceu somente como uma “anedota

macabra”, mas serviu como o gérmen da trama principal de Incidente em Antares.

Curiosamente, o vínculo desta obra com outras áreas já havia começado em sua

gênese e, muitas décadas mais tarde, o romance é transformado em minissérie,

perfazendo uma trajetória que se pode sintetizar da seguinte forma ─ fotografia –

romance – minissérie. Portanto, o livro de Érico Veríssimo parecia destinado a

dialogar e a se transformar em outras linguagens.

A minissérie centra-se na segunda parte do romance, mais

especificamente, no incidente, que ocorre quando sete mortos insepultos decidem

levantar-se de seus caixões e exigir que sejam enterrados. O relato televisivo

abre-se com a primeira página do jornal de Antares, A Verdade, com a seguinte

manchete: “Antares em crise”. A referida página dava conta da greve geral a ser

deflagrada em Antares. Em seguida, a câmera mostra a morte dos sete

personagens que irão tomar a praça da cidade e cobrar das autoridades o seu

enterro: João Paz, Menandro Olinda, Pudim de Cachaça, Quitéria Campolargo,

Erotildes, Cícero Branco, Barcelona.

Do lado de fora do cemitério, os sete mortos levantam-se e é Quitéria

Campolargo quem propõe que eles voltem à cidade e aproveitem esta

oportunidade para realizar alguma tarefa inacabada. Quando amanhece, o grupo

caminha em direção a Antares, provocando desmaios, acidentes e assombro

entre os antarenses.

Inexistente no romance o objetivo de os mortos completarem o que

deixaram inacabado enquanto vivos, tal artifício impulsiona as ações dentro da

minissérie e os mortos parecem “anjos vingadores”, que retornam da morte para

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se vingarem. Aliás, o tema da vingança é um dos pilares do romance-folhetim e

um assunto de grande rendimento para a narrativa dos romances, telenovelas,

filmes e também minisséries. Nas sábias palavras de Antonio Candido (apud

MEYER, 1996, p. 68), a vingança

embora tão velha na literatura quanto a própria literatura, recebeu do romantismo alguns toques especiais. Não será excessivo lembrar que ela se tornou então um recurso de composição literária, de investigação psicológica, de análise sociológica e de visão de mundo. [...] a vingança, como tema, permite e mesmo pressupõe um amplo sistema de incidentes, a ficção seriada, como gênero, exige a multiplicação de incidentes. Daí a frutuosa aliança referida, que atendia às necessidades de composição criadas pelas expectativas do autor, do editor e do leitor, todos os três interessados diretamente em que a história fosse a mais longa possível: o primeiro, pela remuneração, o segundo, pela venda, o terceiro, pelo prolongamento da emoção. [...] a vingança foi uma das possibilidades de verificar a complexidade do homem e da sociedade, permitindo circular de alto a baixo na escala social. Vingança estreitamente ligada à perseguição e ao mistério, [...] A partir daí pode-se aquilatar a importância dos romances sociais e folhetinescos, em que o ombro-a-ombro motivado pela vingança nivela a alta sociedade ao bas-fond, revolvendo na sua marcha, como um arado espectral, as consciências e os níveis sociais.

De fato, a temática da vingança mostra-se como um recurso altamente

rentável para a ficção folhetinesca, uma vez que implica uma série de incidentes,

exigindo a figura de um herói vingador que atue para reparar uma ou mais

injustiças ou ainda revelar o(s) culpado(s) de um crime ou vários (roubos,

assassinatos, usurpação de heranças ou identidades etc.). Assim, é plausível

considerar os sete mortos como vingadores que decidem vingar-se da sociedade

antarense, revelando em praça pública os seus crimes e as suas faltas.

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Quitéria Campolargo verifica que foi enterrada sem suas jóias. A sua

família não respeitou o seu desejo e decidiu ficar com elas. Quando ela chega ao

seu palacete, encontra as filhas e os genros brigando pelas referidas jóias. Além

do susto que todos demonstram, recebem uma reprimenda da matriarca de

Antares, que coloca as jóias em uma pequena caixa, leva-as até o banheiro, joga-

as no vaso, dá a descarga e informa aos parentes: “O rio Uruguai herdou as

minhas jóais.” Com este gesto, ela vinga-se das filhas ingratas e dos genros

interesseiros. Além disso, o telespectador conscientiza-se de que os familiares de

Quitéria são parasitas, incapazes de qualquer afeição e que se interessam

unicamente por dinheiro e querem toda a herança deixada por ela, inclusive os

anéis e colares com os quais ela desejava permanecer depois de morta.

João Paz é vítima do delegado Inocêncio Pigarço e seus asseclas. Na

cadeia, o delegado quer que ele confesse ser o chefe de uma quadrilha de

guerrilheiros. Como ele é inocente e não faz o que o delegado lhe pede, é

torturado e, devido à violência com que é tratado, morre. O delegado procura

disfarçar sua morte violenta com a ajuda do médico Lázaro, que forja um atestado

de óbito no qual consta que a causa da morte foi natural.

Este personagem, depois que deixa o cemitério, vai a sua casa para

conversar com sua mulher, Rita. Ao chegar, ordena-lhe que ela não se aproxime,

em virtude do seu atual estado de decomposição, mas acaba aproximando-se

dela para tocar sua barriga e sentir os movimentos do filho que está em seu

ventre. Ela está grávida de cinco meses. João Paz deseja salvá-la das mãos do

delegado. Informa-lhe que o padre Pedro Paulo irá ajudá-la a fugir, atravessando

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a fronteira e dirigindo-se para a Argentina, onde amigos seus iriam auxiliá-la

também. Ele despede-se dela e a deixa aos prantos em uma cadeira.

O maestro Menandro Olinda não consegue tocar a Appassionata de

Beethoven. Recorda-se que a mãe o flagrara masturbando-se e lhe dissera que

aquilo era pecado, que como castigo suas mães e seus dedos iriam secar.

Durante um concerto em Antares, ele interrompe a música que está tocando ao

piano e não mais consegue executá-la. A música em questão é a Appassionata.

O maestro suicida-se, cortando os pulsos e a sua missão inacabada é tocar

integralmente a música mencionada.

Cícero Branco é advogado e participa de negociatas e roubalheiras

efetuadas por ele próprio e pelos homens mais importantes de Antares: prefeito,

juiz, delegado, médico e o Coronel Tibério Vacariano. Depois de morto, volta a

sua casa, surpreendendo a esposa adúltera com um adolescente em sua cama.

Além deste fato, o advogado também terá um papel central no coreto da praça de

Antares, quando revelará que o prefeito, o Coronel Vacariano e ele próprio lesam

os cofres públicos, efetuam negócios irregulares e enviam o dinheiro desviado

para contas no exterior.

Pudim de Cachaça é envenenado pela mulher, Natalina, e vai vê-la na

cadeia. Tenta libertá-la, mas ela recusa-se a deixar sua cela, afirmando que ali

tinha sossego, podia descansar e comer sem precisar trabalhar para sustentar um

marido bêbado, que ainda por cima a agredia fisicamente.

Erotildes visita a amiga Rosinha e conta que morreu por negligência do

médico da cidade, Lázaro, que não providenciou um remédio de que ela

precisava simplesmente pelo fato de ela ser pobre e, além disso, prostituta. A

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amiga maquia Erotildes, arruma-lhe um vestido estampado e um xale cor-de-rosa.

Ela abandona o camisolão branco dado pelo hospital e com o qual fora enterrada

e melhora sensivelmente sua aparência.

Barcelona dirige-se à delegacia, diz uma série de verdades ao delegado, o

qual atira diversas vezes, mas Barcelona já está morto, as balas não conseguem

feri-lo. Outra atitude do sapateiro é ajudar Geminiano, uma espécie de chefe da

greve geral de Antares, que é vítima de uma emboscada preparada pelo Coronel

Tibério Vacariano. Geminiano encontra-se no quarto de um bordel com uma

mulher, a sua predileta, e dois homens estão embaixo de sua cama, prontos para

atirar. Com a chegada de Barcelona, ambos assustam-se, atiram no morto e

fogem pela janela. Barcelona, um anarquista como ele próprio se denomina, apóia

a greve e considera Geminiano como um companheiro na luta por melhorias

salariais na vida dos operários antarenses.

Vale destacar que, após cumprida a missão que cada defunto tinha

deixado de realizar, eles retornam ao coreto da praça, onde os mortos, liderados

por Cícero branco, relatam as arbitrariedades, o abuso de poder, a violência, a

malversação do dinheiro público efetuada pela elite de Antares. Além disso, há

crimes sexuais ─ o prefeito e sua predileção por garotas menores de idade, a

revelação por parte de Erotildes de haver sido amante de Vacariano por cinco

anos. Ele até montara casa para ela, mas abandonou-a quando achou que ela

estava velha e foi atrás de outra amante mais jovem. Abandonada a sua própria

sorte, ela foi decaindo até apanhar uma forte chuva e morrer vítima de

tuberculose. João Paz revela que foi assassinado pelo delegado Pigarço e seus

comparsas. Deve-se acrescentar às denúncias efetuadas pelos mortos, o fato de

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Cícero Branco exibir uma gravação que compromete Tibério Vacariano e o

prefeito numa transação ilícita com uma firma que iria prestar serviços à

prefeitura.

Os mortos convertem-se em testemunhas de acusação da sociedade

antarense. Revelam todos os “podres” desta sociedade, da qual nem mesmo o

juiz é isentado, sendo acusado por Barcelona de participar das falcatruas dos

representantes políticos da cidade e agir em casa como um déspota, que não tem

uma esposa, mas uma escrava, que deve obedecê-lo cegamente.

Nota-se, desta forma, que os mortos exercem o papel de vingadores, que

procuram revelar os crimes e acabar com a impunidade daqueles que estão no

poder. A cena da praça assemelha-se a um julgamento ─ o dos mandantes da

sociedade antarense ─ com o depoimento dos acusadores e com as respectivas

defesas ─ cada um dos acusados afirma que aquilo que os defuntos declaram é

mentira. Contudo, não há um veredicto, uma decisão final que condene ou

absolva os réus. O povo, que deveria fazer algo, tomar um partido, agir, mostra-se

passivo e, pendurado nos muros e nos galhos das árvores, vaiam o prefeito, o

juiz, o médico, o coronel Vacariano, mas nada fazem para que a justiça seja feita.

Ao final, os habitantes de Antares revoltam-se contra os mortos, Vacariano

e outros moradores da cidade incendeiam o coreto, mas os mortos não são

afetados. No entanto, eles decidem voltar ao cemitério, até serem enterrados. O

líder dos grevistas, Geminiano, é preso, assim como o padre Pedro Paulo, que

ajudou Rita Paz a fugir da cidade. Tudo retorna à normalidade e, aos repórteres

que chegam a Antares, Vacariano e seus seguidores inventam uma boa desculpa

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e nada contam sobre os mortos que vieram à praça de Antares para revelar as

ações criminosas de seus mais ilustres representantes.

Diante do que expõem os mortos, é forçoso concluir que a justiça é

efetivamente cega aos sofrimentos, denúncias e crimes perpetrados pelos

poderosos contra os mais humildes e, como seu símbolo é uma balança, esta se

encontra sempre em desequilíbrio, pendendo sempre para o lado dos mais fortes,

como já ocorria nos folhetins franceses:

Justiça que atinge sem remissão os pobres ─ do operário Morel de Os mistérios ao Jean Valjean de Os miseráveis, que foi às galés pelo roubo de um pão ─ que jamais podem apelar ou recorrer a um advogado, e por isso a mulher pobre, impossibilitada de divorciar-se, tem que agüentar surras e maus tratos do marido, [...]. A justiça é cega, e engendra todos aqueles „erros judiciários‟, geradores de tantos enredos dos folhetins [...]. [...] O descaso pela lei por parte dos ricos, a cegueira da justiça para com os pobres. E o cotidiano era tão folhetinesco quanto folhetinesco e melodramático o discurso dos jornais ou dos tribunais. Daqueles juízes apreciando as acusações das „meninas perdidas‟, defendendo seus agressores; [...]. Mundo folhetinizado para efeitos de persuasão, onde o medo entrava como peça fundamental. Mundo folhetinesco a exigir o discurso do melodrama para dizer o paroxismo das situações, o paroxismo dos sentimentos. Paroxismo da linguagem dos acusadores e das vítimas. Uma fala que é quase como que o discurso „natural‟ dos despossuídos, daqueles que só têm o corpo, o grito, o descabelamento para dizer da inominável aventura de seu cotidiano, [...]. (MEYER, 1996, p. 403).

Uma das temáticas do romance-folhetim francês do século XIX ─ a justiça,

com suas vítimas e algozes ─ é transportada para o mundo romanesco criado por

Érico Veríssimo e, por extensão, torna-se uma dos pilares que sustentam a

minissérie exibida pela Rede Globo. Nesta, como comprovamos, a justiça não se

concretiza, é controlada pelos mais ricos e desvela um quadro desolador ─as

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vítimas, ainda que revelem a verdade e denunciem seus agressores em praça

pública, nada podem contra estruturas socais e costumes arraigados, nos quais

os mais fracos sempre perdem e os poderosos sempre vencem.

A par da trama principal ─ que nesta minissérie se configura em dois

níveis: Vivos e Mortos ─ transcorre a formação de uma dupla inusitada ─ Pudim

de Cachaça e Erotildes (vivida por Giafrancesco Guarnieri e Marília Pêra). Esta,

maquiada por Rosinha (amiga de trabalho, vivida por Betty Faria) deixa o

camisolão branco do hospital e veste um vestido estampado e um xale cor-de-

rosa. A boca recebe um batom vermelho e as faces, graças ao ruge, tornam-se

rosadas. Sua aparência melhora sensivelmente e Pudim de Cachaça é o primeiro

a observar a diferença, dizendo-lhe: “─ Estás bonita.” A partir deste momento, os

dois ficam sempre de mãos dadas, como dois namorados. Aliás, sem laços

afetivos duradouros ─ a mulher de Pudim de Cachaça o odeia, a ponto de

envenená-lo e Erotildes, marcada pelo estigma da prostituição, não teve nenhum

amor verdadeiro ─ assim, a união dos dois é reveladora de que ambos só

poderiam ser felizes depois de mortos. Enquanto estavam vivos, foram infelizes e

suas vidas foram marcadas pela dor e pelo sofrimento. Na morte encontram a

possibilidade de uma felicidade duradoura. Até porque é um amor livre das

amarras e das convenções sociais, um pouco dentro do espírito já anunciado por

Brás Cubas que inaugura um universo livre de convenções, conchavos etc. - O

universo dos mortos goza da mais ampla e irrestrita liberdade. Afinal, como os

personagens já estão mortos, nada pode afetá-los.

O par romântico mencionado não se concretiza no romance, no qual

ambos ficam lado a lado, mas sem qualquer insinuação de um idílio amoroso,

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conforme ocorre na minissérie. Os adaptadores buscaram atenuar a trama

principal, que é pesada, além de macabra e assustadora, com este romance além

da vida.

Quando o maestro Menandro Olinda finalmente consegue tocar a

Appassionata, Erotildes e Pudim de Cachaça dançam, solitários, no coreto da

praça. Seus corpos elevam-se acima do telhado do coreto, tendo como cenário

uma noite estrelada ao fundo. O convite para a dança parte de Erotildes, que

propõe a Pudim de Cachaça que ela finja “ser sua mulher” e que ele seja “seu

namorado”, falas que só se encontram na transcodificação televisiva. Confiramos

dois momentos nos quais se observa a dança do casal na minissérie. No primeiro,

o casal, de mãos dadas, apresenta um ar de cumplicidade e sorriem, felizes; no

segundo, ambos dançam ao som de Apassionata!

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Depois que descem ao solo, ambos permanecem sempre de mãos dadas,

até o momento do sepultamento, no qual Pudim de Cachaça despede-se de

Erotildes com uma frase que, de certo modo, prenuncia uma vida feliz no céu (ou

na vida eterna) ─ “Até o próximo baile.”

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O possível reencontro dos dois aponta para um final feliz para ambos, pois,

como almas, poderão reencontrar-se e dar continuidade ao idílio iniciado no

incidente causado pela greve dos coveiros.

Mais uma vez, insistimos que a inclusão do par romântico aqui

mencionado, serviu para minimizar e suavizar o conflito principal. Contudo, não é

só neste fato que se percebe uma tentativa de amenizar aspectos até

“repugnantes” do livro na transposição para a minissérie. A título de ilustração,

vejamos algumas passagens da obra narrativa, nas quais os mortos são

descritos:

O sinistro bando, a todas essas, caminhava implacavelmente, em marmóreo silêncio tumular, para dentro da cidade, deixando para trás uma fétida esteira pestilenta, que em breve inundou todas as ruas adjacentes, [...] nem todos os perfumes da Arábia conseguirão jamais limpar nossa cidade dessa fedentina cadavérica. (VERISSIMO, 1995, p. 259). ─ Alma você não é! ─ E com estas palavras recua [Aristarco Belaguarda, tabelião], franzindo o nariz. ─ É um cadáver [referindo-se a Cícero Branco] em franco processo de putrefação. (VERISSIMO, 1995, p. 272). ─ Não, major. O homem está morto mesmo. Fedia [Barcelona] como um cachorro podre. (VERISSIMO, 1995, p. 278). As moscas zumbem no ar, por cima da cabeça do morto [Pudim de Cachaça], que se senta na ponta da cadeira. (VERISSIMO, 1995, p. 288). Os seis mortos continuam sentados em silêncio, dentro de sua nuvem de moscas. (VERISSIMO, 1995, p. 347). [...] O que vou contar [Cícero Branco] é muito importante e talvez seja a última oportunidade que tenho para falar, pois os saprófitas trabalham depressa e já me devoraram boa parte das entranhas. (VERISSIMO, 1995, p. 349). O advogado dos cadáveres [Cícero Branco] solta uma risada teatral e de sua boca escorre um líquido pardacento, que ele limpa com a manga do smoking. (VERISSIMO, 1995, p. 349). Dentro do coreto, Barcelona solta risadas e com elas golfadas de moscas. (VERISSIMO, 1995, p. 351). E lá se foram os mortos, envoltos numa nuvem de mosquitos. (VERISSIMO, 1995, p. 444).

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Em todos os fragmentos transcritos, observa-se a putrefação, o

apodrecimento das carnes dos defuntos, a presença de inúmeras moscas que

tornam as cenas descritas no romance mais horripilantes, desagradáveis e

fúnebres. Entretanto, na minissérie não aparecem moscas sobrevoando os

defuntos ou saindo de suas bocas, nem se mencionam detalhes que revelam o

apodrecimento dos corpos. Os defuntos, por meio de truques de maquiagem,

apresentam-se com os rostos pálidos, com lábios e olhos arroxeados, com

exceção de Erotildes, depois que Rosinha “melhora” sua aparência com batom,

ruge, um vestido e um xale. Vejamos uma foto extraída da minissérie e que

retrata os sete mortos:

Como se pode notar, os mortos não apresentam os aspectos horripilantes

e nauseantes que são descritos no romance. Eles aparecem, em todas as cenas,

com uma maquiagem que procura dar-lhes o aspecto de mortos, mas sem

exageros e sem apelar para aspectos grotescos ou macabros. A morte e os

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efeitos dela decorrentes - moscas, putrefação da carne-não são explorados na

minissérie e também são, de certo modo suavizados, talvez para não afastar o

telespectador, afinal, o exagero na caracterização dos personagens poderia

transformar a minissérie numa história de terror, desvirtuando a mensagem do

romance que é de criticar a sociedade antarense e a impunidade que nela impera.

Se, por um lado, na minissérie a podridão dos cadáveres é atenuada e há

somente menções esporádicas e muito breves sobre este assunto, no romance,

descrevem-se os corpos decompondo-se, cercados por moscas e urubus prontos

a devorar a carniça na qual os corpos estão se transformando.

Conforme já foi dito, há uma preocupação em atenuar os efeitos

“nauseantes” do livro, que poderiam afastar o telespectador e levá-lo a rejeitar a

minissérie. Assim, os adaptadores evitam as cenas em que os corpos apresentam

claros elementos de decomposição, preferindo apresentar os mortos de um modo

menos realista e incluindo um romance no núcleo dos mortos entre dois

personagens que se caracterizam pela exclusão social e pela marginalidade

social: Pudim de Cachaça é alcoólatra e Erotildes, uma prostituta envelhecida.

Entre ambos, pelas mãos dos adaptadores, estabelece-se um envolvimento

amoroso, com as “tintas” próprias do folhetim: o encontro, a simpatia mútua, a

proximidade, a dança e a promessa de um reencontro futuro. Sob o céu que

agora os protege, é possível a felicidade, é possível uma dança que enlaçará

Pudim de Cachaça e Erotildes na eternidade e que não acabará nunca. É o final

feliz folhetinesco, sem dúvida. Mas nem tudo são flores na minissérie global.

Vamos ao outro casal da transcodificação televisiva: Pedro Paulo/Valentina

(Alexandre Borges e Valéria Monteiro).

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2. ELEMENTOS FOLHETINESCOS NO MUNDO DOS VIVOS

A transposição de uma obra romanesca para uma minissérie não é, de

modo algum, uma tarefa simples. Ela envolve uma série de alterações para

adequar e acomodar a linguagem literária à fílmica, conforme deixa patente

Audemaro Taranto Goulart (2006, p. 1) em seu artigo “O dizer, o mostrar e o

tentar dizer: as relações entre o livro e o filme10 Incidente em Antares”:

De um lado, uma obra literária de sucesso; de outro, um filme que pretende transformá-la em espetáculo de cinema. Aí estão os ingredientes necessários para mostrar que as relações entre cinema e literatura, não raro, tensionam-se numa polarização que pode ser assim resumida: um cineasta quer „ler‟ um livro, transcodificando-o numa narrativa fílmica. Para tanto, tem que fazer recortes e montagens que procurem dar conta daquilo que as palavras, pretensamente, disseram. Numa outra extremidade, um universo de leitores confere o trabalho final e, no mais das vezes, desencanta-se com o filme por não ver nele, representado com fidelidade, aquilo que se leu no livro. [...] Códigos específicos organizam diferenciadamente a narrativa de um livro e a de um filme [ou minissérie]. Públicos diferentes lêem o livro e vêem o filme [ou a recriação televisiva]. Níveis também diferentes marcam a realização de um e outro espetáculo, indicando verticalização maior ou menor de determinados acontecimentos. Por tudo isso, não se deve perder de vista a perspectiva de que, normalmente, não se pode ver um filme [ou minissérie ou qualquer recriação televisiva] como se leu um livro, posto que isso, no mais das vezes, é impossível. Mas é preciso ver como o filme leu o livro [...].

Se é verdadeiro que o texto literário e a sua adaptação fílmica guardam

semelhanças que nos permitem reconhecer a história apresentada, os

personagens, o espaço etc, presentes no livro, é também verdade que sempre há

10 Na verdade, a minissérie foi concebida em 12 capítulos para exibição na televisão, mas foi

lançada em vídeo com o tempo de exibição de 3h36m. Portanto, tornou-se “um filme”, como constata Taranto Goulart em seu artigo.

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modificações ao se passar de uma linguagem à outra. É o que se verifica, por

exemplo, na transcodificação da obra Incidente em Antares para a televisão no

que tange aos personagens Pedro Paulo e Valentina.

No romance, há breves insinuações de que o padre impressionou-se com a

mulher do juiz, Valentina. Já na minissérie, no dizer de Neuza Sanches (1994, p.

2), “os adaptadores de Incidente em Antares, Nelson Nadotti e Charles Peixoto,

superdimensionaram o personagem de Valéria Monteiro [Valentina], quase

invisível no livro”. Portanto, verifica-se que os adaptadores criaram mais uma

dupla romântica a fim de não causar estranhamento para o telespectador, já

acostumado à existência de pares românticos nas telenovelas diárias.

Pedro Paulo assume características próprias de um herói romântico, que

irá salvar uma das vítimas do delegado Inocêncio Pigarço ─ a mulher de João

Paz ─ Rita, com a ajuda de Valentina. Em Inocêncio Pigarço está a figura do

vilão:

Sua figura é a personificação do mal e do vício, mas também [...] as do sábio em fraudes, em dissimulações e disfarces. [...] sua função dramática é encurralar e maltratar a vítima. Ao encarnar as paixões transgressoras [...] é o personagem do terrível, o que produz medo, cuja simples presença suspende a respiração dos espectadores, mas também é o que fascina: príncipe e serpente que se move na escuridão, nos corredores do labirinto e do secreto. (MARTIN-BARBERO, 1998, p. 175-176).

Inocêncio Pigarço (Osvaldo Loureiro) não é um vilão sedutor, assim como

tampouco o são os demais personagens que assumem este papel dentro da

minissérie ─ Tibério Vacariano (Paulo Goulart), o prefeito Vivaldino Brazão

(Cláudio Correa e Castro), o médico Lázaro, o juiz Quintiliano (Carlos Eduardo

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Dollabela). No entanto, sua ações coadunam-se com o mal e a perversidade,

conforme assinala Martin-Barbero.

Já o personagem Pedro Paulo, na narrativa televisiva, assume a função de

justiceiro ou “protetor” e é “o personagem que, no último momento, salva a vítima”

(MARTIN-BARBERO, 1998, p. 176), no caso em questão, a esposa de João Paz,

que foi barbaramente torturado e morto pelo delegado e seus comparsas. Por

temer que Rita tenha o mesmo destino do marido, uma vez que o delegado chega

a prendê-la depois da morte do marido, Pedro Paulo vai buscá-la na delegacia e

planeja os detalhes de sua fuga da cidade de Antares. Somente a fuga poderia

garantir segurança a ela e ao filho que está esperando. Portanto, é esta a missão

do herói: salvar a vítima, Rita Paes ─ grávida de cinco meses, das mãos do vilão,

Inocêncio Pigarço. Nesta missão, ele será auxiliado por Valentina.

O telespectador dá-se conta de que há um mútuo interesse entre Pedro

Paulo e Valentina no velório de Quitéria Campolargo. Há uma rápida troca de

olhares entre ambos e, em seguida, Valentina diz ao marido que vai para casa e

ele a acompanha, reclamando muito.

Na seqüência das ações, Pedro Paulo resgata Rita Paz da delegacia e

Valentina dá uma carona aos dois, deixando Rita em casa e Pedro Paulo em uma

creche, onde ele exerce um trabalho voluntário, ajudando a cuidar de crianças.

Valentina passará a ajudá-lo nesta tarefa, deixando o marido enfurecido com esta

atitude.

Numa das cenas mais fortes da minissérie, depois que os mortos expõem

as ações criminosas dos poderosos de Antares ─ juiz, prefeito, médico, Coronel

Vacariano ─ Quintiliano é chamado de “fresco” pelo povo de Antares, enquanto

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tenta convencer os mortos a retornaram ao cemitério. Quando ele chega em casa,

discute com Valentina e a estupra.

No desenrolar das ações, ocorre a fuga de Rita auxiliada por Pedro Paulo.

Valentina exige que o padre a deixe acompanhá-los, caso contrário, afirma que

fará um escândalo. Sem saída, Pedro Paulo consente na sua companhia. Na

travessia do rio, o barco é abordado pela guarda-costeira argentina. Rita esconde-

se e Valentina despe a parte de cima de suas roupas e beija Pedro Paulo.

Observemos a cena :

Além disso, ela finge irritação com os guardas, que “não a deixam namorar

em paz”. Os policiais deixam o barco passar. Rita fica em segurança, na outra

margem do rio e, mais tarde, Pedro Paulo avisa João Paz: “a Virgem Maria já está

no Egito com o menino Jesus.” Ocorre um intertexto entre a narrativa fílmica e a

Bíblia, quando se relata a fuga de Maria para o Egito a fim de evitar que seu filho

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fosse morto. Da mesma forma, Rita é obrigada a fugir para salvar-se e também ao

filho que espera. Nas duas situações, duas mulheres buscam salvar aquilo que é

a coisa mais importante para ambas: as vidas de seus filhos.

Nas cenas finais da minissérie, Valentina abandona o marido, parte com os

dois filhos ─ um menino e uma menina ─ encontra Pedro Paulo e se despede

dele com um beijo. Ela vai embora, deixando Pedro Paulo um pouco

desorientado. Em seguida, ele é preso pela polícia antarense. Confiramos a

despedida do casal pela inserção das cenas da minissérie que reproduzimos a

seguir:

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Nas cenas acima, além de diversas outras que são apresentadas na

minissérie pode-se notar que Valentina está apaixonada por Pedro Paulo e este

não lhe é indiferente, corresponde a seu beijo e também tem fortes sentimentos

em relação a ela. Só a sua persistência em relação à sua vocação sacerdotal o

impede de acompanhá-la.

Diferentemente do que ocorre no romance, onde se insinua um interesse

de Pedro Paulo por Valentina, na minissérie percebe-se que os dois estão

apaixonados ─ vítimas de um amor impossível pelo fato de ele ser um padre e ela

estar casada. Embora Valentina acabe abandonando o marido (fato que não

acontece no livro), a dedicação de Pedro Paulo ao sacerdócio é mais forte que o

seu amor por ela. Ele decide ficar para ajudar aqueles que precisam de sua ajuda,

numa ação própria dos heróis que abrem mão da própria felicidade em benefício

do próximo.

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No romance, depois de uma discussão entre Quintiliano e Valentina, esta

lhe propõe que ambos participem de um “jogo da verdade” e lhe revela diversos

fatos que a desagradam na sua personalidade e nas suas atitudes e também em

relação às suas amizades. Ambos insultam-se mutuamente, o juiz chega a

mencionar uma carta anônima que insinua a traição de Valentina com o padre. Na

discussão entre os dois, a mulher acusa o marido de estar preocupado somente

com a opinião alheia e a obtenção do cargo de desembargador. No final do

romance é narrado o destino do casal:

O Dr. Quintiliano do Vale foi transferido para uma estância superior à de Antares, dando assim mais um passo rumo do ideal supremo de sua vida. Suas relações com Valentina, porém, haviam esfriado consideravelmente depois do diálogo da „noite dos mortos‟. (VERISSIMO, 1995, p. 482).

Ocorre uma acomodação do casal, depois da briga, pois continuam juntos,

para manter as aparências. Bem diverso é o destino da personagem Valentina na

minissérie: ela mostra-se audaz, deixa o marido e parte para tentar reconstruir

sua vida, sem estar atrelada a homem nenhum.

A dupla Valentina/Pedro Paulo é um dos pontos altos da minissérie,

revelando a herança folhetinesca que permeia o relato televisivo. Também com

uma função semelhante à de Pudim de Cachaça e Erotildes, ou seja, amenizar a

trama principal e agradar ao telespectador que, já habituado ao folhetim da

telenovela, segue a história da minissérie que mantém tal formato folhetinesco,

além da história dos cadáveres insepultos e suas exigências e reprimendas à elite

de Antares.

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Percebe-se uma fidelidade dos adaptadores às histórias dos mortos e uma

liberdade maior em relação a personagens que são considerados como

periféricos no romance, mas que são deslocados para uma posição de maior

destaque, como é o caso das duplas estudadas nesta parte do trabalho: Pudim de

Cachaça – Erotildes, Pedro Paulo – Valentina.

Cabe observar que Nelson Nadotti e Charles Peixoto dedicaram-se à

segunda parte do romance, na qual os conflitos são mais acirrados e é a parte

que mais tensão apresenta e, conforme constata Audemaro Taranto Goulart

(2006, p. 4),

não pode deixar de ser notado que, ao transformar o livro em filme, os autores do projeto da minissérie da Rede Globo tenham se dedicado, exclusivamente à segunda parte, numa demonstração de que ela tinha uma dimensão mais próxima da linguagem fílmica.

Este fato pode ser comprovado pelo aproveitamento de alguns efeitos

sobrenaturais que são descritos no romance: a foto dos mortos no coreto, na qual

este aparece vazio, e a imagem de Erotildes, que não se reflete no espelho,

quando ela vai visitar sua amiga Rosinha (VERISSIMO, 1995, p. 329 e 285).

Vejamos a cena na qual Erotildes, enquanto conversa com Rosinha, tenta se ver

através do espelho:

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Nos filmes de terror, as imagens de vampiros e fantasmas não têm reflexo

nos espelhos. Tal recurso, que é mencionado no romance, também é aproveitado

na minissérie e por isso, as imagens de Erotildes, no quarto de Rosinha, e a de

Cícero Branco, quando ele retorna a sua casa, não são refletidas pelo espelho,

deixando claro para os telespectadores que eles estão mortos, são espíritos e

como tais, não possuem mais a parte material que o espelho teria a capacidade

de refletir.

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Os elementos sobrenaturais mencionados e a história insólita dos sete

mortos que se levantam de seus caixões e fazem exigências e denúncias são

fatores que parecem talhados para a linguagem fílmica e foram muito bem

aproveitados e utilizados na minissérie.

Entre a palavra que se apresenta no romance e que deve ser transformada

em imagem, como é o caso do romance Incidente em Antares, vertido para uma

minissérie e que, ao ser lançada em DVD, transforma-se praticamente um filme,

há uma proximidade entre palavra e imagem que facilita e potencializa a

realização da transposição de uma linguagem para outra:

[...] a palavra, por estar marcada pela sucessividade e não pela simultaneidade, é incapaz de “apreender adequadamente a simultaneidade de um objeto, ambiente ou paisagem” (Anatol Rosenfeld, A personagem de ficção, 1972). Tal apreensão, no entanto, é possível à nossa visão que, devido a sua natureza de simultaneidade, pode apreender uma paisagem, um ambiente ou um objeto num só relance. Desse modo, dá para perceber como a narrativa tem lugar no cinema. À semelhança dos olhos, que buscam apreender tudo simultaneamente, a câmera é capaz de

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narrar a partir de seus movimentos. Daí Rosenfeld dizer que a câmera “focaliza, comenta, recorta, aproxima, expõe, descreve. O close-up, o traveling, o „panoramizar‟ são recursos tipicamente narrativos” (1972). Já a palavra, o elemento fundamental da literatura, tem de se desdobrar na criação de imagens, a fim de criar o mundo das objectualidades que vai ser visto como espetáculo „percebido‟. [...] (GOULART, 2006, p. 4).

As palavras das narrativas ficcionais podem ser transpostas para a

linguagem televisiva com propriedade e acuidade, como se nota na minissérie

Incidente em Antares, pois o insólito, o “fantasmático” do romance

se ajustou como uma luva na transcodificação para o espetáculo cinematográfico realizado pela equipe da Rede Globo. Quer dizer, o espetáculo de imagens já estava praticamente pronto, pelo simples fato de que ele estava ali, „agrandado‟ pelo jogo de imagens. Não resta dúvida de que, devido à diferença entre sucessividade e simultaneidade, as imagens são mais propícias na tela, pois elas não dependem de um movimento seqüencial rigoroso para se mostrarem. E, a bem dizer, essa seria a única diferença, posto que as imagens que Erico Veríssimo cunhou postaram-se para os realizadores da minissérie como aquela „coisa oferta‟, de que falam os poetas. Desse modo, a narrativa fílmica foi enormemente facilitada pela narrativa literária. A transcodificação lembrou o dito bíblico: e o verbo se fez imagem. (GOULART, 2006, p. 4).

Há, de acordo com as ponderações de Goulart, uma relação solidária que

se estabelece entre a palavra e a imagem na recriação do texto narrativo de

Incidente em Antares pela televisão. As imagens do romance adequam-se

perfeitamente à linguagem fílmica, resultando numa obra de grande valor estético

e que nada fica a dever ao livro que lhe deu origem. Contribui para este fato

também, a apropriação do modelo folhetinesco pelo relato televisivo, que

consegue ajustar com perfeição o envolvimento romântico de Pudim de Cachaça

e Erotildes e de Pedro Paulo e Valentina ao relato dos mortos, fazendo com que

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as histórias desenrolem-se sincronicamente, dando agilidade às imagens

televisivas e incluindo uma boa pitada de romantismo por meio das duplas acima

mencionadas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O crime, a miséria, a prostituição, perseguidores e perseguidos enfim, atrocidades sem conta compõem esse mundo folhetinesco. Ou mundo folhetinizado? A vida como ela é...? [...] O folhetim haveria de se metamorfosear noutros gêneros, em função de novos veículos, com espantoso alargamento de público. Entre eles, o gênero que parece tipicamente latino-americano, a grande narrativa de nossos dias, a telenovela. Marlyse Meyer

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Ao longo deste trabalho, buscamos rastrear a presença do modelo

folhetinesco na narrativa televisiva, isto é, na minissérie Incidente em Antares,

uma recriação homônima da obra do escritor Érico Veríssimo.

Procuramos levantar a biografia do escritor gaúcho, destacando fatos

relevantes de sua vida, de sua produção ficcional e do seu trabalho como

tradutor. Foi possível notar, nos manuais e livros sobre literatura brasileira, que

Érico Veríssimo é um escritor que é mencionado sempre com brevidade e, na

nossa opinião, até menosprezado por alguns críticos como Álvaro Lins, que em

um artigo contido em Os mortos de sobrecasaca (1963), tece duras críticas ao

método de composição e aos romances do escritor gaúcho. Este foi um dos

fatores que nos levaram a tratar da vida e das obras do escritor de modo mais

detalhado, com o intuito de valorizar os seus textos e possibilitar que os nossos

leitores tenham uma visão mais aprofundada e proveitosa de um dos maiores

romancistas brasileiros.

Em seguida, dedicamo-nos a conceituar o folhetim francês do século XIX,

explorando suas características, os autores mais importantes e também houve a

preocupação de, panoramicamente, tratar do romance-folhetim no Brasil e a sua

evolução ao longo dos anos até chegar a ser a estrutura basilar das produções

televisivas atuais, particularmente das telenovelas e minisséries que conhecemos.

Houve, da nossa parte, uma preocupação em conceituar também o formato

televisivo conhecido como minissérie, com a inclusão, nos anexos, de um quadro

no qual enumeramos todas as minisséries apresentadas pela Rede Globo até o

presente momento, num total de 63 produções, com informações relevantes como

seus autores, o ano de exibição, o número de capítulo etc. Fizemos também um

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comentário geral de tais minisséries, tomando algumas delas como exemplo, para

demonstrar que a estrutura do folhetim encontra-se presente em todas elas, não

importando qual seja a temática tratada.

Realizamos ainda um levantamento e um comentário dos textos de Érico

Veríssimo que foram adaptados para a televisão e o cinema, com o objetivo de

nos dedicarmos à minissérie Incidente em Antares e à presença do esquema

folhetinesco na referida produção televisiva por meio da inclusão de duas duplas

que se transformam em pares românticos ao longo da narrativa televisiva.

Pudemos comprovar, através do estudo das duplas selecionadas ─ Pudim

de Cachaça – Erotildes e Pedro Paulo – Valentina ─ que a inclusão ou ampliação

do papel de tais personagens na narrativa fílmica deveu-se ao fato de os

adaptadores buscarem amenizar um pouco a temática pesada e o clima de terror

que recobre a história dos sete mortos insepultos na cidade de Antares.

Não só as duplas foram importantes para atenuar a temática principal, mas

também o fato de os adaptadores excluírem da produção televisiva várias

imagens muito fortes que são descritas no romance e que dão conta da

putrefação dos corpos dos sete cadáveres.

As duplas de casais mencionadas, que se formam somente na minissérie,

desvelam o emprego de um elemento estruturador de qualquer folhetim e que já

se tornou conhecido pelo público habituado às histórias das telenovelas, ou seja,

a existência de um ou mais pares românticos. No caso da minissérie, a dupla

romântica Pedro Paulo e Valentina tem a sua história interceptada por outras

tramas, além do fato de ambos vivenciarem um amor impossível, pois ele é um

padre, fiel à escolha que fez e ela é casada, mas infeliz e, embora abandone o

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marido, não conseguirá ser feliz com o seu amado, uma vez que não lhe pede ou

exige que ele deixe a batina para viver com ela. Ao contrário, deixa-o livre e

também se liberta de seu casamento, o qual a mantinha como uma prisioneira,

cuidando dos filhos, da casa e do marido como uma empregada ou, como

sabiamente expressa Barcelona no seu discurso proferido na praça, como uma

escrava, tratada com todo rigor por seu amo e senhor, o marido, juiz Quintiliano

do Vale.

Já em relação à dupla Pudim de cachaça e Erotildes, a formação do par

simboliza todo um romantismo que se denuncia pela vestimenta de Erotildes e

atinge o seu auge na dança do casal, elevando-se sobre o coreto da praça de

Antares. A suavidade, a delicadeza dos gestos e, finalmente, a dança revelam

uma possibilidade de felicidade num mundo idealizado, um céu especial para dois

seres que só conheceram a dor e o sofrimento na terra.

Enfim, a presença do romance-folhetim configura-se na minissérie,

basicamente, pela inclusão dos dois casais, conforme pudemos demonstrar em

nossas análises. Este fato possibilitou que o telespectador se identificasse com os

personagens e a história de amor deles permite também que o telespectador

reconheça o modelo ao qual já se acostumou, isto é, a presença de casais em

torno dos quais a narrativa televisiva desenrola-se, ao longo de vários meses,

como se fosse um novelo do qual se vai desatando os nós, até que todos os

conflitos se resolvam e o par central, na maioria das vezes, reconcilie-se e passe

a viver feliz para todo o sempre.

Embora a minissérie seja bem mais curta que uma novela, totalizando

cerca de 20 capítulos mais ou menos, ela não pode prescindir de um elemento

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que é a base do romance-folhetim: a dupla romântica que vivencia as ações da

história e se une ao final. Às vezes não se tem o tão esperado “final feliz”, mas o

formato folhetinesco que abrange o relacionamento amoroso entre um homem e

uma mulher (algumas vezes é um triângulo formado por um homem disputado por

duas mulheres ou dois homens lutando por uma mesma mulher), ou seja, o casal

para quem o telespectador torce e espera que fiquem juntos no final, é essencial

para garantir o sucesso de qualquer produção televisiva, seja telenovela ou

minissérie.

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ANEXOS

FICHA TÉCNICA:

Incidente em Antares – 1994 – TV GLOBO LTDA – baseada no romance

homônimo de Erico Veríssimo; adaptação de Charles Peixoto e Nelson Nadotti,

com Fernanda Montenegro, Paulo Goulart, Paulo Betti, Diogo Vivela, Cláudio

Corrêa e Castro, Gianfrancesco Guarnieri, Alexandre Borges, Elias Gleiser, Mauro

Mendonça, Rui Resende, Eliane Giardini, Flávio Migliaccio, Carlos Eduardo

Dollabela, Eva Todor, Oswaldo Loureiro, Giovana Gold, Luis Salem, Silvia

Salgado; Ivan Cândido, Araci Cardoso, Alexandra Marzo, Nani Venâncio, Paulo

Goulart Filho, Carla Daniel, Enio Santos, apresentando: Valéria Monteiro, atriz

convidada: Regina Duarte como Shirley, participação especial: Betty Faria como

Rosinha, Nicete Bruno como Lanja, Marília Pêra como Erotildes.

Co-direção: Nelson Nadotti

Direção geral: Paulo José

Direção artística: Carlos Manga

Edição especial para DVD

Duração: 3h36‟

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QUADRO DE MINISSÉRIES11 (1982 -2008)

Obra Autor Tex-

to12

Direção Cap Ano Mês Horári

o

Lampião e Maria

Bonita

Aguinaldo Silva/

Doc Comparato

O Paulo Afonso

Grisolli/ Luiz

Antonio Piá

8 1982 Abr/

Mai

22h15

Avenida Paulista Daniel Más/

Leilah Assunpção/

Luciano Ramos

O Walter Avancini 15 1982 Mai 22h30

Quem ama não mata Euclydes Marinho

+ colaborador

O Daniel Filho 20 1982 Jul/

Ago

22h

Moinhos de vento Daniel Más/

Leilah Assunpção/

Luciano Ramos

O Walter Avancini/

Adriano Stuart/

Hugo Barreto

5 1983 Jan 22h

Bandidos da falange Aguinaldo Silva +

colaborador

O Luiz Antonio Piá/

Jardel Melo

20 1983 Jan/

Fev

22h

Fernando da Gata Fernando

Pacheco Jordão

O Atílio Riccó 2 1983 Fev 22h30

Parabéns pra você Bráulio Pedroso +

colaborador

O Dennis Carvalho/

Marcos Paulo

13 1983 Fer/

Mar

22h

Padre Cícero Aguinaldo Silva/ O Paulo Afonso 20 1984 Abr/ 22h

11

O quadro das minisséries (1982-2003), que apresentamos nesta parte do trabalho, foi retirado de RONDINI, Luiz Carlos. As minisséries da Globo e a grade de programação. XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Santos – 29 de agosto de 2007, p. 10-14. Disponível em http://www.adtevendo.com.br/2007. Acesso em 10/02/2008. 12 Na listagem sobre os textos “A” corresponde a adaptação e “O” a texto original.

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Doc Comparato Grisolli/ José

Carlos Pieri

Mai

Anarquistas graças a

Deus

Walter George

Durst

A Walter Avancini/

Hugo Barreto/

Silvio Francisco

9 1984 Mai 22h

Meu destino é pecar Euclydes Marinho

+ colaborador

A Ademar Guerra/

Denise Saraceni

45 1984 Mai/

Jul

22h

A máfia no Brasil Leopoldo Serran/

Paulo Afonso

Grisolli/ Roberto

Faria +

colaborador

A Paulo Afonso

Grisolli/ Roberto

Farias/ Mauricio

Farias

10 1984 Set 22h15

Rabo de saia Walter George

Durst/ José

Antonio de Souza/

Tairone Feitosa

A Walter Avancini 20 1984 Out/

Nov

22h

O tempo e o vento Doc Comparato +

colaborador

A Paulo José/

Denise Saraceni/

Walter Campos

25 1985 Abr/

Mai

22h

Tenda dos milagres Aguinaldo Silva/

Regina Braga

A Paulo Afonso

Grisolli/ Maurício

Farias/ Ignácio

Coqueiro

30 1985 Jul/

Set

22h

Grande sertão:

veredas

Walter George

Durst +

colaborador

A Walter Avancini 25 1985 Nov/

Dez

22h15

Anos Dourados Gilberto Braga O Roberto Talma 20 1986 Mai 22h

Memórias de um Walter George A Walter Avancini 20 1986 Jul/ 22h

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gigolô Durst/ Marcos

Rey

Ago

O pagador de

promessas

Dias Gomes A Tizuka Yamasaki 20 1988 Abr 22h

O primo Basílio Gilberto Braga/

Leonor Bassères

A Daniel Filho 16 1988 Ago/

Set

22h30

Abolição Wilson Aguiar

Filho +

colaborador

O Walter Avancini 4 1988 Nov 22h

Sampa Gianfrancesco

Guarnieri

O Roberto Talma 4 1989 Ago 23h30

República Wilson Aguiar

Filho +

colaborador

O Walter Avancini 4 1989 Nov 22h30

Desejo Glória Perez +

colaborador

O Wolf Maya/

Denise Saraceni

17 1990 Mai/

Jun

22h30

AEIO Urca Doc Comparato/

Antonio Calmon

O Dennis Carvalho 13 1990 Jun/

Jul

22h30

Boca do lixo Sílvio de Abreu O Roberto Talma 8 1990 Jul 22h30

Riacho doce Aguinaldo Silva/

Ana Maria

Moretzsohn +

colaborador

A Paulo Ubiratan/

Luiz Fernando

Carvalho/

Reynaldo Boury

40 1990 Jul/

Out

22h30

La Mamma João Bethencourt/

Paulo Figueiredo/

Augusto César

Vannucci

A Augusto César

Vannucci/ Paulo

Figueiredo

5 1990 Out 21h30

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Meu marido Euclydes

Marinho/ Lula

Campello Torres

O Walter Lima Jr. 8 1991 Mai 22h30

O sorriso do lagarto Walter Negrão/

Geraldo Carneiro

A Roberto Talma 52 1991 Jun

Ago

22h30

O portador José Antonio de

Souza +

colaborador

O Herval Rossano 8 1991 Set 22h30

Tereza Batista Vicente Sesso A Paulo Afonso

Grisolli/

Fernando

Rodrigues de

Souza/ Walter

Campos

28 1992 Abr

Mai

22h30

As noivas de

Copacabana

Dias Gomes/

Ferreira Gullar/

Marcílio Moraes

O Roberto Farias/

Maurício Farias/

Mauro Farias

16 1992 Jun 22h30

Anos rebeldes Gilberto Braga +

colaborador

O Dennis Carvalho/

Silvio Tendler/

Ivan Zettel

20 1992 Jul

Ago

22h30

Contos de verão Domingos de

Oliveira +

colaborador

O Roberto Farias/

Lui Farias/

Mauro Farias

16 1993 Abr/

Mai

22h30

Sex appel Antonio Calmon +

colaborador

O Ricardo

Waddington

20 1993 Jun/

Jul

22h30

Agosto Jorge Furtado/

Giba Assis Brasil

A Paulo José/

Denise Saraceni/

Henrique

16 1993 Ago/

Set

22h30

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Fonseca

A madona de cedro Walter Negrão +

colaborador

A Tizuka Yamasaki 8 1994 Abr/

Mai

22h30

Memorial de Maria

Moura

Jorge Furtado/

Carlos Gerbase +

colaborador

A Roberto Farias/

Mauro

Mendonça Filho/

Denise Saraceni/

Marcelo Barreto

24 1994 Mai/

Jun

22h30

Incidente em Antares Charles Peixoto/

Nelson Nadotti

A Paulo José 12 1994 Nov/

Dez

21h30

Engraçadinha... seus

amores e seus

pecados

Leopoldo Serran

+ colaborador

A Denise Saraceni/

Johni Jardim

20 1995 Abr/

Mai

22h30

Decadência Dias Gomes O Roberto Farias/

Ignácio Coqueiro

12 1995 Set 21h30

Dona Flor e seus dois

maridos

Dias Gomes +

colaborador

A Mauro

Mendonça

20 1998 Mar/

Mai

22h30

Hilda Furacão Glória Perez A Maurício Farias/

Luciano Sabino

32 1998 Mai/

Jul

22h30

Labirinto Gilberto Braga +

colaborador

O Dennis Carvalho/

César

Rodrigues/ Mario

Marcio Bandarra

20 1998 Nov

Dez

22h30

O auto da

Compadecida

Guel Arraes/

Adriana Falcão/

João Falcão

A Guel Arraes 4 1999 Jan 22h30

Chiquinha Gonzaga Lauro César

Muniz +

O Jayme

Monjardim/

38 1999 Jan/

Mar

22h50

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colaborador Marcelo

Travesso/ Luiz

Armando

Queiroz

Luna caliente Jorge Furtado/

Giba Assis Brasil/

Carlos Gerbase

A Jorge Furtado 3 1999 Dez 21h30

A muralha Maria Adelaide

Amaral/ João

Emanuel Carneiro

+ colaborador

A Carlos Araújo

Luiz Henrique

Rios

49 2000 Jan/

Mar

22h30

A invenção do Brasil Guel Arraes O Guel Arraes 3 2000 Abr 22h

Aquarela do Brasil Lauro César

Muniz

O Jayme

Monjardim/

Carlos

Magalhães/

Marcelo

Travesso

60 2000 Ago/

Dez

22h30

Os Maias Maria Adelaide

Amaral +

colaborador

A Luis Fernando

Carvalho/ Emilio

Dibiasi/ Del

Rangel

44 2001 Jan/

Mar

22h

Presença de Anita Manoel Carlos A Ricardo

Waddington/

Alexandre

Avancini

16 2001 Ago 22h30

O quinto dos infernos Carlos Lombardi

+ colaborador

O Wolf Maya/

Alexandre

48 2002 Jan/

Mar

22h30

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Avancini/ Marco

Rodrigo/ Edgar

Miranda

A casa das sete

mulheres

Maria Adelaide

Amaral/ Walter

Negrão +

colaborador

A Jayme

Monjardim/

Marcos

Schechtman/

Teresa Lampreia

53 2003 Jan/

Abr

23h

Complementando o quadro das minisséries exibidas pela Rede Globo,

devem ser acrescentados os seguintes títulos:

Obra Autor Texto Direção Cap. Ano Mês Horário

Pastores da Noite

Sérgio Machado

A Maurício Farias e Sérgio Machado

4 2002 Nov./ Dez.

22h

Terra dos meninos pelados

Cláudio Lobato e Márcio Trigo

A

Márcio Trigo

4 2003/4 Dez./Jan. 22h

Um só coração

Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira

O Carlos Manga, Carlos Araújo + col.

54 2004 Jan./abr. 22h

Hoje é dia de Maria

Luís Alberto de Abreu e Luiz Fernando de Carvalho

A Luiz Fernando de Carvalho

13 2005 Jan./out. 22h

Mad Maria Benedito Ruy Barbosa

A Ricardo Waddington

35 2005 Jan./mar. 22h

JK Maria Adelaide Amaral, Alcides Nogueira + col.

O Denis Carvalho

47 2006 Jan./mar. 22h

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Amazônia Glória Perez

A Marcos Schechtman

54 2007 Jan./abr. 22h

A pedra do reino

Luís Alberto de Abreu, Bráulio Tavares e Luiz Fernando Carvalho

A Luiz Fernando Carvalho

5 2007 Jun. 22h

Queridos amigos

Maria Adelaide Amaral

A Denise Sarraceni

25 2008 Fev./mar. 22h

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IMAGENS EXTRAÍDAS DA MINISSÉRIE INCIDENTE EM ANTARES

Momento em que os mortos se levantam de seus esquifes.

Os defuntos dirigem-se para a cidade.

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Autoridades (Coronel Tibério, Juiz Quintiliano, Padre Gerôncio e o jornalista

Lucas Faia) observam os mortos no coreto.

Cenas do coreto em chamas, no entanto, os mortos não são atingidos por elas.

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Os mortos decidem voltar para seus caixões.

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Barcelona gesticula para o coronel Vacariano no coreto da praça.