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    Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.1, n.1, p. 94-121, 2009 R@U

    Anfitries Guerreiros

    Angela KUROVSKI

    Resumo: O presente texto descreve e analisa trs eventos: a Festa de Santo realizada pelos Kagwahiva Parintintin (AM), a Festa Mbotawa nos kagwahiva Tenharin e uma reunio com as autoridades oficiais que contou com a presena de povos de vrias etnias do baixo Madeira. Minha tentativa de reflexo consiste em relacionar a dimenso social (ritos) e a cosmologia, procurando as correlaes existentes. A partir desta sistematizao de ritos e mitos, busco compreender os possveis significados dados pelos kagwahiva s relaes sociais por eles estabelecidas na contemporaneidade. Palavras-chave: ritos; festas; mito; relaes tnicas; aliana; rivalidade.

    Introduo

    Os Kagwahiva esto localizados na regio dos afluentes orientais do mdio rio

    Madeira e Tapajs e pertencem a um ramo da famlia lingstica Tupi-Guarani (cf.

    Rodrigues, 1986, p.39), da qual tambm fazem parte os Parintintin, Tenharin, Tenonde,

    Juma, Urueu-Wau-Wau, Amondawa e Jahoi. Entre seus vizinhos indgenas esto os

    Pirah, Tor e Apurin e regionais da Transamaznica.

    Conforme Menendez (1997), no passado, os Kagwahiva classificavam a

    humanidade em duas grandes categorias, Kagwahiva e Tapy (Outro). A identidade

    interna estava organizada em trs nveis: Kagwahiva (ns, gente), as metades

    exogmicas Kwandu/Myt e a identificao do grupo territorialmente localizado. Na

    categoria Tapy (Outro) incluam seus inimigos, os Pirah, chamados de Tapyi-gwgwi.

    A partir dos primeiros contatos com a sociedade nacional, a categoria Tapy foi acrescida

    de mais duas, negros Tapyyhum - e brancos - Tapyyti.

    No sculo XX, a coexistncia com os brancos se acentuou, permitindo que os

    Kagwahiva estabelecessem relaes com conjuntos diferenciados dentro desta categoria

    de alteridade. A qualidade destas relaes, ao longo dos anos de contato, criou

    condies para novas leituras da categoria Outro, e, possivelmente, o estatuto das

    classificaes sofreu algumas mudanas.

    O presente texto pretende submeter anlise trs eventos realizados pelos

    Kagwahiva (AM): a festa de Santo, a antiga festa Mbotawa e uma reunio com agncias

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    oficiais. A idia comparar e buscar as correlaes existentes entre estes eventos,

    relacionando os elementos dos ritos cosmologia. Com isso pretende-se compreender

    os possveis significados dados pelos kagwahiva, especialmente os Parintintin, s

    relaes sociais que estabelecem na contemporaneidade.

    A Festa de Santo: os Parintintin, anfitries civilizados Passarei a descrever a Festa de Santo, implantada por Pascoal Parintintin a partir

    de 1992, que ocorre no ms de julho, em homenagem a Santo Antnio, com durao de

    cerca de dez dias. Algumas das atividades deste evento so bastante semelhantes as das

    festas realizadas em uma comunidade amaznica, descritas por Charles Wagley (1988).

    Os preparativos iniciam meses antes do evento, Pascoal confecciona o boi, um

    boneco semelhante aos usados nos festivais do boi-bumb de Parintins (AM). s noites

    ocorrem exaustivos ensaios com as crianas da escola, que incluem a encenao dos

    personagens folclricos do ritual regional do boi-bumb e dana de quadrilha caipira.

    Pascoal ainda promove uma srie de reunies, apresentando as regras de

    comportamento a serem seguidas durante a festa. Entre estas regras h aquela segundo a

    qual, as moas no devem recusar um convite de dana durante o forr, tampouco

    deixar o local do baile, sem a permisso do organizador da festa. Tambm exigido das

    crianas um comportamento exemplar, esto proibidas de fazer carrinho nos pais, ou

    seja, no permitido ficarem agarradas aos adultos durante as festividades. O igarap

    no praia, seu uso estritamente para apanhar gua e banhos higinicos, exigindo-

    se, nestes ltimos, o maior recato possvel no vesturio usado. Enfim, existe um

    protocolo a ser seguido durante a festa, que tem como intuito mostrar aos convidados

    que os Parintintin conhecem certas regras de etiqueta e sabem se portar diante dos

    brancos. Pascoal ainda mantm contato com polticos locais para angariar ajuda na

    compra de alimentao e pacotinhos de sucos, que sero oferecidos aos convidados no

    dia da festa, mas, geralmente, a contribuio recebida insignificante, caindo o maior

    nus para os moradores da aldeia.

    Todos os moradores da aldeia esto envolvidos na realizao do evento, mas

    existe uma diviso do trabalho anfitrio: o juiz da festa, o mordomo e o mestre-sala.

    Este ltimo papel sempre ocupado por Pascoal, que tem a funo de puxar as rezas e

    cantos e atuar como um mestre de cerimnia. Geralmente, no final da festa, so

    nomeados os membros da comunidade que atuaro como juiz e mordomo da festa do

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    ano seguinte, estes se responsabilizaro pelas despesas e pela organizao das diversas

    comemoraes. O juiz aquele que pega na bandeira, a exemplo das festas regionais

    amaznicas, devendo arcar com o maior nus dos gastos: a alimentao dos convidados

    participantes do festejo e a compra de fogos de artifcio. Logo em seguida passa a criar

    porcos que sero oferecidos como alimentao na prxima festa. A funo do mordomo

    zelar para que os convidados sejam bem recebidos, suas atribuies se restringem a

    ajudar na organizao das despesas e atividades, alm de se encarregar de servir caf e

    bolachas aos participantes das novenas e outras comemoraes.

    A festa se inicia com a derrubada de um tronco da floresta que servir de mastro.

    Um grupo de homens carrega o tronco, nos ombros, at aldeia e o colocam no ptio

    central, prximo ao porto. A atividade definida por eles como um trabalho exaustivo e

    de grande sacrifcio. Os enfeites colocados no mastro caracterizam-se pela ausncia de

    suntuosidade, algumas bandeirinhas coloridas, e poucos produtos pendurados ao seu

    redor, geralmente pacotes de farinha de trigo e bananas.

    O levantamento do mastro marca o incio dos festejos, acompanhado de

    lanamento de fogos de artifcio e cantos religiosos. No primeiro dia da novena, os

    participantes saem em procisso seguindo os carregadores das bandeiras de cor

    vermelha. O trajeto da procisso inclui uma volta entre as casas da aldeia at o ptio

    central. Prximo ao mastro, os carregadores das bandeiras, realizam uma coreografia

    simples, que consiste em agit-las seguidamente. Todos seguem para a capela, onde

    Pascoal inicia as oraes, de frente para o altar, dando as costas aos participantes.

    Algumas oraes so lidas em latim. Os hinos puxados pelo coro de jovens so

    acompanhados pelo som de tambores, instrumentos anteriormente confeccionados pelos

    prprios moradores, sob a superviso de Pascoal. O novenrio conta com a participao

    dos moradores da aldeia e, raras vezes, de alguns regionais.

    O auge da festa tambm o seu final, com a participao de um maior nmero

    de convidados, que inclui regionais da Transamaznica, moradores das demais aldeias

    indgenas, Parintintin residentes na cidade de Humait, Apurin/Jahoi e alguns poucos

    Tenharin1. Representantes de agncias governamentais e no governamentais tambm

    so convidados a participar da festa. Espera-se destes ltimos uma colaborao em

    alimentos. Geralmente, o mordomo coordena a hospedagem, distribuindo os convidados 1 Esta festa criticada veementemente pelos ami Tenharin, pois a consideram festa de branco. Geralmente no permitem que seus jovens participem, alegando que poder influenci-los a deixar os costumes Kagwahiva. No perodo que Pascoal residiu entre os Tenharin, segundo relatos, tentou implantar a mesma festa nas aldeias, mas enfrentou resistncia dos mais velhos.

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    pelas casas da aldeia. Os jovens solteiros costumam armar suas redes na sede do posto

    da FUNAI e em outras instalaes pblicas, enquanto os casais se hospedam nas casas

    privadas.

    So realizadas algumas apresentaes, que incluem a dana do boi-bumb e a

    dramatizao da estria de Negro Francisco e o boi2, quadrilha caipira, escolha da

    boneca viva, torneios de futebol e batizados de fogueira. A boneca viva um evento

    semelhante escolha da rainha de festa junina. As candidatas so escolhidas entre as

    crianas da aldeia e seus familiares esto incumbidos de vender votos, alm de

    providenciar a compra do traje. Pascoal costuma orientar aos pais sobre o vesturio

    adequado das candidatas, que consiste em sapato e vestido social. Durante o desfile, as

    candidatas no devem usar tnis esportivo ou roupas simples, pois, segundo o

    organizador, os brancos que iro assisti-las podem fazer comentrios jocosos. O

    dinheiro adquirido pela venda de votos ser guardado na caixinha do santo e empregado

    nas melhorias da capela. Aquela que somar o maior nmero de votos vendidos ser

    coroada boneca viva.

    Entre as atividades, est tambm a realizao da brincadeira da pata cega3,

    que consiste em enterrar um pato, deixando apenas a sua cabea vista. Os homens, de

    olhos vendados, se revezam tentando acertar a cabea do animal com uma borduna ou

    vara de madeira. O pato cozido e serve de refeio para os presentes. Este evento nos

    remete a festa da predao, que apresentarei logo em seguida. Vale notar que na festa

    de santo, as carnes de caa no so utilizadas na alimentao dos convidados, os

    animais abatidos so todos domsticos, como o pato, o boi e o porco.

    O forr, momento mais esperado, realizado na casa de reunies ao som de

    msicas gravadas em fitas cassetes. O baile prossegue noite adentro, at ao amanhecer.

    Nesta ocasio, o mordomo tambm oferece caf aos participantes do festejo.

    A derrubada do mastro, no dia seguinte, marca o final da festa, os participantes

    freneticamente lanam os produtos (farinha e bananas maduras) que estavam

    pendurados no mastro uns nos outros. As mulheres jogam as sobras de gordura das

    2 As crianas encenam os personagens, caracterizados como pees de fazenda, sendo que uma delas fica embaixo do boi e realiza vrias coreografias. A estria trata de Negro Francisco, funcionrio da fazenda, e Catirina sua esposa, grvida, que deseja comer a lngua do boi preferido do patro. Nego Francisco mata o boi para atender ao pedido de Catirina. O patro descobre e manda seus homens prenderem Negro Francisco, que sai em fuga. Por fim, o boi ressuscitado pelo paj. 3 Segundo Terezinha Corra (2002), antigamente, nas festas de Santo de Humait tambm realizavam a brincadeira da pata cega e a da corrida ao gato com um pote de dinheiro. O vencedor recebia como prmio, no primeiro caso, o animal e, no outro, aquele que conseguia quebrar o pote recebia todo o dinheiro. Estas brincadeiras foram proibidas de serem realizadas pelo bispo da poca.

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    panelas nas pessoas. Um momento de muita descontrao e alegria, encerrado com

    banhos no igarap.

    Em uma das festas comercializaram churrasquinho para arrecadar fundos para o

    santo, que seria investido na melhoria da capela e, na aquisio de enfeites e imagens,

    mas quase nunca sobra dinheiro para isto; geralmente estes recursos so empregados em

    alguma emergncia no decorrer da prpria festa. A famlia do antigo cacique tambm

    mantm um pequeno comrcio particular para venda de produtos de primeira

    necessidade, bem como cigarros para os visitantes.

    Embora os conflitos devam ser reprimidos, a Festa de Santo no est imune aos

    antagonismos e quase sempre ocorrem desentendimentos e brigas entre indivduos,

    algumas das vezes, entre prprios cunhados.

    Vale destacar que os Parintintin costumam dizer, que a festa de santo no da

    nossa tradio antiga, da cultura do branco, todavia a realizao deste evento

    parece preencher o lugar das antigas Mbotava, onde se construam as grandes alianas

    entre grupos locais, como ser explicitado a seguir. Sem dvida, um espao em que as

    alianas com o exterior so estreitadas, sobretudo com os regionais da Transamaznica.

    Isto nos leva a fazer um paralelo ao mito cosmolgico. Mbahira, aps a enchente,

    reconstri o mundo na tentativa de anular as diferenas entre os Kagwahiva que ficam

    na terra e aqueles que vo morar em um patamar superior (os Ivaga`ga), detentores das

    coisas da terra. Um desentendimento entre grupos locais provoca esta separao e os

    Kagwahiva na terra so lanados a uma situao prxima a natureza (sem fogo, sem

    instrumentos). Na festa de Santo parintintin, observa-se que a diferena entre kagwahiva

    e brancos minimizada pela imitao das festividades regionais4, ou seja, trazer o

    exterior para dentro, buscando englob-lo. Nesta ocasio os Parintintin tentam mostrar

    no apenas sua semelhana cultural com estes regionais, em contraposio

    representao local sobre ndio, mas, tambm, construir uma imagem de superioridade

    frente a seus convidados.

    Vale mencionar que nos depoimentos, registrados por Corra, sobre a Festa de

    Santo de Humait, um dos antigos moradores regionais relatou que os Parintintin,

    poca do contato, freqentavam o festejo, mas, ao que parece, no havia uma

    preocupao em receb-los bem. Nas palavras do entrevistado: Quando foram

    4 Apenas uma vez, os Parintintin realizaram a dana do Yrerupukuru na Festa de Santo. Nesta ocasio, todos os brancos tiveram que danar (relato de Tapiiraga, 1997). Mas este fato no se repetiu nas outras festas.

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    amansados, eles vinham aqui passear, tudo nu e com coruba [scabiose]. A vasilha que

    eles bebiam gua (quando pediam) era jogada fora (...). Eles ficavam olhando (Corra,

    2002, p.100). Na Festa promovida pelos Parintintin, existe uma inverso dos fatos

    histricos e os Parintintin parecem no querer repetir o comportamento dos maus

    anfitries acima. Como vimos pela descrio, durante a festa promovida na aldeia, os

    Parintintin cumprem uma espcie de protocolo, que parece ter o intuito de se apresentar

    bem ao exterior. Existe todo um esforo de organizao e preparo das apresentaes

    culturais e uma srie de regras de conduta moral a ser seguida; regras, muitas das quais,

    no fazem parte de seu cotidiano.

    De fato, as despesas contradas para a realizao da festa so superiores a renda

    mdia dos Parintintin, e todos os preparativos necessrios para a sua boa realizao

    causam prejuzos oramentrios s famlias, como eles prprios desabafam nos meses

    seguintes ao seu encerramento. Contudo ningum se atreve a questionar a realizao

    deste evento anual. As idias de Mauss (1971) sobre o Kula, que inclui a noo de

    honra, de progresso na escala social, talvez possam nos apontar algumas luzes sobre a

    realizao desta festa. Os Parintintin oferecem mais do que possuem aos seus

    convidados, o que lhes garante ascender no prestgio social. O convidado recebendo

    hospedagem, alimentao contrai uma espcie de divda para com o anfitrio, mas,

    como diz Mauss (1950), esta troca tambm se faz cheia de etiquetas e de generosidade.

    Mais do que o oferecimento de ddivas ao santo, a festa parece assumir o carter de

    mini potlatch, onde recursos so queimados em nome do prestgio e aliana frente ao

    Outro, o branco. Com efeito, todo o alimento disponvel consumido durante a festa,

    at as sobras de gordura so lanadas nas pessoas.

    Dito isso, na tentativa de estabelecer algumas correlaes entre a Festa de Santo

    e a antiga Festa Mbotava, apresentaremos a descrio desta ltima.

    Nhaka: a festa da predao Os Parintintin falam com entusiasmo sobre um passado de guerras e da prtica

    de preparar a cabea do inimigo. Certa vez, um Parintintin estava irritado com o

    desfecho de uma negociao externa e nos confidenciou: Ele pensa que eu j esqueci,

    mas eu ainda sei fazer cabea5!

    5 A cabea de uma caa considerada o melhor pedao e comumente se oferece a um visitante de honra. Tambm costume que o caador receba a cabea do animal na distribuio dos alimentos.

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    Em 1995, apresentamos aos professores Parintintin o texto Ecos de uma

    Palestra kagwahiva, em que Dengler (1934) descreve vrios aspectos da cultura antiga.

    Reunidos em grupos, destacaram o que consideram mais significativo na leitura

    realizada. Um dos cartazes, produzido por professores entre 35 a 40 anos, trazia a

    ilustrao de uma cabea e uma inscrio cabea de branco. Acompanhava um

    pequeno texto, abaixo do desenho: Ns achamos a forma melhor de bravura que os

    brancos faziam com o ndio, o ndio matava os brancos e chegava muito feliz e quando

    chegava na aldeia festejava Nhaka .

    Nhaka traduzido como uma espcie de trofu, feito da cabea do inimigo.

    Relatam que a cabea era preparada e depois enfeitada com penas e conchas afixadas

    com breu. O guerreiro, que realizou o feito da captura do inimigo, danava com o crnio

    amarrado ao brao. J tinha observado que o antigo chefe carregava uma cabea de anta

    seca, amarrada ao brao nas danas Kagwahiva. Ele explicou: os Parintintin no fazem

    mais cabea, a gente usa estas cabeas de animais s para parecer com os antigos.

    (1997). Mencionaram que no Seringal Trs Casas, at bem pouco tempo, ainda estavam

    conservadas trs trofus - cabeas de inimigos brancos - que os Parintintin capturaram.

    Certa vez, os Parintintin, entusiasmados por este assunto, encenaram o ritual

    antropofgico; que passarei a descrever tal como nos foi apresentado. Os Parintintin se

    dividiram em dois grupos, um armado de arco e flecha; e o outro, portava flautas de

    cano longo. O primeiro grupo simulou um ataque ao grupo das flautas. Um prisioneiro

    foi capturado e levado sobre os ombros at o rio, no qual, cuidadosamente, recebeu um

    banho. Em frenesi, retornaram ao ptio da aldeia, levando o prisioneiro novamente

    sobre os ombros. Um dos guerreiros, armado de uma mboahava (borduna), simulou

    uma pancada na cabea; e, em seguida, como decepavam a cabea do prisioneiro com

    um punhal de taboca. O segundo grupo quebrou furiosamente as suas flautas no cho,

    ao som de gritos de guerra ensurdecedores. O outro grupo, tambm gritava

    enfaticamente: Hua! Hua! O corpo do inimigo foi coberto pelo que restou das flautas e

    por um arco e flecha. Formaram um crculo em torno do corpo do prisioneiro, e

    danaram ao som dos cantos dos mais velhos. Curiosamente os Parintintin escolheram

    para encenar o inimigo um Jahoi que estava presente. Encerrada a simulao, Carlos

    falou a Pirovai Jahoi: O tempo de guerra acabou, s pr lembrar como os antigos

    faziam! (1997).

    Em outra ocasio, na aldeia Canavial, surgiu um boato que os Pirah estavam

    acampados nas imediaes. Dona Catarina, uma das mais antigas Parintintin do

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    Canavial, se mostrou amedrontada diante da possibilidade de um encontro com este

    grupo. Perguntei-lhe o porqu, ela, ento, passou a relatar as guerras e rivalidades

    ocorridas no passado entre os dois grupos. Para Dona Catarina tudo se passava como se

    tais prticas ainda pudessem ocorrer. Contou sobre um ataque aldeia Parintintin pelos

    Pirah, resultando em mortes nos primeiros. Os Parintintin, em outra oportunidade,

    vingaram este ataque, capturando um prisioneiro Pirah. Conta que, era ainda uma

    menina, quando um dos seus parentes falou: olha cunhat! Esto cantando, hora do

    Pirah morrer, vamos fazer biju, muito biju para festa.

    Nos relatos de Nimuendaju encontramos exemplos de casos cotidianos que

    mostram evidncias destas prticas pelos Kagwahiva. As despedidas dos Parintintin aos

    funcionrios do posto eram por gestos que insinuavam degolamento. Faziam todo o

    possvel para obter o crnio do adversrio, (...) e tm at aberto sepulturas para cortar a

    cabea do defunto (Nimuendaju, 1924, p.79). Tawari, um moo muito amvel zangou-

    se um dia, com um olhar cheio de dio, se sentando ao lado de Nimuendaju, lhe falou:

    Os teus ps eu quero comer. Os teus olhos eu quero comer. bom. Ainda, os Parintintin

    perguntaram se comiam os Mura-Pirah; diante da negativa de Nimuendaju, mostraram-

    se surpresos, acrescentando com naturalidade que o faziam (idem, 1924).

    Segundo Garcia de Freitas (1926) os Parintintin eram unnimes em dizer que

    comiam os inimigos em combates. A captura do inimigo era festejada na festa da

    Nhaka. O preparo da cabea consistia em descarn-la, colocando-a no mquem para

    assar. Em seguida era fervida numa panela. Os dentes eram retirados e utilizados para

    confeco de colares. O guerreiro danava com a cabea encaixada no brao esquerdo e,

    cantando, relatava como se deu o encontro e a captura do inimigo. Ocorria uma luta

    com o prisioneiro, antes de ser sacrificado e degolado. Os Parintintin, ento, se

    aproximavam do corpo, perguntando com entusiasmo quem desferiu os golpes. A festa

    prosseguia com o oferecimento de kagwi 6. Os Parintintin se colocavam enfileirados em

    linha de atiradores. O matador, a passos lentos, percorria da esquerda para direita, com a

    6 D. Maria das Graas narrou que antigamente os Parintintin fabricavam bebidas fermentadas base de milho e tambm de macaxeira e variedades de batatas. Estas bebidas eram consumidas, sobretudo nas festas da Mbotawa realizada no tempo chamado de Pirakoiarupi, poca da piracema; e em demais comemoraes. Contam os Parintintin que o caui foi inventado pela mulher de Mbahira, que mastigou o milho e misturou a pasta ao mel, deixando em um recipiente com gua para fermentar por muitos dias. Interessante ressaltar que Nimuendaju (1924) estranhou que os Parintintin no levassem caiu em suas viagens ao posto e, to pouco se referiam a esta bebida em suas conversas. Atualmente o caf que no apreciavam poca do contato, tornou-se uma das bebidas mais usadas, desde a mais tenra idade e ingerida em vrios horrios durante o dia. Nas festas contemporneas as bebidas oferecidas costumeiramente so o caf e sucos industrializados.

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    cabea amarrada ao brao, cantando msicas guerreiras. Dois jovens o seguiam,

    oferecendo mel de abelha e gua aos homens enfileirados, repetindo a seguinte frase: -

    Eis a o teu arco. O crnio e os vasilhames de mel e gua eram colocados na frente do

    grupo e todos desferiam flechas, gritando Hu! A festa continuava com outras danas.

    (Garcia de Freitas, 1926, p.67).

    A festa Mbotava ainda praticada pelos Tenharin. Conforme Peggion (2004)

    esta festa foi retomada recentemente, a partir dos anos 80, como um evento poltico, que

    conta com a presena de convidados indgenas das aldeias Tenharin e de outros povos

    circunvizinhos, como tambm de representantes de rgos pblicos, Organizaes

    Indgenas e No Governamentais.

    No passado, a festa era realizada em comemorao morte do inimigo. Kwah

    Tenharin narrou a Peggion como tratavam de conservar a cabea do inimigo at o ritual

    denominado embuahubega. Segundo o autor, este ritual bastante semelhante festa

    Kayabi, chamada yawotosi. A cabea, descarnada e enfeitada, era posta no meio do

    crculo. Os homens, danando e cantando, portavam cada uma mboahava. Aqueles que

    nunca tinham quebrado uma cabea batiam suavemente com a mboahava sobre a cabea

    do inimigo, colocada no centro da roda de danarinos. Num dado momento o guerreiro

    que matou o inimigo era chamado pelo chefe para desferir o golpe da vingana. O

    guerreiro batia com fora na cabea do inimigo e caa no cho. Carregado at a casa,

    permanecia por um longo perodo na rede, alimentando-se muito pouco. Aps este

    perodo era levado at o rio, recebia um banho e era renomeado (Peggion, 1996, p.23).

    Colocadas estas questes preliminares, passaremos a descrever como ocorre na

    atualidade a festa Mbotava entre os Tenharinn. A cabea do inimigo que ficava ao

    centro no moqum, atualmente foi substituda pela anta. Os preparativos da festa se

    iniciam no ms de junho e comumente ela se realiza no ms seguinte. O chefe da aldeia

    anfitri rene seus parentes para informar a data de realizao do evento e escolher os

    grupos de trabalho. So organizados cinco grupos para pescaria, caa, coleta de banana

    e sal do mato e quebra da castanha. Os grupos domsticos tambm fabricam farinha de

    mandioca em grandes quantidades. Colhem bananas verdes na roa do anfitrio,

    deixando-as para amadurecer at o dia de sua distribuio na festa. O anfitrio escolhe,

    ainda, cinco mulheres de cada metade (Myt/Kwandu) para preparar a alimentao da

    festa e pilar castanha. Marca uma data nica para a chegada da caa, pesca e coleta.

    Os homens dos grupos de trabalho da festa, na data estipulada, chegam aldeia,

    gritando e atirando com suas espingardas e flechas. Os caadores trazem as suas caas

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    nas costas, e, o anfitrio canta para elas. Todos comeam a se pintar e danar o

    Yrerupukuhu.

    Convidados e anfitries se ornamentam com pinturas corporais, de acordo com

    sua metade exogmica, utilizando o leo de genipapo e algumas vezes o urucu.

    Conforme Peggion (2004) a metade Myt responsvel por cuidar do moqum da anta,

    enquanto o imenso cesto de farinha de mandioca carregado pela metade Kwandu7.

    O incio da festa marcado pela oposio entre anfitrio e convidados. Estes

    ltimos chegam ao local ritualizando a agressividade, falam alguns insultos e prometem

    atacar os anfitries. O dilogo travado entre as duas partes opostas semelhante ao

    existente no mito do Jabuti e a Arara Maracan 8.

    - Onde est o dono da casa? - diz um dos visitantes

    - Grita o anfitrio: - Est aqui!

    - A vai taboca, jaboti! A vai taboca no teu rumo! - diz o visitante.

    - Deixa vir, responde o anfitrio.

    Os visitantes ento lanam flechas sobre as cabeas dos anfitries.

    O anfitrio canta no meio dos convidados, lembrando feitos guerreiros e pede

    para as jovens solteiras falarem bem alto, na tentativa de espantar os maus espritos.

    Posteriormente o moqum que est ao centro flechado. Fazem uma grande roda e

    iniciam o Yrerupukuhu. A maioria dos homens porta instrumentos de sopro (Yreru),

    flautas de um cano, medindo cerca de 1,5m a 3m de comprimento; excetuando alguns

    mais velhos, frente da fila dos danarinos, que carregam flautas de trs a cinco canos

    curtos, com tamanhos que variam entre 15 a 30 cm. O compasso marcado pela batida

    do p ao cho e pelo som do agwahiva, um traado de sementes de pequi, que funciona

    como um chocalho, amarrado ao tornozelo. Aps duas a trs voltas, as mulheres, pouco

    a pouco, entram na roda e se posicionam no lado externo, enquanto as flautas apontam

    para o interior do crculo. Com um dos braos enlaam pela cintura seu par, enquanto a

    outra mo serve de apoio flauta de seu parceiro As mulheres Myt danam com

    7 Parece existir a uma inverso, mutum - pssaro coletor - cuida da caa, enquanto gavio - ave caadora - dos produtos da agricultura. 8 Este mito trata do casamento do jabuti Mina e a Arara. O jaboti era criticado pela Arara, porque no conseguia subir na rvore para apanhar os frutos, por isto se separaram. Passado um tempo, a arara e sua famlia foram visitar a aldeia do jabuti. Jabuti v o corpo da arara arranhado e desconfia que ela dormiu com o maracan. A arara diz para sua famlia: vou oferecer mingau ao meu marido, se ele no aceitar vou embora. Preparou o mingau, mas o jaboti zangado afastou a cuia, mas, ao ver a arara se preparando para partiu, chamou-a: - vem c, traz o mingau que eu agora tomo. Mas a arara partiu com seus pais e nunca mais o jabuti se casou com a Arara.

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    homens Kwandu ou vice-versa. Os mais velhos relataram que antigamente as mulheres

    no danavam nesta festa, era uma festa essencialmente masculina.

    Durante a festa so distribudos alimentos aos convidados, como bananas e

    produtos industrializados, estes ltimos doados pela FUNAI e demais organizaes. O

    prato principal a carne de anta moqueada e cozida, por vrias horas, juntamente com o

    leite da castanha pilada; e, posteriormente servida, com a farinha de mandioca. Em um

    destes rituais, observei tambm que os enlutados receberam pinturas que cobriam todo o

    rosto de preto, alguns vestiam blusas pretas de mangas compridas.

    Aps o relato das duas festas poderemos chegar ao seguinte sistema que nos

    permite estabelecer algumas correlaes: MBOTAVA

    FESTA DE SANTO

    Preparativos Grupos para caa, coleta, Produo de farinha, confeco de instrumentos musicais e ornamentos, preparao da tinta para pintura corporal

    Criao de animais domsticos, produo de farinha, confeco de instrumentos musicais e do boi, ensaios de hinos e danas. Corte do tronco que servir de mastro

    Convite Cartas formais s organizaes governamentais e no governamentais, associaes indgenas

    Convite pela rdio

    Smbolos Moqum no centro do ptio Mastro enfeitado prximo ao porto

    Anfitrio Anfitrio canta em meio aos convidados

    Procisso com cantos circunda as casas da aldeia

    Noo de honra e status da comunidade que recebe

    Noo de honra e status da comunidade que recebe

    Chefe do grupo que recebe organiza a diviso de trabalho entre metades

    Diviso do papel anfitrio (juiz, mestre sala e mordomo)

    Sacrifcio Anta (animal selvagem) Porco, boi e pato (animais domsticos).

    Rivalidade e Conjuno

    Inicia com a ritualizao do conflito coletivo.

    Etiquetas de boa recepo aos convidados. Oposio entre grupos torneios de futebol

    Dana coletiva. Brancos convidados assistem ou participam

    Forr, brancos e indgenas danam.

    A agressividade canalizada para o inimigo, representado na anta. (flechas no moqum)

    Agressividade contida e individualizada, (conflitos entre indivduos no decorrer da festa). A agressividade canalizada para o pato domstico. (cabea decepada pela borduna)

    Dana Yherupukuru

    Forr, boi-bumb, quadrilha

    Kwandu dana com Myt Afinidade e predao

    Mulheres devem danar sem recusar parceiros (consangneos ou no).

    Padrinhos de fogueira, controle da agressividade Consanginidade Partilhada. Os afins so trazidos para o interior

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    Msicas que tratam de feitos guerreiros Anfitrio que canta em lngua Kagwahiva prestgio

    Hinos, oraes. Prestgio do rezador, que conduz as oraes e cantos (latim e portugus)

    Alimentos Comensalidade Preparao de alimentos em larga escala

    Distribuio de alimentos industrializados recebidos de

    doaes (ONGS e rgos governamentais) e alimentos assados/cozidos

    Caf e sucos industrializados

    Comensalidade Preparao de alimentos em larga escala Distribuio de alimentos. Sobras de comida so lanadas nos presentes

    Caf e sucos industrializados

    Indgenas de outras aldeias e outros povos. Representantes das ONGs e rgos governamentais

    Regionais circunvizinhos, indgenas, Tora, Parintintin de outras aldeias e cidade. Representantes das ONGs e rgos governamentais

    Alteridade na forma de cabea do inimigo morto (cabea da anta) e convidados brancos

    Alteridade sublimada nos convidados Sacrifcio do pato.

    Vrios estudos antropolgicos tm se preocupado em descrever e analisar as

    festas indgenas, que so tomadas como mecanismos de cooperao entre famlias no

    mbito de redes que extrapolam as fronteiras tnicas, ao mesmo tempo em que as

    produzem e as expressam. Do mesmo modo em que esto amparadas num sistema de

    ddivas e prestaes entre humanos de grupos sociais distintos e entre humanos e no

    humanos.

    Fernandes menciona que as festas, realizadas entre os Kaingang, dedicadas

    celebrao de dias de santos e relacionadas ao catolicismo popular, se constituem em

    eventos que expem a parentagem ao exterior e tambm a regimes de trocas simblicas,

    matrimoniais e materiais (Fernandes, 2003, p.139). Tassinari (2003), nas suas anlises

    sobre as festas Karipuna, aponta convergncias entre a tica catlica e indgena que

    revelam importantes mecanismos de congregao da diversidade, de aproximao de

    estrangeiros para uma rede j estabelecida de sociabilidade. Sztutman faz uma reflexo

    sobre os modos de comunicao da Guiana indgena, com base nas festas de caxiri e

    sesses xamnicas. Para o autor, uma das questes chaves para se compreender a

    comunicao nas paisagens amerndias reside na possibilidade de subverter limites entre

    as noes de humanidade e extra ou no humanidade (Sztutman, 2002, p.3). No caso

    das duas festas, Mbotava e Festa de Santo, embora sejam bastante diferentes entre si,

    pode-se constatar a mesma estrutura e, sobretudo semelhanas entre o papel ocupado

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    por estes eventos na atualidade. Como mencionei, a festa Mbotava, praticada pelos

    Tenharin, foi retomada recentemente como um evento poltico, que conta com a

    presena de representantes de agncias da sociedade nacional; na Festa de Santo, entre

    os convidados principais esto os brancos regionais. Tambm existe um esforo da

    aldeia anfitri para atrair a participao de agentes de rgos governamentais e no

    governamentais. Contudo, a festa da Mbotava, sobretudo por se tratar de uma festa

    antiga, consegue congregar mais convidados destas agncias, ao contrrio daquela.

    Em ambas as festas, o anfitrio, chefe de um grupo local e, na outra, o juiz da

    festa, so doadores de carne e distribuidores de alimentos aos visitantes, todavia na festa

    Mbotava a carne consumida de um animal selvagem, resultado da caa e simboliza o

    inimigo a ser canibalizado. Na Festa de Santo oferecida a carne de animais

    domsticos, estes criados no decorrer do ano e sacrificados nos dias que antecedem ao

    evento pelo juiz da festa.

    Vale ressaltar que at 1923 tem-se notcia que os Parintintin no utilizavam

    como fonte alimentcia os animais de criao, os quais eram seus xerimbabos. Contudo,

    na atualidade so consumidos sem restrio. Este fato confirmado tambm pelos

    relatos do SPI, que tratam de uma visita dos Parintintin a um seringal. Nesta ocasio,

    em sinal de cordialidade, o seringalista manda matar um boi, que seria servido como

    refeio, mas os Parintintin se recusaram a se alimentar da carne de um xerimbabo9.

    Se como sugere Villaa (1992), a comensalidade produtora de identidade,

    podemos dizer que mudanas significativas na identidade Parintintin se processaram no

    decorrer da experincia do contato. O fato dos Parintintin partilharem alimentao e

    festejarem em conjunto com os brancos parece representar uma espcie de

    domesticao da diferena. Neste evento, os Parintintin procuram tornar conjuntivo o

    que era diferente e, possivelmente realizar futuras alianas, via casamento. Uma

    tentativa de atrair estes regionais para o interior, mas nos prprios termos dos brancos,

    imitando e remodelando suas comemoraes; ao inverso do que ocorre na Mbotava, os

    convidados brancos so atrados para dentro, mas nos termos Kagwahiva.

    Na festa de Santo existe um esforo para manter a cordialidade entre visitantes e

    anfitries. As hostilidades comumente ocorrem entre Parintintin, sendo que os mais

    9 Este parece ser um comportamento peculiar dos Kagwahiva, como nos mostra o exemplo dos Kagwahiva Juma, localizados prximos a Lbrea (AM) que possuem vrios animais de estimao, sobretudo papagaios, os quais so tratados como entes da famlia. Quando esses animaizinhos morrem so enterrados com um ritual de choro. Comunicao pessoal de Doraci Edinger (1996), que atuou em uma expedio conjunta entre OPAN/CIMI e FUNAI para atendimento de sade deste grupo.

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    exaltados so amarrados at se acalmarem. Entretanto, caso, eventualmente, qualquer

    branco crie conflitos com os Parintintin imediatamente retirado do local. A

    superioridade dos anfitries diante seus convidados se expressa to somente no prestgio

    daquele que convida e demonstra generosidade e hospitalidade, levando os convidados a

    contrair uma dvida. Como forma de reciprocidade, os Parintintin so convidados para

    as festas dos colonos e torneios de futebol10. Isto nos sugere que tanto esses brancos e

    quanto os indgenas estrangeiros, passam a ocupar o lugar dos antigos grupos locais,

    que se reuniam na grande festa Mbotava. Vale ressaltar que no existe um interesse

    efusivo na participao dos Tenharin nesta festa, embora sejam convidados e os

    Parintintin participem da festa da Mbotava realizada por aqueles. Com os Tenharin

    trocam-se alimentos, conhecimentos e festas, mas no casamentos. Ao que tudo indica,

    as experincias de casamento Parintintin/Tenharin comprovam que no houve troca

    recproca. Os homens parintintin doados passaram a constituir definitivamente o grupo

    de seus sogros tenharin. Com os brancos e com outros povos indgenas (Tor, Apurin),

    ao contrrio, existe a possibilidade de trocas com vantagens ao grupo. No primeiro caso,

    se perdem mulheres, pois os Parintintin evitam que homens brancos constituam a

    populao da aldeia, mas se ganham mulheres brancas. No segundo caso, indivduos de

    outros povos so co-residentes e passam a fazer parte da rede de alianas do sogro

    Parintintin. Casamentos com os brancos e indgenas de outras etnias co-residentes so

    interessantes para a concretizao do Projeto Parintintin de retomada do crescimento

    demogrfico.

    Como vimos, na festa Mbotava, a contratao da afinidade est presente. Na

    primeira as mulheres danam somente com parceiros potenciais, os da outra metade. No

    forr da festa de Santo, os afins so trazidos para o interior e consanguinizados. As

    mulheres solteiras no devem recusar dana. H que salientar que as trocas com brancos

    so ainda cercadas de muita cautela, as moas solteiras so extremamente vigiadas pelo

    organizador da festa, no sendo permitido, durante o evento, namoro entre estas jovens

    e visitantes. Contudo, a festa funciona tambm como um mecanismo para estender as

    redes de parentesco, e, portanto um espao para negociao e contratao da afinidade.

    Isto nos remete ao caso Karipuna, analisado por Tassinari (2003). O grupo

    mantm dois padres de alianas, que, embora opostos e complementares, so voltados

    10 Ocorrem dispustas e torneiros de futebol entre os Parintintin e comunidades regionais circunvinhas do km 37e 45. Estas disputas parecem canalizar a oposio entre grupos e uma questo de honra para os Parintintin vencer uma partida.

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    ora, para a abertura e, ora, para o fechamento das redes de parentesco. Um deles

    valorizando trocas com os muito prximos, no interior de um crculo endogmico; e o

    outro com cnjuges do exterior que garantem que o crculo endogmico no se perpetue

    no isolamento. Como diz a autora, a idia de mistura revela a abertura do padro de

    sociabilidade Karipuna para o exterior, sem, contudo negar a repetio de alianas no

    interior de crculos endogmicos, que evitam espalhar o sangue e, assim, exercem

    controle sobre a mistura (Tassinari, 2003). Todavia, no caso Parintintin, encontramos

    dois planos de casamentos: Parintintin/Parintintin e casamentos Parintintin/Tapy.

    Contudo, parece que no se trata de controle da mistura; ou como, no caso analisado por

    Gow (1991) sobre o povo Bajo Urubamba, que se diz gente misturada. Em momento

    algum ouvi os Parintintin se referirem que estes casamentos com estrangeiros possam

    lhes conferir a condio de misturados e, mesmo os filhos destes casamentos no so

    classificados como misturados, mas sempre como Parintintin. Em outro aspecto,

    costumam dizer sobre o ideal de casamento Parintintin que no bom casar muito

    perto (Igwa,1996).

    Como salientei, a Mbotava celebra a predao. A anta est representada no

    inimigo, capturado e canibalizado. A importncia de se contar, neste evento, com

    convidados de agncias governamentais e no governamentais parece estar amparado no

    fato de que so estes convidados que detm os recursos, os conhecimentos tecnolgicos,

    dos quais os Kagwahiva Tenharin desejam se apropriar na atualidade. Edmundo

    Peggion (2004) compara estes convidados a animais de estimao e cativos de guerras

    para futuros rituais. A estrutura da Festa de Mbotava , todavia reatualizada na Festa de

    Santo pela brincadeira da pata cega. Este evento traz semelhanas com o momento

    em que o moqum da anta flechado.

    Para efeito de anlise, faremos uma breve referncia s festas Cinta Larga,

    descritas por Dal Poz. A casa nova, a roa e o animal no caso sempre domstico e

    nominado pelo anfitrio - so as condies necessrias para a celebrao do ritual, mas

    os convidados a condio social. Os convidados assumem a posio do outro, o afim,

    o que vem de fora, portanto inimigos. No ritual, segundo o autor, anfitrio e vtima

    ocupam posies equivalentes. Jogo especular, no qual o animal socializado tomou o

    lugar do anfitrio animalizado, e agora inimigo para os convidados. (Dal Poz, 1991,

    p.201- 265). Nas duas festas Mbotava e Festa de Santo, contudo, os convidados so a

    condio essencial para a realizao do evento.

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    Vale lembrar a mitologia, no casamento da filha de Mbahira, o grupo afim

    ofereceu as carnes, entre elas, o porco e o pato. Na festa de Santo, todavia, o pato no

    ofertado pelo grupo de fora, mas criado livremente no porto pelo futuro juiz da festa,

    e os Parintintin mostram, com certo orgulho, o animal aos visitantes. Contudo, na festa,

    esta ave parece simbolicamente ocupar um lugar prximo ao do inimigo, e o de um afim

    potencial. Observei que nos casos de casamentos com regionais, o sogro Parintintin

    quase sempre espera que seu genro oferea em troca um animal domstico a ser

    sacrificado na Festa de Santo para alimentar os convidados.

    As diferenas e semelhanas entre ambas as festas podem apontar para a prpria

    imagem que os Tenharin e Parintintin tm do Outro e como constroem as imagens deles

    mesmos, espelhada neste Outro. O sacrifcio de uma ave aqutica, no caso da Festa de

    Santo, sugestivo, as caractersticas deste animal apontam para certa ambivalncia,

    representando uma mediao entre o cu e terra. Isto nos sugere que, para os Parintintin,

    os convidados brancos regionais, embora representem a alteridade, so passveis de

    domesticao e parecem estar associados a um grupo local, com o qual se trocam

    casamentos. Especificamente, estes brancos j no so classificados como inimigos,

    com os quais somente possvel a guerra e a predao, mas como parte das suas

    relaes domsticas. No entanto, embora alguns Tapyyti possam ser afinizados, isto

    no impede que ocupem um lugar ambivalente - so prximos e distantes - por isto,

    ainda que parentes e co-residentes so chamados de Tapyyti, o Outro Branco.

    Enquanto que, para os Tenharin ainda existe uma oposio fortemente marcada entre

    Brancos e Kagwahiva, os brancos no so casamentos preferenciais.

    A Festa de Santo se inicia com uma rvore derrubada e o seu tronco fixado

    prxima ao porto. O mastro um smbolo de boas vindas aos convidados, smbolo de

    conjuno. Se tentarmos articular este evento com o mito cosmolgico, imediatamente

    nos remeteremos cena em que o heri canta e bate nos esteios da casa, causando o

    dilvio e a separao entre gente do cu e da terra. No incio da festa de Santo, todavia

    necessrio fixar o mastro, anulando diferenas entre convidados e anfitries para, no seu

    final, derrub-lo, recolocando de algum modo novamente esta diferena. A festa

    Mbotava se inicia com a ritualizao do conflito entre jaboti-anfitrio (terrestre) e arara-

    convidados (cu), exatamente a destruio do moqum, o ataque cabea do inimigo,

    representada na anta, que a diferena e hostilidades so anuladas.

    Os Kagwahiva eram, no passado, cantores por excelncia, compunham msicas

    sobre situaes importantes que vivenciavam. De forma muito semelhante ao cantador

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    Arawet, os cantos Kagwahiva eram uma maneira de relatar acontecimentos, ele conta-

    canta o que v e ouve (Viveiros de Castro, 1986, p.543). Ainda os mais velhos tm o

    domnio desta prtica e, em algumas ocasies, na aldeia Tenharin, os mais velhos,

    ornamentados com seus objetos rituais, costumavam circundar as casas, entoando

    canes. Geralmente, o cantador anda de um lado ao outro e, ao final de cada estrofe de

    versos, ocorre uma pausa em que so sopradas notas no dirya. As letras das msicas so

    curtas e uma mesma estrofe repetida vrias vezes.

    Na festa da Mbotava, de praxe que o cantador principal seja necessariamente o

    anfitrio da festa. Caso o anfitrio no domine esta habilidade ter que recorrer aos mais

    velhos, sinal de vergonha e desprestgio. Na festa de Santo este papel de destaque

    dado ao mestre sala ou organizador da festa, que puxa rezas e hinos. Os hinos so

    ensaiados exaustivamente em perodos que antecedem a festa. Assim, em ambas as

    festas, o canto desempenha papis similares: garantir prestgio ao anfitrio. Do mesmo

    modo que as crianas Tenharin aprendem desde cedo a dana do Yrerupukuhu; as

    crianas Parintintin, da mais tenra idade, j sabem dar os passinhos da dana de forr.

    Diferenas por certo entre as duas festas, mas que funcionam de maneira anloga,

    segundo seus interesses, baseadas no plo de termos domesticao e predao da

    diferena.

    Desta forma, na Festa de Santo, os Parintintin tentam trazer o exterior para

    dentro. Reproduzem e reelaboram a cultura regional como um mecanismo de incluso

    do Outro na reciprocidade generalizada, que caracteriza as relaes entre consangneos

    e aliados, tentando assim anular as diferenas. O mesmo no acontece nas relaes com

    os agencias no indgenas. Nas relaes com estas, os Parintintin vo buscar exatamente

    no acirramento da diferena a forma de negociao com o Outro; tal como veremos a

    seguir com a transcrio do meu dirio de campo sobre um ritual, realizado em uma das

    aldeias Parintintin, que aqui passarei a denominar aqui ritual de simulao de guerra s

    autoridades.

    23 de novembro de 1997, os primeiros raios de sol acabavam de surgir e a

    aldeia j estava a pleno vapor. No era um dia comum, dali a algumas horas

    ocorreria uma importante reunio com autoridades oficiais. Professores, lideranas,

    agentes de sade, mulheres e crianas das aldeias Parintintin, professores e lideranas

    das aldeias Tenharin, Jahoi, Tenonde e Tor realizavam os ltimos preparativos para o

    encontro que iria ocorrer ainda pela manh com a presena da Coordenadora da

    Secretaria Estadual de Educao, do secretrio Municipal de Educao, de

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    representantes da Fundao Nacional do ndio (FUNAI) e de organizaes no

    governamentais, CIMI (Conselho Missionrio Indgena) e OPAN (Operao

    Amaznia Nativa). O tema da reunio seria sobre a regulamentao e reconhecimento

    do curso especfico de formao para professores indgenas.

    Na noite anterior to esperada reunio, professores e lideranas indgenas

    decidiram que realizariam uma dana Kagwahiva no incio das atividades. At ento

    as negociaes tinham sido realizadas entre os Parintintin e o secretrio de educao

    municipal, mas este ltimo se mostrava relutante em aceitar a proposta de

    reconhecimento e apoio financeiro ao curso diferenciado e especfico para formao

    de professores indgenas. Este programa j estava em andamento desde 1995,

    desenvolvido pela parceria entre comunidades indgenas locais e uma agncia no

    governamental (Operao Amaznia Nativa). Afirmava, o secretrio, que os

    professores indgenas deveriam participar do Programa de Formao oferecido aos

    professores rurais, ou ingressar no Supletivo, proposta a ser implantada nas aldeias

    Tenharim. A relutncia do secretrio em aceitar as propostas parintintin estava

    amparada no argumento de no considerar diferenas entre os regionais e os povos

    indgenas locais. Nas palavras do secretrio: os ndios j so aculturados e alm do

    mais a pouca demanda no justifica tanto gasto de recursos (1997). Diante do

    impasse, foi acionada a Secretaria Estadual de Educao - Manaus (AM) e convocada

    uma reunio, na aldeia, com a coordenadoria deste rgo.

    Prximo ao horrio da reunio, as lideranas Parintintin incumbiram os

    membros da OPAN para vigiar o porto e o varadouro de acesso BR, e avisar com

    um tiro de espingarda a chegada das autoridades convidadas. Solicitaram que, eu e o

    antroplogo (docente do curso) recebssemos as autoridades, enquanto preparavam

    suas pinturas corporais. Logo que os convidados desembarcaram no porto, o

    representante da FUNAI perguntou:

    - Cad as lideranas? Esqueceram da reunio? No tem nada preparado, as

    autoridades esto a. Temos pouco tempo, ainda hoje voltaremos para Humait e no

    queremos pegar a estrada noite.

    Passados alguns minutos, os Parintintin romperam o silncio, aproximando-se

    em fila indiana, entoando cantos na lngua Kagwahiva. Os corpos estavam pintados

    base de carvo e a cabea ornada com akanitara11. Portavam ainda arcos, flechas e

    11 Espcie de cocar ou diadema, confeccionada com penas de arara e mutum tranadas em fios de algodo.

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    flautas longas de um cano. Os mais velhos vinham frente cantando na lngua

    Kagwahiva, marcando o compasso com o agwahiva e flautas de cano curto.

    Em sentido anti-horrio, iniciaram a dana do antigo ritual de Yrerupukuhu.

    Aps a primeira volta, as mulheres uma a uma procuravam seus pares. Flashes das

    mquinas fotogrficas disparavam em meio poeira levantada pela batida firme dos

    ps no solo arenoso. Uma das autoridades, surpresa, exclamou: - Eu pensava que os

    Parintintin no eram mais ndios, mas so ndios mesmos. Olha que lindo! Tudo

    pintado, com cocar, sabem cantar na lngua. At as crianas sabem danar. So

    ndios mesmo!

    Subitamente, os Parintintin pram de danar, entregam suas flautas s

    parceiras e simulam um ataque s autoridades presentes. Freneticamente entoando

    gritos de guerra - HUA! HUA! - apontam furiosamente suas flechas para o rosto das

    autoridades, soltando apenas a corda do arco. O rudo causado pelo atrito dava

    aparentemente a impresso de que as flechas tinham sido disparadas, causando certo

    pnico na assistncia. Alguns tentaram se esquivar, outros paralisados pelo medo...

    Um dos funcionrios, acreditando que as flechas realmente seriam disparadas, tentou

    afast-las do seu rosto e sofreu um leve arranho no pescoo. Instantes de pnico.

    Eu... Um pouco surpresa, pois tal ataque no estava no script apresentado na reunio

    preparatria, em meio confuso, tentei acalmar os convidados:

    - Calma! s um ritual, eles no vo machucar vocs.

    Terminada a simulao de ataque, os Parintintin, como bons anfitries,

    sorrindo, cumprimentaram afetuosamente os convidados em lngua Kagwahiva,

    desejando boas vindas e oferecendo caf.

    A reunio transcorreu proveitosa para os Parintintin. As propostas foram

    aceitas sem muita resistncia das autoridades. Na verdade alguns ainda sofriam o

    impacto da simulao do ataque guerreiro e no ousaram criar polmicas com os

    guerreiros Kagwahiva, que circundavam a sala, pintados pelo negro do carvo.

    Apresentado o relato, passarei a tratar deste ritual. Como afirma Manuela

    Carneiro, etnicidade uma linguagem no no sentido de remeter a algo para fora dela,

    mas de permitir a comunicao (Carneiro da Cunha, 1986, p.99). uma maneira de

    dialogar com outros grupos e para dialogar h de se compartilhar uma certa linguagem,

    e esta linguagem dita as regras do jogo (idem,1998, p.87). A simulao do ataque

    guerreiro, a dana, o uso da indumentria tradicional, por ocasio desta reunio com as

    autoridades pode ter se configurado como uma modalidade de comunicao.

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    Com efeito, os Parintintin reconstruram a sua imagem, a partir dos prprios

    esteretipos das autoridades brancas do que ser ndio. Os Kagwahiva, utilizando-se de

    recursos simblicos prprios, buscaram anular o discurso dos funcionrios estatais que

    pressupunha sua total integrao sociedade nacional, e, portanto os relegava na escala

    de prioridades atendidas pelos recursos para Educao Indgena, destinados Prefeitura

    de Humait e estado do Amazonas pela Unio. A mensagem dos Parintintin a estes

    representantes oficiais no era outra seno: no nos subestimem, ainda somos

    guerreiros.

    Com isto no estamos afirmando que esta ao discursiva dos Parintintin teve

    apenas um intuito pragmtico de obter financiamentos dos rgos oficiais, mas antes

    que este discurso esteve amparado na reconstruo das classificaes e das pr-

    concepes cosmolgicas, que sofrem constantemente transformaes em funo dos

    efeitos da intruso dos brancos na vida social indgena (Gallois, 2002, p.232). Interessa

    aqui, pois, refletir sobre o que est subjacente a esta ao ritual dos Parintintin, que

    parece querer comunicar algo mais do que uma simples encenao s autoridades

    oficiais. Minha tentativa consiste em relacionar a dimenso social (ritos) e a cosmologia

    Kagwahiva. Tais passos podero nos permitir compreender mais profundamente o que

    estrutura este discurso e suas implicaes.

    Poderamos analisar este evento como um tpico ritual durkheimiano (2000), os

    grupos locais, partilhando signos, se apresentaram como unidade, ao contrrio do que

    ocorre nas relaes cotidianas permeadas por certa rivalidade latente entre diferentes

    aldeias Kagwahiva e entre grupos domsticos. Este esforo em exibir ao exterior a

    solidariedade coletiva e coeso poltica dos grupos indgenas do baixo Madeira esteve,

    sem dvida, amparado no discurso contemporneo de etnicidade, fundado na categoria

    cultural ndios. Como diz Mary Douglas, somente exagerando a diferena entre

    dentro e fora, que um semblante de ordem criado (Douglas, 1976, p.15).

    O ritual teve o efeito de assustar, encantar, mas tambm marcar claramente o

    antagonismo entre dois plos, ns/ ndios, eles/autoridades brancas. Esta unio dos

    diferentes grupos indgenas do baixo Madeira, em torno de reivindicaes comuns

    possibilitou apresentar ao exterior uma fora poltica que s sociedades Parintintin e

    Tor, no o possuam, sobretudo porque no contavam com uma populao expressiva

    capaz de exercer presso sobre os rgos oficiais locais.

    Neste ritual, os Parintintin articularam trs registros. Primeiramente refizeram

    sua imagem a partir das prprias representaes de ndio genrico, reproduzida no

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    discurso das autoridades; em segundo, esta reconstruo no se constituiu como uma

    retrica vazia, mas esteve amparado nos recursos simblicos prprios, na sua

    indumentria antiga, na sua lngua materna, e na maneira como concebem a relao com

    os Seus Outros fundada na polaridade aliado/inimigo. Por fim, articularam de forma

    original o discurso contemporneo de etnicidade genrica (ns: povos indgenas) s suas

    categorias prprias (polaridade aliado/inimigo). Esta ao criativa dos Parintintin, com

    efeito, os possibilitou negociar com as autoridades oficiais. Naquele dia, como em

    outros eventos ocorridos para negociaes polticas com o Estado12, no eram

    professores, agentes de sade e lideranas Parintintin que se resignavam palavra de

    uma autoridade no ndia, eram realmente guerreiros Kagwahiva em uma guerra

    invisvel. Gluckman (1974) j havia salientado que as relaes de poder no ritual se

    invertem, no caso, as autoridades, representantes do poder na sociedade ocidental, so

    obrigadas a se submeter aos Parintintin.

    A discordncia entre as propostas oficiais e a dos Kagwahiva j se arrastava h

    meses, gerando um clima de hostilidade entre as partes. Para os Kagwahiva existem

    duas alternativas em caso de conflito declarado: a separao fsica ou a guerra, como

    relatado no mito cosmolgico. Tanto uma, quanto outra, no teriam condies de se

    concretizarem neste caso especfico de negociao poltica com o Estado, exigindo,

    assim, dos Kagwahiva uma releitura das suas categorias prprias. Como Sahlins (1990)

    j havia salientado, as pessoas alm de organizarem seus projetos e darem sentido aos

    objetivos a partir de compreenses preexistentes da ordem cultural, tambm pensam

    criativamente seus esquemas convencionais (Sahlins, 1990, p.7).

    Para os Kagwahiva existe uma linha muito tnue que separa aliados de inimigos,

    a aliana pode reverter-se em hostilidade dependo do contexto circunstancial. A guerra,

    ou como se expressa na atualidade - uma simulao constante da guerra frente aos seus

    inimigos - no pode ser tomada somente na sua imagem negativa, como uma crise.

    Como j frizou Lvi-Strauss , tambm, um meio de assegurar o funcionamento das

    instituies, estabelecendo o vnculo inconsciente da troca, talvez involuntria, mas em

    todo o caso inevitvel, dos auxlios recprocos essenciais manuteno da cultura.

    (Lvi-Strauus, 1976, p.327). Nos dias de hoje, um conflito real com rgos estatais seria 12 A reunio, promovida pelos Kagwahiva e Tora, para a implantao do Conselho de Sade Indgena, ocorrido na cidade de Humait, na qual foram convidados rgos governamentais e no governamentais, as populaes indgenas tiveram a mesma atitude. Compareceram reunio, paramentadas com sua indumentria antiga, suas danas e cantos. Esta demonstrao de fora alcanou excelentes resultados, alm de garantir a fundao desta instituio, ocuparam os cargos de presidncia e vice-presidncia do Conselho.

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    impraticvel, da mesma forma, manter um conflito permanente no tolervel pelos

    Kagwahiva, caso ocorra, exige afastamento de uma das partes. Assim a ritualizao da

    guerra surge como uma sada criativa para o impasse ocorrido nas negociaes,

    funcionando como um mecanismo para acionar a reciprocidade. E as relaes de troca

    de ddiva no excluem, mas pressupem a rivalidade, podendo assumir carter mais ou

    menos agonstico ou, mesmo competitivo (cf.Mauss, 1950, cf. Lanna, 1995).

    Como afirma Peirano o mecanismo de bricolagem, definido por Lvi-Strauss,

    fundamental aqui: os elementos que entram no ritual j existem na sociedade, fazem

    parte de um repertrio usual, mas so reinventados (Peirano, 2003, p.49). De fato, a

    rivalidade um tema no s presente na cosmologia, mas, tambm no cotidiano das

    relaes e nos diversos rituais Kagwahiva, como veremos a seguir em dois exemplos

    citados.

    O ritual, que aqui denominaremos Encontro de Grupos Rivais, ocorreu por

    ocasio de uma visita dos Kagwahiva Tenharim aldeia Trara. Os anfitries receberam

    os visitantes de forma agressiva e os dois grupos passaram a se insultar mutuamente:

    - Vou quebrar minha borduna na sua cabea, falou o anfitrio, causando uma

    reao no visitante:

    - E eu vou quebrar o meu arco na sua.

    No final, anfitries e visitantes riram das provocaes e iniciaram a dana com

    as flautas.

    A rivalidade tambm est presente no casamento Kagwahiva, como podemos

    observar nesta narrativa, de Garcia de Freitas (1926), do incio do sculo XX,

    confirmada pelos mais velhos. Em algum momento o noivo, pintado de branco e de

    carvo, surgia portando suas armas de guerra e simulava um ataque contra a aldeia. Os

    demais saam da casa grande e enfrentavam o guerreiro, tentando impedi-lo a atravessar

    o ptio e chegar at a noiva. Vitorioso, o noivo, ao avistar sua parceira lana flechas

    sobre ela, que foge assustada para o ptio. O noivo ento joga o arco e flecha aos ps de

    sua futura mulher, e uma grande roda de dana forma-se em torno deles. Tambm o

    incio da festa da Mbotava, j descrita anteriormente, marcado pela rivalidade entre

    anfitries e convidados.

    Isto nos aponta que o evento simulao de guerra s autoridades bastante

    semelhante s demais cerimnias no que se refere ao aspecto da polarizao entre

    grupos rivais: anfitries e visitantes. Mas no caso daquele, os papis foram invertidos,

    pois, geralmente, o que vem de fora o agressor ritual. Os visitantes, neste caso

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    especfico, no se tratavam de afins reais, mas antes de inimigos, agentes do governo

    que se negavam a estabelecer uma relao de reciprocidade positiva.

    Esta ao dos Parintintin no se configura como um fenmeno isolado, vrios

    etnlogos tm observado que cada vez mais as populaes indgenas das terras baixas

    sul-americanas buscam amparo em suas prprias concepes cosmolgicas e

    cerimoniais, remodelando-as de forma criativa para melhor enfrentar as relaes

    desiguais com a sociedade envolvente. Vale mencionar a semelhana destas estratgias

    Parintintin com as utilizadas no evento, analisado por Jonathan Hill (2002), entre

    Wakunai (Baniwa) de San Miguel, da regio do alto rio Negro. Estes ndios usaram o

    ritual de trocas cerimoniais, o pudli, para se apresentar aos agentes brancos do

    governo, no intuito de transformar relaes sociopolticas ambguas com estas

    instituies governamentais. Mas, este mesmo ritual foi utilizado, em outro contexto,

    para denunciar as relaes de explorao que estavam submetidos pelos comerciantes

    locais.

    A comparao de Lvi-Strauss (1997) entre jogo e rito parece ser adequada para

    concluirmos nossa anlise. Conforme o autor, o jogo disjuntivo: ele cria um

    afastamento entre jogadores ou campos, que no incio da partida no eram to

    marcados, ao passo que, o ritual conjuntivo, pois estabelece uma unio, que no incio

    so dados como dissociados. Da mesma forma, como vimos, o evento Parintintin inicia

    tambm com a separao e rivalidade entre anfitries (Kagwahiva) e brancos

    (autoridades). Mas aps a simulao do ataque, os Kagwahiva receberam afetuosamente

    as autoridades, ofereceram caf, e, no final da reunio alimentos.

    O oferecimento de caf, em nossa sociedade, uma linguagem que entendemos

    como parte da etiqueta de boas vindas, todavia, nos parece que esta bebida adquiriu uma

    importncia fundamental para os Kagwahiva, que extrapola o simbolismo de nossa

    sociedade. Os Kagwahiva costumam oferecer esta bebida aos visitantes, sendo tambm

    muito bem aceita a atitude de um estrangeiro branco presentear o anfitrio com um

    pacote de caf e acar assim que chega aldeia. Para os Parintintin a troca de

    alimentos marca a possibilidade de aliana. No oferecer ou no aceitar o convite de

    comer dos alimentos oferecidos extremamente ofensivo.

    O That all share food j apontado por Kracke (1978) e Schroeder (1995)

    continua operando nas relaes internas Kagwahiva. O circuito interno de troca de

    alimentos permeia as relaes entre grupos familiares aliados. Um exemplo suficiente.

    Em determinada ocasio, uma famlia Parintintin dividiu um frango entre mais de dez

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    famlias. Os pratinhos circularam pela aldeia com um pouquinho de caldo e pedacinhos

    de carne. Em se tratando de estrangeiros, o no estabelecimento de troca por alimentos

    pode dificultar as relaes entre as partes. J presenciei fatos em que agentes sociais no

    ndios foram convidados a se retirarem da comunidade por negarem-se a comer com

    eles, ou ainda por no se mostrarem generosos para com eles na partilha da comida. O

    oferecimento de comida s autoridades, s ocorreu porque a reunio transcorreu como

    os Parintintin esperavam e suas reivindicaes foram aceitas, caso contrrio,

    possivelmente elas seriam convidadas a se retirarem da aldeia, sem nenhuma

    generosidade.

    Como procurei mostrar atravs da anlise deste evento, as aes dos Parintintin

    pautaram-se nas suas prprias categorias culturais e em princpios de sua cosmologia.

    Com novos arranjos por certo, diante da situao de coexistncia com a sociedade

    nacional, mas ainda orientadas pelas categorias - rivalidade e reciprocidade - que

    sempre marcaram as relaes estabelecidas pelos Kagwahiva com seus inimigos

    potenciais.

    A partir das descries apresentadas seria possvel submeter mitos e rituais a um

    sistema, procurando trat-los, como afirma Oliveira Castro (1994), nas suas correlaes

    ou conjuntos conexos, que podem apresentar algumas relaes entre si e que nos

    informariam possveis significados da sociedade Parintintin na contemporaneidade (em

    tabela anexo apresento uma sntese dos trs eventos tratados, dos mitos e suas

    correlaes).

    Os relatos nos sugerem que tanto no mito, quanto no perodo histrico de

    decadncia dos servios assistenciais do SPI, os Parintintin passam pela experincia do

    abandono e dependem de alianas para reconstruir o seu mundo; no primeiro caso com

    heris mticos, e, no segundo, com os patres. Ao contrrio dos demais eventos em

    que a rivalidade est presente, ainda que ritualizada, a Festa de Santo parece se

    apresentar como uma inverso, celebrando a aliana em sua plenitude. Tudo se passa

    como se os Parintintin, neste evento, buscassem travestir-se de heris civilizatrios -

    no mais a espera da generosidade dos seus Outros, mas atuando como os grandes

    anfitries, doadores de alimentos e cerimnias - devolvendo aos brancos a sua prpria

    cultura.

    A aliana celebrada, sem, contudo excluir a possibilidade de predao,

    simbolizada no sacrifcio do animal domstico. Como os guerreiros antigos que

    compunham seus cantos, mudavam de nome e ostentavam seu trofu: a cabea do

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    inimigo; na atualidade, a predao se expressa na acumulao de festas, saberes e

    tecnologias. Esta nsia de se apropriar do saber da sociedade branca chega a ser

    impressionante. Um exemplo suficiente: os agentes de sade indgena, embora

    reclamassem do excesso de horas extras trabalhadas, em decorrncia do atendimento

    aos colonos da Transamaznica que procuravam seus servios de enfermagem e exames

    laboratoriais, mostravam certa satisfao em terem dominado um conhecimento da

    nossa sociedade, que lhes garantia superioridade frente a estes regionais. Como diziam:

    antes ns precisvamos do branco, agora o branco precisa de ns.

    Tambm sugestivo observar que o desafio proposto de Mbahira, no Mito do

    Surgimento dos Brancos, gera a separao entre os Kagwahiva, uns preferiram

    permanecer na floresta, e outros se tornaram brancos (cidade). Criou-se, assim uma

    distncia fsica e cultural intransponvel e, a diferena redundou em relaes de

    predao e hostilidade. Nos dias de hoje, contudo, os Parintintin encontram-se numa

    posio limiar e, frente a esta circunstncia, mais prximos aos brancos circunvizinhos,

    aos Tora, Apurin (co-residentes), do que aos Tenharin, que idealmente, segundo as

    antigas classificaes, seriam seus cnjuges preferenciais.

    possvel, ento, relacionarmos tais constataes com o Mito Cosmolgico.

    O dilvio marca a separao fsica e cultural entre Gente do Cu (cultura) e da

    Terra (natureza). Todavia, com a interveno de Mbahira, retomada a cultura,

    aproximando novamente Gente do Cu e Gente da Terra; ao mesmo tempo em que

    marca a diferena destes em relao a outros seres (anhangs, animais). Semelhantes

    entre si, Gente do Cu e Gente da Terra, daro origem oposio entre metades

    exogmicas. Do mesmo modo, os, outrora distantes, Tapyyti se tornaram mais

    prximos na atualidade e, portanto passveis de afinizao. Assim, a Festa de Santo

    parece apontar para a ritualizao destas novas relaes dos Parintintin.

    Angela Kurovski

    Ps-graduada pelo Programa de Antropologia Social UFPR [email protected]

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    Abstrat: This paper describes and analyzes there events: the fest of St held by people kagawahiva Parintintin (AM), the ancient party Mbotava and meeting with the official authorities that was attend by various ethnic group in Low River Madeira. My thought is to attempt to link the social dimension (rites) and cosmologies, seeking the correlations exist. From this systematization of rituals and myths, seek to understand the possible meanings Kagwahiva given by the social relations they have established in the contemporary. Keywords: rites; party; myth; ethnic relations; alliance; rivalry

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    Recebido em 17/11/2008 Aceito para publicao em 30/03/2008