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    Revista da Universidade Vale do Rio Verde, Trs Coraes, v. 9, n. 2, p. 202-214, ago./dez. 2011

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    A ATUALIDADE DO CONCEITO DE ANGSTIA DE KIERKEGAARD

    THE PRESENT CONCEPT OF ANGST OF KIERKEGAARD

    Pedro Carlos Ferreira SANTOS1

    RESUMO: A atualidade do conceito de angstia de Kierkegaard uma tentativa de demonstrar comoo filsofo dinamarqus Soren Kierkegaard soube perceber as transformaes socioculturais de setempo. Ele foi capaz de fazer uma analise profunda da angstia que continua ainda vlida para hoje despeito dos mais de 150 anos que nos separam no tempo. A angstia do homem contemporneo temmuito em comum com a angustia tratada por Kierkegaard nas suas obras. Da a importncia deretomarmos a leitura desse pensador neste inicio de sculo, ele que foi um dos pensadores importantedo existencialismo um antecipador da nossa poca.

    Palavras-chave: Filosofia. Existencialismo. Angstia. Desespero. Ps modernidade.

    ABSTRACT: The relevance of Kierkegaard's concept of anxiety is an attempt to demonstrate how theDanish philosopher Soren Kierkegaard learned to realize socio-cultural transformations of hitime. He was able to make a profound analysis of the anguish that is still valid today in spite of morthan 150 years that separate us in time. The anguish of modern man has much in common with thanxiety treated by Kierkegaard in his works. Hence the importance of resuming the reading othis early thinker in this century, he was one of the leading thinkers of existentialism is a forerunner oour time.

    Key-words1: Philosophy. Exixtentalism. Distress. Despair. Post modernity

    1 Mestre em Educao, Especialista em Filosofia Contempornea e tica. Graduao em Filosofia. Professor dUniversidade Vale do Rio Verde (UninCor). E-mail: [email protected]

    doi: http://dx.doi.org/ 10.5892/ruvrv.2011.92.202214

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    INTRODUO

    Neste artigo tentaremos mostrar como estaanlise continua atual e pertinente aosnossos dias, A angstia do homemcontemporneo est profundamenteenraizada naquela angstia descrita porKierkegaard, da podermos concluir quedada a distncia cronolgica entre ns eKierkegaard ele foi sem dvida umantecipador da nossa poca, no sentido de

    que foi capaz de captar problemas que setornariam concretos para o homem smuito mais tarde.

    Soren Kierkegaard nasceu na Dinamarcaem 1813 teve uma vida atribulada porproblemas pessoais e familiares e em umespao de vinte anos v a morte de dois

    irmos e trs irms e depois a prpria me.Em meio a isto tem ainda a decepoamorosa com a noiva Regina Olsen. Assima sua Filosofia, fruto de seus prpriosdramas existenciais. No ms de outubro de1855, Kierkegaard sofreu uma queda narua e foi hospitalizado, com paralisia naspernas. Recusando-se a receber assistncia

    religiosa, faleceu quarenta dias depois. considerado o pai do existencialismo.

    O CONCEITO DE ANGSTIA

    A palavra angstia, em sentido mais amploquer dizer sufoco, estado em que a pessoa

    se sente sufocada perante um perigo queest eminente inevitvel e em parte no foiainda experimentado, Esta angstia notem origem externa, mas exclusivamenteinterna. Assim, a angstia no tem umobjeto especfico como o medo que serefere sempre a uma ameaa concreta daqual ns devemos nos prevenir.

    A partir de Kierkegaard o tema da angstiaassume uma importncia central dentro da

    filosofia, sobretudo para a correnteexistencialista, da qual ele considerado oiniciador, A angstia est ligada ao nada,ao vazio. Neste estado o sujeito purapossibilidade, ainda no est determinado.

    Segundo Kierkegaard a angstia avertigem da liberdade. O indivduo sente

    ao mesmo tempo uma repulsa e umaatrao. Da Kierkegaard dizer ser aangstia ambgua e que tem umaimportncia no s filosfica comotambm teolgica. A angstia torna-se umacategoria fundamental para Kierkegaardexpor a natureza do pecado.

    Em O conceito de angstia, - kierkegaardredefine a angstia como sendo: " umadeterminao do esprito sonhador (...) arealidade da liberdade como puro possvel(Kierkegaard, 1968, p. 45). Kierkegaardcomea sua analise do conceito de angustiaa partir do mito da queda de Ado e Eva.

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    De acordo com Kierkegaard eles socolocados diante da possibilidade deescolher. Com a queda eles entram naexistncia, ou seja, eles comeam a existir,no sentido de que a existncia humanaimplica deciso, escolha, no so maisdeterminados pela natureza. Enquantoviviam no paraso eles no se conheciam apossibilidade da escolha. Assim, a partirda queda que a angustia instaura suamorada na existncia, torna-se presente no

    ser humano e o homem ser desde entoum ser angustiado.

    Ao lado da angustia, Kierkegaard colocatambm outra categoria humana, que odesespero. O desespero humano est ligadoao fracasso da condio, do absurdo, doparadoxo, ou seja, o homem finito e ao

    mesmo tempo deseja o infinito, quetranscender a essa condio de finitude. Deacordo com a filosofia kierkegaardiana, odesespero surge quando o esprito quer asntese de finito (matria) e infinito(esprito) para surgir o EUEXISTENCIAL.

    Conforme nos referimos acima, oproblema da angustia torna-se centraldentro do existencialismo, correntefilosfica iniciada por Kierkegaard. Assim,vamos encontrar a discusso deste temanos outros filsofos existencialistas comoHeidegger, Karl Jaspers e Sartre.

    Para o alemo Martin Heidegger, aangstia um sentimento diferente domedo; o medo implica geralmente umobjeto determinado. Como afirmaHeidegger em Ser e Tempo, na angustia apre-sena se dispe frente ao nada dapossvel impossibilidade de sua existncia(HEIDEGGER, 1998) A angstia nuncaanuncia o perigo, mas provocado por umexistente determinado. Assim, oangustiado no sabe de onde lhe vem a

    angstia. O que ele sabe que ela no lhevem de um objeto determinado. Aangstia, pois, o seu esta-no-mundo.

    Ainda nesta Obra Ser e Tempo, afirmaHeidegger a respeito da angstia:

    O ser-para-a-morte ,essencialmente, angstia. Isso

    testemunhado, de modo indubitvelembora apenas indireto, pelo ser-para-amorte j caracterizado, nomomento em que a angstia se faztemor covarde e, superando,denuncia a covardia da angstia.(HEIDEGGER, 1998, P. 50)

    Desta forma, para Heidegger a angstia um determinante existencial, e que aangstia se manifesta na cotidianidade do

    estar-no-mundo.

    Karl Jaspers fala de dois tipos de angstia,uma angustia emprica e um angustiaexistencial; a angstia emprica tem umcarter psicolgico e a angustia existencial

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    se manifesta diante das situaes limitescomo a culpa, a dor, a luta e a morte. Essassituaes limites nos fazem ascender transcendncia.

    O francs, Sartre diz que a angstia aconscincia especifica da liberdade. Dianteda angstia o homem pode at ensaiarcondutas de fuga, refugiar-se na crena, nodeterminismo, que o reintegra no ser. Masno pode escapar da angstia. Ele pode

    oculta-la por momentos, mas no suprimi-la. Para Sartre o homem angstia. Emuma belssima passagem do seu livro oexistencialismo um humanismo eleescreve:

    Em primeiro lugar, como devemosentender a angstia? Oexistencialista declarafrequentemente que o homem

    angstia. Tal afirmao significa oseguinte: o homem que se engaja eque se d conta de ele no apenasaquele que escolheu ser, mastambm um legislador que escolhesimultaneamente a si mesmo e ahumanidade inteira, no consegueescapar ao sentimento de sua total eprofunda responsabilidade. fatoque muitas pessoas no sentemansiedade, porm ns estamosconvictos de que essas pessoasmascaram a ansiedade perante simesmas, evitam encar-la;

    certamente muitos pensam que, aoagir, esto apenas engajando a siprprios e, quando se lhes pergunta:mas se todos fizessem o mesmo?,eles encolhem os ombros erespondem: nem todos fazem omesmo. (SARTRE, 1987.P. 7)

    Para Sartre a angstia est relacionada aessa total responsabilidade do sujeito sobre

    suas aes e escolhas, e para Sartre estapossibilidade da escolha que nos revela aangstia. No h como fugir dessaresponsabilidade, nem mesmo quando noescolho, eu estou escolhendo no escolher.

    Voltando ao pensamento de Kierkegaard,podemos afirmar que o problema daangustia perpassa toda a sua filosofia. Istopode perceber em suas obras como oconceito de angsita, o desespero

    humano temor e tremor.

    A angstia para Kierkegaard apossibilidade de liberdade. Kierkegaardafirma que a angstia pode ser de doistipos objetiva e subjetiva. Em O conceitode angstia; ele escreve assim:

    Por angstia objetiva[entendemos] o reflexo dapecabilidade da gerao domundo inteiro. E a angstiasubjetiva [ a] : (...) a angstiaque est na inocncia doindivduo que corresponde a deAdo. Porm que, em razo dadeterminao quantitativa decada gerao, diversa emquantidade. (Kierkegaard.1968p. 62)

    Vimos assim, que em Heidegger, Sartre eK. Jaspers o conceito de angstia temcaractersticas comuns, descritaresumidamente como algo inerente aexistncia humana.

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    A origem da angstia

    O home o nico ser que jamais consentese o que ; assim, ele est semprebuscando, ele desejo, de busca. Somenteele sente profundamente o vazio de suaexistncia. No aceita a sua existnciacomo simples trajetria entre o nascer e omorrer. E justamente neste ponto querepousa a sua grandeza, mas por outro ladofunda-se aqui o problema que ter que

    enfrentar por toda a vida. Sua grandeza porque sendo finito (matria) e infinito(espirito), porque o EU uma sntese definito que delimita e de infinito queilimita (KIERKEGAARD, 1988, P. 208)ele tem que administrar esta tenso entreestes dois elementos para construir formasde dar sentido sua existncia, para que

    esta no se reduza a um simples estar nomundo. O problema que esta situaofaz do homem um eterno viajante embusca de sentido para sua vida, paraconstruir uma existncia autntica.

    Segundo Kierkegaard o homem em umprimeiro momento pura possibilidade,

    neste estagio, o que existe o nada. Eafirma Kierkegaard em O Conceito deAngsita:

    Porm existe, ao mesmo tempo,outra coisa que, entretanto, no perturbao nem luta, porque noexiste nada com que lutar. O queexiste ento? Nada. Que efeito

    produz, porm este nada? Este nadad nascimento angustia.(Kierkegaard. 1968. P. 45)

    Kierkegaard, escreve que quando Ado eEva ainda no paraso, no estado deinocncia foram advertidos para nocomerem do fruto de uma rvore doconhecimento eles no podiam entender doque se tratava, porm, esta advertncia, oumelhor a proibio que desperta neles apossibilidade de liberdade. Neste momentoeles so repelidos e ao mesmo tempoatrados por esta situao. Eles esto agoradiante da possibilidade de fazerem umaescolha, a proibio desperta-lhes o desejode ser como Deus, esto diante de umapossibilidade, mas esta possibilidadetambm lhes causa vertigem, eles sentemno dizer de Kierkegaard, uma antipatiasimpatizante uma simpatia antipatizante. a proibio que desperta neles o desejo deconhecer, ainda na obra citada acima,Kierkegaard reitera:

    A proibio deixa inquieto Ado,porque nele desperta a possibilidadeda liberdade. O que se ofertava inocncia como um nada da

    angstia adentrou-o e conservaainda aqui um nada: a aflitivapossibilidade de poder. Comrespeito ao que pode, no temnenhuma ideia. (...) existe em Adosomente a possibilidade de poder,como uma forma superior deignorncia, como expresso elevadada angstia, visto que, a este nvelmais alto, a angstia existe e noexiste, Ado tem amor e foge dela.(Kierkegaard, 1968. 48)

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    Vimos at aqui o conceito de angustia, eque ela prpria do ser humano, assim, naconcepo do filosofo DinamarqusKierkegaard, a angstia no expresso deuma patologia, mas uma dinmica daprpria existncia. uma categoriafundamental da existncia humana.

    O sentido existencial da Angstia.

    Falar de sentido existencial da angstia

    enfatizar a centralidade da questo, naperspectiva kierkegaardiana. E de certaforma chamar a ateno para o fato de queela inerente existncia humana e no seapresenta como uma neurose. Desta forma,a angstia no sentido kierkegaardiano nopode ser equiparada a inquietao,ansiedade ao temor ou desespero. Estas

    categorias so todas vivenciadas pelo serhumano, mas ainda no representa aquiloque mais fundante e profundo naexistncia humana, que a angstia. Aangstia abordada por Kierkegaard aangstia existencial que no momentneanem tem um objeto especfico.

    A angstia no tem um objeto definido, algo vago, indeterminado. Da tambm terela outra caracterstica que de no serpassageira, ela acompanhar o homemenquanto ele viver. Portanto, no h outrocaminho a no ser enfrent-la,experiment-la, fugir no de forma

    alguma a soluo, afirma Kierkegaard.Neste sentido no adianta desangustiar oshomens, mas ensin-los a vivenciar a suaangstia. Assim o homem ser tanto maishumano quanto mais profunda for a suaangstia no sentido de experinciaexistencial. E neste sentido Kierkegaardno quer apontar uma sada, mas fazer comque o ser humano aprenda com a angstia.

    Nestes termos a angstia no tem, na

    perspectiva kierkegaardiana um carternegativo. Kierkegaard enfatiza acentralidade da angstia justamente paradizer que ela uma categoria fundamentalpara que o homem adquira sua autonomiae liberdade. conforme ele escreve em OConceito de Angstia: (...) assumindo talaspecto (...) a angstia transmuda para ele,

    em uma criada invisvel que, ainda semquerer, o leva aonde pretende ir(Kierkegaard. 1968, p.160) ou seja, elatem um sentido positivo, como veremosadiante.

    O sentido positivo da angustia

    Kierkegaard em, o conceito de angstia, ede algum modo em obras como Temor etremor e tambm o Desespero Humanodescreve o sentido positivo da angstia, oupelo menos, nos d pistas de como aangstia quando assumida de forma corretatem um valor extremamente positivo para a

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    constituio da existncia autntica. Emtodas estas obras aparece muito claro, opensamento do filsofo e sua tentativa demostrar caminhos ao homem para que eleassuma, na sua vida, valores que estejamacima do imediato, do aqui e agora.

    Em Temor e tremor, Kierkegaard chamaateno para o cavaleiro da f, que diferente do heri. Segundo ele, noobstante todas as glrias conquistadas pelo

    heri, estas ainda no se aproximamdaquilo que o ideal de homem, ocavaleiro da f, que nesta obra deKierkegaard representado por Abrao.Soa estranho quando Abrao decideoferecer seu nico filho, o filho dapromessa em sacrifcio a Deus. Aqui, nofala mais a moralidade, pois Abrao

    naquele momento est na instncia da f,Ele vive a angstia mas silencia, descreveKierkegaard, por isso ele afirma que a f esse paradoxo, e o indivduo no pode deforma alguma fazer-se compreender porningum (Kierkegaard. 1959, p.126)

    Kierkegaard, portanto nos ensina que s

    aqueles que assumem esta angstia deforma positiva, capaz de dar um saltoqualitativo. Assim, fazer-se discpulo daangstia fundamental para que oindividuo se torne verdadeiramentehomem. Neste sentido Ernest Beckercomenta em seu livro a Negao da Morte:

    Kierkegaard tinha uma formulaprpria para o que significa ser umhomem. Ele a exps naquelaspginas admirveis nas quaisdescreve o que chama de ocavaleiro da f. Essa figura o

    homem que vive na f, queentregou o significado da vida aoseu criador e que vive concentradonas energias do seu Deus. Aceitasem reclamar o que quer queacontea nessa dimenso visvel,vive a vida como um dever,enfrenta a morte sem receio (Becker. 1995. P 251)

    Colocados nestes termos, primeira vistaparece que a proposta de capitulao2

    diante de Deus. Uma entrega desonesta edescompromissada. Mas no esta aproposta de Kierkegaard. O importante que o homem assuma sua vida comconscincia desta dimenso, que ele existepara realizar-se alm da imediatidade que avida prope e que as vezes parece at maisfcil. Nesta tarefa a angstia ter um papelfundamental, ela ser o caminho que oindividuo dever trilhar para alcanar esteobjetivo. Neste sentido ele ter um papelno s positivo, mas fundamental. Porm,o homem atual vive cercado depossibilidades, tem ao seu redor uma gamade facilidades, e a todo instante tentado atomar o caminho mais fcil. Luiz CludioBatista, em um artigo intitulado Aangstia kierkegaardiana comopressuposto da angstia do homemcontemporneo descreve assim a situaodo homem em nossos dias:

    2 Capitulao: entrega, resignao.

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    Feliz por ter mo as facilidadespossveis, feliz pois consegue jogarcom a mquina e com isso sua vidatorna-se mais cmoda. Qualquermomento infeliz logocompensado por uma aquisio no

    primeiro shopping da esquina. Oparadoxo talvez esteja em encontrarum homem triste, indiferente,isolado. (BATISTA, 1997.P. 311)

    Em outras palavras poderamos dizer que ohomem moderno tem, de certa forma,medo de enfrentara a angstia, por istovive esta situao de constante busca demeios para no confrontar-se com ela. Por

    isso ele prefere perder-se na massa aencontrar-se s, como arquiteto de suavida, prefere viver em funo da opinio,onde no precisa responder muitasperguntas, a viver a sua individualidade.Isto tem seus reflexos diretos na vida doprprio homem, pois esta forma de noassumir a sua angstia, de querer a todo

    custo evita-la, volta contra ele sob a formade neuroses. Delfim Santos, comenta assimesse medo da angstia em que vive ohomem atual.

    (...) a nossa poca podecaracterizar-se pelo medo daangstia. Nunca este medo serevelou com tal intensidade, etambm nunca os estados

    patolgicos derivados do medoforam to frequentes. (...) empoca mecanizada sob formaburocrtica, em que a pretensaautenticidade e competncia sogarantidas pela conveno e pelarotina, em que a angstia no temonde reclinar a cabea, no dese estranhar que a diagnose leve aconcluso de que o signo donosso tempo, em todos os planosse caracteriza pela predominncia

    da reao neurtica. (SANTOS,1982.p. 164).

    Este medo da angstia leva o homem a

    uma situao de confinamento, e o fazerguer barreiras de todo tipo contra aangstia. Este porm, no o caminhoproposto por Kierkegaard, ele prope justamente o contrrio, que o homemaceite sua condio de finitude, mas quecarregue em si o desejo de infinito, que setorne discpulo da angstia. Pois somente

    assim a angstia assumir para ele umsentido positivo, e o ajudar a dar o saltoqualitativo. Salto possvel somente aohomem que no aceita a simplestransitoriedade da vida. E isto imprescindvel a aceitao da angstiacomo parte da existncia. A angstia terassim um sentido positivo e libertador,

    transformando-se em expresso dematuridade e liberdade. Ajudando oindividuo a trilhar um novo caminho, ocaminho da existncia autntica, segundoKierkegaard.

    A existncia autntica

    Conforme refere acima, o homem onico ser que pensa a sua vida, que projeta,que preocupa, ou seja, somente ele temconscincia da sua existncia, das suaslimitaes e finitude. Vive no s o seumomento presente mas capaz de projetar-

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    se no futuro e recordar o passado. Sendo ohomem conscincia, ele aspira aotranscendente; no se satisfaz com osimples existir. Sabe que apesar de suafinitude traz dentro de si a chama deeternidade.

    O homem . Segunda a concepo deKierkegaard, uma sntese de finito einfinto, e por ele ser esta sntese ele queralar vos mais altos. Traz em sim a marca

    transcendental, no se conforma com a suafinitude, busca rebelar-se contra a suacondio de ser apenas mais um individuono meio da multido. Somente o confrontocom a angustia vai permitir ao homem osalto para aquele modo de vida queKierkegaard descreveu como sendo aexistncia autntica.

    Fazer esta caminhada pode custar muito,este o motivo pelo qual nem todos estodispostos a fazer. Esta caminhada sertambm escolha, um proposito, e s aqueleque realmente quer chegar l que se pea caminhar. Este trabalho, fruto doesforo de cada um, conforme afirma

    Nietzsche, somente voc poder construiras pontes que precisa para atravessar o rioda existncia, s voc e mais ningum. EKierkegaard, diz isto de outra maneira emTemor e Tremor: ora, consiste o segredfoda vida em que cada um deve cozer a suaprpria camisa e coisa curiosa, o homem

    pode faz-lo to perfeitamente quanto umamulher (Kierkegaard, 1959, p. 81). Cadapessoa deve assumir o leme, no h comoconfiar essa tarefa a outrem. Isto fica bemclaro em Kierkegaard e nos outrosexistencialistas, delegam ao homem odestino e deste ele no pode se esquivar sequiser construir uma existncia autentica,se quiser elevar-se acima da massa.

    Teria sentido falar de existncia autntica

    hoje, onde cada vez mais o sujeito absorvido pela multido, pela massa?Todos podem atingir essa existnciaautntica ou apenas alguns privilegiados?Estas so questes que surgem quandovemos a proposta de Kierkegaard para aconstruo da existncia autentica. Emprincpio parece um caminho difcil, pois

    aqueles que se prope a realiza-lo no estdo lado da maioria, por outro lado estepasso libertador, pois segundoKierkegaard propiciaria a conquista daliberdade e da autonomia. Mas, justamente isto que muitos temem. No dareste passo muito tentador. Muitospreferem perder-se na multido, viver das

    convenes sociais, adotar como modo devida ostablishmant social, onde se sentiroseguros; ou como escreveu Erich Fromm,em Ter ou Ser:

    No nos movemos para frente,permanecemos onde estamos,regressamos, em outras palavras,

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    confiamos no que temos, muitotentador, visto que o que temos, nsconhecemos; podemos agarr-lo,sentimo-nos seguros nele.Receamos, e portanto evitamos, darum passo ao desconhecido, ao

    incerto; por que na verdade, emborapasso a passo possa no parecerarriscado depois de dado, antes deletudo parece perigoso, e datemerrio empreend-lo. Somente ovelho, o experimentado, o seguro,ou quem assim parea. Todo passonovo traz em si o risco do fracasso,e esta uma das razes pelas quaistanto se teme a liberdade.(FROMM, 1987,p. 114).

    O que Fromm descreve no trecho acima o que anteriormente chamamos de medo daangstia, o que na verdade plausvel eprofundamente humano, pois nem todosquerem se arricar, deixar o seu mundoseguro, protegido para dar um passo nodesconhecido. Por mais que este seja nobree grandioso, ele temvel. Mas comoensinou Kierkegaard, este passo dependede sua escolha, voc pode ou no iradiante. Assumir isto tem o seu preo, etambm a sua recompensa, que aliberdade. No submeter a opinio damassa e construir uma existncia autntica.

    A maioria dos homens, contudo, vivem noestgio da existncia inautntica. Este omodo fcil de viver que no exige muitoesforo ou sacrifcio. A nossa poca umgrande convite a continuarmos nesteestado de vida. Somos a cada instantechamados a mergulhar na massa, a sermos

    heris, a agradar os outros. A este respeitoescreveu Ernest Becker em seu livro, Anegao da Morte:

    O sistema social de heris em quenascemos traa trilhas para o nossoherosmo, trilhas com as quais nosconformamos, s quais nosmoldamos para que possamosagradar aos outros, tornamo-nosaquilo que os outros esperam quesejamos. E em vez de trabalhar onosso segredo interior, vamos aospoucos cobrindo-o e esquecendo-o,enquanto nos tornamos homenspuramente exteriores, jogando comsucesso o padronizado jogo dosheris. (BECKER, 1995, p. 91)

    A existncia inautntica caracteriza-se pelasubordinao do EU ao TU, vive-seem funo da opinio, da loquacidade e dacuriosidade, e neste mundo fcil que vivea maior parte dos homens. Ao lado dos quevivem desta maneira esto aqueles quetentam construir o seu EU e alcanandomaturidade enfrentam sozinhos osdesafios, no se preocupam em justificarsuas aes modo tpico dos que vivem nainautenticidade o homem que opta pelaexistncia autntica no depende daopinio dos outros, no vive em funo dasconvenes e no espera elogios.

    Kierkegaard e o nosso tempo

    A reflexo filosfica de Kierkegaard fruto de sua prpria luta interior, a luta dequem sentiu profundamente adramaticidade da vida e que com coragem

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    enfrentou esta luta. E como escreveuErnest Becker,

    Kierkegaard nada tinha de cientistadesinteressado. Ele deu umadescrio psicolgica por que teveum vislumbre da liberdade para ohomem. Era um terico dapersonalidade aberta, dapossibilidade humana. (BECKER,1995.p.94)

    Podemos observar isto quando ele analisacategorias como a angstia, o desespero, opecado, a f e a solido. Levanta a sua vozde cristo revoltado, contra uma f semangstia e sem risco. Contra aqueles que sedeixavam levar pelas aparncias,submetendo-se massa. Protesta contra aigreja institucionalizante da Dinamarca,para ele a f paradoxo, absurdo, risco, coragem de estar s diante do OUTRO,que Deus.

    Outro ponto de encontro entre Kierkegaarde os nossos dias, e j naquele tempo a suapreocupao com a existncia, em funodas questes que surgem em nossa poca.E novamente o problema da existnciavolta a ser uma preocupao para todos.

    Ou como escreveu Miguel Reale:

    Kierkegaard pode ser visto comoum rebelado, para quem o problemacentral o da existncia e do serparticular existente, e no do serque previamente indaga daspossibilidades do conhecimento(Kant) ou deixa de fazer talindagao, por ser o pensamento arealidade mesma (Hegel).

    Compreende por esse aspecto acontemporaneidade do pensadordinamarqus, quando ressurgemnovas preocupaes pelaproblemtica no s da existnciacomo do ser. (REALE, 1956, p.

    186-187)

    Podemos ver nestas palavras de MiguelReale, que a grande preocupao deKierkegaard era com o homem concreto.Ele levanta a voz contra o sistema idealistade Hegel, compreendendo que nenhumsistema pode abarcar todas as realidadehumanas. O homem no se reduz apenasao racional. Hoje temos conscincia de queapesar de todo o avano das cincias e odesenvolvimento da racionalidade,continua ainda aberto complexidade, daa importncia e atualidade do seupensamento.

    O homem ps moderno, marcado pelacomplexidade, vive mais que nunca umacrise de identidade, as novas tcnicas decomunicao as facilidades da vidamoderna fizeram com que surgissemdiversos problemas para o sujeitocontemporneo. A cada instante recebemosum volume enorme de informaes, diante

    desse mar de novidades homem no temtempo de aprofundar nas experincias,vive-se de aparncias.

    Da que pode-se afirmar que o homem psmoderno vive a perplexidade ante tantaspossibilidades. Essa crise se refere a crise

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    de paradigmas da cincia da religio e daprpria racionalidade. Postulados comoredentores do homem e que no foramsuficientes na modernidade e psmodernidade. E apesar de todos os avanosnas cincias e em todos os conhecimentoso homem continua perdido, como escreveHeidegger:

    Nenhuma poca da histria sabetanto acerca do homem como anossa. Nenhuma poca exps o seusaber a respeito do homem de umamaneira to penetrante e fascinantecomo a nossa. Nunca o homemtornou-se to problemtico como nonosso tempo. (Heidegger, apudDelfimSantos, 1982. P.154)

    A proposta de Kierkegaard, era a deassumir a angstia como um passoimprescindvel para construir umaexistncia autntica. A proposta deKierkegaard era assumir a angstia no

    salto para a f, este salto compreendidocomo adeso madura ao cristianismo. Ohomem chegaria a este estgio aps passarpelo estgio esttico e tico. Assim,somente tendo chegado ao estagioreligioso o homem estaria em condies deassumir sua solido diante de Deus.Assumindo assim a sua finitude frente ao

    desejo de infinito.

    Consideraes finais

    O pensamento de kierkegaard neste inciode terceiro milnio continua significativo eatual. Questes levantadas por Kierkegaard

    como a angstia, o desespero, o indivduoe a f que hoje podem soar estranhos aosouvidos do homem ps-moderno mas queestes aspectos no dizer de Kierkegaard soinerentes ao ser humano e viver estaangstia existencial fundamental para oser humano construir aquilo que osexistencialistas chamam de existnciaautntica.

    Um outro aspecto que nos permite pensar

    o fato de que o homem contemporneosedento de orientaes e sem paz interna esem saber como conduzir a sua vidaencontra no pensamento de Kierkegaarduma reflexo fundamental para construir asua individualidade. Pode-se se aindaafirmar que o prprio Kierkegaard viveuum sculo antes, a crise dissociativa que

    agista o homem hoje. Neste momento emque cada vez mais o homem convidado afugir de si e submergir-se na massa, a viverconforme o geral, o pensamento deKierkegaard para ns uma voz clamandopara um retorno a uma existncia maisautntica, onde o homem seja capaz deconfrontar-se consigo mesmo de forma

    madura e consciente. Percorrer estecaminho difcil, e uma escolha pessoal,tarefa que deve ser assumida peloindivduo. Kierkegaard no constri ocaminho, nos d algumas pistas. Cabe acada ser humano decidir sobre seucaminho. Ele aponta as trilhas para

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    construir uma verdadeira existncia, aexistncia autntica.

    Referencias

    BECKER, Ernest.A negao da morte.Rio de Janeiro: Record, 1995.

    FROMM, Erich.Ter ou ser. Rio deJaneiro: Guanabara, 1987.

    GIORDANI, Mrio Curtis.Iniciao aoexistencialismo. Petropolis: Vozes, 1997.

    Kierkegaard, Soren. O conceito deAngstia. Lisboa: Hemus editora, 1968.

    ______O Desespero humano. Col. Ospensadores. So pauloo: nova cultural,1988.

    SANTOS, Delfim.O sentido existencialda angustia. In: obras completas Vol. II,P. 153-165. Lisboa: Fundao CalousteKulbekian, 1982.