Anísio Teixeira

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Texto de Anísio Teixeira

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Valres que se perdem

Captulo IValres que se perdem. Valres que se ganham. lnquietao de conservadores. A acusao escola. Anlise sumria do libelo. Escola tradicional e pseudo-escola nova. Identidade doutrinria de uma e outra. A teoria da escola nova ou melhor, progressiva. Reacionrios e renovadores nova ou, melhor, progressiva tm o mesmo ideal...

NO INTERESSANTE PERODO de transio que estamos vivendo, a cada nova crise que surge, uma nova inquietao entre os homens, preocupados com os valres que se vo perdendo nas idas e vindas da transformao social. Dispensvel ser dizer que h nessas transformaes mais conquistas de novos do que perda de antigos valres.

Mas o homem um animal de hbitos. E tdas as vzes que lhe renovam as roupas ou os pensamentos, le julga que perdeu qualquer coisa...

E na sua necessidade de localizar os culpados dessas perdas, investe contra isso e contra aquilo.

Mais do que tudo, costuma investir contra as escolas. Se h crise nas letras, se no se escreve como dantes, se a lngua evolui e perde antigos sabores primitivos e ingnuos, que as escolas j no so as mesmas e urge reform-las.

Se h crise do "esprito", como hoje se diz, se os valres humanos, na sua perptua transformao, conquistam novas formas, e velhas iluses se vo desfazendo em troca de valres realistas e speros, - que as escolas esto a falhar na sua finalidade espirituale urge reform-las.

Se h crise de costumes e de maneiras e o homem, longe de se comprazer na velha dissimulao habitual, reorganiza os seus valores com brutalidade quase, encarando a realidade de face, - que as escolas j no formam o carter... e urge reform-las ou antes obrlg-las a voltar aos velhos dolos e velhas frmulas.

diante de uma dessas situaes que nos encontramos presentemente. A transformao por que passou a juventude atual, nos seus mtodos de vida, nos seus costumes, nas suas aspiraes e nas suas coragens de ao, interpretada como uma singular crise de carter. A nova gerao est perdendo a forte marca antiga de disciplina, solidez e segurana que fazia a honra da gerao estvel, conformada e cumpridora de deveres que foi... a gerao anterior. E no falta quem culpe a escola... E agora, os visos da acusao, parece, se corroboram. As escolas passam, com efeito, por transformaes alarmantes. A velha autoridade dos mestres j no a mesma, se que existe ainda. A prpria autoridade dos livros comea a ser posta em dvida. H, pelo menos, uma poro de livros, e de opinies adversas, - todos sendo igualmente compulsados e lidos. Critica-se tudo e tudo se questiona. Nada sagrado. Diante de coisa alguma pra a coragem corrosiva e insolente dsses pensamentos adolescentes e vivazes... E pior do que tudo isso ... H sinais de aprovao por parte dos educadores. Estranhas teorias percorremas escolas - de autodisciplina e autogovrno, de programas voluntrios, de liberdade de escolha e de recusa, de expresso das prprias personalidades, de respeito por essas personalidades, e de subordinao dos intersses reais da vida, - que so os dos adultos - aos das crianas e dos jovens, que evidentemente no podem deixar de ser caprichos e extravagncias.

Mas, evidente: semelhante educao est a modificar a nossa juventude. a tal "educao nova", a tal "liberdade" e a tal "expresso da prpria personalidade" - que explicam os desvarios, as loucuras, as rebeldias inesperadas da juventude moderna.

Assim fala, expressa ou tcitamente, o reacionrio, que vive dentro de cada um de ns, repetindo a eterna linguagem dos reacionrios de todos os tempos.

Examinemos, porm, o libelo de acusao. No haver, porventura, aqule famoso gro de verdade que o filsofo costuma dizer existe em todos os erros, nessas vozes de reprovao que se levantam do passado ? No ser mesmo que a escola se est a deixar levar exageradamente pelo "esprito do tempo", favorecendo, assim, em nossos jovens, certas fraquezas sensveis de carter? No ser que tda essa psicologia de nos "exprimirmos a ns mesmos", de evitarmos a represso clara ou dissimulada de nossas personalidades, e da livre expanso de nossas tendncias, tem realmente qualquer coisa de excessivo e de... dissolvente?

Est ainda sob os meus olhos a caricatura de um humorista internacional. O quadro o de uma sala de estar. Duas crianas, uma com um serrote e outra com um martelo e um formo, se entretm, uma delas serrando a perna de uma cadeira e, outra, arrancando a formo e martelo as teclas do piano. Os pais, que vinham chegando, se retiram nas pontas dos ps, enquanto a me segreda: "Respeitemos as personalidades de nossos filhos. . . "

No haver, realmente, na aplicao das teorias modernas o excesso de zlo que a charge do caricaturista procurou assinalar?

No direi que no. Pode haver, na aplicao da teoria. No nos parece, porm, que haja na teoria, em sua compreenso exata.

Antes de mais esclareamos que no so as escolas as responsveis pelas transformaes do esprito da sociedade. As escolas so como os romancistas, tambm acusados de corromperem a sociedade. Elas, como les, refletem, to smente, o que j vai pela prpria sociedade.

A teoria dos educadores busca ajustar a escola s necessidades dessas transformaes, procurando retific-Ias e harmoniz-las mtuamente.

A chamada teoria da educao nova a tentativa de orientar a escola no sentido do movimento, j acentuado na sociedade, de reviso dos velhos conceitos psicolgicos e sociais que ainda h pouco predominavam.

Essa reviso, longe de representar concesses a um conceito de vida menos srio ou menos forte, exprime to smente a correo, no sentido dessa sociedade, dos valres em que ela, verdadeiramente, se deve basear. Talvez, mais do que tudo, a idia de que educao, ou melhor, auto-educao - porque s a prpria pessoa se educa - , antes de tudo, o resultado de se assumir direta e integralmente a responsabilidade dos prprios atos e experincias.

Assumindo tal responsabilidade, aviva-se, na pessoa, a conscincia dos processos e conseqncias daqueles atos e experincias e, lgicamente, das lies que decorrem da.

No arrebatado pela seduo da liberdade pela liberdade que o educador moderno prega a necessidade de uma escola onde os alunos sejam livres na escolha das suas atividades, livres no planej-las e livres no execut-las.

porque o educador veio a verificar que s por sse meio les se disciplinaro, s por sse meio les ganharo o hbito do esfro tenaz e continuado, s por sse meio assumiro a plena responsabilidade dos seus atos, s por sse meio tero carter e integridade, habituando-se unidade de propsitos, retido de vontade e leal aceitao das limitaes e sacrifcios da vida.

A escola fundada nos programas de lies prviamente traadas e no regime do aprende ou sers castigado ignorava, antes do mais, a complexidade do ato educativo e tudo que podia, realmente, conseguir, eram crianas hbeis no jgo da dissimulao, que procuravam cumprir - para evitar a pena ou ganhar o prmio - com o mnimo de responsabilidade voluntria a tarefa obrigatria que lhes marcavam os mestres.

Passar da para o domnio da escola onde no se faz seno o que der na veneta, onde tudo seja prazer no sentido pejorativo e flcido dsse trmo, seria substituir o regime do compulsrio, desagradvel e deseducativo da escola tradicional pelo regime do caprichoso, extravagante e igualmente deseducativo de uma falsa escola nova.

Isso seria, porm, uma deformao monstruosa da teoria moderna de educao, deformao que se vem basear num conceito errneo da natureza humana, paradoxalmente comum s duas concepes, s aparentemente antagnicas da escola tradicional e dessa pseudo-escola nova.

Com efeito, ambas as concepes pressupem a natureza do homem refratria disciplina, ao progresso, marcha normal do saber e do aperfeioamento pessoal. Ou impomos tudo isso, mal e compulsriamente, ou largamos a brida ao homem para que le se entregue aos seus caprichos, suas desordens, sua ignorncia e sua indisciplina.

A teoria moderna da educao est equidistante dsses dois extremos. O seu postulado fundamental o de que a natureza humana tende, normalmente, a se realizar a si mesma. E que se essa realizao exige disciplina, mtodo, contrle de si mesmo e do meio ambiente, e para isso esfro, tenacidade, pacincia, coragem e sacrifcio - o homem tende a essas virtudes pelas prprias caractersticas de sua natureza.

Da concluir que, dado o meio normal ou favorvel, o homern se desenvolver correta e harmnicamente.

O que sucede, porm, com os falsos renovadores? Sucede que les julgam que aqule meio "normal ou favorvel", o meio em que no haja solicitaes de espcie alguma, o meio em que no homem no chegue mesmo a ocupar-se, e viva entregue aos valvns da sua fantasia, do seu capricho e da sua vontade desgovernada por falta de estmulos srios e fortes.

Semelhante educao s no resultar nos mais espantosos desastres, porque a natureza humana reagir, as mais das vzes, procurando, por meio de qualquer ocupao, conquistar a disciplina de si mesma, que a sua forma de poder, a sua forma de ser, a sua forma de expresso prpria.

No ser, porm, sem graves perigos que tais experincias se ho de processar. E so elas que justificam a charge do caricaturista a que nos referimos.

Porque, veja-se bem, no prprio conceito da teoria moderna de educao, no se afirma que a natureza humana marche fatalmente para a aquisio dos meios de contrle do ambiente e de contrle de si mesma - o que constitui a educao - mas, simplesmente, que tende a isso. E tender inclinar-se, ter clisposio para alguma coisa, mas de que se pode ser desviado, como se pelo regime de licena e desordem de uma falsa escola nova.

A verdadeira doutrina a que enxerga na criana o impulso e a tendncia e, na experincia organizada da espcie, o trmo e o alvo dessa tendncia. Por meio da experincia j adquirida da humanidade, deve o educador traar o roteiro do desenvolvimento individual, dirigir o seu curso, corrigir os seus desvios, acelerar a sua marcha, assistir, enfim, em todos os passos, a obra da educao, de que o guarda e o responsvel. A escola fundada em tais bases no ser, pois, uma escola que forme homens sem capacidade de esfro e de resistncia. Muito ao contrrio, os homens formados nessa escola provaram, em sua plenitude, o prazer de conquistar, passo a passo, o caminho de sua emancipao. Emancipao do desordenado, do incerto, do no planejado, da ignorncia, da priso dos seus desejos e de suas paixes, para a liberdade da disciplina de si mesmos, e para a fra e o poder de execuo e realizao que lhes deu o hbito de controlar o meio externo, subordinando-o aos seus fins e aos seus planos lcidos e voluntrios.

Algum j disse que o homem um animal de conquista. De rapina, chega a dizer SPENGLER, no pessimismo cido das suas violentas afirmaes. Pela sua prpria natureza, tende ao domnio. Crescer e desenvolver-se para o homem aumentar em fra de compreenso, fra de realizao e fra de expanso. Nenhuma dessas fras se efetiva, porm, sem que le experimente antes dirigir, coordenar e comandar as prprias fras de seu desejo, do seu pensamento e do seu corpo.

A escola progressiva a escola onde as atividades se processam com o mximo de oportunidades para essa ascenso.

O meio que a se desenvolve um meio cheio de estmulos e de direo para atividades que tenham continuidade, que exijam esfro e que sejam cabalmente desempenhadas.

O educador moderno no acredita que o pensamento ou a ao se gerem no vcuo, ou que a criana no precise de ser guiada e orientada no processo do seu crescimento mental e social. Se o prprio crescimento fsico, o mais automtico dles, precisa de ser observado, corrigido e acompanhado, o que no diremos do seu crescimento mental e social, onde as possibilidades de desvios, de paradas e de erros so mil vzes maiores.

S uma atitude falsa de educador, de reverncia pouco lcida para com tudo que infantil, em que se no distingam o transitrio do permanente, o desviado do correto, o importante do no importante, que pode conduzir organizao de escolas cujo centro sejam o capricho, a incerteza, a inconstncia e a extravagncia infantis - isto - tudo que, na criana, define os seus limites e as suas inferioridades.

sses limites e inferioridades no so desprezveis, mas, longe de constiturem os motivos de nossa indulgncia desarrazoada, devem ser to smente os nossos pontos de partida. Sairemos dessas origens para chegarmos, afinal, ao homem educado, que no outro seno aqule que sabe ir e vir com segurana, pensar com clareza, querer com firmeza e executar com tenacidade, o homem que perdeu tudo que era desordenado, informe, impreciso, secundrio em sua personalidade, para t-la definida, nida, disciplinada e lcida.

sse deve ser o produto da escola. sse o objetivo por que trabalham os que desejam v-Ia renovada e eficiente.

O reacionrio e o renovador, dentro de cada um de ns, ou dentro da sociedade, querem a mesma coisa, tm o mesmo ideal, mas vem faces antagnicas do movimento que nos poderia conduzir para a aspirao comum.

CAPTULO II

A transformao da escola

A) Escola nova ou escola progressiva?

B) Fundamentos sociais da transformao escolar. Natureza da civilizao moderna. Tendncias ou diretrizes essenciais. Uma nova filosofia da vida. Industrialismo ou idade da mquina. Democracia. Autoritarismo e liberdade. Novos deveres da escola. A escola tradicional e os seus pressupostos. A transfomao que se impe.

C) Fundamentos psicolgicos da transformao escolar. Nova psicologia da aprendizagem. "Leis" da aprendizagem. Transformao que ainda se impe. A escola progressiva: escola de vida e experincia; alunos ativos; mestres renovados.

A) Escola nova, ou escola progressiva?

D

e INClO, um esclarecimento. Escola nova. Por que essa designao? H, a, mais do que a precariedade insustentvel do adjetivo, qualquer coisa de combativo e atrevido, que choca alguns companheiros avisados de trabalho, receosos de uma ofensiva contra os valres reais da escola.

A designao "escola nova", necessria, talvez, em incio de campanha, para marcar vivamente as fronteiras dos campos adversos, ganharia em ser abandonada. Por que no "escola progressiva", como j vem sendo chamada, nos Estados Unidos?

E progressiva, por qu? Porque se destina a ser a escola de uma civilizao em mudana permanente (KILPATRICK) e porque, ela mesma, como essa civilizao, est trabalhada pelos instrumentos de uma cincia que ininterruptamente se refaz. Com efeito, o que chamamos de "escola nova" no mais do que a escola transformada, como se transformam tdas as instituies humanas, medida que lhes podemos aplicar conhecimentos mais precisos dos fins e meios a que se destinam.

Entre a medicina de Hipcrates e Galeno e a medicina moderna, h, para quem buscar um ponto de vista bastante elevado, seqncias e harmonias irrefutveis. Nem por isso, entretanto, algum cuida poder hoje reviver os mtodos errneos ou empricos daqueles primeiros tempos.

Pois existe tanto uma educao nova quanto uma nova medicina ou uma nova engenharia. Em todos os tempos o homem se esforou para curar e se esforou para construir. Mas, dia para dia, transformaram-se os recursos e os instrumentos e, dia para dia, a medicina e a engenharia se renovaram, como se vai renovando lioje a educao. Renova-se nos seus meios e, por intermdio dos meios, nos prprios fins. Porque de fato, fins e meios no se distinguem seno mentalmente.

Fins inexplicveis no so fins, mas fantasias. Os fins so verdadeiramente fins quando os conhecemos de tal modo que dles se desprendem os meios de sua realizao. Os meios so "fraes de fins" (DEWEY).

Desta sorte no so prpriamente os fins que se renovam, mas os nossos recursos de conhec-los, aprofund-los e esclarec-los. A engenharia moderna tem fins diferentes da engenharia primitiva. As pontes que se constroem hoje, ou as cidades e os edifcios que se erguem pelo mundo, no podiam sequer ser imaginados pelos antigos. O desenvolvimento tcnico da engenharia permitiu ao homem reconstruir os seus fins e realizar as maravilhas dos nossos tempos.

Em educao, o problema de reconstruo escolar no pode ser visto com essa objetividade, porque o desenvolvimento das cincias que nos vm emancipando da rotina, do improvisado e do acidental to recente e to incompleto que no pde, ainda, conciliar tdas as inteligncias. As divergncias so inevitveis, como inevitveis as confuses, as expectativas exageradas, os entusiasmos e os desnimos, as audcias e os temores, as alas direita e esquerda de uma transformao inevitvel, mas de que no se tm ainda os elementos integrais para definir, em tda a amplitude, o objetivo e o alcance e traar, com nitidez, os caminhos e os processos.

ste, o esclarecimento inicial, quanto ao nome e ao sentido do movimento que se processa em trno da escola.

Transforma-se a sociedade nos seus aspectos econmicos e sociais, graas ao desenvolvimento da cincia, e com ela se transforma a escola, instituio fundamental que lhe serve, ao mesmo tempo, de base para sua estabilidade, como de ponto de apoio para a sua projeo.

B) Fundamentos sociais

da transformao escolar

O cuidado benevolente de um amigo levou-me, certa vez, a visitar, em So Paulo, o museu do Ipiranga, o famoso museu paulista de histria e cincias naturais. Em uma de suas salas o observador encontra, construda em gsso, com um detalhe e uma perfeio notveis, em miniatura, a cidade de So Paulo, em 1840. Apenas 127 anos atrs, So Paulo era uma cidadezinha sertaneja, de casinhas brancas e solares coloniais, com algumas igrejas e conventos a assomarem aqui e ali. Na longa galeria que nos levara at essa sala, alinham-se as "cadeirinhas" que serviam de transporte sua gente fidalga.

A quem se detiver na observao e quiser fazer nascer ali, numa reconstituio imaginativa, o So Paulo moderno, no lhe parecer menos que milagre a imensa mudana.

O "progresso" tomou conta da cidade e e fz dela o que ela hoje. Mas, que "progresso"? Na imaginao popular nle que se resume o carter da civilizao de nosso tempo. E em "progresso" ela v mais que tudo a transformao material do mundo. So as casas maiores e mais confortveis. o transporte mais rpido e mais barato. So as ruas mais bonitas. a diverso mais interessante e mais acessvel. a luz e gua mais fceis e melhores. So os jornais e as publicaes mais numerosos e mais bem feitos.

Mas isso tudo que faz o nosso tempo to diferente do tempo dos nossos antepassados de 1840? isso e mais alguma coisa.

Por que progredimos? Que foi que se deu no mundo para que pudssemos, em to pouco tempo, mudar tanto que um romano teria menor surprsa em se encontrar na crte de Lus XV, do que teria um contemporneo de Pedro I que surgisse hoje no Rio?

O que se deu foi a aplicao da cincia civilizao humana. Materialmente, o nosso progresso filho das invenes e da mquina. O homem conseguiu instrumentos para lutar contra a distncia, contra o tempo e contra a natureza. A cincia experimental na sua aplicao s coisas humanas permitiu que uma srie de problemas fssem resolvidos, e crescessem essas enormes cidades que so a flor e o triunfo maior da civilizao.

Mas, no foi s isso. O fato da cincia trouxe consigo uma nova mentalidade. Primeiro, determinou quea nova ordem de coisas de estvel e permanente passasse a dinmica. Tudo est a mudar e a se transformar. No h alvo fixo. A experimentao cientfica um mtodo de progresso literalmente ilimitado. De sorte que o homem passou a tudo ver em funo dessa mobilidade. Tudo que le faz um simples ensaio. Amanh ser diferente. le ganhou o hbito de mudar, de transformar-se, de "progredir", como se diz. E essa mudana e sse "progresso" o homem moderno os sente: le que os faz.

le constri e reconstri o seu ambiente. E cada vez mais poderoso, nesse armar e desarmar de tda uma civilizao. Nesse seu grande af, por tudo transformar, pareceu, primeira vista, que s a ordem material era atingida.

A ordem social e a ordem moral, essas eram eternas e obedeciam a "verdades eternas" que no sofriam os choques e contrachoques da cincia experimental.

Mas o homem mais lgico do que os seus filsofos.

Com a nova civilizao material, feita e governada por le, comeou a velha ordem social e moral a se abalar. Muda a famlia. Muda a comunidade. Mudam os hbitos do homem e os seus costumes. E raciocina-se. Se em cincia tudo tem o seu porqu e a sua prova, prova e porqu que se encontram nos resultados e nas conseqncias dessa ou daquela aplicao; se em cincia tudo se subordina experincia, para, sua luz, se resolver, - por que tambm no subordinar o mundo moral e social mesma prova?

E a que est a maior transformao de nossos dias.

Se fsse smente o quadro externo da civilizao que estivesse a sofrer as mudanas de uma ordem essencialmente dinmica, no teramos seno pequenos problemas tcnicos de ajustamento. No fundo teramos a mesma civilizao de nossos avs, com a diferena de nossa riqueza. Ontem, cem de ns gozvamos vantagens materiais de confrto, de bem-estar, de prazer, hoje cem mil de ns tnhamos essas vantagens. Mas, o homem era o mesmo, com os mesmos hbitos morais, as mesmas docilidades autoridade e o mesmo sentimento de permanente dependncia s coisas invisveis que o governavam e dirigiam.

No assim, entretanto, que sucede. O perodo de reviso e reconstruo muito mais profundo e mais universal. O homem est com responsabilidades novas em tda a sua vida. le ensaia no mundo moral e social, seno com a mesma audcia, por certo sob o influxo dos mesmos princpios que lhe permitem experimentar no mundo material. S um esclarecido e ntido porqu, por le visto e por le sentido, lhe pode determinar a sua ao. A velha ordem preestabelecida, seja ela religiosa ou tradicional, no lhe merece j respeito.

O homem, assim como est reconstruindo o ambiente material em que vive, quer tambm reconstruir o ambiente social e moral, luz dos mesmos processos de julgamento e de experincia: o seu beneficio na terra onde vive.

Nessa nova ordem de mudana constante e de permanente reviso, duas coisas ressaltam, que alteram profundamente o conceito da velha escola tradicional:

a) precisamos preparar o homem para indagar e resolver por si os seus problemas;

b) temos que construir a nossa escola, no como preparao para um futuro conhecido, mas para um futuro rigorosamente imprevisvel.

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* *

Se a natureza da civilizao do nosso tempo a de uma civilizao esteada na experimentao cientfica, e, como tal, animada de um permanente impulso de movimento e contnua reconstruo, nem por isso deixam de existir certas grandes tendncias, mais ou menos fixas, que marcam as linhas gerais por onde a nossa evoluo se est processando.

A primeira dessas diretrizes, deixamo-la apontada na nova atitude espiritual do homem. A velha atitude de submisso, de mdo e de desconfiana na natureza humana foi substituda por uma atitude de segurana, de otimismo e de coragem diante da vida. O mtodo experimental reivindicou a eficcia do pensamento humano.

Por certo no substitui le o velho dogmatismo das "verdades eternas". Antes, tda verdade passou a ser eminentemente transitria. Contudo, dentro dos limites da prova experimental, o que o homem pensa est certo. Um fato nvo, uma prova mais cabal e experimental pode levar reviso dsse pensamento. Mas, se as concluses podem ser e so falveis, o mtodo sempre digno de confiana. O ato de f do homem moderno esclarecido no repousa nas concluses da cincia, repousa no mtodo cientfico, que lhe est dando um senso nvo de segurana e de responsabilidade. De segurana, porque, graas a sse mtodo, se est construindo a civilizao progressiva dos tempos de hoje, tda feita pelo homem e para o homem. Porque, graas a le, ganhou-se o govrno da natureza e dos elementos a fim de orden-los para o maior benefcio do homem, que, se tem ainda inimigos, se ainda vencido - a esto as molstias, os cataclismos e as crises - sabe porque vencido e tem esperana de dominar e de conquistar, um dia, sses ltimos obstculos.

sse "nvo senso de segurana" e de independncia acompanhado de um nvo sentido de responsabilidade. O homem moderno sabe que pode mudar as coisas e sabe que deve mud-las. O homem antigo podia ser um irresponsvel. A ordem em que vivia lhe era ditada por autoridade estranha e superior. A vida era um castigo e o homem era considerado mau, visceralmente mau. Tudo era permitido. Tudo se tolerava. A um homem fraco e mau e a uma natureza inclemente e spera, no havia limites a criar.

Nem sempre podemos ver com a clareza que o caso exige, como, s agora, o progresso, o real progresso, moral e social, do homem comea a ser possvel.

Quantos de ns ainda cremos que a vida no mudar essencialmente, que a guerra sempre estar entre ns, que o crime e a molstia sempre flagelaro o homem! Entretanto, quando percebemos que s ontem comeamos a progredir, que no conhecemos ainda nem o dcimo milionsimo do que poderemos e precisamos conhecer, e que, ainda assim, estamos realmente iniciando uma "nova ordem de coisas", vemos, pelo contrrio, que s um spro de robusto e orgnico otimismo que nos deve animar, diante da relativa celeridade com que o homem est refazendo a vida, para sua maior tranqilidade, seu maior bem-estar, sua maior dignidade e sua maior felicidade.

Outros podero achar que, em outros tempos, nesses outros sempre dourados tempos do passado, o homem foi, por causa de sua maior pobreza, mais sacrificado e mais honesto. De mim, eu s reconheo um crdito aos que me precederam: les sofreram mais do que ns e, por isso, tudo lhes deve ser perdoado.

Maior sinceridade, porm, um desejo mais lcido pelo melhoramento real da vida do homem na terra, um sentido de responsabilidade mais agudo pelo que resta a fazer, um esprito maior de sacrifcio e de herosmo pela conquista objetiva do progresso, - ningum os teve como os tem o homem moderno.

essa a nova atitude espiritual: a cincia tornou possvel o bem do homem nesta terra e ns temos a responsabilidade de realiz-lo pela reviso completa da velha ordem tradicional do "vale de lgrimas". sse nvo homem, independente e responsvel o que a escola progressiva deve vir preparar.

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A segunda grande diretriz de vida moderna, o industrialismo, como a nova viso intelectual, do homen, tambm filho da cincia e da sua aplicao vida.

A indstria est tornando possvel a completa explorao dos recursos materiais do planta e, mais do que isto, est articulando e integrando a terra inteira. Graas mquina, no smente o homem multiplicou o rendimento de seu trabalho - na Amrica, o trabalho atual de um homem equivale ao de 40 homens fsicamente vlidos - como pela facilidade do transporte e da comunicao criou uma nova interdependncia entre todos os pontos do globo. No smente somos imensamente mais ricos, como temos, alm disto, um sentimento nvo de profunda dependncia dos demais centros de produo ou de cultura.

A indstria est integrando o mundo inteiro em um todo interdependente. No s a matria-prima, mas a idia e o pensamento, hoje so propriedades comuns de todo homem. O vapor, o trem, o automvel e o aeroplano, como o telgrafo, o telefone, o rdio, e a televiso pem todo o mundo em comunicao material e espiritual.

Essa enorme unidade planetria, apenas esboada, h de se refletir profundamente na mentalidade do homem moderno, que tem que pensar em trmos muito mais largos do que o do seu esplndido isolamento local ou nacional de outros tempos.

A "grande sociedade" est a se constituir e o homem deve ser preparado para ser um membro responsvel e inteligente dsse nvo organismo.

Mais perto de ns, porm, um outro efeito da indstria o de retirar famlia as suas antigas funes econmicas. Uma por uma, as velhas funes caseiras do preparo da roupa, do alimento, da diverso, etc., foram destacadas para a fbrica ou para a indstria.

A famlia com isso se est alterando profundamente. O homem moderno no trabalha em casa e no se diverte em casa. Em centros muito adiantados, o antigo lar, to decantado, no mais do que o "lugar onde alguns indivduos voltam, noite, para dormir".

Um outro aspecto o da superespecializao do trabalho na grande indstria. O trabalho torna-se com isto uma simples tarefa, desintegrada na vida do homem, que sente, assim, cada vez mais, que le uma simples "pea da mquina", no havendo lugar para pensar, nem para ter essa natural satisfao de saber o que est fazendo e que o que est fazendo vale a pena.

Dessa desintegrao das pequenas unidades anteriores - o trabalho individual, o lar, a cidade e a prpria nao at a vinda da grande integrao da "grande sociedade" - muitos problemas tm de ser resolvidos e mais uma vez se h de exigir do homem mais liberdade, mais inteligncia, mais compreenso, se que no queremos ficar em uma simples interdependncia mecnica e degradante.

E todos sses problemas so problemas para a educao resolver.

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A terceira grande tendncia do mundo contemporneo, a tendncia democrtica. Democracia , essencialmente, o modo de vida social em que "cada indivduo conta como uma pessoa". O respeito pela personalidade humana a idia mais profunda dessa grande corrente moderna.

Nessa nova vida social, o homem no s ter oportunidade para a expresso mxima dos seus valres, como lhe assistir permanentemente o dever de se exprimir de sorte a no reprimir valres de ningum, mas, antes, facilitar a mxima expresso de todos les.

curioso notar que de tdas as correntes modernas, essa de respeito pelo homem, ou democracia, a que mais de longe se filia cincia. No falta quem diga que antes a ela se ope. Mas, democracia , acima de tudo, um modo de vida, uma expresso tica da vida, e tudo leva a crer que o homem nunca se encontrar satisfeito com alguma forma de vida social que negue essencialmente a democracia.

Dois deveres se depreendem dessa tendncia moderna e se refletem profundamente em educao: o homem deve ser capaz, deve ser uma individualidade, e o homem deve sentir-se responsvel pelo bem social. Personalidade e cooperao so os dois plos dessa nova formao humana que a democracia exige.

Essas tendncias da civilizao atuam sbre a escola no sentido de sua transformao. Graas ao desenvolvimento da cincia e sua aplicao vida humana, no s as condies materiais da vida mudam, dia a dia, como a prpria viso do homem sbre a vida. Acima de qualquer outro aspecto, ressalta, quanto a sse ponto, o desapgo aos velhos sistemas autoritrios do passado, sejam les tradicionais ou religiosos. sse desapgo mais acentuadamente pronunciado entre os moos. A noao atual de liberdade envolve, caractersticamente, a capacidade de se orientar exclusivamente por uma autoridade interna.

Nenhuma autoridade exterior hoje aceita. As idias e os fatos so examinados nos seus mritos e resolvidos de acrdo com as luzes da razo de cada um. sse nvo homem, com hbitos novos de adaptabilidade e ajustamento, no pode ser formado pela maneira esttica da escola tradicional que desconhecia o maior fato da vida contempornea: a progresso geomtrica com que a vida est a mudar, desde que se abriu o ciclo da aplicao da cincia vida.

Podemos perceber a nova finalidade da escola, quando refletimos que ela deve hoje preparar cada homem para ser um indivduo que pense e que se dirija por si, em uma ordem social, intelectual e industrial eminentemente complexa e mutvel. Antes a escola suplementava, com algumas informaes dogmticas, uma educao que o lar e a comunidade ministravam ao indivduo, em uma ordem, por assim dizer, esttica. Tda educao consistia em ensinar a seguir e a obedecer.

Hoje, sem nenhum exagro, se quisermos que a nova ordem de coisas funcione com harmonia e integrao, precisamos que cada homem tenha as qualidades de um lder. Pelo menos a si, le tem que guiar e tem que faz-lo com mais inteligncia, mais agilidade, mais hospitalidade para o nvo e imprevisto, do que os vellios lderes autoritrios de outros tempos.

No seriam, pois, precisas outras razes que as da profunda modificao social por que vamos passando para justificar a alterao profunda da velha escola tradicional - preparatria e suplementar - na escola progressiva de educao integral.

A escola o retrato da sociedade a que serve. A escola tradicional representava a sociedade que est em vias de desaparecer.

fcil demonstrar como todos os pressupostos em que a escola se baseava foram alterados pela nova ordem de coisas e pelo nvo esprito de nossa civilizao.

A escola progressiva no pretende, por sua vez, apoiar-se seno nesses fatos e nessa nova mentalidade. Como a escola tradicional, ela a rplica da sociedade renovada em que vivemos.

I - A escola pressups, e com razo, que a educao se fazia no lar e na vida da comunidade, cabendo-lhe, to smente, suplement-la, dando oportunidade para a aquisio dos instrumentos fundamentais da cultura: ler, escrever e contar, e, mais, informaes e fatos de natureza livresca, que o aluno assimilaria e mais tarde poria em prtica.

II - A escola pressups uma ordem esttica para o mundo, cabendo-lhe preparar a criana para cumprir, quando adulta, o seu papel, que, substancialmente, seria o mesmo de seus pais.

Ill - A escola pressups que, no intersse da tranqilidade, deveria manter, pelo dogmatismo intransigente de seu ensino, as aprovadas atitudes sociais, ou morais, ou religiosas. To bem andaram as escolas nessas funes, que Igreja e Estado, geralmente, porfiavam por seu contrle, certos de que sse seria o melhor modo de garantir a permanncia de seus credos religiosos ou patriticos.

IV - De acrdo com essa teoria, a escola pressups que no tinha mais que ensinar s crianas certas tcnicas e certos fatos e certos modos de proceder, que as preparassem para o perodo de adulto, futuro que se supunha perfeitamente conhecido.

Assim a escola nada mais era do que uma casa onde as crianas aprendiam o que lhes era ensinado, decorando as lies que os professres marcavam, depois tomavam, e que lhes forneciam elementos de informao e saber, que s mais tarde deveriam utilizar.

Tdas as noes, mesmo pedaggicas, relativas escola tradicional se prendem a sses pressupostos.

Estudo - o modo de aprender uma lio. Aprender significa aceitar e fixar, na memria ou no hbito, um fato ou uma habilidade. Ensinar, simplesmente uma doutrinao daqueles fatos ou conceitos. O ciclo era simples: o professor prelecionava, marcava a seguir a lio e tomava-a no dia seguinte. Os livros eram feitos adrede, em lies. Os programas determinavam o perodo para se vencerem tais e tais lies. Exames, que verificavam se os livros ficaram aprendidos, condicionavam as promoes. O aluno bom era o mais dcil a essa disciplina, aqule que melhor se adaptava a sse processo livresco de se preparar para o futuro.

Ora, tal escola, simplesmente suplementar e preparatria, inadequada para a situao em que nos achamos.

E o , sobretudo, porque a educao que a criana recebia diretamente da famlia e da comunidade perdeu o seu antigo carter de eficincia e integrao. E os deveres que cabiam antes a essas duas fras educativas, vieram acrescer os primeiros deveres puramente suplementares da escola.

Porque, convm observar, nunca se deixou de julgar que a criana se educa, vivendo. Era a sua vida familiar e a sua vida social que a educavam. A escola simplesmente ensinava certas artes e certos conhecimentos necessrios l para fora, onde a sua vida e a sua educao transcorriam.

Mas, hoje, a vida de famlia j no , como em outros tempos, uma instituio de educao integral, e a vida social tornou-se to eminentemente complexa que oferece criana, para sua viso e anlise, apenas aspectos fragmentrios do seu todo; por outro lado, essas instituies ganharam uma certa velocidade de transformao, que no lhes permitem ser conscientes de sua ao educativa. No s essa ao mais vaga e menos direta, como a velocidade de, transformao lhes impede exerc-la com lucidez e conscincia.

A necessidade, pois, de a escola tomar, em grande parte, a si, as funes da famlia e do meio social, corresponde a uma verdadeira premncia dos nossos tempos, se quisermos dar s nossas crianas a oportunidade de se adaptarem e se ajustarem ordem social do nosso vertiginoso presente.

Da o relvo impressionante que ganhou o movimento educativo. Estamos com responsabilidades dobradas, diante do fracasso por que as instituies tradicionais de educao esto passando com o advento da nossa era. E tais deveres se refletem, sobretudo, nos responsveis pela educao escolar, porque a les cabe reorganizar a escola para o fim de servir s novas funes que lhe dita o atual momento de civilizao.

A reorganizao importa em nada menos do que trazer a vida para a escola. A escola deve vir a ser o lugar onde a criana venha a viver plena e integralmente. S vivendo, a criana poder ganhar os hbitos morais e sociais de que precisa, para ter uma vida feliz e integrada, em um meio dinmico e flexvel tal qual o de hoje.

Se a escola deve, assim, mais do que informar e ensinar algumas artes teis, preparar a criana para ser boa, servial, operosa, tolerante e forte, como pode ela obter tudo isso pelo velho sistema de disciplina e lies? Como posso eu marcar uma lio de bondade, uma lio de tolerncia, de simpatia, de entusiasmo? S uma situao real de vida pode fazer com que a criana aprenda essas atitudes sociais indispensveis vida moderna.

A escola precisa dar criana no smente um mundo de informaes singularmente maior do que o da velha escola - s a absoluta necessidade de ensinar cincia fra bastante para transform-la - como ainda lhe cabe o dever de aparelhar a criana para ter uma atitude crtica de inteligncia, para saber julgar e pesar as coisas, com hospitalidade mas sem credulidade excessiva; para saber discernir na formidvel complexidade da integrao industrial moderna as tendncias dominadoras, discernimento que h de habitu-la a no perder a sua individualidade e a ter conscincia do que vai passando sbre ela pelo mundo afora; e ainda, para sentir, com lcida objetividade, a interdependncia geral do mundo e a necessidade de conciliar o nacionalismo com a concepo mais vigorosa da unidade econmica e social de todo o mundo.

Isso com respeito ao prprio aspecto externo da civilizao. E com relao ao que poderamos chamar a sua estrutura espiritual, com relao ao esprito democrtlco moderno?

Primeiro, a escola deve prover oportunidade para a prtica da democracia - o regime social em que cada indivduo conta plenamente como uma pessoa. Democracia na escola importa em democracia para o mestre e democracia para o aluno, isto , um regime que procure dar ao mestre e aos alunos o mximo de direo prpria e de participao nas responsabilidades de sua vida econmica.

Segundo, como democracia acima de tudo o modo moral da vida do homem moderno, a sua tica social, a criana deve ganhar atravs da escola sse sentido de independncia e direo, que lhe permita viver com outros com a mxima tolerncia, sem, entretanto, perder a personalidade.

Devemos ter sempre presente que a escola no vai dar solues j feitas nossa juventude. Tudo que podemos fazer dar-lhe mtodo e juzo, para lutar com os problemas que vai encontrar, e o sentido da responsabilidade social que lhe assiste na soluo dsses problemas.

Em democracia no h seno uma tendncia fixa: a busca do maior bem do homem. Como tal, essencialmente progressiva e livre, e para o exerccio dessa forma social progressiva e livre, precisa-se de homens conscientes, informados e capazes de resolver os seus prprios problemas.

sse o fim da escola, a sse respeito: ajudar os nossos jovens, em um meio social liberal, a resolver os seus problemas morais e humanos.

Que enormes, pois, so as novas responsabilidades da escola: educar em vez de instruir; formar homens livres em vez de homens dceis; preparar para um futuro incerto e desconhecido em vez de transmitir um passado fixo e claro; ensinar a viver com mais inteligncia, com mais tolerncia, mais finamente, mais nobremente e com maior felicidade, em vez de simplesmente ensinar dois ou trs instrumentos de cultura e alguns manuaizinhos escolares ...

Para essa finalidade, s um nvo programa, um nvo mtodo, um nvo professor e uma nova escola - podem bastar.

C) Fundamentos psicolgicos

da transformao escolar

At o presente, nada mais fizemos do que insistir nas exigncias novas que uma ordem social, em transformao, faz sbre a escola.

Como a escola deve ser uma rplica da sociedade a que ela serve, urge reformar a escola para que ela possa acompanhar o avano "material" de nossa civilizao e preparar uma mentalidade que moral e espiritualmente se ajuste com a presente ordem de coisas. Alm disso, porm, uma viso mais aguda do ato de aprender vem em muito alterar a psicologia da escola tradicional.

Aprender significou durante muito tempo simples memorizao de frmulas obtidas pelos adultos. O velho processo catequtico de pergunta e resposta um exemplo impressionante disto. Decorar um livro era aprend-lo. Mais tarde, comeou-se a exigir que se compreendesse o que era decorado. Um passo mais, foi o de exigir do aluno que repetisse, com palavras prprias, o que se achava formulado nos livros. No bastava decorar, no bastava compreender, era ainda necessria a expresso verbal pessoal, e ento, sim, estava aprendido o assunto.

A nova psicologia veio provar no ser isso ainda suficiente. Aprender alguma coisa mais. Fixar, compreender e exprimir verbalmente um conhecimento no t-lo aprendido. Aprender significa ganhar um modo de agir. Dito assim, parece excessivamente limitado. Para muita habilidade puramente mecnica, nao h dvida. Aprender significa a aquisio de uma determinada habilidade. Mas, uma idia? Aprende-se uma idia ganhando um nvo modo de proceder ou agir? exatamente o que se d. Aprendemos, quando assimilamos uma coisa de tal jeito que, chegado o momento oportuno, sabemos agir de acrdo com o aprendido. A palavra agir tem vulgarmente um sentido estreito de ao material. Mas um ato sempre uma reao a uma situao em que nos encontramos. Reagimos contra estmulos que recebemos por meio dos sentidos internos ou externos. E o que aprendemos sempre uma forma especial de reao.

Quando que aprendemos - dois mais dois so quatro? Quando diante de qualquer situao que sugira esta resposta, o nosso organismo a d fatalmente. O que aprendemos tem assim uma fra de projeo que nos fora a reagir daquele modo diante, suponhamos, da pergunta: 2 x 2 igual a qu?

Ora, do mesmo modo que fixamos a resposta especfica para essa situao, do mesmo modo aprendemos qualquer outra coisa. Uma habilidade, uma idia, uma emoo, uma atitude, um ideal, aprendemo-lo do mesmo modo, fixando uma certa reao do organismo a uma certa coisa.

No aprendemos uma idia quando apenas sabemos formul-la, mas quando a fizemos de tal modo nossa, que passa a fazer parte do prprio organismo e exigir de ns, quase automticamente, uma reao ou uma srie de reaes especiais.

Logo, no se aprende seno aquilo que se pratica. Aprender um processo ativo de reagir a certas coisas, selecionar reaes apropriadas e fix-las depois no organismo. No se aprende por simples absoro.

Chegou-se, hoje, a fixar certas interpretaes gerais do ato de aprender, que se podem chamar de leis. As duas mais importantes so a de prtica e efeito e a de inclinao (readiness).

Pela primeira, afirma-se que aprendemos, pela prtica, certas reaes que ocasionam certos efeitos e no aprendemos outras. As reaes que no nos satisfazem, tendemos a no repeti-Ias e, portanto, a no as aprender.

A primeira fonte da aprendizagem est, assim, nas necessidades fsicas, intelectuais ou morais do organismo. Tais necessidades, no homem, so imensamente variveis e dependentes do ambiente social, dos hbitos, das atitudes e das informaes que tem o indivduo que aprende.

O mais importante, no momento, notar como o ato de aprender depende profundamente de uma situao real de experincia onde se possam praticar, tal qual na vida, as reaes que devemos aprender e, no menos profundamente, do propsito em que estiver a pessoa de aprender essa ou aquela coisa.

Uma situao real de experincia. - No se aprendem smente idias ou fatos, aprendem-se ainda atitudes, ideais, apreciaes. Para aprender uma idia, ou informao, eu posso preparar, mesmo na escola tradicional, um ambiente eficaz. Devo, apenas, dispor as condies para o exerccio daquele conhecimento nvo - a gua composta de oxignio e hidrognio, por exemplo - e praticar com a criana at que ela aprenda.

Mas se eu quiser ensinar a urna criana a ser boa, no h meio de faz-la praticar bondade e ter as satisfaes que o exerccio de bondade pode trazer, sem que, na escola, haja condies sociais reais que desenvolvam o sentimento de bondade.

No se pode praticar tolerncia ou bondade como se pratica aritmtica.

Logo, se a escola quer ter uma funo integral de educao, deve organizar-se de sorte que a criana encontre a um ambiente social em que viva plenamente. A escola no pode ser uma simples classe de exerccios intelectuais especializados.

Assim, a nova psicologia de aprendizagem que obriga a transformar a escola em um centro onde se vive e no em um centro onde se prepara para viver.

Propsito ou intento do aluno. - A lei do efeito nos diz que no aprendemos tudo que praticamos, mas aquilo que nos d prazer ou satisfao.

sse prazer ou satisfao dependem, porm, essencialmente do propsito ou intento do indivduo que vai aprender. Se eu quero aprender a fazer uma certa carambola ao bilhar e passo a exercitar-me com as bolas, tanto me aproveito com os golpes errados quanto com os certos. Os primeiros golpes, eu os desaprendo de fazer e os segundos, os certos, eu os aprendo.

O propsito ou intento de aprender os segundos, fz-me aprend-los.

O mesmo sucede com relao aos demais atos de aprender. O desejo do aluno, o seu intersse para usar a palavra consagrada, orienta o que vai le aprender.

Outro aspecto tremendamente importante da nova psicologia do ato de aprender, que no se aprende nunca uma s coisa.

Imaginemos uma criana que aprende a escrever. Tda a sua atividade fsica est empenhada nisso. Os msculos do brao e da mo, a cabea, o pescoo, o tronco, tudo est em movimento. Vrias sensaes de presso, de esfro de respirao, ela est experimentando. Tda a sua atividade mental tambm trabalha. Observa, recorda, imagina, planeja processos especiais, experimenta de um modo e de outro. Mais do que isso, porm, ela sente. Pode estar satisfeita ou aborrecida, esperanada ou desanimada. Para com o escrever, para com a classe, para com os colegas, para com o professor e para com a prpria vida, a criana est ali experimentando uma atitude favorvel ou desfavorvel que lhe ser til ou prejudicial.

De sorte que se aprende no s o objetivo primrio, que se queria aprender, como vrias outras coisas associadas ou concomitantes, o que torna o ato de aprender sumamente complexo.

Muitas vzes, isso que se est aprendendo, concomitantemente ou por associao, mais importante do que o objeto direto do estudo. Ora, a escola tradicional nunca percebeu que, em uma lio de aritmtica, podia estar ensinando as crianas a no terem coragem, a no serem sociais, a alimentarem complexos de inferioridade, etc., de que iriam sofrer por tda a vida.

Ento vemos como a velha escola, onde as crianas iam para fazer aquilo que no queriam, com uma disciplina semi-militar, est profundamente inadequada no s para a sociedade presente, como para a prpria concepo moderna da aprendizagem.

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Diante de tudo isto, de que escolas precisamos ns?

Conforme KILPATRICK, a escola que pode satisfazer as exigncias sociais e pedaggicas que apontamos atrs, deve ser:

1) Uma escola de vida e de experincia para que sejam possveis as verdadeiras condies do ato de aprender.

2) Uma escola onde os alunos so ativos e onde os projetos formem a unidade tpica do processo da aprendizagem. S uma atividade querida e projetada pelos alunos pode fazer da vida escolar uma vida que les sintam que vale a pena viver.

3) Uma escola onde os professres simpatizem com as crianas, sabendo que s atravs da atividade progressiva dos alunos podem les se educar, isto , crescer, e que saibam ainda que crescer ganhar cada vez melhoes e mais adequados meios de realizar a prpria personalidade dentro do meio social onde se vive.

Tal escola totalmente diversa da escola tradicional, onde os alunos recebem um tarefa e sofrem uma ordem imposta externamente.

Para a escola progressiva as matrias so a prpria vida, distribuda por centros de intersse ou projetos. Estudo - o esfro para resolver um problema ou executar um projeto. Ensinar - guiar o aluno na sua atividade e dar-lhe os recursos que a experincia humana j obteve para lhe facilitar e economizar esforos.

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O fenmeno educativo, na frase de DEWEY, a reconstruo da experincia, luz da esperincia atual. Diante dessa concepo, confirmada pela presente psicologia, o processo educativo se opera em uma situao real de vida, onde o que aprendido funciona com o seu carter prprio, e produz as suas naturais conseqncias. Alm disto, para que a aprendizagem seja integradora, o que vale dizer educativa, a situao escolar e a vida do aluno devem ajustar-se e harmonizar-se como um todo contnuo.

Diante disto, como organizar a escola sob a base de matrias a estudar? A nica matria para a escola a prpria vida, guiada com inteligncia e discriminao, de modo que a faamos progressiva e ascensional.

Est claro que no vamos fazer a criana repetir a experincia racial tda, desde o princpio. Isso seria, como diz DEWEY, simplesmente estpido, porque impossvel. As experincias e as atividades escolares ho de ser sempre selecionadas e, para elas, o concurso da experincia do passado, sempre inestimvel.

Seleo e organizao das experincias escolares no representaro, porm, nunca dar prontinhos s crianas os resultados formulados pelos adultos em seus compndios finais.

Imaginemos que algumas crianas desejam fazer uma reprsa. Est a uma atividade que delas e que representa uma situao real de vida, porque vrias vzes foram at sse pequeno rio e sempre cogitaram de ter ali um reservatrio de gua maior, para que pudessem tomar banho, suponhamos.

Metem mos obra. O professor sugere estudar o assunto. Antes delas, tda a humanidade fz reprsas. Os meninos vo buscar livros, examinam, averiguam, aprendem. A est como a experincia j ganha da espcie entra na atividade escolar.

Est a como os livros podem e devem ser utilizados. Nem por isso a situao deixou de ser uma situao real de vida e de experincia.

Se a prpria concepo da aprendizagem impe hoje tal organizao escolar, que diremos se refletirmos sbre as novas funes da escola? Como pode uma escola que no seja, realmente, de vida, dar criana os hbitos sociais que, conforme as nossas consideraes anteriores, so indipenveis ao prprio bem-estar da comunidade democrtica em que vivemos?

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Corolrio imediato de uma escola de experincia e de vida que os alunos sejam ativos. Em vez da velha escola de ouvir, a nova escola de atividade e de trabalho.

No basta, porm, que os alunos sejam ativos. necessrio que les escolham as suas atividades. Vimos o papel que tm na aprendizagem o intento, o propsito e o intersse do aluno. Se s se aprende o que sucede ou o que satisfaz, aquilo que a criana entende, em cada caso, como sucesso, sumamente importante. Ponhamos uma criana a praticar tnis. Se no tem intersse no jgo e no quiser aprender tais e determinados golpes, poder exercitar tda a sua vida e nada aprender. Os insucessos no a aborrecem, nem lhe do prazer os sucessos. Umas e outras experincias lhe passaro pelo organismo sem nle deixar mossa. Possvelmente aprender uma poro de coisas, associadas ou concomitantes: desgsto pelo esporte, m vontade contra o professor, etc., etc.

No precisamos, pois, insistir no ponto. indispensvel, como diz CLAPARDE, que as crianas no faam tudo o que quiserem, mas queiram tudo o que fazem.

Podemos resumir, com KILPATRICK: desde que um intersse ativo guie os alunos a se empenharem em empreendimentos adequados - nem muito difcies nem muito fceis - tanto maior probabilidade de sucesso haver com todos os bons efeitos que o sucesso traz: melhores sero as condies de aprendizagem total, e melhor ser a organizao escolar resultante.

E, por outro lado, s em uma vida onde todos trabalham com o sentimento e que participam, como indivduos, da atividade coletiva, que tambm a sua, podem-se realizar as condies de responsabilidade e de prazer que so indispensveis para o crescimento educativo dos alunos e para a sua progressiva participao na sociedade adulta.

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Tda educao at hoje foi autocrtica! Os mestres sofriam a autocracia dos administradores, e as crianas, a dos mestres. Na reorganizao democrtica das escolas, a uns e outros tem-se que dar independncia. Educar uma arte to alta que no se pode subordin-la aos mtodos de imposio possvelmente adaptveis s tarefas mecnicas. Mestres e alunos devem trabalhar em liberdade e luz do que o filsofo e o cientista esclarecerem sbre a profisso dos primeiros e o labor dos ltimos.

Mas assim como o administrador deve confiar no mestre, deve o mestre confiar no aluno. Perca para sempre a idia de que lhe cabe qualquer soberania sbre o pensamento do seu discpulo. D-lhe oportunidade para pensar e julgar por si. Os problemas dle s podero ser resolvidos por le. le vai viver a vida um passo adiante do mestre. Com as novas responsabilidades que vai assumir, d-se-lhe nova liberdade de pensar.

No passe pela cabea de ningum que isso seja completa anarquia. To habituados estamos a impor nossas frmulas, que parece que o dia em que elas desaparecerem, desaparecer a ordem.

Lembremos que estamos passando de uma civilizao baseada em uma autoridade externa, para uma civilizao baseada na autoridade interna de cada um de ns.

E com a nova civilizao, o que desejamos uma vida melhor e mais ampla. A nica finalidade da vida mais vida. Se me perguntarem o que essa vida, eu lhes direi que mais liberdade e mais felicidade. So vagos os trmos. Mas, nem por isso les deixam de ter sentido para cada um de ns. medida que formos mais livres, que abrangermos em nosso corao e em nossa inteligncia mais coisas, que ganharmos critrios mais finos de compreenso, nessa medida nos sentiremos maiores e mais felizes.

A finalidade da educao se confunde com a finalidade da vida. No fundo de todo ste estudo paira a convico de que a vida boa e que pode ser tornada melhor. essa a filosofia que nos ensina o momento que vivemos. Educao o processo de assegurar a continuidade do lado bom da vida e de enriquec-lo, alarg-lo e ampli-lo cada vez mais.

Na escola progressiva cujos lineamentos se comentaram aqui, no se busca outra coisa seno a permanente reconstruo da vida para maior riqueza, maior harmonia e maior liberdade, dentro do ambiente de transformao e de progresso que a era industrial inaugurou.

CAPTULO IIIDiretrizes da educao

e elementos de sua tcnica

A) A criana - centro da escola. Respeito pela personalidade infantil. Tendncia a se extremar do movimento de reconstruo escolar. Visita a uma escola experimental. Equilbrio recomendvel.

B) Reconstruo dos programas escolares. Teoria de educao que a fundamenta. O processo educativo, no seu todo. Os programas - parte ou fator nesse processo total. Teoria da aprendizagem. lntegrao e isolamento da aprendizagem. Atividades "intrnsecas" e "extrnsecas". Vida presente da criana e experincia da espcie. Atividade infantil e "textos" e "compndios". Parte dos programas que pode ser prviamente traada. Programas "mnimos". Funo do professor na elaborao dos programas. A objeo da ausncia de sistematizao do ensino.

C) Organizao psicolgica das "matrias" escolares. Matrias escolares ou matrias de estudo. Conceito classico. Conceito moderno. Matrias de estudo para o "especialista": organizao lgica. Matrias de estudo para a "criana": organizao psicolgica. Anlise da idia quanto a uma das matrias escolares. Dificuldade do ensino pela organizao puramente lgica. Os programas escolares para uso do professor. O ensino por meio de "projetos". A organizao dos conhecimentos do aluno. Concluso.

A) A criana - centro da escola

C

ONJUGAM-SE, em trno da escola, as mesmas tendncias e as mesmas aspiraes que marcam a evoluco social. Dentre essas aspiraes e tendncias se destaca, com mais vigor, a de liberdade. Comparados os nossos tempos, ainda com os de um passado prximo, se no podemos dizer que o homem tenha vingado na sua aventura de felicidade, podemos assegurar que vai vencendo na sua aventura de liberdade ().

Percorreu a escola o mesmo spro impetuoso de filosofia individualista que varreu da sociedade restries religiosas espirituais e polticas opostas liberdade dos homens. Considerai, dizia KANT, tda a pessoa sempre como um fim em si mesma e nunca como um meio. sse velho princpio caracteriza uma das diretrizes mais essenciais do movimento de reconstruo escolar. A criana no mais como um meio, mas como um fim em si mesma. A personalidade infantil aceita, respeitada, ouvida, e no mais ignorada ou, conscientemente, reprimida.

A frase de JOHN DEWEY tpica. Trata-se de uma transformao, diz le, que se compara com a de Coprnico em nosso sistema planetrio. O eixo da escola se desloca para a criana. No mais o adulto, com os seus intersses, a sua cincia, a sua sociedade, que governa a escola; mas a criana, com as suas tendncias, os seus impulsos, as suas atividades e os seus projetos.

Para os elementos mais radicais, o problema se ps em trmos claros. A criana a origem e o centro de tda a atividade escolar. A sua atividade impulsiva e espontnea deve governar a escola, que se transforma em um pequenino mundo feito sua imagem e semelhana.

O sentimento de respeito pela personalidade infantil, os estudos psicolgicos que vieram demonstrar a necessidade de uma formao livre e espontnea para a expresso harmoniosa do indivduo, como ainda a convico de que o homem se desenvolve naturalmente para um ajustamento social perfeito - concorreram para a reorganizao escolar. Levados s ltimas conseqncias, sses princpios nos conduziram a certas escolas experimentais de nossos dias.

Visitei, por mais de uma vez, vrias dessas escolas, em vrios e diversos centros de civilizao.

Nada a lembra as escolas tradicionais que estamos habituados a ver. So casas de crianas, onde a vida corre alegre, divertida, cheia de cres, movimento, riso e som. As classes so salas de bric--brac. H de tudo. Em uma adorvel desordem. Os alunos - tal nome no tem sequer sentido nessas escolas - por tda a parte, em conversa, trabalhando, planejando, presidindo clubes ou discutindo coisas a fazer. Nesta sala, tda uma cidade armada no cho. Com linhas de bonde, luz eltrica, correios, corpo de bombeiros, tudo enfim que constitui uma cidade. Um grupo de 30 crianas ergueu-a do cho em um ou dois anos de atividade. A iniciativa e o esprito social dessas crianas parecem milagres. Adiante, um estudo sbre transporte. Todo um museu de gravuras, de modelos e de exemplares reais de meios de comunicao. Monografias interessantssimas. Uma estranha aliana dos recursos tcnicos dos nossos dias com a impreciso das capacidades infantis. No auditorium, um concrto de 200 crianas. Todos os instrumentos construdos pelas mos dsses meninos maravilhosos. A msica, composta por aqules artistas liliputianos. Enfim, sai-se com a impresso de um conto de fadas.

Quando se busca, como inevitvel, contrastar aquela infncia com o que foi a nossa infncia, as lgrimas nos vm aos olhos. A doura daquele espetculo desfaz, entretanto, as amarguras da lembrana. E da visita fica, to smente, uma confiana muito funda nos dias melhores, que j vm chegando, dias em que a infncia seja completamente feliz e os homens fortes e tranqilos.

At que ponto, porm, essas escolas so possveis no mundo? At que ponto no se apagam a valres indispensveis para a vida, como ela se organiza hoje? At que ponto ser possvel generalizar as tcnicas que se vo assim desenvolvendo?

Tais escolas perderam tdas as preocupaes conscientes de preparar para o futuro. Vivem a vida imediata dos desejos e dos impulsos. O professor segue, dcilmente, a vontade das crianas. As atividades so escolhidas ao sabor das situaes, para servir s experincias de cada dia. A escola tda ela flexvel, como a natureza mesma. A filosofia que a fundamenta, a de uma confiana ilimitada no esprito infantil e a de um respeito religioso pela personalidade da criana.

O mpeto com que se chega s extremas conseqncias da teoria serve par nos mostrar, com vidro de aumento, a tendncia central da renovao escolar: o respeito pela individualidade infantil.

Entre sse extremo e o outro extremo da escola tradicional, h tda uma gama de posies.

Nem vale a pena algum se assustar com a perspectiva dessa liberdade sem limites. O que h, examinar se a tendncia est certa e se tem fundamentos cientficos e sociais.

Os povos primitivos, conta HAROLD RUGG, costumavam enfaixar as cabeas das crianas para lhes dar as formas cnicas ou chatas, que os costumes prescreviam. Essa deformao fsica bem mais inocente que a deformao mental a que ainda hoje ns, civilizados, submetemos os pequeninos crebros infantis.

Na escola tradicional, com efeito, a ordem exatamente oposta da escola que vnhamos comentando. A a criana o autmato. Est em uma frma que a prepara para a vida futura. Obedece autoridade do professor, autoridade do programa, autoridade do livro. No h ateno s possveis diferenas individuais, nem mesmo aos elementos fundamentais de uma personalidade. Como os pequeninos crebros enfaixados, pouco a pouco se deixam modelar pelo tipo em srie, que a escola busca produzir, para perpetuar indefinidamente a sociedade retardatria e esttica, de que a reproduo.

A tendncia de transformao se acentua no sentido de dar mais direitos criana, de considerar mais atentamente os seus impulsos, as suas capacidades e as suas diferenas, de fazer da sua vida atual uma coisa interessante, em si mesma, e no smente uma preparao para a vida de amanh. Tal tendncia se encontra na escola e se encontra na famlia. Por tda parte a criana mais bem tratada. Comea-se a compreender que, supresso o castigo fsico, urge suprimir a coao intelectual. A compresso nada pode produzir de bom. Esteja ela na imposio de um castigo fsico ou de um estudo ininteligvel, sempre a geradora de complexos, de dissociaes, de incompreenses, que vo impossibilitar o desenvolvimento espontneo e harmonioso.

No isso o resultado de nenhum sentimentalismo obscuro e imprevidente, mas as concluses a que chegaram filsofos e psiclogos sbre a natureza do fenmeno educativo.

Tudo est, com efeito, em se saber o que educar.

Se educar funo de superposio, de acrscimo, de modelagem externa, ento est certa a escola tradicional. Isolem-se as atividades, limitem-se os objetivos, continuem-se os pequeninos exerccios. A educao se est sempre fazendo.

Mas se educar uma funo complexa de adaptao e crescimento do organismo total da criana, pode-se de logo ver que a escola tradicional est errada. O organismo no pode ser treinado por partes. A sua atividade funcional de educao e vida, essencialmente unitria. escola deve transformar-se para prover ambiente complexo, como o ambiente da vida, onde a criana se desenvolva e se eduque.

Essa reviso do conceito da educao obriga a reviso da escola.

Educar crescer. E crescer viver. Educao , assim, vida no sentido mais autntico da palavra. Alargada, dsse modo, na sua compreenso, no a podemos encontrar nos processos mecnicos da escola tradicional. Como a encontrar o mvel centralizador e harmonizador do crescimento ou da educao da criana, se no h a sua participao, nem o seu desejo, nem a sua ateno, e se a obra interna da educao de nada disso pode prescindir ?

No smente o desejo de dar liberdade criana que dirige os educadores, sobretudo a impossibilidade de a negar, se querem construir obra de educao respeitvel e sincera.

Dessa premissa da criana autnoma e livre que temos de partir para a aventura da reconstruo educacional.

As dificuldades repontam de todos os lados. H, ainda, a falta de uma tcnica impessoal, o que eria a obra de dificuldades supremas. Dentre todos os problemas, nenhum, porm, mais delicado, mais difcil e mais fundamental do que o do programa escolar.

B) Reconstruo dos programas escolares

No precisamos repetir que o problema dos programas escolares, envolvendo o problema da prpria marcha do processo educativo, est inteiramente prso ao conceito de educao e teoria geral de educao.

Seja l qual fr o programa adotado, alguma teoria de educao est nle implcita, governando-o, orientando-o, emprestando-lhe o critrio para a avaliao dos resultados a que visa. Os objetivos que a teoria determinar para a educao, sses, por fra, que ho de governar a sua fatura, o seu mtodo e o seu contedo.

Quando os objetivos da educao se circunscreviam finalidade poltica e intelectualista do sculo XIX, o problema de organizar o programa tambm se circunscrevia a uma seleo inteligente de matrias e de tcnicas escolares, destinadas a dar ao aluno um conjunto de informaes e de hbitos, capazes de faz-lo um cidado leal ao regime, a que a escola servia, e com habilidade bastante para participar tilmente na economia prpria e na de seu pas. A aquisio de certas tcnicas - leitura, escrita, aritmtica, desenho e msica: a memorizao de alguns compndios de geografia, histria e cincia; e a educao de certa destreza manual em trabalhos de oficina e jardinagem, - nisso se resumia o programa. Como dizia GERARD, a escola visava a ensinar criana tudo aquilo que ela, quando adulto, no podia ignorar.

A larga experincia escolar do sculo XIX, os estudos sbre a criana e o prprio carter de nossa civilizao vieram demonstrar que, no smente os objetivos colimados pela escola tradicional no eram real e efetivamente atingidos, como ainda que as novas condies estavam a exigir a transformao da prpria finalidade da escola.

Com efeito, a escola e, na escola, o programa, so apenas partes de um todo: o processo educativo por que passa o homem desde que ingressa na vida. Nesse processo, o caracterstico essencial que as experincias passadas afetam o presente, transformam-se e, por meio dessa transformao, reagem sbre o prprio futuro. Processo, assim, contnuo e progressivo, em que o homem e o seu meio mtuamente se influenciam, modificando a prpria vida. Tanto melhor, tanto mais perfeito , quanto mais concorre para a transformao e ampliao da vida.

A aprendizagem resultante do processo educativo no tem outro fim, seno o de habilitar a viver melhor, seno o de melhor ajustar o homem s condies do seu meio.

O currculo tradicional no discordava dessa orientao. Apenas julgava que se fssem ensinados isoladamente algumas tcnicas e alguns livros s crianas, elas depois os transportariam para a vida, tornando-a mais eficaz, mais cheia e mais feliz.

Foi sse isolamento da atividade escolar, que a veio perverter e inutilizar. Nem se aprendia realmente na escola, nem, muito menos, se transferiam posteriormente para a vida os resultados laboriosamente ganhos naquele trabalho. Da condenar-se a orientao de preparao especializada e artificial para a vida. E condenar-se a orientao puramente informativa e intelectualista.

Ao invs disso, a escola deve ser uma parte integrada da prpria vida, ligando as suas experincias s experincias de fora da escola. Em vez de lhe caber simplesmente a tarefa de transmitir os conhecimentos armazenados nos livros, deve caber-lhe a tarefa, muito mais delicada, de acornpanhar o crescimento infantil, de desenvolver a personalidade da criana.

Aprender no significa smente fixar na memria, nem dar expresso verbal e prpria ao que se fixou na memria. Desde que a escola e a vida no mais se distinguem, aprender importar sempre em uma modificao da conduta humana, na aquisio de alguma coisa que reaja sbre a vida e, de algum modo, lhe enriquea e aperfeioe o sentido.

Semelhante concepo de aprendizagem altera, substancialmente, o contedo e os mtodos da escola.

Est claro que no basta, para isso, aprender uma informao. Pode-se saber tudo a respeito de dentes: a sua estrutura, a causa de suas cries e de suas molstias e, ainda assim, nada disso alterar a conduta prtica na vida.

S se aprende para a vida quando no smente se pode fazer a coisa de outro modo, mas tambm se quer fazer a coisa dsse outro modo. S essa aprendizagem interessa vida e, portanto, escola. Tal aprendizagem , inevitvelmente, mais complexa do que a simples aprendizagem informativa. Nenhum processo mecnico suficiente para a sua aquisio. A criana tem que ser levada em conta. E, com ela, os seus intersses, os seus impulsos, os seus desejos, os seus receios, os seus gostos e os seus aborrecimentos. Tudo isso contribui para que se aprenda ou para que no se aprenda. Para que se aprenda mal e para que se aprenda bem.

Ao lado da lio que se quer ensinar, vo-se tambm e simultneamente ensinando hbitos, disposies e atitudes, que tm maior importncia educacional do que o objeto original de ensino.

A velha escola foge dificuldade, continuando a ignorar ou agindo como se ignorasse o que se passa com a criana. Na impossibilidade de considerar o problema em sua complexidade, reduz o programa a um conjunto de lies fixadas de antemo e que devem ser aprendidas. Sob o pretexto de preparar para o futuro, sse programa se constitui de matrias de intersse para a vida adulta. E a determinao de isol-las, para o ensino, desliga-as do lugar natural que os conhecimentos tm na vida adulta. No , pois, smente a ignorncia da criana e dos seus intersses, a ignorncia do prprio sentido que a matria tem na vida real, que constitui a falha mais profunda dos programas escolares usuais.

Desligados do sentido natural que tm na vida, aqules conhecimentos no podem ser realmente aprendidos. Em vez dles, a criana aprende hbitos, atitudes, disposies que lhe falsificam o carter, lhe retiram o esprito crtico e lhe minam a inteligncia nas suas fontes vivas de originalidade e de iniciativa.

Em resumo, o rro capital da pedagogia tradicional est no isolamento em que a escola e o programa se colocaram diante da vida. Aprender uma funo normal da criana e do homem. Mas, por isso mesmo, no se pode exercer seno na matriz da prpria vida e dentro de certas condies essenciais. Essas condies devem ser atendidas, e no removidas. Primria entre tdas elas, est a inteno de quem vai aprender. A vontade da criana ou do adulto imprescindvel para que o aprendizado seja real e integrado prpria vida. Seja um clculo de aritmtica ou seja uma habilidade manual, a determinao de aprender que faz com que as mesmas sejam aprendidas.

KILPATRICK classifica as atividades em "intrnsecas" vida da criana e "extrnsecas" a essa mesma vida, conforme participa delas, ou no, a vontade intencional da criana. No segundo caso - atividades extrnsecas - o valor ducativo duvidoso ou nulo. No primeiro caso - atividades intrnsecas - os resultados educacionais so seguros e completos: a inteno do aprendiz articula com a sua personalidade a nova atividade, conduz e orienta os prprios esforos, verifica os resultados e lhe comunica o mpeto necessrio para novas atividades e esforos novos. Todos os males do isolamento ficam a corrigidos. No h isolamento em relao posio real das coisas na vida corrente.

Apreciada, assim, no parece haver possibilidade de divergncia, em teoria. Todos esto de acrdo em que educao no um "instrumento estranho vida e que aplicamos sbre a vida para melhor-la"; mas o prprio processo de viver, o prprio processo de refazer, reconstruir e melhorar a vida.

Como, entretanto, conciliar essa teoria com a necessidade inelutvel de ensinar s crianas o que essencial que seja aprendido, com a necessidade inelutvel de abreviar o processo dessa aprendizagem e com a necessidade inelutvel de ensinar as grandes massas de crianas? Como organizar-se o programa, afinal, se no o devemos organizar em lies e em matrias?

De acrdo com a concepo que vimos defendendo, o programa deve constituir-se com a srie de experincias e atividades em que a criana se vai empenhar na escola. Para a organizao dste programa, devemos levar em conta as atividades da vida presente, que sejam necessrias ou desejveis, e os processos adquiridos pela experincia humana para conduzir essas atividades a bom trmo.

A vida da criana est em uma das extremidades e em outra, a suma da experincia humana, representada pelas matrias escolares, pelos compndios e pelos livros em geral. A funo dessa experincia humana no processo educativo consiste em oferecer criana a inspirao e, quando ela o necessite e solicite, o modlo para sua aprendizagem individual.

O denominador comum das atividades infantis e dos aspectos perfeitos em que se condensou a sabedoria humana, est no conceito da experincia. As atividades infantis so os comeos incertos e tateantes que devem conduzir experincia organizada e lgica, j consubstanciada em livros. Essa ltima no representa mais do que o conjunto de leis e instrumentos j aperfeioados para soluo das dificuldades reais que a vida apresenta.

O currculo ou o programa deve ser, assim, a srie de atividades educativas em que a criana se vai empenhar para progredir mais rpidamente, de acrdo com a sabedoria da experincia humana, em sua capacidade de viver.

Aceita essa concepo, o primeiro problema prtico com relao aos programas o de saber se essas atividades podem ser previstas, planejadas e organizadas antecipadamente. Duas posies extremas so tomadas pelos educadores. De um lado, os que afirmam que o programa deve ser feito todo le antecipadamente, se no queremos que o ensino venha a falhar ou se tornar confuso e ineficiente. De outro lado, os que dizem que experincias educativas no podem ser predeterminadas, que a natureza do processo educativo no permite um plano anterior, de tal modo a sua marcha acidental e filha das circunstncias em que opera.

Como quase sempre, uma soluo intermediria a mais consentnea com os fatos e com a prtica.

Antes de tudo, o programa deve ser extrado das atividades naturais da humanidade. Ora, essas atividades, tendo a sua origem na natureza do homem, so, como tais, objeto de investigaes e estudos, que as classificam, as definem e as organizam.

A espcie humana j acumulou, com relao ao modo de dirigir as suas atividades, uma experincia muito longa, que se acha observada, catalogada e condensada naquilo que chamamos matrias de estudo. Logo, de alguma sorte, o programa geral da escola est organizado antecipadamente.

Todo sse material, porm, - sejam as atividades, sejam os conhecimentos e as leis que a experincia humana veio descobrindo - to rico e abundante, que exige e impe uma seleo, vista do valor educativo dos seus diferentes elementos.

At que ponto o trabalho de seleo deve ser feito antecipadamente?

Aconselham os educadores a se levarem em conta as condies do professorado. Existe, quanto necessidade de planejar o programa, uma verdadeira gradao, conforme seja o treino e o preparo dos professres. Alguns professres sero to bons, que qualquer determinao externa pode vir a prejudic-los, e alguns outros sero to deficientes, que a exclusiva orientao pessoal conduzir inevitvelmente a desastre.

Dentro dessa escala, os programas podem ser prviamente preparados, a fim de marcar a orientao geral e fornecer elementos abundantes para permitir a escolha e para guiar e auxiliar os professres na direo das classes. Devendo o programa consistir numa srie de atividades que representem as atuais necessidades da vida e sendo essas necessidades, em seu quadro geral, mais ou menos permanentes, sempre possvel prefix-Ias em um estudo central, que discrimine os principais objetivos da escola. No mesmo quadro, ainda possvel determinar, com a necessria flexibilidade, muitas atividades particulares em que os alunos se podem empenhar para que venham a crescer e se desenvolver adaptadamente ao meio em que vivem.

Um corpo de educadores especializados pode organizar os planos gerais de atividades, fazendo-as acompanhar das matrias necessrias, para que as crianas as empreendam com xito.

Alm disso, "programas mnimos", que compreendam o que deve ser aprendido pelas crianas, salvo dificuldade insupervel, podem ser tambm, antecipadamente, organizados.

O professor ou diretor da escola organizar, ento, dentro dsses limites gerais, o programa especial para cada classe, medida que o trabalho progrida.

A unidade constitutiva do programa escolar a atividade aceita pelo aluno e por le devidamente planejada. As atividades devem ser tais, que levem os alunos aprendizagem dos conhecimentos, hbitos e atitudes indispensveis para resolver os problemas de sua prpria vida. O papel do professor est em despertar os problemas, torn-los sentidos ou conscientes, dar-lhes uma seqncia organizada e prover os meios necessrios para que os alunos os resolvam, de acrdo com o melhor mtodo e os melhores conhecimentos.

Com relao s atividades concernentes aos problemas de alimentao, de casa e de vestimenta, a escola, por intermdio de projetos devidamente escolhidos, por o aluno em contato com os conhecimentos que se encontram na histria natural, na agricultura, na geografia, nas artes industriais e na aritmtica. Com relao s atividades de organizao e regulamentao da vida cooperativa da classe e da escola, - o estudo do direito, da histria e da literatura fornecer objeto para discusses, pelas quais se ver como a humanidade vem resolvendo sses problemas. Nos projetos de empregar tilmente o tempo de lazer e diverso, - a experincia da humanidade acumulada na literatura, na msica, nas artes, nos jogos e nas danas ser devidamente aproveitada. E em tdas essas atividades, os instrumentos da leitura, da escrita, do desenho, da aritmtica e a habilidade manual tero sempre uma grande contribuio.

Organizada a escola dsse modo, os fatos e os conhecimentos ficam subordinados s atividades escolares em que a criana se empenha.

A est a grande objeo.

Ento, organiza-se a escola para que a se v aprender uma coisa secundria, incidente, ocasional? Como poder a criana ter o seu saber organizado, se ela o ganha, assim, atravs de experincias gerais, que tornam difcil qualquer sistematizao?

Primeiro: no precisamos voltar ao princpio para dizer que pode sse meio no ser ainda o melhor, mas s assim a criana realmente aprende alguma coisa.

Segundo: percamos a superstio da organizao lgica, externa, em que se acham os conhecimentos nos livros escolares.

A organizao que vale a que se faz em nosso prprio esprito, medida que sentimos aumentar o nosso cabedal de conhecimentos e o sentimos articulado, ligado com as nossas experincias passadas, influindo em nossa ao presente e nos fornecendo os meios para o enriquecimento progressivo de nossa vida.

A aprendizagem de fatos livrescos, presos aqui e ali em nossa memria, quando muito nos d uma tla e intil erudio. No seno um meio-saber verbal, que nada cria nem produz. No melhor dos casos, fica essa erudio. Nos demais, tudo que foi aprendido assim, desligado da realidade e da vida, evapora-se, apenas deixamos a escola.

No tenhamos, pois, receio de que as nossas crianas vo aprender menos. Elas iro, muito provvelmente, aprender mais e, sobretudo, iro aprender eficazmente, com o sentido da realidade e da ao, destruindo-se, assim, o flagelo do ensino verbal e livresco, que nos tortura.

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No desconheo as grandes dificuldades de organizar um programa, com a forma e a funo que vimos enunciando. O problema, depois dessas reflexes, torna-se mais complexo. No h uma frmula fixa a prescrever. O perigo de confuso e de desperdcio em uma escola organizada nessas bases gritante.

Que fazer? Ficar com a velha organizao, cuja falncia j conhecemos?

No. Atiremo-nos tarefa, com o otimismo confortador de quem acredita que as coisas devem ser melhoradas e, mais do que isso, o podem ser.

Com a conscincia ntida das dificuldades atuais e muito cuidado no conflito de valres, que se pode estabelecer, - atentos, assim, para que sempre o saldo seja a favor da reforma - empreendamos a reorganizao dos programas, partindo do ponto onde nos achamos para o ideal longnquo que nos traaremos.

O critrio central h-de ser o de transformar a escola em um lugar onde a criana cresce em inteligncia, em viso e em comando sbre a vida.

C) Organizao psicolgica

das "matrias" escolares

Partindo da criana e de suas necessidades, chegamos concluso de que o programa escolar se deve organizar em uma srie de experincias reais e socializadas, e no como uma simples distribuio de matrias escolares.

O prprio estudo das matrias escolares nos vai levar, tambm, aos mesmos resultados. O mesmo problema, visto de um ngulo diverso, ganha, se possvel, maior clareza e a soluo aventada maior plausibilidade.

Reconstituiremos aqui, com a brevidade possvel, a exposio de JOHN DEWEY, no seu estudo, hoje universalmente conhecido, sbre a criana e o programa escolar, valendo-nos ainda da contribuio trazida por KILPATRICK consolidao da doutrina sustentada pelo famoso filsofo.

As matrias escolares ou matrias de estudo, em rigor, deveriam ser tudo sbre que incidissem o inqurito, a reflexo, o estudo, no desenvolvimento de uma determinada atividade. No tem sido sse, entretanto, na teoria tradicional, o conceito de matrias escolares. Na linguagem clssica, significam os diferentes ramos classificados do saber.

A finalidade suprema da educao escolar a de levar a criana participao no sentido, nos valres e na conduta da sociedade a que pertence.

Por que razo julgou a escola que ensinando aqules diferentes ramos do saber operava o milagre dessa participao?

Pela razo muito simples de se enxergar naquelas matrias" o conjunto de conhecimentos que consubstanciam a prpria vida coletiva da sociedade contempornea.

Descuraram-se, entretanto, os educadores de perceber que os conhecimentos armazenados nos diferentes departamentos do saber humano se achavam de tal modo desligados da sua matriz social, que nenhum alcance tinham j sbre as atividades reais dos homens. A tarefa dos educadores era a de prover um meio social em que a criana pudesse, com economia e rapidez, percorrer os diferentes estgios de cultura do seu grupo. O seu rro estve em organizar esse meio pelo estudo de matrias que no se achavam devidamente impregnadas do sentido social necessrio sua perfeita compreenso.

Da a escola ter-se afastado da vida, tornando-se o ambiente artificial que vimos condenando e onde, quando muito, se prepara o esprito para as especializaes diversas de uma vida estritamente intelectual.

Com efeito, as "matrias escolares" - linguagem, matemtica, histria, cincias naturais, etc., - nada mais so do que resultados sistematizados dos conhecimentos humanos em sua forma lgica e abstrata. Como tais, s interessam ao especialista que pode compreender a sua linguagem simblica ou tcnica e perceber as relaes que existem entre as diferentes partes da sua estrutura lgica. So matrias de estudo para o especialista. No o podem ser para as crianas.

A marcha da criana, em sua educao, atravessa trs fases distintas. Primeiro, a criana aprende a fazer coisas. a forma mais simples de seu contato com o meio. Assim aprende a caminhar, a falar, a brincar, a fazer isso e aquilo. No mesmo passo, por isso que se acha em contato com outros, a criana aprende atravs das experincias alheias, que lhe so comunicadas. Aprende por intermdio da informao. Essa informao est, porm, articulada e prsa sua atividade geral, de sorte que ela a absorve diretamente. E, por ltimo, sses conhecimentos podero ser enriquecidos e aprofundados, at receberem uma organizao lgica, racionalizada e sistemtica.

A escola mostra desconhecer essa progresso e se atira desde os primeiros tempos terceira fase. Como todo o material acumulado hoje nos livros imenso e complexo, mais fcil do que dirigir orgnicamente a experincia infantil at le, dividi-lo e d-lo por doses aos alunos. A escola constitui, ento, um outro mundo, onde, contra o bom senso e contra a utilidade, se aprende para fins de promoo e de exames. Nem existe, ali, a vida no seu sentido normal de um conjunto de atividades aceitas, em que nos empenhamos com sentido de responsabilidade e de prazer, nem ali existem, prpriamente, saber e cincia, porque isso mesmo se perverteu em um simples esfro de repetir, pela palavra ou pela escrita, o que outros formularam em livros.

Como ento organizar as "matrias" para que possam, realmente, constituir o objeto do estudo e da aplicao das crianas?

Para isso temos que fugir da organizao "lgica", que representa o seu ltimo estgio de aperfeioamento, e, partindo da experincia da criana, desenvolver, cronolgicamente, os diferentes passos da aquisio do conhecimento cientfico.

A organizao da matria escolar ou das lies por essa forma educativa geralmente chamada a organizao psicolgica em contraposio organizao lgica do especialista.

Em essncia, a organizao psicolgica representa a disposio da matria ou da lio na ordem em que se realiza a experincia da criana. A organizao lgica o modo por que se organiza o que ela aprendeu da experincia.

Vejamos, em detalhe, o desdobramento dessa idia.

Suponhamos que na aprendizagem de fsica a primeira experincia de uma criana tenha sido a queda de uma pedra em seu p, por t-la colocado em uma posio de desequilbrio. A criana no passa inclume por essa experincia. Como por nenhuma outra. Aprende a qualquer coisa. Na prxima vez, j no agir do mesmo modo. Ter mais cuidado. De alguma sorte, sabe que, se a pedra no fr colocada de certo modo, vir a cair. A sua primeira experincia deu-lhe certos conhecimentos, para sua conduta em outras experincias com objetos pesados. H, assim, duas coisas a notar: a experincia e o resultado da experincia.

Imaginemos uma srie de experincias dessa natureza, se quisermos dar-lhe a representao lembrada por KILPATRICK, de quem tomamos essa demonstrao:

E R E R E R E R.........................................................................

E E E, etc. representam as experincias, R R R, etc. representam os resultados das experincias.

Cada experincia deixa um certo resultado que habilita a criana a encarar de modo diverso a futura experincia e, portanto, obter dela um resultado tambm diverso. sse resultado, R, por exemplo, no smente a soma dos resultados anteriores R+ R ; mas qualquer coisa dependente dles e reorganizada, distintamente, com elementos novos.

No prprio processo de desenvolvimento ou aquisio de uma idia no de outro modo que o esprito age. A sucesso de experincias E E E vai-lhe permitindo organizar sucessivamente os resultados R R R, com desenvolvimento cada vez maior e cada vez maior exatido de detalhe.

Tomemos, agora, a srie completa de experincias e resultados a que se poder chegar em fsica, a que tenha chegado hoje o maior especialista em fsica. Teriamos:

E R E R E R................... E R E R ................... E Rn.

Nessa srie, como na dos primeiros conhecimentos da criana, cada E representa uma experincia e cada R o resultado organizado que dela decorreu e que vai influir sbre a futura experincia.

Se as experincias fssem tdas frutuosas, se nos primeiros anos os pais e depois os mestres tivessem cuidado em que a criana percebesse claramente cada experincia e organizasse conscientemente o seu resultado, inegvel que cada resultado representaria mais ou menos um todo lgico, que resumiria, corrigiria e completaria o resultado anterior. Cada experincia, servida pelos resultados j obtidos, seria mais complexa, permitindo uma anlise mais minudente das partes e uma integrao posterior mais coesa e mais lgica.

Cada experincia um trecho da vida, uma atividade e, naturalmente, a sua marcha psicolgica. Cada resultado um produto mental, a ordenao lgica do que foi aprendido daquela experincia.

sobretudo para notar, aqui, como a concepo lgica da matria tem assim um substrato natural e orgnico. O esprito humano, agindo com inteligncia, no pode proceder de outro modo. Tanto a criana, como o adulto, como o homem de cincia agem segundo as mesmas leis. Os resultados do conhecimento infantil no so pedaos isolados, sem ligaes nem ordem. Quando muito, so classificados segundo critrios diversos dos do adulto. Mas so classificados.

Em geografia, por exemplo, os conhecimentos da criana sero ordenados em trno de sua rua, de sua cidade; os do adulto, por isso que a sua viso mental muito mais larga, libertam-se dessas condies prximas, para se classificarem em trno de conceitos gerais, e portanto, abstratos. Uns e outros, porm, se processam da mesma forma e esto, embora em graus diferentes, no curso da mesma escala. Logo, em cada momento da vida, uma determinada pessoa tem um saber prprio, com os seus resultados intrnsecamente organizados e o seu aspecto lgico derivado.

No parea isso extravagante. A organizao lgica no po