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ANÁLISE DAS PROPRIEDADES DA BASE DE SOLO CIMENTO DETERIORADA PARA FINS DE RECICLAGEM PROFUNDA DE PAVIMENTOS Cássio Eduardo Lima de Paiva 1 ; Paulo César Arrieiro de Oliveira 2 1 Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Geotecnia de Transportes, Av. Albert Einstein, 951. Cx. Postal: 6021 - CEP: 13083-852 – Campinas/Brasil. e-mail: [email protected] http://www.fec.unicamp.br 2 Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Geotecnia de Transportes, Av. Albert Einstein, 951. Cx. Postal: 6021 - CEP: 13083-852 – Campinas/Brasil. e-mail: [email protected] RESUMO Neste trabalho são analisadas as propriedades da base de solo cimento deteriorada para fins de reciclagem profunda de pavimentos. São descritas as características da mistura envelhecida de solo cimento, identificando e analisando as propriedades que mais contribuem para fácil interação do material com o ligante usado na reciclagem. Para tanto, foram realizadas análises químicas, mineralógicas e de resistência mecânica de amostras de base de solo cimento extraída do pavimento. Os resultados obtidos permitiram melhor compreensão sobre as reações do cimento Portland com o material estudado e ampliaram o poder preditivo sobre o comportamento da base de solo cimento reciclada. PALAVRAS-CHAVE: Bases de solo cimento, estabilização de solos com cimento, reciclagem profunda de pavimentos, mecanismos de degradação da base de solo cimento. 1 INTRODUÇÃO O sucesso alcançado com o solo cimento já nas primeiras experiências estimulou a construção de milhares de quilômetros de estradas pavimentadas no estado de São Paulo logo após o término da 2ª guerra mundial. Naquele tempo ocorreu um desenvolvimento acelerado no interior do estado devido ao aparecimento de grandes pólos de atração de recursos. A pujança econômica era visível em algumas cidades e a demanda por estradas pavimentadas foi aumentando no ritmo ditado pelas necessidades da época. Grande parte destas estradas foi pavimentada em regiões carentes de agregados pétreos e do ponto de vista econômico, a pavimentação nestas localidades só foi possível com a chegada da tecnologia do solo cimento ao Brasil. Uma das grandes vantagens desta técnica é que o solo constitui a maior parcela da mistura e por ser um material abundante representa uma solução de custo competitivo quando comparado aos materiais britados. Estas condições foram determinantes para introdução do solo cimento na região oeste do estado de São Paulo. Aquela região é carente de jazidas de pedra, mas por outro lado é caracterizada por extensas áreas cobertas por solos arenosos de textura média e de baixa plasticidade, resultantes da decomposição do arenito Bauru, considerado de mistura fácil e homogênea com o cimento. Solos com tais propriedades geralmente requerem baixos teores de cimento para serem estabilizados e facilitam o processo de execução em grande escala. Logo, naquela época ficou evidente a preferência pelo solo cimento em pavimentação. Além de representar uma solução rápida e econômica, a mistura do solo com o cimento promove um aumento da capacidade estrutural do pavimento reduzindo de forma significativa as tensões transmitidas ao terreno de fundação. Mas, apesar de melhorar o desempenho estrutural, a adição do cimento gera uma coesão química muito elevada no solo e dependendo do teor de cimento utilizado poderá resultar num material demasiadamente duro e de elevada rigidez à flexão, propenso a quebrar sob as cargas do tráfego. Teores elevados de cimento ainda podem propiciar o aparecimento de trincas por retração e outras falhas que causam a degradação acelerada da camada cimentada e a redução da vida útil do pavimento. Hoje em dia muitos pavimentos com base em solo cimento se encontram no fim de sua vida de projeto, alguns dos quais estiveram em serviço por mais de 50 anos e sua condição falimentar demanda por intervenções profundas de restauração. No entanto, não há consenso no meio técnico quanto a solução mais eficaz para tratar defeitos típicos da base de solo cimento. As normas brasileiras para restauração de pavimentos tendem priorizar soluções de superfície do tipo fresagem com reposição de massa asfáltica acompanhada de recapeamento

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ANÁLISE DAS PROPRIEDADES DA BASE DE SOLO CIMENTO DETERIORADA PARA FINS DE RECICLAGEM

PROFUNDA DE PAVIMENTOS Cássio Eduardo Lima de Paiva1; Paulo César Arrieiro de Oliveira2 1 Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Geotecnia de Transportes, Av. Albert Einstein, 951. Cx. Postal: 6021 - CEP: 13083-852 – Campinas/Brasil. e-mail: [email protected] http://www.fec.unicamp.br 2 Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Geotecnia de Transportes, Av. Albert Einstein, 951. Cx. Postal: 6021 - CEP: 13083-852 – Campinas/Brasil. e-mail: [email protected]

RESUMO Neste trabalho são analisadas as propriedades da base de solo cimento deteriorada para fins de reciclagem profunda de pavimentos. São descritas as características da mistura envelhecida de solo cimento, identificando e analisando as propriedades que mais contribuem para fácil interação do material com o ligante usado na reciclagem. Para tanto, foram realizadas análises químicas, mineralógicas e de resistência mecânica de amostras de base de solo cimento extraída do pavimento. Os resultados obtidos permitiram melhor compreensão sobre as reações do cimento Portland com o material estudado e ampliaram o poder preditivo sobre o comportamento da base de solo cimento reciclada. PALAVRAS-CHAVE: Bases de solo cimento, estabilização de solos com cimento, reciclagem profunda de pavimentos, mecanismos de degradação da base de solo cimento. 1 INTRODUÇÃO O sucesso alcançado com o solo cimento já nas primeiras experiências estimulou a construção de milhares de quilômetros de estradas pavimentadas no estado de São Paulo logo após o término da 2ª guerra mundial. Naquele tempo ocorreu um desenvolvimento acelerado no interior do estado devido ao aparecimento de grandes pólos de atração de recursos. A pujança econômica era visível em algumas cidades e a demanda por estradas pavimentadas foi aumentando no ritmo ditado pelas necessidades da época. Grande parte destas estradas foi pavimentada em regiões carentes de agregados pétreos e do ponto de vista econômico, a pavimentação nestas localidades só foi possível com a chegada da tecnologia do solo cimento ao Brasil.

Uma das grandes vantagens desta técnica é que o solo constitui a maior parcela da mistura e por ser um material abundante representa uma solução de custo competitivo quando comparado aos materiais britados. Estas condições foram determinantes para introdução do solo cimento na região oeste do estado de São Paulo. Aquela região é carente de jazidas de pedra, mas por outro lado é caracterizada por extensas áreas cobertas por solos arenosos de textura média e de baixa plasticidade, resultantes da decomposição do arenito Bauru, considerado de mistura fácil e homogênea com o cimento. Solos com tais propriedades geralmente requerem baixos teores de cimento para serem estabilizados e facilitam o processo de execução em grande escala. Logo, naquela época ficou evidente a preferência pelo solo cimento em pavimentação.

Além de representar uma solução rápida e econômica, a mistura do solo com o cimento promove um aumento da capacidade estrutural do pavimento reduzindo de forma significativa as tensões transmitidas ao terreno de fundação. Mas, apesar de melhorar o desempenho estrutural, a adição do cimento gera uma coesão química muito elevada no solo e dependendo do teor de cimento utilizado poderá resultar num material demasiadamente duro e de elevada rigidez à flexão, propenso a quebrar sob as cargas do tráfego. Teores elevados de cimento ainda podem propiciar o aparecimento de trincas por retração e outras falhas que causam a degradação acelerada da camada cimentada e a redução da vida útil do pavimento.

Hoje em dia muitos pavimentos com base em solo cimento se encontram no fim de sua vida de projeto, alguns dos quais estiveram em serviço por mais de 50 anos e sua condição falimentar demanda por intervenções profundas de restauração. No entanto, não há consenso no meio técnico quanto a solução mais eficaz para tratar defeitos típicos da base de solo cimento. As normas brasileiras para restauração de pavimentos tendem priorizar soluções de superfície do tipo fresagem com reposição de massa asfáltica acompanhada de recapeamento

estrutural. Estas soluções não tratam o problema na origem que é o trincamento da base de solo cimento por fadiga e, portanto intervenções desta natureza constituem soluções caras, pouco duradouras e recorrentes.

A reciclagem profunda pode ser uma opção mais racional e econômica, pois atinge espessuras maiores do que o recapeamento resolve os problemas estruturais da camada degradada e aproveita os materiais existentes. Na reciclagem o pavimento é reconstruído parcialmente, triturando-o e estabilizando-o com uma baixa quantidade de cimento Portland. Este fato se deve à fácil interação do ligante com a mistura envelhecida de solo cimento. Mesmo em pequenas quantidades, o cimento adicionado é suficiente para aglomerar as partículas do material formando uma massa sólida e com capacidade estrutural adequada para suportar o tráfego previsto. 2 OBJETIVOS O propósito desta pesquisa foi analisar as razões pelas quais a ação do cimento é favorecida na reciclagem da base de solo cimento deteriorada. Para este fim, foram desenvolvidos ensaios de laboratório para caracterizar as propriedades geotécnicas, químicas, mineralógicas e de resistência mecânica de uma amostra de base de solo cimento extraída do pavimento.

Pretende-se desse modo apresentar uma alternativa aos métodos convencionais de restauração de pavimentos com base cimentada. Para estes casos, a reciclagem profunda é a solução mais interessante, pois integra requisitos técnicos, econômicos e ambientais. Espera-se também, que este estudo contribua para que haja um maior número de casos de obras bem sucedidas e pavimentos restaurados mais duráveis. 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 3.1 Mecanismos de degradação da base de solo cimento A maioria dos problemas das bases de solo cimento deriva do fato de que os procedimentos para determinar o percentual de cimento na mistura baseiam-se principalmente na resistência a compressão simples sem levar em consideração a previsão de comportamento da camada cimentada. O teor de cimento requerido pode até resultar numa camada com elevada resistência, mas não garante necessariamente um bom desempenho em longo prazo [1].

Em geral, a resistência do solo aumenta linearmente com a quantidade de cimento, porém, maiores teores induzem o aparecimento de trincas por retração, ocasionada pelo excesso de rigidez da mistura cimentada ou pelas condições inadequadas de hidratação do cimento. O desenvolvimento dessas trincas são mais comuns nos solos siltosos e argilosos. De acordo com Caltabiano & Rawlings [2] o tipo de argila mineral presente no solo também favorece o aparecimento de trincas por retração, com o grupo esmectita exercendo influencia mais pronunciada. A figura 1 mostra o mecanismo pelo qual a trinca por retração é refletida para superfície do pavimento.

Fig 1. Propagação da trinca por retração para o revestimento Adaptado de Titi et al [3]

Trincas por retração são resultantes das tensões de tração ocorridas durante a hidratação da mistura solo cimento e normalmente são propagadas para superfície do pavimento na forma de trincas em blocos. A partir daí o pavimento fica propenso à degradação acelerada, pois as águas pluviais se infiltram através das fissuras e devido ao carregamento repetitivo do tráfego, as partículas finas da camada inferior são expulsas por meio de um processo de bombeamento. Esta ação é responsável pela perda de apoio da base cimentada e geralmente provoca rápida deterioração do pavimento na forma defeitos localizados como rodeiras, panelas e trincas por fadiga [3].

Outro fator determinante para deterioração da base de solo cimento pode ter origem no revestimento asfáltico. Para Villibor et al [4], no caso das bases de solo cimento revestidas com tratamentos superficiais invertidos também ocorre o fenômeno da formação de panelas no revestimento devido ao desgaste em função da oxidação do ligante. A oxidação do ligante do revestimento resulta de um efeito combinado do oxigênio do ar e da luz solar, além de outros fatores climáticos. Nas bases de Solo-Cimento revestidas de CBUQ (Concreto Betuminoso Usinado a Quente) ocorre desgaste no revestimento também ligado à oxidação do ligante, mas em menor escala que nos tratamentos superficiais. Caso ocorra intensamente, haverá exposição da base à ação das rodas dos veículos e, conseqüentemente, “formação de panelas” na mesma. Outro fato causador deste mesmo defeito ocorre nas regiões onde as trincas dos blocos da base se propagam para o revestimento oxidado e dão origem a pontos de arrancamento de agregados pelo tráfego.

A presença de trincas muito abertas na capa asfáltica (figura 2) facilita à entrada de água para dentro da base cimentada dando início à formação de panelas. A figura 3 destaca o trincamento superficial da base de solo cimento, o qual provoca uma desagregação progressiva do revestimento dando também início ao aparecimento de panelas.

Fig 2. Abertura de trincas na capa asfáltica Fig 3. Trincas da base de solo cimento A deformação das camadas inferiores também é um fator responsável pela degradação da base de solo cimento. No caso de subleitos constituídos por solos argilosos, Prusinski & Bhattacharja [5] salientam que as principais causas são a contração e a expansão do solo quando submetidos a variações no teor de umidade. Pavimentos localizados em regiões com subleito em solo argiloso estão sujeitos a mudanças volumétricas que podem causar instabilidade no pavimento. Quando seco, o solo argiloso do subleito é muito resistente, mas à medida vai aumentando seu teor de umidade, a plasticidade também aumenta e diminui drasticamente sua resistência.

Como a base de solo cimento não possui elasticidade suficiente para se ajustar às deformações provocadas nas camadas inferiores, ocorre um elevado trincamento devido às tensões de tração na parte inferior da camada cimentada. Nestas condições, o pavimento entra em processo falimentar irreversível podendo chegar ao ponto de ser totalmente reconstruído a um custo elevado.

As figuras abaixo ilustram duas situações antagônicas: A figura 4 mostra o perfil longitudinal de um pavimento com base de solo cimento fragmentada devido à deformação da camada inferior. Já a figura 5, apresenta a base de solo cimento em boas condições, caracterizada por uma placa rígida apoiada em uma camada consolidada. Fig 4. Base de solo cimento fragmentada Fig 5. Base íntegra de solo cimento

A base de solo cimento é basicamente uma laje de concreto de menor resistência. Ela não tem reforço ou articulações para neutralizar tensões e, portanto, deve possuir boa resistência à tração e estar devidamente apoiada na camada subjacente para resistir às tensões e ao aparecimento de trincas [6].

Importante destacar que nas bases de solo cimento, pequenas variações de espessura implicam em grandes variações na vida útil do pavimento. 3.2 Considerações sobre a reciclagem profunda de pavimento A experiência brasileira em reciclagem profunda remonta ao início dos anos 90 por ocasião da restauração de um trecho da rodovia DF 065 no Distrito Federal. Naquela época utilizou-se uma fresadora de asfalto para reconstruir parcialmente a estrutura do pavimento por meio da incorporação da capa asfáltica à base.

Ainda no início da década de 90 chegaram ao país as primeiras recicladoras sobre pneus, equipamentos mais sofisticados e de grande desempenho, que trituram o pavimento e simultaneamente incorporam aditivos estabilizadores. Desde então a técnica de reciclagem profunda evoluiu e se desdobrou em várias modalidades, dentre elas, a reciclagem com adição de cimento.

A reciclagem com adição de cimento é, portanto, uma técnica de reconstrução parcial do pavimento. O processo consiste em triturar mecanicamente parte do pavimento e misturá-lo com cimento Portland previamente espalhado na pista. Depois de devidamente compactado, o material reciclado absorve muito bem os esforços gerados pelo tráfego e suas principais características são: Resistência, baixa deformabilidade, durabilidade na presença de água e às variações de temperatura.

Atualmente a reciclagem com cimento é uma técnica bastante difundida no meio rodoviário e se transformou numa demanda real, seja por sua importância no contexto do desenvolvimento sustentável (devido ao aproveitamento dos materiais existentes no pavimento), seja pela rapidez de execução. Acrescenta-se ainda que o pavimento deteriorado pode se transformar em uma estrutura mais resistente, além do que apresenta custos mais competitivos do que algumas soluções tradicionais. Estes são alguns dos fatores que validam o emprego da reciclagem com adição de cimento na recuperação da malha viária brasileira que se encontra bastante deteriorada em grande parte de sua extensão, especialmente os pavimentos com base cimentada.

Conforme mencionado, os pavimentos em solo cimento muitas vezes atingem um estágio de deterioração tão avançado que os processos convencionais são ineficazes para assegurar o sucesso da restauração. Nestes casos, a reciclagem profunda é a solução mais efetiva porque atua no mesmo horizonte da base de solo cimento deteriorada, pulverizando-a e estabilizando-a com cimento, conforme apresentado na figura 6.

Fig 6. Esquema de reciclagem da base de solo cimento Adaptado de Amecrican Road Reclaimers [7]

Ainda na fase de projeto, deve-se coletar amostras do pavimento para elaboração do projeto de dosagem da mistura reciclada. Este procedimento é realizado com o auxílio da própria recicladora que será utilizada nos serviços de reciclagem. É fundamental que a coleta de amostras seja feita de forma a cobrir todas as possíveis variações da estrutura do pavimento existente. A cada uma destas variações corresponde um segmento homogêneo, para o qual deverá ser elaborado um projeto de dosagem específico.

O projeto de dosagem objetiva determinar o teor de cimento, a densidade seca máxima do material e a umidade ótima que será empregado na execução dos serviços. Recomenda-se baixos teores para minimizar o aparecimento de trincas por retração e futuras trincas por fadiga do material reciclado, além disso, como medida adicional de precaução, Oliveira [8] sugere aplicar sobre a camada reciclada tratamentos especiais como asfaltos modificados, mantas geossintéticas ou camadas granulares para inibir a propagação de trincas até a superfície do

pavimento. Luhr, Adaska & Halsted [9], ainda reforçam que os efeitos do enrijecimento podem ser evitados utilizando-se camadas mais espessas e com baixos teores ao invés de se empregar camadas esbeltas estabilizadas com elevados teores de cimento.

A resistência à compressão simples é o parâmetro mais referenciado para a concepção da reciclagem profunda. Apesar de serem recomendados baixos teores de cimento, não há consenso no meio rodoviário quanto ao valor mínimo de resistência a compressão que a camada reciclada deverá adquirir. Para Lotfi & Witczack [10], o teor ótimo de cimento depende do tipo de material e sua granulometria. Portanto, para alcançar maiores resistências com menores teores, o ideal é que o material reciclado tenha uma composição granulométrica bem graduada, com menores quantidades de vazios e maiores quantidades de pontos de contatos entre grãos e a pasta de cimento após sua compactação e cura. 4 PROGRAMA EXPERIMENTAL

4.1 Planejamento do experimento

O experimento foi realizado com amostras coletadas de um pavimento com base em solo cimento. Na oportunidade foram extraídas amostras da capa asfáltica e da base de solo cimento separadamente com o auxílio de uma recicladora de pavimentos, conforme ilustrado nas figuras 7 e 8, respectivamente.

Fig 7. Coleta de amostras da capa asfáltica Fig 8. Coleta de amostras da base de solo cimento

A coleta seletiva impediu que a base de solo cimento fosse misturada com a capa asfáltica durante o processo de trituração do pavimento e assim possibilitou a análise do material sem a presença de resíduos do revestimento asfáltico.

O programa experimental contemplou duas etapas: 1) Caracterização da base de solo cimento triturada; 2) Avaliação das propriedades mecânicas do material reciclado (capa asfáltica + base) estabilizado com

3% em peso de cimento Portland.

A taxa de cimento foi fixada em 3% em peso porque este percentual é empregado na maioria das obras de reciclagem de pavimentos no Brasil. Baixos teores são usados para mitigar os efeitos nocivos da retração do cimento e da rigidez exacerbada. Esta pesquisa não tem o propósito de avaliar ganho de resistência em função da variação do teor de cimento.

Os ensaios realizados para caracterização da base de solo cimento foram os seguintes:

� Caracterização geotécnica: Ensaios de granulometria por peneiramento e sedimentação, peso específico dos grãos e Limites de Atterberg;

� Ensaio de compactação na energia Proctor Modificado; � Ensaio de CBR - Índice de Suporte Califórnia; � Classificação dos solos, segundo metodologias HRB e USCS; � Permeabilidade e Cisalhamento direto. � Caracterização química: Determinação da capacidade de troca catiônica (CTC), valor do PH e

quantificação de matéria orgânica de modo a se inferir sobre o possível desenvolvimento de reações pozolânicas;

� Caracterização mineralógica: Difração de Raio-X para identificar seus componentes e a formação de minerais na forma cristalina.

A avaliação das propriedades mecânicas do material reciclado (capa asfáltica + base de solo cimento triturada) foi referenciada nos ensaios a seguir:

� Resistência a compressão simples aos sete dias de cura; � Resistência a tração por compressão diametral aos sete dias de cura.

4.2 Materiais Os materiais empregados neste programa experimental foram:

• Capa asfáltica fresada obtida a partir da desagregação do revestimento asfáltico por uma recicladora de pavimentos;

• Base de solo cimento triturada também extraída da pista com auxílio de recicladora; • Cimento Portland CP II E 32. A escolha deste cimento foi determinada pela sua disponibilidade no

comércio de Campinas. 4.2.1 Caracterização da base de solo cimento As propriedades geotécnicas da base de solo cimento encontram-se expressas no quadro 1, enquanto na Figura 9, apresentam-se as curvas de distribuição granulométrica da capa fresada e da base de solo cimento triturada.

Quadro 1. Propriedades geotécnicas da base de solo cimento

PROPRIEDADES ANALISADAS

BASE DE SOLO

CIMENTO TRITURADA (%) que passa

GR

AN

UL

OM

ET

RIA

A

BN

T N

BR

718

2/84

Peneiras (Abertura)

1” (25,4 mm) 100 3/4” (19,0 mm) 98,7 3/8” (9,53 mm) 80,7 Nº 4 (4,76 mm) 69,7 Nº 10 (2,0 mm) 50,9 Nº 16 (1,2 mm) 49,5 Nº 30 (0,60 mm) 47,6 Nº 40 (0,42 mm) 46,8 Nº 60 (0,25 mm) 42,1 Nº 100 (0,15 mm) 25,1 Nº 200 (0,075 mm) 15,4

Pedregulho Grosso (20 – 60 mm) - Médio (6 – 20 mm) 26,7 Fino (2 – 6 mm) 22,0

Areia

Grossa (0,6 – 2,0 mm)

3,4

Média (0,2 – 0,6 mm)

13,1

Fina (0,06 – 0,2 mm) 22,3 Silte (0,002 – 0,6 mm) 10,8

Argila (< 0,002 mm) 1,7 Massa específica dos grãos (g/cm³) – ABNT NBR 6508/84 2,74 Limite de Liquidez (%) – ABNT NBR 6459/84 NP Limite de Plasticidade (%) – ABNT NBR 7180/84 NP Índice de Plasticidade (%) NP Compactação (P.Normal)

Massa específica aparente seca máxima (KN/m³) 17,87 Umidade ótima (%) 15,7

Índice de Suporte Califórnia ABNT NBR 9895/86

CBR (%) 5,6 Expansão (%) 0,14

Cisalhamento direto Ângulo de atrito (°) 39,6 Coesão (KPa) 38,0

Permeabilidade (m/s) 5,2 × 10 -6

Índice de grupo 0

Classificação do solo H.R.B A-1b SUCS GW

DISTRIBUIÇÃO GRANULOMÉTRICA

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

0,0 0,1 1,0 10,0 100,0

Abertura

(mm)

(%)

qu

e p

ass

a

Base de solo cimento triturada Capa asfáltica fresada

Fig 9. Curva de distribuição granulométrica da capa e da base

A análise química da base triturada foi realizada de acordo com os procedimentos preconizados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EMBRAPA [11]. Os valores de interesse nesta análise são o pH e a capacidade de troca catiônica – CTC. O pH do solo foi determinado potenciometricamente em suspensão solo:líquido (água destilada e CaCl2), 1:2,5 (volume/volume), com o tempo mínimo de 1 hora de agitação da suspensão antes da leitura. Para determinação da capacidade de troca catiônica foram definidos valores dos cátions do solo (K, Ca, Mg, Al e H) por método volumétrico.

No quadro 2 estão descritos os resultados da análise química da base triturada de solo cimento:

Quadro 2. Análise química da base pH % P (ppm) mEq/100 ml TFSA

CaCl2 Água M.O Me Re K Ca Mg Al H CTC V%

8,30 8,90 2,60 n/d 12,90 0,31 12,30 0,90 0,10 0,50 14,11 95,75

Análise realizada no Laboratório Agronômico Ltda

A caracterização mineralógica foi realizada no Laboratório de Preparação e Caracterização de Materiais do Instituto de Física - LPCM da UNICAMP e consistiu na difração de raios-X, usando o método Rietvel*, na análise estrutural das fases cristalográficas presentes na amostra de solo cimento. A amostra foi destorroada e submetida a peneiramento de 20 µm. As medidas foram obtidas no difratômetro para amostras policristalinas Philips PW1710, com 30 mA e 40 kV, geometria Bragg-Brentano, radiação CuKα, incluindo um monocromador para feixe de raios X difratado, passos de 0,03° e tempo de aquisição de 1 segundos por ponto medido.

A Figura 10 apresenta o difratograma de raio-X da fração da amostra passante na peneira 20 µm, no estado natural.

Fig. 10. Difratograma de raio-X da amostra de solo cimento

A análise quantitativa da amostra apresentou os seguintes elementos: Quartzo (39,74%), Caolinita (31,96%), Muscovita (12,26%), Hematita (10,83%) e calcita (5,21%). 4.2.2 Cimento Portland O cimento utilizado neste estudo foi o CP II E 32. A escolha deste cimento foi determinada pela disponibilidade deste ligante no comércio de Campinas. De acordo com a NBR 11578/91, o cimento CP II E 32 é um cimento composto por clínquer e gesso (56 a 94%), escória de alto forno (6 a 34%) e material carbonático (0 a 10%). 4.3 Avaliação das propriedades de resistência do material reciclado Para avaliação das propriedades de resistência da mistura reciclada (capa asfáltica fresada + base) foram desenvolvidas as seguintes etapas:

� Etapa 1:Mistura dos materiais nas seguintes proporções (em massa): 30% capa fresada + 70% de base + 3% cimento. Representando a reciclagem de pavimento constituído com cerca de 6 cm de espessura de capa asfáltica e com 15 cm de base de solo cimento. O teor de cimento é o mesmo usado na maioria das obras de reciclagem no país.

� Etapa 2: Ensaio de compactação na energia Modificada para determinação do peso específico aparente seco máximo (γsmáx) e a umidade ótima (ωot);

� Etapa 3: Moldagem dos corpos de prova (CP’s) em moldes cilíndricos com diâmetro igual a 10 cm e altura = 20 cm;

� Etapa 4: Rompimento dos CP’s por compressão simples e diametral com sete dias de idade.

A granulometria da mistura capa asfáltica fresada + base de solo cimento triturada pode ser vista no quadro 3.

Quadro 3. Granulometria da mistura contendo 30% de capa asfáltica fresada e 70% de base triturada GRANULOMETRIA – ABNT NBR 7181

(%) passante 1” 3/8” Nº 4 Nº 10 Nº 40 Nº 200

(25,4 mm)

(9,5 mm) (4,8 mm) (2,0 mm) (0,42 mm)

(0,074 mm)

100 80,3 63,2 48,9 33,3 8

Os resultados de resistência à compressão simples e tração por compressão diametral foram tabulados para obtenção da média aritmética e desvio padrão (SD) dos valores obtidos e estão descritos no quadro 4:

Quadro 4. Resultados obtidos no ensaio de resistência usando 3% (em peso) de cimento Portland.

Propriedade Resistência (MPa) Média Desvio Padrão

RCS 2,49 2,35 2,58 2,32 2,59 2,47 0,13

RCD 0,21 0,23 0,22 0,24 0,20 0,22 0,01

RCS = Resistência a Compressão Simples. RCD = Resistência a Compressão por Tração Diametral 5 ANÁLISE DOS RESULTADOS A granulometria do material reciclado foi determinante para alcançar bons valores de resistência. O percentual de material passante na peneira Nº 4 foi superior a 55%, conforme recomendado pelo Guide to Full-Depth Reclamation With Cement [12]. Este fato se deve à participação do solo cimento na mistura que preencheu os vazios deixados pela fração pedregulho criando ligações nos contatos intergranulares e promovendo uma resistência mecânica mais efetiva. A cimentação das partículas também foi favorecida pela pequena percentagem de silte e argila e pela ausência de plasticidade do material.

Os resultados dos ensaios de compressão simples e diametral indicam que a mistura reciclada com apenas 3% (em peso) de cimento foi suficiente para desenvolver processos físicos químicos de ganho de resistência. Os valores obtidos atenderiam plenamente aos recomendados pelo organismo supracitado (Guide to Full Depth Reclamation With Cement).

Observa-se do difratograma de raio-X da figura 14, que a mineralogia da base de solo cimento é composta fundamentalmente de quartzo, caolinita e hematita, destacando-se picos com maiores e menores intensidades, característicos do quartzo. A predominância deste mineral confirma os resultados de granulometria que mostraram grande percentual de areia no material. Na fração fina, destaca-se a predominância do argilo mineral caolinita, confirmando a possibilidade do emprego do cimento como agente estabilizante do material reciclado. A análise química da base de solo cimento revelou baixo valor da CTC (14,1), típica da caolinita, compatível com a mineralogia do solo. O valor de CTC não induz troca de íons já que o material é eminentemente arenoso. O teor de matéria orgânica (2,60) também é baixo e não compromete o processo de ganho de resistência do cimento. Destaca-se valor elevado de pH da base de solo cimento (8,9), conferindo-lhe natureza alcalina que favorece o processo de endurecimento do gel de cimento e a cristalização do material. 6 CONCLUSÃO Por meio das análises realizadas foi possível verificar o desenvolvimento de resistência do material reciclado usando uma pequena quantidade de cimento Portland. Os ensaios de resistência vêm corroborar esta afirmação, onde foram utilizados 3% de cimento em peso e obteve-se uma expressiva resistência. Valores desta ordem credenciam o emprego da reciclagem na recuperação de pavimentos com base em solo cimento, destacando-se a possibilidade de diminuição do consumo de cimento e a redução dos efeitos nocivos causados pelo excesso de rigidez da camada reciclada. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Profº Lisandro Cardoso e ao Mestrando Guilherme Calligaris do Instituto de Física da UNICAMP pela realização do ensaio de Difração de Raio X e a empresa Tecnopav Engenharia (Encarregado Geral Modésceno Oliveira Santos) pela coleta das amostras do pavimento e o seu envio ao laboratório e ao Sr. Gilson Ricardo pela realização das moldagens e rompimentos dos CP’s.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. GUTHRIE, W.S.; SEBESTA, S.; SCULLION, T. Selecting Optimum Cement Contents for

Stabilizing Aggregate Base Material. Texas Transportation Institute, Austin, 2002.

2. CALTABIANO, M. A., R. E. RAWLINGS. Treatment of Reflection Cracks in Queensland. Proceedings of the Seventh International Conference on Asphalt Pavements, Nottingham, England, 1992, pp. 1-21.

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