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FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS ISSN 1234-5678 Nº 325 Outubro / 2007 Mario Carlos Beni e Maria Cristina Cacciamali destacam a importância da criação da Escola de Altos Estudos de Negócios e Turismo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil. Otaviano Canuto analisa as potenciais vantagens que as economias latino-americanas apresentam por ocuparem posição retardatária no processo de incorporação das inovações financeiras. Diva Benevides Pinho e Marcio Issao Nakane avaliam, para a América Latina, os benefícios do elevado retorno dos investimentos em arte vis-à-vis o alto risco envolvido neste tipo de investimento. Sergio Naruhiko Sakurai conclui série de artigos analisando quais fatores políticos e econômicos impactam os resultados fiscais nos municípios paulistas. Tiago Toledo Ferreira e Guilherme Penin analisam, à luz do arcabouço teórico de Hyman Minsky, a recente crise imobiliária americana bem como as políticas adotadas na ocasião. Em Nota de Conjuntura, Rodrigo Celoto e Fernando Homem de Melo destacam que o nosso atual ciclo de crescimento é liderado pela demanda privada e pela oferta de recursos privados. Rodrigo Celoto apresenta os resultados das finanças públicas brasileiras do primeiro semestre de 2007 em comparação com o mesmo período do ano anterior. Roberto Luis Troster aponta a permissividade inflacionária e a dinâmica fiscal como principais responsáveis pela decisão do Copom em manter a taxa básica de juros de 11,25%. Hélio Nogueira da Cruz aponta a redução do superávit da balança comercial como uma tendência de longo prazo e destaca o papel da política industrial para a sustentabilidade do crescimento econômico. análise de conjuntura temas de economia aplicada

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FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS

ISSN 1234-5678

Nº 325 Outubro / 2007

Mario Carlos Beni e Maria Cristina Cacciamali destacam a importância da criação da Escola de Altos Estudos de Negócios e Turismo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil.

Otaviano Canuto analisa as potenciais vantagens que as economias latino-americanas apresentam por ocuparem posição retardatária no processo de incorporação das inovações financeiras.

Diva Benevides Pinho e Marcio Issao Nakane avaliam, para a América Latina, os benefícios do elevado retorno dos investimentos em arte vis-à-vis o alto risco envolvido neste tipo de investimento.

Sergio Naruhiko Sakurai conclui série de artigos analisando quais fatores políticos e econômicos impactam os resultados fiscais nos municípios paulistas.

Tiago Toledo Ferreira e Guilherme Penin analisam, à luz do arcabouço teórico de Hyman Minsky, a recente crise imobiliária americana bem como as políticas adotadas na ocasião.

Em Nota de Conjuntura, Rodrigo Celoto e Fernando Homem de Melo destacam que o nosso atual ciclo de crescimento é liderado pela demanda privada

e pela oferta de recursos privados.

Rodrigo Celoto apresenta os resultados das finanças públicas brasileiras do primeiro semestre de 2007 em comparação com o mesmo período do ano anterior.

Roberto Luis Troster aponta a permissividade inflacionária e a dinâmica fiscal como principais responsáveis pela decisão do Copom em

manter a taxa básica de juros de 11,25%.

Hélio Nogueira da Cruz aponta a redução do superávit da balança comercial como uma tendência de longo prazo e destaca o papel da política

industrial para a sustentabilidade do crescimento econômico.

análise de conjuntura

temas de economia aplicada

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INFORMAÇÕES FIPE É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DE CONJUNTURA ECONÔMICA DA FUNDAÇÃO

ISSN 1234-5678

CONSELHO CURADOR

Hélio Nogueira da Cruz (Presidente) André Franco Montoro Filho

Andrea Sandro Calabi Joaquim José Martins Guilhoto

Ricardo Abramovay Maria Cristina Cacciamali

Simão Davi Silber

DIRETORIA

DIRETOR PRESIDENTE

Carlos Antonio Luque

DIRETOR DE PESQUISA

Eduardo Haddad

DIRETOR DE CURSOS

Marcos Eugênio da Silva

PÓS-GRADUAÇÃO

Dante Mendes Aldrighi

SECRETARIA EXECUTIVA

Domingos Pimentel Bortoletto

PREPARAÇÃO DE ORIGINAIS E REVISÃO

Alina Gasparello de Araujo

EDITOR CHEFE

Gilberto Tadeu Lima

CONSELHO EDITORIALIvo Torres

Lenina Pomeranz Luiz Martins Lopes

José Paulo Z. Chahad Maria Cristina Cacciamali

Maria Helena Pallares Zockun Simão Davi Silber

ASSISTENTE

Maria de Jesus Soares

PROGRAMAÇÃO VISUAL E COMPOSIÇÃO

Sandra Vilas Boas

Nº 325 OUTUBRO DE 2007

AS IDÉIAS E OPINIÕES EXPOSTAS NOS ARTIGOS SÃO DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DOS AUTORES, NÃO REFLETINDO A OPINIÃO DA FIPE

ANÁLISE DE CONJUNTURA

nota de conjuntura ......................................................................................................... 3RodRigo Celoto, FeRnando Homem de melo

finanças públicas ............................................................................................................ 5RodRigo Celoto

política monetária .......................................................................................................... 7RobeRto luis tRosteR

setor externo ..................................................................................................................... 9Hélio nogueiRa da CRuz

TEMAS DE ECONOMIA APLICADA

11 ..... a criação da Escola de Altos Estudos de Negócios do Turismo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas

máRio CaRlos beni, maRia CRistina CaCCiamali

14 ................................... securitization in Latin America: advantages of latecomers otaviano Canuto

18 .................................... arte na América Latina: exemplo de análise econométrica diva benevides PinHo, máRCio issao nakane

24 ..................... déficit fiscal nos municípios paulistas: quais seus determinantes?seRgio naRuHiko sakuRai

27 ..................... a crise imobiliária norte-americana sob a ótica de Hyman MinskyTiago Toledo Ferreira, Guilherme Penin

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análise de conjuntura

investimento pelo sistema financeiro. Essa oferta deverá continuar em forte expansão, não somente no mercado de capitais, mas também no sistema bancário. Já estamos observando uma explosão de emissões de ações, debêntures, operações de private equity e venture capital. Além disso, o financiamen-to imobiliário e o crédito à pessoa jurídica estão em fortíssima expansão.

Para as empresas de capital aberto pode-se dizer que, hoje, o custo de capital no Brasil é bem inferior ao retorno médio dos seus ativos. Na situação econômica atual, as empresas têm um forte incentivo à captação de recursos para aumentar seus investimentos. A não redução da taxa SELIC não deverá afetar esse proces-so, principalmente se for temporária.

As empresas médias e as grandes de capital fechado continuarão a ter um forte incentivo para abrir seu capital para se financiar de forma barata e alcançar uma taxa de crescimento maior que a permitida so-mente pela retenção de lucros.

Desse modo, podemos dizer que não somente o lado da demanda vai permitir mais uma diminuição do ainda elevado patamar da taxa de juros no Brasil. O lado da oferta também deverá contribuir e de forma

Em 17 de outubro o Banco Central, contrariando al-gumas expectativas, decidiu interromper a seqüência de dezoito cortes da taxa SELIC (desde setembro de 2005). Esta foi mantida em 11,25% ao ano. Foi, entre-tanto, uma decisão em um momento em que a taxa de crescimento dos preços (o IPCA) vem se acelerando e a economia se encontra aquecida. O IPCA para 2007 já mostra uma expectativa de 3,91%, e de 4,0% para 2008. Apesar dos maiores valores, ainda estamos abaixo do centro da meta, de 4,5%, o que nos dá uma margem de segurança. Em parte, pelo menos, isso é devido à alta dos alimentos (11,2% nos últimos doze meses).

É natural que depois das expressivas reduções re-centes nos juros o Banco Central diminua o ritmo e espere, prudentemente, a chegada de informações adicionais sobre a dinâmica da economia. No entan-to, mantido o atual cenário internacional, o Banco Central deverá voltar a diminuir a taxa de juros nos próximos meses. A redução do superávit externo, in-clusive com uma valorização adicional do real, abre grande espaço para a manutenção do crescimento da absorção doméstica.

Adicionalmente, existe uma variável favorável do lado da oferta para incrementar o crescimento do produto potencial: é a oferta de financiamento de

RodRigo Celoto (*) FeRnando Homem de melo (**)

nota de conjuntura: o cenário internacional permitirá a

retomada das quedas de juros1

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não desprezível. Isso porque estamos assistindo, pela primeira vez na história do Brasil industrializado, a um ciclo de crescimento liderado completamente pela demanda do setor privado e pela oferta de recursos do sistema financeiro privado.

1 As opiniões contidas nesta nota são de responsabilidade dos autores, mas também expressam as opiniões apresentadas nas reuniões do Grupo de Conjuntura da FIPE.

(*) Economista do Grupo de Conjuntura da FIPE. (E-mail: [email protected])

(**) Coordenador do Grupo de Conjuntura da FIPE. (E-mail: [email protected])

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tabela 1 - necessidades de financiamento do setor público

 R$ milhões Correntes % PIB

2006  2007  2006  2007 Discriminação Jan-Jul Ano Jan-Jul Jan-Jul Ano Jan-JulNominal 34 713 69 883 16 221 2,31 3,01 0,98    Governo central 42 506  74 475  31 601  2,83  3,21  1,91       Governo federal1/ 34 780  65 760  27 533  2,31  2,83  1,67       Bacen 7 726  8 716  4 068  0,51  0,38  0,25    Governos regionais 6 027  16 606  -3 252  0,40  0,71  -0,20       Governos estaduais  4 552  13 740  -4 209  0,30  0,59  -0,25       Governos municipais 1 475  2 867   958  0,10  0,12  0,06    Empresas estatais -13 820  -21 199  -12 128  -0,92  -0,91  -0,73       Empresas estatais federais -10 134  -17 954  -12 136  -0,67  -0,77  -0,73       Empresas estatais estaduais -3 817  -3 419  - 107  -0,25  -0,15  -0,01       Empresas estatais municipais  131   174   114  0,01  0,01  0,01 Juros nominais 110 665 160 027 103 889 7,36 6,89 6,29    Governo central 91 866  125 827  84 115  6,11  5,42  5,09       Governo federal1/ 84 259  117 283  80 498  5,61  5,05  4,87       Bacen 7 606  8 544  3 617  0,51  0,37  0,22    Governos regionais 20 094  36 322  20 947  1,34  1,56  1,27       Governos estaduais 16 662  30 110  17 629  1,11  1,30  1,07       Governos municipais 3 432  6 212  3 318  0,23  0,27  0,20    Empresas estatais -1 295  -2 121  -1 172  -0,09  -0,09  -0,07       Empresas estatais federais -2 710  -4 410  -2 597  -0,18  -0,19  -0,16       Empresas estatais estaduais 1 269  2 060  1 274  0,08  0,09  0,08       Empresas estatais municipais  146   229   151  0,01  0,01  0,01 Primário -75 951 -90 144 -87 669 -5,05 -3,88 -5,31    Governo central -49 360  -51 352  -52 514  -3,28  -2,21  -3,18       Governo federal -74 993  -93 589  -79 548  -4,99  -4,03  -4,82       Bacen  119   172   451  0,01  0,01  0,03       INSS 25 514  42 065  26 583  1,70  1,81  1,61    Governos regionais -14 067  -19 715  -24 199  -0,94  -0,85  -1,46       Governos estaduais -12 110  -16 370  -21 838  -0,81  -0,70  -1,32       Governos municipais -1 957  -3 345  -2 361  -0,13  -0,14  -0,14    Empresas estatais -12 525  -19 077  -10 956  -0,83  -0,82  -0,66       Empresas estatais federais -7 424  -13 544  -9 539  -0,49  -0,58  -0,58       Empresas estatais estaduais -5 087  -5 479  -1 381  -0,34  -0,24  -0,08       Empresas estatais municipais - 14  - 55  - 36  0,00  0,00  0,00 Fonte: BCB 1/ Inclui o INSS. * Dados preliminares. (+) déficit (-) superávit.

RodRigo Celoto (*)

finanças públicas

Necessidade de Financiamento do Setor Público

O superávit primário do setor público de janeiro a julho foi de R$ 87,67 bilhões, ou 5,31% do PIB. No mesmo período do ano passado esse superávit foi de R$ 75,9 bilhões, ou 5,05% do PIB.

O governo central contribuiu para um superávit no período com R$ 52,5 bilhões (3,18% do PIB) contra R$ 49,36 bilhões (3,28% do PIB) no mesmo período do ano passado. Os governos regionais aumentaram seu superávit como proporção do PIB de R$ 14,06 bilhões (0,94% do PIB) nos primeiros sete meses do ano passa-do para R$ 24,19 bilhões (1,46% do PIB) neste ano. Já as empresas estatais tiveram um superávit de R$ 10,95 bilhões (0,66% do PIB) contra R$ 12,52 bilhões (0,83 % do PIB) no mesmo período do ano passado.

Os juros nominais nos primeiros sete meses foram de R$ 103,88 bilhões (6,29% do PIB) contra R$ 110,66 bilhões (7,36% do PIB) no ano passado. O governo central teve despesas com juros de R$ 84,1 bilhões (5,09% do PIB); os governos regionais tiveram despe-sas de R$ 20,9 bilhões (1,27% do PIB) e as empresas estatais tiveram receitas líquidas de R$ 1,17 bilhões (0,07% do PIB).

O déficit nominal resultante foi de R$ 16,2 bilhões para o setor público (0,98% do PIB) contra R$ 34,7 bilhões (2,31% do PIB) no mesmo período do ano passado. O governo central contribuiu com um déficit de R$ 31,6 bilhões (1,91% do PIB), os governos regionais contri-buíram para um superávit de R$ 3,25 bilhões (0,20% do PIB) e as empresas estatais com um superávit de R$ 12,12 bilhões (0,73% do PIB).

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Resultado do Tesouro Nacional

A receita do Tesouro Nacional nos sete primeiros meses do ano foi de R$ 346,38 bilhões contra R$ 306,05 bilhões no mesmo período do ano passado, um crescimento de 13,2%. As receitas do Tesouro subiram 13,1% e da previdência subiram 14%. Considerando as transferências de R$ 60,08 bilhões, que apresentaram crescimento de 13%, a receita líquida alcançou a cifra de R$ 286,30 bilhões, um crescimento de 13,2%.

A despesa total de janeiro a julho foi de R$ 238,6 bilhões contra R$ 211,4 bilhões no mesmo período do ano passado, apresentando um crescimento de 12,9%. As despesas com pessoal e encargos, benefí-cios previdenciários e custeio e capital apresentaram crescimento respectivo de 14%, 12,2% e 13%.

O resultado primário do governo central foi um su-perávit de R$ 47,69 (3,35% do PIB) bilhões, sendo R$ 72,0 bilhões de superávit do Tesouro Nacional, e um déficit de R$ 379 bilhões da previdência social.

tabela 2 - resultado do Tesouro Nacional - R$ milhões

  Jan-Jul

  2006 2007 % 07/06

Receita Total 306.059 346.384 13,2%Receitas do Tesouro  240.255  271.665  13,1%Receita da Previdência  64.960  74.032  14,0%Receita do Banco Central  845  688  -18,6%

Transferências 53.157 60.080 13,0%Receita Líquida 252.902 286.304 13,2%Despesa Total 211.401 238.609 12,9%

Despesas do Tesouro 123.087 139.514 13,3%   Pessoal e encargos  58.308  66.448  14,0%   Custeio e Capital  64.424  72.828  13,0%

Transf. ao Banco Central  354  238  -32,8%Despesas da Previd. Social  87.373  98.028  12,2%Despesas do Banco Central  941  1.067  13,4%

Resultado Primário Gov. Central 41.502 47.695 14,9%   Tesouro Nacional  64.011  72.071  12,6%   Previdência Social (22.413)  (23.997) 7,1%

Banco Central (96)  (379) 293,5%Resultado Primário Governo/PIB 3,19% 3,35% 5,0%

Fonte: STN.

(*) Economista do Grupo de Conjuntura da FIPE. (E-mail: [email protected]).

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Em sua reunião de 17 de outubro, o Copom fixou a taxa básica em 11,25%. Foi uma decisão difícil; havia argumentos tanto para reduzi-la como para uma parada técnica.

Os motivos para a redução seriam: cenário externo com um arrefecimento da volatilidade, a valorização do Real - o dólar rompeu o piso de R$ 1,80 e atingiu sua menor cotação em sete anos -, um diferencial de juros interno externo elevado, os números fracos do IPCA e as expectativas de índices de inflação de varejo em queda.

A evolução do índice de preços por atacado e o elevado índice de atividade industrial poderiam pressionar a inflação no varejo. Tais fatos prescreveriam uma parada técnica para aguardar o impacto da nova taxa básica, antes de correr o risco de reduzi-la e depois ter que elevá-la.

Pesando os prós e contras, o BC optou pela manutenção da taxa em 11,25% por unanimidade. Historicamente, é a taxa mais baixa em décadas; entretanto, quando cotejada com as de outras economias, com indicadores macroeconômicos semelhantes, continua sendo uma das taxas de juros mais elevadas do mundo.

O processo de redução de juros deve continuar, mas em ritmo mais fraco. É plausível antecipar a uma taxa de um dígito em 2008. A questão é que, mesmo assim, a taxa básica brasileira permanece elevada e coloca-se como uma âncora que segura o crescimento do País.

Com juros mais altos, há um custo fiscal mais elevado, transferindo riqueza de devedores (leia-se os mais po-bres) e do governo (custo de carregamento da dívida

pública) para rentistas financeiros. A raiz do problema encontra-se na permissividade com a inflação e com a dinâmica fiscal.

A repetição da meta de inflação de 2006, 2007 e 2008 em 2009 - em um quadro conjuntural ideal para reduzi-la - foi emblemática e mostrou a falta de compromisso com uma inflação mais baixa e a perpetuação de distorções inflacionárias. Mostra uma permissividade inflacionária e um populismo monetário irresponsável.

A queda da inflação tem impactos positivos de bem-es-tar: há diminuição nas taxas reais e nominais de juros, bem como na arrecadação do imposto inflacionário; a absorção de choques de oferta tem custos menores, há dispersão menor de preços, menor transferência de renda de devedores a credores, a volatilidade financei-ra é mais baixa, a oferta de crédito é mais abundante, a possibilidade de surpresas inflacionárias diminui consideravelmente e, por fim, traz impactos positivos na desconcentração da renda.

As metas de inflação de países industrializados que adotaram o regime estão centradas em um patamar inferior, em cerca de 2%. Perpetuar a meta de 4,5% sinalizou a manutenção do imposto inflacionário, de juros reais mais elevados, de salários reais menores e, o que é mais importante, o abandono de uma meta de longo prazo segundo um patamar menor. Há uma dissipação de crescimento.

A segunda razão para que as taxas não caiam é o descontrole dos gastos públicos. O déficit público é a causa de fracasso de tentativas de retomada do cres-cimento, de relatos de inflação corroendo a poupança,

RobeRto luis tRosteR (*)

política monetária

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de moratórias manchando a reputação externa, de crises cambiais paralisando a economia e de surtos de expansão econômica seguidos de recessões. To-dos são sintomas do mesmo mal: o descontrole das finanças do governo. Desde a vinda de d. João VI, com honrosas exceções, a dificuldade para controlar as contas públicas minou - e segue minando - o nosso desenvolvimento.

O controle fiscal é condição necessária para voltar a crescer. Assim, a diminuição da meta de superávit primário mostrou-se na contramão da realidade. Paradoxalmente, o afrouxamento fiscal pode ter o efeito oposto ao esperado. Se analisado apenas de maneira estática, um aumento de gastos é uma ex-pansão na demanda agregada. Entretanto, em uma visão dinâmica, o afrouxamento fiscal, com meta de superávit primário menor, pode ter o efeito inverso e ser contracionista. Isto porque a expansão pressiona a taxa de juros e a ação dos demais agentes nacionais e estrangeiros poderá superar o impacto expansio-nista com menos investimentos produtivos, gerando expectativas negativas, subindo ainda mais os juros e colocando a dívida pública em uma dinâmica menos favorável.

A moeda é depositária da confiança social por suas funções de reserva de valor, unidade de conta e meio de pagamento e a taxa de juros é a relação entre o

presente o futuro. É uma construção social que se ganha com dificuldade e se perde rapidamente. Dessa forma, é premente avançar nas duas frentes, metas críveis e consistentes com o crescimento sustentado e numa gestão fiscal mais ambiciosa.

(*) Fipe e Integral Trust. (E-mail: [email protected])

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Neste final de ano já se pode afirmar que 2007 tem sido satisfatório para o Brasil, que resistiu às turbulên-cias ocorridas no mercado financeiro internacional. O crescimento do PIB - da ordem de 4,4%, segundo o FMI - , a inflação no patamar esperado de pouco mais de 3,0%, o saldo da balança comercial da ordem de US$ 40 bilhões e a melhor distribuição da renda configuram um quadro estável e relativamente positivo, apesar de a taxa de juros ter-se reduzido menos que o desejável e o real ter-se valorizado de forma expressiva.

Para 2007 o cenário externo permanece favorável, mas com desaceleração da sua expansão econômica. O FMI prevê crescimento da economia mundial de 4,5% em 2008, ao passo que em 2007 este valor deve ser de 5,2%, diferença decorrente, sobretudo, dos efeitos da crise financeira do mercado imobiliário norte-americano e seus desdobramentos. O FMI prevê crescimento de 4,0% para o Brasil em 2008, valor inferior ao esperado para a economia mundial e para a América Latina e Caribe (4,3%), e menor que o previsto para este ano de 4,4%. Neste cenário, o País deverá apresentar cres-cimento das exportações devido, sobretudo, ao preço elevado das commodities e expansão mais acelerada das importações, reduzindo ainda mais o superávit comercial para um patamar superior a US$ 30 bilhões, o que deverá manter relativa folga de divisas.

Com a expressiva valorização do real, a pressão para o aumento das importações e redução das exportações tem afetado significativamente as transações comer-ciais. A taxa de crescimento das importações (28,3% em 2007) tem sido superior à das exportações (15,5% neste ano), o que está reduzindo o superávit comer-cial há alguns meses. As importações devem chegar

a cerca de US$ 120 bilhões em 2007 e cerca de US$ 130 bilhões em 2008. As exportações devem alcançar US$ 155 bilhões este ano e US$ 160 bilhões em 2008. A competitividade de inúmeros itens produzidos na Ásia, notadamente na China e na Índia, mas também no Vietnam e em outros países vizinhos, já promove alterações significativas na composição das exporta-ções e importações do Brasil. Mantendo este quadro, estas modificações tendem a se aprofundar no tempo. Adiciona-se a estes elementos o fato de que com o crescimento da demanda interna, estimulada pela forte disponibilidade de crédito, numerosos setores produtivos tendem a reduzir suas exportações, que se tornam menos rentáveis com a valorização do real.

Mesmo que o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) avance substancialmente, ainda assim encon-traremos gargalos à continuidade do crescimento imediato. O baixo volume de investimentos nos úl-timos anos cria barreiras à sustentabilidade da atual expansão. Não somente a infra-estrutura de trans-porte e de energia mostra sinais de esgotamento em um horizonte bastante curto, como o próprio setor industrial apresenta elevados níveis de utilização de suas plantas. Por exemplo, o setor automobilístico do País não poderá expandir a produção muito além de 3.000.000 de autoveículos/ano, o que está perto de ocorrer nos próximos meses, sem investimentos mais significativos. O setor de bens de capital sob encomen-da também está operando a plena carga no Brasil e no exterior. Ou seja, o forte e continuado crescimento da demanda mundial e do País não pressiona apenas as commodities, mas também numerosos outros segmen-tos do setor produtivo. A elevação do preço de muitos bens aponta nesta direção.

Hélio nogueiRa da CRuz (*)

setor externo

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Os artigos da seção Análise de Conjuntura foram escritos entre 17 e 25/10/2007.

Algumas autoridades do governo têm divulgado a ambiciosa meta de aumentar a participação do Brasil no comércio internacional dos atuais 1,1% para 1,5% em 2010, o que exigirá crescimento das exportações de 10% ao ano, tendo em vista a trajetória de valorização do real. Impõe-se a adoção de políticas que estimu-lem as exportações e investimentos que promovam a modernização das plantas produtivas. Além disso, de-vem-se estabelecer medidas para elevar a produção de itens de maior valor agregado, sobretudo nos setores intensivos em mão-de-obra e de tecnologia bastante difundidas como têxteis, calçados, bens mecânicos seriados, produtos plásticos, entre muitos outros. Os dados da Pintec - Pesquisa de Inovação Tecnológica - mostram que permanecem muito reduzidos os esforços de inovação no Brasil, o que mantém o País muito distante dos padrões dos países avançados como Alemanha, Espanha e Itália.

Está no momento de se estabelecer uma política indus-trial que leve em conta os novos desafios oferecidos pelas condições do cenário nacional e internacional, as questões do financiamento da infra-estrutura tec-nológica, da disponibilidade de recursos humanos qualificados e o estabelecimento de um quadro insti-tucional que articule os vários elementos da estrutura produtiva. A elaboração de diretrizes de um projeto nacional de desenvolvimento de longo prazo é a me-lhor forma de se consolidar prioridades e rumos que dêem organicidade às várias medidas que vêm sendo anunciadas de maneira pouco articulada. Sem estes

horizontes mais claros, dificilmente poderemos contar com os necessários investimentos que possam viabili-zar a continuidade do crescimento econômico.

(*) Professor da FEA-USP. (E-mail: [email protected])

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outubro de 2007

máRio CaRlos beni (*) maRia CRistina CaCCiamali (**)

a criação da Escola de Altos Estudos de Negócios do Turismo da Fundação

Instituto de Pesquisas Econômicas

temas de economia aplicada

Até dez anos atrás o turismo parecia ater-se a um punhado de países altamente especializados na exce-lência da oferta diferencial. Há pouco tempo, passou a ser visto como meio privilegiado para que as nações mais pobres viabilizassem sua integração à economia mundial. Dessa forma, o mercado de turismo mundial assistiu ao crescimento de novas destinações e ao investimento maciço de capital no desenvolvimento dos países receptores.

Considerando os efeitos ampliadores da globaliza-ção, os governos, em parceria com o setor privado, passam a elaborar e operacionalizar estratégias para identificar, desenvolver e comercializar o turismo de base local em clusters e redes corporativas de empre-sas, agregando, por exemplo, operadoras turísticas, empresas de transporte aéreo, cadeias hoteleiras e um pool promocional de pequenas e médias empresas ligadas à cadeia produtiva do turismo.

Esse panorama cria incentivos para elaborar teorias que expliquem a globalização do turismo, em geral, e desenvolver projetos de pesquisa entre países para comparar resultados crescentes e decrescentes do turismo mundial.

Isto não quer dizer que devamos, por efeito da globa-lização, descurar de outras pesquisas mais específicas

sobre temas tão importantes quanto os que elencare-mos e que irrompem no mercado global de turismo por força de uma ou outra variável interveniente no processo.

Um tema que propomos é a análise da baixa produtivi-dade que muitas vezes ocorre nas principais empresas ligadas ao turismo relativamente ao desempenho das empresas de outros setores ou mesmo à taxa de pro-dutividade do total da economia. Esse comportamento se apresenta sobretudo nos segmentos essenciais do turismo, da hotelaria e da alimentação.

Para complementar, essa questão provoca, também, outra questão correlata a ser pesquisada: como fomen-tar o crescimento, medido em termos de valor agrega-do por empregado, nos setores essenciais do turismo, visto que irá requerer uma utilização bem maior de novas tecnologias de informação e comunicação para racionalizar a produção e a comercialização da cadeia de serviços turísticos?

Outro tema refere-se às empresas de turismo de pe-queno e médio porte que necessitam de muito capital de giro e encontram mais dificuldades de financia-mento. Existe escassez de capital, particularmente para gerar roteiros tradicionais, novas instalações e equipamentos, que resulta numa solidificação e rigi-

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dez das estruturas. Isto se deve aos riscos estruturais envolvidos neste setor relativamente às flutuações sazonais na demanda e outros riscos exógenos, tais como: taxas de câmbio e toda a retratilidade do tu-rismo em face de riscos metereológicos, convulsões sociais, instabilidade política, atos de terrorismo, insegurança e violência urbana, dentre outros, que impactam o mercado de turismo nas taxas de ocu-pação hoteleira, nos assentos de transportes aéreo, ferroviário e rodoviário, e na capacidade de ganho e lucratividade.

Outro fator é o crescimento do turismo que gera ex-ternalidades positivas e negativas na sociedade, na economia e no meio ambiente, que podem fortalecer ou enfraquecer o crescimento em termos de reali-mentação sistêmica. A questão toda se resume em: que nível de crescimento pode ser considerado ideal e sustentável em função da região em consideração?

Os países em desenvolvimento e os emergentes devem adaptar de forma consistente, tanto a curto como a longo prazo, suas políticas públicas de turismo às re-comendações do comércio internacional se quiserem oferecer destinações e produtos turísticos em condi-ções paritárias e competitivas. Torna-se imperioso, portanto, acelerar o processo de identificação e avalia-ção dos interesses dos setores públicos e privados no Sistema de Turismo que deverão ser convertidos em instrumentos de negociação e acordos multilaterais. Na verdade, a observação e a atualização constantes são as exigências da própria dinâmica do turismo em permanente expansão e aperfeiçoamentos.

A visão arguta desse universo inter e transdisciplinar obriga-nos a rever instrumentos de investigação e análise ininterruptamente para apreender as novas situações, embora eles estejam sempre defasados pela celeridade dos acontecimentos. O estado atual do de-senvolvimento do turismo, mediante essa constatação e alinhando-se a essa realidade, leva-nos à conclusão de que na esteira dos grandes movimentos de capitais e negócios é mister surgirem oportunidades inéditas de estudos e pesquisas. Para captá-las, é necessário dispor não apenas de mentes indagativas, mas de um

objetivo maior, que seja comum a todas as especiali-dades e distintas teorias.

Para tanto, a FIPE decidiu criar a Escola de Altos Estudos de Negócios do Turismo não apenas para exercitar o que vimos observando e muitas vezes comprovando, mas, principalmente, para oferecer um meio eficaz de alavancar o crescimento e o desenvol-vimento econômico e social do turismo. Além disso, os estudos contribuirão para a tomada de decisões racionais, visando o mercado empresarial do setor e os órgãos governamentais interessados e capacitada para complementar a finalidade da Escola.

Consoante com seus objetivos, a ESCOLA adota uma filosofia de educação calcada em duas diretrizes:

• Na permanente inovação e atualização da ciência, da tecnologia e da pesquisa para colimar o de-senvolvimento global sustentável do Sistema de Turismo.

• Na constante aplicação de recursos para a desco-berta de novos princípios, métodos e valores nas ciências exatas, naturais, humanas e sociais para desenvolvimento sustentável do turismo.

A preocupação maior da ESCOLA reside em encontrar respostas adequadas para o século 21, notadamente do papel reservado às instituições educacionais e aos Centros de Excelência e de Referência de ensino e pes-quisa, na medida em que nos encontramos na era do conhecimento que significa a aceleração vertiginosa do avanço das fronteiras não demarcadas da ciência e do aumento da dependência da tecnologia em relação aos desenvolvimentos científicos.

Ao contrário do que vem sendo propalado por quase todos os meios eletrônicos e tradicionais da mídia, a Universidade, com suas escolas, é e continuará sendo o centro irradiador de resposta aos desafios do moderno e veloz processo universal de mudança socioeconômi-ca, que parece engolfar em vórtices sempre mais céle-res de aparente destrutivismo caótico a competência das mentes humanas e seu comportamento regulador no embate dualístico sobreviver/ser.

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outubro de 2007O desafio da educação está na energia que se aplica na formação de novas mentalidades, suficientemente preparadas e capacitadas para desenvolver a visão holística e transdisciplinar.

Portanto, subjacente aos conteúdos dos cursos ofere-cidos pela Escola de Altos Estudos de Negócios do Turismo está a transdisciplinaridade, uma evolução da educação. Novo processo multicompreensivo que busca entre as disciplinas, no meio delas e além delas, pontos de intersecção e um vetor comum entre as diferentes áreas do conhecimento teórico e prático.

A mudança de paradigma no campo científico re-quer a formação de uma nova visão da educação, de caráter multicultural, que sirva de sustentação para a diversidade que se apresenta na base dos processos criativos.

Tal visão revolucionária, holística, sistêmica, intera-tiva e indeterminada exige que sejam repensados os conceitos de disciplinas, estruturas e conteúdos cur-riculares, bem como o papel do verdadeiro professor universitário, que jamais deve se limitar a repetir o feito e o escrito por outros na acumulação passiva de conhecimentos, e sim gerar sempre conhecimentos com seus alunos e produzir novos pensamentos, a despeito e apesar da disciplina que ministra, dentro da plena interatividade.

Em suma, houve uma mudança radical na maneira como o homem concebe a si mesmo, a realidade e o mundo circundante. Essa mudança ajuda a compre-ensão do sentido de inter e transdisciplinaridade, que é uma atitude e um ato de vontade de superação de todas as visões fragmentadas e dicotômicas que

tradicionalmente vêm se sedimentando em modelos de racionalidade científica defendidos por grandes grupos e corporações da sociedade.

(*) Professor Titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. (E-mail: [email protected])

(**) Professora Titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo.

(E-mail: [email protected]).

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It may seem odd that a relatively upbeat assessment of the prospects for securitization in Latin America (by Michela Scatigna and Camilo Tovar) has been re-leased this month in the BIS Quarterly Report, while securitizing loans and creating derivative products are being blamed as main culprits for the current fi-nancial mess in advanced economies. But I am among those who believe that the financial innovations of the last few years have come to stay – however fixed after the crisis. Thus, Latin American economies may have a chance to benefit from lessons painfully acquired elsewhere as they are still giving the initial steps toward securitization of their own assets.

The Bright Side of the Moon

Asset securitization corresponds to the transfor-mation of illiquid assets (non-marketable assets or future cash flows) into tradable securities, named asset-backed securities (ABS), either by selling the underlying assets or by purchasing protection against slices of their risks (Elul, 2005). The originator of ABS is able to anticipate cash inflows or manage better the risk profile of its balance sheet.

Individually illiquid assets are pooled into portfolios, what diversifies away the dependence on an indi-vidual asset’s performance. These pools are usually transferred to Special Purpose Vehicles (SPVs) in or-der to single out the assets/risks from the originator’s balance sheet, for both legal and managerial reasons. “Synthetic securitization” is the expression used when it is the credit risk of the pool of securitized assets that is transferred by means of credit derivatives, rather than the ownership of assets.

In the case of grouping assets for sale, some kind of “credit enhancement” (reduction of default risk) is

usually offered, via over-collateralization (security issuance lower than asset values), purchase of credit default swaps or other partial risk guarantees, negotia-tion of lines of stand-by credit, and others. The asset pools can be additionally divided into several classes of other securities (“tranches”), to which one may attribute different risk levels. As in the “sequential pay” structure, in which the tranches are entitled to retirement in sequential order, from “senior” and “mezzanine” to “junior” (“equity”) ones, with corre-spondingly differentiated levels of credit risk.

From the originator’s standpoint, the potential at-tractiveness of ABS as a tool of risk management is straightforward. It can use the improved risk profile either as an objective in itself and/or as a larger risk space for augmenting its degree of portfolio leverage. In the case of banks, asset securitization widens the scope for regulatory arbitrage and may lower costs of compliance with capital requirements.

From the asset purchaser’s – or risk-protection seller’s – standpoint, ABS may also become a way to diver-sify risk exposures. It is worth noticing how ABS may be a way to mitigate difficulties associated with information asymmetries that typically plague some types of assets: e.g., pension funds become capable of investing in long-term residential assets by acquiring senior tranches of mortgage-backed securities (MBS), whereas in the absence of these securities housing finance becomes limited to loan origination by those financial agents close enough to clients (banks, mort-gage companies).

From the systemic standpoint, asset securitization can be seen as a move toward “completeness of markets”, creating vehicles for risk sharing and transacting otherwise unattainable. Therefore, in the absence

otaviano Canuto (*)

securitization in Latin America: advantages of latecomers1

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outubro de 2007of some other aspects that only now have become clear (approached later), the net effect of securitiza-tion tends to be more and cheaper credit throughout the whole financial system. There are also potential positive externalities, i.e. additional benefits that come beyond those gains accrued individually by issuers and purchasers. This is the case when better risk-managed balance sheets lead to higher systemic resistance to shocks.

Securitization in Latin America: Starting to Shine

All those are potential gains from asset securitization that remain far short from being explored in Latin American economies. Costs of funding and intermedi-ating risky assets might be lower in many countries of the region if the scope and depth of financial markets had already benefited from a higher extent of asset securitization. More widespread transformation of illiquid assets into pools of liquid ones might have helped increase the supply of finance in many areas where the gap between what borrowers are able to offer and what financiers are willing to accept is typically high (housing finance, long-term corporate loans and other receivables). But according to the BIS paper, some signs of initial progress in that direction can already be noticed.

The expansion of securitized transactions in the region has been substantial in the last five years, particularly at the domestic side: over 80% of the total US$20 billion issued in 2006 were in local markets. It is still a small size when compared even to other emerg-ing regions, but significantly higher than the regional US$ 6 billion of 2002 - these and other figures below can be found in (www.fitchratings.com/).

Prior to the crises of the second half of the 1990s, securitization in Latin America consisted mainly of simple cross-border transactions (foreign currency-denominated securitization of receivables of export-ers and of a few large, financially sound and highly creditworthy local originators). Since 2003 many second-tier originators, unable to access international

sources, have increasingly resorted to securitization in domestic markets as an alternative less costly than traditional bank finance. Commercial and residen-tial mortgages, auto and consumer loans and trade receivables have all increased aided by newly cre-ated possibilities of securitization, made possible by macroeconomic stability and legal initiatives in some countries. Sub-investment grade structured issues have already taken place.

On the other hand, these recent developments have been particularly geographically concentrated. Chile, Colombia and Peru, for instance, have all progressed in terms of asset securitization in relative terms to the size of their financial sectors, but in fact Brazil (US$ 5.3 billion) and Mexico (US$ 6.5 billion) accounted for 72% of the regional local market issuance in 2006, with Argentina (US$ 2.4 billion) coming third. According to Fitch, prior to its crisis, Argentina had presented an early spurt of structured transactions.

Moreover, outside from Brazil and Mexico, just one kind of asset predominates: in 2006, credit cards represented 45% of Chilean transactions, residential MBSs were 60% in Colombia, and future flows 46% in Peru. In Brazil, for the first time a Collateralized Debt Obligation (CDO) was issued last year, whereas pay-roll-deductible personal loans, auto loans, credit cards, utility bills and commercial flows have led the process of asset securitization. The BIS paper highlights that most of the deals are now placed in the public capital markets, rather than using private placements as be-fore. Residential and commercial MBSs corresponded to only 9% of all structured transactions and still have a lot of potential to develop. Mexico has advanced farther in residential MBSs, as well as in placing other ABSs denominated in local currency.

Besides the obvious scope for higher housing finance, a need so neatly unattended in the region, ABSs may also contribute to corporate bond issuances, as long as the corresponding markets cease to be restricted to first-tier and highly rated firms and minimum scales for pooling assets can be reached. Improvements in

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legal frameworks and incentives/requirements toward higher information disclosure by private companies will also be necessary.

Overall, the region would seem to be poised to exhibit progress in asset securitization. Nonetheless, judging from what is happening in the US financial sector, would that be good news?

The Dark Side of the Moon

“Credit turmoil shows not all innovation has been beneficial” was the title of an article by Gillian Tett in the Financial Times of September 11, expressing the mood of disenchantment with structured finance that has followed the current financial crisis. After all, as the crisis unfolds, widespread asset securitization can apparently be blamed as having led to higher finan-cial instability in the US and abroad, rather than to the potential positive externalities in terms of higher resistance to shocks.

The burst of the US housing bubble ended up drag-ging down first the layer of outstanding sub-prime loans, the large set of which could not have been made possible were it not for the use of ABSs that allowed loan originators to transfer sub-prime risks and lever-age their own positions. Then a crisis of confidence on the soundness of the whole fabric of ABSs and on the immunity of banks followed suit very rapidly, with an impact proportional to the huge dimensions that structured finance had acquired in the system.

In fact, there were potential failures in the move from the originate-and-hold to the originate-and-transfer models that had been underestimated:

1. Complexity. As The Economist (September 22, p. 86) said it, “The boom in derivatives was one of those moments when financial engineering raced ahead of back offices and risk-management departments, leav-ing them struggling to value or account for their hold-ings. Pierre Pourquery, of Boston Consulting Group, says it is not uncommon for investors to break their exotic purchases into smaller pieces in order to feed

them into their risk-management systems. This brings new risks, particularly that the parts will behave differently from the whole under stress. (…)”. Even in the case of simply bundling loans into securities, debt instruments that were accurately priced before were transformed into new ones the pricing of which was too much dependent on arbitrary assumptions. As a moment of lack of confidence and propensity to liquidate assets was sparked, the perception of unclear pricing criteria had an effect similar to throwing fuel on fire.

2. Lack of transparency. The complexity of trans-actions led to hidden connections that were not accounted for. Risks were placed with investors that were neither knowledgeable nor fully aware of them, such as e.g. those typically conservative money market fund investors who acknowledged to have underestimated the implications of holding exposure to sub-prime loans. Furthermore, techniques of “credit enhancement” ended up turning securitization not as arms-length as announced, with off-balance-sheet connections not taken into account. The downside of risk spreading was a lack of information about the location and intensity of potential credit losses, as the BIS repeatedly hinted at for a couple of years.

3. Dilution of responsibilities. Complexity and lack of transparency were combined with distorted incen-tives for risk underestimation. The most conspicuous case is the easiness with which rating agencies at-tributed high grades to mezzanine and junior CDO tranches, especially when capturing advisory fees from issuers, what ended up obliging them to make sudden corrections at too late stages. Furthermore, in general terms, the divesture of mezzanine and junior (equity) tranches by issuers went too far, weakening the incentives for appropriate screening of loans at the origination point.

4. Euphoria. This has been a feature common to all initial diffusion stages of major innovations in the history of market economies, periods in which the understanding of innovations themselves is very lim-ited and “greed overcomes caution” by far. The three

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outubro de 2007previous ingredients of failure were seasoned with a euphoria that led to over-lending, overly low cost finance and over-securitization. Tighter monetary policies in the last few years would have hardly been capable of fully containing such euphoria.

5. Unexpectedly high financial contagion. The extent of over-securitization and generalized over-leverage, in a context of complexity and obscurity of exposures, crossed the tipping point after which the stabilizing effects of risk dispersion and individual portfolio di-versification were surmounted by the overall financial instability generated by simultaneous massive asset liquidations.

While the net balance of both boom and bust stages of the recent cycle of securitization is still to be de-termined, as the financial crisis is still unfolding, one bet seems inevitable to us: ABSs, MBSs, CDOs and other devices of risk transfer will be mended, but not disappear. As examples of possible aftermaths, I would point out:

(i) As it has happened with all innovation cycles in the past, the depressive mistrust that succeeds euphoric bubbles will also phase out after a certain moment, leading to a more stable path of expan-sion and more balanced proportions of structured finance in the system.

(ii) More standardized and simple-to-understand products, often issued in public placements, will increasingly substitute current complex and obs-cure over-the-counter transactions.

(iii) Requirements regarding transparency of exposu-res will become more stringent.

(iv) Transfers of junior tranches of risk will probably be made harder by regulators, in order to avoid misalignment of incentives. Some kind of resolu-tion of conflicting objectives may also be enforced upon rating agencies.

As latecomers to the process of global diffusion of securitization techniques, Latin American economies may benefit from jumping over pitfalls heretofore known. Given the large scope of unattended needs in terms of finance access and costs in the region, the net balance of securitization is likely to be favor-able, as long as lessons from the current crisis abroad are incorporated. Difficult then it will be to contain euphoria!

ReferencesElul, R. The economics of asset securitization. Business Review.

Federal Reserve Bank of Philadelphia, Q3, 2005.

Scatigna, M.; Tovar, C. Securitisation in Latin America. BIS Quarterly Review, September 2007.

1 Originalmente publicado em http://www.rgemonitor.com/latam-blog/.

(*) Vice-Presidente para Países do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento e professor do Departamento de

Economia da FEA-USP. (E-mail: [email protected]).

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É recente a análise do mercado de arte como fenômeno econômico. O principal fato que, inicialmente, atraiu a atenção de uns poucos pesquisadores acadêmicos da área de Economia foi o primeiro boom do mercado de arte, quando o choque do petróleo de 1973 acele-rou, ao mesmo tempo, a inflação e a depreciação das moedas, inclusive nos países ocidentais altamente industrializados.

A incerteza monetária mundial e o afluxo de petro-dólares no mercado estimularam, então, fantásticos investimentos em obras de arte, sobretudo nos leilões da Christie’s e da Sotheby’s. Generalizou-se a afirma-ção de que o mercado de arte não conhece crise em Londres, Paris, Nova York ou em outra grande cidade, já que os compradores da classe AAA estão além das recessões ou crises econômicas locais, inter-regionais ou mundiais.2

Seguiram-se vendas milionárias:

em 1970, o Retrato de Juan Pareja, de Diego Velásquez (1599-1660), pintura considerada inferior à da tela As meninas, porém valorizada pela assinatura, foi arrematada por US$ 5,5 milhões.

em 1984, Turner (Joseph Mallord William, 1775-1851), artista que marca o fim da paisagem conven-cional e cujas cores, luz e imprecisão dos contornos anunciam o impressionismo, teve sua Marinha em Folkstone vendida por US$ 9,8 milhões.

em 1985, Adoração dos Reis Magos, de Andrea Man-tegna atinge US$ 11,7 milhões.

em 1986, La Rue Mosnier aux Paveurs, de Edouard Manet (1831-1883), chega a US$ 11 milhões;

em 1987, algumas telas de Van Gogh (1853-1890) são vendidas, com destaque para uma da série Girassóis (do total de sete, pintadas entre agosto de 1888 e janeiro de 1889 para decorar o quarto de Gauguin, na “maison jaune” de Arles, sul da França), vendida por US$ 39,6 milhões; e Iris (pintada em 1889, quan-do o artista estava em tratamento em Saint-Remy), no mesmo ano de 1987, marca o ápice dos preços de venda de obras raras nesse primeiro boom do mercado de arte - US$ 53,9 milhões.

Em seguida, o mercado de arte se desacelerou até que, no início dos anos 2000, um segundo boom de vendas de obras-primas atingiu preços astronômicos com Pollock, Klimt, Rubens, vários Picasso e outros grandes mestres modernos e antigos.

Em 2006, uma tela de 1,2x2,5, pintada em 1948 pelo norte-americano Jackson Pollock (expressionista abstrato, influenciado pela escola surrealista e pelos muralistas mexicanos), então propriedade do mag-nata do entretenimento David Geffen, foi vendida por US$ 140 milhões ao investidor mexicano David Martinez.

Em junho de 2006, a tela Retrato de Adèle Bloch-Bauer, de Gustav Klimt (1862-1918), alcançou US$135 milhões. Pintada em 1907, no período do artista conhecido como “Ciclo de Ouro”, apresenta tinta a óleo e colagem de folhas de ouro. Além da importância do artista, a história desse retrato está ligada ao tumultuado período da 2ª.Grande Guerra .3

Pablo Picasso (1881-1973), artista considerado “irre-dutivelmente espanhol”, conservava na alma uma Espanha complexa, subversiva, violenta e apaixonada, que se nutriu de mitos, civilizações orientais, remi-

diva benevides PinHo (*) máRCio issao nakane (**)

arte na América Latina: exemplo de análise econométrica1

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outubro de 2007niscências gregas, anarquismo e arte, embora tivesse participado de todas as aventuras da pintura francesa durante cerca de cinqüenta anos. Várias telas foram vendidas, entre as quais:

novembro de 2000: Mulher de Braços Cruzados, US$ 55,6 milhões;

maio de 2004: Menino com Cachimbo, US$ 104,1 milhões;

maio de 2006: Dora Maar com gato, US$ 95,2 mi-lhões.

julho de 2002 - Rubens (Peter Paul, 1577-1640), alemão de nascimento, italiano pelo humanismo, flamengo por tradição, e notável intérprete do gosto barroco; sua tela Massacre dos Inocentes atingiu US$ 76,7 milhões.

Esse segundo boom de vendas de obras de arte, entre-tanto, encontrou um mercado diferente, mais univer-salizado e mais diversificado graças aos avanços da tecnologia de comunicação pela Web. Ampliou-se o mercado de arte eletrônico ou on-line. A grande mudança, entretanto, viria com a implantação dos leilões de arte “presenciais” pela rede de infovias, iniciada pionei-ramente com a plataforma lançada pela Christie’s no final de 2006.

Os leilões de arte pela Web tornaram-se, então, aces-síveis ao mundo inteiro em tempo real. E o mercado de arte, que era movimentado por cerca de 80% de anglo-saxões, ficou também ao alcance, em tempo real, dos novos ricos dos países emergentes, especial-mente da China, Índia, Rússia e, inclusive, dos ricos compradores da América Latina.

Análises Acadêmicas

Depois do trabalho pioneiro de Baumol (1986), poucos têm sido os estudos acadêmicos de economia da arte. A respeito da América Latina era quase total a falta de análises, até que Sebastian Edwards, professor de Economia da Anderson Graduate School of Business (Los Angeles, USA) apresentou o paper The Economics of Latin American Art: criativity patterns and rates of return - em encontro anual da Associação Econômica

da América Latina e Caribe (LACEA), realizado em Puebla (México, 27 de outubro de 2003).

Nesta comunicação escolhemos aquele estudo de Edwards com base em duas de suas originalidades: (a) o Autor inova ao tratar da América Latina, que co-nhece bem por ter vivido no Chile, e por ter analisado os problemas de desenvolvimento dos países latino-americanos; (b) o Autor usa o método econométrico – tão escasso nos estudos de mercado de arte.

O Autor refere-se ao conhecimento que geralmente se tem da América Latina por meio de trabalhos econô-micos e políticos, mas também por suas fases de auto-ritarismo político, sucessivos golpes de estado, inflação galopante e crises financeiras. Ressalva, porém, que esses países são também conhecidos por sua arte (Frida Khalo, Diego Rivera, Fernando Botero) e sua literatura (Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa, os poetas Pablo Neruda e Octavio Paz, entre outros).

Entretanto, Edwards procurou inovar usando méto-dos econômicos e dados estatísticos para analisar dois aspectos das artes na América Latina: (1) a natureza do processo artístico criativo; (2) a arte latino-americana como investimento.

Para realizar seu estudo, utilizou dados de leilões rea-lizados com obras de artistas latino-americanos entre 1977 e 2001, totalizando 115 artistas de 17 países. Para ser incluído na amostra, um artista deveria ter pelo menos 35 trabalhos vendidos em leilões internacionais no período estudado. Devido à pequena presença de artistas brasileiros nas estatísticas sobre vendas de obras em leilões de arte, o Autor abriu exceção para incluir artistas do Brasil. No total, o número de trabalhos utilizados em seu estudo variou entre 6.000 a 7.000.

Foram separados estatisticamente os artistas com maior número de obras no conjunto de dados: Fernando Bote-ro, Leonor Fini, Wifredo Lam, Roberto Matta, Carlos Mérida, René Portocarrero, Diego Rivera, Rufino Tamayo, Francisco Toledo, Joaquín Torres-Garcia e Francisco Zuñiga.

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De sua amostra, venderam trabalhos acima de US$ 1 milhão os artistas Tarsila do Amaral, Fernando Bote-ro, Frida Khalo, Wifredo Lam, Roberto Matta, Diego Rivera, Rufino Tamayo e José María Velasco.

Estatísticas de Leilões Internacionais

Como se sabe, é difícil a comparação de preços de obras de arte, ou objetos únicos, em momentos ou tempos diferentes. O Autor recorreu, então, a duas abordagens básicas usadas pelos economistas para tratar da dificuldade de se comparar preços de objetos muito heterogêneos, como é o caso de obras de arte: (a) vendas repetidas; (b) preços hedônicos.

A metodologia de preços de vendas repetidas consiste em comparar preços de trabalhos que foram vendidos mais de uma vez, o que dá a certeza de que suas ca-racterísticas são exatamente as mesmas em diferentes momentos.

Baumol (1986) usou tal método em pioneiro artigo para analisar a taxa de retorno de “arte” e concluiu que seu retorno anual foi de 0.55% por ano, para os três séculos de 1650 a 1960.

Pesando (1993) calculou a taxa de retorno de pinturas modernas, e Pesando e Shum (1996) analisaram o caso das pinturas de Picasso.

Mei e Moses (2001) utilizaram dados de repetidas vendas para estimar as taxas de retorno de pinturas americanas, mestres antigos e impressionistas.

A principal limitação desse método é que apenas os trabalhos com negociações repetidas, no período considerado, podem ser utilizados na análise. Assim, foram desprezados todos os trabalhos negociados apenas uma vez. Devido a tal limitação, Edwards preferiu a metodologia dos preços hedônicos.

De acordo com esta metodologia, o preço de uma obra de arte é relacionado às características da própria obra e de seu autor. Edwards inclui como características a

idade do artista na data em que o quadro foi finali-zado, as dimensões (altura e largura), a indicação do material usado e se o quadro foi assinado pelo artista ou não.

O Autor obteve informações de leilões em duas fon-tes: (a) para 1977-1986: Leonard’s Price Index of Latin American Art at Auction (Theran, 1999); (b) para 1987-2001: ArtPrice CD-Rom.

Dessas duas fontes conseguiu dados sobre:

preços de venda dos trabalhos (incluídos telas e papéis, técnicas de guache e outras)

ano e mês da venda

lugar da venda:

(a) Sotheby’s

(b) Christie’s

(c) outras casas de leilão

ano de conclusão do trabalho

dimensões do trabalho (altura e largura)

assinatura do artista

Identidade Latino-Americana

Edwards salienta que nas décadas de 1920, 1930 e 1940, a busca de identidade dos artistas da América Latina acentuou-se, destacando-se o movimento muralista no México, Antropofagia no Brasil, e a escola construtivista no Rio da Prata.

Diego Rivera, Rufino Tamayo, Tarsila do Amaral, Frida Khalo e Wifredo Lam são citados como os prin-cipais representantes do grupo de artistas que ajudou a definir a arte na América Latina.

De modo geral, ao romper a herança academicista da Europa, os jovens artistas latino-americanos criaram novos conceitos de arte. E apesar de não formarem um grupo homogêneo, tinham em comum o desen-volvimento de novas visões de integração artística provenientes do “centro” e da “periferia” do mundo da arte.

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outubro de 2007A polêmica questão – se os artistas da América Latina devem captar realidades regionais ou temas “univer-sais” – faz parte de um antigo debate presente em vários “Manifestos” de artistas latino-americanos. Edwards destaca a legendária Semana de Arte Moderna de fevereiro de 1922, em São Paulo, e o movimento Antropofagia, de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, observando que o “Manifesto de Poesia Pau-Brasil”, de Oswald de Andrade, foi publicado ao mesmo tempo em que André Breton divulgava seu “Manifesto Surrealista”.

Retorno e Desvio Padrão:

A partir da aplicação da metodologia de preços he-dônicos, Edwards calculou qual seria a taxa anual média de retorno real se um investidor aplicasse em um portfolio composto de quadros de pintores lati-no-americanos. Para o período 1981-2000, o retorno médio teria sido de 9.0% com um desvio padrão de 12.6%. A título de comparação, no mesmo período, as taxas médias de retorno real e desvios padrão nos mercados acionários de alguns países foram:

Argentina: retorno = 3.8%; desvio padrão = 57.3%

Brasil: retorno = 7.3%; desvio padrão = 54.0%

Chile: retorno = 7.3%; desvio padrão = 41.0%

México: retorno = 5.5%; desvio padrão = 56.0%.

Edwards também calculou o retorno e o desvio padrão para portfolios compostos apenas por pintores de cada país. Observa-se que, conforme esperado, quanto maior o retorno de um portfolio nacional maior é o seu risco (ou seja, maior o desvio padrão). Em todo o período, os pintores brasileiros apresentaram o segundo maior retorno real (atrás do Equador) e o maior desvio padrão.

Finalmente, o Autor destacou os cálculos dos investi-mentos temáticos em arte e também as taxas de retorno dos portfolios temáticos; destacou, também, as escolas (tradicionalistas, universalistas) e os artistas com treinamento no exterior ou sem treinamento formal, os artistas segundo a idade (jovens, maduros, idosos), as mulheres artistas etc.

Várias tabelas apresentam, entre outros, o sumário estatístico dos dados do período estudado; gráficos mostram a criatividade e o desempenho dos artistas do chamado Big Six (grupo composto por Diego Rivera, Rufino Tamayo, Wifredo Lam, Frida Khalo, Roberto Matta e Fernando Botero); há tabelas com as taxas de retorno bem como o risco e retorno dos portfolios.

Estas são algumas considerações a respeito do interessante paper de Sebastian Edwards. Análise pormenorizada de um grupo de alunos do curso de Pós-Graduação em Economia da FEA-USP constitui parte das atividades patrocinadas pela AMEFEA (As-sociação de Amigos do Departamento de Economia) no segundo semestre de 2007.

A respeito da arte como investimento, verifica-se que os ganhos no período estudado pelo Autor foram relativamente apreciáveis quando comparados com outros investimentos, mas se trata de investimento de alto risco.

Aliás, os pesquisadores acadêmicos têm sinalizado que o investimento em arte parece não compensar por seu alto risco.

O próprio Baumol, precursor dos estudos econômicos do mercado de arte, sempre se revelou pessimista quanto ao retorno de investimentos em arte chegan-do a comparar esse tipo de investimento ao jogo de poker.4

Em síntese, o objeto de arte é considerado um bem de luxo escolhido pelo investidor como proteção contra as flutuações econômicas.

Por que geralmente se dizia que era muito rentável o investimento em arte, sem insistir no alto risco desse investimento?

Realmente, no período do primeiro boom do mercado de arte acreditou-se que a rentabilidade dos investi-mentos em arte era especialmente elevada, chegando a ultrapassar os ganhos dos investimentos de risco do mercado financeiro.

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Poucas eram as informações técnicas e as análises econométricas encontravam várias dificuldades, sobretudo as divergências quanto à estimativa de rendimento de investimento em arte em longo prazo, a impossibilidade de se substituir a obra-prima única e o fato limitante de se dispor apenas dos preços de adjudicação em vendas públicas.

Os recentes estudos acadêmicos apontam a arte como “um veículo pobre” para diversificação de aplicações, sobretudo quando comparada a bônus e ações.

1 Comunicação enviada ao Congresso de Estética e História da Arte – América, Américas – mito e realidade, realizado em São Paulo, na ECA-USP, de 24 a 26 de outubro de 2007.

2 Cf. Diva Benevides Pinho, Arte como investimento, São Paulo: Nobel, 1988, Cap. III)

3 Adèle Bloch-Bauer (1881-1925) e seu rico esposo, o banqueiro Ferdinand Bloch-Bauer, recebiam os intelectuais da “Viena 1900” (Freud, Gustav Mahler, Arnold Schönberg e outros). Com a 2ª Grande Guerra, a família abandonou seus bens e foi para a Suíça. O Retrato de Adèle ficou na Galeria Belvédère, foi confiscado pelos nazistas e depois recuperado pelo Museu de Viena.

4 Baumol, William. La valeur antinaturelle ou l’investissement dans les oeuvres d’art consideré comme un coup de poker. Économie et Culture. Paris: La Documentation Française, v. 1, p. 31-44, 1987.

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2. Investimento em arte - textos acadêmicos recentes reunidos por Diva Pinho para uso dos alunos:

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outubro de 2007___________; Shum, P.M. The returns to Picasso’s prints and to tra-

ditional financial assets 1977 to 1996. Journal of Cultural Economics 23, p. 182–192, 1999.

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_________________. Mercado de arte - ensaio de Economia da Arte. 2007 (no prelo).

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(*) Profª Titular da FEA-USP, economista e advogada. (E-mail: [email protected])

(**) PhD., economista e docente de Econometria e Métodos Quantitativos do Depto. de Economia da

FEA-USP.(E-mail:[email protected])

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O presente artigo é o terceiro da série iniciada na edição de Agosto passado deste boletim Informações Fipe, cujo propósito é avaliar o comportamento fiscal dos municípios brasileiros e sua relação com fatores de natureza política.

Nos últimos anos, tem sido observado um significativo esforço do governo federal brasileiro com o objetivo de elevar ou ao menos manter nos atuais valores o superávit fiscal. A título de ilustração, a Necessida-de de Financiamento do Setor Público1 do governo federal (como porcentagem do PIB) tem decrescido sistematicamente a partir de 2000, passando de -1,77 % para -2,22 % ao final de 2006, sinalizando assim tal empenho. A mesma tendência é observada para o caso dos Estados brasileiros (-0,39 % do PIB ao final de 2000 e -0,70 % ao final de 2006), mas o caso dos municípios não é semelhante, ocorrendo períodos de maior ou menor esforço fiscal ao longo dos últimos anos. De qualquer forma, o que justifica a ocorrência de déficits fiscais ou, por outro lado, o que levaria um governo a gerar superávits fiscais? Estariam estes resultados associados somente a condicionantes econômicos, ou outros elementos poderiam também influenciá-los? Em particular para os Estados e municípios, estariam estes menos propensos a realizar ajustes fiscais com-parativamente ao governo federal? Embora o compor-tamento fiscal deste último seja o mais significativo e, portanto, considerado o mais importante, não se pode negligenciar os resultados orçamentários advindos das demais esferas administrativas, o que justifica uma investigação mais detalhada, notadamente dos municípios, uma vez que as mesmas são ainda pouco analisadas pela literatura referente.

A literatura econômica considera uma série de elemen-tos que justificam o comportamento dos déficits fis-cais. Para a teoria clássica, por exemplo, os superávits fiscais obtidos em períodos de expansão econômica podem ser utilizados como forma de financiar déficits fiscais em períodos recessivos, de modo a garantir um padrão de consumo estável ao longo do tempo. A análise sugere que os déficits fiscais não são neces-sariamente indesejados desde que o governo tenha um orçamento intertemporal equilibrado. Ou seja, inserir um mecanismo que garanta um orçamento equilibrado em cada período de tempo não seria uma estratégia ótima para o governante, ao restringir as possibilidades de consumo em períodos recessivos.

Um detalhe importante a ser adicionalmente conside-rado na teoria clássica diz respeito à existência ou não de garantias de que o orçamento intertemporal do go-verno esteja, de fato, sendo respeitado. Este resultado pode não ocorrer caso, por exemplo, os eleitores não tenham pleno entendimento da restrição intertempo-ral do governo, menosprezando o custo futuro de um déficit. Uma outra possibilidade ainda concernente ao comportamento afirma que déficits fiscais tenderiam a ocorrer não devido à “miopia” dos agentes, mas sim devido a uma maior dispersão de preferências políti-cas entre os eleitores com respeito à forma pela qual o orçamento público deveria ser gerido ao longo do tem-po. Finalmente, uma outra possibilidade atesta que a divergência de preferências entre os postulantes aos cargos públicos (policymakers) pode fazer com que um governante decida elevar o estoque de endividamento de modo a restringir as possibilidades de consumo de um governo opositor que possa estar futuramente

seRgio naRuHiko sakuRai (*)

déficit fiscal nos municípios paulistas: quais seus determinantes?

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outubro de 2007no poder. Logo, quanto menores as chances de um governante ser reeleito e quanto mais divergentes as preferências entre os políticos, maiores tendem a ser os níveis de endividamento.

Em uma situação em que exista a substituição regular de governantes, como ocorre em regimes democráti-cos, a disputa política inerente a este processo pode fazer com que os instrumentos de política econômica sejam utilizados como forma de propiciar maior suces-so político. Neste caso, se as instituições fiscalizadoras existentes não têm a efetividade esperada, déficits podem ser gerados sem a respectiva capacidade de solvência futura, o que pode gerar montantes de endividamento com sustentabilidade restrita. Seria necessário então, nesta situação, o desenvolvimen-to de mecanismos formais como forma de coibir o surgimento e a persistência de resultados fiscais negativos?

Este terceiro artigo é baseado no estudo elaborado por Sakurai (2007), cujo objetivo consiste em analisar o comportamento fiscal dos municípios paulistas entre 1989 e 2001, mensurado especificamente através do resultado primário orçamentário. Em termos mais específicos, procura-se analisar quais fatores de natu-reza econômica e política determinam a probabilidade de um município paulista obter resultados fiscais pri-mários positivos ou negativos e, no caso da ocorrência de cada um destes, quais elementos afetam sua mag-nitude.2 Tal estudo tem como motivação a Portaria nº 089/97 do Ministério da Fazenda, que estabelece uma metodologia que classifica a capacidade de solvência dos Estados e municípios brasileiros com base nos seus respectivos resultados orçamentários. Entre outros, tal categorização serve como referência para que a União conceda garantias às operações de crédito realizadas pelos Estados e municípios brasileiros.

Os resultados dos procedimentos estatísticos imple-mentados sugerem que elementos a princípio não perceptíveis ou ao menos não mensuráveis (fatores associados ao ambiente político em cada município considerado, por exemplo) tendem a gerar algum tipo de influência sobre a decisão das administrações

municipais paulistas em realizar ou não programas de contenção fiscal, ou seja, anteriormente à decisão da magnitude do ajuste a ser realizado existe uma decisão preliminar a respeito da obtenção do mesmo ou não. Por sua vez, estes mesmos elementos não observáveis também tendem a influenciar a decisão das prefeituras paulistas em obter um resultado pri-mário negativo anteriormente à decisão do montante do déficit a ser incorrido. Em especial, observa-se que municípios com um orçamento mais comprometido com despesas de pessoal tendem a ter dificuldades expressivas para realizar tais ajustes. Tal resultado parece sugerir que a predisposição de se realizar uma gestão orçamentária mais conservadora não é suficiente para garantir resultados fiscais positivos, envolvendo assim a necessidade de restringir ou até mesmo diminuir execuções fiscais justamente em uma das categorias de despesa pública de mais difícil alteração, seja por restrições de natureza institucional / legal, seja por razões políticas. Em outras palavras, além de ser legalmente restrita a possibilidade de reduzir salários ou mesmo diminuir o número de servidores públicos, existe um custo político não des-prezível em realizar tais contenções principalmente em municípios, em que a proximidade do cidadão e do administrador público tende a ser maior.

Um outro resultado interessante vem a ser a não influ-ência do alinhamento partidário entre os prefeitos e o governador do Estado de São Paulo sobre o resultado fiscal dos municípios paulistas. Assim, estas evidên-cias sugerem que um eventual conservadorismo fiscal do governo estadual parece não ser transmitido às gestões municipais. Os demais fatores de natureza política considerados, quais sejam, a existência dos partidos políticos, a fracionalização das preferências dos eleitores e a fracionalização partidária do poder Legislativo dos municípios paulistas também ten-dem a ter influência nula sobre o superávit fiscal dos municípios paulistas durante o período avaliado – a exceção reside no caso do PT, partido ao qual estão associados menores superávits primários. Por sua vez, na amostra com observações deficitária, tais fatores políticos passam a gerar alguma influência, conforme discutido anteriormente.

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Por fim, observa-se também que a institucionalização de um critério formal de classificação da dívida dos entes da federação brasileira – mais especificamente Estados e municípios – pode representar um efetivo controle sobre a possibilidade de ocorrência de resul-tados orçamentários deficitários em tais unidades, ressaltando a relevância da Portaria nº 089/97 do Ministério da Fazenda.

Referência BibliográficaSakurai, Sergio Naruhiko. Ciclos eleitorais, reeleição e déficit fiscal nos

municípios brasileiros: uma análise via dados em painel.Junho de 2007 (Tese Doutorado). Departamento de Economia, IPE-FEA-USP.

1De acordo com dados do Banco Central do Brasil – Necessidades sem desvalorização cambial.

2 Em termos mais específicos, este estudo implementa o pro-cedimento econométrico conhecido como “viés de seleção”, mas aplicado a uma estrutura de dados em painel, ou seja, quando existem informações sobre diversas variáveis seccionais (neste caso, os municípios paulistas) ao longo do tempo.

(*)Doutor em Economia pelo IPE-FEA-USP e pesquisador da Fipe. (E-mail: [email protected]).

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Nosso artigo propõe-se a explicar a recente crise imobiliária norte-americana à luz do arcabouço de análise de Hyman Minsky. Na primeira parte repro-duzimos as principais contribuições do autor no que se refere a crises financeiras. A seguir, realizamos uma descrição do episódio recente ocorrido no mercado imobiliário dos Estados Unidos. Por fim, analisamos em que medida as idéias do autor têm validade no entendimento das origens da crise e das políticas adotadas por ocasião desta.

Minsky e as Crises Financeiras

O economista norte-americano Hyman Philip Minsky (1919-1996) deu importantes contribuições para o en-tendimento das crises financeiras. Dono de uma visão bem particular do capitalismo, defendia que a forma correta de entender o comportamento de economias com sistemas financeiros desenvolvidos seria conhe-cer a sua estrutura financeira e ver como essa estrutura se inter-relaciona com o restante da economia, o para-digma de Wall Street. O sistema financeiro não seria um mero mediador do lado real da economia; seria a própria dimensão real, responsável pela determinação dos rumos da economia capitalista. O consumo e a produção se resumiriam a fluxos monetários.

Os mercados financeiros colocariam ordem sobre a “anarquia” das relações de trocas em uma economia descentralizada operando em um mundo permeado por incerteza que impede o ajuste perfeito entre os fluxos de receitas e obrigações. Se por um lado as operações financeiras complexas e interligadas conferem coerência ao sistema, por outro permitem comportamentos que o ameaçam. A viabilidade desse processo depende da capacidade de geração de renda para o cumprimento desses compromissos.

Essa construção teórica é operacionalizada através da criação dos conceitos de financiamento robusto e financiamento frágil que dependem da relação entre obrigações e fluxos de caixa. Esses conceitos são determinados pela qualidade dos arranjos finan-ceiros das unidades. Esses arranjos podem ser hedge finance – receitas esperadas superam obrigações em cada período -, especulativo – em alguns momentos precisará de empréstimos para cobrir juros – e Ponzi – um tipo de especulativo em que, em alguns instan-tes, tomar-se-á empréstimos acima das necessidades de pagamento de juros. As duas últimas posturas financeiras dependem dos mercados financeiros. Um padrão de financiamento frágil, com menor propor-ção de arranjos do tipo hedge, deixa baixa margem de manobra, já que boa parte dos recursos futuros está comprometida.

Minsky enuncia o ciclo econômico partindo de um cenário positivo de expansão do investimento e forte crescimento da economia que conta com padrão de financiamento robusto. Esse bom cenário valida a estrutura financeira existente, premia posturas mais alavancadas - maior proporção de obrigações em relação a receitas esperadas -, e gera uma euforia que induz um superdimensonamento dos fluxos financei-ros esperados. As restrições e margens de segurança são relaxadas, e a estrutura de débitos muda em favor de uma estrutura mais alavancada. Muitas unidades hedge assumem uma postura especulativa para apro-veitar as oportunidades de investimento. Os preços dos bens de capital e o investimento sobem. A tendên-cia é que esse crescimento se torne um boom validando a postura especulativa. Entretanto, essa postura é vulnerável à alta de juros por conta da necessidade de refinanciamento contínuo, do descasamento entre a realização do ativo e os fluxos de compromissos,

tiago toledo FeRReiRa (*) guilHeRme Penin (**)

a crise imobiliária norte-americana sob a ótica de Hyman Minsky

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e da possibilidade de alterações de exigências por parte dos financiadores. A economia dominada pela incerteza está sujeita a mudanças nas expectativas que reverteriam o ciclo econômico. A não materialização de fluxos esperados, por exemplo, deteriora a posição financeira das unidades e aumenta a proporção de posturas financeiras Ponzi. As quedas do preço dos bens de capital e do investimento acentuam a rever-são. O mercado financeiro exige garantias maiores e, se a estrutura de débito não for validada, há o risco de um colapso devido ao alto grau de interdependência das relações financeiras.

A Hipótese da Instabilidade Financeira formulada por Minsky atesta que a economia capitalista cria endo-genamente uma estrutura financeira sujeita a crise a partir do funcionamento normal dos mercados. Esse padrão de crescimento do capitalismo seria instável por ser acompanhado de maior fragilidade do sistema. Flutuações econômicas, amplificadas pela ação do sis-tema financeiro, seriam manifestações de mudanças nas condições de financiamento da economia.

Minsky assume a endogeneidade da moeda, criada a partir das necessidades do sistema, o que torna a política monetária ineficaz e a alta de juros poderia de-teriorar ainda mais as posições financeiras. A contração da demanda agregada compromete a capacidade de

pagamento e a própria solvência das firmas. Esse seria o cenário mais dramático na visão do autor. A atuação do setor público, de forma geral, é a adoção de políticas fiscais contracíclicas e o exercício da função de em-prestador de última instância. Ela impede deflações de débitos, mas não permite um ajuste ao validar a posição dos agentes, e amplia a instabilidade da economia. A regulamentação prudencial do mercardo seria a forma mais indicada de intervenção, mas exige cuidados por trazer maior rigidez e limitar a atuação das forças de crescimento do capitalismo.

A Recente Crise Imobiliária Norte-Americana

O setor imobiliário norte-americano, já em cresci-mento desde meados da década de 90, atravessou um boom nos últimos anos. Tal processo deita suas raízes no ano de 2001, quando o Federal Reserve (Banco Central americano) deu início a uma série de reduções na taxa básica de juros, com vistas a reagir à recessão econômica. No entanto, em virtude dos efeitos de cortes de impostos (que recaíam predominantemente sobre os mais ricos) e dos sobreinvestimentos dos anos 90, que dificultavam a superação da recessão, os cortes de juros tornaram-se muito expressivos, tendo mesmo resultado em valores negativos em termos reais, e alimentaram a formação de uma bolha.

gráfico 1 – juros norte-americanos (% - média anual)Juros N orte -Am e rica nos (% - m é d ia a nua l)

0,01,02,03,04,05,06,07,0

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Fonte: Federal Reserve - elaboração própr iaFonte: Federal Reserve – elaboração própria.

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outubro de 2007Como conseqüência do processo acima descrito, houve redução das exigências para concessão de crédito a consumidores, o que os persuadiu a tro-car taxas fixas por juros variáveis. Refinanciavam, assim, suas hipotecas de maneira vantajosa, sendo possível gastar parte da diferença entre os em-préstimos contraídos a taxas baixas e o valor das prestações devidas, ampliando sua capacidade de

consumo. Além disso, por vezes os empréstimos usufruíam de prestações especialmente baixas nos primeiros anos (chamadas teaser rates), inferiores até mesmo ao valor dos juros devidos, não havendo amortização e resultando em um aumento do valor total da dívida ao invés de sua redução. Evidente-mente, deste processo decorriam prestações muito mais pesadas à frente.

gráfico 2 – consumo EUA – U$ trilhões Consumo EUA - U$ t ri lhões

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Fonte: US Depar tm ent of Com m erce (Bureau of Econom ic Analysis) - elaboração própr iaFonte: US Department of Commerce (Bureau of Economic Analysis) – elaboração própria.

A manutenção das taxas de juros baixas nos anos subseqüentes a 2001 levou à continuidade do cresci-mento da oferta de crédito disponível, que elevou a participação de empréstimos concedidos a famílias com menores garantias. O chamado setor “subprime” ganhou, portanto, força e cresceu muito. O tamanho deste crescimento é proporcional à crise que se abateu sobre o mercado imobiliário americano em agosto de 2007.

Naquele mês foi detectada uma alta taxa de default do segmento que engloba pessoas com histórico de inadimplência e que, por conseqüência, podem oferecer menos garantia de pagamento, ou seja, o “subprime” (de segunda linha). Por embutir maior risco, eles têm juros maiores, o que os torna mais atrativos para gestores de fundos e bancos em busca de retornos superiores. Assim, ao comprar tais títulos das instituições que fizeram o primeiro empréstimo, estes gestores permitem que um novo montante de dinheiro seja novamente emprestado, antes mesmo de

o primeiro empréstimo ser pago. Também interessado em lucrar, um segundo gestor, originário de qualquer parte do mundo, inclusive do mercado europeu, pode comprar o título adquirido pelo primeiro e assim por diante, gerando uma cadeia de venda de títulos.

O estopim para a tensão mundial foi justamente uma notícia vinda da Europa, de que no dia 9 de agosto, o banco francês BNP Paribas, um dos principais da re-gião, havia congelado o saque de três de seus fundos de investimentos que tinham recursos aplicados em créditos gerados a partir de operações hipotecárias nos EUA. A instituição alegou dificuldades em contabilizar as reais perdas desses fundos. O mercado já monitorava há meses os problemas com esses créditos imobiliários. Quando a inadimplência dessas operações superou as expectativas, empresa após empresa nos EUA relatou problemas de caixa. Os investidores, então, começa-ram a ficar preocupados com o tamanho do prejuízo, resultando na crise de liquidez que tornou-se notícia ao redor do mundo em agosto de 2007.

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A Crise e Minsky: Algumas Conjecturas

A alta aderência da análise minskyana aos fatos ob-servados por ocasião da recente crise imobiliária nor-te-americana atesta a necessidade do resgate de suas idéias para melhor compreensão desses fenômenos.

As boas condições macroeconômicas - crescimento sustentado do PIB, inflação sob controle, queda de juros – fomentaram um processo endógeno de fragi-lização da estrutura financeira. Inicialmente, a com-binação de crescimento e juros em queda resultou em processo virtuoso de expansão do crédito, aumento do valor das residências e ampliação dos investimen-tos do setor. O próprio Minsky apontou essa pos-sibilidade em sua obra clássica “Can it happen again?”: “The various “innovations” in housing finance have led to higher prices of housing, the acceptance of a heavier weight of debt in corporation balance sheets has sustained the price of capital assets, and the explosive growth of money market funds has increased the availability of short-term finance to business”. A manutenção dessas condições, no entanto, valida a estrutura financeira existente e induz a for-mação de expectativas otimistas, responsáveis pela incorporação ao mercado de crédito de famílias com histórico de pagamentos menos favorável. Ou seja, as expectativas otimistas elevaram a tolerância ao risco dos credores, tendo sido reduzidas as margens de garantias requisitadas para tomada de empréstimos. Ou, conforme enunciou Kregel (2001), esse processo

endógeno pode ter origem “(...) in periods of economic stability in which the weight of past positive experience in-creases the expectation of future success, and the memories of past crises fade from the collective memories of bankers and managers. This reduction in the estimates of probable loss will lead to a reduction in the cushion of safety thought to be prudent. Thus cushions of safety are reduced with the lowered expectations of negative shocks”. É, portanto, a própria manutenção das condições de estabilidade do sistema a responsável por sua fragilização.

Dessa forma houve uma queda na participação relati-va das carteiras do tipo prime, de baixo risco, em favor de uma elevação da participação de carteiras de maior risco. Equivalentemente, esse quadro corresponde a uma ampliação de arranjos financeiros especulativos, na tipologia minskyana, caracterizado por dependên-cia do sistema financeiro por conta da necessidade de contrair empréstimos em alguns instantes. A maior presença dessas unidades na economia reduz a mar-gem de manobra, tendo em vista a alta proporção de obrigações em relação aos fluxos de receitas futuras esperadas.

No estado acima descrito, qualquer distúrbio que gere reversão nas expectativas afetará de maneira mais drástica a economia. A perspectiva de deterioração das condições financeiras das unidades, dada a reduzida margem de manobra, aumenta a percepção de risco no mercado tornando mais exigentes as condições

gráfico 3 – mercado norte-americano de crédito hipotecário residencial (2007)M e rca do N orte -a m e rica no de Cré d ito H ipo te cá rio

R e s ide ncia l (2 0 0 7 )

Subpr im e, segunda linha;

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Alt- A; 12%

Jum bo; 15%

Pr im eira linha de baixo r isco; 58%

Fonte: Bear Stearns - elaboração própr iaFonte: Bear Stearns – elaboração própria.

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outubro de 2007sob as quais novos empréstimos são contraídos. A repercussão da referida reversão pode levar algumas unidades a requerer novos empréstimos para o paga-mento de juros e principal de dívidas anteriormente contraídas, ingressando em uma postura Ponzi. Esse movimento é amplificado, aumentando a participação de unidades Ponzi nas carteiras dos credores. Isto pode transformar os próprios credores, cuja ativida-de consiste em emprestar um montante de recursos superior ao seu capital próprio, ou seja, intrinseca-mente especulativa, em unidades Ponzi, tornando a insolvência sistêmica.

No caso aqui tratado, o relatório publicado em agosto pelo BNP Paribas pode ser considerado como o distúr-bio desencadeador da reversão das expectativas.

Na crise imobiliária, o Federal Reserve e outros bancos centrais mundiais intervieram inicialmente como emprestadores de última instância, injetando mais de US$ 500 bilhões de recursos nos mercados nos nove dias subseqüentes à divulgação da decisão do BNP Paribas. Adicionalmente, no mês seguinte, o Federal Reserve promoveu o primeiro corte na taxa de juros desde junho de 2003, no montante de 0,5%, levando-a a 4,75% ao ano. Tais atitudes garantiram a solvência do sistema e debelaram a emergência da crise sistêmica. No entanto, a fragilidade financeira persiste, na medida em que tais medidas não tiveram o caráter de ajustar as posições financeiras, ou seja, validaram a estrutura preexistente.

A atuação dos bancos centrais no episódio seguiu o receituário minskyano. Como já foi anotado, o autor defende a regulação prudencial como política ideal. No entanto, quando a situação é de instabilidade iminente, o melhor artifício é a contenção da crise via políticas contracíclicas e atuação do banco central como emprestador de última instância. Evita-se assim uma deterioração da situação financeira das unidades e uma deflação de débito, cujos efeitos dramáticos foram observados na crise de 1929. Ainda assim, no caso atual, não ocorre o ajuste das posições financeiras e a vulnerabilidade da economia a novas crises per-siste. Não é possível, portanto, determinar a evolução do cenário, na medida em que a fonte fundamental

da instabilidade ainda não foi atacada. A eclosão de uma nova crise dependerá do desenrolar dos fatos no futuro próximo.

Apesar da clareza da aderência da argumentação de Minsky ao entendimento da presente crise imobili-ária, são poucas as referências ao autor nas análises recorrentes. Este fato torna-se ainda mais surpreen-dente ao constatar-se que a atuação das principais autoridades econômicas seguiu em grande medida o receituário proposto por Minsky, o que reforça a atualidade de suas contribuições e torna imperativo o uso de sua abordagem para o tratamento de crises financeiras.

Referências BibliográficasDymski, G.; Pollin, R. Hyman Minsky as hedgehog: the power of

the Wall Street paradigm.In: Fazzari, S.; Papadimitriou, D. (eds), Financial conditions and macroeconomic performance. New York: M. E. Sharpe, 1992.

Kregel, J. Yes ‘it’ did happen again. In: Bellofiore, R.; Ferri, P. (eds), The economic legacy of Hyman Minsky, vol. II. Aldershot: Edward Elgar, 2001.

Mehrling, P. The vision of Hyman Minsky. Journal of Economic Be-havior and Organization, v.39, 1999.

Minsky, H. Can “it” happen again? Essays on instability and finance. New York: M. E. Sharpe, 1982.

Fontes Eletrônicas de DadosBear Stearns - http://www.bearstearns.com/

Bureau of Economic Analysis - US Department of Commerce - http://www.bea.gov/

Federal Reserve - http://www.federalreserve.gov/

(*) Mestrando em Economia pelo IPE/FEA/USP.

(E-mail:[email protected]). (**) Mestrando em Economia pelo IPE/FEA/USP.

(E-mail: [email protected]).