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ISSN 2340-5457 Volumen XIII, (2020) http://www.unex.es/eweb/monfragueresilente ANÁLISE PROBABILÍSTICA DE CHEIAS E O USO DE BACIAS DE DETENÇÃO COMO MEDIDA MITIGADORA: APLICAÇÃO À BACIA DE SANTA LUZIA ANÁLISIS PROBABILÍSTICO DE INUNDACIONES Y EL USO DE CUENCAS DE DETENCIÓN COMO MEDIDA DE MITIGACIÓN: APLICACIÓN A LA CUENCA DE SANTA LUZIA. Leonardo Bazilio Gonçalves 1 , 2 Sérgio António Neves Lousada 3 , 4 , 5 Revista Científica Monfragüe Resiliente. http://www.unex.es/eweb/monfragueresilente Editada en Cáceres, Dpto. Arte y Ciencias del Territorio de la Universidad de Extremadura. Elaborada conjuntamente con las Universidades de Lisboa y la Autónoma de México Recibido: 10/03/2020 Aceptada versión definitiva: 18/05/2020 1 Faculdade de Ciências Exatas e Engenharia (FCEE), Departamento de Engenharia Civil e Geologia (DECG), Universidade da Madeira (UMa), Funchal, Portugal 2 CITUR - Madeira - Centro de Investigação, Desenvolvimento e Inovação em Turismo, Madeira, Portugal 3 VALORIZA – Centro de Investigação para a Valorização de Recursos Endógenos, Portalegre, Portugal 4 Grupo de Investigación de Análisis de Recursos Ambientales (ARAM), Universidad de Extremadura; Badajoz, Espanha 5 Instituto de Investigação para a Governança Territorial e Cooperação Interorganizacional, Dąbrowa Górnicza, Polônia

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ANÁLISE PROBABILÍSTICA DE CHEIAS E O USO DE BACIAS DE DETENÇÃO COMO MEDIDA MITIGADORA: APLICAÇÃO À BACIA

DE SANTA LUZIA

ANÁLISIS PROBABILÍSTICO DE INUNDACIONES Y EL USO DE CUENCAS DE DETENCIÓN COMO MEDIDA DE MITIGACIÓN:

APLICACIÓN A LA CUENCA DE SANTA LUZIA.

Leonardo Bazilio Gonçalves1,2 Sérgio António Neves Lousada 3,4,5

Revista Científica Monfragüe Resiliente. http://www.unex.es/eweb/monfragueresilente

Editada en Cáceres, Dpto. Arte y Ciencias del Territorio de la Universidad de Extremadura. Elaborada conjuntamente con las Universidades de Lisboa y la Autónoma de México

Recibido: 10/03/2020 Aceptada versión definitiva: 18/05/2020

1 Faculdade de Ciências Exatas e Engenharia (FCEE), Departamento de Engenharia Civil e Geologia (DECG), Universidade da Madeira (UMa), Funchal, Portugal 2 CITUR - Madeira - Centro de Investigação, Desenvolvimento e Inovação em Turismo, Madeira, Portugal 3 VALORIZA – Centro de Investigação para a Valorização de Recursos Endógenos, Portalegre, Portugal 4 Grupo de Investigación de Análisis de Recursos Ambientales (ARAM), Universidad de Extremadura; Badajoz, Espanha 5 Instituto de Investigação para a Governança Territorial e Cooperação Interorganizacional, Dąbrowa Górnicza, Polônia

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RESUMO

Impulsionados pela degradação ambiental e pelas alterações climáticas, os

fenómenos das cheias têm sido cada vez mais recorrentes e intensos. Os eventos

extremos ocorridos no Funchal, nomeadamente em 2010 e 2013, levaram a região a

uma situação crítica com dezenas de perdas humanas e bens materiais, de forma a

apresentar a necessidade de implementação de uma política de planeamento urbano

otimizada e que contemple o índice de urbanização atual.

Verifica-se que as zonas com elevada urbanização são os locais mais propensos ao

fenómeno supracitado, uma vez que o mesmo está diretamente relacionado com o

grau de impermeabilização do solo, o qual impede a infiltração da água precipitada e

facilita o escoamento superficial. Devido a isto, a convivência com estes eventos

tornou-se cada vez mais frequente em grandes centros urbanos.

Com base no histórico recente de transbordo da ribeira de Santa Luzia, no Funchal,

através de ferramentas de georreferenciação como o ArcGIS, proceder-se-á à análise

geomorfológica e hidrológica da bacia hidrográfica de Santa Luzia, de forma a verificar

a propensão de transbordo da ribeira para um período de retorno de 100 anos. Para

a análise probabilística do caudal precipitado será utilizado a Distribuição de Gumbel.

Em caso de grande propensão de transbordo da ribeira, será efetuado o

dimensionamento de uma Bacia de Detenção para a regularização e controlo do

caudal escoado para jusante como mecanismo de mitigação dos impactos causados

pelo fenómeno.

Portanto, este estudo tem como principal objetivo a análise e simulação de um evento

de precipitação intensa e o respetivo comportamento na foz da ribeira de Santa Luzia,

de forma confirmar a insuficiência de escoamento conforme verificado nas cheias de

2010 e 2013, e a necessidade de implementação da bacia de detenção.

Palavras Chave: Bacias hidrográficas; Drenagem urbana; Escoamento superficial;

Fenómenos climáticos; Planeamento Urbano.

ABSTRACT

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As a result of climate changes and environmental threats, flooding events have

drastically increased all over the world. The high-intensity and short-duration event that

took place in Funchal in 2010 and 2013, resulted in dozens of dead and major

damages to infrastructures. So, the need to implement urban planning policies that

consider the urbanization index is pivotal. Studies suggest that highly urbanized areas

tend to be more affected by the phenomenon since it is related to the waterproof that

prevents the infiltration process and promotes surface runoff. Thus, anthropogenic

pressure has also increased the need to adapt to this type of situations.

Based on historical events, the Santa Luzia stream has overflowed causing major

impacts on Funchal´s socioeconomic fabric. Using georeferencing tools such as

ArcGIS, it was possible to perform the geomorphological and hydrological analysis of

this stream with a 100-year return period. The Gumbel´s Distribution was used to

perform the probabilistic analysis of the rainfall. If the stream reveals to be prone to

overflow, it will be designed a detention basin to regulate the amount of flow running

downstream as a flood mitigation measure.

Therefore, this study´s main goal is to perform the analysis and simulation of high-

intensity rainfall to further characterize the Santa Luzia´s downstream flowrate and

assess whether the runoff is enough to result in flash floods — i.e. 2010 and 2013 —

and the need to build detention basins.

Key Words: Watersheds; Urban drainage; Surface runoff; Climatic phenomena; Urban

planning.

1. INTRODUÇÃO

Conforme abordado por Franco & Fill (2004), os fenómenos climáticos extremos

tornaram-se uma das principais problemáticas enfrentadas pela humanidade, onde as

cheias se apresentam como o evento mais recorrente em zonas com elevado índice

de urbanização e precipitações intensas. Neste contexto, este fenómeno cada vez

mais tem causado grandes prejuízos económicos, proliferação de doenças e

consequentemente, as perdas humanas. Evidencia-se que “são nas áreas urbanas

que a problemática se assume com riscos e prejuízos acrescidos, uma vez que são

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nestas que se concentram a maioria da área habitacional e comercial dos municípios

(Moura et al., 2019)”.

A ocorrência das cheias dá-se pela baixa absorção da água precipitada no solo,

provocada pela elevada impermeabilização proveniente do processo de urbanização

(Luna et al., 2011). Segundo Bryant (2005), as cheias além de causadas por grandes

tempestades, também tendem a ocorrer em períodos de instabilidade atmosférica

extrema, onde regiões montanhosas estão mais propensas a sofrer com este evento.

Para Lyman et al., (2005), ilhas vulcânicas de grande altitude como Havai, Gran

Canaria, Reunion e Madeira possuem características geológicas e naturais que as

tornam mais sujeitas a grandes cheias.

No que se refere a influência das mudanças climáticas no globo, Santos (2010) afirma

que as alterações na dinâmica de precipitação têm provocado mudanças na

distribuição dos recursos hídricos, tanto no aspeto temporal quanto espacial, de forma

a ocasionar cheias em determinados locais e escassez hídrica em outros. Portanto,

segundo Genç et al. (2019), a evolução descontrolada do processo de urbanização e

as mudanças climáticas suscitam o interesse por um bom planeamento e

ordenamento territorial.

Neste sentido, a necessidade de encontrar soluções práticas levou a adoção da

premissa de rápido afastamento dos volumes excedentes para jusante. Mesmo que

inicialmente funcional para as regiões a montante, a problemática era apenas

transferida e não solucionada, sendo necessário aferir intervenções mais severas nas

áreas agravadas (Tucci & Porto & Barros, 1995). Com isto, procedeu-se aos estudos

de implementação de medidas mitigatórias para os impactos originados pelas cheias,

sem o conceito de transferência de volumes excessivos para jusante.

Através dos estudos referidos, surge o conceito de armazenamento dos caudais

excedentes por meio de Bacias de Detenção, sendo estas, estruturas que possuem a

capacidade de armazenar grandes volumes de água, de forma a regularizar o caudal

a ser escoado para jusante sem a necessidade de otimização do sistema de drenagem

urbana existente (Chow et al., 1988). Portanto, as Bacias de Detenção podem ser

definidas como um mecanismo de armazenamento, regularização e controlo dos

escoamentos superficiais provenientes de uma precipitação em determinada bacia

hidrográfica. Conforme sugerido por Reis (2015), as estruturas de mitigação de cheias

contribuem para a regularização do volume de água afluente à linha principal, de forma

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a permitir o controlo da evolução morfológica do curso de água e a redução da

degradação do leito devido ao processo de erosão, ocasionado pelo transporte dos

sólidos.

Por fim, este estudo tem como objetivo verificar a necessidade de implementação de

uma Bacia de Detenção para a bacia hidrográfica de Santa Luzia, Funchal, uma vez

que a mesma possui histórico de cheias durante precipitações de elevada intensidade

como já ocorreu em 2010 e 2013.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 ENQUADRAMENTO DA REGIÃO

O Arquipélago da Madeira situa-se no Oceano Atlântico, próximo à costa africana,

entre as latitudes de 30º 01’ N e 33º 31’ N e as longitudes de 15º 51’ W e 17º 30’ W

do Meridiano de Greenwich, a 978 km a Sudoeste (SW) de Lisboa, a 450 km a Norte

(N) das Ilhas Canárias e a 700 Km a Oeste (W) da Costa Africana (Lousada &

Gonçalves, 2019). A bacia hidrográfica escolhida para o presente estudo situa-se no

Funchal, Ilha da Madeira, e em conjunto às bacias hidrográficas de João Gomes e

São João, compõem as principais vertentes de escoamento pluvial da região.

Figura 1 - Ilha da Madeira. (Fonte: Google Maps).

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A caraterização da bacia foi executada através do software de sistema de informação

geográfica ArcGIS 10.3, elaborado pela ESRI.

Figura 2 - a) Linhas de água; b) Mapa de declividade; c) Uso e ocupação do solo.

Após a definição dos limites da bacia, procedeu-se à determinação dos parâmetros

quantitativos, apresentados a seguir na Tabela 1.

Tabela 1 - Parâmetros da bacia hidrográfica de Santa Luzia.

Características da Bacia

Área (km²) 14,38

Perímetro (km) 31,20

Comprimento do Talvegue (km) 12,22

Altura Máxima do Talvegue (m) 1676,00

Altura Mínima do Talvegue (m) 0,00

Declividade Média do Talvegue (m/m) 0,13

2.2 AVALIAÇÃO DA VIABILIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO DA BACIA DE

DETENÇÃO.

A verificação da necessidade de implementação de uma Bacia de Detenção pode ser

feita ao analisar a capacidade de escoamento da zona crítica de escoamento da

ribeira. A zona crítica é caraterizada pela redução da seção de escoamento onde

normalmente ocorre a retenção da água precipitada, de forma a aumentar o nível até

ao transbordo da ribeira. Portanto, procede-se ao cálculo do Fill Rate, que é a razão

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entre o caudal de ponta de cheia Qp (m³/s) expectável com a capacidade de

escoamento da zona crítica em questão Qm (m³/s).

FR =Qp

Qm (eq. 1)

A capacidade de escoamento da zona crítica referida pode ser determinada através

da equação de Manning-Strickler, amplamente utilizada para o dimensionamento e

análise de canais de escoamento livre, onde “K” é o coeficiente de rugosidade do

canal, “A” a área molhada, “Rh” o raio hidráulico e “I” a declividade do canal.

Qm = K. A. Rh0,667. I0,5 (eq. 2)

2.3 CAUDAL DE PONTA DE CHEIA

Conforme supracitado, para a determinação do Fill Rate é necessário proceder à

razão entre o caudal de ponta de cheia e a capacidade de escoamento da zona crítica,

sendo esta, determinada pela equação de Manning-Strickler. Para o Qp (m³/s), utilizar-

se-ão diversas metodologias, sendo posteriormente empregue a média dos valores

obtidos, como forma de estabelecer valores distantes dos extremos. As metodologias

utilizadas serão: Racional (3), Forti (4), Pagliaro (5) e Mockus (6).

Qp =(C. I. A)

3,6 (eq. 3)

Qp = A ∙ (b ∙500

Ab+125+ c) (eq. 4)

Qp = A ∙ (2900

90 + Ab) (eq. 5)

Qp =2,08∙A∙P

√tc+0,6∙tc (eq. 6)

Onde:

C: coeficiente de escoamento superficial (runoff);

A: área da bacia em estudo (km²);

b e c: parâmetros específicos da metodologia de Forti (adimensionais);

P: precipitação (cm);

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tc: tempo de concentração (horas).

2.4 INTENSIDADE DE PRECIPITAÇÃO

O cálculo do caudal de ponta de cheia para algumas metodologias requer o valor

referente à intensidade de precipitação característica da região. Sendo assim, foi

necessário recorrer aos históricos de precipitação fornecidos pelo Sistema Nacional

de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH). A plataforma fornece para o Funchal

informações de 1998 a 2014, sendo estes dados retirados da Estação Meteorológica

de Santa Quitéria, ETA da Alegria e Trapiche. Os valores referentes às precipitações

máximas anuais foram listados através da adoção do maior valor diário apresentado

pela análise das três estações, considerando assim o pior cenário para a bacia de

Santa Luzia.

Com os valores de precipitações máximas anuais com duração de 24 horas

estabelecidos, a intensidade de precipitação determinar-se-á pela Distribuição de

Gumbel, a qual permite estimar a intensidade em decorrência de um determinado

tempo de retorno (Tr).

I =P

tc (eq. 7)

P = Pm+ S′. k (eq. 8)

k = −60,5

π. [0,577216 + ln (ln (

Tr

Tr − 1))] (eq. 9)

Onde:

I: intensidade de precipitação (mm/h); P: precipitação estimada em 24 horas (mm); tc: tempo de concentração (horas); Pm: média das precipitações analisadas (mm); S’: desvio padrão das amostras analisadas (mm); K: fator de frequência (adimensional); Tr: tempo de retorno do evento (anos).

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2.5 TEMPO DE RETORNO

O tempo de retorno pode ser descrito como o período médio em que um determinado

evento é igualado ou superado pelo menos uma vez. A recomendação do número de

anos a ser considerado é bastante variada, porém, em drenagem urbana os projetos

devem ser considerados de maior importância económica, recomendando-se

empregar um período de retorno de 50 ou 100 anos (Carvalho & Silva, 2006). Nesse

sentido, para o presente estudo será considerado um tempo de retorno de 100 anos.

2.6 TEMPO DE CONCENTRAÇÃO

Já o tempo de concentração, este pode ser definido como o tempo verificado desde o

início da precipitação até ao momento em que toda a bacia hidrográfica contribui para

o escoamento em uma referida seção. Apesar da existência de várias metodologias,

recomenda-se a utilização da metodologia de Kirpich para problemáticas de drenagem

urbana, uma vez que a mesma, fornece valores menores para o tempo de

concentração, e consequentemente, maiores valores de precipitação serão

considerados para o dimensionamento da bacia. Os valores relativamente majorados

servem como margem de segurança para possíveis eventos ainda mais raros do que

o previsto.

tc = 57(L3

ΔH)

0,385

(eq. 10)

Onde: tc: tempo de concentração (minutos); L: comprimento do talvegue principal (km); ΔH: diferença entre a cota máxima do talvegue para seção em análise (m).

2.7 DIMENSIONAMENTO DA BACIA DE DETENÇÃO

Analisada a necessidade de implementação da Bacia de Detenção, o

dimensionamento desta consiste em determinar o volume a ser acumulado e

controlado para que as zonas críticas recebam um caudal menor que a capacidade

total da ribeira. Como a Bacia de Detenção proposta neste estudo terá a regularização

do caudal como função primordial, e não a acumulação total da água escoada pela

bacia de forma simultânea, será efetuado a instalação de um descarregador do tipo

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Cipoletti, de forma a permitir um caudal de saída pré-determinado que satisfaça a

equação (12).

Qs = 1,86. L. H1,5 (eq. 11)

Qs < Qm (eq. 12)

Onde:

Qs: caudal de saída do descarregador que prosseguirá para jusante (m³/s);

L: comprimento da soleira do descarregador (m);

H: altura da água acima da cota da soleira do descarregador (m);

Qm: capacidade de escoamento da zona crítica a jusante (m³/s).

Desta forma, a diferença entre o caudal de ponta de cheia e o caudal de saída do

descarregador será o valor a ser armazenado na Bacia de Detenção, conforme a

equação (13).

V = (Qp − Qs). tc (eq. 13)

Onde:

Qp: caudal de ponta de cheia (m³/s);

Qs: caudal de saída do descarregador que prosseguirá para jusante (m³/s);

tc: tempo de concentração (horas).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Estabelecidos os valores referentes à bacia hidrográfica, procedeu-se à análise das

precipitações retiradas do SNIRH com a intenção de determinar os valores máximos

de precipitações relativas a cada uma das estações supracitadas, de modo a garantir

que o dimensionamento tenha uma maior margem de segurança. Posteriormente,

efetuou-se o cálculo da intensidade para um período de retorno de 100 anos,

utilizando as equações (10), (9), (8) e (7) sequencialmente. Com estes dados

elaborou-se a Tabela 2.

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Tabela 2 - Cálculos para determinação da intensidade de precipitação.

n Ano (mm) Pm (mm) S' k tc (h) C. R. I (mm/h)

1 1998/1999 88,80

95,90 51,87 3,14 0,98 0,33 85,33

2 1999/2000 45,60

3 2000/2001 66,00

4 2001/2002 97,00

5 2002/2003 104,50

6 2003/2004 49,20

7 2004/2005 95,00

8 2005/2006 61,80

9 2006/2007 71,30

10 2007/2008 106,00

11 2008/2009 76,00

12 2009/2010 193,00

13 2010/2011 182,50

14 2011/2012 37,80

15 2012/2013 199,70

16 2013/2014 60,20

O parâmetro “C.R” corresponde ao coeficiente de repartição temporal da precipitação,

o qual representa o percentual de horas diárias em que o fenómeno ocorreu. Com o

valor da intensidade de precipitação verificada, procedeu-se ao cálculo dos caudais

de ponta de cheia pelas metodologias indicadas nas equações (3), (4), (5) e (6),

obtendo-se os valores apresentados na Tabela 3.

Tabela 3 - Caudal de ponta de cheia.

Caudal de Ponta de Cheia (Qp) m³/s

Racional Forti Pagliaro Mockus Média

283,63 182,03 399,52 161,75 256,73

Por fim, foram calculados os valores referentes à capacidade de escoamento a

jusante, adotando a equação (2) e o percentual do Fill Rate pela equação (1), Tabela

4.

Tabela 4 - Fill Rate sem a implementação da Bacia de Detenção.

Qp (m³/s) Qm (m³/s) FR1

256,73 218,89 117%

Para a determinação da capacidade de escoamento a jusante, foi admitido que a

ribeira a jusante possui uma seção retangular com 6 metros de largura, 5 metros de

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altura e um coeficiente de rugosidade de 0,028 m-1/2.s, correspondente à rugosidade

de um leito de terra irregular com vegetação. Apesar de atualmente a foz possuir

revestimento em betão, com a deposição de uma espessa camada de sólidos e a

presença da vegetação, seria negligente considerar o coeficiente de rugosidade do

betão, uma vez que superestimaria a capacidade de escoamento a jusante.

Portanto, nota-se que o caudal de ponta de cheia foi 17% superior à capacidade de

escoamento a jusante, o que significa que ocorrerá o transbordo na zona crítica para

o evento de 100 anos expectável. Assim sendo, verifica-se a necessidade de

implementação da Bacia de Detenção.

Como sugere a equação (12), foi dimensionado um descarregador tipo Cipoletti pela

equação (11) para a regularização do caudal de saída, a ponto de deixá-lo abaixo da

máxima capacidade a jusante. O descarregador foi dimensionado através de um

processo iterativo, mantendo as dimensões do descarregador e da Bacia de Detenção

compatíveis com a realidade local. O dimensionamento da Bacia de Detenção foi

efetuado pela equação (13), junto ao processo iterativo do caudal de saída para

jusante.

Tabela 5 - Dimensionamento do descarregador, Bacia de Detenção e Fill Rate.

Descarregador Dimensões da Bacia de Detenção FR2

Larg. (m) Alt. (m) Qs (m³/s) Vol. (m³) Larg. (m) Alt. (m) Comp. (m) 82%

3 4 178,56 275807,67 20,00 7,00 1970,05

De acordo com a Tabela 5, a Bacia de Detenção terá um volume de armazenamento

de 275807,67 m³, 20 metros de largura e 7 metros de altura. O descarregador teve a

altura da carga hidráulica fixada em 4 metros e uma base correspondente de 3 metros.

A fixação da altura da carga hidráulica ocorreu como opção de projeto, uma vez que

a atribuição de uma carga hidráulica muito elevada ocasionaria um caudal de saída

superior à capacidade de escoamento a jusante. Por fim, calculou-se novamente o Fill

Rate com a presença da Bacia de Detenção, o qual apresentou um valor de 82%, ou

seja, o caudal de saída corresponde apenas a 82% da capacidade a jusante, não

permitindo a retenção da água precipitada na foz e consequentemente o transbordo

da ribeira.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desta forma e voltando a reforçar que o presente estudo teve como objetivo a

elaboração de uma simulação baseada em conceitos e distribuições probabilísticas

para estimar fenômenos extremos de cheias, de forma a verificar este pressuposto

inicial – a capacidade de escoamento da foz da ribeira de Santa Luzia abaixo do caudal

precipitado. Os acontecimentos de 2010 estão em linha com o estudo, uma vez que a

cheia com a mesma intensidade voltou a ocorrer em 2013 e voltou a ocasionar novos

transtornos.

Neste contexto, toda a investigação e cálculos elaborados sugerem que a

implementação de uma Bacia de Detenção é uma solução viável para mitigação dos

efeitos das cheias provocadas por aluviões, podendo também ser verificada a

viabilidade de implementação nas outras duas ribeiras do Funchal, João Gomes e São

João.

Portanto, o uso da Bacia de Detenção para o controlo do caudal a jusante faz parte

da proposta de planeamento territorial, uma vez que visa efetuar a resolução de

problemas urbanos que são causados pelo crescimento desordenado das cidades.

Além disso, apresenta um pressuposto autossustentável, o qual tende a utilizar a

própria característica local do terreno para resolver a problemática em questão, não

necessitando de metodologias agressivas ao meio ambiente.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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