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Código ISSN: 2358-0690 ANO 03 MAIO 15 Ajuste econômico, renúncias fiscais e seguridade social 19 Evilasio Salvador | Guilherme Mello | Maria Lucia Lopes da Silva REVISTA Série Especial AUSTERIDADE ECONÔMICA E QUESTÃO SOCIAL Em Parceria com BRASIL DEBATE E REDE D

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Código ISSN: 2358-0690

ANO 03 MAIO 15

Ajuste econômico, renúncias fiscais e seguridade social19

Evilasio Salvador | Guilherme Mello | Maria Lucia Lopes da Silva

REVISTA

Série Especial AUSTERIDADE ECONÔMICA E QUESTÃO SOCIAL Em Parceria com BRASIL DEBATE E REDE D

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Revista eletrônica idealizada e produzida pela rede Plataforma Política Social que reúne cerca de 300 pesquisadores e profissionais de

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EDITOR Eduardo Fagnani

EDITOR ASSISTENTE Thomas Conti

JORNALISTA RESPONSÁVEL Davi Carvalho

REVISÃO Caia Fittipaldi

PROJETO GRÁFICO Renata Alcantara Design

CONSELHO EDITORIAL Ana Fonseca NEPP/UNICAMP

André Biancarelli Rede D - IE/UNICAMP

Erminia Maricato USP

Lena Lavinas UFRJ

PARCERIA

Código ISSN: 2358-0690

APOIO

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08As consequências das renúncias tributárias no financiamento da seguridade social no Brasil

Evilasio Salvador

24Fundo público e as medidas provisórias nos 664 e 665: a contrarreforma da previdência em curso

Evilasio Salvador Maria Lucia Lopes da Silva

48Os primeiros resultados do ajuste: presente sombrio, futuro incerto

Guilherme Mello

Índice

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A J U S T E E C O N Ô M I C O , R E N Ú N C I A S F I S C A I S E S E G U R I D A D E S O C I A L

Nesta edição #19 da Revista Política Social e Desenvolvimento, seguimos no debate sobre a gestão macroeconômica e seus impactos sobre o desenvolvimento e a questão social.

Em “As Consequências das Renúncias Tributárias no Financiamento da Segu-ridade Social no Brasil”, Evilasio Salvador faz uma breve análise dos chamados

Andre Biancarelli R E D E D

Eduardo FagnaniP L ATA F O R M A P O L Í T I C A S O C I A L

Pedro Rossi B R A S I L D E B AT E

Apresentação

5S É R I E E S P E C I A L A U S T E R I D A D E E C O N Ô M I C A E Q U E S TÃ O S O C I A L

“gastos tributários” no período recente. O autor demonstra que, entre 2010 e 2014, em valores constantes, essas renúncias fiscais saltaram de R$ 184,4 bilhões para R$ 263,1 bilhões (de 3,6% para 4,7% do PIB), comprometendo 23,06% da arrecadação tributária federal no ano passado. Enquanto as desonerações de impostos cresceram 16,48%, as renuncias tributárias advindas das contribuições sociais que financiam a seguridade social subiram 72,76% (em termos reais). Apenas as renúncias advindas da desoneração patronal da folha de paga-mento alcançaram R$ 24 bilhões (2014), afetando o Orçamento da Seguridade Social. Segundo Salvador, o chamado gasto tribu-tário já compromete quase 1/5 das receitas públicas federais, também afetando o finan-ciamento das políticas de saúde e educação nos municípios, devido ao fato de que os impostos desonerados (como o IR e o IPI) são a base da composição do FPE e do FPM.

Por outro lado, o autor aponta uma “ausência marcante” nos critérios adotados pela Receita Federal, que não considera como renúncia a isenção do Imposto de Renda (IR) sobre os lucros e dividendos que, em 2012, atingiram o montante de R$ 436 bilhões: “se fosse aplicada uma alíquota de 25% sobre esse montante, o resultado seria uma arre-cadação adicional superior a R$ 100 bilhões de Imposto de Renda”, ressalta Salvador. A mesma “ausência” é observada com a não tributação das remessas para o exterior (que permanecem isentas da cobrança de IR desde 1996), bem como com a dedução dos “juros sobre capital próprio” (ou seja, lucros).

Em “Fundo Público e as Medidas Provisórias

nos 664 e 665: a Contrarreforma da Previ-dência em Curso”, Evilasio Salvador e Maria Lucia Lopes da Silva, destacam que, apesar desses fatos, o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff começou com o anúncio de um pesado ajuste fiscal, que impõe corte ou redução dos direitos sociais. Para eles, em parte, o ajuste proposto é fruto das escolhas econômicas anteriores, que acarretaram perda de arrecadação de recursos em decorrência do expressivo aumento das renúncias tributárias. “Em que pese o Brasil praticar ao longo da última década os maiores superávits primários do mundo”, em 2014 o resultado primário do governo central fechou negativo em -0,34% do PIB. Essa situação “provocou forte pressão do mercado financeiro pela retomada de uma política fiscal de corte de gastos públicos”.

O artigo analisa as Medidas Provisórias (MPs) nos 664 e 665 e seus impactos nos direitos relacionados à seguridade social e aqueles vinculados às relações de trabalho. Os autores vêm essas medidas como sequência da “contrarreforma da previ-dência social, em curso desde a Emenda Constitucional nº 20, de 1998, em obser-vância às diretrizes dos organismos finan-ceiros internacionais”. Seguem, assim, mesma direção e estratégias das medidas anteriores: “favorecem o capital, limitam o acesso aos direitos viabilizados pelo sistema público e diminuem os valores dos benefí-cios, impondo prejuízos aos trabalhadores”.

Finalmente, em “Os primeiros resultados do ajuste: presente sombrio, futuro incerto”, Guilherme Mello, apresenta uma análise dos primeiros resultados do ajuste fiscal e

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monetário posto em prática pelo ministro Joaquim Levy e o Banco Central, desta-cando que, dentre os objetivos almejados, “aparentemente nenhum caminhou para sua consecução”. Para o autor, o ajuste fiscal, “prejudicado pela queda de arrecadação decorrente da desaceleração econômica, está em estado terminal: é quase certo que o governo não será capaz de alcançar sua meta de economia de 1,2% do PIB em 2015”. A inflação, impulsionada pelo aumento das tarifas públicas e pela desvalorização do câmbio “certamente romperá o teto da meta e fechará o ano acima de 8%”. Com a manu-tenção da orientação atual, “as perspectivas de recessão se ampliam, impactando no mercado de trabalho, ocasionando aumento do desemprego e diminuição da renda”. As expectativas empresariais não se recupe-raram, e o setor externo parece não reagir à desvalorização cambial.

Em suma, os dados analisados “apontam para um cenário de recessão, desemprego, inflação alta e poucos avanços na redução do déficit público (na realidade, o que se observa é uma expansão do déficit nominal, dada a elevação dos juros)”, afirma Mello.

Boa leitura!

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Introdução

Uma das questões pouco estudadas sobre o sistema tributário brasileiro refere-se às renúncias tributárias, que são relevantes para a compreensão do custeio do fundo público, isto é, o

As consequências das renúncias tributárias

no financiamento da seguridade social

no Brasil 1

Evilasio SalvadorEconomista. Mestre e Doutor em Política Social. Professor da Universidade de Brasília (UnB) no Departamento de Serviço Social e no Programa de Pós-Graduação em Política Social.

9S É R I E E S P E C I A L A U S T E R I D A D E E C O N Ô M I C A E Q U E S TÃ O S O C I A L Foto: Marion de Deutschland @ Pixalbay / CCO

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chamado financiamento indireto da política pública. Para tanto, é neces-sária a análise das renúncias tributá-rias, permitindo assim identificar a transferência indireta e extraorçamen-tária de recursos para o setor privado da economia. Além disso, trata-se de um instrumento de “socorro” às empresas em momentos de crise do capitalismo.

Por detrás das chamadas desonerações tributárias e dos incentivos fiscais encontra-se um conjunto de medidas legais de financiamento público não orçamentário de políticas públicas (econômicas e sociais), constituin-do-se em renúncias tributárias do fundo público, geralmente em benefício das empresas.

Trata-se dos chamados gastos tribu-tários, que são desonerações equiva-lentes a gastos indiretos de natureza tributária. Portanto, são renúncias que são consideradas exceções à regra do marco legal tributário, mas presentes no código tributário com o objetivo de aliviar a carga tributária de uma classe específica de contribuintes, de um setor econômico ou de uma região.

Este artigo faz uma breve análise dos gastos tributários e das suas implica-ções sobre as políticas sociais, com ênfase sobre as políticas de seguridade social (previdência, saúde e assistência social) e de educação no período de 2011 a 2014, correspondente ao primeiro mandato do governo da presidenta Dilma Roussef.

Implicações das desonerações tributárias no financiamento da seguridade social e da educação no orçamento federal

No Brasil, do ponto de vista legal, o “Demonstrativo de Gastos Tributários”, além de atender à obrigação constitu-cional, é um requisito exigido também pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) (Lei Complementar nº 101/2000). A LRF determina que o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) será acom-panhado de documento a que se refere o § 6º do art. 165 da CF, bem como das medidas de compensação de renúncias de receita e do aumento de despesas obrigatórias de caráter continuado.

Apesar de haver relativo consenso na literatura internacional sobre os obje-tivos dos gastos tributários, o mesmo não pode ser dito sobre os caminhos metodológicos adotados para apuração de tais gastos (BEGHIN; CHAVES; RIBEIRO, 2010). Para fins deste texto, adota-se o conceito de gasto tributário usado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).

De acordo com a RFB (2013), são neces-sários dois passos para identificar os gastos tributários: a) determinar todas as desonerações tributárias, tendo-se como base um sistema tributário de referência; e b) avaliar, utilizando-se

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um conjunto de critérios definidos, quais desonerações são gastos indi-retos e passíveis de ser substituídas por gastos diretos, vinculados a programas de governo.

Com isso, o conceito de gastos tribu-tários para a RFB (2013, p. 10) diz r e s p e i t o a o s “g a s t o s i n d i r e t o s d o governo realizados por intermédio do sistema tributário, visando a atender objetivos econômicos e sociais”. Esses gastos “são explicitados na norma que referencia o tributo, constituindo-se uma exceção ao sistema tributário de referência, reduzindo a arrecadação

potencial e, consequentemente, aumen-tando a disponibilidade econômica do contribuinte”.

Além disso, segundo a RFB (2013, p. 10), os gastos tributários “têm caráter compensatório, quando o governo não atende adequadamente a população dos serviços de sua responsabilidade; ou, têm caráter incentivador, quando o governo tem a intenção de desenvolver determinado setor ou região”.

Além do relatório “Demonstrativo dos Gastos Tributários”, que acompanha anualmente o Ploa, a RFB vem editando

Foto: Michal Jarmoluk @ Pixalbay / CCO

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o documento intitulado “Demonstrativo dos Gastos Tributários: Estimativas das Bases Efetivas”.

E s t e n o v o d o c u m e n t o o b j e t i v a responder, ao menos em parte, a uma das críticas que feitas aos relatórios de gastos tributários que acompanham o Ploa, que se tratava de uma esti-mativa das renúncias, não existindo acompanhamento posterior, da efeti-vação e nem dos efeitos econômicos e sociais esperados (BEGHIN; CHAVES; RIBEIRO, 2010). Com isso, para atender tanto à demanda dos órgãos de controle quanto às organizações representativas da sociedade por informações sobre a realização dos gastos tributários, a Receita Federal já publicou quatro rela-tórios com os gastos tributários efetivos ocorridos no período de 2006 a 2012.2

A diferença metodológica entre os dois documentos diz respeito ao fato de que o “Demonstrativo dos Gastos Tributá-rios” que acompanha o Ploa apresenta as projeções desses gastos com infor-mações disponíveis até o mês de agosto3

do ano anterior do orçamento que será votado pelo Congresso Nacional.

Já no relatório divulgado a partir das bases efetivas, os gastos tributários sã o atualiza dos, a companhando as mudanças das variáveis econômicas em que foram baseadas as estimativas e projeções do relatório que acompanhou o Ploa, além de refletir a disponibili-dade de novas fontes de informações e a necessidade de aprimoramentos na metodologia empregada nas estimativas

e projeções (RFB, 2013).4

Em 2009, os gastos tributários efetivos (RFB, 2013) foram de R$ 160,4 bilhões em valores atualizados pelo IGP-DI para 2014. A partir de 2009, o governo federal tomou um conjunto de medidas p a r a co mb a t e r o s e fe i t o s d a c r i s e e co nô mic a mundial no Br a si l . No cerne dessas medidas, encontram-se as renúncias tributárias para diversos setores econômicos.

A Tabela 1 apresenta os gastos tribu-tários federais no período de 2010 a 2014, em valores deflacionados pelo Índice Geral de Preços – Disponibili-dade Interna (IGP-DI), com base nos relatórios da RFB, sendo que os valores correspondentes aos anos de 2013 e 2014 referem-se à estimativa dessas despesas. Observa-se que os gastos trib utário s vêm subindo de forma considerável nos últimos anos. Cres-ceram cerca de duas vezes mais do que o orçamento da União entre os anos de 2011 e 2014.

Assim, em 2010, no último ano do governo do presidente Lula, os gastos t r i b u t á r i o s a l c a n ç a r a m R $ 184 , 4 bilhões, isto é, 3,6% do PIB. A partir do governo da presidenta Dilma, os gastos tributários evoluem de forma expres-siva, saltando de 3,68% do PIB (2011) para 4,76% do PIB (2014), comprome-tendo 23,06% da arrecadação tributária federal (veja a Tabela 1).

Entr e as me didas desta c a das p ela Secretaria de Política Econômica do

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Foto: Foto Pública / CCO

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Ministério da Fazenda (SPE, 2010) estão as desonerações no PAC. Essas a çõ es fo r am co mp lement a da s p o r medidas temporárias relativas à polí-tica fiscal, por meio de uma série de desonerações tributárias temporárias para estimular as vendas e o consumo, além de outras renúncias históricas, que devem alcançar 4,76% do PIB em 2014 . As iniciativas mais recentes começaram com a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para o setor automotivo ao final de 2008 e, ao longo de 2009, alcançaram outros setores econômicos: bens de consumo dur áveis, mat er ial de constr uç ã o, bens de capital, motocicletas, móveis e alguns itens alimentícios.

Em 2010, mais medidas de socorro ao capital privado no País foram tomadas, envolvendo a prorrogação da redução do

IPI para a indústria automobilística e a redução do IPI dos eletrodomésticos da chamada linha branca (geladeiras, fo gõ es, má quinas de lavar). Nessa mesma direção, o governo brasileiro lançou, em agosto de 2011, o plano “Brasil Maior”, sob o argumento de aumentar a competitividade da indús-tria nacional, a partir do incentivo à inovação tecnológica e à agregação de valor.

A chave-mestra do plano foi constituída pelas desonerações tributárias – como a redução de IPI sobre bens de investi-mento, redução gradual do prazo para devolução dos créditos do PIS-Pasep/Cofins sobre bens de capital e a deso-neração da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamento para alguns segmentos econômicos (confecção, calçados, móveis e soft-wares) –, que serão compensadas no fa tur ament o da s emp r esa s dess es segmentos. Diante do agravamento da crise internacional, essas medidas foram ampliadas em 2012.5

Nos anos seguintes, o governo federal continuou ampliando a desoneração da contribuição previdenciária sobre a fo lha de p a gament o p ar a o utr o s segmentos e prorrogou a redução de IPI sobre automóveis, dentre outras medidas.

Os dados da Tabela 1 estão organizados por tributos (impostos e contribuições sociais) e revelam que, nos últimos cinco anos, os gastos tributários cres-ceram 42,67% acima da inflação medida

Assim, em 2010, no último ano do governo do presidente Lula,

os gastos tributários alcançaram R$ 184,4 bilhões, isto é, 3,6% do PIB. A partir do governo

da presidenta Dilma, os gastos tributários evoluem de forma expressiva, saltando de 3,68%

do PIB (2011) para 4,76% do PIB (2014), comprometendo 23,06%

da arrecadação tributária federal (veja a Tabela 1).

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Tributos

Estimativa das bases efetivas Projeção Variação de 2010 a 2014

2010 2011 2012 2013 2014 Em %

Impostos    101.172.042.728      106.233.021.717      107.160.077.436     112.861.607.378     117.843.191.940   16,48%   Imposto Importação – II 3.862.338.054 3.444.387.403 3.442.153.911 3.961.216.566 3.874.656.326 0,32% Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF 30.150.499.729 32.308.871.312 33.026.387.297 34.375.617.066 37.145.891.434

23,20%

Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ 36.751.983.255 36.475.764.409 38.207.805.846 39.293.781.983 41.302.913.049

12,38% Imposto sobre a Renda Retido na Fonte – IRRF 5.075.291.827 5.903.514.655 5.562.672.878 6.081.560.824 6.027.167.425

18,76% Imposto sobre Produtos Industrializados – Operações Internas – IPI-I

20.884.107.034 21.761.883.977 21.266.851.713 23.384.348.261 23.586.904.950

12,94%

IPI-Vinculado 2.702.990.504 2.836.155.107 3.174.434.789 3.718.962.086 3.788.693.672 40,17%

Imposto sobre Operações Financeiras – IOF

1.708.356.509 3.465.603.234 2.443.987.952 2.010.261.228 2.081.351.672 21,83%

Imposto sobre Propriedade Territorial Rural – ITR 36.475.818 36.841.619 35.783.050 35.859.364 35.613.413

-2,36%

Contribuições  sociais    83.273.374.795      88.506.209.269      106.494.001.408      129.654.886.026     143.862.904.881    72,76%  

Contribuição Social para o PIS-Pasep 8.234.286.663 8.763.224.903 9.885.666.469 11.888.309.718 12.262.831.011

48,92% Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL 8.328.235.057 8.596.306.619 9.696.125.843 9.936.799.909 9.800.053.523

17,67% Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins

42.366.860.467 44.874.056.145 50.487.493.643 60.083.559.736 61.646.695.151

45,51%

Contribuição para a Previdência Social 24.343.992.609 26.272.621.601 36.424.715.452 47.746.216.663 60.153.325.196 147,10%

Outros    -­‐      1.228.318.277      1.361.991.951      1.396.077.838      

1.445.065.089      

Adicional ao frete para a Renovação da Marinha Mercante – AFRMM

- 1.228.318.277 1.361.991.951 1.396.077.838 1.445.065.089

Total    184.445.417.524     195.967.549.262     215.016.070.795     243.912.571.241     263.151.161.911                42,67%   Gastos tributários/arrecadação em %

17,52% 16,24% 18,30% 19,84% 23,06%

Gastos tributários/PIB em % 3,60% 3,68 4,12% 4,51% 4,76%

Fontes:

RFB. Demonstrativo dos Gastos Tributários: Estimativas de Bases Efetivas – 2011. Série 2009 a 2013. Brasília: Secretaria da Receita Federal do Brasil, 2013.

RFB. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2014. Brasília: Secretaria da Receita Federal do Brasil, 2013.

Elaboração própria  Vide SALVADOR, 2015)

 

 

TABELA 1: Gastos tributários de 2010 a 2014: bases efetivas de 2010 a 2012 e projeções para 2013 e 2014Valores em R$, deflacionados pelo IGP-DI

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pelo IGP-DI. Chama a atenção que, enquanto as desonerações de impostos cresceram 16,48%, os gastos tributá-rios advindos das contribuições sociais (Cofins,6 PIS,7 CSLL8 e contribuições previdenciárias9) que financiam a seguridade social tiveram uma evolução de 72,76% em termos reais.

Esta forma de apresentação dos dados é importante para se compreender o desenho institucional do financia-mento das políticas sociais no Brasil definido pela CF de 1988, que passa pela existência de um orçamento espe-cífico para as políticas sociais que inte-gram o sistema de seguridade social (previdência social, assistência social, saúde e seguro-desemprego) e p or gastos mínimos obrigatórios por todos os entes da Federação em educação e saúde, sendo essencial, para tanto, a vinculação de recursos orçamentários para a realização dos direitos sociais.

Os gastos tributários incidentes sobre as contribuições sociais da seguridade social predominaram no conjunto de medidas adotadas pelo governo federal. Assim, estima-se que o acréscimo nos gastos tributários sobre as contribuições sociais da seguridade social, durante o primeiro governo da presidenta Dilma Rousseff (de 2011 a 2014), seja R$ 60,6 bilhões a mais do que o ocorrido em 2010, o que equivale ao orçamento federal anual da Política de Assistência Social.

Os dados também revelam o acréscimo de R$ 16,7 bilhões nos gastos tributários dos impostos (Imposto sobre a Renda, IPI,

IOF e ITR) no período de 2011 a 2014, o que reduz a base do cálculo mínimo dos recursos a serem aplicados na educação.

Destaca-se que os gastos tributários advindos da desoneração da folha de pagamento alcançaram o montante de R$ 24 bilhões em 2014, representando mais da metade das desonerações alocadas na função trabalho e 9,64% dos gastos tribu-tários previstos no Ploa 2014 (RFB, 2013). Essas desonerações da folha de pagamento afetam diretamente o Orçamento da Segu-ridade Social (OSS), pois a Contribuição de Empregados e Empregadores, que integra a contribuição sobre a folha de pagamento, representa mais da metade do OSS (SALVADOR, 2010).

O governo federal incluiu no âmbito do plano “Brasil Maior”, lançado em agosto de 2011, a desoneração da folha de paga-mento para alguns segmentos econômicos

Destaca-se que os gastos tributários advindos

da desoneração da folha de pagamento alcançaram

o montante de R$ 24 bilhões em 2014, representando mais da metade das desonerações alocadas na função trabalho

e 9,64% dos gastos tributários previstos no Ploa 2014

(RFB, 2013).

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(confecção, calçados, móveis e softwares), que será compensada no faturamento desses segmentos. Diante do agravamento da crise econômica internacional, essas medidas foram ampliadas em 2012.

Em abril de 2012, ampliaram-se as desone-rações tributárias por meio da substituição da contribuição previdenciária patronal sobre a folha de pagamento10 (20% do INSS) de 15 setores da indústria por uma alíquota entre 1,5% e 2,5% sobre o fatura-mento bruto das empresas. De acordo com o Ministério da Fazenda, somente esta renúncia é estimada em R$ 7,2 bilhões11. Isso ocorre porque a mudança de base da contribuição da folha de pagamento para uma alíquota sobre a receita bruta das empresas foi fixada em um patamar infe-rior à cobrada sobre a folha de pagamento. A desoneração da folha de pagamento foi sendo ampliada, alcançando, em janeiro de 2014, 56 segmentos da economia (dos setores de indústria, serviços, transportes, construção e comércio).12

As desonerações desses segmentos da economia estão consubstanciadas em quatro leis (12.546/2011, 12.715/2012, 12.794/2013 e 12.844/2013) originárias de medidas provisórias, sendo ainda que as medidas provisórias 601/2012 e 612/2013 tiveram seus prazos de vigência encerrados em 1º de agosto de 2014, sem a aprovação do Congresso Nacional. Essas medidas perderam a validade e, com isso, pelo menos 14 segmentos da economia não foram beneficiados pela desoneração da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento.

Nos termos das referidas leis, a contri-buição patronal dos setores beneficiados passa a incidir sobre o faturamento, com dedução quando for o caso da parcela expor-tada. As empresas dos setores beneficiados passaram a contribuir sobre o seu fatura-mento – 1% da indústria, 1% do comércio, 2% dos serviços, 2% dos transportes – como contribuição patronal para a previdência social. Essa desoneração implica um volume significativo de recursos renun-ciados do OSS.

Essa renúncia deveria obrigar o governo a promover uma compensação no OSS equi-valente à renúncia tributária realizada com

Essa renúncia deveria obrigar o governo a promover

uma compensação no OSS equivalente à renúncia

tributária realizada com recursos do Orçamento

Fiscal, evitando assim prejuízos financeiros para o financiamento

da seguridade social. Contudo, o governo não vem

compensando adequadamente o caixa da previdência social

com a perda das receitas decorrentes da desoneração

da contribuição patronal sobre a folha de pagamento.

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recursos do Orçamento Fiscal, evitando assim prejuízos financeiros para o finan-ciamento da seguridade social. Contudo, o governo não vem compensando adequa-damente o caixa da previdência social com a perda das receitas decorrentes da deso-neração da contribuição patronal sobre a folha de pagamento.

No primeiro ano de vigor das novas regras, houve um repasse da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) de R$ 1,79 bilhão refe-rente à compensação da desoneração da folha de pagamento ocorrida em 2012, conforme o Ministério da Previdência Social (MPAS, 2014). Isso significa uma perda de recursos, pelos dados oficiais, de R$ 1,9 bilhão somente em 2012. Em 2013, o

repasse de recursos ao caixa previdenciário pela STN começou a ser realizado somente em abril, assinalado como “arrecadação – Darfs/Compensação Lei nº 12.546” no fluxo de caixa da previdência social. O Informe da Previdência Social de janeiro de 2014 (págs. 28 e 29) registra um repasse de R$ 9 bilhões em 2013 nessa rubrica. Chama a atenção que o fluxo de caixa não faz menção à compensação das perdas decorrentes da Lei nº 12.715/2012 e que o valor repassado para todo o ano de 2013 fica abaixo da estimativa da renúncia feita pela RFB para o período de janeiro a novembro de 2013 (último dado disponível),13 de R$ 9,1 bilhões, faltando estimar as perdas de dezembro e do 13º salário.

Foto: Nasa / Fotos Públicas (10/04/2015)

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Ressalva-se, ainda, que há dúvidas sobre a metodologia de apuração da renúncia tribu-tária. Um estudo detalhado (ZANGHE-LINI et al, 2013) sobre a desoneração da folha de pagamento de cada segmento econômico, publicado pela Anfip e pela Fundação Anfip, estima que – somente para ano de 2012 – a renúncia correspon-deria, na realidade, a R$ 7,06 bilhões, isto é, R$ 3,96 bilhões a mais do que o previsto pela RFB e quase quatro vezes a mais que o valor repassado pela STN à Previdência Social. O estudo dessas entidades também destaca outros problemas decorrentes das novas legislações que desoneraram a folha de pagamento. Um deles diz respeito à quantificação dessas renúncias na velo-cidade que vem ocorrendo. Além disso, os cálculos são herméticos, não havendo, portanto, transparência necessária no processo (ZANGHELINI et al, 2013).

Convém destacar que a previdência social vem perdendo receitas não somente com a desoneração da folha de salários, conforme já analisado anteriormente, mas também com outras renúncias tributárias conce-didas para alguns setores da economia, como as entidades filantrópicas (R$ 9,9 bilhões), a exportação da produção rural (R$ 4,6 bilhões) e o Simples Nacional – Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Por te (R$ 17,6 bilhões) (RFB, 2013; ZANGHELINI et al, 2013). Esse conjunto de renúncias traz implicações impor-tantes para o financiamento do RGPS, aumentando a necessidade de cobertura do sistema por parte do Tesouro Nacional.

Em particular, chama a atenção a imuni-dade concedida ao agronegócio exportador, o que aumenta a demanda de cobertura financeira do subsistema rural. Em 2005, essa renúncia foi da ordem de R$ 2,1 bilhões, sendo que, para 2014, o valor apre-senta um crescimento de 119%. Tal situação implica a necessidade de maior solida-riedade entre os trabalhadores urbanos e rurais (ANFIP, 2013).14

Os gastos tributários na função saúde evoluíram de R$ 20,6 bilhões, em 2010, para R$ 24,9 bilhões, em 2014 e representam 9,50% do montante dos gastos tributários de 2014 (SALVADOR, 2015). Uma parte importante das desonerações tributárias que dão origem aos gastos tributários na área de saúde está relacionada à dedução, no imposto de renda das pessoas físicas, de despesas com plano de saúde e serviços médicos e, no caso das pessoas jurídicas, de valores relativos à assistência médica, odontológica e farmacêutica prestada a empregados. Estas duas modalidades de renúncias na área de saúde totalizaram R$ 14,4 bilhões em 2014. Os gastos tributários na função saúde equivalem a, aproxima-damente, 29% do total de recursos direta-mente alocados pelo governo federal no orçamento da saúde em 2014.15

Na função assistência social, o cresci-mento do gasto tributário, no período de 2010 a 2014, foi de 20% acima da inflação, conforme Salvador (2015), representando, em 2014, 7,49% do montante dos gastos tributários federais. Nesta função social estão alocados os benefícios tributários concedidos às entidades filantrópicas e às entidades sem fins lucrativos (associação

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civil e filantrópica), que alcançaram R$ 13,2 bilhões, representando 5,3% do montante dos gastos tributários federais em 2014 (RFB, 2014). Apesar da criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que tem como uma das suas dire-trizes centrais a primazia do Estado na execução da política de assistência social (COUTO, 2009), ainda são significativas as desonerações que originam os gastos tributários na função assistência social. Os gastos tributários na assistência social totalizaram R$ 19,7 bilhões, representando, aproximadamente, 30% do orçamento desta política social (SALVADOR, 2015).

Considerações finais

As medidas de desonerações tributárias adotadas para combater a crise afetaram ainda mais o financiamento do orçamento da seguridade social, enfraquecendo com isso as fontes tributárias das políticas de previdência social, saúde e assistência social, além das implicações para os estados e municípios no tocante ao finan-ciamento das políticas de educação e saúde. As justificativas são de cunho econômico, mas deve-se assegurar que o OSS não perca recursos por conta das desonera-ções tributárias. Destaca-se, sobretudo, o expressivo acréscimo nos gastos tribu-tários incidentes sobre as contribuições sociais, em particular aquelas incidentes na contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento.

O chamado gasto tributário já compromete quase 1/5 das receitas públicas federais (ou seja, o equivalente a 4,76% do PIB) e afeta o financiamento das políticas de saúde e educação nos municípios brasileiros, devido ao fato de que os impostos deso-nerados (como o IR e o IPI) são a base da composição do FPE e do FPM. Como os municípios e os estados têm gastos obri-gatórios com saúde e educação, as deso-nerações federais implicam restrições principalmente nos orçamentos muni-cipais para os gastos sociais. Torna-se necessário que a incidência política das entidades da sociedade civil brasileira pressione o governo federal para assegurar a reposição de recursos por meio do orça-mento fiscal, de forma que compensem as perdas no financiamento tanto da seguri-dade social e da educação em nível federal quanto dos recursos que compõem o FPE e o FPM.

A expansão dos gastos tributários e a

O chamado gasto tributário já compromete quase 1/5 das receitas públicas federais (ou seja, o equivalente a 4,76% do PIB) e afeta o financiamento

das políticas de saúde e educação nos municípios

brasileiros, devido ao fato de que os impostos desonerados

(como o IR e o IPI) são a base da composição do FPE e do FPM.

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acentuação da regressividade dos tributos possibilitam redirecionar em surdina o fundo público para o capital devido à própria opacidade de suas informações e à orientação do núcleo duro estatal de subtrair a economia do debate público. Neste caso, o controle social é negado tanto no seu sentido de acompanhamento quanto no de partilha de poder decisório (TEIXEIRA, 2012).

Convém ressaltar que a RFB, órgão respon-sável pela realização dos estudos dos gastos tributários que acompanham as peças orçamentárias no Brasil, é um dos mais blindados ao controle social. Não existe nenhum instrumento público ou instância oficial que garanta a relação da sociedade civil organizada com a Receita Federal. O

órgão, por exemplo, não apresenta estudos que demonstrem a eficácia e a efetividade na concessão dos gastos tributários.

Destaca-se uma ausência de mérito concei-tual das classificações feitas pela Receita Federal para os gastos tributários. Mas, seguramente, um aprofundamento de pesquisa suscitaria muitas questões. Uma certamente seria relacionada à ausência de gastos tributários alocados na função previdência social, em que pesem as inúmeras renúncias que são concedidas sobre os tributos exclusivos dessa polí-tica social. Outra ausência marcante nos relatórios da RFB é a não consideração, como gasto tributário, da isenção do IR sobre os lucros e dividendos distribuídos, assim como a não tributação das remessas

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dessas rendas para o exterior, que perma-necem isentas da cobrança de IR desde 1996. Segundo dados de Introíni (2015)16 recentemente publicados, no ano de 2012 foram declarados R$ 207 bilhões de lucros e dividendos recebidos pelas pessoas físicas. O total de lucros e dividendos distribuídos – incluídas as pessoas físicas e jurídicas, exceto as optantes pelo Simples – foi de R$ 436 bilhões no mesmo ano. Se fosse aplicada uma alíquota de 25% sobre esse montante, o resultado seria uma arreca-dação adicional superior a R$ 100 bilhões de imposto de renda. No que se refere à dedução dos “juros sobre capital próprio”, que nada mais são do que um eufemismo para lucros, um levantamento realizado em 87 empresas com grande volume de

ações negociadas mostrou que somente elas pretendiam economizar pouco mais de R$ 25 bilhões pelo uso desse instru-mento em 2014. O cálculo aproximado da renúncia fiscal do Tesouro foi de R$ 15 bilhões. A pergunta que se faz é a seguinte: por que tais recursos não são considerados como gastos tributários?

A atual conjuntura econômica e política do Brasil impõe inúmeros desafios à sociedade civil. O segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff (iniciado em 1º/01/2015) começou com o anúncio de um pesado ajuste fiscal, que impõe corte ou redução dos direitos sociais: seguro-desemprego, pensões, abono salarial, dentre outros, além do aumento das alíquotas de alguns

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impostos. Tal ajuste proposto é também resultado das escolhas econômicas feitas no mandato anterior da presidenta, que acarretaram perda de arrecadação de recursos sem os resultados esperados no crescimento econômico, em que pese o expressivo aumento dos gastos tributários, o que causou perdas de recursos para as políticas sociais.

REFERÊNCIAS

ANFIP. Análise da Seguridade Social, 2012. Brasília: ANFIP; Fundação ANFIP, 2013.

BEGHIN, Nathalie; CHAVES, José; RIBEIRO, José. Gastos Tributári-os Sociais de Âmbito Federal: Uma Proposta de Dimensionamen-to. In: CASTRO, Jorge; SANTOS, Cláudio; RIBEIRO, José (orgs.). Tributação e Equidade no Brasil. Brasília: IPEA 2010, p. 375-408.

COUTO, Berenice. O Sistema Único de Assistência Social: Uma Nova Forma de Gestão da Assistência Social. In: MDS. Concepção e Gestão da Proteção Social não Contributiva no Brasil. Brasília: MDS, 2009, p. 205-218.

INTROÍNI, Paulo Gil. Tributação dos Ricos: O Debate Interdit-ado. Teoria em Debate (on-line), 04.02.2015. Último acesso em: 08.02.2015. Link: <http://www.teoriaedebate.org.br/materias/economia/tributacao-dos-ricos-o-debate-interdit-ado?page=0,0>.

MPAS. Informe da Previdência Social, volume 25, no 1, janeiro de 2014, p. 21.

SALVADOR, Evilasio. Fundo Público e Seguridade Social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010.

SALVADOR, Evilasio. Renúncias Tributárias: os Impactos no Financiamento das Políticas Sociais no Brasil. Brasília: INESC, 2015.

RFB. Demonstrativo dos Gastos Tributários – PLOA 2014. Brasília: Secretaria da Receita Federal do Brasil, 2013.

RFB. Demonstrativo dos Gastos Tributários: Estimativas de Bases Efetivas – 2011. Série 2009 a 2013. Brasília: Secretaria da Receita Federal do Brasil, 2013.

TEIXEIRA, Sandra Oliveira. Participação e Controle Democrático sobre o Orçamento Público Federal em um Contexto de Crise do Capital. Tese (doutorado em Serviço Social) – Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2012.

ZANGHELINI, Airton et al. Desoneração da Folha de Pagamento: Oportunidade ou Ameaça? Brasília: ANFIP e Fundação ANFIP, 2013.

NOTAS

1 Este artigo é uma versão simplificada da publicação do INESC “Renúncias Tributárias: os Impactos no Financiamento das Políticas Sociais no Brasil” (SALVADOR, 2015).

2 Os relatórios estão disponíveis em: <http://www.receita.fa-zenda.gov.br/Arrecadacao/RenunciaFiscal/DGTA/default.htm>. O relatório utilizado neste estudo é o mais atual: RFB. Demon-strativo dos Gastos Tributários: Estimativas das Bases Efetivas – 2011. Série 2009 a 2013. Brasília: Secretaria da Receita Federal do Brasil, 2013.

3 O projeto de lei que trata do orçamento anual deve ser envia-do pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional até o dia 31 de agosto.

4 RFB. Demonstrativo dos Gastos Tributários: Estimativas das Bases Efetivas – 2011. Série 2009 a 2013. Brasília: Secretaria da Receita Federal do Brasil, 2013.

5 Todas as medidas tomadas no governo brasileiro a partir de 2010 estão disponíveis em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Arrecadacao/RenunciaFiscal/default.htm>.

6 COFINS: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social.

7 PIS: Contribuição Social para o Programa de Integração Social.

8 CSLL: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

9 O Relatório com o “Demonstrativo dos Gastos Tributários: Estimativas de Bases Efetivas – 2011. Série 2009 a 2013” é o primeiro publicado pela Receita Federal que inclui, juntamente com os gastos tributários, as renúncias previdenciárias.

10 Um detalhamento sobre a desoneração da folha de paga-mento e os impactos para o financiamento da previdência social pode ser visto em ZANGHELINI, Airton et al. Desoneração da folha de pagamento: oportunidade ou ameaça? Brasília: ANFIP e Fundação ANFIP, 2013.

11 Acesse o link: <http://www.receita.fazenda.gov.br/automa-ticoSRFSinot/2012/04/05/2012_04_05_11_49_16_693391637.html>.

12 A lista dos segmentos beneficiados pela desoneração da folha de pagamento pode ser vista em: <http://www1.fazenda.gov.br/spe/publicacoes/conjuntura/bancodeslides/por_legislacao.pdf>.

13 Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Arrecad-acao/RenunciaFiscal/default.htm>.

14 ANFIP. Análise da Seguridade Social, 2012. Brasília: ANFIP; Fundação ANFIP, 2013.

15 Os dados do sistema Siga Brasil informam que o orçamento federal pago na área de saúde, em 2014, foi de R$ 86,3 bilhões.

16 INTROÍNI, Paulo Gil. Tributação dos Ricos: O Debate Interd-itado. Teoria em Debate (on-line), 04.02.2015. Último acesso em: 08.02.2015. Link: <http://www.teoriaedebate.org.br/materias/economia/tributacao-dos-ricos-o-debate-interdit-ado?page=0,0>.

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Introdução

O governo brasileiro vem adotando um conjunto de medidas, desde 2008, visando a refrear os impactos da crise do capital na economia brasileira. Nos últimos anos, as iniciativas governamentais têm sido

Fundo público e as medidas provisórias

nos 664 e 665: a contrarreforma

da previdência em curso

Evilasio SalvadorEconomista. Mestre e Doutor em Política Social pela Universidade de Brasília (UnB). Pós-Doutor em Serviço Social pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Professor no Serviço Social e no Programa de Pós-Graduação em Política Social da UnB.

Maria Lucia Lopes da Silva Assistente Social, Dra. em política social, Profª do curso de serviço social e do Programa de Pós-graduação em Política Social (PPGPS) do Departamento de Serviço Social(SER) da UnB.

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insuficientes para a retomada da taxa de crescimento econômico que se estagnou em 2014. Em que pese o Brasil praticar ao longo da última década os maiores superávits primários do mundo,1 no ano passado o resultado primário do governo central fechou negativo em -0,34% Produto Interno Bruto (PIB). Tal situação provocou forte pressão do mercado financeiro pela retomada de uma política fiscal de corte de gastos públicos.

Um dos motivos que afetou o resultado primário brasileiro está relacionado dire-tamente à política de desonerações tributá-rias, que alcançou 4,76% do PIB, em 2014, comprometendo 23,06% da arrecadação federal, conforme estimativas da Secre-taria da Receita Federal do Brasil (SRFB, 2014).

Em resposta à pressão do mercado finan-ceiro, no dia 29 de dezembro de 2014, o governo brasileiro anunciou medidas duras e restritivas de direitos que atingem fortemente os trabalhadores. Tais medidas foram impostas autoritariamente, sem qualquer diálogo com a sociedade, por meio de Medidas Provisórias (nº 664 e nº 665), publicadas em edição extra do Diário Oficial da União no dia 30 de dezembro. Sob a alegação de “corrigir distorções”, “aumentar a transparência”, “reduzir despesas” e “assegurar a sustentabili-dade do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e da previdência social”, mudanças profundas foram realizadas na pensão por morte, auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, auxílio-reclusão, abono salarial, seguro-desemprego e seguro-defeso.

Este artigo analisa, na primeira parte, o socorro concedido por meio do orçamento público ao capital ao longo do primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff (2011 a 2014), notadamente as desone-rações tributárias. Na segunda parte, analisam-se as Medidas Provisórias (MPs) nos 664 e 665 e seus impactos nos direitos relacionados à seguridade social e aqueles vinculados às relações de trabalho.

1. Fundo público e orçamento na crise do capital: o ajuste recente2

No capitalismo, o fundo público exerce uma função ativa nas políticas macroeco-nômicas, sendo essencial tanto na esfera da acumulação produtiva quanto no âmbito das políticas sociais. O fundo público tem papel relevante para a manutenção do capitalismo na esfera econômica e para a garantia do contrato social. O alargamento das políticas sociais garante a expansão do mercado de consumo, ao mesmo tempo em que os recursos públicos são finan-ciadores de políticas anticíclicas nos períodos de retração da atividade econô-mica (SALVADOR, 2012). O orçamento público é a expressão mais visível do fundo público.

O fundo público envolve toda a capacidade de mobilização de recursos que o Estado tem para intervir na economia, seja por meio das empresas públicas ou pelo uso das suas políticas monetária e fiscal, assim como pelo orçamento público (SALVADOR;

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TEIXEIRA, 2014). Uma das principais formas da realização do fundo público é por meio da extração de recursos da socie-dade na forma de impostos, contribuições e taxas, sendo o resultado, portanto, da tributação das diversas formas de renda da economia: salário, lucro, juro e renda da terra (BEHRING, 2010). Esses recursos são apropriados pelo Estado para o desem-penho de múltiplas funções.

Atualmente, o fundo público exerce pelo menos quatro importantes funções no capitalismo (SALVADOR, 2010):

a. o financiamento do investimento capitalista, por meio de subsídios, de desonerações tributárias, por incentivos fiscais, por redução da base tributária das empresas e de seus sócios;

b. a garantia de um conjunto de polí-ticas sociais que asseguram direitos e permitem também a inserção das pessoas no mercado de consumo, independente-mente da inserção no mercado de trabalho;

c. assegura vultosos recursos do orça-mento para investimentos em meios de transporte e infraestrutura e nos gastos com investigação e pesquisa, além dos subsídios e das renúncias fiscais para as empresas;

d. assegura renda para uma classe rentista na sociedade, isto é, aqueles que vivem de aplicações no mercado finan-ceiro e recebem, por meio do orçamento público, recursos sob a forma de juros e amortização da dívida pública.

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O orçamento público é desde sua origem uma peça política (OLIVEIRA, 2009). O orçamento público não se limita, portanto, a apenas uma peça técnica que o governo tem para expressar seu planejamento de gastos e a origem dos recursos públicos, mas é instrumento de planejamento de cunho político que serve para orientar as negociações sobre quotas de sacrifício sobre os membros da sociedade no tocante ao financiamento do Estado e é utilizado como instrumento de controle e direcio-namento dos gastos (OLIVEIRA, 2009). Assim, a decisão sobre os objetivos de gastos do Estado e a fonte dos recursos para financiá-los não são somente econômicas, mas principalmente são escolhas políticas, refletindo a correlação de forças sociais e políticas atuantes e que têm hegemonia na sociedade. Os gastos orçamentários definem a direção e a forma de ação do

Estado nas suas prioridades de políticas públicas.

No Brasil, os recursos do orçamento público são expressos na Lei Orçamentária Anual (LOA). Na realidade, a LOA compõe o ciclo orçamentário juntamente com o Plano Plurianual (PPA) e a Lei de Dire-trizes Orçamentárias (LDO). O objetivo principal dessas leis é integrar as ativi-dades de planejamento e orçamento para garantir a execução das políticas gover-namentais nos municípios, nos estados, no Distrito Federal e em âmbito nacional.

A Tabela 1 permite, de forma agregada, compreender o destino dos recursos orça-mentários durante o primeiro governo da presidenta Dilma Rousseff (de 2011 a 2014) no tocante aos orçamentos fiscal e da seguridade social, no âmbito da União, por

Tabela 1 – Gastos por Grupos de Natureza de Despesas: Orçamento da União(1)

Valores constantes, em bilhões (R$), deflacionados pelo IGP-DI

GND 2011 2012 2013 2014 Var. 2011 a 2014

Amortização da dívida (2) 125,50 378,99 131,56 200,98 60,15%

Inversões financeiras 40,61 46,47 57,61 65,13 60,39%

Investimentos 21,94 26,16 21,82 22,76 3,72%

Juros e encargos da dívida 168,44 158,82 158,37 179,48 6,56%

Outras despesas correntes 817,37 840,08 879,61 946,51 15,80%

Pessoal e encargos sociais 233,74 223,60 228,57 250,93 7,36%

Total do orçamento 1.407,60 1.674,12 1.477,54 1.665,79 18,34%

Participação de juros mais amortização 20,88% 32,12% 19,62% 22,84% -

Fonte: STN. SIGA Brasil. Elaboração própria.

Notas: 1) Somente o orçamento fiscal e da seguridade social (despesa liquidada).

2) Excetuados os valores referentes ao refinanciamento da dívida pública (rolagem).  

TABELA 1: GASTOS POR GRUPOS DE NATUREZA DE DESPESAS: ORÇAMENTO DA UNIÃO (1)Valores constantes, em bilhões (R$), deflacionados pelo IGP-DI

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Grupos de Natureza de Despesa (GND), em valores deflacionados pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), em preços de 2014.

Observa-se expressiva participação das despesas financeiras, excluindo os valores referentes ao refinanciamento da dívida pública (rolagem), sobre o orçamento fiscal e da seguridade social da União. No período de 2011 a 2014, as despesas com a amortização da dívida cresceram 60,15%, em valores reais, e as despesas com o

pagamento de juros e encargos apresentam um crescimento de 6,56%. A participação das despesas de juros mais amortização representou 22,84% do orçamento público em 2014.

Por outro lado, em que pese o crescimento do orçamento público federal (fiscal e seguridade social) em 18,34%, em termos reais, os gastos com pessoal e encargos sociais cresceram somente 7,36%. As outras despesas correntes – que incluem o pagamento de benefícios e serviços no âmbito das políticas sociais, a transfe-rência de recursos federais para estados e municípios, o pagamento de benefícios previdenciários, dentre outros – cresceram somente 15,80%. Os investimentos públicos (previstos no Programa de Aceleração do Crescimento), no âmbito do orçamento fiscal e da seguridade socialtiveram modesto crescimento de 3,72% (Tabela 1).

Em 2014, as outras despesas correntes alcançaram o montante de R$ 946,51 bilhões. Deste montante, 45% (ou 55,7%, quando se incluem das despesas com pessoal) referem-se aos gastos com os bene-fícios previdenciários do Regime Geral da Previdência Social e do Regime Próprio dos Servidores Públicos Federais, incluindo o pagamento de inativos, pensões e outros benefícios previdenciários a mais 32 milhões de pessoas, conforme a Secretaria do Tesouro Nacional (STN).3 Nas outras despesas correntes, encontra-se também a transferência de recursos do orçamento da União para os estados e os municípios, que representaram 23% do montante do orça-mento pago em 2014. As demais despesas correntes foram destinadas à execução das

Observa-se expressiva participação das despesas financeiras, excluindo os

valores referentes ao refinanciamento da dívida

pública (rolagem), sobre o orçamento fiscal

e da seguridade social da União. No período de 2011 a 2014,

as despesas com a amortização da dívida cresceram 60,15%,

em valores reais, e as despesas com o pagamento de juros e encargos apresentam um

crescimento de 6,56%. A participação das despesas de juros mais amortização

representou 22,84% do orçamento público em 2014.

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outras políticas sociais do governo, além dos gastos com aquisição de material de consumo, pagamento de diárias, contri-buições e subvenções.

Com a crise do capitalismo alcançando a economia brasileira, o governo federal tomou um conjunto de iniciativas para tentar manter o crescimento econômico no país. Este texto limita-se, a trazer elementos para análise das implicações das renúncias tributárias, conhecidas legalmente como gastos tributários, e suas implicações no financiamento das políticas de seguridade social.

Entende-se que o principal impacto na seguridade social das medidas tomadas pelo governo brasileiro no socorro ao

capital diz respeito às renúncias tribu-tárias, que se constituem um verdadeiro (des)financiamento da seguridade social. Destacam-se, sobretudo, as políticas de desonerações tributárias das contribui-ções sociais e a desoneração da folha de pagamento, que afetam o financiamento do orçamento da seguridade social. Não se adentra ao detalhamento das deso-nerações dos impostos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre a Renda (IR), que têm fortes rebatimentos federativos, principalmente, no financiamento de parte da seguridade social dos estados e municípios, sobretudo, na assistência social e na saúde, além da afetar os gastos com a política de educação. A desoneração de IR e IPI afeta o Fundo de Participação dos Municípios e o Fundo de

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FOTO: Fotos Públicas / CCO

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Participação dos Estados (SALVADOR, 2014).

A desoneração tributária cresceu de forma considerável atingindo principalmente as contribuições sociais vinculadas à seguri-dade social. Por detrás das chamadas deso-nerações tributárias e incentivos fiscais encontra-se um conjunto de medidas legais de financiamento público não orçamen-tário de políticas públicas (econômicas e sociais), constituindo-se renúncias tribu-tárias do orçamento público, geralmente em benefício das empresas (SALVADOR; TEIXEIRA, 2014).

Trata-se dos chamados gastos tributários, que são desonerações equivalentes a gastos indiretos de natureza tributária. Portanto, são renúncias que são consideradas exce-ções à regra do marco legal tributário, mas presentes no código tributário com objetivo de aliviar a Carga Tributária de uma classe específica de contribuintes, de um setor econômico ou de uma região (BEGHIN; CHAVES; RIBEIRO, 2010).

Esses gastos são operacionalizados por meio do orçamento público e implicam a redução da base de incidência de tributos das empresas. Por se tratar aparentemente de isenções, tem-se uma falsa ideia de “custo zero” desses gastos de natureza indireta, quando na realidade o Estado está deixando de arrecadar tributos de deter-minado setor da sociedade e, portanto, na prática abstendo-se de receitas públicas para executar diretamente, por meio do orçamento estatal, as políticas públicas. Além da ausência do controle democrático desses gastos (ALVARENGA, 2012).

Com os efeitos da crise econômica mundial sobre a economia brasileira, o governo vem adotando uma série de medidas no campo fiscal para incentivar as empresas insta-ladas no país e retomar o investimento privado, mas na prática tem contribuído somente para recomposição das taxas de lucros de vários setores econômicos.

O relatório de gastos tributários que acom-panhou o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2006 estimou em R$ 58,9 bilhões as desonerações tributárias (SRFB, 2005). Esse valor vem subindo de forma considerável e, em 2014, estima-se que o gasto tributário (excetuando as renúncias previdenciárias) alcance R$ 192,6 bilhões (SRFB, 2013), portanto, um acréscimo de

O relatório de gastos tributários que acompanhou o Projeto

de Lei Orçamentária (PLOA) de 2006 estimou em R$ 58,9

bilhões as desonerações tributárias (SRFB, 2005). Esse

valor vem subindo de forma considerável e, em 2014,

estima-se que o gasto tributário (excetuando as renúncias previdenciárias) alcance

R$ 192,6 bilhões (SRFB, 2013), portanto, um acréscimo

de 227%, em relação a 2006.

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227%, em relação a 2006.

Como foi analisado no artigo anterior da presente revista, as renúncias tributárias aumentaram de forma expressiva, princi-palmente as previdenciárias que cresceram 147,10%, acima do IGP-DI, no período de 2010 a 2014. A partir do governo da presi-denta Dilma, os gastos tributários evoluem de forma expressiva, saltando de 3,68% do PIB (2011) para 4,76% do PIB (2014), comprometendo 23,06% da arrecadação tributária federal.

Portanto, as medidas de desonerações tributárias adotadas para combater a crise afetaram ainda mais o financiamento do orçamento da seguridade social, enfra-quecendo com isso o financiamento das

políticas sociais da previdência, saúde e assistência social. Além das implicações para os estados e municípios no financia-mento das políticas de educação e saúde (SALVADOR; TEIXEIRA, 2014).

2. Retomada da contrarreforma da previdência: análise das Medidas Provisórias nos 664 e 665

As Medidas Provisórias (nº 664 e nº 665) foram apresentadas com parte do ajuste fiscal da nova equipe econômica do governo

FOTO: Pixabay / CCO

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federal. As medidas trazem cortes de direitos, afetando milhões de trabalha-dores/as brasileiros/as. Entende-se que essas medidas não podem ser vistas isola-damente, nem tampouco como mudanças diminutas ou uma “minirreforma”, como estão sendo caracterizadas. Adota-se aqui a perspectiva apontada por Behring (2003) da contrarreforma e da recuperação histó-rica do termo “reforma” feito por Coutinho (2010, p. 35), que destaca:

“A palavra reforma foi sempre organica-mente ligada às lutas dos subalternos para transformar a sociedade e, por conseguinte, assumiu na linguagem política uma cono-tação claramente progressista e até mesmo de esquerda. O neoliberalismo busca utilizar a seu favor a aura da simpatia que envolve a ideia de “reforma’. É por isso que as medidas por ele propostas e implementadas são mistificadoramente apresentadas como “reformas”, isto é, como algo progressista em face do “estatismo”, que tanto em sua versão comunista como naquela socialdemocrata, seria agora inevitavelmente condenado à lixeira da história. Desta maneira, estamos diante da tentativa de modificar o signifi-cado da palavra “reforma”: o que antes da onda neoliberal queria dizer ampliação dos direitos, proteção social, controle e limitação do mercado, etc., significa agora cortes, restrições, supressão desses direitos e desse controle. Estamos diante de uma operação de mistificação ideológica que, infelizmente, tem sido em grande medida bem-sucedida”.

Na realidade, portanto, as medidas provi-sórias dão seguimento à contrarreforma da previdência social, em curso, desde a

Emenda Constitucional nº 20 de 1998, em observância às diretrizes dos organismos financeiros internacionais, especialmente do Banco Mundial, por meio do documento “Envejecimiento sin crisis”, de 1994. Segundo o documento, as mudanças nos sistemas de previdência social deveriam propiciar: criação de poupança obriga-tória, por meio de contribuições definidas e do regime de capitalização; poupanças voluntárias e redução da extrema pobreza por meio das pensões públicas, em outras palavras, os sistemas públicos de previ-dência social deveriam ser enxutos para dar espaço à expansão dos fundos de pensão (BANCO MUNDIAL, 1994).

As recomendações voltavam-se para favo-recer a acumulação, em contexto de crise estrutural do capital. Desde então, estas diretrizes continuam sendo seguidas, a partir de duas grandes estratégias:

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Na realidade, portanto, as medidas provisórias dão

seguimento à contrarreforma da previdência social, em

curso, desde a Emenda Constitucional nº 20 de 1998, em observância às diretrizes dos organismos financeiros

internacionais, especialmente do Banco Mundial, por meio do

documento “Envejecimiento sin crisis”, de 1994.

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limitação do acesso aos direitos viabili-zados pela previdência pública e redução dos valores de benefícios. Em 1998, o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) foi o mais mutilado pelas mudanças. Dentre outras medidas, as aposentadorias deixaram de ser por tempo de serviço para ser por tempo de contribuição; limitou-se o acesso às aposentadorias proporcionais e especiais; estabeleceu-se um teto nominal máximo para os valores de benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), na ocasião, R$ 1.200,00 - o que correspondia a dez salários mínimos9; tentou-se vincular o tempo de contribuição da idade para fins de aposentadoria; como não foi possível, excluiu-se a fórmula de cálculo dos benefícios da Constituição, abrindo espaço para a criação do fator previdenciário, em 1999, que tenta cumprir essa função, disfarçadamente, até o momento.

Em 2003, no governo do presidente Lula, as diretrizes e estratégias foram as mesmas, porém, os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), destinados aos servidores públicos, foram os mais atingidos. Dentre as medidas, citam-se: o fim da aposen-tadoria integral para estes servidores; a vinculação do tempo de contribuição à idade para fins de aposentadoria; contri-buição previdenciária para os servidores aposentados; instituiu-se a previdência complementar para estes servidores e a possibilidade de teto para aposentadoria.

Em abril de 2012, foi autorizada a criação da Fundação de Previdência Comple-mentar do Servidor Público Federal (Funpresp) que passou a funcionar em

fevereiro de 2013. A Lei nº 12.618 de 30 de abril de 2012, além de autorizar a criação da fundação para gerir planos de benefícios para os servidores de cada um dos poderes, estabeleceu o teto de aposentadoria dos servidores públicos, no valor do teto dos valores dos benefícios do regime geral. Com isso, um dos propósitos pretendidos, em 1998, pelo governo Fernando Henrique e os seus aliados, representantes do capital, foi parcialmente alcançado: a uniformi-zação dos direitos dos servidores públicos e demais trabalhadores cobertos pelo regime geral, tendo como referência os direitos mais diminutos.

As MP nº 664 e nº 665 de 30 dezembro de 2014 seguem a mesma direção e estraté-gias das medidas anteriores: favorecem o capital, limitam o acesso aos direitos viabilizados pelo sistema público e dimi-nuem os valores dos benefícios, impondo prejuízos aos trabalhadores. Estas medidas alcançam tanto os servidores públicos

As MP nº 664 e nº 665 de 30 dezembro de 2014 seguem

a mesma direção e estratégias das medidas anteriores:

favorecem o capital, limitam o acesso aos direitos

viabilizados pelo sistema público e diminuem os valores

dos benefícios, impondo prejuízos aos trabalhadores

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quanto os trabalhadores empregados e seus dependentes econômicos, os desempre-gados e os pescadores artesanais cobertos pelo regime geral. Assim, não se pode falar em medidas isoladas; elas compõem a contrarreforma da previdência social, em curso desde 1998.

A MP no 664 alterou a legislação que trata do Plano de Benefícios da Previdência Social (Lei nº 8.213/91); da carreira de perícia médica (Lei nº 10.876/04); do Regime Jurídico Único (Lei nº 8.112/90) e da aposentadoria especial ao cooperado

de cooperativa de trabalho ou de produção (Lei nº 10.666/03) trazendo, dentre outras, as seguintes mudanças:

Pensão por morte

Foi introduzida a exigência de dois anos de casamento ou união estável, exceto quando o óbito do segurado decorrer de acidente posterior ao casamento ou no início da união estável ou se o cônjuge, companheiro ou companheira for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exer-cício de atividade remunerada. Esta regra

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Foto: Eduardo Fagnani / Vaidapé

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já está sendo cumprida desde 14 de janeiro deste ano. A pensão por morte era isenta de carência; a partir de 1º de março passaram a ser exigidos 24 meses da contribuição previdenciária, para acessá-la. Exceção para casos em que o segurado estiver em gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, ou ainda quando ocorrer a morte por acidente do trabalho e doença profissional ou do trabalho. Deixa de ser vitalícia indiscriminadamente, e passa a ser somente para aqueles cônjuges cuja expectativa de sobrevida for igual ou menor que 35 anos, de acordo a tábua de mortalidade do IBGE5, atualmente, isso ocorre para quem tem 44 anos e mais, no momento do acesso ao beneficio. As pessoas mais jovens poderão ter o beneficio por um período que varia de 3 a 15 anos. O valor a ser recebido deixa de ser 100% do valor a que o segurado teria direito para aposenta-doria no momento do óbito e passa a valer 50% desse valor, seguido de acréscimos de 10% por dependente, no limite de cinco. O benefício mínimo continua sendo de um salário mínimo. Para os trabalhadores do RGPS foi eliminada a possibilidade de conversão da parte do beneficio para outro dependente no caso da cessação de cotas individuais. Ressalvado o direito de opção, foi vedada a percepção cumulativa de pensão deixada por mais de um cônjuge, companheiro ou companheira, e de mais de duas pensões. Exclui-se o direito à pensão para o dependente condenado pela prática de crime doloso que tenha resultado na morte do segurado – regra válida desde 31 de dezembro de 2014. Estas mudanças também são válidas para os servidores públicos, regidos pela Lei nº 8.112 de 1990, exceto a reversão das cotas individuais

cessadas por morte ou perda da qualidade de segurados em favor dos cobeneficiários que ainda poderá ocorrer, porém, para estes, foi eliminada a possibilidade de terem como dependente pessoa designada que vivesse sob sua dependência econô-mica até 21 anos ou, se inválido, enquanto durasse a invalidez.

Auxílio-doença

Até 28 de fevereiro de 2015 as empresas arcavam com os primeiros 15 dias de afas-tamento do trabalhador empregado e o restante era custeado pelo orçamento da seguridade social. O benefício tinha início a partir do décimo sexto dia e correspondia à média dos maiores salários de 80% do período contributivo , para os que ingres-saram na previdência a partir de 29 de novembro de 1999.6 A partir de primeiro de março, o trabalhador empregado ficará afastado das atividades, custeado pelos empregadores por 30 dias e o beneficio terá inicio a partir do trigésimo primeiro dia ou a partir da data de entrada do reque-rimento, se entre o afastamento e a data de entrada do requerimento decorrerem mais de quarenta e cinco dias. As perícias médicas poderão ser feitas nas empresas que dispõem de serviço médico, desde que realizem convênio com o INSS. A Perícia médica do INSS será responsável pela supervisão desta atividade. O teto para o valor do auxílio-doença passou a ser equivalente à média dos últimos 12 salários de contribuição à Previdência, se não for alcançado o número de doze será a média dos salários de contribuição existentes. A perícia médica poderá ser feita nas empresas que dispõem de serviços

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médicos, por meio de convênios ou acordo de cooperação técnica e sob supervisão da Perícia Médica do INSS.

Auxílio-reclusão

De acordo com o art. 80 da lei 8.213/91 o auxílio reclusão é devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos depen-dentes de segurado recolhido a prisão que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço. Dessa forma, passaram a ser exigidos dois anos de casamento ou união estável para que o cônjuge do preso tenha acesso ao auxílio, regra em vigor desde 14 de janeiro de 2015. Era isento de carência,

mas passaram a ser exigidos 24 meses de contribuição. A renda mensal e a duração do beneficio seguem o mesmo critério das pensões, devendo ser observado ainda se o segurado permanece recluso em regime fechado, única condição que assegura aos dependentes direito ao beneficio. As duas últimas regras passaram a vigorar em 1º de março de 2015.

Aposentadoria por invalidez

Como o auxílio-doença, a aposentadoria por invalidez era devida ao segurado empregado a partir do décimo sexto dia do afastamento das atividades por invalidez. Desde 1º de março de 2015 passou a ser devida ao segurado empregado, a partir

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do trigésimo primeiro dia do afastamento da atividade ou a partir da data de entrada do requerimento, se entre o afastamento e a data de entrada do requerimento decor-rerem mais de quarenta e cinco dias. O pagamento do salário integral dos 30 dias em que ficar afastado das atividades por invalidez será feito pela empresa, da mesma forma que a pericia médica, se houver na empresa serviço médico conve-niado com o INSS.

Perícia Médica

O INSS, a seu critério e sob sua supervisão, poderá realizar perícias médicas por convênio ou acordo de cooperação técnica com empresas; e por termo de cooperação

técnica firmado com órgãos e entidades públicos.

Já a MP nº 665 alterou a legislação que trata do seguro-desemprego e do abono sala-rial (Leis nº 7.998/90 e nº 8.900/94) e do seguro-defeso (Lei nº 10.779/03) e trouxe, dentre outras, as seguintes mudanças:

Abono salarial

Antes das mudanças, o benefício, no valor de um salário mínimo, era pago aos traba-lhadores celetistas, com renda de até dois salários mínimos e que haviam trabalhado por pelo menos um mês com carteira assinada no ano anterior ao pagamento. A partir de 31 de dezembro de 2014 só terá

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Foto: Eduardo Fagnani / Vaidapé

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direito ao benefício quem tiver trabalhado por pelo menos seis meses ininterruptos, com carteira assinada, no ano anterior ao pagamento; o valor do benefício passa a ser proporcional ao período trabalhado, variando de meio (para os que trabalharam seis meses) até um salário mínimo (para os que trabalharam doze meses).

Seguro-desemprego

Atualmente, o trabalhador demitido sem justa causa, após seis meses ou mais de trabalho na mesma empresa, tem direito ao benefício. De acordo com a MP 665, o acesso ao benefício ficará mais difícil. Na primeira solicitação, será preciso ter pelo menos 18 meses no emprego, nos últimos

24 meses; na segunda, 12 meses e, na terceira, seis meses. As parcelas também foram modificadas, de acordo com o tempo de emprego.

Seguro-defeso (seguro-desemprego para pescadores artesanais)

Atualmente o benefício é de um salário mínimo pago aos pescadores artesanais durante o período em que a pesca é proi-bida. É exigida pelo menos uma contri-buição à Previdência e ter registro de pescador há um ano. Pode ser acumulado com outros benefícios assistenciais ou previdenciários. A partir de primeiro de abril será exigido pelo menos três anos

Foto: Eduardo Fagnani / Vaidapé

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de registro como pescador artesanal e a comprovação do exercício da atividade, exclusiva e ininterrupta e comercialização dos produtos por pelo menos um ano antes da data do início do defeso, além da inscrição no INSS como pescador artesanal e pagamento das contribuições previden-ciárias. Será vedado acumular o benefício com outros de natureza previdenciária ou assistencial. O requerimento deixa de ser feito no Sistema Nacional de Emprego (SINE) e passará a ser feito no INSS.

3. Qual o significado e impacto das medidas?

Inicialmente, reafirma-se que as medidas atuais seguem a lógica das medidas ocor-ridas em anos anteriores, já comentadas brevemente. Com isso, confirma-se a tendência da previdência social enxuta para dar lugar à expansão da previdência privada (SILVA, 2012). Dificultou-se o acesso a direitos previdenciários exis-tentes, além dos mesmos terem sido minimizados em valores mensais e tempo de duração. Milhões de trabalhadores e seus dependentes econômicos serão prejudicados.

Além disso, os argumentos utilizados e as medidas em si, ferem os princípios e a lógica da seguridade social instituída pela Constituição Federal de 1988, que pode ser caracterizada como uma expressão de um contrato social solidário para assegurar a proteção de todos, diante das intempéries do mercado e de situações

que exijam compromissos familiares e outros que possibilitem maior expansão e desenvolvimento social dos indivíduos. O financiamento da seguridade social com base em fontes diversificadas, o princípio da equidade na participação do custeio do sistema e a existência do orçamento único da seguridade social estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, em vigor, constantemente negados pelo governo, são essenciais para dar sustentação ao sistema que, ao contrário do que alegou o governo para justificar as medidas, não está “em crise” nem com a sua “sustentabilidade” comprometida.

Aqui, vale ressaltar que apesar das renún-cias fiscais (como a desoneração da folha de pagamento), analisadas anteriormente, e da incidência da Desvinculação dos Recursos da União (DRU) sobre o orça-mento da seguridade social, como tem sido divulgado pela ANFIP7 e outros grupos de estudos e pesquisas e pesquisadores da área8, a seguridade social tem sido superavitária na perspectiva desenha na CF de 1988. De acordo com a análise da seguridade social em 2013, realizada pela ANFIP9, naquele ano, de acordo com a enti-dade houve um saldo de R$ 76,2 bilhões no orçamento da seguridade social. Percebe-se que somente o corte do favorecimento a algumas empresas dos ramos que passaram a contribuir sobre o faturamento, e não sobre a folha de pagamento, seria capaz de cobrir os R$ 18 bilhões que o governo diz que quer economizar com as medidas.

No que se refere à pensão por morte, além dos argumentos recheados de precon-ceitos e julgamentos morais utilizados

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pelo governo (que devem ser rechaçados), ao dizer que as medidas visam a inibir os “casamentos oportunistas” com finalidade de onerar os cofres públicos, as medidas atingem o conjunto dos trabalhadores e favorecem o capital, devido às limita-ções de acesso, redução dos valores e do tempo de duração dos benefícios. Entre os mais prejudicados estão as mulheres. Isso porque, em primeiro lugar, de acordo

com os dados do Ministério da Previdência Social, as mulheres são as principais beneficiárias da pensão por morte. Em 2013, elas eram 86,8% dos pensionistas por morte do RGPS (BRASIL, 2014c, p. 6). Em segundo lugar, porque se a ampla maioria dos casamentos e uniões estáveis são heterossexuais, os homens morrem mais cedo, as mulheres possuem melhores expectativas de sobrevida e, em 2012, a participação da mulheres no conjunto dos benefícios foi de 56,16% e destas 54,68% estavam até a faixa etária entre 40-44 anos (BRASIL, 2014d, p .7), pode-se estimar, conservadoramente, que no mínimo, 50% das mulheres pensionistas localizam-se até essa faixa etária, portanto, com sobrevida superior a 35 anos, o que não lhes permitirá pensão vitalícia, no máximo, o beneficio será mantido pelo período de 3 a 15 anos.

As mudanças na pensão por morte também alcançaram os servidores públicos, isso reforça a uniformização dos direitos entre os beneficiários do Regime Geral e dos Regimes Próprios de Previdência Social, por meio do rebaixamento de direitos e não da isonomia pelo direito mais abran-gente, o que seria correto e adequado. Pois, é desejável uma previdência pública que contemple o conjunto dos trabalhadores e assegure-lhes direitos iguais, a partir de uma base aceitável socialmente, capaz de atender-lhes as necessidades pré-es-tabelecidas e propiciar-lhes a expansão como indivíduos sociais. Todavia, não é aceitável que isso aconteça pela restrição de direitos já conquistados, o nivelamento de direitos, por um nível abaixo do já exis-tente para algumas categorias de traba-lhadores é prejudicial a esta categoria e à

Aqui, vale ressaltar que apesar das renúncias fiscais

(como a desoneração da folha de pagamento), analisadas

anteriormente, e da incidência da Desvinculação dos Recursos

da União (DRU) sobre o orçamento da seguridade

social, como tem sido divulgado pela ANFIP12 e outros grupos

de estudos e pesquisas e pesquisadores da área13,

a seguridade social tem sido superavitária na perspectiva

desenha na CF de 1988. De acordo com a análise

da seguridade social em 2013, realizada pela ANFIP14,

naquele ano, de acordo com a entidade houve um saldo

de R$ 76,2 bilhões no orçamento da seguridade social.

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sociabilidade como um todo.

No que se refere às medidas afetas ao auxílio-doença, os prejuízos são também enormes, além da redução dos valores dos benefícios com a novas regras, o fato

dos 30 primeiros dias de afastamento das atividades serem cobertos pelas empresas e das mesmas poderem, inclusive, realizar as perícias médicas dos segurados, pode aguçar as pressões e o controle sobre os afastamentos dos trabalhadores, o que pode

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incidir em adoecimento e permanência em atividade, além do mascaramento dos adoecimentos por acidentes do trabalho, doenças ocupacionais e do trabalho, demis-sões e rotatividade no emprego. Assim, apesar de reação de algumas empresas, essas medidas poderão favorecê-las, em longo prazo, pelo maior controle sobre os afastamentos dos empregados. A mesma análise pode ser feita em relação às aposen-tadorias por invalidez.

Aqui vale registrar, ainda, dois aspectos. O primeiro é que tanto o auxílio-doença quanto as aposentadorias por invalidez terão datas de início retardadas, em pelo menos 15 dias, o que prejudica os traba-lhadores. O segundo aspecto diz respeito à privatização da pericia médica que se constitui um grande malefício à previ-dência social pública e aos trabalhadores.

As medidas referentes ao auxílio-reclusão, muito semelhantes às medidas aplicadas às pensões, fragilizam mais ainda este bene-fício que tem sido objeto de ataques mora-listas e preconceituosos. No que se refere às políticas sociais, cabe ao Estado assegurar a proteção aos cidadãos e cidadãs, por meio da aplicação do fundo público, sem julga-mento moral sobre o código de conduta seguido por estes. Vale lembrar, que os dependentes dos segurados não podem “ser punidos” pela conduta do segurado de quem dependem economicamente. A prisão do segurado, por si, já constitui a aplicação da pena prevista para o ato infracional cometido, conforme previsto pelo Código penal para cada situação. As medidas protetivas do atendimento das necessidades básicas e manutenção do

padrão de vida dos dependentes de presos, em regime fechado, não podem compor a tipificação de uma pena extensiva à família.

As alteração realizada pela MP nº 665 são tão prejudiciais aos trabalhadores quanto as da MP 664 analisadas anteriormente. Todas provocarão restrições de acesso dos trabalhadores aos benefícios existentes e devem ser analisadas levando-se em conta a situação do mercado de trabalho no país.

O abono salarial, que nos últimos anos expandiu-se, terá acesso inibido dada a ampliação do período de carência, de um para seis meses ininterruptos. A renda do benefício também cairá por ter-se tornado proporcional ao período trabalhado. Nisso, é lúcida a análise do Dieese, no documento “Considerações sobre as medidas provi-sórias nº 664 e nº 665 de 30 de dezembro de 2014”10:

“Ao limitar o direito ao Abono Salarial aos trabalhadores que mantiveram vínculos formais por pelo menos seis meses e pagar o restante de forma proporcional, a nova regra reduz seu público alvo, excluindo cerca de 9,94 milhões de trabalhadores desse direito constitucional e pagando ao restante um valor inferior ao que é pago atualmente. Apenas os trabalhadores que se mantiveram no emprego pelo período dos 12 meses – o que corresponde a aproxi-madamente 35% do total daqueles que antes tinham esse direito – receberão o mesmo que anteriormente. Para o Governo, a economia será de R$ 8,45 bilhões, prati-camente metade do gasto atual” (DIEESE, jan/2014, p 8-9).vAs medidas referentes ao

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seguro-desemprego atingirão uma grande massa de trabalhadores, especialmente os mais jovens que buscam inserção em um mercado de trabalho em que o emprego tem sido extremamente rotativo. Em 2009, “de cada 16 contratos assinados de trabalho, 15 correspondiam a demissões no mesmo exercício” (ANFIP, jul. 2010, p. 57 11).

Essa tendência persistiu para os anos subsequentes, conforme apontam os dados da RAIS. Isso, com certeza, terá forte reba-timento no não acesso ao beneficio. Toman-do-se como exemplo as projeções realizadas pelo Dieese, com base na RAIS, em 2013 havia um grande número de vínculos trabalhistas rompidos, sem justa causa: “12,5 milhões de vínculos. Desse total, 3,2 milhões (25,9%) não tinham direito ao benefício do seguro-desemprego, pois tinham menos que seis meses de emprego antes do rompimento registrado ao longo

do ano de 2013” (Dieese, jan/2015, p. 5).

Considerando que a exigência para acesso ao primeiro pedido de seguro- desemprego passou para 18 meses de emprego, nos últimos 24 meses anteriores à demissão, utilizando-se os mesmos dados de 2013, como referência, tem-se que “o contingente de trabalhadores que não teriam direito ao benefício do seguro-desemprego aumen-taria para 8,0 milhões, ou seja, 64,4% do total de desligados” (DIEESE, jan/2015, p.5.). Essa projeção revela o quanto esta medida poderá ser prejudicial a milhões de trabalhadores desempregados invo-luntariamente, em um contexto de crise estrutural do capital, em que o desemprego só tende a aumentar. Vale ressaltar que as regras também apontam para uma redução das parcelas que podem ser acessadas pelos trabalhadores ao longo dos anos, uma vez que as mesmas estão vinculadas a um tempo maior de permanência no emprego, o que é pouco provável em um contexto típico de instabilidade de emprego.

Quanto às medidas do seguro-defeso, a situação também é muito delicada. O governo justifica as medidas em decor-rência da elevação dos gastos do FAT e também da incidência de fraudes em relação ao beneficio. No entanto, sabe-se que o número de pescadores artesanais é reduzido, estudo realizado em 2013, pelo Instituto da Pesca de São Paulo, indicou que, em 2011, foram registrados 993.445 pescadores em todo o país, sendo 99,2% oriundos da pesca artesanal12. Segundo o mesmo estudo, em 2011, foram bene-ficiados pela política de seguro-defeso 619.861 pescadores, o que equivalia a

As medidas referentes ao seguro-desemprego atingirão

uma grande massa de trabalhadores, especialmente

os mais jovens que buscam inserção em um mercado

de trabalho em que o emprego tem sido extremamente

rotativo. Em 2009, “de cada 16 contratos assinados de trabalho,

15 correspondiam a demissões no mesmo exercício”

(ANFIP, jul. 2010, p. 5716).

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62,0% dos registrados no país. Portanto, do ponto de vista da quantidade, não se pode falar em número que comprometa a sustentabilidade do FAT. Este fundo, todavia, tem sofrido grande impacto, mas da incidência da DRU. Segundo o DIEESE, em 2013, a DRU retirou cerca de R$ 78,7 bilhões do FAT (DIEESE, jan/2015, p. 3). As fraudes devem ser combatidas pelo controle democrático e medidas de gestão e não pela restrição de direitos.

Chama a atenção que o conjunto das medidas atinge principalmente os traba-lhadores de baixa renda (os pensionistas, desempregados, pescadores artesanais, e os que ganham até 2 salários mínimos e recebem abono salarial) e com menos capacidade de mobilização. O que revela a profunda contradição entre o discurso governamental de combate à extrema miséria e as medidas adotadas. Apesar disso, estão sendo percebidas reações sociais. Os empresários reagiram ao prazo de 30 dias para afastamento das ativi-dades sob responsabilidade de custeio da empresa. Os trabalhadores, por meio das centrais sindicais, também manifestaram descontentamento, em nota elaborada conjuntamente criticando as medidas e exigindo sua revogação.13 Além disso, são noticiadas pelo menos quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contestando as medidas. A primeira foi impetrada, no dia 06 de fevereiro, pela Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (COBAP) e o Partido Socialista dos Traba-lhadores Unificados (PSTU), a ADI nº 5234/15 que pede liminar para suspender os efeitos da MP e, no mérito, a declaração

de inconstitucionalidade. O partido e a confederação sustentam que a edição das MPs não cumpre o pressuposto de urgência e afrontam a proibição do retrocesso social. Na sequencia e na mesma linha argumen-tativa, a Força Sindical impetrou outra ação, a Confederação Nacional dos Traba-lhadores Liberais Universitários Regula-mentados (CNTU) é a responsável pela ADI nº 5238/15 e a ANFIP pela ADI 5246/15. Percebem-se mobilizações e incidências políticas junto aos parlamentares, mani-festações isoladas de grupos específicos junto aos ministérios, como do Movimento de Mulheres Camponeses, ligadas à via campesina. Além disso, as manifesta-ções do dia 15 de abril, organizadas pelas centrais sindicais, trouxeram em suas pautas a reivindicação da revogação das medidas, apesar disso, as mobilizações de massa, até o fechamento deste artigo, não foram capazes de fazer o governo recuar.

NOTAS

[1] Conforme matéria publicada na Revista Carta Capital (07/03/2014) o superávit brasileiro é um dos cinco maiores do mundo (DRUMMOND, 2014).2 Parte da análise aqui desenvolvida encontra-se em SALVADOR, Evilasio. Os impactos das renúncias tributárias no financiamento das políticas sociais no Brasil. Brasília: Inesc, fevereiro de 2015 (No prelo).3 Informações disponíveis em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/web/stn/-/series-historicas>.4 Atualmente o teto é de R$ 4.663,75, um pouco menos de seis salários mínimos.5 A “Tábua Completa de Mortalidade - Ambos os Sexos” é publi-cada no primeiro dia útil do mês de dezembro de cada ano e já é utilizada para o cálculo do fator previdenciário.6 Data de publicação da Lei nº 9.876, de 1999.7 Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil.8 Cf. GESST/UnB http://gesst.unb.br/index.php?option=com_content&view=frontpage ; GOPSS http://gopss-uerj.blogspot.

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com.br/9 Fundação ANFIP de Estudos da Seguridade Social - ANFIP. Análise da Seguridade social 2013. Brasília: ANFIP, set/2014. p. 72, 127 e 34, respectivamente.10 Disponível em http://www.dieese.org.br/ acesso em 7 de março de 2014.11 ANFIP. Analise da Seguridade Social em 2009. Brasília: Anfip, jul. 201012 Relatório disponível em http://ftp.sp.gov.br/ftppesca/ser-reltec_50.pdf acesso em 7 de março de 2015.13 . Cf. página eletrônica da Força Sindical, CSB, CTB, CUT, NCST e UGT

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Os primeiros resultados do ajuste:

presente sombrio, futuro incerto

Após cinco meses de mudança nos rumos da política econômica do governo, o ajuste fiscal e monetário colocado em prática pelo ministro Joaquim Levy e o Banco Central já apresenta seus primeiros resultados.

Antes de repassar os dados conjunturais da economia brasileira e buscar compreender sua conexão com as atuais diretrizes fiscais,

Guilherme Mello Economista com doutorado pela Unicamp, pesquisador do Cecon-IE/Unicamp e professor da Facamp

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O S P R I M E I R O S R E S U LTA D O S D O A J U S T E : P R E S E N T E S O M B R I O , F U T U R O I N C E R T O

Foto: Fotos Públicas / CCO

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cabe repassar rapidamente os principais objetivos do ajuste recessivo colocado em prática desde o início do segundo governo Dilma: a recuperação do superávit primário contribuiria para a recuperação das expectativas do mercado, tanto no que tange à inflação quanto ao crescimento. O aumento da poupança pública contribuiria para reduzir o ritmo de aumento dos juros, que não estariam combatendo os efeitos da alta dos preços sozinhos; enquanto isso, a retomada da confiança empresarial reduziria os juros longos, incentivando o investimento e, por consequência, aumen-tando o crescimento. A contratação fiscal seria expansionista, passando apenas por um curto período recessivo necessário para recuperar a confiança nas políticas de Estado.

Destes objetivos acima listados, aparente-mente nenhum caminhou para sua conse-cução nestes cinco primeiros meses. O ajuste fiscal, prejudicado pela queda de arrecadação decorrente da desaceleração econômica, está em estado terminal: é quase certo que o governo não será capaz de alcançar sua meta de economia de 1,2% do PIB em 2015. A inflação, impulsionada pelo aumento das tarifas públicas e, a partir de março, pela desvalorização do câmbio acumulada nos primeiros meses do ano, certamente romperá o teto da meta e fechará o ano acima de 8%. O crescimento econômico é negativo e as perspectivas de recessão se ampliam, impactando no mercado de trabalho, ocasionando aumento do desemprego e diminuição da renda. As expectativas empresariais não se recuperaram e não param de decair, batendo novos recordes de mínima a cada

mês. O setor externo, última esperança de recuperação econômica do governo, parece não reagir à desvalorização cambial e segue com déficits preocupantes nas tran-sações correntes (apesar de plenamente financiáveis pelos investimentos diretos estrangeiros).

Em suma, a única variável que caminha na direção esperada pelo governo é a expectativa de inflação e de juros para 2016, que aponta queda nas previsões, mas sempre sujeitas a alterações dadas as surpresas altistas da inflação ainda em 2015. O custo para essa redução, no entanto, parece estar sendo muito maior que o governo esperava, assim como a duração da recessão que se avizinha.

Destes objetivos acima listados, aparentemente nenhum

caminhou para sua consecução nestes cinco primeiros meses.

O ajuste fiscal, prejudicado pela queda de arrecadação

decorrente da desaceleração econômica, está em estado

terminal: é quase certo que o governo não será capaz

de alcançar sua meta de economia de 1,2% do PIB

em 2015.

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Resultados fiscais

O resultado fiscal do governo central no mês de março registrou um superávit primário de R$ 1,463 bilhões, revertendo parte do déficit de R$ 7,357 bilhões em fevereiro. Com este resultado, o resultado fiscal do governo central acumulado no ano é positivo em R$ 4,485 bilhões (contra resultado positivo de R$ 14,4 bilhões no mesmo período de 2014), mas permanece negativo no acumulado de doze meses, quando registra déficit primário de R$ 27,3 bilhões, ou 0,49% do PIB.

O ritmo de receitas se mostrou em queda, tendo passado de R$ 86,5 bilhões em março de 2014 para apenas R$ 82,6 bilhões em 2015, mesmo com a ampliação da parti-cipação dos impostos indiretos elevados recentemente pelo governo (com destaque para alta do IPI). No acumulado do ano até março, a queda em relação ao mesmo período de 2014 foi de 4,4%.

Do lado das despesas, ocorreu uma redução menos drástica, de 0,8% no acumulado do ano até março. Boa parte da redução das despesas, entretanto, está ligada aos profundos cortes nos investimentos públicos, que apresentaram redução de 26,7% na comparação com o mesmo período de 2014, com o PAC apresentando redução de 32,5% em relação a março de 2014.

Com os resultados atuais, a meta de supe-rávit primário de R$ 55,3 bilhões para o governo central estabelecida para 2015 fica mais distante, em particular dada a queda

recorrente dos dados das receitas fiscais.

Já o resultado fiscal do setor público conso-lidado, que reúne estados, munícipios e empresas estatais, foi de apenas R$ 239 milhões em março, dado o déficit de R$ 1,1 bilhão dos governos regionais e R$ 97 milhões das estatais. No acumulado do ano, o superávit é de R$ 19 bilhões (contra R$ 25,6 bilhões do primeiro trimestre de 2014) e o déficit primário acumulado em doze meses se ampliou de 0,64% para 0,7%. O déficit nominal também aumentou no acumulado de doze meses, passando de 6,83% do PIB em fevereiro para 7,81% do PIB em março.

Este conjunto de dados evidencia uma situação já esperada por alguns analistas: mesmo com um corte pesado nas despesas (concentrada nas despesas de inves-timentos e gastos sociais), a queda nas receitas não deve possibilitar a obtenção da meta de 1,2% de primário.

Este conjunto de dados evidencia uma situação já

esperada por alguns analistas: mesmo com um corte pesado

nas despesas (concentrada nas despesas de investimentos

e gastos sociais), a queda nas receitas não deve

possibilitar a obtenção da meta de 1,2% de primário.

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Atualmente, os analistas mais otimistas contam com a possibilidade de superávit primário de 0,8% para o final de 2015, desde que sejam aprovadas as MPs enviadas pelo governo acerca da revisão dos direitos trabalhistas e a retirada dos subsídios na folha de pagamentos. Caso a recessão se aprofunde, estas previsões devem se alterar, reduzindo as expectativas de receita e reduzindo o superávit esperado, o que criará uma nova rodada de pressão sobre o governo para maiores cortes no gasto público.

Inflação e política monetária

No campo da inflação, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15) regis-trou alta de 1,07% em abril, uma queda

em relação ao índice e 1,24% verificado em março. O principal item a influen-ciar o índice permanece sendo o custo da energia elétrica, que subiu 13,02% (decor-rente tanto da entrada em cena das novas bandeiras tarifárias, quanto do aumento de tarifas autorizados pelo governo), sendo responsável por 42% da alta do IPCA-15 e 0,45 pontos no índice total.

Com esta elevação, o grupo habitação apre-sentou aceleração de 2,78% para 3,66%, seguido pela elevação de 1,04% do grupo alimentação e bebidas e 0,94% do grupo vestuário. Com este resultado, o IPCA-15 acumulado em 12 meses foi de 8,22% em abril (maior que o resultado e março, quando o acumulado somava 7,9%), sendo 4,61% apenas no ano de 2015.

Em resposta, o Copom decidiu por uma nova elevação de 0,5% na taxa Selic,

Foto: Fotos Públicas / CCO

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elevando-a para o patamar de 13,25%, maior taxa desde dezembro de 2008. Em suas considerações, o Banco Central repetiu o comunicado anterior, deixando em aberto a possibilidade de novas elevações na taxa de juros. A elevação dos juros em meio ponto percentual já era esperada pela totalidade do mercado, após declarações neste sentido por integrantes do Banco Central.

Nossa autoridade monetária está-se valendo de um forte aperto monetário (com evidentes custos sobre os investimentos e sobre o custo da dívida pública, o que deteriora os resultados fiscais nominais) para evitar a propagação dos choques inflacionários decorrentes do aumento de tarifas públicas e da recente desvalorização cambial.

Mesmo assim, as expectativas são que a inflação feche o ano na casa dos 8%, recuando apenas em 2016, quando há

uma disputa entre as expectativas do Banco Central (que insiste que a inflação cairá para o centro da meta já em 2016) e do mercado, que ainda projeta inflação próxima a 5,6%, mesmo com todo aperto monetário e fiscal até lá.

Crescimento econômico e mercado de trabalho

No campo do crescimento econômico, o IBC-Br, uma espécie de prévia do PIB calculado pelo Banco Central, apontou expansão da economia brasileira no mês de fevereiro, contrariando a expectativa média dos analistas, que apontavam para queda de 0,2% no indicador. De acordo com os dados divulgados pelo BC, o Brasil apresentou crescimento de 0,36% na ativi-dade econômica em fevereiro, revertendo a queda de 0,11% apresentada no mês ante-rior, mas ainda não compensando a queda de 0,57% observada em dezembro/2014. No acumulado de doze meses, o IBC-Br apresentou variação negativa de 0,6%, pior que o dado de queda de 0,38% de janeiro.

A média móvel trimestral, entretanto, apresentou alguma melhoria, caindo 2,18% em fevereiro após apresentar queda de 2,7% em agosto. Para o final de 2015, o BC mantém a estimativa de queda de 0,5% do PIB, sendo que o boletim Focus mais recente aponta para queda maior, de 1,01%.

No mercado de trabalho, a taxa de desem-prego medida pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE apresentou alta

Nossa autoridade monetária está-se valendo de um forte

aperto monetário (com evidentes custos sobre os

investimentos e sobre o custo da dívida pública, o que deteriora os resultados fiscais nominais)

para evitar a propagação dos choques inflacionários decorrentes do aumento de tarifas públicas e da recente

desvalorização cambial.

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em março, chegando à casa dos 6,2%. No mês de fevereiro, a taxa era de 5,9%, tendo partido de um patamar de 5,3% em janeiro. Em março de 2014, a taxa era de 5%. O aumento da taxa de desemprego em março decorreu em grande medida do aumento da população desocupada, com a demissão de 48 mil pessoas. A População Econo-micamente Ativa também cresceu neste período, aumentando em 27 mil pessoas.

Do lado da renda, registrou-se queda de 2,8% no rendimento médio habitual de março em relação a fevereiro, com queda de 3% se compararmos ao mesmo mês de 2014. A possibilidade de um aumento expressivo da taxa de desemprego depende do aumento rápido da PEA e da dissolução de acordos coletivos de trabalho no meio do ano, assim como do prosseguimento da crise no setor de petróleo e gás, infraestru-tura e construção civil.

Já os índices de confiança apresentaram variação discrepante: na indústria

prossegue o processo de deterioração das expectativas, com queda de 3,4% no Índice de Confiança da Indústria (ICI) calculado pela FGV, chegando ao patamar de 72,8 pontos (onde qualquer número abaixo de 100 indica retração). No setor de serviços, no entanto, os resultados da pesquisa de confiança de abril da mesma FGV apre-sentaram uma evolução no índice, que subiu 4,2% para o nível de 85,9 pontos. Esta melhora se deu em particular pela recom-posição dos índices de confiança no futuro, em decorrência do arrefecimento da crise política e do fim do risco de racionamento de energia elétrica.

Via de regra, tanto a confiança dos empre-sários quanto dos consumidores estão na quadra do pessimismo, batendo recordes negativos similares aos verificados em 2009, durante a crise americana. A recu-peração da confiança parece não se realizar somente com o anúncio de uma redução do déficit público, exigindo medidas de recuperação econômica mais sólidas.

Setor externo

O saldo comercial do Brasil com o resto do mundo na terceira semana de abril foi negativo em US$ 240 milhões, resul-tado de exportações de US$ 3,745 bilhões e importações que somaram US$ 3,985 bilhões. Apesar de apresentar alta na comparação semanal, passando de média diária de US$ 721,9 milhões nas primeiras semanas do mês para média diária de US$ 749 milhões na terceira semana, o

A possibilidade de um aumento expressivo da taxa

de desemprego depende do aumento rápido da PEA e da dissolução de acordos

coletivos de trabalho no meio do ano, assim como

do prosseguimento da crise no setor de petróleo e gás,

infraestrutura e construção civil.

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volume de exportações apresentou queda na comparação mensal e anual, tendo caído 5% em relação ao mês anterior e passado de média diária de US$ 986,2 milhões em abril de 2014 para apenas US$ 733,2 milhões em abril de 2015, desempenho 25,7% pior. A queda nas exportações alcançou todas as categorias de bens (básicos, semima-nufaturados e manufaturados), mas se mostrou mais acentuada nos produtos básicos (queda de 29,4%), dada a queda do preço das commodities nos mercados internacionais.

Já o volume de importações também apre-sentou redução, mas de menor monta, com queda de 22,8% na comparação com a

média diária registrada em abril de 2014. O mais recente resultado ampliou o déficit comercial brasileiro registrado no ano, que alcançou o valor negativo de US$ 5,665 bilhões.

Com estes resultados, o déficit em transa-ções correntes alcançou 4,22% do PIB em março, efeito também da reformulação da metodologia das contas externas feita pelo Bacen, que ampliou o déficit, mas também ampliou o volume de investi-mentos externos diretos que o financiam.

As perspectivas para o setor externo são de redução gradual do déficit comercial, em decorrência da desaceleração das

Foto: LoggaWiggler @Pixabay / CCO

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importações. A esperança de que uma taxa cambial mais desvalorizada incentive as exportações parece ser irreal, dado o cenário internacional de baixo crescimento e a desarticulação de nossas cadeias produ-tivas, para não falar do recente movimento de revalorização do câmbio, que não aponta uma tendência clara para o futuro e cria incertezas para potenciais exportadores.

Já na balança de serviços, a mudança do patamar no câmbio começa a fazer efeito na conta de viagens internacionais, redu-zindo nosso déficit no setor de serviços. Apesar desta leve melhoria, ainda levará alguns anos para alcançarmos patamares considerados saudáveis de déficit em tran-sações correntes (algo próximo a 3% do PIB) neste atual cenário internacional, devendo até lá sermos financiados pelo IED e em carteira.

Conclusões

Os dados aqui apresentados acerca da economia brasileira apontam para um cenário de recessão, desemprego, inflação alta e poucos avanços na redução do déficit público (na realidade, o que se observa é uma expansão do déficit nominal, dada a elevação dos juros). A promessa de que todos estes fatores se reverterão ainda este ano parece cada vez mais distante, sendo quase certo que este quadro negativo se manterá até o final de 2015.

Já para 2016, na ausência de mudanças na estratégia de política econômica atual, não

parece haver nenhum fator de reversão estrutural do ciclo recessivo que aden-tramos, com o setor externo ainda bastante enfraquecido (a revalorização do real, dada a elevação dos juros doméstica e a manutenção dos juros americanos, joga por terra qualquer expectativa de recuperação econômica pela via das exportações), e a demanda interna claudicante, dado o aumento do desemprego, a diminuição da renda e dos investimentos autônomos.

A sinalização de um pacote de infraes-trutura, no regime de concessão pública, parece ser a única boa notícia que pode incitar algum aumento de confiança nos empresários, mas diante da fragilização das principais empreiteiras nacionais é de se questionar a viabilidade de tais obras.

De positivo, resta a certeza de que 2016 apresentará uma taxa de inflação menor que 2015, assim como uma reversão na trajetória de alta dos juros. Esta reversão, se combinada com a manutenção da desva-lorização cambial e uma expansão rápida dos investimentos privados (nacionais ou estrangeiros) pode, em tese, retirar a economia de sua trajetória recessiva, apesar de todos os dados estarem hoje apontando para a direção oposta.

O mais provável, porém, é que 2016 apre-sente baixo crescimento, alto desemprego e inflação mais próxima ao centro da meta, um cenário que em nada ajuda na cons-trução de um projeto de desenvolvimento mais inclusivo e igualitário.

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