ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo...

48
Director: José Paulo Serralheiro · http://www.a-pagina-da-educacao.pt/ [email protected] ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ilhas 2 Euros [IVA incluído] Devesas – V. N. Gaia TAXA PAGA Tel.: 226002790 · Fax: 226070531 www.a-pagina-da-educacao.pt/livros Profedições [email protected] livros consulte o catálogo 03 A tentação demoníaca “ (...) Tu dizes que Deus está do teu lado e te mandou matar iraquianos. Oiço o Papa, que é suposto ser ínti- mo de Deus, defender a paz e dizer que não devem ir matar iraquianos. Confesso-te, George, que temo pe- lo futuro do Vaticano e do Papa. Co- mo é sabido, o Vaticano nunca foi um modelo de democracia e com estas atitudes… Não ficarei admira- do se o teu secretário da defesa, Donald Rumsfeld, acusar o Papa de ser anti-americano, um amigo de di- tadores e terroristas. Vocês ainda decidem um bombardeamento ci- rúrgico ao Vaticano, a substituição do Papa, por um dos vossos gene- rais, e a criação de um governo de cardeais recrutados entre os prega- dores das vossas igrejas (...). in carta a George W. Bush (editorial) 06 41 Ensinar a dizer “Não à Guerra” (...) Es un “no” ético, y por ello, pedagó- gico. Un “no” que debe enseñarse co- mo derecho y responsabilidad; como sentimiento y actitud ante lo que siem- pre es posible y deseable detener en la mente de los hombres, en las decisio- nes de los Gobiernos. La guerra, decía Cooper-Prichard finalizando el siglo XVI es el “invierno de la civilización”. Hoy más que nunca, cuando nos abruman las incertidumbres, necesitamos la luz de la primavera. La ética «en» y «de» la profesión docente también debe tomar partido.En ello estamos.” In “ética e profissão docente, de José Antonio Ca- ride Gómez,da Universidade de Santia- go de Compostela. Ana Maria Seixas (Universidade de Coimbra) a Página (páginas 25 a 27) Portugal ainda precisa de mais universitários Luas cinzentas em Bagdade “As mil e uma noites afinal são luas cinzentas marés negras nos céus de Bagdade são bombas sangrentas no sonho da humanidade” (...) Armindo Moura In espaço de poesia © isto é

Transcript of ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo...

Page 1: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

Director: José Paulo Serralheiro · http://www.a-pagina-da-educacao.pt/[email protected]

ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ilhas 2 Euros [IVA incluído]

Devesas – V. N. GaiaTAXA PAGA

Tel.: 226002790 · Fax: 226070531www.a-pagina-da-educacao.pt/livros

Profediçõ[email protected]

livros

consulte o catálogo

03A tentaçãodemoníaca“ (...) Tu dizes que Deus está do teulado e te mandou matar iraquianos.Oiço o Papa, que é suposto ser ínti-mo de Deus, defender a paz e dizerque não devem ir matar iraquianos.Confesso-te, George, que temo pe-lo futuro do Vaticano e do Papa. Co-mo é sabido, o Vaticano nunca foium modelo de democracia e comestas atitudes… Não ficarei admira-do se o teu secretário da defesa,Donald Rumsfeld, acusar o Papa deser anti-americano, um amigo de di-tadores e terroristas. Vocês aindadecidem um bombardeamento ci-rúrgico ao Vaticano, a substituiçãodo Papa, por um dos vossos gene-rais, e a criação de um governo decardeais recrutados entre os prega-dores das vossas igrejas (...).

in carta a George W. Bush (editorial)

06

41

Ensinar a dizer “Não à Guerra”(...) Es un “no” ético, y por ello, pedagó-gico. Un “no” que debe enseñarse co-mo derecho y responsabilidad; comosentimiento y actitud ante lo que siem-pre es posible y deseable detener en lamente de los hombres, en las decisio-nes de los Gobiernos. La guerra, decíaCooper-Prichard finalizando el siglo XVIes el “invierno de la civilización”. Hoymás que nunca, cuando nos abrumanlas incertidumbres, necesitamos la luzde la primavera. La ética «en» y «de» laprofesión docente también debe tomarpartido.En ello estamos.” In “ética eprofissão docente, de José Antonio Ca-ride Gómez,da Universidade de Santia-go de Compostela.

Ana Maria Seixas (Universidade de Coimbra)

a Página(páginas 25 a 27)

Portugal aindaprecisa de maisuniversitários

Luas cinzentasem Bagdade“As mil e uma noitesafinal são luas cinzentasmarés negras nos céus de Bagdadesão bombas sangrentasno sonho da humanidade”(...)

Armindo Moura In espaço de poesia

© is

to é

Page 2: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

a páginada educaçãoabril 2003

02

um conto

MrozeckO Elefante;

Editorial Estampa

minha casa e fechava a porta, eleveio ao patamar e convidou-me aentrar para dois dedos de conversa.

Encontrei-me num quarto frio equase vazio — uma mesa, uma ca-deira, uma cama de ferro e um enor-me armário de carvalho escuro en-talhado. Lá fora o vento batia nas vi-draças lúgrubremente.

Por momentos, quedámo-nos si-lenciosos, olhando um para o outro.Depois, fixou-me e disse com com-passada ênfase:

«ERA EU que levava o estandartedo quinto regimento.»

«Ah! Sim?», disse eu.«Sim, do 5.° Regimento», repetiu.

Continuámos a olhar-nos até que,percebendo que as suas palavrasnão tinham causado qualquer efeitoem mim, baixou os olhos. Eu nãosabia nada do 5.° Regimento.

«Hoje é o aniversário do Regi-mento. Era o mais famoso do país.Mas o senhor é novo demais para sepoder lembrar.»

guém conseguia gritar mais alto queeu: Hip, hip, hurrah e três vivas.»

Perfilou-se, colocando as mãosnas costuras das calças que lhe fi-cavam demasiado grandes, e olhoupela janela, com a expressão de umfalcão poeirento embalsamado.

«Desculpe», disse eu, «três vivasa quem?»

«Hip, hip, hurrah!»A bátega da chuva na janela pa-

recia o eco dos vivas.Dirigiu-se ao armário. As portas,

que tinham esculpidos cachos deuvas, rangeram alto. Olhei por cimado ombro dele. O único objectodentro do armário era um pequenopau de madeira envolto em lona. Ohomem bateu os tacões, agarrou nahaste e tirou-o.

A bandeira do regimento. À luzfraca da lâmpada pendurada do tec-to sujo, desdobrou um pano bolo-rento. Um leão dourado segurava oalgarismo cinco. O roxo escuro dotecido parecia alegre, em contraste

muitos candeeiros agitados pelovento espraiava-se na superfície bri-lhante. Costumava ser o lugar deencontro de todas as paradas, pro-cissões e demonstrações. O velhocontinuava a explicar.

«...0 nosso regimento era espe-cial, só para acontecimentos nacio-nais... tínhamos a maior banda dopaís. Que banda!»

Empurrados para trás e para afrente pelas bátegas de água, dirigi-mo-nos ao centro da Praça. Não ha-via nenhuma plataforma.

«É capaz de ficar aí?», apontoupara o cimo de uma forma indistinta,perto de nós. Era um caixote de lixo.Subi, abotoando o casaco para me-lhor vencer o vento. Num plano infe-rior a mim, via a silhueta do porta-bandeira com o pano ainda enrola-do no pau, qual lança.

"Comecemos», disse com a voz tre-mendo de emoção. «Graças a si, umavez mais poderei passar a marchar. Tal-vez seja a minha última marcha.»

O porta-bandeira surgiu sob a luzincerta dos candeeiros da rua. Es-voaçando ao vento sobre a sua ca-beça, o pendão hasteado era susti-do por mãos inseguras.

Aproximava-se. Em passo de pa-rada. Levantava os pés desajeitadosde maneira burlesca, assentando-os depois no passeio com um ba-que suavíssimo.

«Hip, hip, hurrah!»O vento levava a voz do velho,

espalhando-a pelos cantos da enor-me praça.

«Hip, hip, hurrah!»Já a poucos passos de mim, le-

vantou a cabeça e gritou com vozde falsete:

«Diiiireita!»Passou por mim três vezes, bai-

xando sempre o estandarte com oleão dourado segurando o númerocinco.

Agarrei o casaco com uma mão.A outra levei-a vagarosamente à ca-beça. Fiz continência.

O Veterano

Ao meu lado, no mesmo piso, viviaum homem velho mas vigoroso.Quando passava pela sua porta, ou-via-o cantar com frequência «Quan-do o toque da alvorada nos chamaaos Muros, Destino do Granadeiro,Cá estamos raparigas». Costumavaencontrar-me com ele na leitaria on-de ambos comprávamos pão, man-teiga, leite e picles de pepino. Deviater mais de setenta anos, mas cami-nhava com as costas bem direitas.

Vim a conhecê-lo no Outono pas-sado. Uma noite, quando saía de

Abri as mãos, num gesto de im-potência., «Combateu bem?», per-guntei para lhe ser agradável.

«Que marcha! Oh, como marchá-mos bem! Devia ver-nos. Que lindo!Mas hoje... verifiquei. Só resto eu. Souo último soldado do 5.° Regimento.»

«E depois?» «Hoje é o dia do aniversário. Nes-

te dia havia sempre uma grandemarcha, e os jornais faziam umagrande reportagem. O nosso Regi-mento escoltava o Comandante-em-Chefe. Eu era profissional. Nin-

com as paredes nuas e esboroadasdo quarto.

Encostou o pendão contra o armá-rio e pôs as mãos como para rezar.

«Peço-lhe», disse, «não me digaque não. Não é longe... Por favor.»Não pude recusar. Embrulhou abandeira no jornal e levou-a para arua. Segui-o.

O último eléctrico levou-nos àPraça Central. A chuva continuava acair em bátegas. Descemos. À nos-sa frente estendia-se uma vasta ex-tensão de asfalto negro. A luz dos

«Ora essa. Não há razão para fa-lar assim» disse eu delicadamente.O vento era terrível.

Concentrou-se e deu-me umaordem seca: «Ponham-se em for-matura.»

Afastou-se.Senti-me ridículo, em equilíbrio ins-

tável no cimo de um caixote do lixosózinho no meio e uma praça vazia.

De repente, o vento trouxe pelaminha esquerda o sussurro de umavoz distante, «Esquerda, direita, es-querda, direita...»

Page 3: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

03a páginada educaçãoabril 2003

editorial

Continua na página seguinte

Caro George

Quando ouvi dizer que te ias candi-datar a presidente do país mais po-deroso do mundo, fiquei inquieto.Como é que o tipo mais burro daturma se propunha governar o im-pério? Já no liceu os espertalhõesgozavam contigo. Tu eras o patetaalegre que se deixava manipular.Não admira que os donos da finan-ça, do petróleo e da indústria arma-mentista, tendo decidido tomar con-ta do poder na América e no mundo,te tenham escolhido para cabeçade cartaz. Escolha conveniente. Éssuficientemente burro para te deixa-res manipular e tens um apelido defamília que ainda angaria votos.Imagino a tua família assustada sem

casses pelo teu rancho e continuas-ses a entreter-te a dirigir o clube daterra e não havia problema. Masaceitares ser presidente! Meteste-nos a todos numa encrenca dos dia-bos! Vê se pelo menos percebesque quando metes o pé na poça nãoadianta limpares os sapatos às cal-ças. Tens os pés na lama. Deviassair dela. Os donos do mundo vãoespremer-te enquanto lhes trouxe-res algum proveito.

George, a América já só é umpaís de emigrantes. A cultura doemigrante resume-se em ganhar de-pressa muito dinheiro. Ganhar aqualquer preço. Amealhar. É essepovo sôfrego pelo dinheiro quem tesustenta. A América inicial foi in-fluenciada por emigrantes fugidos

às perseguições políticas que lhemoviam os governos na Europa.Eram pessoas com sonhos de liber-dade, justiça e democracia. Que-riam um país livre. Mas esses so-nhadores foram sendo substituídospelos famintos de dinheiro. Agora, oteu governo dá voz ao que de piortem a América. Reinam aí as virtu-des hipócritas, o espírito de seita, ofanatismo religioso, o reaccionaris-mo anti-social, o racismo, a devassada vida alheia, o rancor para com osdiferentes, reinam os produtores evendedores de petróleo, os prega-dores, os vendedores de armas, osvigaristas, em suma, os pregadoresdas falsas virtudes.

Confesso-me confuso por nãoser entendido em questões religio-sas. Tu dizes que Deus está do teulado e te mandou matar iraquianos.Oiço o Papa, que é suposto ser inti-mo de Deus, defender a paz e dizerque não devem ir matar iraquianos.Confesso-te, George, que temo pe-

lo futuro do Vaticano e do Papa. Co-mo é sabido, o Vaticano nunca foium modelo de democracia e comestas atitudes do Papa!… Não fica-rei admirado se o teu secretário dadefesa, Donald Rumsfeld, acusar oPapa de ser anti-americano, umamigo de ditadores e terroristas. Vo-cês ainda decidem um bombardea-mento cirúrgico ao Vaticano, a subs-tituição do Papa, por um dos vossosgenerais, e a criação de um governode cardeais recrutados entre os pre-gadores das vossas igrejas.

Dizes querer levar a tua democra-cia a todos os lugares do mundo.Por meio de intervenções militares,golpes de Estado e fornecimento dearmamento levados a cabo pelo teupaís, países em África, na América

Latina, no Médio Oriente, nos Bal-cãs e no Sudoeste Asiático, ficaramcom governos ditatoriais amigos daAmérica, mas inimigos do seu pró-prio povo. O teu país tem criado esemeado ditaduras e uma imagemde duplicidade, hipocrisia e cinismo.O que o teu governo deseja é conti-nuar esta política miserável.

O teu governo, George, é conti-nuador do mais podre da políticaamericana. Vocês designam um ou-tro como vosso inimigo de circuns-tância e a seguir fazem tudo o quefor possível para que o escolhido co-mo mau se conforme com o prog-nóstico. É esse o paradoxo da vossapolítica no Médio Oriente. Do Iraqueà Palestina, por interposta intransi-gência israelita ou directamente, pe-lo embargo maníaco que matou edestruiu, pela invasão que agoramata e destrói ou pela protecção dedinastias petrolíferas mafiosas, vo-cês parecem querer, desde há váriosanos, tornar os muçulmanos tão

maus como os pintam. O mundoprecisa de vos afastar do poder e deter um governo na América que afas-te o espectro racista e fascista quecaracteriza a vossa actual política.

Já te ouvi dizer que «o 11 de Se-tembro foi um ataque ao mundo oci-dental e civilizado». O mundo dosnão ocidentais não é civilizado? Oteu mundo ocidental e civilizado nãotem usado a violência e o terrorismode acordo com as suas conveniên-cias? O teu governo e o do teu ami-go Sharon não actuam num registoterrorista? Como explica muito bemo egípcio Karim El Gawhary «quan-do uma região inteira sente que atratam de maneira injusta e não po-de fazer nada contra isso, rapida-mente se tornam heróis aqueles que

tempo para te tirar da embrulhada.Esperei, George, que o teu apeli-

do não garantisse a tua eleição. Masos que te manipulam são esperta-lhões, possuem dinheiro, influênciae meios para te vender ao eleitora-do. De forma duvidosa foste esco-lhido presidente. Dessa nomeaçãonão esperei nada de bom, nem paraa América, nem para o mundo. So-bretudo porque te emparedarambem. Cheney, Rumsfeld, Condole-sa, venha o diabo e escolha. Ro-dearam-te de fascistas e de fanáti-cos da pior espécie.

Pois é, George, ao ver-te na tele-visão, a leres os discursos que temandam, chego a ter pena de ti. Seique sempre foste preguiçoso e queo teu desejo era estares no Texas adar umas tacadas de golfe ou agar-rado à garrafa e a preguiçar. Imaginoo teu esforço para andares aí aos re-cados. Ainda mais agora que ficastemelancólico por te teres convertidoem alcoólico em recuperação. Fi-

empreendem acções destrutivas.Os terroristas não nascem violentos.Tornam-se terroristas». Tu e Sharonpraticam e semeiam o terrorismo.

George, são vitimas da violênciaos que a sofrem e os que a prati-cam. Tu e os teus são vitimas de ca-da guerra que fazem. Vocês fazem-se ainda mais boçais e bárbaros,aviltam-se, enchem-se de ignomíniae ficam para sempre com as mãosmanchadas de sangue. George, euconheci, em África, o olhar dos con-denados à morte. É um olhar terrívelque não nos larga. Tem luz própria.É um olhar que estando para lá davida ainda implora piedade. Tives-ses tu alguma sensibilidade e cons-ciência e não serias capaz de vivercom o olhar dos que, com os teusactos, condenas à morte.

Defendes a pena de morte. Masés contra o aborto. Defendes a vidado embrião. Mas estás disposto a irmatar milhares de pessoas iguais ati e a estropiar um número ainda

CARTA ABERTA A GEORGE BUSH

© il

ustr

ação

nun

o m

artin

s

Page 4: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

04a páginada educaçãoabril 2003

fórum educaçãoAndo praticamente, há 40 anos, a escrever, na Imprensa, sobre o fenómeno desportivo e num ponto havemos todos de convir: não me debruço alvissareiro sobre insossas querelas domésticas. A não ser que o imprevisto dos lances, o dramatismo das situaçõese a sua repercussão na sociedade a tanto me obriga.

Este jornal é um indefectível defen-sor da passagem, na imprensa, dainformação à formação, do mera-mente fenoménico ao verdadeira-mente essencial. Assim, à pergun-ta: o que é um professor de Educa-ção Física? A resposta parece serimediatamente: é o docente queensina a prática da Educação Físi-ca. Ficamos assim ao nível da práti-ca social. E o terreno formal da lógi-ca científica não tem aqui lugar?Não podemos então acrescentarque a Educação Física é a teoriacientífica que os professores deEducação Física executam e estu-dam? De facto, uma área científicanão se esgota na imediatez da suapositividade fáctica ou prática, poisque tem em si mesma uma essen-cial auto-crítica ou negatividadeque lhe permite a evolução. Assim,a Educação Física é uma ocupaçãode profissionais e deve ser tambémum “corpus teórico” onde essa pro-fissão se fundamenta. Com efeito,uma profissão não se confundecom um conjunto de “amadores in-documentados”. O código profis-sional tem raiz epistemológica, éti-ca e política.

Uma definição unicamente práti-ca da Educação Física, embora a

EDUCAÇÃO desportiva

Manuel SérgioUniversidade

Técnica de Lisboa

EDITORIALJose Paulo Serralheiro

maior. Tu não respeitas a vida. Co-mo um autómato falas da segurançado povo americano. Mas obedecesaos estrategos do teu governo e lan-ças boatos de ataques terroristas eespalhas o medo entre o teu povonuma manobra para dar coberturaàs vossas acções terroristas. Enco-mendaram-te mais uma guerra emandas fazê-la sem pestanejar. Nãoentendes que cada época constrói oseu futuro e as suas ruínas e que étão importante pensar no futuro quequeremos deixar como nas ruínasque farão parte dele. Atentas contraa vida de milhões de seres humanospara satisfação do punhado dedoentes mentais que na América terodeiam e de mais uns quantos

doentes e cínicos que pelo mundote reverenciam. Tu não tens um go-verno. Tens um poço de ódio e pre-conceito, um oleoduto e um negóciode armas. Em novo eras um colec-cionador fanático dos últimos mo-delos de brinquedos de guerra, masnão brincavas. Agora sentes a ne-cessidade de exibir os últimos mode-los da tua indústria armamentista, ebrincas. Continuas doente, George.

Disse o prémio Nobel Joseph Sti-glitz que o teu governo desenvolveuum «capitalismo de compinchas»,caracterizado pelo predomínio daganância, da falta de ética, da opa-cidade, do predomínio das máfias.Tens muito a fazer aí na América eno mundo, George. O imperativo

moral que te manda ir matar iraquia-nos, devia antes, obrigar-te a traba-lhar pelo teu país e pelo mundo.Tens na América sete milhões de ci-dadãos presos ou em liberdadecondicional. Tens vários milhões dedesempregados e de pobres. Nomundo tens 800 milhões de pes-soas a morrer à fome. É verdade queo Iraque não respeitou 17 resolu-ções da ONU. Mas Israel não res-peitou 64 e os governos do teu paísvetaram 32 resoluções que conde-navam Israel. Onde está a vossamoral? Desde 1991 morreu no Ira-que mais de um milhão de pessoasem consequência da guerra e dobloqueio económico. Achas racionalmatar um milhão de pessoas para

derrotar politicamente um ditador?Que vais fazer às mais de sete deze-nas de ditaduras que existem nomundo? Pensas exterminar mais demetade da população do planeta?Tanta contradição e estupidez paraquê, George?

Fica sabendo que em todas asgrandes praças do mundo os povosgritam contra a tua guerra. Essa é aforça do povo. O problema é nãopodermos fazer escolhas livremen-te. Pudessem os povos escolhercom todos os graus de liberdade,entre a guerra e a paz e provavel-mente já toda a humanidade teriatomado partido. A Guerra seria en-carada como o incesto. Tenho ver-gonha por ti, George.

exaustiva operosidade dos seusprofissionais, entra em contradiçãocom a sua vocação científica poisque não há desenvolvimento sem apermanente ruptura com a práticaestabelecida e oficialmente aceite. A“intersubjectividade científica” (Pop-per) é a possibilidade de refutaçãoda prática que os ministérios daEducação promulgam. Todos sabe-mos que a prática social tem ávidasraízes no húmus da vida de todos osdias. Só que o conhecimento cientí-fico tem como dimensão primacialtranscender a positividade estabele-cida pelo senso comum, pela ideolo-gia dominante, pelo poder político,se bem que não deva negligenciar assuas razões e interesses, mesmoque entenda que eles não acertam opasso com a ampulheta da história.Há sempre mais ciência numa práti-ca profissional ou nesta do que nu-ma atrevida prática profissional de-sonesta. No entanto, uma práticaprofissional só se liberta da sua ca-ducidade histórica, quando se en-contra firmemente vinculada a umaconstante construção teórica, que aintegra num conceito lato e fundante

de história. De facto, tudo é históriae tudo deve ser, enquanto ciência econsciência, uma progressiva reali-zação da liberdade humana.

Por isso, a chamada EducaçãoFísica não se constrói, hoje, retroce-dendo às certezas de há trinta ouquarenta anos atrás, mas ao espíritocrítico que delas duvidou e à dialéc-tica que delas se afastou. Relembroa crítica acerba à sociologia deAdorno, Horkheimer e Marcuse,acusando-a de manifestar-se unica-mente através da linguagem da Ad-ministração e de servilmente deixar-se manipular pelo Poder e seus áuli-cos. Não é a ciência que dominaimediatamente as acções dos reac-cionários de todos os matizes, masalguns interesses frequentementeassociados a uma declarada ani-madversão a qualquer transforma-ção (ou figura) revolucionária. Todo odesenvolvimento implica o desen-volvimento de uma nova forma deracionalidade e a rebeldia diante dematrizes hermenêuticas pré-estabe-lecidas. A Educação Física é o espa-ço escolar onde, através da motrici-dade humana, melhor pode exerci-

tar-se o aluno no exercício da liber-dade, da autonomia, do pluralismo,da auto-organização. As políticaseducativas, nesta área, tendo no en-tanto a desenvolver ideias e progra-mas onde conta, acima do mais, aprodução de matrizes higiénicas ebiológicas. Fundamental para aconstituição de uma axiomática ac-tual da chamada Educação Físicaserá estudá-la como ramo pedagó-gico de uma ciência humana. E, nes-te caso, da organização curricular àarquitectura organizacional tudo de-verá ser repensado, rejeitando-se omodelo rígido, determinista, contro-lado e formatador, muito em voga.

Popper, no seu livro, O universoaberto (Publicações Dom Quixote,p. 129) diz-nos que tudo é parcial-mente causal, parcialmente proba-bilístico, parcialmente indetermina-do. O desportista sabe-o melhor doque ninguém. Daí que as aulas deEducação Física que o ministérioda Educação promove possamtransformar-se em realidades artifi-ciais, mesmo degradantes, tal é oesforço autoritário de formataçãoque delas emerge. Há paternalismoa mais nas aulas de Educação Físi-ca que alguns fomentam e prescre-vem por decreto-lei. E o paternalis-mo infantiliza as pessoas, muitasvezes irremediavelmente. Recordo,para terminar, o Ilya Prigogine de Ofim das certezas (Gradiva, pp.71-72), ao acentuar a superioridadedos sistemas auto-organizadoresem relação à pedagogia e à própriatecnologia actuais. Um ministérioda Educação, cientificamente es-clarecido, não deverá continuar ainsistir numa política de controlomecanicista sobre o espaço esco-lar (repito) onde é mais vivo e pre-mente o exercício da liberdade.

O exercício da liberdade nas aulas de Educação Física

© is

to é

Page 5: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

a páginada educaçãoabril 2003

05

fórum educação

DO primárioJosé PachecoEscola da Ponte,

Vila das Aves

O relatório avisava: “é um aluno queapresenta dificuldades de controlodos impulsos agressivos e manifestao maior desinteresse pelas aprendi-zagens escolares”. Foi considerado“aluno incapaz de se adaptar à es-cola”, para além de manifestar “umajá evidente tendência para a aproxi-mação ao álcool”. Pudera! O Bino fi-zera o tirocínio com a avó. E afian-çava-me, muito tempo depois, que“aquilo nem era vinho, era uma zur-rapa, porque a avó Zefa já tinha umagrande conta de assentar na mer-cearia, e na tasca já nem a podiamver e muito menos lho vendiam”.Relutante às “aprendizagens esco-lares”, o Bino aprendeu a vida nabusca de mantimento, que a refor-ma da avó não chegava sequer paraa pinga. Especializou-se em assal-tos a hortas e pomares. Aos quatroanos, era hábil na fisgada certeira ena ferradela pronta no braço do hor-telão que o surpreendesse em fla-grante.

O Bino não conheceu pai nemmãe. Consumada a parição, a pro-genitora abalou para França, no ras-to do presumível pai. Nunca maisdeu notícia. Uma avó o acolheu numtugúrio de chão de terra batida.

O Bino cresceu entre maus-tra-tos e fomes de dias. Ao fim da tarde,engolia uma malga de sopas de ca-valo cansado, enquanto aguardavauma avó invariavelmente embriaga-da e de terço na mão. Avistando-a,o Bino descalçava as botas de sur-robeco herdadas do falecido avô eatirava-se para debaixo das mantas.Ao cabo do primeiro mistério, a avójá cabeceava, arrastava a voz naave-maria e acabava por sucumbiraos alcoólicos eflúvios, adormecen-do encostada ao seu ombro. O Binodeixava-se anestesiar pela respira-ção da velha e afundava-se numsuave torpor até de madrugada.

A pequena leira em redor do ca-sebre era pedregosa. Quase nem er-vas cresciam, muito menos coisasemeada. De modo que o sustentoe o aquecimento central do Bino, daavó Zefa e do Malhado eram as ove-lhas do pequeno rebanho que comeles coabitava.

Sabemos que o brincar e o jogarsão característicos de um tempode expansão do conhecimento desi mesmo, do mundo e dos siste-mas de comunicação. E que a in-fância acaba quando alguém reco-nhece que a sua vida deixou de serum jogo maravilhoso, ou quandoalguém proíbe outro alguém debrincar. O Bino soube-o quando aavó Zefa o fez levantar da cama,numa frígida madrugada, aos qua-tro anos mal feitos.

Hoje és tu quem leva as mequi-nhas ao monte, que eu não me te-nho de pé. Deixa-te levar pelo Ma-lhado, que lá chegas.

E chegou. Pelo meio da tarde, ocão guiou o pequeno rebanho no re-

© is

to é

Para que se perceba o trajecto dereparação dos danos por que o Binopassou, transcrevo, a título deexemplo e entre muitos que poderiacitar, um depoimento deixado peloBino Bouças na folha afixada nomural do “Acho Mal”: “Eu acho malque os meninos vão à casa de banhodefecar, que façam as necessidades edepois deixem a sanita toda cagada”.

zangada, deixou o professor estu-pefacto:

- Ó chefe, onde é que se mija, ca-rago?

Nos primeiros dias passados na-quele novo e estranho mundo deaprender, ainda que o não soubesse,o Bino enfatizava o sentido lúdico daescola (o termo schola tem o signifi-cado etimológico de ócio...), emborafosse notado na hora do recreio peloexagero na distribuição de pontapése cuspo. O seu reportório de insultosera vasto. O impropério aplicado apreceito, na ponta da língua e da ca-neta, era uma das suas competên-cias mais notadas, ainda que nãoconstasse do currículo formal. Masessa competência foi abalada numaassembleia em que se provou que os“palavrões” usados pelo Bino nãoconstavam do dicionário. E, se nãoconstavam, não existiam, pelo que aAssembleia deliberou que o Bino teriade repensar o seu discurso e refazero repertório. Esmerou-se. Pas-sou por um processo deprofunda reelaboraçãocultural e amiúde re-corria à sinonímia,para gáudio doscompanheiros esatisfaçãodos profes-sores.

gresso a casa, com o Bino a rebo-que, esfomeado e com os pés des-calços fustigados pelos cardos.Nunca mais ficaria no aconchegodas mantas para além do nascer dosol, e o Malhado viria a ser seu mes-tre e única companhia até aos seteanos de idade.

Um dia, “uma senhora bem vesti-da, bem cheirosa e aprumada” (pa-lavras que o Bino me ditou) esprei-tou para dentro daquele tugúrio par-tilhado por animais e gente, e per-guntou se a avó se chamava Josefada Conceição. Disse vir da parte dasautoridades e que as autoridades ti-nham mandado uma carta à avó doneto que a escola reclamava. A avóretorquiu que não senhor, que nãotinha recebido carta coisa nenhumae que, ainda que tal cousa lhe che-gasse, nenhuma serventia teria pordas letras nada saber.

De nada valeu a ladainha à avóque das letras nada sabia. O únicoproveito que a avó Zefa obteve da“senhora bem vestida, bem cheirosae aprumada” foi uma magra pensãode sobrevivência, tão magra quemal dava para encomendar meiadúzia de garrafões. Sem pastor, oque restava do rebanho foi arrema-tado pelo Luís Vendeiro. O Malhadofoi servir outros senhores e o Binotransformou-se num degredado defundo de sala. No dizer da mestra, omoço era coisa ruim e insubmissa enem com porrada lá ia. Entremeavasessões de palmatoada com fugaspara o monte e para junto do Malha-do, fugas invariavelmente interrom-pidas pelas frequentes visitas da“senhora bem cheirosa”.

O Bino acabou por ser internadonuma instituição da cidade. E, se aguarda conseguia surpreendê-lonos montes que ele tão bem conhe-cia, mais facilmente os agentes daautoridade o capturavam na cidadeem que se perdia em tantos lugaresde se ocultar. Com dez anos feitos,foi transferido para uma escola de“última oportunidade”. À semelhan-ça de muitos outros casos de “insu-cesso” que a essa escola aporta-ram, o Bino vinha recomendado eacompanhado de um grosso relató-rio de pedopsiquiatria.

Apesar dos dez anos feitos, o Bi-no aparentava não ter mais de seisou sete. Marcado pelo raquitismo,baixo, franzino, atarracado, pare-cendo não ter pescoço (como di-ziam alguns dos seus companhei-ros), juntou-se aos pequenos que vi-nham à escola pela primeira vez.Caminhava bamboleando-se, olhan-do de soslaio para tudo e para to-dos. A certa altura, um professorpensou que aquele miúdo de apa-rência frágil estava em apertos e àprocura de uma casa de banho.Aproximou-se e, com extrema deli-cadeza, inquiriu:

- Precisas de alguma coisa?A resposta, numa voz grossa e

O Bino Bouças

Page 6: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

06

fórum educação

ÉTICA e profissãoJosé Antonio

Caride GómezUniversidad de Santiago

de Compostela, Galiza

dia-a-dia

a páginada educaçãoabril 2003

O desemprego poderá subir acimados 7% neste ano e é possível quePortugal corra o risco de aumentarsignificativamente o número de de-sempregados de longa duração.

Péssimas, degradadas e sem condi-ções. É assim que se encontrammuitas das escolas básicas do país,segundo alerta da Fenprof e daConfap. "Se algumas escolas bási-cas fossem inspeccionadas pelosserviços de saúde, muitas seriamencerradas pela ausência de condi-ções de higiene necessárias paraque sejam frequentadas pelas crian-ças em total segurança".

Um quarto da população portugue-sa entre os 18 e os 24 anos abando-nou o sistema de ensino sem ter se-quer concluído a escolaridade obri-gatória. Aos 15 anos, a taxa de de-sistência ainda é de 7 %.

Mais de 50 finalistas da Escola Pro-fissional de Gestão e TecnologiasMarítimas de Quarteira, no Algarve,estão impedidos de prosseguir osestudos e conseguir emprego pornão terem acesso ao respectivo cer-tificado de habilitações. A escola en-cerrou por motivos de ordem finan-ceira em Novembro de 2002, ficandotoda a documentação pedagógica,incluindo os processos dos forman-dos, na posse do estabelecimento.

01.03 Desemprego pode chegar a 7%

11.03Alunos sem diploma

07.03A realidade do ensino português

10.03Um em cada quatro jovens sem o 9.º ano

© is

to é

Entre la paz y la guerra hay un abis-mo. Lo saben los pueblos por expe-riencia propia y ajena. Lo sabemostodos, intuyendo que no hay razo-nes que lo desmientan, incluso asu-miendo que prácticamente todas lassociedades humanas han transitadocon facilidad entre una y otra: de lapaz a la guerra, de ésta a aquella. Aveces, pareciera que “juntas” o an-teponiéndolas, exigiendo o justifi-cando la lucha como paso previo acualquier tregua, el combate comouna forma de procurar la concordia,el ataque como una estrategia quehace buena la defensa, la amenazade la guerra como garante de unapaz duradera... Y, sin embargo, elabismo existe. Siempre existe.

En realidad se trata de un abismoque adopta las formas de un precipi-cio que nos sitúa ante un vacío éticoy moral sin apenas retornos, del queser parte y al que se llega por diversoscaminos. También por la educación.E, indudablemente, también por sucarencia o por las desiguales oportu-nidades que ofrece a quiénes esta-

Ante el abismode la guerra, o la obligación éticade enseñar a decir “no”

La educación, la de

todos y la que nos

atañe a cada uno de

nosotros, es demasiado

importante en nuestra

vida y en la vida de los

pueblos como para

ser indiferente a la paz

y a la guerra.

democracia. Asimismo, en nombrede la educación y desde la educa-ción, se justifican muchos de los re-latos que han optado por «vencer»recurriendo a la fuerza antes que por«convencer» haciendo uso de la ra-zón. Recordemos, no sin rubor, elafán belicista que animaron y ani-man las credos pedagógicos quefían su discurso –y lo que aún espeor, sus prácticas– al dogmatismo,la xenofobia, el fundamentalismo, elimperialismo o el radicalismo encualquiera de sus manifestaciones.Oponiendo la restricción de la vida asu desarrollo en plenitud, la educa-ción se hizo pequeña «ante» ellos y«en» ellos, desfigurando la estima-ble búsqueda de la felicidad quecomporta reconocernos sensata-mente humanos y libres. Un empe-ño al que no son ajenos ni la ética ni,a poco que ampliemos la mirada, elquehacer de los educadores.

Por contra, si nos gusta la educa-ción que ha reivindicado la paz. Deigual modo que nos agradan los es-fuerzos que alientan –más cerca de lareflexión, de la vivencia o de la expe-riencia– su cultura, exaltando el po-der del diálogo y de la negociación, elvalor de la razón frente a la razón del“valor”, las bondades de la media-ción y del pacto en contraste con losdesvíos que suponen la imposición,la destrucción o la escisión. Una edu-cación que no oculta el conflicto nilas divisiones que se dan en las so-ciedades modernas, que no encubreel maltrato (a niños, mujeres, ancia-nos, refugiados, inmigrantes, etc.), laviolencia, la agresión, los desequili-brios, las victimas de cada una de lasguerras habidas y por haber...

Una educación, con todo, en po-sitivo. O, expresado de otro modo, afavor de procesos que activen laconstrucción de una sociedad quedesvele, enfrente y resuelva los con-flictos pacíficamente, provocandocambios estructurales de manerano-violenta, fomentando valores yactitudes que fortalezcan la coope-ración y la convivencia en una so-ciedad cada vez más globalizada.Una educación «en» paz y «para la»paz, dispuesta a denunciar e impug-nar los riesgos inherentes a la conti-nua presencia de la guerra en elmundo, agravada por la perversidadde sus estrategias y la intensidaddestructiva que almacenan los arse-nales atómicos, químicos, biológi-cos... de los que disponen numero-sos países. En el “no a la guerra”–que gritan todos los pueblos delmundo en nuestros días, ante el pre-visible ataque a Irak– se expresa larebeldía individual y colectiva quecombate y condena la sinrazón deun destino que conduce a la muerte,al dolor, al sufrimiento, al fracasoecológico y humano.

Es un “no” ético, y por ello, peda-gógico. Un “no” que debe enseñar-se como derecho y responsabilidad;como sentimiento y actitud ante loque siempre es posible y deseabledetener en la mente de los hombres,en las decisiones de los Gobiernos.La guerra, decía Cooper-Prichard fi-nalizando el siglo XVI es el “inviernode la civilización”. Hoy más quenunca, cuando nos abruman las in-certidumbres, necesitamos la luz dela primavera. La ética «en» y «de» laprofesión docente también debe to-mar partido. En ello estamos.

mos o están a uno u otro lado de lasfronteras: en la riqueza o la pobreza,en el Norte o en el Sur, en la libertad oen la opresión, dentro o fuera...

La educación, la de todos y laque nos atañe a cada uno de noso-tros, es demasiado importante ennuestra vida y en la vida de los pue-blos como para ser indiferente a lapaz y a la guerra. Sin ella el abismoque existe entre ambas crece, mos-trando los reiterados triunfos de labarbarie, perpetuando la seducciónde la pereza y la ignorancia con to-das sus miserias, agrandando la in-justicia y la exclusión, marginando ahombres y mujeres en el derecho aconstruir un futuro que les permitaser más y mejores, negando la con-vivencia o limitándola hasta extre-mos que desesperan y humillan.

Aunque nos cueste aceptarlo, te-nemos muestras de que por la víade la educación se han legitimado yexaltado los logros de la guerra, po-niendo énfasis en sus contribucio-nes a las conquistas de la ciencia, latecnología y, no sin descaro, de la

Page 7: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

a páginada educaçãoabril 2003

07

fórum educação

RECONFIGURAÇÕESAntónio M. Magalhãese Stephen R.StoerFaculdade de Psicologia

e de Ciências da Educação

da Universidade do Porto

© is

to é

Na nossa última coluna debruçamo-nos sobre qua-tro modelos da conceptualização/legitimação da di-ferença: o modelo etnocêntrico, o modelo da tole-rância, o modelo da generosidade e o modelo rela-cional. Nesta, gostaríamos de retomar estes mode-los no sentido de considerar a sua relação com aeducação inter/multicultural.

Efectivamente, o modelo etnocêntrico de relação com a diferença,

inspirado na Razão do Iluminismo, fundava uma educação segura de

si mesmo na transmissão de valores e de saberes assumidos como

indiscutíveis e universais. O curriculum nacional e os curricula disci-

plinares reflectiam essa segurança e davam como indiscutível que o

processo de educação era o processo pelo qual as crianças e os jo-

vens se tornavam ‘civilizados’ e parte da grande cultura ocidental.

Este modelo relaciona(va)-se com a educação inter/multicultural atra-

vés da sua rejeição; isto é, ele constitui, por excelência, no domínio da

educação, a abordagem monocultural.

O modelo da tolerância reflecte-se também de uma forma clara na

estruturação da educação nas sociedades europeias, dando origem ao

que temos denominado o multiculturalismo educacional ‘benigno’. Es-

te modelo, na base da noção de um «handicap» sobretudo cultural das

crianças e dos jovens das minorias étnicas e das classes trabalhadoras

(diferentemente da educação compensatória que tem base num «han-

dicap» social e que se enquadra no modelo etnocêntrico), contempla a

compensação cultural e pedagógica dessas crianças e jovens através

da acção de uma educação inter/multicultural promovida pela escola e

pelos professores. Ser tolerante é, neste sentido, reconhecer a dife-

rença sem a querer conhecer, ou, por outras palavras, querer ‘resolver’

a questão da diferença através de uma preocupação com ‘estilos de vi-

da’ relegando para segundo lugar as ‘oportunidades na vida’.

O modelo da generosidade é aquele que porventura levou mais

longe, até hoje, a relação com a diferença. Trata-se, efectivamente,

de uma proposta para a construção de uma educação inter/multicul-

tural ‘crítica’, que combate a redução de diferença à sua componen-

te folclórica e que se opõe à educação inter/multicultural ‘benigna’.

Neste sentido, promove-se o desenvolvimento de dispositivos de di-

ferenciação pedagógica capazes de servir o fim de incluir o mais ple-

namente possível aqueles e aquelas que a acção da escola tinha pre-

cisamente contribuído para excluir. Aqui, em vez da ‘resolução’ da

questão de diferença através de técnicas educativas imbuídas de ra-

cionalidade instrumental, assume-se a necessidade de construir pon-

tes entre culturas conceptualizadas como ‘incompletas’. O outro tem

que ser conhecido através da educação e não simplesmente reco-

nhecido e, mais, o conhecimento do outro funciona como um auto-

conhecimento emancipatório.

O modelo relacional, fundado na assunção de que ‘a diferença

somos nós’, parece conter potencialidades extremamente ricas pa-

ra o repensar da educação inter/multicultural. Para começar, toma

como ponto de partida a proposta de pensar a diferença na sua in-

comensurabilidade, isto é, ao assumirmos que a diferença também

somos nós (transformando assim o ‘nós’ em ‘eles’, é a nossa pró-

pria alteridade que se expõe na relação. Assim, é a própria alteri-

dade que assume agência, que se torna pró-activa. No que diz res-

peito à educação inter/multicultural, isto pode implicar estar simul-

taneamente na ponte e nas margens. Por outras palavras, a educa-

ção inter/multicultural realiza-se sendo, por um lado, o lugar do en-

contro/confronto de diferenças e da sua negociação e, por outro, o

lugar ele próprio agenciado pela diferença, isto é, é a própria edu-

cação escolar que se coloca nos guiões dos actores sociais e cul-

turais e não o contrário. A nossa diferença exprime-se através da

educação inter/multicultural não como aquela que traz consigo a

luz, a matriz, a generosidade, mas como aquela que traz a sua pró-

pria diferença. As margens do nosso lado, o da nossa diferença,

podem traduzir-se num projecto da gestão da diferença, mas nunca

na sua dominação.

É com base nesta relativização do nosso ‘Nós’ que a educação in-

ter/multicultural se poderá reconfigurar, situando-se no fio da navalha.

Os curricula, os dispositivos e os processos de ensino-aprendizagem

devem repercutir essa perspectiva segundo a qual se assume, rela-

cionalmente, a incomensurável diferença dos outros e da nossa pró-

pria, ao mesmo tempo que não podem soçobrar nos braços do vo-

luntarismo e da ingenuidade, por exemplo em relação às característi-

cas extremamente selectivas dos novos mercados de trabalho.

As

ponte

s e a

s m

arg

ens

a e

ducação inte

r/m

ult

icult

ura

l no fi

o d

a n

ava

lha

Page 8: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

08a páginada educaçãoabril 2003

fórum educação

SUBLINHADOJoão Rita

OBSERVATÓRIOCelso Oliveira

Escola José

Manuel Fragateiro, Ovar

Os potenciais evocados constituem

uma das técnicas neurofisiológicas

com maior utilidade na investigação

cognitiva, como referimos já em artigo

anterior (cfr . edição nº 111, Abril

2002), Entre estes, por sua vez, desta-

cam-se algumas componentes de

maior relevância para a investigação,

como é o caso do complexo P300,

uma componente ampla e positiva,

que apresenta o seu pico máximo à

volta dos 300 milissegundos (ms) e

© is

to é

O realizador Michael Moore, vence-dor, este ano, do óscar para o melhordocumentário, aproveitou o momen-to em que agradecia o galardão, noTeatro Kodak em Los Angeles, parase insurgir contra a guerra ao Iraque econtra a legitimidade democrática dopresidente norte-americano GeorgeW. Bush, eleito com menos votos doque o adversário Al Gore.

Num dos filmes vencidos da noi-te dos óscares, o épico “Gangs deNova Iorque” , de Martin Scorsese,alguém lembra que, na América,quem vence as eleições são os es-crutinadores. Isso aconteceu no sé-culo XIX, no tempo de Bill, o carni-ceiro, lider do gang dos nativos, umfanático que usava um olho de vidro

com uma águia imperial pintada nolugar da menina dos olhos, e, ao quealguns dizem, também na últimaeleição presidencial.

George W. Bush não será o filho dopai que parte à vingança contra umsuposto carniceiro de Bagdad, desdelogo porque George Bush pai apenasperdeu a reeleição na I Guerra do Gol-fo, tendo poupado Saddam Husseinque, à troca, também o poupou.

Estão bem um para o outro. O fi-lho do pai voltou à carga tão certo dasuperioridade militar (jamais postaem causa) quanto conseguira, pre-viamente, mexer os cordelinhos emandar uns inspectores ao territórioinimigo para ver que armas possuiame destruir as que pudessem causar

maiores danos. Em questão de éticamilitar estamos conversados.

Já no ataque ao Afeganistão, oExército dos Estados Unidos daAmérica pouco ou nada arriscara,avançando, previamente, pelo aronde detém clara superioridade tec-nológica. Como se a guerra, commais ou menos directos, fosse umjogo para uma qualquer consola de32 bits ou de calibre ainda maior.

Nos outros ecrans, Scorsese da-va uma lição de história, lembrandoque a tragédia do 11 de Setembrode 2001 não foi a primeira que seabatera sobre essa terra de emi-grantes que é Nova Iorque.

Um filme assim jamais poderiaser premiado em Los Angeles. Pelo

menos no ano da graça de 2003 ena quinta noite dos ataques ameri-canos ao Iraque, tão desastradosque um míssil dos EUA já abateu umhelicóptero do exército aliado britâ-nico, um outro torpedo, tambémnorte-americano, já atingiu um auto-carro sírio que circulava junto à fron-teira com o Iraque e dois “patriots”despenharam-se em solo, desabita-do, da Turquia.

Para a pequena história fica a ex-pressão de uma alta patente militarbritânica a endereçar os sentimen-tos aos familiares dos pilotos ingle-ses abatidos, por engano, pelo mís-sil norte-americano: “foram atingi-dos por fogo amigo”. Efeitos colate-rais de uma guerra cirúrgica.

A guerra do filho do pai

que se manifesta principalmente em

tarefas discriminativas, com estimula-

ção auditiva, visual ou somatossenso-

rial. Esta componente terá sido desco-

berta por Sutton e colegas e aparece

normalmente perante a apresentação

de um estímulo que o sujeito está a

atender activamente, podendo tam-

bém ser desencadeada quando um

estímulo é desconhecido ou surpreen-

dente, como acontece, por exemplo,

quando um tom inesperado surge nu-

refas apresentadas no paradigma

“oddball”, isto é, tarefas em que se

apresentam estímulos com algumas

diferenças entre si (intensidade, dura-

ção ou qualquer característica física)

de forma a que uns estímulos sejam

mais frequentes (80% - 90% dos en-

saios) e outros sejam raros ou inespe-

rados (10% - 20%) mas apresentados

numa ordem aleatória e imprevisível

para o sujeito. A amplitude de P300 é

maior para os estímulos raros a que o

de, tem-se distinguido uma P3a da

P3b (P300 original). De facto, se for in-

troduzido numa tarefa oddball um ter-

ceiro estímulo, funcionando como

evento novo, inesperado ou surpreen-

dente, pode ser observada uma com-

ponente positiva distinta da P300, que

apresenta uma latência menor (à volta

dos 250 ms) e cuja distribuição no crâ-

nio tem uma orientação mais frontal.

Esta componente designa-se por P3a

(frontal) para se distinguir da P300

com a tarefa que a desempenhar. O

complexo P3 é normalmente precedi-

do de uma deflexão negativa denomi-

nada N2 (onda que surge por volta dos

200 ms face ao aparecimento de um

estímulo estranho) e está assim asso-

ciado aos mecanismos neurocerebrais

de processamento da atenção e da

memória imediata , como a captura da

atenção, a atenção selectiva e a ac-

tualização do contexto da memória de

trabalho ou memória imediata.

ma sequência de outros tons mais fre-

quentes. A latência típica da P300 si-

tua-se entre os 300 e os 500 ms e a

sua amplitude média situa-se em tor-

no dos 10 micro volts (V). É uma onda

mais facilmente detectável na região

centroparietal do crânio (Pz e Cz), ten-

do a sua origem no córtex frontal e no

hipocampo, e parece estar relaciona-

da com a resposta de orientação. Ao

requerer que a atenção se dirija para o

estímulo ela é facilmente obtida em ta-

sujeito atende (target) pelo que se po-

de interpretar como sendo um indica-

dor ou reflexo de variáveis como a fal-

ta de expectativa do sujeito relativa-

mente ao estímulo ou da significação e

relevância que o sujeito atribui a esse

estímulo (independentemente dos re-

quisitos da tarefa). A P300, no entanto,

não parece ser uma componente uni-

tária, sendo talvez mais correcto falar-

se num “complexo P300” . Nesse

complexo de componentes, na verda-

clássica (P3b), mais tardia e com uma

distribuição mais parietal. A P3a tem

sido relacionada com processos que

implicam a captura da atenção de for-

ma automática e involuntária perante

eventos salientes , ou seja, enquanto

que P3b depende não só da tarefa

mas também da expectativa de apare-

cimento do estímulo , a P3a está, de

alguma forma, dependente da proba-

bilidade de aparecimento do estímulo

(captura de atenção) mas não varia

Janelas da Mente: os potenciais evocados (P300)

Page 9: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

a páginada educaçãoabril 2003

09

fórum educação

1. A distinção importante é entreensino superior com ou sem pós-graduação e investigação. Já étempo de se abandonar a distinçãoentre ensino universitário e politécni-co. Mais fecunda parece ser a distin-ção entre ensino superior com ousem pós-graduação e investigação.Apenas o primeiro seria consideradoensino superior universitário e as res-pectivas instituições seriam as queassegurassem com qualidade gra-duação, pós-graduação e investiga-ção num leque variado de domínioscientíficos, captassem um determi-nado montante de financiamento na-cional e internacional para a investi-gação e nelas se realizassem algu-mas dezenas de provas de doutora-mentos em cada ano; isto sem impe-dimento de nelas existirem, em cadamomento histórico, áreas sem pós-graduação e investigação. Não have-ria universidades que não correspon-dessem a estes critérios, institutosuniversitários de uma licenciatura,instituições com pós-graduaçõesmas sem investigação.

2. A autonomia científica e peda-gógica não é mera dádiva legal, éconquista histórica. A autonomiapara criar e alterar cursos superio-res, universitários, ou não, deve seradquirida após uma acreditação dainstituição para o efeito, a ter lugarapós um período razoável de funcio-

namento, tornando assim possívelajuizar da capacidade da instituiçãopara agir autonomamente. Não ha-veria acreditações baseadas ape-nas em recursos, planos de estu-dos, intenções… ou, pior, em cum-primento de requisitos legais.

3. A autonomia não é eterna. A au-tonomia não deve ser adquirida ànascença, nem uma conquista eter-na sem processo de renovação oude extensão. Pode justificar-se queuma instituição de ensino superior,universitário ou não, perca a auto-nomia e, em certas circunstâncias,mesmo a autorização de funciona-mento. Mas também pode justificar-se que uma instituição de ensino su-perior, até então acreditada apenaspara o ciclo de graduação, venha aser acreditada, num determinadomomento histórico, para desenvol-ver, autonomamente, pós-gradua-ção e investigação. Não haveria ins-tituições que, «por natureza», nuncapudessem vir a desenvolver pós-graduação e investigação.

4. Os critérios de qualidade dagraduação são sempre os mes-mos. Há quem defenda, no actualsistema binário, que devem ser dife-rentes os critérios de apreciação daslicenciaturas do politécnico e do uni-versitário, devido à especificidadede cada um dos sectores. É uma dis-

tinção sem sentido. Primeiro, há quedefinir os critérios que caracterizamum curso superior de um certo nível(licenciatura, mestrado e doutora-mento) e finalidade (profissional ouapenas académico) e, depois, apre-ciá-lo em função de tais critérios,qualquer que seja a instituição ondese desenvolva. Não haveria, pois,sistemas e comissões de acredita-ção separados por sectores; tãopouco cursos pós-secundários oude bacharelato em que a passagema licenciatura significasse apenasuma mudança de nome, nem passa-gem de licenciaturas a mestradosapenas pela mudança de nome.

5. A acreditação do ensino supe-rior é diferente do que entre nós setem realizado sob o nome de ava-liação. Os critérios em que se baseiaa acreditação não são definidos pe-las próprias instituições, mas são ex-ternos a estas; também não são osque se encontram na mente de cadamembro das comissões de acredita-ção; o que se espera que emane des-tes é o juízo sobre a adequação deuma situação concreta a critérios pu-blicamente conhecidos. Por outro la-do, a instância responsável pela de-cisão de acreditação é independenteda associação das instituições acre-ditadas. E, obviamente, a acredita-ção termina com uma declaraçãoglobal de adequação, ou não, da ins-

tituição aos critérios. Para evitar con-fusões terminológicas que, por ve-zes, servem para esconder a subs-tância dos processos, talvez fosse dereservar a expressão “avaliação” pa-ra o processo da responsabilidadedas instituições do ensino superior(individualmente ou em associação,com os próprios recursos ou recor-rendo, também, a consultores exter-nos), cujo objectivo é promover a res-pectiva qualidade e instrumentar-separa prestar contas públicas; inde-pendentemente do Estado incentivareste processo, sobretudo através definanciamento, não se justificariaqualquer sistema público para o efei-to. A expressão “acreditação” ficariapara o processo de avaliação externade controle da qualidade com certifi-cação da mesma. Obviamente que éineficaz o recurso à mesma instânciae à mesma metodologia para os doisprocessos.

6. Política pública comum a todoo ensino superior. Não foi feita aquireferência ao ensino superior priva-do; nem ao público. Apenas à políti-ca pública para todo o ensino supe-rior. As especificidades da políticarelativa ao ensino superior público,que se espera não sejam muitas,devem fazer parte de legislação pró-pria. Relativamente ao ensino supe-rior privado não se descortina a ne-cessidade de um política específica.

Ensino superior com ou sem pós-graduação e investigação

DO SUPERIORBártolo Paiva Campos Universidade do Porto

© is

to é

Para o debate em curso sobre o ensino superior, deixam-se aqui algumas opções conceptuais que nem sequer são originais, se perspectivadas internacionalmente

Page 10: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

10a páginada educaçãoabril 2003

fórum educação

dia-a-dia

APONTAMENTOSMaria Antónia Rocha

da Fonseca Lopes Faculdade de Economia

da Universidade Eduardo

Mondlane, Moçambique

Os sindicatos dos professores con-sideram “inacreditável” e “absurdo”o facto de serem os directores re-gionais de Educação a nomearemos representantes das escolas aosConselhos Municipais de Educa-ção. “Há o sério risco de os profes-sores ficarem sem voz”, alerta JoãoDias da Silva, do Sindicato dos Pro-fessores da Zona Norte, numa posi-ção partilhada pela Fenprof.

Os estudantes da Universidade deCoimbra apelam ao Presidente daRepública para «não deixar passar»a nova legislação para o ensino su-perior, que defende o aumento depropinas. Em moção aprovada du-rante a Assembleia Magna da Asso-ciação Académica de Coimbra (...)os estudantes consideram a projec-tada lei «infame» e «ofensiva àConstituição».

PSD e CDS-PP concordaram (...)com o projecto de lei do Bloco de Es-querda de limitar o número de alunospor turma nos ensinos básico e se-cundário, aceitando que o diplomadesça a comissão sem votação. Oprojecto de lei do Bloco de Esquerda,apresentado pelo deputado TeixeiraLopes, pretende instituir o número demáximo de 18 alunos por turma noprimeiro ciclo e de 20 alunos nos se-gundo e terceiro do básico, assimcomo no ensino secundário.

As vagas de frio que assolaram, re-centemente, a região Centro foramalvo de uma preocupação constan-te do Sindicato dos Professores daRegião Centro (SPRC). Segundo oSPRC, “há dois anos, os responsá-veis da administração educativadesvalorizaram o facto e fizeram sa-ber que, no prazo de dois anos, to-das as escolas teriam resolvido oproblema da falta de aquecimento.Dois anos depois, confirmámos oque já se desconfiava: pouco foi fei-to e as queixas dos professores ealunos foram uma constante”.

13.03Professores perdem a voz

16.03Noventa por cento dasprimárias do Centro com aquecimento deficiente

15.03Estudantes pedem ajuda a Sampaio

15.03Limitação de alunos por turma

Em época de reestruturação produti-va e de jornada flexível colocam-seinúmeras questões nos valores implí-citos que estão por detrás das rela-ções entre empregados e emprega-dores. Importa perceber os pressu-postos dos empregadores: os empre-gados são considerados activos daempresa ou custos a rejeitar em épo-ca de crise? Como vai ficar o contra-to psicológico as promessas de cres-cimento e realização profissional,percepções e expectativas criadassobre os desempenhos desejados?De modo surpreendente, existe muitopouca pesquisa empírica sobre a vio-lação de contratos psicológicos deempregados sujeitos a processos decortes, reorganizações, fusões eaquisições organizacionais.

É reconhecido por diversos auto-res que o modelo japonês surge co-mo o mais dinâmico nos arranjosprodutivos criados, a flexibilidadeprodutiva nas empresas é compos-ta por um duplo arranjo, por um ladoum núcleo de trabalhadores está-veis/qualificados (empresa mãe) epor outro lado, trabalhadores instá-veis/pouco qualificados (grupo deempresas fornecedoras) .

A flexibilidade criou novas formasde relacionamento interempresarialdesde a criação de empresas de fo-cos em determinadas fases do pro-cesso produtivo, a terceirização deoutras, gerando cadeias produtivasentre empresa mãe e o conjunto defornecedores; uma outra forma éconcentrar pequenas e médias em-

presas especializadas em aspectosespecíficos, com base numa dinâ-mica cooperativa, veja-se o casodos distritos industriais.

Em Moçambique, reflexões sobrea perda do emprego, insatisfaçãodos remanescentes de processosde cortes, falta de incentivo, propi-ciaram a realização de trabalhos definalistas do curso de Gestão. Al-guns deles levantam alguns dos as-pectos mais ostensivos das tensõessurgidas com racionalização da for-ça de trabalho, em consequência defusões e aquisições, como sejam:choques de valores culturais, gera-dor de factores de insatisfação, gra-ves violações dos direitos adquiri-dos, perda de benefícios e insegu-rança no trabalho, principalmenteentre os empregados bancários devários níveis hierárquicos nos ban-cos privatizados.

Uma nova divisão internacionaldo trabalho se está delineando, porum lado, se concentram as fasesmais sofisticadas em alguns países,por outro se dá a externalização dasfases produtivas mais simples emregiões com mais concentração demão-de-obra barata. Isto é evidentena Fabrica de lingotes de alumínio -Mozal. Em Moçambique existem ascondições ideais para o investimen-to internacional, mão de obra exce-dentária, sindicatos fracos e gover-no sem qualquer perspectiva de de-senvolvimento industrial!

Por meio de pesquisas em curso,pretende-se resgatar algumas das

Que contrato psicológico, emprego e emprega-bilidade em países de capitalismo tardio?

Existe muito pouca pesquisa empírica sobre a violação de contratos psicológicos de empregados sujeitos a processos de cortes, reorganizações, fusões e aquisições organizacionais.

© is

to é

consequências da reestruturação eflexibilidade produtiva. Principaiscausas, potencialidades trazidasaos processos produtivos e efeitoscolaterais no que tange ao cresci-mento do desemprego, inseguran-ça e manifestações de uma cres-cente perda de comprometimentodos empregados. O retorno aos ve-lhos dias de emprego para toda avida aparece já como algo ultrapas-sado na discussão. É necessáriosegundo as novas correntes queseja individualizada não só a res-ponsabilidade pelos desempenhos,como a empregabilidade.

É evidente que existem obriga-ções recíprocas entre empregados eempregadores. Claro que isto emMoçambique tem sido letra morta.Os funcionários de níveis médio ebaixo encontram-se encurraladosentre as exigências do novo donoestrangeiro e as perspectivas de serdemitido a qualquer momento, logoque não demonstrem a subserviên-cia e/ou a produtividade esperada enão possuam encosto político! Osempregados com nível superior oumédio que sobejam dos cortes, sen-tem-se pouco tranquilos em funçãoda discriminação de que são vítimase sem saber se vão fazer parte dapróxima leva!! Como então criar umambiente propício ao comprometi-mento com as metas empresariaisse não se sentem fazendo partedum corpo organizacional que osreconhece como parte integrante doseu projecto?

Page 11: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

11a páginada educaçãoabril 2003

dossier

As e

nerg

ias

reno

váve

is s

ão u

m t

ema

cada

vez

mai

s "q

uent

e" n

a ac

tual

idad

e na

cion

al.

Isto

, po

rque

o p

aís

depe

nde

quas

e ex

clus

ivam

ente

da

impo

rtaçã

o de

ene

rgia

de

país

es te

rcei

ros

- cer

ca d

e 90

% d

o co

nsum

o fin

al -,

qua

ndo

tem

con

diçõ

es n

atur

ais

para

red

uzir

essa

dep

endê

ncia

. Afi

nal,

que

futu

ro tê

m a

s en

ergi

as r

enov

ávei

s em

Por

tuga

l e q

ual o

seu

pes

o na

eco

nom

ia?

Esta

s sã

o al

gum

as d

as q

uest

ões

colo

cada

s ne

ste

doss

ier,

para

o q

ual c

onvi

dam

os u

m jo

rnal

ista

esp

ecia

lizad

o na

áre

a do

am

-bi

ente

e u

ma

técn

ica

de e

ngen

haria

am

bien

tal a

pro

nunc

iar-

se s

obre

a m

atér

ia.

Portugal é um dos países europeusque apresenta condições mais favo-ráveis para a utilização em larga es-cala de energias renováveis. As ra-zões são óbvias: uma elevada expo-sição solar, uma rede hidrográficarelativamente densa e uma frentemarítima que beneficia dos ventosatlânticos são factores que podemfazer descer para metade a facturados gastos energéticos do país, ci-frada em 2,5 mil milhões de eurosanuais e directa ou indirectamenteresponsável por cerca de sessentapor cento das importações nacio-nais. Se a estes números juntarmoso facto de o nosso país apresentar amenor taxa de eficiência energéticada União Europeia, Portugal coloca-se numa posição de extrema depen-dência face a países terceiros.

Além de imperativos de ordemeconómica, compromissos de ordeminstitucional levam a que o país tenhade repensar a sua política de gestãoenergética. O cumprimento das me-tas negociadas por Portugal no âmbi-to do protocolo de Quioto, que deter-minam um aumento máximo de 27%na emissão de gases com efeito deestufa no período 2008-2012, e umconjunto de directivas comunitáriasque limitam cada vez mais o uso decombustíveis fósseis - noventa porcento da energia que consumimostem origem no petróleo (71%) e nocarvão (19%) -, fazem com que a ne-cessidade de introduzir energias "lim-pas" seja ainda mais urgente.

As energias provenientes de fon-tes renováveis endógenas (sol, ven-to, água, resíduos florestais) são ho-je uma alternativa perfeitamentecredível. Além de terem um impactoambiental irrelevante face às ener-gias convencionais (responsáveispela produção de gases que geramo efeito de estufa e pela poluição doar, da água e dos solos), têm a van-tagem de apresentar uma excelenterelação custo/benefício - o custo doKilowatt produzido no tempo de vi-da de um equipamento de energia

solar, por exemplo, é 4 a 6 vezesmenor do que a tarifa equivalentepraticada para a venda de electrici-dade em baixa tensão.

Além das vantagens ecológicas edos baixos custos associados, osector das energias renováveis po-de igualmente ser um importantefactor na promoção do emprego.Calcula-se que só o subsector daenergia solar possa criar mais de2500 postos de trabalho directos.

Um potencial energético desaproveitado

De entre as muitas alternativas deprodução energética que se apresen-tam a Portugal, a energia solar - con-vertida em energia fotovoltaica e tér-mica - é talvez a fonte mais previligia-da num país com as característicasclimáticas do nosso, onde o períodomédio de exposição solar anual variaentre as 2200 e as 3000 horas (parase ter uma ideia desta autêntica mais-valia, basta dizer que nos países daeuropa central essa incidência não ul-trapassa as 1200 a 1700 horas).

E há quem saiba aproveitar essavantagem: na Grécia, a utilização deenergia solar está calculada em 300mil metros quadrados, ao passo quepor cá ainda não ultrapassa os 6 mil.Apesar disso, estima-se que Portu-gal poderia tirar partido de cerca de2,8 milhões de metros quadrados decolectores solares térmicos, o que,além da poupança, contribuiria parauma redução em 1,8% da emissãototal nacional de gases poluentes noâmbito do Protocolo de Quioto.

O aproveitamento da energia so-lar passiva, referente à energia con-sumida nos edifícios, que represen-ta 21% do consumo final total dopaís, não está ainda suficientemen-te divulgada entre a população e ospróprios profissionais do sector. Noentanto, calcula-se que a melhoriadas condições de isolamento térmi-co e de orientação dos edifícios po-deria baixar esse consumo em 38%. E

nerg

ias

renová

veis

: um

pote

ncia

l desa

pro

veit

ado Também a energia eólica se re-

veste de um grande potencial para aprodução energética nacional. Ac-tualmente, existem em Portugal cer-ca de 30 parques eólicos com umapotência instalada de aproximada-mente 150 Megawatts, mas estudosrecentes afirmam que o país tempotencial para produzir cerca de tre-ze vezes mais, o equivalente a 2000MW, suficiente para abastecer umapopulação equivalente a 3 milhõesde habitantes.

O biodiesel (largamente utilizadoem diversos países como a França,a Alemanha, o Brasil e os EstadosUnidos) , o biogás e a biomassa (efi-cazes no tratamento e na valoriza-ção de resíduos, na contenção doefeito de estufa, com baixos custosde operação e passível de represen-tar uma produção anual de cerca de100 MW), constituem alternativasada vez mais credíveis.

Actualmente, Portugal produzapenas 10% da energia que conso-me. Desse total, a maior percenta-gem é destinada à produção deenergia eléctrica e o restante utiliza-do para outros fins, nomeadamentepara o aquecimento de água. Direc-tivas comunitárias impõem que em2010 pelo menos 39% desta electri-cidade produzida no país tenha ori-gem em fontes renováveis, o queengloba o recurso às grandes barra-gens – responsáveis actualmentepela grande fatia de produção eléc-trica -, retirando margem ao incre-mento das pequenas fontes deenergia renovável (FRE).

Apesar disso, o governo aprovourecentemente o programa E4 - Efi-ciência Energética e Energias Endó-genas, que se propõe, através da re-gulamentação do sector e da atri-buição de incentivos directos e fis-cais, atingir uma produção de 4 milMW de potência de geração eléctri-ca com recurso às pequenas FRE eum milhão de metros quadrados decolectores solares instalados paraaquecimento de água. Ricardo Jorge Costa

Page 12: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

12a páginada educaçãoabril 2003

dossier

Energias renováveis: futuro (com)passado

Antes de qualquer reflexão sobre opresente e o futuro das energias re-nováveis em Portugal, nunca é de-mais relembrar que esta crescente“imposição” para o seu uso tem ori-gem nos motivos errados: remediarum mal instalado. Seria repetitivo fa-lar dos motivos que levam a que es-se mal esteja instalado porque, paraisso, basta abrir a página de qual-quer periódico num qualquer dia;importa sim reflectir sobre os erroscometidos e não os repetir noutrosdomínios. Estou a referir-me maisconcretamente ao uso (ir)racional daágua. Espero daqui a uns anos (nãofaltarão muitos, se a inércia conti-nuar) não estar a fazer considera-ções sobre os incentivos e estraté-gias comunitárias e nacionais para ouso de tecnologias de conversão deágua salgada em água potável.

O crescente aumento dos gasesde efeito de estufa (GEE) – dióxidode carbono, óxidos de enxofre, óxi-dos de azoto e poeiras – e os pro-blemas que destes advêm - altera-ções climáticas, desequilíbrios eco-lógicos, problemas de saúde públi-ca, entre muitos outros - fez comque os governantes mundiais pen-sassem em soluções que contra-riassem esta tendência e uma dasmedidas, talvez a mais popular, foi a

elaboração de um protocolo que es-tabelecesse metas concretas para aredução desses mesmos gases.Como os interesses pessoais emtermos económicos de alguns paí-ses denominados de “desenvolvi-dos” continuam a prevalecer sobreo interesse comum de preservaçãodas espécies, não existe ainda a ra-tificação desse protocolo e, por is-so, o esforço de uns é aproveitadopela ganância de outros. Isto tudopara evidenciar uma luta desigual.Nada de novo, portanto.

Com o objectivo de resolver estasituação tem vindo a desenvolver-see a aplicar-se processos de produ-ção de energia usando fontes reno-váveis. As fontes renováveis quemais têm contribuído para o consu-mo total de energia primária em Por-tugal são a energia da biomassa e a

energia hídrica, tendo-se registadoum forte crescimento do uso daenergia eólica. Mas a evolução daprodução nacional de energia é pou-co significativa quando comparadacom o consumo nacional, 2.4 Mtep*e 23.7 Mtep respectivamente. Queristo dizer que quase 90 por cento daenergia consumida é importada.

Apesar da existência de uma di-rectiva comunitária que impõe a uti-lização de 39% de FRE na produçãode energia eléctrica gerada em terri-tório nacional até 2010, o país vaicontinuar a depender dos 93% daenergia hidroeléctrica produzida nasbarragens, dependentes, por suavez, de acordos internacionais como governo espanhol e, na mesmaproporção, da importação de com-bustíveis fósseis.

Neste contexto, afinal qual irá sero papel representado pelas peque-nas fontes de energia renováveis en-dógenas – sol, vento, geotermia, resí-

duos da floresta –, as únicas que de-cididamente nos tornam indepen-dentes em termos energéticos depaíses terceiros? Que benefícios am-bientais globais podem ser retiradosdessa directiva comunitária quandonão há imposições relativamente àimportação das fontes não renová-veis – petróleo, carvão e gás natural?

Parece-me oportuno, mas aomesmo tempo lamentável, lembrarque Portugal possui excelentescondições em termos do recursonatural – água -, para ser a próximavítima dos “senhores do mundo”,quando esta for, assim como é ago-ra o petróleo, o bem mais preciosodo planeta. Pensem nisso.

* Mega toneladas equivalentes de petróleoCláudia Costa

Engenheira do Ambiente

Page 13: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

13a páginada educaçãoabril 2003

dossier

Ricardo Jorge Costa

Cinco perguntas a Alfredo Maia *

Portugal investe pouco em ener-gias renováveis? Apesar da euforia manifestada poralguns gestores do sector, queapontam para crescimentos de 20 a25% ao ano na energia eólica (umadas grandes apostas), não está a in-vestir o suficiente. As últimas contasoficiais indicam a necessidade deaplicar cinco mil milhões de eurospara que seja alcançado o objecti-vo, fixado pela União Europeia paraPortugal, de que, em 2010, a nossaprodução de energia eléctrica tenhauma participação das energias re-nováves em 39%. O próprio Gover-no reconhece que, até àquela data,terá de aumentar em 110% a capa-cidade instalada.

As entidades públicas tinham, ounão, interesse em dar um exem-plo nesse sentido? Evidentemente que sim. Não bastadizer que temos compromissos in-ternacionais, que são compromis-sos de solidariedade planetária, so-bretudo quando falamos da neces-sidade de diminuir as emissões degases com efeito de estufa ou deconter a exaustão de recursos. É ne-cessário agir. Entre as 40 medidasde política energética recentementeanunciadas pelo ministro da Econo-mia, identificam-se facilmente aque-las em que os organismos do Esta-

do deveriam ser exemplares. Duas,especialmente: a utilização racionale eficiente de energia nos edifícios ea utilização de tecnologias limpas,como a energia solar.

Poderá Portugal atingir a metados 39% da produção de energiaeléctrica a partir de energias re-nováveis em 2010? Portugal tem todas as condiçõesnaturais para isso. Há bons recursoshídricos; há boa exposição solar; opotencial eólico nalgumas regiões éexcelente; há potencial interessantepara aproveitar a energia das ondasdo mar... Em 2000, se contarmoscom os aproveitamentos hidroeléc-tricos superiores a 10 megawatts, anossa produção com base nas ener-gias renováveis era já de 30,9% daprodução de energia eléctrica total.

Tal opção alternativa, em Portu-gal, é já assumida como uma ine-vitabilidade ou ainda continua aser vista como uma “mania” dosecologistas? Sou testemunha de que correspon-de a um amplo movimento – commotivações distantas – que vai de

alguns sectores do ambientalismo(há quem levante reservas...) à eco-nomia, passando pelas universida-des e pelos centros de investigaçãoe desenvolvimento. Aliás, a compo-nente I&D afirma-se um motor es-sencial do processo. Percebeu-seque ficaremos todos a ganhar – aspopulações, com a melhoria am-biental e a criação de postos de tra-balho; as indústrias metalomecâni-cas e eléctricas, com a venda e amontagem de equipamentos; a fac-tura energética, com a redução dadependência das importações (85%da energia primária, actualmente).

Mas gostava de sublinhar um as-pecto essencial nesta discussão: oproblema que hoje se coloca não éo de saber se temos condições pa-ra diversificar as fontes de energia,aumentando a oferta de alternati-vas, se isso significa que continua-mos a aumentar a oferta global. Aquestão está em sermos capazesde responder às expectativas deconforto (a que poucos aceitarão re-nunciar...) e às necessidades do te-cido económico (a não ser que seredesenhe radicalmente o modelode desenvolvimento) reduzindo oconsumo de energia. O que exigemais investimento na inteligência eatitudes mais coerentes.

Seria viável e/ou mais económicoutilizar as energias renováveisnas escolas portuguesas? É viável e é economicamente vanta-joso nalgumas circunstâncias utili-zar as energias renováveis nas es-colas portuguesas. Por exemplo, ospaineis solares para aquecimentode água mostram como é possívelresponder a uma necessidade deconforto a um custo baixo. A suautilização pode ter igualmente umefeito pedagógico muito interessan-te, na perspectiva da sensibilizaçãoe da educação das crianças para asenergias “alternativas”. Com umcuidado – o de complementar o seuuso com medidas de eficiênciaenergética e, sobretudo, com aconsciencialização para a reduçãodo consumo.

* jornalista

Documentação a consultar e sítios de interesse na internet:

Instituto do Ambiente: www.iambiente.pt(Onde se pode consultar o Relatório do Ambiente 2001)

Programa eco-escolaswww.abae.pt(Organização não governamental para a educação ambiental)

Sítio da Quercuswww.quercus.pt(Página da mais conhecida associaçãoambientalista portuguesa)

Notícias do ambientewww.ambienteonline.pt(Sítio com informação relevante e ligações interessantes)

Portal das energias renováveiswww.energiasrenovaveis.com(Sítio onde se pode aceder a informa-ção pormenorizada sobre as energiasrenováveis)

Outros sítios de interesse:www.mar-alto.comwww.planetark.orgwww.envirolink.org

Alternativa é investir na inteligência

Page 14: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

14a páginada educaçãoabril 2003

verso e reverso

RETRATOS da cidade

Andreia Lobo

Ser professor · Assinar a Página

desconto sócios Sindicatos FENPROF

Na assinatura mencionarnº sócio e iniciais do Sindicato

1 ano1520

2 anos3040

PortugalEstrangeiro

1 ano2025

2 anos4050

PortugalEstrangeiro

© is

to é

Laurinda e a guerra

Enquanto uma iraquiana estendiaroupa em Bagdad, dona Laurindaassistia na cama à guerra ‘em direc-to’ pela televisão. As olheiras ser-viam de prova para quem a quises-se ouvir contar no autocarro o quãoatormentada fora a sua noite. “Nãodormi quase nada”, desabafou comum choro nos olhos. “Só de pensarnaquela gentinha a ser bombardea-da!” Com as pálpebras semi-cerra-das dona Laurinda levou as mãos aocoração. É lá que desde os 73 temcolocado um pace-maker. “Até sin-to aqui um aperto.”

As sirenes já se haviam calado lálonge no Iraque e dona Laurinda ain-da remoía entre os lençóis. Mesmodepois de desligada, as imagens datelevisão não a deixaram adormecertranquilamente, como de costume.Entre os passageiros do autocarrohavia quem se queixasse do mes-mo. Dona Laurinda sentiu-se com-

preendida e aproveitou a empatiapara atirar o que lhe ia na alma sobrea guerra: “Isto é tudo fruto da ambi-ção do Homem.” Mas alguém nãopercebeu de quem exactamente éque dona Laurinda falava. “Do Bushou do Sadam?”

Sem dar importância à questãoda identidade do Homem, donaLaurinda encolheu os ombros. Osolhos, entretanto já secos, tinha-ospousado numa parede coberta decartazes. Neles uma caricaturaamericanizada do primeiro-minis-tro apelava: “Preciso de ti!” Depoisde um demorado suspiro DonaLaurinda retirou os olhos da pare-de e encarou os passageiros sen-tados à sua frente: “Eu precisavaera de dormir!”

Enquanto a roupa secava emBagdad, Dona Laurinda imaginara aguerra à porta de sua casa mistu-rando imagens retiradas dos noti-ciários. Ouviu as sirenes que anun-ciavam os bombardeamentos du-rante a noite. Sentiu desmoronar os

prédios próximos da sua casa. As-sustou-se. Viu o filho beijar-lhe asmãos e partir de kalashnicov ao om-bro. Consolou os netos pequenosque não paravam de chorar. Saiu àrua já de dia. Só viu destroços. E pó.“Será que aquelas máscaras anti-gás dos israelitas servem para respi-rar entre o pó”, pensou fazendo umapausa na guerra imaginada. “Ou sóse usam em caso de ataque biológi-co?” Como não sabia a resposta,dona Laurinda achou melhor imagi-nar que tinha as tais máscaras emcasa. Uma para ela, outra para a no-ra e mais duas para os netos. Talvezfosse prudente ter ainda mais umaextra, não fosse alguma estragar-se.De volta à guerra dona Laurindaimaginou o perigo que correria casoum míssil scud errasse o alvo e atin-gisse a sua casa. Temeu pela vidados netos. Mas talvez a família ti-vesse sorte. E nessa altura já esti-vesse a salvo num bunker. Ou entãonum campo de refugiados. “Mas co-mo é que chegávamos lá?” A dúvidaobrigara-a a mais uma pausa imagi-nativa. E por que desta vez não ar-ranjara uma solução para o impassedona Laurinda decidiu pôr fim à his-tória. E começou a rezar. Ao fim dequatro voltas ao Terço adormeceu.

Retratos [De gente que toda a gente conhece. Gente que está nos sítios por onde toda a gente passa. Gente como a gente com vidas para contar]

Page 15: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

15a páginada educaçãoabril 2003

verso e reverso

IMPASSESe desafiosJoaquim PeixotoQuercus - Associação

Nacional de Conservação

de Natureza

Os estudantes já não se deixam se-duzir por professores que, emborasimpáticos, são pouco participati-vos, pouco atentos à orientaçãoprática das aulas e descuram a pre-paração e organização das lições.A atitude participativa e a orientaçãoprática foram as qualidades dosprofessores mais votadas pelamaioria dos alunos (...). A conclusãoé de Arménio Rego, um professor daUniversidade de Aveiro, que che-fiou, durante dois anos, uma investi-gação sobre os comportamentos decidadania dos professores universi-tários, apoiada pela Fundação daCiência e Tecnologia.

Reforma do ensino secundárioprevê três horas semanais

Os professores de Educação Físicaestão preocupados com a possívelredução da carga horária da sua dis-ciplina no ensino secundário. Por is-so, já solicitaram uma audiência como ministro, para esclarecer a posiçãoda cadeira na futura revisão.

A CGTP vai apresentar seis queixascontra Portugal no Tribunal Europeudos Direitos do Homem por causada morosidade da justiça em resol-ver casos de dívidas aos trabalha-dores por parte de empresas que fe-cham as portas. Só no distrito deLisboa estarão em causa dívidas decerca de 107 milhões de euros.

“O Ministério da Educação persisteem colocar em debate público pro-postas de reforma que não proce-dem a qualquer apresentação decálculos de custos. Não se pode sa-ber, assim, o que se vai fazer, emque anos se vão concretizar as me-didas propostas, em que prazos sevão cumprir as metas, quanto é queo Governo se propõe investir em ca-da modalidade." O último parecerdo Conselho Nacional de Educação(...) é bastante contundente quandose trata de avaliar a proposta do mi-nistro da Educação, David Justino,para a reforma do ensino secundá-rio, colocada em debate público nofinal do ano passado.

17.03Simpatia só por si nãoseduz nem convence

21.03Mudanças no papel

18.03Professores de Educação Física temem redução dacarga horária

20.03CGTP faz queixas contra Portugal

dia-a-dia

Dando continuidade ao dossier pu-blicado neste número de a PÁGINA,ver p. 11 a 13, fomos ouvir a opiniãoda QUERCUS sobre a temática daprodução de energias renováveis.

Sabendo que Portugal produz 10%da energia que consome, em quemedida é que a utilização de ener-gias endógenas/renováveis poderiaaumentar essa percentagem?No limite, o nosso país poderá serauto-suficiente em termos energéti-cos, utilizando o potencial energéti-co do território (solar, eólico, mari-nho, biomassa, geotérmico), novastecnologias de armazenamento etransporte e transformação de ener-gia (pilhas de combustível e hidro-génio) e aproveitando o máximopossível o potencial de redução dasnossas necessidades energéticaspor via do aumento da eficiênciaenergética da nossa sociedade. Tor-na-se necessário estabelecer umPrograma Nacional para a Auto-su-ficiência Energética que cotemplemedidas, metas parciais, e meca-nismos de avaliação de progresso.

Portugal pode ser auto-suficiente em termos energéticos

Embora não existam cálculos relativos à realidade portuguesa,aqueles que foram realizados para a Holanda demonstram

que a simples cobertura dos telhados por paineis fotovoltaicos seria suficiente para suprir 80% das necessidades

de energia elétrica do território

Actualmente estamos a ser obriga-dos pela UE a seguir directivas so-bre Energias Renováveis e Qualida-de do Ar a elaborar um Plano Nacio-nal para as Alterações Climáticas,que terão óbvios efeitos no aumen-to da nossa autosuficiencia, nãosendo espectável que o ambientepolítico e social do país tivesse da-do acolhimento à necessidade dedar prioridade ao cumprimento dosobjectivos enúnciados atrás. Outrospaíses, nomeadamente a Islândia eo Japão (sem combustíveis fósseis),possuem hoje planos nacionais quevisam a autosuficiencia energética.

O que é que impede o desenvolvi-mento da utilização de energiasrenováveis? Falta vontade políti-ca? Meios financeiros? Meiostecnológicos? Falta sobretudo vontade política, queé resultado da falta de visibilidadesocial deste tema. Talvez a criseenergética resultante da instabilidadecrescente no Médio Oriente, torneeste tema mais urgente que nunca.

Face à dependência que Portugalapresenta em termos energéticos,parece-lhe aceitável a criação deuma central nuclear no pais? Não é em absoluto necessário. Em-bora não existam cálculos relativosà realidade portuguesa, aqueles queforam realizados para a Holanda de-monstram que a simples coberturados telhados por paineis fotovoltai-cos seria suficiente para suprir 80%das necessidades de energia elétri-ca do território. Existe um projectoeuropeu relativo ao aproveitamentoenergético da fusão nuclear (que aocontrário da fissão, hoje utilizada,têm impactes ambientais quase nu-los), no entanto as formas centrali-zadas de produção de energia deve-rão ser sempre um último recurso,devendo ser prioridade a realizaçãode progressos assinaláveis no au-mento da eficiência energética e noaproveitamento energético do terri-tório sem que se ponha em causaoutros valores ambientais e sociaisimportantes, o que é possível.

Acha que Portugal vai conseguircumprir a meta de produzir 39%de energia eléctrica a partir defontes renováveis, tal como é de-finido por uma recente directivacomunitária?É necessário dizer que a energia elé-trica proveniente dos grandes em-preendimentos hidroelétricos serácontabilizada para que seja possívelalcançar a meta definida pela direc-tiva. Actualmente, cerca de 35%das necessidades de energia eléc-trica são satisfeitas a partir de fontesrenováveis, se incluirmos a grandehidrica, se conseguirmos conter oconsumo adoptando medidas degestão da procura, talvez tenhamospossibilidade de cumprir a meta eu-ropeia através do aumento do con-tributo de fontes renováveis, no-meadamente eólica e solar.

Page 16: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

16a páginada educaçãoabril 2003

verso e reverso

Desde a dissolução do bloco comu-nista que a Europa Central abriu asportas para a língua inglesa. Sejapara conseguir um emprego ou na-vegar pela internet, todos queremaprender a língua de Shakespeare.Obrigatório na época comunista, "orusso cedeu terreno para o inglês epara o alemão", explica Hans Juer-gen Krumm, professor da Universi-dade de Viena e coordenador de umestudo sobre o ensino de idiomasna Europa Central.

As conclusões de Krumm nãodeixam margem para dúvidas: naRepública Checa e na Hungria o rus-

so praticamente desapareceu do en-sino secundário, na Eslováquia é en-sinado em apenas em 1,4% das es-colas deste nível de ensino e na Po-lónia só um estudante do ensino se-cundário em cada dez opta actual-mente pelo russo, quando em 1992essa proporção era de um para três.O russo mantém apenas uma fortepresença nos países bálticos (Estó-nia, Letónia e Lituânia), cuja maioriada população fala a língua.

"O inglês passou a ser o idiomapredominante. É a língua da globali-zação económica e das organiza-ções internacionais, sendo natural

que se esteja a impor na Europacentral tal como já aconteceu na Eu-ropa ocidental", explica Krumm. Deacordo com as últimas estatísticas,o inglês ultrapassou mesmo o ale-mão e a taxa de estudantes do ensi-no secundário que aprendem inglêsvaria agora entre os 50% e os 80%.

"Depois de 1989, a demanda doalemão aumentou, mas desde 1995que se registou um novo retrocesso",afirma Krumm, acrescentando que oalemão ocupa um "sólido segundolugar", depois do inglês, por razõesessencialmente históricas: é a línguado país vizinho membro da União Eu-

ropeia e porque oferece oportunida-des profissionais" graças aos investi-mentos alemães na região.

Rudolf De Cillia, também profes-sor da Universidade de Viena, esti-ma que as outras línguas europeiassó terão futuro numa Europa amplia-da se a União Europeia se compro-meter firmemente com um projectomultilingue. "A multiplicidade de lín-guas é um elemento importante dopatrimónio europeu, e é hora de rea-gir para defendê-lo".

Fonte: AFP

Língua inglesa conquista a Europa central

solta

À LUPAIracema Santos Clara

Escola Pires de Lima,

Porto

Não é raro escrevinhar os meus es-critos e, só depois, ir caminhandopelo texto à cata de um título. Destavez não está a ser essa a metodolo-gia, quer dizer, a apetência.

Pois é, parece que senti o cliquede um quebrar de vidro fino. Não iaeu, mulher com muito gosto em sê-lo, dedicar-me a prosa de obituário apropósito de qualquer senhora pro-fessora doutora catedrática que setivesse finado.

É lente, é mesmo aquele vidro deaumento que fazia parte da paraferná-lia de secretária de escritório que seprezasse. O meu avô tinha uma, lem-bro-me, fazia as letras tão maiores!

Há dias, em Vila Real, ouvindo,com muito agrado, diga-se, o depu-tado João Teixeira Lopes durante aconferência de abertura de um se-minário das Jornadas Pedagógicasdo SPN, ficou a martelar-me suave-mente na cabeça uma sua asserção

“É preciso fazer lugar!”. Isto, a talhede foice numa seara que se destina-va ao corte da(s) violência(s). Diziasabiamente Teixeira Lopes que andapor aí uma arma terrível conhecidapor pedagogia do medo coberta porvéu diáfano de política securitária.Também classificou certas manifes-tações de violência como não sendomais do que resultado da impotên-cia, efeito este decorrente do fra-casso da cólera.

Ora eu que passei uns bons doisterços da minha vida sem necessi-dade de usar óculos que não fos-sem de sol, vejo-me, nesta fase dos“enta”, dependente de ornamentosdestinados à visão ao perto. Se vermuito em cima produz fadiga, se ca-lhar é melhor contemplar o mundocomo quem olha paisagem em quea névoa e a mistura dos matizes lheemprestam maior encanto. Quebre-se a lupa! Olhe-se o mundo!

No mesmo seminário, na belíssi-ma comunicação de encerramento,João Viegas Fernandes, professordo ensino superior no Algarve, citaChomsky, acerca da esperança(?)de que a queda do muro de Berlimem 1989 levasse a canalizar grandeparte das verbas despendidas comarmamento, no desenvolvimento doTerceiro Mundo “pelo contrário esseacontecimento ter sido uma catás-trofe para os países do terceiromundo... Isso significa que o Oci-dente já não precisa de ter em con-ta os interesses do terceiro mundo epode tratar esses países de formamais dura. Este problema diz respei-to à esmagadora maioria da popula-ção mundial... Aquilo que não tocaos ricos e os poderosos não existe”.

A lupa, agora digo eu, não pode-rá levar à cegueira? De tanto olharperto, sem “fazer lugar”, lugar à es-cala planetária...

Segundo Viegas Fernandes, o pa-pel dos intelectuais é, hoje, mais doque nunca, essencial na actividadepolítica e social, através do seu con-tributo ao esclarecimento da acçãodos actores sociais colectivos, entreos quais se contam os sindicatos.

“Faremos lugar” tendo consciên-cia, como diz Paulo Feire, de que “Aluta pela paz, que não significa lutapela abolição, sequer pela negaçãodos conflitos, mas pela confrontaçãojusta, crítica dos mesmos e a procu-ra de soluções correctas para eles éuma exigência imperiosa da nossaépoca. A paz, porém, não precede ajustiça. Por isso a melhor maneira defalar pela paz é fazer justiça... aceitaro sonho de um mundo melhor e a eleaderir é aceitar entrar no processo decriá-lo, processo de luta profunda-mente ancorado na ética”.

Depois de beber tanto saber, vãoas lupas parar longe!

A melhor maneira de falar pela paz é fazer justiça... aceitar o sonho de um mundo melhor e a ele aderir é aceitar entrar no processo de criá-lo.

Lá se foi a lente!

© is

to é

| d

anie

l ped

rosa

Page 17: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

17a páginada educaçãoabril 2003

verso e reverso

CARTAS na mesaJosé Paulo Serralheiro

Philippe Perrenoud (1995) salientaque a criança é a eterna esquecidada relação escola-família, apesar deser por ela, para ela e com ela queela existe. Poderíamos extravasaresta afirmação para o contexto maisglobal da investigação em educa-ção. O aluno é ainda bastante igno-rado pela pesquisa educacional. Sa-bemos que muitas actividades dei-xam transparecer os interesses e aspreocupações de quem as conduz.E os investigadores em educaçãoexercem, em número significativo,actividade docente. Muitos traba-lham até na área da formação deprofessores. Entende-se, pois, quereflictam as suas inquietações e oseu ponto de vista na actividade in-vestigativa e, logo, que o ponto devista dos alunos seja negligenciado.

Na área em que tenho investiga-do mais, a da relação escola-família,tenho-me apercebido que a criançaassume uma condição que se pode-ria caracterizar como a de omnipre-sente ausente. Ela é tornada invisí-vel por grande parte da investigaçãonesta área; a sua voz esfuma-se navoz dos outros actores com quemaquela relação tende a ser confundi-da; ela emerge, amiúde, como ob-jecto daquelas mesmas vozes; rara-mente sendo reconhecida como su-jeito da relação. Esquece-se que elaprópria é (parte da) escola; que elaprópria é (parte da) família.

Não raras vezes ela desempenhauma função de moeda de troca nasinteracções regulares, quiçá quoti-

Em 1964, em França, um grupo deinvestigadores fez uma experiênciasimples mas curiosa. Escolheu umgrupo de 30 pessoas com algumascaracterísticas comuns. Todas ti-nham realizado os exames finais doliceu, vinte anos antes, em 1944.Outra característica comum era te-rem tido classificações superiores,nas várias disciplinas, a 15 valores,ou seja, eram para a época, alunosde excelência. Todos tinham ingres-sado no ensino superior e concluídolicenciaturas. Eram pessoas profis-sionalmente bem sucedidas.

Sem aviso prévio, os investiga-dores, pediram aos elementos des-te grupo que repetissem as mesmasprovas de exame que tinham reali-zado 20 anos antes. Os resultadosforam desastrosos. O melhor resul-tado foi obtido por um aluno, na dis-

ciplina de filosofia, que em 1944 ti-nha sido classificado com 17 valo-res e, vinte anos depois, obteve 4,5valores. Os outros resultados foramtodos inferiores aos 4,5. Houve vá-rios zeros, mas a maioria ficou-seentre o 1,5 e o 3.

Li esta notícia num artigo publi-cado numa revista francesa julgoque em 1967. Já não tenho o arti-go mas apenas a memória dele.Sei que do trabalho resultavam vá-rias conclusões, mas não as guar-do com rigor. Lembrei-me destaexperiência por ter encontrado umdia destes, no meio de um velhomanual, a minha prova de examede história do 7º ano de liceu. Jul-go que se fosse convidado a repe-tir a prova, teria classificação infe-rior à antiga, apesar de ser profes-sor da disciplina.

Julgo que a desculpa, dada pelageneralidade dos antigos alunos su-jeitos à experiência, foi a de que jáse tinham esquecido do que antestinham sabido. Ora nós esquece-mos o que não usamos nem pratica-mos. E não usamos o que não temserventia para a nossa vida pessoal,social, cultural e profissional. Querdizer, a maior parte dos conheci-mentos aprendidos, não têm qual-quer utilidade pessoal, social ouprofissional. Nem são necessáriospara a continuação da nossa apren-dizagem. Não têm o que se designapor valor de uso. Se não fosse as-sim, não esquecíamos.

O que aconteceria se nós subme-têssemos a maioria dos professo-res, por exemplo do ensino superior,às provas de acesso que tiveram defazer para ingressar na Universida-

de? Obteriam melhores resultadosdo que os cidadãos da experiência?

Deixo aqui, aos colegas investi-gadores, que averiguem esta ques-tão. Precisamos de repensar o queos nossos alunos aprendem, comoaprendem e para que aprendem. Seo objectivo é obter conhecimentosem concreto, precisamos de saberquais os conhecimentos que podeme os que não podem perdurar. Se aaprendizagem é destinada ao treinoe desenvolvimento de competên-cias, precisamos de saber quais aspráticas e os conhecimentos quepotenciam esse treino e o desenvol-vimento das competências que vi-samos. Em qualquer caso, é urgen-te repensar os conteúdos do queensinamos e do que julgamosaprender. É necessário repensar onovo valor de uso da educação.

E os alunos?As crianças e os jovens assumem uma multiplicidade

de papéis enquanto alunos que raramente são tidos em conta

Aprender para esquecer

dianas, entre docentes e encarrega-dos de educação. Trata-se, curiosa-mente, de um aspecto geralmenteignorado pela investigação e biblio-grafia afim. E, no entanto, quantospais não me têm “confessado” nãoassumirem determinadas posiçõescom receio de eventuais represáliassobre os seus filhos!? A criançaaparece, neste caso, como uma es-pécie de elo mais fraco da cadeia.

O papel mais tradicionalmenteconcedido à criança nesta relação éo de mensageira; o de vaivém (“go-between”, na expressão de Perre-noud); o de “carteiro de serviço”, nodizer de uma docente de uma minhapesquisa etnográfica. É o de alguémque leva e traz recados. No entanto,mesmo aqui, está longe de ser ummero “pombo-correio”. Enquantoactor social ela nunca é neutra numarelação da qual ela própria constituiparte e parcela. Mesmo como “sim-ples” mensageira ela pode deturparo sentido de uma mensagem ao seenganar numa palavra cujo significa-do não conhecia, ao lhe atribuir umaentoação errada, ao se “esquecer”de a transmitir atempadamente, aose “esquecer” de a dar a assinar, etc.

As relações de poder costumamser desiguais, mas não unilaterais.Também a criança não está desar-mada. Aliás, Perrenoud ao caracte-rizá-la como sendo, simultanea-mente, mensageira e mensagem (omeio é a mensagem, poderíamos di-zer, glosando McLuhan) está a ad-miti-lo. O modo como chega a casa

vinda da escola ou como chega àescola vinda de casa pode, só porsi, revelar muito do seu estado deespírito, se vai bem ou mal alimenta-da, se aconteceu algo de especial,etc. Ela tem essa capacidade de re-velar – mesmo sem intenção – mui-to do que se passa e acontece “nooutro lado” e que este provavelmen-te gostaria de deixar na sombra.

Nalguns casos este papel por sidesempenhado chega a servir de le-gitimação para o modo de relaciona-mento entre outros actores desta re-lação, como foi o caso da interacçãoentre as professoras e a associaçãode pais da escola do Segrel (cf. meuestudo etnográfico, 2003), em queas primeiras justificaram não ter for-necido uma informação à segundacom o argumento de que uma dasdocentes tinha já informado os seusalunos oralmente na turma.

Estou a dar exemplos de situa-ções em que a condição de alunocorresponde a uma faixa etária rela-tivamente baixa, quando a sua au-tonomia é geralmente conside-rada reduzida.Se pensar-mos no en-sino secun-dário, ao in-vés, o pa-norama revela-se claramente ou-tro. Mas mesmo aqui a li-nha do horizonte da in-vestigação em educação nãoparece ser muito distinta. As crian-

ças e os jovens assumem uma mul-tiplicidade de papéis enquanto alu-nos que raramente são tidos emconta. A história costuma ser a dosvencedores, a investigação a dos in-vestigadores... Investigação sobre acondição discente precisa-se,quan-to mais não seja em nome de umamelhor docência!

Referências bibliográficas:Perrenoud, Philippe (1995), Ofício de Aluno eSentido do Trabalho Escolar, Porto: Porto Editora.Silva, Pedro (2003), Escola-Família, Uma Rela-ção Armadilhada, Porto: Edições Afrontamento[no prelo].

E AGORA professor?Pedro SilvaEscola Superior

de Educação de Leiria

Page 18: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

18a páginada educaçãoabril 2003

verso e reverso

As mulheres latino-americanas e ca-ribenhas avançaram significativa-mente em matéria de igualdade degénero na última década mas aindatêm menor acesso ao mercado detrabalho e ganham menos do que oshomens, indica um relatório do Ban-co Mundial divulgado precisamenteno Dia Internacional da Mulher. Intitu-lado "Desafios e oportunidades paraa igualdade de género na AméricaLatina e Caraíbas" o documento as-sinala ainda que se registaram pro-gressos no acesso à educação e nataxa de escolarização das mulheres.

Apesar deste avanço, resta muito afazer em matéria de pobreza, exclu-são social, saúde reprodutiva e pro-tecção contra a violência doméstica.

Uma das principais conclusõesdo relatório refere que a participa-ção das mulheres no mercado detrabalho continua a ser inferior à doshomens: 56% no Brasil e na Colôm-bia, 55% no Peru, 44% no Chile e43% no México. Nos homens essataxa eleva-se aos 88%.

Embora a diferença salarial tenhadiminuído em muitos países, comoas Honduras, a Venezuela, o Brasil, a

Colômbia, a Argentina e o México,as mulheres ganham menos do queos homens em todos os países daregião, excepto na Costa Rica. E asdiscrepâncias são significantes: naArgentina as mulheres ganham 98%menos do que os homens, no Méxi-co 89%, na Colômbia 84%, no Peru80%, no Brasil e no Chile 77%, em ElSalvador 74% e na Nicarágua 64%.De acordo com o relatório do BancoMundial, este fenómeno resulta emgrande parte da ampla participaçãodas mulheres no sector dos servi-ços, geralmente o mais mal pago.

A situação torna-se mais difícilpara as mulheres que vivem nasáreas rurais, onde a taxa de fertilida-de é maior, um grande número depessoas depende delas e o acessoà terra é difícil. Porém, neste últimocapítulo registaram-se também al-guns progressos significativos empaíses como a Colômbia, a CostaRica, as Honduras, a Nicarágua, oChile e El Salvador. O México é opaís onde as mulheres detêm menorparcela de terra: apenas 21%.

Fonte: AFP

Mulheres latino-americanas têm menor acesso ao trabalho e ganham menos

Depois de algum tempo me veio alembrança de minha história de alfa-betizadora.

Eu fora indicada para uma escolamultiseriada na zona rural de Ca-xias, onde ficaria sozinha com ascrianças.

No final de cada dia as criançasperguntavam: «tia, amanhã tem aula»?

Ter aula todo dia era o mínimopara mim, embora para elas seria onovo, pois nunca haviam tido aulatodos os dias. Mas as crianças si-nalizavam o desejo de ter aula to-dos os dias. Indignada com essasituação, decidi que dali por diantehaveria aula todos os dias, fizessesol ou chovesse. A partir desse diaa escola mudou, adquirindo outrosentido.

Todo dia aparecia um aluno novo.Na segunda semana de aula chega-ram cinco crianças juntas. Todos damesma família. Umas já haviam fre-qüentado a escola, mas haviamevadido, as outras nunca haviamestudado. A mais velha, de 9 anos,disse que ainda não havia entradona escola porque morava no alto daserra e antes não valia a pena ir pa-ra a escola, pois não tinha aula to-dos os dias. E a turma ia aumentan-do. Eu ficava feliz, embora me preo-cupasse. Me perguntava se dariaconta da tarefa.

Fui conhecendo cada criança emsuas particularidades e as diferençasiam aparecendo. Algumas já haviamperdido a esperança de aprender aler. Outras ansiavam por aprender.Para minha surpresa, com exceçãoda turma de alfabetização, todas sa-biam escrever, mas não liam. Eu po-deria dar um livro imenso que todascopiavam e bem, mas não liam.

Como a turma era multiseriada,dividia o quadro em quatro, passan-do exercícios para cada turma emcada parte do quadro. Os mais

A história que eu tinha guardada

AFINAL onde está a escola?

Lenilsa de Matos Pinheiro

Grupo Alpha, pesquisa

em alfabetização das

classes populares,

Universidade Federal

Fluminense, Brasil

solta

© is

to é

adiantados acabavam rápido e fica-vam esperando. Mandava que logofossem respondendo. Mas eles nãoaceitavam, me dizendo estar faltan-do alguma coisa. Assustada desco-bri que o que faltava era a respostaa cada pergunta. Uma aluna da 3ªsérie me disse: «Eu não sei ler. Co-

mo vou responder»? Mais surpresa,descobri que a antiga professorarespondia cada pergunta com umacor diferente, para não ter trabalhosequer de corrigir.

Inconformada, resolvi alfabetizartodas as crianças. Insegura me per-guntava como alfabetizaria. Que

método utilizaria? Depois de fracas-sar com o método recomendadopela Secretaria de Educação, resol-vi trabalhar com jornais, revistas e li-vros usados. As crianças começa-ram a se interessar. Recortavam le-tras, juntavam e formavam palavrasE ficavam bastante agitadas, e eu,muito nervosa.

Como não estava conseguindotrabalhar com tantas crianças, resol-vi dar aula em outro turno. Converseicom as crianças, e elas aceitaram.

Com a separação das turmas otrabalho foi progredindo, as crian-ças foram descobrindo os nomesdas letras e para que serviam, mon-tavam palavras, formavam seus no-mes, construíam frases. Produziampequenos textos. A cada dia eu fica-va mais maravilhada com a turma ea turma ia crescendo. Os pais quenão tinham mais esperança de quea escola funcionasse, começaram ame procurar e seus filhos iam retor-nando à escola. A turma cresceutanto que a Secretaria de Educaçãoofereceu-me um contrato. Três me-ses depois mandou mais uma pro-fessora para me ajudar porque jáhavia 56 alunos.

Acreditei desde o início que a tur-ma tinha possibilidade e desejo deaprender. Concluía que eu apenasestava colaborando para ajudá-lasem seu processo de apropriação doconhecimento da leitura no desenhoda escrita.

Quando fui para essa escola euera uma espécie de faz tudo, dirigia,dava aula, limpava a escola e oquintal, fazia merenda. Agora a anti-ga merendeira retornara e nós tra-balhávamos juntas no que antes eufazia sozinha..

Estava feliz, as crianças apren-diam e os pais estavam acreditandoem meu trabalho.

Estou nesta escola até hoje.

Descobri que a antiga professora respondia a cada pergunta com uma cor diferente, para não ter trabalho sequer de corrigir.

Page 19: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

19a páginada educaçãoabril 2003

verso e reverso

FORA da escolatambém se aprendeNilda AlvesUniversidade do Estado

do Rio de Janeiro,

UERJ, Brasil

© il

ustr

ação

leo

nard

o p

erei

ra |

foto

isto

é

solta

A primeira emenda da Constituiçãodos Estados Unidos, que, entre ou-tras garantias, assegura a liberdadede expressão, constitui para 49%dos americanos um obstáculo na lu-ta contra o terrorismo, segundo umapesquisa realizada pelo Center forSurvey Research and Analysis daUniversidade de Connecticut, no

nordeste dos EUA. Esta percenta-gem representa um aumento de10% em relação ao ano anterior aosatentados de 11 de setembro, des-taca aquela instituição.

"Os resultados do nosso estudode 2002 sugerem que muitos norte-americanos consideram as liberda-des fundamentais previstas na cons-

tituição um possível obstáculo àguerra contra o terrorismo", afirmouem conferência de imprensa KenPaulson, director do First Amend-ment Center, que encomendou asondagem, referindo que "um núme-ro significativo de cidadãos pareceinclinado a reescrevê-la".

Segundo a sondagem, 42% dos

norte-americanos pensam que "aimprensa dispõe de demasiado po-der para fazer o que quer", mas, aomesmo tempo, 40% considera quetêm também um acesso muito limi-tado à informação relativa às acçõesdo governo contra o terrorismo.

Fonte: AFP

Americanos consideram liberdade de expressão obstáculo na luta contra o terrorismo

No dia 12 de janeiro de 2003 sofri um enfarte etive na minha frente, muito mais próximado que eu jamais imaginara, a minhacondição de ser humano mortal.

No dia 17 de março de 2003, nos jor-nais e frente a uma HP de internet, buscoacompanhar as notícias sobre o ataque que opovo iraquiano irá sofrer, nas próximas horas,por parte dos EUA a pretexto de retirar o di-tador Sadam Houssein. Tenho diante demim a minha frágil situação de humani-dade mortal.

Os grandes jornais de 12 de ja-neiro de 2003, um domingo de solde verão do Rio de Janeiro (um qua-se pleonasmo), anunciavam, contra a vontadede seus donos provavelmente, os dois Fóruns que ocor-reriam, dentro de poucos dias, em Porto Alegre: o Fórum Mundial deEducação e o Fórum Social Mundial, encontros de gentes de toda a Terra pa-ra provar que “um outro mundo é possível”. Eu iria, no momento que li os jor-nais, aos dois e me preparava com entusiasmo para ver o que trariam de no-vo, de esperança e como expressão de fraternidade. A crise pessoal que en-frentei não me permitiu ir a nenhum dos dois e só os acompanhei através des-ses jornais. Algumas observações pude fazer e lições aprendi da leitura diáriae intensa que buscava fazer, desse processo. A maior delas: os principais jor-nais brasileiros, que pouca atenção tinham dado a esses eventos, nos anosanteriores, precisaram, para dar conta do que acontecia e atender aos que oslêem, naturalmente, criar cadernos especiais que, com coberturas jornalísticase belas fotografias de enviados especiais, buscavam dar suas versões sobreos acontecimentos. Coincidentemente, os cadernos, todos, traçavam compa-rações entre Davos e Porto Alegre, seguindo a lógica dentro da qual funcio-nam: vamos falar de Porto Alegre, mas só comparativamente a Davos. Se nosanos anteriores, tivemos uma grande cobertura de Davos e uma pequena co-bertura sobre Porto Alegre, o equilíbrio entre linhas escritas e fotografias pu-blicadas, nesse ano de 2003, foi perfeito. E mais: se considerarmos que emDavos tivemos grandes protestos e o comparecimento do Presidente Lula,que no dia anterior esteve em Porto Alegre explicando ao povo ali reunido por-que iria, poderíamos dizer que a balança pendeu para o lado que deseja “ummundo melhor”...

Mas o que vi no jornal, hoje, e o que busco acompanhar na internet é umaoutra situação. Nela duas fotografias me chamam a atenção: a primeira da-quele que, eleito em um processo discutível, pensa que ainda está à frente deuma nação que domina o mundo e quer ampliar suas fronteiras (econômicas,já que as geográficas não dá), acompanhado dos únicos aliados que conse-

«Quantos matarão?»

«Poderei continuar a ler jornais

nos próximos dias?»

«Quanto ainda resistirá o meu coração?»

Lá fora, as fortes chuvas de Março

fecham o Verão do Rio de Janeiro.

guiu “laçar”: os primeiros-mi-nistros de Inglaterra, Espanha e

Portugal. “O que se passa na ca-beça desses três últimos?”, é o que

me ocorre pensar quando vejo aimagem, não conseguindo entendero que têm a ganhar, já que o primei-ro teve o seu líder no congresso re-nunciando hoje, contra a posição denão mais negociar que Blair adotou.E os outros dois: o que ganha a Es-panha, que mal consegue controlarseu terrorismo interno? E o que ga-nha Portugal – talvez perca os in-vestimentos alemães, já que essesse colocam contra uma guerra, semo pronunciamento da ONU de quese esgotaram os caminhos da nego-ciação. A segunda fotografia é deum contacto grupo de soldadosamericanos que dentro de uma tem-pestade de poeira, tão temida pelosestrategistas de seu exército, ouveseus comandantes falarem: “quaisdesses voltarão pó?” Foi o que pen-sei, primeiro, olhando detidamentecada rosto, como se para guarda-los e lembrando a decisão de quenão voltarão em caixões para nãorepetir as imagens de outra guerrasuja, a do Vietnam. “Quantos mata-rão?” “Poderei continuar a ler jornalnos próximos dias?” “Quanto aindaresistirá meu coração?”

Lá fora, as fortes chuvas de marçofecham o verão do Rio de Janeiro.

Sobre duas datas: 12.01.2003

e 17.03.2003 ou nos jornais

também seaprende!

Page 20: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

20a páginada educaçãoabril 2003

verso e reverso

Dois anos de Intifada arrasaram porcompleto a economia palestiniana emergulharam Israel na pior recessãoda sua história, ainda que, segundoalguns especialistas, bastasse aca-bar com a violência para que a si-tuação melhorasse significativa-mente para ambos os lados envolvi-dos no conflito.

"Algumas semanas após o inícioda nova Intifada a economia palesti-niana sofreu uma contração de 50%devido ao bloqueio, que impede de-zenas de milhares de palestinianosde trabalharem em Israel", refereNadim Karkutli, membro da missão

da Comissão Europeia nos territó-rios autónomos. "Com a evoluçãodo conflito, porém, a economiaafundou-se por completo".

Vários relatórios alarmantes fo-ram divulgados desde o início doano pelos enviados especiais daONU ao Médio Oriente, quando tive-ram início as grandes operações mi-litares israelitas na Cisjordânia. Se-gundo o mais recente destes docu-mentos, as trocas internas e exter-nas diminuíram, os investimentoscaíram a níveis insignificantes e asempresas palestinianas tiveramgrandes prejuízos. Com 60% da po-

pulação a viver abaixo da linha depobreza, uma perda de receita na-cional de 7,6 milhões de euros diá-rios e uma taxa de desemprego quechega aos 50% - número que sobequando se impõe o recolher obriga-tório -, a economia palestiniana estáà beira da catástrofe.

Israel também não é excepção evive uma "crise económica sem pre-cedentes", lembra Efraim Kleiman,da Universidade Hebraica de Jeru-salém. Os indicadores económicossofreram uma queda vertiginosa nosúltimos dois anos, a taxa de desem-prego supera os 10% pela primeira

vez na história do país, o Produto In-terno Bruto e os investimentos es-trangeiros caíram e a moeda desva-lorizou-se. A principal vítima do le-vantamento palestiniano, a indústriado turismo, um dos motores da eco-nomia israelita, perdeu 0,9% em2001 e 1,5% em 2002.

No entanto, recorda Kleiman, areceita para acabar com o descala-bro que atinge ambos os lados doconflito é simples: "É preciso acabarcom a violência".

Fonte: AFP

DISCURSO directoAriana Cosme

Rui [email protected]

Universidade do Porto

Nova Intifada destruiu a economia palestina e mergulhou Israel na recessão

— Ó professora, o russo perdeu-seno caminho.

Encolhi os ombros e a conversaacabou ali. No outro lado da sala,cinco ou seis miúdos ia preparandoos fatos para os cruzados. A Joanaajudava a prima a fazer a mitra parao bispo. E de vez em quando lá voa-va mais uma piada sobre o Benficaem direcção ao grupo dos mouros.Eram cinco da tarde de uma quinta-feira de Junho. A festa ia ser no sá-bado. Andávamos nervosos, atare-fados e a trabalhar, há uns dias, forade horas. Mas o pior já passara.

Não tinha sido difícil entusiasmá-los com a ideia de recrearmos aconquista da cidade de Lisboa nafesta do fim do ano. Ao princípio fo-ra tudo demasiado simples. O Lou-renço, quando o acontecimento foraabordado em Meio-Físico e Social,até tinha reinventado o discurso queD. Pedro Pitões, o bispo do Porto, fi-zera um dia aos cruzados, lá para os

lados da Sé, convencendo-os aconquistar Lisboa aos mouros. Umtexto que fora trabalhado em grupoe interpretado por vários alunos, atése decidir que o nosso bispo seria aSónia. Mas as mulheres não podemser padres. E o que é que isso im-porta para o teatro? Só faltava umarapariga a fazer de Afonso Henri-ques, dizia-se em jeito de provoca-ção e gozo. E porque não? Picavaeu. Mas aqui a decisão passou-meao lado. Um dia, o Júlio comunicou-me que ele é que seria o rei. Comoninguém ripostou, aceitei o veredic-to silencioso daquele grupo. O pro-blema maior, contudo, ainda estavapara vir. Quem seriam os sitiados ?Quem seriam os onze árabes, res-ponsáveis pela defesa daquele cas-telo de ripas e papel cenário, a mon-tar em cima do palco ? Eram três osvoluntários dispostos a assumir opapel de sarracenos. Mais para mefazerem o jeito, do que seduzidos

pelos turbantes vistosos com queeu, ingénua, os tentara convencer.Só pela moeda ao ar é que se con-seguiu resolver a questão. Não im-portava que o Madjer fosse argelino.Pouco interessava, também, que ti-vessem ficado mudos de espantona visita ao salão árabe do Palácioda Bolsa. Até no álbum sobre ospovos que foram os nossos ante-passados na Península Ibérica, láestava, preto no branco, o elogio aoengenho e à cultura árabes. Podiaver-se o desenho de uma picota, ajustificação da importância dos al-garismos no mundo de hoje, umalista de muitas palavras que perma-necem ainda na língua portuguesaou a história em banda desenhadada lenda das amendoeiras em flor.Nada os demoveu.

A escolha do Martim Moniz, no en-tanto, foi pacífica. A cena do empala-mento na porta é que não. Era preci-so talento que o actor eleito, de facto,

não tinha. Coisa que o rapaz resolveucom imaginação teatral, arranjando,vá-se lá saber aonde, um braço demanequim que, manchado de verme-lho, saltava no ar por entre os berros,sem convicção, de uma dor fingidaque ganhou alento no dia da festa.Para além da salva de palmas final,ganhou a alcunha que, estranhamen-te, ainda não tinha: o maneta.

Moral da história:

Assim se vê como muito dificilmen-te os manuais escolares, e os livrosem geral, podem ser os instrumen-tos primordiais através dos quaisaprendemos.

Assim se vê, também, que é pos-sível aprender, igualmente, atravésdos livros.

Assim se vê, finalmente, como oacto de aprender é um acto que apartir de certo momento nos escapa.

Não tinha sido difícil entusiasmá-los com a ideia de recrearmos a conquista da cidade de Lisboa na festa do fim do ano.

Num quero!

© is

to é

solta

Page 21: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

21a páginada educaçãoabril 2003

verso e reverso

solta

Desde o início da guerra que os habi-tantes de Bagdad se trancam em ca-sa durante os bombardeamentosamericanos e pregam o ouvido à rá-dio para ouvir as notícias, enquantotentam acalmar os filhos. "Nós fica-mos em casa, é mais cómodo e maisseguro", conta Um Hiba, 45 anos,mãe de quatro filhos, que relata ashoras de tensão vividas durante osraides aéreos. "No sítio onde vivemosnão conseguimos ver as bombas cair.E não podemos acompanhar a situa-ção pela televisão porque os canaisdaqui não relatam nada do que está a

acontecer e não temos acesso a ca-nais estrangeiros", explica.

Esta incerteza angustia a maioriados cinco milhões de habitantes deBagdad. Nesta cidade de vasta di-mensão, é quase impossível determi-nar o lugar de impacto dos mísseis edas bombas. Além disso, os edifíciosaltos - pontos de observação por ex-celência - são escassos, com excep-ção de dois hotéis, o Meridien-Pales-tine e o Sheraton-Ishtar, que foram li-teralmente invadidos pelos jornalistas.

"A única coisa que podemos fa-zer é ouvir rádio. É isso que fazemos

até às duas horas da manhã", dizSamir Mehdi, 38 anos, professor deinglês na Universidade de Bagdad,que acompanha durante toda a noi-te a emissão da BBC, constatandocom uma certa dose de humor:"Londres lança ataques contra nós,mas é a rádio deles que nós ouvi-mos, inclusivamente durante osbombardeamentos".

Mas a grande preocupação dosiraquianos é, acima de tudo, tentarproteger os seus filhos e controlar otemor que eles sentem quando ou-vem as explosões. "Tento explicar o

que é a guerra", diz Luai, um jorna-lista de 45 anos, que descreve o diá-logo que teve com seu filho Zuheir,de 7 anos. "Estávamos sentados àmesa durante um dos bombardea-mentos, falando sobre o plano dosamericanos, sobre o que eram osmísseis e sobre o que podíamos fa-zer para nos proteger. No final, eletentou tranquilizar-me dizendo que aguerra, afinal, é mais ou menos co-mo um jogo de vídeo", conta Luai.

Fonte: AFP

Habitantes de Bagdad receiam pelo futuro

As mudanças que«Abril» provocou levaram-nos inicialmente a olhar a Educação, já não como um instrumentode legitimação da ordem social, ou espaço de sociali-zação elitista e autori-tária à mercê dos interesses dominantes,mas como um direitohumano básico universal.

Os sinais da Primavera renovam-se,e «Abril» está a passar por aqui. Mas«Abril» é cada vez mais breve, maisdiscreto, mais fugidio…

Há vinte e nove anos, depois deuma longa noite de excessos de re-gulação vinculados a uma ideologiaretrógrada e a um capitalismo arcai-co sem democracia, imaginámos apossibilidade de projectos de eman-cipação contextualizados numa de-mocracia profunda sem capitalismo.Mas apesar das «energias utópicas»se terem exaurido mais lentamentedo que a própria «revolução», a tran-sição entre o antes e o depois foibreve, e os tempos que se seguiramacabaram por repor bem cedo, esem qualquer criatividade políticaou inovação cultural, a equação(moderna e vulgar) do convívio docapitalismo com a democracia.

As mudanças que «Abril» provo-cou levaram-nos inicialmente aolhar a Educação, já não como uminstrumento de legitimação da or-dem social, ou espaço de socializa-ção elitista e autoritária à mercêdos interesses dominantes, mascomo um direito humano básico

LUGARES da educaçãoAlmerindo Janela AfonsoUniversidade do Minho

cionais foram abolidos) e, sobretu-do, a partir de «Abril», os professo-res confrontaram-se com oportuni-dades reais para o exercício de uma«profissionalidade» responsável ecom possibilidades novas de cons-truir uma «autonomia colectiva».

Se olharmos hoje, criticamente,para as mudanças que vêm sendoexigidas pelos adeptos das ideolo-gias da «nova direita», facilmenteconstataremos o retrocesso profun-do que elas significam no campo dademocracia e da educação.

Em Portugal, a este propósito, orefluxo da democracia é hoje parti-cularmente evidente, por exemplo,pela reintrodução de orientações«neodarwinistas» e elitistas, pelacrescente desconfiança em relaçãoao trabalho das escolas e cercea-mento à sua autonomia, pelo au-mento dos mecanismos de controloexterno como os exames nacionaise os «rankings», pela imputação (ve-lada) das responsabilidades do in-sucesso no ensino secundário aosprofessores do ensino básico, pelasubalternização de alguns sindica-tos como interlocutores do ministé-rio da educação e o apoio explícito àcriação de uma «Ordem» de profes-sores, ou pelo alheamento em rela-ção à proliferação das «explica-ções» (privadas) à custa dos déficesda escola pública.

Volvidas tantas primaveras, toda-via, aqui e ali, algumas sementes dedemocracia que «Abril» disseminoutêm resistido e germinado apesar dacrescente aridez do tempo. É preci-so, no entanto (para além de «Abril»)que ressurja uma nova consciênciacrítica emancipatória. Como mos-tram os mais recentes movimentosde globalização contra-hegemónica,os quadros de possibilidade da de-mocracia podem ser renovados, ehá muitos caminhos em aberto para“reinventar a emancipação social”.

© is

to é

Um regresso breve a Abril

universal. Direito fundamental afir-mado e consagrado depois de«Abril», tal como, aliás, quase to-dos os direitos sociais, económi-cos, culturais e políticos conquista-dos na sequência daquele movi-mento inédito de participação mo-bilizadora, induzido por ideais (plu-rais e heterogéneos) de mudançaprofunda e democratizadora.

Na sequência deste movimentosocial emancipatório, a procura daeducação escolar expandiu-se, osvalores da participação e da demo-cracia penetraram o contexto peda-gógico e atravessaram as relaçõessociais, as formas de avaliação dei-xaram de ser instrumentos de exer-cício do controlo social (não foi,aliás, por acaso que os exames na-

Page 22: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

Alguns meios decomunicação socialtêm vindo a divulgar,nas últimas semanas,um conjunto de resultados escola-res do ensino secundário, relativosao ano 2002, apurados concelho aconcelho, com o intuito muito claro,aparentemente o único, de demons-trar que não há determinação socio-económica na definição das classi-ficações dos alunos. Adjacente aeste intuito e como que cavalgando-o, aparece a afirmação de que é o“actor humano” que justifica que asescolas dos concelhos desfavoreci-dos obtenham bons resultados. “É oentusiasmo, o desempenho dosconcelhos executivos e dos profes-sores que fazem a diferença”, lê-seno jornal “Público” do dia 17/03/03como sendo uma afirmação proferi-da por um dos especialistas a quemse deve um estudo pormenorizadosobre a matéria.

A insistência com que tal pers-pectiva vêm sendo propalada quercom certeza dizer mais alguma coi-sa do que a simples e louvávelpreocupação de manter informadaa população portuguesa, que lê jor-

nais ousegue outros ór-

gãos de comunicação,acerca da tão equilibrada dis-tribuição nacional das competên-cias dos nossos alunos do secun-dário.

Ora, parece não ser ousado ad-mitir que o que está em desenvolvi-mento é fazer vingar a ideia de quenão sendo as condições materiaisglobais, quer das famílias, quer dasinstitucionais escolares, as que de-têm uma responsabilidade decisivana construção do sucesso escolardos alunos, é legítimo esperar que ofactor humano não defraude as reaiscapacidades dos nossos alunos. Is-so significa que os professores es-tão perante um quadro novo de res-ponsabilização a que não devemfurtar-se. O especialista acima refe-rido insinua, até, que seria desejávelum bom grau de entusiasmo noexercício profissional. E embora issonão seja evidente no contexto dasafirmações apresentadas, parecedepreender-se que o entusiasmopode desempenhar um papel im-portante na eliminação dos possí-

veis efeitos ne-gativos das dé-

beis condições materiais.O que poderá significar que os défi-ces estruturais são compensadospela sobre-aplicação dos profissio-nais que lidam com essas situações.

É claro que será oportuno fazeraqui algumas precisões. Seja a pri-meira para afirmar que se, de facto,se reconhece hoje a importância quea relação pedagógica desempenhana construção dos saberes dos alu-nos e nas disposições que os fun-damentam, isso não significa que elase exerce no vazio material, social einstitucional. Em segundo lugar, im-porta ter presente que o exercícioprofissional dos professores, tal co-mo o de outros profissionais, é sen-sível à qualidade dos contextos so-cio-organizacionais, mas não estáprovado que as lideranças fortes ge-ram equipas entusiastas, como pa-rece querer impor o movimento quese vem anunciando.

De resto, seria de extrema impor-

tância questionar-se sobre o que seentende por “entusiasmo”, uma vezque há fundadas suspeitas de que talexpressão possa estar a ser mobiliza-da para a campanha de moralizaçãodo país. Por outro lado, é bastantequestionável que se possa caracteri-zar como entusiástico um contextoprofissional atravessado por impul-sos de forte competitividade e con-corrência, tanto objectiva, como sub-jectiva, como não pode deixar de seraquele em que vêm sendo colocadasas escolas face à lógica da “rankin-guização”. Talvez venha aqui a pro-pósito aquela história saborosa con-tada por GOMBROWICS, um roman-cista polaco que põe em cena, no seuromance «Ferdidurke», um professordiante dos seus alunos, a quem se di-rige nestes termos:

‘Tomem nota para um trabalho decasa: “por que é que as poesias deJules Slowaki, esse grande poeta,contêm uma beleza imortal que des-perta o entusiasmo?”.

Neste momento, um dos alunoscontorce-se nervosamente, lamen-tando-se:

Mas, por que é que eu não meentusiasmo absolutamente nada?’

22a páginada educaçãoabril 2003

verso e reverso

Os telefones celulares de primeirageração praticamente dobram o ris-co de incidência de cancro, segun-do revela um estudo médico sueco.Esta conclusão partiu de uma inves-tigação realizada pelo Instituto Na-cional Sueco da Vida no Trabalho deUmeaa, 450 quilómetros ao Norte

de Estocolmo, junto de um grupo depacientes que padecia de tumoresno cérebro.

"Os utilizadores de telefones por-táteis NMT (Nordic Mobil Telephone)devem ter cuidado", afirmou o pro-fessor Kjell Hansson Mild, do institu-to sueco, que iniciou as pesquisas

com o professor Lennart Hardell, dohospital universitário de Estocolmo,"porque correm um risco 1,3 vezmaior de morrer de cancro no cére-bro do que os utilizadores de outrostelefones móveis após dez anos deuso". os investigadores descobri-ram ainda um risco 2,5 vezes maior

de desenvolvimento de tumores nolóbulo temporal, junto ao ouvido emque se usa o aparelho, e 3,5 vezesmaior de morrer de um novo tipo detumor dos nervos auditivos.

Fonte: AFPsolta

FORMAÇÃO e desempenho

Manuel MatosFaculdade de Psicologia

e de Ciências

da Educação da

Universidade do Porto

Telemóveis de primeira geração aumentam risco de cancro

© is

to é

A indiferença geo-económica dos resultados escolares e o desempenho dos professores

Page 23: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

23a páginada educaçãoabril 2003

verso e reverso

CARTAS de professoresMiguel Ángel Santos Guerra,Catedrático de Didáctica

y Organización Escolar,

Universidad

de Málaga, Espanha

Estamos en vísperas de una guerra ter-

rible. Quizás, en el amanecer de la TER-

CERA GUERRA MUNDIAL. Me duele

que haya sido en Azores donde se ha

tomado la última decisión. Y me duele

especialmente que el Presidente del

Gobierno de mi país haya colaborado

tan activamente en el estallido del con-

flicto armado. La foto del Presidente

Bush, que probablemente habreis visto,

posando la mano sobre el hombro del

señor Aznar, es un yugo que convierte a

nuestro Presidente en un tirano belicis-

ta y en un lacayo miserable. Porque es-

tá claro que, desde una situación de ab-

soluta dependencia, no puede actuar

en libertad.

Hay que parar la guerraQueridos profesores y profesoras de Portugal

¿Qué podemos pensar, sentir y hacer

los profesores para seguir pensando en

la paz, en la educación para la paz?

¿Qué postura debemos adoptar ante el

conflicto que, seguramente cuando leais

estas líneas, estará en pleno fragor? Co-

mo decía el poeta: Tristes armas si no

son las palabras.

En primer lugar, creo que nadie pue-

de quedarse impasible e indiferente an-

te tanta inmoralidad, ante tal despropó-

sito, ante tanta mentira. Quienes dicen

que no quieren meterse en política están

adoptando de forma patente una postu-

ra política, que es la de quedarse al mar-

gen. Es una obligación ciudadana tomar

postura, es una exigencia de la ética ci-

vil estar situado al lado no de quienes

hacen la historia sino de quienes la su-

fren. Está claro que, a mi juicio, hay unas

víctimas indiscutibles en este conflicto:

los habitantes de Irak, los niños inocen-

tes que veo jugar al fútbol en las calles,

las niñas a las que veo correr por las pla-

zas, las mujeres y los hombres que im-

provisan refugios para protegerse...

Mientras tanto abandonan el país los

inspectores, los diplomáticos, los turis-

tas... “Déjenlos a ellos, los pobres, los

miserables, que los vamos a destruir”,

vienen a decir los poderosos.

En segundo lugar, creo que es im-

prescindible analizar la situación con ri-

gor. Comprender que el concepto de

guerra preventiva es una perversión del

derecho. Hoy les explicaba a mis alum-

nos: Imaginaos que un profesor llega a

clase y os dice que pongais las manos

sobre la mesa, imaginaos que con un

machete va cortando vuestros dedos,

imaginaos que la razón con la que se jus-

tifica es que lo hace para prevenir la co-

pia en los exámenes... Qué injusticia,

qué falta de lógica. Pues bien, el castigo

de la guerra preventiva es la muerte para

muchos inocentes. Es necesario tener en

cuenta que el unilateralismo quiebra el

orden internacional. Cada país podrá de-

clarar la guerra cuando lo considere jus-

to y necesario. No hará falta mandato al-

guno de la ONU, ni exigencia de prue-

bas, ni aportación de evidencias. Resul-

ta indecente ver cómo los avances de los

inspectores se contraponían a las ame-

nazas, a la presencia de tropas y a la exi-

gencia de plazos impuestos. No se pue-

de ignorar que existen intereses econó-

micos (venta de armas, compraventa de

petróleo, beneficios de la reconstruc-

ción...), intereses geoestratégicos (domi-

nio de la zona, imposición del poder...),

eurización frente a la hegemonía del dó-

lar... Por otra parte, decir que quienes se

oponen a la guerra son defensores de

Sadam Hussein no es más que una pa-

traña. Decir que quienes se oponen al

conflicto están alimentando el terrorismo

internacional no es más que una falacia.

No existen pruebas fehacientes de las

tan traídas y llevadas conexiones de Irak

con Al Qaeda.

En tercer lugar, es indispensable re-

conocer que se ha abandonado la vía

de la negociación y del diálogo exigida

por los inspectores y aconsejada por la

mayoría de miembros del Consejo de

Seguridad. Se han roto los plazos en

una inadmisible urgencia por iniciar los

bombardeos. Se ha fracasado en la di-

plomacia porque había intereses por

desencadenar un conflicto armado que

mostrase claramente al mundo quién es

el que manda.

En cuarto lugar, hay que dejar bien

claro que cualquier guerra no sólo con-

vierte en víctimas a quienes mata, lesio-

na o empobrece. Son víctimas de la

guerra los agresores porque se envile-

cen, se llenan de ignominia y de brutali-

dad. Y también son víctimas los testigos

que aprenden terror, violencia y mentira.

Las guerras siempre las declaran los po-

derosos y las sufren los débiles. Aunque

un país pierda la guerra, la ganan lo ri-

cos. Aunque un país gane la guerra la

pierden sus pobres.

Queridos profesores y profesoras de

Portugal, creo que ante el horror de los

bombardeos no podemos quedar impa-

sibles. Hay que gritar no a la guerra, no

en nuestro nombre, no con nuestro silen-

cio. Es preciso tomar posición por la paz.

No podemos estar de espaldas al con-

flicto. No debemos ignorar las razones

que han llevado a la destrucción de tan-

tos inocentes. ¿Qué hacer? Debatir los

problemas de la paz entre el profesora-

do, plantear la cuestión en las clases, in-

vitar a los alumnos a expresarse, organi-

zar actos informativos, manifestar públi-

camente la postura... Las instituciones

educativas no pueden quedarse al mar-

gen de los dolores del mundo.

Esta situación me hace pensar en el

sentido profundo de la democracia. ¿Có-

mo es posible que quienes gobiernan

nos hayan llevado a una guerra cuando

millones de ciudadanos hemos gritado

una y mil veces que no la queremos? ¿A

quién representan los gobernantes? ¿En

nombre de quién deciden? Es preciso

reinventar la democracia, reconstruirla,

profundizar en su sentido moral. La ma-

yoría de votos, aunque sea absoluta, no

legitima para tomar éticamente cualquier

decisión. Si así fuera, se estaría matando

en nuestro nombre, en nombre de los

ciudadanos y ciudadanas que sólo que-

remos la paz.

Málaga, 17 de Março de 2003

Page 24: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

24a páginada educaçãoabril 2003

reportagem Foram concebidas para funcionar numa lógica de integraçãocurricular e proporcionar aos alunos um modelo sequencial de

aprendizagem. As escolas básicas integradas (EBI) iniciaram a sua experiência há dez anos, mas pouco ou nada se

vai sabendo sobre ela. A PÁGINA foi falar com a comunidadeeducativa da EBI 1,2,3/JI da Barranha, em Matosinhos,

procurar saber como decorre o projecto desta escola.

retratode uma

escolasbásicasintegradas

À partida parece uma escola igual atantas outras. É quando nos depara-mos com crianças dos quatro aosquinze anos cruzando-se lado a la-do nos corredores que as diferençascomeçam a saltar à vista. Esta con-vivência entre alunos de tenra idadee mais graúdos poderá parecer es-tranha a quem não está familiariza-do com ela, mas é precisamenteuma das características que reflecteas particularidades das EBI relativa-mente a outros estabelecimentos deensino: um percurso sequencial deaprendizagem que começa pelo jar-dim de infância (daí o "JI" da escolada Barranha) e se prolonga até ao 9ºano, dando um sentido mais amploao conceito de escolaridade básica.

Apesar de a tipologia da Barra-nha poder ser referida como um"modelo", nem todas as EBI obede-cem à mesma estrutura. As escolasintegradas podem variar de organi-

zação - e, logo, de terminologia -,consoante o contexto sócio-geo-gráfico em que se inserem e em fun-ção dos objectivos educativos quepretendem atingir. A única caracte-rística comum é o facto de concen-trarem diferentes níveis de ensinonum mesmo espaço físico (podendoalgumas incluir o ensino secundá-rio), e uma mesma filosofia: garantira coerência e a continuidade dos di-ferentes ciclos de aprendizagem.

Para concretizar este objectivo éindispensável um processo perma-nente de partilha de saberes e de ex-periências entre todos os docentes.Esse, aliás, é "o único meio para seconstruir um projecto sólido e coeren-te", como explica Arménio Martinho,presidente do conselho executivo.

Há três anos a escola foi avalia-da por uma equipa do Ministério daEducação (ME) e a apreciação glo-bal foi considerada "muito positiva",

especialmente no que se referia aocapítulo do projecto educativo alidesenvolvido e à elevada taxa deaproveitamento escolar.

Apesar de reconhecer que o su-cesso de uma escola não se baseiaexclusivamente nos números ("nãobasta dizermos quantos alunoscompletaram com sucesso o 9º ano,é importante sabermos quem se tor-naram e que competências adquiri-ram"), diz -, aquele responsável or-gulha-se do facto de a escola pos-suir uma taxa de aproveitamento su-perior a noventa por cento, colocan-do-a acima da média nacional, e re-fere que esse é um bom exemplo dotrabalho que ali tem vindo a ser feito.

Na opinião da equipa de inspec-tores que ali se deslocou, porém, oaspecto menos conseguido foi pre-cisamente aquele que reflecte a ne-cessidade de um trabalho de equi-pa mais aturado: a integração curri-

experiência

Ilust

raçõ

es |

Fo

tos:

© is

to é

Page 25: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

25a páginada educaçãoabril 2003

reportagem

cular entre os diferentes ciclos. "Lo-go no primeiro dia, antes de iniciar-mos o processo de avaliação, admi-ti que existia um sentimento de cer-ta frustração por ainda não termosconseguido atingir um patamar deexcelência, tal qual tínhamos ideali-zado no início do projecto. Mas es-te é um trabalho de persistência,que leva algum tempo a produzirefeitos", sublinha.

A falta de estabilidade do corpodocente é um dos factores que, nasua opinião, contribuiu em maiormedida para essa falha. É que a es-cola nunca conseguiu estabilizar ocorpo docente a mais de 80 porcento e tal acabou por reflectir-senegativamente na coerência do pro-jecto curricular.

Mas não é apenas no plano daafectação de recursos humanos queeste responsável encontra motivospara as debilidades apontadas pela

equipa do ME. Na sua opinião, con-tinua a ser difícil quebrar "barreirasculturais" numa classe que, por tra-dição, manifesta ainda um certo "es-tatuto corporativo". Uma "luta difí-cil", admite, que só se vence incenti-vando os professores a despirempreconceitos e assumirem-se, acimade tudo, como agentes de ensinoque devem trabalhar em equipa.

Partilha de saberes

Os professores, como Natalina Gra-divo, do 3º ciclo, reconhecem que aplena articulação curricular é um dospassos mais difíceis de concretizarnum projecto desta natureza, por-que, acima de tudo, "depende depessoas" e há ainda quem prefiratrabalhar no seu "cantinho". O resul-tado pode não ser, para já, o ideali-zado, mas há uma procura contínuade partilha de saberes e de experiên-

cias, diz. "Aqui sabemos o que osalunos fazem desde a pré-primáriaao 9º ano e isso ajuda a criar outroespírito e método de trabalho".

Maria José Brandão, docente do2º ciclo, admite também a existên-cia de colegas que ainda não se te-nham conseguido adaptar a este ti-po de organização, mas garante queexiste o tal espírito de partilha quepermite prosseguir um trabalho co-lectivo. Prova disso mesmo é o fac-to de ter passado por várias escolasao longo dos últimos 19 anos, massó aqui ter o sentimento de perten-cer a uma "grande família".

Na opinião desta docente, é in-dispensável que os professores to-mem consciência de que são cadavez mais autónomos em termos detrabalho com os alunos e que, nes-se sentido, deverão sentir-se menosdependentes de directrizes emana-das do topo para levarem a cabo as

suas tarefas. Quanto mais autóno-mos e criativos forem, mais facil-mente os professores podem pas-sar esse espírito às crianças, expli-ca. "É esta a escola que a nossa ge-ração não teve e que fez de nós ci-dadãos temerosos e pouco autóno-mos". Por isso, mais do que ensinarmatéria importa indicar "caminhos"aos alunos. "É essa filosofia que es-tas escolas pretendem transmitir epenso que o sistema educativo de-ve tirar partido dela".

É para criar condições que per-mitam aperfeiçoar esta prática queos departamentos curriculares decada ciclo se reúnem uma vez pormês, elaborando directivas que ser-virão para o conselho de turma deli-near percursos curriculares autóno-mos e adaptados às necessidadesde cada grupo de alunos.

"Além das reuniões de avaliaçãoperiódicas, existe também a preo-

Page 26: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

26a páginada educaçãoabril 2003

reportagem

Ricardo Jorge Costa

cupação de fazer um balanço geralno final do ano lectivo para, no anoseguinte, se adequarem metodolo-gias que permitam corrigir aspectosmenos trabalhados da integraçãocurricular". Quem o diz é Maria daConceição Cabeças, professora do1º ciclo, contando que esta experiên-cia não é propriamente nova para si.Antes de vir para a Barranha traba-lhou durante 17 anos num colégioparticular que já mantinha práticassemelhantes e não tem dúvidas emafirmar que esta é a melhor forma detrabalhar na escola. Apesar de, à se-melhança das colegas, admitir queainda se pode melhorar o trabalhorealizado, a opinião geral é de que se"caminha no bom sentido".

Uma "escola diferente"

A EBI da Barranha oferece um con-junto de actividades extra-curricula-

res que funcionam diariamente das8,30 às 18,30, ao longo de todo oano lectivo, onde se inclui expres-são dramática, canto coral, ranchofolclórico, prática desportiva, bemcomo clubes dedicados às novastecnologias e à ecologia. É uma ma-neira de atrair os miúdos à escolafora do período normal de aulas,ajudando a torná-la um bocadinhomais "deles".

Para complementar esta ofertaexiste também um centro de recur-sos, equipado com uma biblioteca -integrada na rede nacional criada pe-lo ministério da educação - e um es-paço polivalente que inclui uma áreacom computadores de livre acesso.A sala é confortável, tem uma boa lu-minosidade, não admirando, por is-so, que pelo menos uma dúzia demiúdos de diferentes idades se en-tretivessem a pesquisar informação,a ler ou a jogar quando lá entramos.

Foi lá que travamos conhecimen-to com a Cláudia, o André e a Da-niela, alunos do 7º ano, todos com13 anos, com quem conversamossobre as especificidades de uma es-cola integrada e do modo como elamarca o percurso escolar. A curiosi-dade acerca do relacionamentocom os miúdos do pré-escolar éinevitável, tendo sido a primeiraquestão lançada pelo jornalista.

A Cláudia, a mais espontânea dostrês, inicia com facilidade a conversa."É giro... Eu gosto muito de criançase não me importo nada de convivercom eles. São queridos e é por issoque os alunos mais velhos os prote-gem sempre", diz com um grandesorriso, numa opinião aparentementepartilhada pelos colegas. O convíviointergeracional, aliás parece ter efei-tos positivos sobre o relacionamentoentre os alunos, já que por aqui oscasos de indisciplina são raros.

Sente-se pelo discurso que o re-lacionamento com os professores éde grande proximidade. Contam queas professoras dos anos anterioresgostam de se informar acerca do seupercurso, e eles próprios - mais aCláudia e a Daniela do que o André,rapaz de poucas palavras - admitemgostar de lhes contar as últimas no-vidades, partilhando, por exemplo,os resultados dos testes ou a opi-nião acerca de uma nova professora.Enfim, "uma escola diferente", comoresume a Daniela, garantindo quenão a trocava por outra.

Page 27: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

olhares de fora

PROTAGONISTASMargareth Martins de AraujoUniversidade Federal

Fluminense,

Rio de Janeiro, Brasil

27a páginada educaçãoabril 2003

© is

to é

1º ciclo 3 638 7252º ciclo 1 300 1503º ciclo 1 126 989

Ensino Secundário 1 620 816Ensino Médio 80 173

Ensino Superior 1 113 452Analfabetos com mais

de 10 anos 838 140

Fonte

INE, Censos 2001 NÓS e os outros

As habilitações dos portugueses expressas em números

1º ciclo

2º ciclo

3º ciclo

Ensino Secundário

Ensino Médio

Ensino Superior

Analfabetos com mais de 10 anos

500.000 1.000.000 1.500.000 2.000.000 2.500.000 3.500.000 4.000.000 4.500.000

Venho desenvolvendo, nos últimosanos, uma pesquisa junto às crian-ças-trabalhadoras, no Município deDuque de Caxias, na Baixada Flumi-nense. São crianças oriundas de fa-mílias com renda mensal inferior a80 reais. e, portanto, necessitamtrabalhar para auxiliar na rendamensal familiar. O constrangimentomoral, humano, ético e social a queforam expostas nos últimos anos,através de sucessivos planos eco-nômicos, aliado ao descaso do po-der público para com a parcela me-nos favorecida da população, alémde altas taxas de desemprego, fize-ram com que aprendessem a lutar,para sobreviver, combatendo a si-tuação hostil e de indigência a queforam submetidas.

Neste artigo as crianças dizem oque pensam a respeito do trabalhoinfantil e da escola, além de falaremde seus sonhos.

É recorrente o discurso da aspi-ração por um futuro melhor, paraelas e para seus familiares.

«Não gosto de faltar às aulas.Minha mãe também não gosta queeu falte. Sei que a escola é impor-tante para mim e que preciso estu-dar mas, quando olho no armário evejo que está faltando comida, voupara a rua trabalhar e por isso faltoà escola. Penso que posso recupe-rar a aula, mas sem comida não dápra ficar. O dinheiro da minha mãenão dá para quase nada. Ela se ma-ta de tanto trabalhar e o dinheironunca chega, Aí, é a hora em quechego à conclusão de que ela pre-cisa de mim, do meu trabalho, paraajudar a botar as coisas lá em ca-sa. Não digo para ela que falto àescola. Ela briga comigo se souber.Faço tudo por conta própria, semque ela saiba. Quando ela vê, a co-mida já está lá.. Quando perguntasobre a escola, mostro o bilheteque eu mesmo faço, dizendo quenão teve aula.»

Quem são e o que pensamas crianças-trabalhadoras?

Neste artigo as crianças dizem o que pensam a respeito do trabalho infantil

e da escola, além de falarem de seus sonhos.

Sérgio tem 13 anos e cursa o se-gundo ano do ensino fundamentalpela terceira vez. Sua fala revela oalto grau de responsabilidade paracom sua família e, porque não di-zer, para consigo mesmo. Percebeseu trabalho como de fundamentalimportância para a subsistência dafamília, sacrifica seus estudos paraque a alimentação não falte. Fazmais, escreve bilhetes por sua mãee pela escola, como ao informarnão haver aula naquele dia. Toma adecisão que julga ser acertada pa-ra o momento, coloca em riscoseus estudos para solucionar comopode a situação de penúria em quesua família vive.

Sérgio se vale do que Certeaudenomina astúcia e eu, teimosa-mente, denomino inteligência. Sér-gio analisa a situação, traça planose avalia freqüentemente o fruto desuas atitudes. Pensa, fala e age, namaioria das vezes, como uma pes-soa adulta. Chama-me a atenção oalto grau de responsabilidade de-monstrado por ele, característicadesenvolvida ao longo de muitosanos de sofrimento e de privaçõesde toda a sorte.

O que o faz reagir assim? Porque não se revolta ou se coloca nasituação de vítima? Seria por cau-sa da família? Apesar de tudo, Sér-gio é alegre e bem humorado. Seacredita capaz de escrever uma ou-tra história para si e para sua família.Luta com coragem e não desanima.Não se mostra submisso, enfrentan-do corajosamente as situações comque se defronta

Sérgio me ajuda a refletir umpouco mais sobre o trabalho infan-til, me ensinando, ao contrário doque a maioria das pessoas pensa,que seus familiares acompanhamsua vida escolar, não o exploram eainda nutrem a esperança da im-portância da escola para mudar avida de seus filhos

Page 28: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

28a páginada educaçãoabril 2003

olhares de fora

solta

O número de analfabetos na Chinaaumenta anualmente em cerca demeio milhão, estimando-se queexistam actualmente cerca de 85milhões de pessoas que não sabemler nem escrever naquele país, refe-re recentemente o jornal ZhongguoQingnian Bao.

Com o aumento da população flu-tuante, um novo tipo de analfabetis-mo surgiu. Os filhos dos camponen-

ses que emigram para as cidadessão muitas vezes excluídos do siste-ma escolar porque as escolas sãodemasiado dispendiosas para estanova mão-de-obra barata e explora-da. Isto, porque pelo facto não teremestatuto de residentes permanentesos emigrantes são obrigados a pagaruma taxa educativa suplementar.

O ensino primário não está genera-lizado em cerca de duzentos distritos

e metade dos analfabetos chinesesestá concentrada em nove provínciase regiões autónomas do interior oestedo país - Tibete, Qinghai, Guizhou,Gansu, Yunnan, Ningxia, Xinjiang,Mongólia interior e Shaanxi -, onde vi-ve apenas 15% da população. Dos 85milhões de analfabetos, 55 milhões,quase um terço, são mulheres.

O analfabetismo na China caíunos últimos 50 anos de 80% para

8,72% da população adulta. Apesardisso, o problema parece estar aressurgir em força. "Em certas zo-nas do interior cada vez mais rapari-gas abandonam os estudos preco-cemente e a situação está a atingirproporções graves", refere aindaaquele jornal.

Fonte: AFP

Face a um conceito rígido que pre-tendendo respeitar todas e cadauma das culturas, as acaba parali-sando e isolando umas das outras,não considerando sua evoluçãoatravés, precisamente, do contactoentre elas, torna-se imperioso umposicionamento claro da educaçãointercultural. Tal contacto, evidente-mente, deve ocorrer em condiçõesde igualdade e justiça, não de domi-nação/subordinação.

Daí que a educação interculturalnão possa assumir toda a responsa-bilidade na implementação destajustiça social necessária, mas podesim, mediante os mecanismos pe-dagógicos e escolares, propiciar es-ta interacção dialógica entre cultu-ras, num clima democrático que de-fenda o direito à diversidade nomarco da igualdade de oportunida-des, flexibilizando os modelos cultu-rais que se transmitem na escola.

Ela possibilitaria aos alunos dis-porem de uma maior riqueza de co-nhecimentos e valores culturais, pró-prio e alheios, enriquecendo crítica ereflexivamente não só seu desenvol-vimento integral enquanto pessoasmas também propiciando sua cons-cientização e acção social solidária.

Daí que a educação interculturalnão possa assumir toda a responsa-bilidade na implementação destajustiça social necessária, mas podesim, mediante os mecanismos pe-dagógicos e escolares, propiciar es-ta interacção dialógica entre cultu-ras, num clima democrático que de-fenda o direito à diversidade nomarco da igualdade de oportunida-des, flexibilizando os modelos cultu-rais que se transmitem na escola.

Nós, professores, sabemos que

OFNI’SJosé de Sousa Miguel Lopes

[email protected]

Universidade do Leste de

Minas Gerais, Brasil

a descoberta do outro passa necessariamentepela descoberta de si mesmo

Meio milhão de novos analfabetos todos os anos na China

A educação intercultural não assume toda a responsabilidade pela justiça social, mas pode, através dos mecanismos

pedagógicos e escolares, proporcionar a interacção entre culturas, num clima democrático capaz de defender

o direito à diversidade no quadro da igualdade de oportunidades

Educação intercultural

não somos independentes; que so-mos sujeitos sociais, determinadospela sociedade. Sabemos tambémque, apesar da determinação social,há em todos a condição inédita desermos uma consciência que trocacomo meio e, ao mesmo tempo,transforma esse meio e se transfor-ma. Sabemos que o outro também éassim e, nessa condição, interagi-mos com todos os outros. Sabemosque se todos criamos ao mesmotempo, sem acordo, colocamos omundo comum em risco. Dessa for-ma, estamos sempre construindo

acordos para fazermos juntos o me-lhor para todos. Esse é o nosso idealcomo educadores.

Esse ideal nos informa da relaçãocomplexa entre o “eu” professor,conservador e criador, e o “eu” aluno,que deve criar uma forma pessoal deaprender o que foi conservado porvárias gerações, para criar um mun-do melhor. Essa é a nossa tarefa.

Desde tenra idade, a escola, aagência por excelência do processode educação, deve, aproveitar to-das as ocasiões para uma duplaaprendizagem: por um lado, trans-

mitir conhecimentos sobre a diversi-dade de espécie humana e, por ou-tro lado, levar as pessoas a tomarconsciência das semelhanças e dainterdependência entre todos os se-res humanos do planeta.

Na nossa sala de aula, quantasvezes nos deparamos com aconteci-mentos completamente imprevis-tos? Quantos alunos insistem empermanecer diferentes? Quantosplanos não resistem ao quotidiano?Quantas vezes nós mesmos nos sur-preendemos com nossas própriasatitudes? Como educadores, quan-tas vezes criamos na sala de aula enos surpreendemos com o que fala-mos e fazemos! E quantas vezes es-timulamos nossos alunos para criar,e eles nos mostram uma capacidadedesconhecida! A novidade pode nosempolgar, nos estimular, nos entu-siasmar, fazendo com que o quoti-diano ganhe um novo significado.

Passando a descoberta do outro,necessariamente, pela descobertade si mesmo, e por dar à criança, aoadolescente e também ao adultouma visão ajustada do mundo, aeducação intercultural, seja ela dadapela família, pela comunidade ou pe-la escola, deve antes de mais nadaajudá-los a descobrir-se a si mes-mos. Só então poderão, verdadeira-mente, pôr-se no lugar dos outros ecompreender as suas reacções. De-senvolver esta atitude de empatia, naescola, é muito útil para os compor-tamentos sociais ao longo de toda avida. Ensinando as crianças, aos jo-vens e adultos a perspectivas dosoutros grupos étnicos ou religiosospodem evitar-se incompreensõesgeradoras de ódios e violência.

© is

to é

Page 29: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

29a páginada educaçãoabril 2003

olhares de fora©

isto

é

solta

Aula de sentimentos na Universidade de Siena

Tem o entusiasmo jovial de quemama a profissão. De quem talveznunca se sentisse realizada a fazeroutra coisa que não ensinar. Um diaalguém lhe disse que ser professorera “ser sempre jovem”. Ela acreditapiamente que sim: “Estou sempre apar da música, dos gostos e da gíriados mais novos. Por isso acho quevou envelhecer sem perder a noçãodo que é a juventude. Isso não é umprivilégio?” A questão fica no ar.Mas o sorriso assertivo de CláudiaMonteiro, professora de Portuguêse Inglês no Grande Colégio Univer-sal do Porto, não deixa dúvidasquanto à resposta.

A vontade de ser professora sur-giu da admiração que sentia porquem a ensinava. Razão pela qualacredita que o professor deve “serum modelo de conduta” para osalunos. É isso que tenta ser. Porqueentende que a sua função vai muitoalém do ensino das línguas: “A ma-téria que ensino nas aulas os alunospodem lê-la nos livros, aquilo queeu sou, o modo como estou e osvalores que defendo só os podem‘ler’ em mim”.

Aos 25 anos, Cláudia considera-se uma pessoa de “sorte” por tercomeçado a dar aulas no colégio lo-go após a profissionalização, hádois anos. Como qualquer outroprofessor, aspira a mais estabilidadeprofissional: “O ideal seria a efecti-vação”, observa. “Mas estou a fazero que gosto e ainda sou remunera-da”, esclarece dizendo que isso já afaz sentir uma “privilegiada”.

Eternamente jovemSobretudo quando pensa na ins-

tabilidade e no desemprego típicosda classe docente. “Ver os colegasde curso a trabalhar em lojas de tele-comunicações é das coisas mais re-voltantes que pode existir”, lamentaCláudia. Na sua opinião, a situaçãoderiva de um “contra-senso” existen-te no sistema de colocações no ensi-no público, e relaciona-se com aconcorrência entre professores for-mados em universidades privadas epúblicas. Por isso a professora apon-ta o dedo ao Ministério da Educação.

“Partindo do princípio que os pro-fessores que se formam nas univer-sidades privadas não tiveram médiapara entrar nas públicas, como é queno final dos seus cursos eles conse-guem ter médias altíssimas e ser co-locados no ensino público?” A ques-tão não é nova. Mas, assegura Cláu-dia, está a criar “atritos” entre pro-fessores. E a aumentar o clima decompetitividade.

A vida familiar de Cláudia fica ain-da mais condicionada pelo facto deo marido ser também professor. Os‘TPC’s’ de ambos obrigam a uma“gestão cuidada”. O tempo de corri-gir testes e preparar aulas tem deser sincronizado. “Temos de ter doiscomputadores”, explica sem dra-matismos. “Mas somos um casalcom sorte: gostamos de ensinar eisso realiza-nos. E para mim não hánada mais gratificante do que ouvirum aluno dizer aos pais: Esta é a mi-nha professora!”

A Comissão Europeia lançou recen-temente um novo sítio da internet in-titulado "www.ploteus.net", atravésdo qual se pode aceder a informa-ção relativa aos sistemas educativosde trinta países europeus, possibili-dades de formação no estrangeiro,permutas universitárias e contactos.

"Mudar de país e estudar no es-trangeiro já não é algo apenas ao al-cance de um determinado grupo so-cial ou classe etária. Encorajo todosos europeus a fazerem uso deste sí-tio", referiu durante a cerimónia deapresentação a Comissária euro-peia para a área da Educação, Vivia-ne Reding.

Fonte: AFP

A prestigiada Universidade deSiena, situada na província daToscana, no norte da Itália, in-cluiu no seu programa curricularde 2003 uma nova cadeira cha-mada "Cultura e consciênciados sentimentos e das sensa-ções", anunciou recentementea instituição. As 120 horas decarga lectiva desta matéria, dis-tribuídas por sete meses, con-tam para a obtenção de um di-ploma e estão abertas a todos,em particular a professores eeducadores, psicólogos, soció-logos, médicos, assistentes so-ciais, enfermeiros, algumas dasprofissões que requerem maiorcontacto afectivo e pessoal.

"A expressão dos sentimen-tos e das emoções pessoais éhoje mais problemática do que

Novo sítio da internet

sobre a educaçãoe a formação

na Europanoutros tempos", explica o so-ciólogo Enrico Cheli, coordena-dor da cadeira. Na sua opinião, amaior liberdade para expressaros sentimentos de que hoje sedisfruta não é acompanhada pe-la facilidade em expressá-losadequadamente". Assim, alémde abordar as raízes sócio-cul-turais, religiosas e filosóficas daseparação entre a racionalidadee o sentimento na civilizaçãoocidental, o curso prevê o estu-do de métodos e de instrumen-tos de intervenção destinados arevalorizar os sentimentos e areconciliá-los com os diversosaspectos da vida.

Fonte: AFP

Apesar de não ter encontradograndes diferenças entre o que jul-gava ser ensinar e a prática do ensi-no, Cláudia ficou desiludida com umdos aspectos da profissão. “Acheique os professores trabalhavammais em conjunto, porque foi essa aexperiência que tive durante o meuestágio.” Outra das coisas que a in-comoda é perceber que “ainda hámuita gente a pensar que ser pro-fessor é ter três meses de férias”. A professora contesta: “Passo meta-

de dos meus fins-de--semana a tra-balhar.”

VIDASAndreia Lobo

Page 30: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

30a páginada educaçãoabril 2003

olhares de fora

QUOTIDIANOMaria Gabriel Cruz

Universidade

de Trás-os-Montes e Alto

Douro,UTAD,Vila Real.

Meu querido puto,

Andas a brincar na tua bicicleta de

duas rodas, pelas ruas do bairro. Ris e

pareces muito feliz e contente. Até lar-

gaste as fraldas, por pensares ser

adulto ao manipulares a tua bicicleta.

Corres e não só ris, como atacas. Ata-

cas qual carga de cavalaria, perante

um inimigo imaginário, esse que é de-

senhado pela tua ideia da guerra. Pa-

ra ti, a guerra passa por ser uma brin-

cadeira. E ainda bem. Porque, meu

puto, seria bom que a guerra fosse

uma brincadeira e não essa realidade

espantosa, dura e terrível, que vês re-

flectida na cara dos teus pais. Uma

cara de tristeza e de depressão. Pala-

vras que nem entendes, como não de-

ves entender a palavra guerra.

A guerra, meu rapaz, é a tramóia pe-

la qual os adultos trepam. Trepam e rep-

tam, na procura de abater os que consi-

deram seus inimigos. O que é ser inimi-

go, deves pensar. Se tu apenas tens os

outros rapazes do bairro, para te em-

prestarem berlindes, piões e vídeos, a

convidarem-te para guloseimas e tam-

bém para casa dos seus pais a beberes

um copo de leite. Mas, se eu oiço o que

Alice Miller, diz no seu texto Expliquem o

terror às crianças, não posso expor-me

a que me vejas triste e sem motivos evi-

dentes para ti. Alice Miller, ao responder

a uma pergunta sobre os efeitos da tele-

visão na mente dos mais novos, quando

se fala da guerra no Afeganistão, da pro-

metida guerra contra um ditador e o seu

povo, diz que essas imagens não são

traumáticas por não afectarem a exis-

tência física de pessoas como tu ou da

tua família. No entanto, acrescenta que

se tu ou os teus amigos foram espanca-

dos e humilhados em pequenos, as ima-

gens da guerra trazem-vos lembranças

de uma outra memória de experiências

traumáticas sofridas pela mão das pes-

soas que vos são queridas e respeita-

das, como docentes ou outros adultos

perto de ti. Se para andares de bicicleta,

o avô berrou, gritou e empurrou, até fi-

cares sem desejos de te chegares ao ar-

tefacto que, felizmente, te dá prazer,

porque nada disso aconteceu contigo,

nem com os teus amigos. Tens a sorte

de viveres num lugar de paz e refugio,

nos braços dos teus pais. Felizmente,

quando vês imagens da guerra, na tua

casa, és convidado a desenhar o que

vês, o que contam as histórias, por que

é que os senhores do mundo desejam

esmagar os proprietários de um tesouro

diferente do da Ilha Encantada que leste

no livro de Robert Lewis Stevenson,

Treasure Island de 1888. Esse encanto

de romance que faz a tua imaginação

voar por cima do facto das mortes de

crianças como tu, pais e mães como os

teus, ou amigos da tua casa.

Doa ou não, devo dizer-te que o

mundo está em guerra e que muita pe-

quenada está a morrer. Devo contar-te

essas tristezas para que, pelo menos,

confies em mim, porque eu confio em ti

ao não disfarçar a realidade contada

por tantas pessoas, vistas nas fotos

dos jornais e emissões televisivas. Vês

figuras hierárquicas em debate, um dia

a dizerem sim para esmagar, e no outro

a dizerem não, para angariar apoios

nos seus planos de genocídio e a mor-

te maciça de adultos. Para ficarem com

as riquezas deles. Para guardarem os

tesouros dos outros dentro dos seus

bolsos. A guerra, meu filho, é o acto

mais sangrento passível de acontecer,

por subordinar ao terrorismo dos que

têm mais força, os inocentes que vão

ao altar do sacrifício, os seres humanos

não possuidores de outros bens além

dos seus próprios corpos, memória,

ideais, família, princípios e objectivos

de vida. É duro dizer-te isto, mas sei que

é melhor que o saibas por mim e não

por teorias que tencionam retirar o me-

do do teu real, na base de modelos so-

cialmente construídos. Longe do teu

andar sem fraldas e de bicicleta de duas

rodas, na paz da tua rua e no jardim, teu

e de teus pais. Deves saber que os que

atacam, dentro de um mesmo país ou

de fora, são pessoas que não viveram a

alegria que tu vives ao pé dos teus que

tanto carinho te têem dado. Pessoas

não apenas sem bicicleta, mas pessoas

magoadas na idade mais tenra, sem os

seus adultos saberem o mal que lhes fa-

ziam, quer à criança, quer à sociedade,

quando mais tarde essa pequenada

cresce, fica adulta e com poder.

Ninguém nasce mau. Ninguém herda

o mal. O mal é fabricado pela relação

dos adultos com e para as crianças,

adultos enraivecidos a tomarem conta

de putos como tu, doce e meigo, a deci-

direm se tiras as fraldas porque os teus

amigos também as tiraram, ou porque é

o melhor para ti. Os teus amigos têm bi-

cicletas e tu também, trocam esse brin-

quedo, o mais amado do mundo para ti,

por te permitir voares e competir com os

outros, na calma do lar. Mas, meu puto,

é um lar ameaçado pelas consequên-

cias da guerra que faz os preços dispa-

rarem, ficamos sem recursos e sofre-

mos a morte dos inocentes, porque os

senhores do mundo, assim o pensaram.

Toda a criança é inocente e pura, capaz

de entender o que o rodeias, se os seus

adultos, queridos por eles, lhes explica-

rem o que está a acontecer. Eu falo con-

tigo, na medida que tu perguntas. Alice

Miller diria que o que faz mal, é ocultar a

todos vós como é possível configurar o

mal, fabricar a maldade.

É à tua inocência que falo, uma ino-

cência que vive no meio de um mundo

que luta para entesourar e para poder

mandar sobre os que parecem mais

fracos. Uma inocência que é meu de-

ver preservar, ao explicar-te o real, ca-

da vez que perguntas ou vês noticiá-

rios a mostrarem as calamidades do

mundo no qual vivemos, ouves na rua,

ou entendes o que os adultos e outros

graúdos falam perto de ti. Mau pai se-

ria eu, se não fosse capaz de explicar

de forma directa e simples, o mal que

acontece dentro do nosso mundo. Fa-

lando com carinho e palavras simples.

Mas, falando. Como é o meu dever de

adulto para ti. Não desejo mais socie-

dades que lutem umas contra as ou-

tras. Para despertar essas pessoas,

era e é necessário, dizer a verdade du-

ra e crua, para assim ficar limpa para

ti. E para todos os adultos entenderem

que ocultar a verdade é o pior mal que

pode acontecer na nossa vida, que é

curta e problemática, mas este é mais

um problema para o adulto te dizer.

Um beijo meigo do teu

Nota: baseei as minhas ideias no meu trabalho de campo e

em dois textos de Alice Miller retirados da NET: “The igno-

rance or How we produce the Evil” e “Tell children the truth

about Terror”, que recomendo para os adultos lerem. E nas

minhas próprias emoções, devastadas pelo anuncio de uma

guerra que ninguém quer.

DA criançaRaúl Iturra

[email protected]

ISCTE/CEAS

Amnistia Internacional

GUERRA!©

isto

é

Uma carta para os meus descendentes

Sociedade de Guerra, de confronto, sendo a Guerra o acto por excelência mais bru-

tal de todos, a negação da nossa Humanidade, Guerra que impõe e implica a total

ausência de diálogo, de comunicação entre os seres humanos, Guerra que mais uma

vez nos faz duvidar da famosa classificação que um dia alguém deu aos Humanos:

"Homo Sapiens Sapiens"... Sapiens? Onde anda a sabedoria dos que matam com

mais eficácia, dos que vão depredando recursos em busca de armas, mais armas,

armas mais eficazes. Sabe-se que com o que se gasta na pesquisa armamentista po-

deriam tantos lucrar tanto: seria a Globalização do Humano, do Conhecimento, em

vez da continuação do terror, do terrorismo, da fome da doença da subnutrição. "O

que se globaliza é o devaneio", disse um dia Carlos Fuentes, não é a cultura, o res-

peito pelo outro. A Escola é também alvo da Bomba, o Hospital, a fábrica, tudo o que

pode melhorar as condições de vida das pessoas pode também ser arrasado.

Depois nova desordem surge, e urge instaurar outra ordem, pela força dos tiros.

Sem vigilância e punição não conhecemos Poder. O Poder Humano baseia-se nis-

so: vigiar e punir (disse-o Michel Foucault). É possível que seja assim para sempre,

mas enquanto vivemos vamos trabalhando com os alunos uma forma de ser que

divirja desta. É difícil, mas não é impossível: a famosa Educação para a Paz, para

o diálogo intercultural.

Guerra?

Page 31: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

31a páginada educaçãoabril 2003

olhares de fora

Uma equipa de cientistas russos ejaponeses quer ressuscitar os ma-mutes, uma espécie desaparecidahá milhares de anos, extraíndo res-tos congelados de ADN dos gigan-tescos elefantes pré-históricos. Atéagora, porém, ainda não foram bemsucedidos em retirar do solo geladosiberiano material genético que pos-sa ser utilizado neste empreendi-mento. Porém, o homem que con-cebeu este projecto, o cientista Ka-zufumi Goto, não desanima. "É tec-nicamente possível se obtivermos

uma amostra de DNA em boas con-dições", declara o ex-professor defisiologia reprodutiva da Universida-de de Kgoshima, no sul do Japão.

A ideia é produzir um animal hí-brido de mamute e de elefante, utili-zando o DNA de um mamute daépoca glaciar inseminado artificial-mente numa fêmea de elefante. Oscientistas não procuram criar umclone, mas um híbrido, consideran-do que sucessivas gerações de hí-bridos de mamute e de elefante pro-duzirão um animal cada vez mais

parecido com o mamute original."As pessoas têm tendência a

comparar este projecto com um 'Ju-rassic Park', mas a ciência está ac-tualmente muito longe de poder re-constituir o DNA decomposto", ex-plica o cientista.

"Há uma região desabitada situa-da em torno de Chersky, ao norte dapenínsula de Kamchatka, no extremoleste da Rússia, na qual a natureza foipreservada tal como era na época dopleosceno", afirma Yukiko Tokunaga,director da empresa Field, com sede

em Miyazaki, no sul do Japão, quedirige a empresa de criação de ma-mutes, em associação com um gru-po de biólogos. Foram já realizadasduas expedições, em 1997 e 1999,para procurar restos de mamutes naSibéria. A equipa conseguiu trazerpara o Japão a pele congelada de ummamute com cerca de 26 mil anos deidade, da qual extraíu DNA que, noentanto, demonstrou estar comple-tamente fora do prazo de validade.

Fonte: AFP solta

Cientistas japoneses e russos querem ressuscitar os mamutes

EDUCAÇÃO e cidadaniaOtília Monteiro Fernandes Universidade

de Trás-os-Montes

e Alto Douro, Chaves

Uma das constatações banais doquotidiano são as semelhanças mastambém as diferenças existentes en-tre os membros de uma fratria. Osestudos não são unânimes mas, porexemplo, alguns autores encontra-ram correlações de .15 a .25 para ostraços de personalidade, entre ir-mãos geneticamente aparentados eque viveram juntos durante os pri-meiros anos de vida; enquanto que,na psicopatologia (esquizofrenias,desordens neuróticas, alcoolismo,etc.), vários estudos referem que osriscos de morbilidade para os irmãossão, em média, abaixo dos 20%. Oque parece provar que os irmãos sãomais diferentes do que semelhantes,nos mais diversos aspectos.

Parece, pois, que os irmãos diferemconsideravelmente uns dos outros,apesar de crescerem na «mesma» fa-mília. A família, durante muito tempo,foi considerada como um bloco mo-nólito de experiências que seriam par-tilhadas de maneira idêntica por todosos seus membros. Hoje pensa-se ocontrário: que «a família não é a mes-ma para cada um dos filhos».

Factores como as característicasparentais (sejam as atitudes educati-vas, a classe social, etc.) e o sistemaescolar têm sido, tradicionalmente,considerados como exemplos defactores partilhados. Mas, analisan-do mais de perto a questão, sabe-sebem como os pais, por exemplo, secomportam diferentemente em rela-ção a cada um dos filhos; e como,mesmo quando as suas atitudes sãomuito semelhantes relativamente atodos eles, elas são sempre percebi-das diferentemente por cada um dosirmãos. Entre outras razões porque:

© is

to é

A família desigual… Os irmãos diferem consideravelmente uns dos outros, apesar de crescerem

na «mesma» família. A família, durante muito tempo, foi considerada como um bloco monólito de experiências que seriam partilhadas de maneira idêntica por todos os seus membros.

Hoje pensa-se o contrário: que «a família não é a mesma para cada um dos filhos».

1) cada um dos filhos tem uma rela-ção diferente com cada um dos pais;2) quotidianamente, os aconteci-mentos familiares nunca têm exacta-mente a mesma leitura para os di-versos protagonistas em jogo, crian-do, por isso, contextos diferentespara cada um deles (entre outras ra-zões, os filhos têm idades/níveis dedesenvolvimento diferentes e, por is-so, interpretam diferentemente oscomportamentos parentais: porexemplo, uma criança pequena po-de interpretar a saída de casa do pai,após o divórcio, como uma conse-quência do seu próprio comporta-mento, enquanto que o irmão maisvelho, um adolescente, já não incor-re nesse «erro»).

Pode dizer-se então que, fora al-guns valores e mitos familiares, pou-cas coisas são inteiramente parti-lhadas pelos irmãos. Daí que seconsidere pouco relevante, para odesenvolvimento, o meio partilhado

(e, sobretudo, para o desenvolvi-mento diferenciado dos irmãos: omeio partilhado, porque é partilha-do, induz semelhanças e não dife-renças). E se tenha dado ênfase aomeio não-partilhado, isto é, aos fac-tores ambientais que agem de ma-neira diferente sobre cada uma dascrianças de uma «mesma» família.

No meio não-partilhado estará,então, a resposta para muitas dasdiferenças entre os irmãos. Ele podedefinir-se como sendo constituídopor todas as experiências específi-cas individuais que cada um tem noseio da família e fora dela.

O tratamento parental diferencia-do aparece como o factor que maispotencia (e é potenciado por) essasdiferenças entre os irmãos, embora afratria «per se» desempenhe, tam-bém, um papel importante, assim co-mo as experiências não-partilhadasque se exercem fora do círculo familiare aquelas que são devidas ao acaso.

Nos factores relativos à fratria, aordem de nascimento é um podero-so aspecto diferenciador entre os ir-mãos (sobretudo pelos papéis quesão inerentes a cada posição frater-nal e pelas consequentes expectati-vas parentais), mas há que ter emconta, também, todos os outrosdescritores da constelação fraternal:o sexo dos irmãos, o espaçamentoentre eles e o tamanho da fratria.

Ou seja: esta nova concepção defamília como meio não-partilhadoimplica que, mais do que analisar asua influência numa base familiar,convém colocá-la à escala do indiví-duo. Isto é, se quisermos perceberas influências do meio no comporta-mento, temos de estudar mais doque uma criança por família. Investi-gar as influências do meio «dentro»da família é mais profícuo do que in-vestigá-las «entre» famílias. Por ou-tras palavras: comparar uma criançaque experimentou menos amor como seu irmão é mais importante quecomparar essa criança com outraque vive na rua, não só para des-vendarmos os segredos das influên-cias do meio no desenvolvimento(normal e anormal) dos irmãos mastambém de todas as crianças.

E deste modo talvez possamospercebermos melhor as origens degrande parte das diferenças existen-tes entre os indivíduos. Ou não fossea família (tenha ela a configuraçãoque tiver) o primeiro e mais importan-te meio onde nos desenvolvemos.

Nota: Este artigo é um extracto, ligeiramente alte-rado, do livro da autora recentemente publicado:«Semelhanças e diferenças entre irmãos», Lisboa:CLIMEPSI Editores, 2002.

Page 32: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

32a páginada educaçãoabril 2003

olhares de fora

ONGAndreia Lobo

“Não temos nada contra o álcool.” À primeiraleitura, a frase de Joaquim, membro dos Alcoó-licos Anónimos (AA) na região do Grande Porto,pode parecer contraditória. Mas não é. Serveapenas para esclarecer que o movimento não éfundamentalista em relação ao consumo de ál-cool pela generalidade da população. Portugalocupa o segundo lugar no ranking da União Eu-ropeia relativo ao consumo de álcool per capitaem indivíduos com mais de 15 anos: 10.8 litros.É o terceiro consumidor mundial. “Há gente quebebe um ou dois copos e consegue parar antesde perder a sobriedade. Para esses o álcool éapenas mais uma bebida. Para mim é um vene-no”, constata Joaquim. O mesmo poderão dizeros 2 milhões de homens e mulheres que em1996 faziam parte dos Alcoólicos Anónimos es-palhados por todo o mundo.

Joaquim é um nome fictício. A razão porquepede anonimato, para si e para todos os mem-bros que derem entrevistas “não é por vergo-nha de pertencer aos AA”. É apenas uma formade evitar que a “exposição” aos media possacomprometer toda a comunidade queconstitui os AA no caso do membro quedeu a entrevista poder vir a ter uma recaí-da. “Ninguém está imune a ela, quer estejasóbrio há 40 quer há 3 anos”, explica Joa-quim, 51 anos,abstémio há 20. Oque mostra o

Alc

oólicos

Anónim

os

Alcoólicos AnónimosEscritórios de Serviços GeraisApartado 43311521-997 LisboaTelefone: 21 716 2969Contactos na região NorteTelefone: 22 208 8126

quão é essencial que ca-da alcoólico anónimo tome cons-

ciência de que nunca poderá dizer que está“completamente curado”. Pode sim, aprendera rejeitar o álcool.

A sobriedade é conseguida dia após diacom a ajuda de todos os que frequentam asreuniões dos grupos de AA. Em Portugal conti-nental e ilhas existem 86 e funcionam como co-munidades de entreajuda, onde a partilha deexperiências funciona como uma terapia, ecumprem a função de encorajar os membros arejeitar todo e qualquer tipo de bebidas alcoóli-cas. É nestas reuniões que reside o centro ne-vrálgico da actuação dos AA e que consisteapenas – sublinha Joaquim – em “ajudar o al-coólico a ajudar-se a si mesmo”.

Foi o que aconteceu com Carla, 35 anos, só-bria há três. Sobre a sua experiência com o ál-cool diz que bebeu até transformar a sua vida ea da família num “calvário”. “Escondia a bebi-da, a minha filha fixava os sítios e quando omeu marido chegava a casa ela dizia-lhe ondeeram os meus esconderijos”, recorda comamargura. O marido empurrava-a para que pro-curasse ajuda, mas Carla recusava-se a admitir

que tinha uma “doença” chamada alcoolismo.Num desses “empurrões” Carla deu por si nu-ma sala de reuniões dos AA. Foi sozinha. E en-controu lá a compreensão que “cá fora” lhe fal-tava: “Ninguém me apontou o dedo”. O que fezcom que se sentisse bem no seio do grupo, naaltura, de desconhecidos. “O mais estranho foiver aquelas pessoas a admitir que eram alcoó-licos.” Carla não admitia que era “doente”. Eessa é a condição básica para começar a recu-peração, diz Joaquim. A “falta de consciênciapara o problema” era tal que Carla confessa tertomado a medicação para a desintoxicaçãocom álcool. O que agora lhe parece um absur-do. Daí que os AA defendam que para deixar oálcool é preciso mais do que a desintoxicaçãomédica. É necessária uma ‘desintoxicação-mental’ que consiste em abandonar não só abebida, mas também os hábitos, as atitudes eos comportamentos que conduzem ao álcool.

Esta filosofia de vida não se ‘aprende’ numaúnica reunião de AA. O processo que traz a so-briedade é tão lento como o que leva ao alcolis-mo. Além disso há que contar com o inevitável:

a presença do álcoolem quase todos os espaçosdo quotidiano, seja em restau-rantes, bares, cafés, seja nas ‘reu-niões de família’. “Por isso sei que não posso an-dar a pedir às pessoas que mantenham o álcoolafastado de mim e também não posso fugir dosambientes onde ele é consumido”, constata Car-la. “Eu é que tenho de aprender a dizer não.” Atéporque, dizem os AA, a opção de abstinência nãopressupõe deixar de gostar de álcool.

A história de Joaquim é bem elucidativa doquanto a abstinência depende de uma discipli-na da vontade. “Estava em abstinência do ál-cool há dois meses quando arranjei um empre-go numa adega. Sempre sem tocar no álcoolpassei por vários laboratórios de análise de vi-nhos e com os anos fui progredindo até queatingi o topo da carreira”. Joaquim é enólogo.“Lido com vinhos de altíssimo gabarito, vou acongressos sobre vinicultura e não bebo bebi-das alcoólicas”, diz com naturalidade. Apesarde o seu percurso de abstinência durar há já 20anos, Joaquim sabe que só consegue isso por-que tem a consciência de que é não diferentedos outros alcoólicos “Basta um gole e tudopode recomeçar…”

A ideia de que a recuperaçãode um alcoólico era possívelantes que a sua saúde fossedefinitivamente prejudicadajuntou em 1935 um médico e um corretor da bolsa deNova Iorque que tinham umproblema em comum: o alcoolismo. Assim nasceramos Alcoólicos Anónimos. Organizados em mais de 94mil grupos locais constituemuma comunidade mundial dealcoólicos recuperados queatravés da ‘terapia de grupo’tentam ganhar diariamente abatalha da sobriedade.

Page 33: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

33a páginada educaçãoabril 2003

olhares de fora

Ficha Técnica

Director e Coordenador editorial José Paulo Serralheiro | EditorJoão Rita | Editor Gráfico Adriano Rangel | Redacção Andreia Loboe Ricardo Costa | Secretariado Lúcia Manadelo | Paginação--Digitalização Ricardo Eirado e Susana Lima | Fotografia JoãoRangel (Editor) | Ana Alvim | Joana Neves.

Rubricas

À Lupa Ana Maria Braga da Cruz, Comissão para a Igualdade epara os Direitos da Mulher, Lisboa. Manuela Coelho, Escola Es-pecializada de Ensino Artístico Soares dos Reis, Porto. IracemaSantos Clara, Escola Pires de Lima, Porto. | AFINAL onde está aescola? Coordenação: Regina Leite Garcia, Colaboração: Gru-palfa—pesquisa em alfabetização das classes populares, Univer-sidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. | ANDARILHODiscos: Andreia Lobo, Em Português: Leonel Cosme, investiga-dor, Porto. Galerias e palco: António Baldaia, Livros: RicardoCosta, Música: Guilhermino Monteiro, Escola Secundária doCastêlo da Maia. O Espírito e a Letra: Serafim Ferreira, escritor ecritico literário. O vício das imagens: Eduardo Jaime Torres Ri-beiro, Escola Superior Artística do Porto. Paulo Teixeira de Sou-sa, Escola Especializada de Ensino Artístico Soares dos Reis,Porto. | CARTAS aos professores convidado do mês | CARTAS deMulheres — convidada do mês | DA Ciência e da vida ClaudinaRodrigues-Pousada, Instituto de Tecnologia Química e Biologicada Universidade Nova de Lisboa. Francisco Silva, Portugal Tele-com. Rui Namorado Rosa, Universidade de Évora. | DA criançaRaúl Iturra, ISCTE Universidade de Lisboa. | DISCURSO DirectoAriana Cosme e Rui Trindade, Universidade do Porto. | Do Pri-mário José Pacheco, Escola da Ponte, Vila das Aves. | Do supe-rior Adalberto Dias de Carvalho, Universidade do Porto. AlbertoAmaral, Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior,Universidade do Porto. Bártolo Paiva Campos, Universidade doPorto. Ana Maria Seixas, Universidade de Coimbra. | E AGORAprofessor? — José Maria dos Santos Trindade, Pedro Silva e Ri-cardo Vieira, Escola Superior de Educação de Leiria. Rui Santiago,Universidade de Aveiro. Susana Faria, Escola Superior de Educa-ção de Leiria. | EDUCAÇÃO desportiva Gustavo Pires e ManuelSérgio, Universidade Técnica de Lisboa. André Escórcio, Funchal.EDUCAÇÃO e Cidadania Américo Nunes Peres, Universidade deTrás-os-Montes e Alto Douro, Chaves. Miguel Ángel Santos Guer-ra, Universidade de Málaga, Espanha. Otília Monteiro Fernandes,Universidade de Trás-os Montes e Alto Douro, Chaves. Xesús R.Jares, Universidade da Corunha, Galiza. Xurjo Torres Santomé,Universidade da Corunha, Galiza. | EDUCAÇÃO e ComunicaçãoCoordenação: Guadelupe Teresinha Bertussi, Universidade Na-cional do México. | ESTADOS Translúcidos Luís Fernandes, Uni-versidade do Porto. Luís Vasconcelos, Universidade Técnica deLisboa. Rui Tinoco, CAT-Cedofeita e Universidade Fernando Pes-soa, Porto | ÉTICA e Profissão Docente — Adalberto Dias de Car-valho, Universidade do Porto. Isabel Baptista, Universidade Por-tucalense, Porto. José António Caride Gomez, Universidade deSantiago de Compostela, Galiza. | FORA da escola também seaprende Coordenação: Nilda Alves, Universidade do Estado doRio de Janeiro UERJ, Brasil. Colaboração: Grupo de pesquisaRedes de Conhecimento em Educação e Comunicação: questãode cidadania | FORMAÇÃO e Desempenho Carlos Cardoso, Es-cola Superior de Educação de Lisboa. Manuel Matos, Universi-dade do Porto. | IMPASSES e desafíos João Barroso, Universi-dade de Lisboa. Pablo Gentili, Universidade do Estado do Rio deJaneiro, Brasil. José Alberto Correia, Universidade do Porto.Agostinho Santos Silva, Eng. Mecânico CTT. LUGARES da Edu-cação Almerindo Janela Afonso, Licínio C. Lima, Manuel AntónioFerreira da Silva e Maria Emília Vilarinho, Universidade do Minho.| OFNI´s José Catarino Soares, Instituto Politécnico de Setúbal.| OLHARES: Apontamentos José Ferreira Alves, Universidade doMinho. Registos Fernando Bessa, Universidade de Trás-os-Mon-tes e Alto Douro, Vila Real. José Miguel Lopes, Universidade doLeste de Minas Gerais, Brasil. Maria Antónia Lopes, Universida-de Mondlane, Moçambique POSTAL de: da Cidade do México,Guadelupe Teresinha Bertussi, Universidade Nacional do México.do Rio, Inês Oliveira, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.de Paris, Isabel Brites, coordenação do ensino do português emFrança. do Rio de Janeiro, Regina Leite Garcia, Universidade Fe-deral Fluminense, Brasil | QUOTIDIANOS Carlos Mota e GabrielaCruz, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real. |RECONFIGURAÇÕES Coordenação: Stephen R. Stoer e AntónioMagalhães, Universidade do Porto. Fátima Antunes, Instituto deEducação e Psicologia da Universidade do Minho.Fernanda Ro-drigues, Instituto de Solidariedade e Segurança Social e CIIE daFPCE Universidade do Porto. Roger Dale, e Susan Robertson,Universidade de Bristol, UK. Xavier Bonal, Universidade Autóno-ma de Barcelona. | SOCIEDADE e território Jacinto Rodrigues, Uni-versidade do Porto. | TECNOLOGIAS Celso Oliveira, Escola JoséMacedo Fragateiro, Ovar. Ivonaldo Neres Leite, Universidade doEstado do Rio Grande do Norte, Brasil. Luisa Carvalho e Bogusla-wa Sardinha, Escola Superior de Ciências Empresariais de Setúbal.TERRITÓRIOS & labirintos — António Mendes Lopes, InstitutoPolitécnico de Setúbal.|

Administração e Propriedade Profedições. lda · Porto Conselhode gerência Abel Macedo. João Baldaia. José Paulo Serralheiro. |Registo Comercial 49561 | Contribuinte 502675837 | Depósitolegal 51935/91 | DGCS 116075 | Administração, redacção e pu-blicidade Rua D. Manuel II, 51 – C – 2º andar – sala 2.5b — 4050-345 PORTO | Tel. 226002790 | Fax 226070531 | Correio electró-nico [email protected] | Edição na Internet www.a-pagina-da-edu-cacao.pt/ | Impressão Naveprinter, Maia | Distribuição VASP - So-ciedade de Transportes e distribuição, Embalagem AP - embala-dora, lda, Maia | Serviços Agência France Press, AFP. | Membroda Associação Portuguesa de Imprensa – AIND

ESTADOS translúcidos Luis Almeida [email protected]

Universidade de Lisboa

© is

to é

Havíamos terminado a crónica de Janeiro afirmando que a forma

como percebemos o devir – ou, melhor, como, colocados em

situações diversas, o vamos percepcionando – se constrói num

processo cuja análise torna necessária a nossa atenção à comple-

xidade dos pormenores que constituem o quotidiano. O conteúdo

desta asserção pode ser estendido à vida dos junkies.

Muito setem dito sobrea venda de objectosque, destinada à obtenção de di-nheiro para a compra de droga e muitas vezes reti-rados da própria habitação, alguns dos utilizadoresde heroína levam a cabo. As narrativas que comen-tam tais transacções tendem a apresentá-las comoactos que se esgotam em si, como actos que, porconsequência, surgem como uma antítese moraldo processo a que corresponde a aquisição dascoisas que integram os variados grupos domésti-cos. Enquanto instrumentos retóricos e performati-vos, estas histórias confirmam e reconstroem aideia de que o uso de uma droga se constitui numaespécie de fronteira que delimita um território mo-ralmente vazio e, nessa medida, atemporal: a vidados junkies resume-se à simples repetição de to-mas de heroína.

Mas alguns dos utilizadores de heroína – se qui-sermos ouvi-los – contam histórias que não corres-pondem a este estereótipo. E assim falam de objec-tos e das suas vendas, falando igualmente dos lo-cais onde as levam a cabo, das pessoas com quemos transaccionam e dos sítios onde a droga é com-prada e consumida. Ou seja, falando da centralida-de que esta veio a adquir nas suas vidas, descrevemos quadros relacionais a que corresponde uma mo-bilidade por itinerários espaciais determinados.

A título de exemplo, vejamos um caso concreto.Na sequência de uma denúncia feita por vizinhosque conheciam o uso de heroína levado a cabo porsi e pela mulher, F. contou-me como, na sequênciada intervenção de dois organismos estatais, a cus-tódia dos filhos lhes foi dolorosamente retirada,passando estes a viver com os respectivos avós. Eacrescentou: “Passei a viver só para o pó. Eu e a mi-nha mulher”. Dando pormenores sobre as profun-das modificações no respectivo quadro doméstico,

disseque só de-

pois veio a vender oseu frigorífico, que, com a au-

sência das crianças, passou a estar vazio e des-ligado. A este respeito, ocorre dizer que a di-mensão protensiva que a utilização deste objec-to encerra – que é como quem diz, a forma co-mo ele se engasta no devir – mantém um senti-do determinado quando ele se integra nas tra-jectórias espaciais correspondentes à frequên-cia dos locais onde os produtos alimentares sãoadquiridos, quando ele se inscreve em relaçõescuja dimensão qualitativa vai sendo constituídanum itinerário cognitivo que articula a decoraçãoda casa com a dimensão identitária dos respec-tivos cheiros e sabores.

Dito de outra maneira, uma mudança operadaem determinado elemento relacional é passível dese repercutir por todo o quadro no qual esse ele-mento estava imbricado. Ao mudar a acção quelhe é posterior – e, inevitavelmente, ela muda – sãotambém transformados os referentes por relaçãoaos quais o tempo é percebido. A isto chamamostemporalização.

Afirmar que a vida dos junkies é um vazio atem-poral constitui uma contradição nos termos. Ge-ralmente destituídos de qualquer capital económi-co, só podem permanecer junkies se agirem deforma a que o dinheiro de que precisam circule daposse dos não utilizadores para as suas própriasmãos. Imagine-se o que seria pedir dinheiro numaesquina de um bairro residencial, às quatro horasda madrugada. Seria tão bizarro para nós comopara um junkie. Não o fazer e, em alternativa, ar-ranjar qualquer outro “esquema” consiste numaescolha de quem mantém intactas as capacida-des para adoptar os comportamentos temporaisadequados à sua vida.

Uso de heroína e temporalização

Page 34: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

34a páginada educaçãoabril 2003

olhares de fora

A escola da nossa saudade · Luís Souta · Preço 5,00 ¤ : : A escola para todos e a excelência académica · António Magalhães ·Stephen Stoer · Preço 6,00 ¤ : : Carta de chamada: depoimento da última emigrante portuguesa em Habana · Aurélio FrancoLoredo · Preço 4,00 ¤ : : Como era quando não era o que sou: o crescimento das crianças · Raúl Iturra · Preço 5,00 ¤ : : Edu-cação intercultural: utopia ou realidade · Américo Nunes Peres · Preço 8,00 ¤ : : Escolas superiores de educação e ensino po-litécnico: uma década de debates, algumas polémicas e critica que baste · Luís Souta · Preço 3,00 ¤ : : Fiat Lux: regime disci-plinar dos alunos e regime de autonomia das escolas · Manuel Reis · Preço 3,00 ¤ : : Multiculturalidade & Educação · Luís Sou-ta · Preço 6,00 ¤ : : Orgulhosamente filhos de Rousseau · António Magalhães · Stephen Stoer · Preço 3,00 ¤ : : Paixão segundoJosé Saramago · Conceição Madruga · Preço 4,00 ¤ : : Pedagogia para a igualdade, uma escola não sexista : Iracema Santos Cla-ra · Maria Manuela Silva · Ariana Cosme · Preço 2,00 ¤ : : Por uma escola para todos · Unidade didáctica · Preço 2,00 ¤ : : Poruma pedagogia da não violência · Unidade didáctica · Preço 2,00 ¤ : : Princípios e orientações para a administração da esco-la secundária · Eurico Pina Cabral · Preço 3,00 ¤ : : Quando eu for grande quero ir à Primavera e outras histórias · José Pacheco· Preço 7,00 ¤ : : Ser igual ser diferente, encruzilhadas da identidade · Ricardo Vieira · Preço 4,00 ¤ : : Viver Abril com Zeca Afon-so · Unidade didáctica · Preço 2,00 ¤ : : Pensar o ensino básico · vários · Preço 5,00 ¤ : : Por falar em formação centrada na es-cola · Manuel Matos · Preço 6,00 ¤

Editora ProfediçõesLivros em venda directa *

Nota: Os preços indicados correspondem à venda directa e têm cerca de 50% de desconto em relação ao preço de venda nas livrarias. Podem ser enviados contra

cheque passado em nome da Profedições ou à cobrança. Os pedidos podem ser feitos por qualquer dos endereços indicados no boletim de assinatura de a PÁGINA.

Venho comunicar-vos que quero ser assinante do jornal a PÁGINA da educaçãoNome Morada Código Postal -

Assinatura por:1 ano de 2003 a de 2004 | 20 ¤

2 anos de 2003 a de 2005 | 35 ¤

Cheque nº do Banco Em nome de Profedições, lda.

Boletim de Assinatura

Pedidos de LIVROS e JORNAIS Cheques em nome de Profedições, lda.

Rua D. Manuel II, 51 C | 2º andar · sala 2.5 | 4050-345 PORTO | Tel.: 226002790 | Fax: 226070531 | E-mail: [email protected]

Pacote: 1 exemplar de cada um dos livros desta lista ( 18 títulos)- Preço único 50,00 ¤(Envie cheque em nome de Profedições. lda, no valor de 50,00 ¤ , indicado: quero receber o pacote dos livros indicados na venda directa).

1. Qual a percentagem da populaçãodos EUA na população mundial?6%.

2. Qual a percentagem do podereconómico dos EUA na riquezamundial?50%.

3. Que país tem as maiores reservasde petróleo do mundo?A Arábia Saudita.

4. Que país tem as segundas maioresreservas de petróleo do mundo?O Iraque.

5. Quanto somam os gastos militarespor ano, em todo mundo?Aproximadamente 900 biliões de euros.

6. Desse total quanto gasta o Governo dos Estados Unidos?390 biliões de euros, aprovadospelo Congresso.

7. Quantas pessoas foram mortasnas guerras realizadas desde a 2ª Guerra Mundial?86 milhões de pessoas.

8. As armas químicas que apareceram no Iraque na décadade 80, durante a guerra contra o Irão e depois em 1991, foramdesenvolvidas pelos iraquianos?Não. As fábricas e a tecnologia foram montadas e fornecidas

pelo Governo dos EUA, pela Grã-Bretanha e por empresas particulares destes países.

9. O governo dos EUA condenou ouso de gás pelo Iraque na guerracontra o Irão, na década de 80?Não.

10. Quantas pessoas o Governo deSaddam Hussein matou usandogás contra a cidade curda de Ha-labja em 1988?5 mil pessoas, todas civis.

11. Quantos governos de países do Ocidentais condenaram essa acção?Nenhum!

12. Há provas de ligação entre o Iraque e o ataque de 11de Setembro?Nenhuma.

13. Qual foi o número estimado de mortes de pessoas civis na 1ª Guerra do Golfo?35 mil.

14. Quantas baixas o exército iraquianoinfligiu às tropas ocidentais durante a 1ª Guerra do Golfo?Insignificantes.

15. Quantos soldados iraquianos em retirada foram enterrados vivos pelos tanques dos EUAequipados com lâminas de terraplanagem?6 mil soldados.

16. Quantas toneladas de urânio enriquecido foram utilizados emmunições na 1ª Guerra do Golfo?40 toneladas.

17. Qual foi, segundo a ONU, o aumento dos casos de cancro no Iraque entre 1991 e 1994?700%.

18. O Exército dos EUA destruiu que percentagem da capacidademilitar do Iraque, na guerra de 1991?80%

19. O Iraque representou uma ameaçaà paz mundial nos últimos dez anosou à soberania de algum país?Não.

20. Quantas mortes de civis o Pentá-gono prevê no ataque em 2003?10 mil

21. Quantas dessas mortes serão de crianças?Cerca de 50%.

22. Há quantos anos os EUA realizamataques aéreos e bombardeamentoscontra o Iraque?11 anos. Inclusive usando armasquímicas e biológicas, como denunciou no Fórum Social Mundial de 2003, a Irmã Sherine,da congregação dos Dominicanos.Relatórios da ONU indicam que foram utilizados nesse período cerca de 9 mil toneladas de explosivos nos ataques ao Iraque.

23. Qual era a mortalidade infantil noIraque em 1989?38 para cada mil nascidos vivos.

24. Qual era a mortalidade infantil estimada em 1999?131 por mil nascidos vivos. Um aumento de 345%.

25. Qual a estimativa de iraquianosmortos desde 1991 até Outubro de1999 devido às sanções da ONU?1,5 milhões. Cerca de 50% eramcrianças.

26. Quantas resoluções da ONU contra Israel os EUA vetaram desde 1992?30.

27. Qual o valor da ajuda anual do governo dos EUA para com o governo de Israel ?5 biliões de euros em credito paracompra de armas nos EUA.

28. Quantos países do mundo possuem armas atómicas?Oito: Estados Unidos, França, Rús-

sia, China, Inglaterra, Índia, Paquistão eIsrael.

29. Quantas ogivas nucleares possui o Iraque?Nenhuma.

30. Quantas ogivas nucleares possuem os EUA?Mais de 10 mil.

31. Quantas ogivas nuclearespossui Israel?Mais de 400.

32. Alguma vez Israel permitiu inspecções de armas pela ONU?Não.

33. Que percentagem dos territóriospalestinos está ocupado por colonatos de judeus implantadosdepois de 1991?42% do território Palestino da Cisjordania.

34. A invasão desse território por colonos trazidos pelo governo deIsrael está respaldada em algumaconvenção internacional?Não. São completamente ilegais,há resoluções da ONU a exigir asua devolução.

35. Que país constitui maior ameaça àpaz mundial: o Iraque ou os EUA?A responda depende da informação que se possui.

POSTAL de lugardesconhecido

Autor e lugar desconhecido

Custos da assinatura:Por 1 ano 20 eurosPor 2 anos 35 euros

Com descontos *sócios dos sindicatos

da FENPROF + Estudantes)

Por 1 ano 18 eurosPor 2 anos 33 euros

Caros leitores de a PÁGINAPermitam que vos coloque, secamente, 35 perguntas e respostas que me parecemmerecer reflexão

Page 35: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

35a páginada educaçãoabril 2003

entrevista

Acaba de lançar o livro "PolíticasEducativas e Ensino Superior emPortugal", onde analisa as trans-formações no ensino superiorportuguês nas últimas duas déca-das e o papel do Estado e do mer-cado neste sector. O que a levou aavançar para este trabalho?Um dos principais motivos que melevou a avançar para este trabalho foio facto de, até à altura, e de certaforma ainda hoje, existir um défice deestudos sobre o ensino superior emPortugal. Apesar de não esqueceraqueles que, fruto da sua experiên-cia, apresentam contributos extre-mamente úteis para sua a análise,considero, ainda assim, não existi-rem estudos que nos permitam co-nhecer com mais profundidade arealidade portuguesa neste domínio;ou se existem têm pouca divulgação.

Ao que sei o seu interesse peloensino superior não aparece ape-nas com este trabalho...O meu interesse pelas questões doensino superior inicia-se com a mi-nha tese de mestrado, apresentadaem 1992, intitulada "Escolas mode-lo ou escolas refúgio?", na qual pro-curei analisar o ensino politécnico,nomeadamente o seu enquadra-mento legal - que reflecte de, certomodo, a ambiguidade que rodeou oseu aparecimento -, e a inexistênciade um modelo de desenvolvimentoestratégico a longo prazo, que, em

maior ou menor medida, tem in-fluência no próprio percurso dos es-tudantes. Regra geral, a maioria op-tava pelo politécnico como segundaescolha e pretendia, na altura, pros-seguir os estudos na universidade.

Apesar de esse estudo ter já umadécada, considera que esse sen-timento de preconceito relativa-mente ao ensino politécnico ain-da se mantém?Sim, e a deriva académica que ca-racteriza este sub-sector contribuimuito para essa situação. Ainda ho-je há uma indefinição relativamenteao seu papel e uma dificuldade deafirmar a sua especificidade. Porém,penso que essa especificidade de-verá ser salvaguardada porque é ne-cessária e existe público para ela.

O livro que acaba de publicar, queresume a sua tese de doutora-mento, surge no seguimento des-se anterior trabalho? Qual é o seuobjecto?Sim. Nele abordo as transformaçõesocorridas no ensino superior duran-te as décadas de 80 e 90 e o papeldo Estado no sector, tendo em con-ta as tendências emergentes de re-gulação do ensino superior, influen-ciadas, em grande medida, por polí-ticas e recomendações de organis-mos internacionais, como o BancoMundial, a OCDE ou a Unesco. Es-tas transformações no ensino supe-

rior português inserem-se nessastendências internacionais, preconi-zando o aumento da autonomia ins-titucional, associada a novas formasde avaliação e de financiamento.

É uma análise de um novo mode-lo de ensino superior, ao qual me re-firo como "modelo standartizado demercado", impulsionado pelo pro-cesso de globalização neoliberal, edas transformações que ele originoutendo em conta a oferta e os três me-canismos políticos de regulação quelhe aparecem associados: a autono-mia, a avaliação e o financiamento.

Enfim, é um trabalho que tentacontribuir com uma síntese geraldos discursos legislativos e políticosque perpassam pelas transforma-ções da relação do Estado com oensino superior, onde fica patente afalta de coerência que o caracterizadevido, nomeadamente, à inexis-tência de uma estratégia a médio elongo prazo.

Depois de um período de expan-são nos anos noventa, o ensinosuperior parece estar a assistir auma retracção no número de can-didatos. Como vai ser o futurodeste sector de ensino?O ensino superior português tem umprimeiro período de crescimentoque se inicia nos anos sessenta e seprolonga até meados da década de70. Depois disso, no princípio dosanos 80, houve um período de esta-

bilização e mesmo um certo decrés-cimo do número de estudantes, queressurgiram em força após 1988.Passada a euforia, assiste-se, des-de 1995, à diminuição do número decandidatos, que atinge sobretudo oensino superior privado.

Apesar disso, e embora se tenhaverificado um peso negativo na va-riação demográfica no mesmo pe-ríodo, Portugal foi o país da OCDEque registou o maior crescimento nataxa de frequência do ensino supe-rior entre 1995 e 2000. Essa varia-ção demográfica teve um impactomais relevante nos outros níveis deensino, provocando uma diminuiçãogeral do número de alunos nos ensi-nos básico e secundário, mas o nú-mero de diplomados do ensino se-cundário manteve-se ao mesmo ní-vel e foi suficiente para superar essabaixa demográfica.

A caminho de um mercadomundial de educação

No contexto que acabou de des-crever, que perspectivas se abrema médio e a longo prazo?Não concordo com a ideia que con-sidera inevitável o decréscimo daprocura do ensino superior a médioe longo prazo. Quanto muito poderáassistir-se a uma diminuição da pro-cura tradicional do ensino superior.Apesar de, em termos estatísticos,nos aproximarmos cada vez mais da

Ensino superior deve abrir-se a novos públicos

© f

oto

s is

to é

Doutorada em Ciências da Educação, na área da Sociologia da Educação, pela Universidade de Coimbra (UC),Ana Maria Seixas é actualmente professora auxiliar na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação daUC, onde exerce funções docentes e de investigação desde 1987. É também membro do Centro de Psicope-dagogia daquela faculdade e investigadora associada do Centro de Estudos Sociais da UC. Tem publicado tra-balhos no domínio da Sociologia da Educação, Políticas Educativas e Ensino Superior, acabando de publicar olivro "Políticas Educativas e Ensino Superior em Portugal".Nesta entrevista falamos com a autora sobre a sua maisrecente obra e, entre outros temas, sobre os desafios que se colocam no futuro mais próximo ao ensino supe-rior português, no qual o actual processo de Bolonha parece ter um peso significativo.

Page 36: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

36a páginada educaçãoabril 2003

entrevista

taxa média europeia de frequência,isso não significa que se deva pararpor aí. Segundo a OCDE, em 2001,em Portugal, apenas 10% dos ho-mens e 17% das mulheres do grupoetário 25- 34 anos, tinha atingido oensino terciário, contra 30% e 46 %na Finlândia e 45 e 50% na Irlandaque eram os países europeus queapresentavam os valores mais ele-vados. Na Grã-Bretanha e a Dina-marca o objectivo é expandir essafasquia para os 50%. A área daspós-graduações, por exemplo, é umnicho de formação ainda pouco de-senvolvido em Portugal.

Por outro lado, haverá a possibi-lidade, e até a necessidade, de rea-daptar o ensino superior a novospúblicos, proporcionando formaçãode segunda oportunidade ou forma-ção ao longo da vida.

Esse processo implicará uma reor-ganização das universidades...Sim, não só ao nível da oferta comodas metodologias de trabalho. Maspara que isso aconteça é necessá-rio haver uma política de incentivopara o aparecimento desses novospúblicos.

Seria inclusivamente um meio deauto-financiamento que poderiaajudar a resolver os graves proble-mas financeiros com que as univer-sidades se debatem actualmente...

Há de facto problemas no financia-mento das universidades e é neces-sário que seja o Estado a assumir o fi-nanciamento público do ensino supe-rior. A tendência para reduzir o finan-ciamento público do ensino superiornão é exclusiva de Portugal. Em to-dos os países europeus os governosprocuram obter receitas por outrasvias, nomeadamente através da co-brança de propinas, justificando essaopção através da necessidade dedesenvolver um ensino superior dequalidade, que permita aumentar acompetitividade e a capacidade deatracção de estudantes, etc...

Qual é a percentagem do ProdutoInterno Bruto português destina-do ao ensino superior por compa-ração com os restantes paíseseuropeus? Se analisarmos a questão em ter-mos de despesa por estudante osvalores são mais baixos do que amédia. Segundo a OCDE (EDuca-tion at a Glance, 2002) em 1999, asdespesas anuais por estudante doensino superior rondavam os 4800dólares americanos em Portugal,quando a média da União Europeiaera de 8500 e o valor para os EUAera superior a 19 mil, mantendo-se aparidade do poder de compra.

Se olharmos para as estatísticasverificamos que até 1999 o financia-mento público no ensino superior

teve um aumento. Mas, mesmomantendo esta situação, é necessá-rio continuar a fazer um esforçoacrescido para que não aumentemas distâncias entre a realidade por-tuguesa e a europeia.

O processo de Bolonha irá mudara face do ensino superior na euro-pa tal como hoje a conhecemos.Apesar disso, o debate em Portu-gal sobre este tema parece aindainsipiente. Em que medida poderáinfluenciar o ensino superior por-tuguês?Na minha opinião, o processo deBolonha é ao mesmo tempo um de-safio e uma oportunidade que secoloca ao ensino superior portu-guês, podendo ser uma fonte catali-zadora de reformas importantes, jáque implica uma reestruturação daoferta de formação e das própriasmetodologias de trabalho. Seriabom, no entanto, que essas refor-mas fossem o mais consensuaispossível e planeadas de forma aabrangerem um período temporalde médio a longo prazo.

Uma das principais medidas asso-ciados a este processo preconiza, porexemplo, a existência de um sistemaem dois ciclos, de pré-graduação e depós-graduação, organizado em tornodo Sistema Europeu de Transferênciade Créditos (European Credit TransferSystem, em língua inglesa).

Em Portugal, algumas institui-ções de ensino superior iniciaram jáexperiências com este sistema decreditação, mas a maioria baseia-seno regime presencial dos alunos, is-to é, em função do número de horasassistidas. O ECTS, pelo contrário,põe a tónica no processo de apren-dizagem e na carga de trabalho doaluno, o que implica não só uma de-finição muito clara dos objectivos edas competências a adquirir mastambém uma reformulação das es-tratégias e das metodologias de en-sino. Um dos meus principais re-ceios nesta matéria é que se tentefazer essa transição de um modo"automático", sem ter em conta asespecificidades do ECTS. Espere-mos que isso não aconteça...

O Tratado de Bolonha não é umadirectiva nem implica qualquer tipode imposição legal aos países signa-tários, mas, tendo em conta que seestá em vias de criar uma área de en-sino superior europeu onde nos que-remos inserir, teremos necessaria-mente de nos saber adaptar. Porém,espero que a lógica tecnocrática pre-sente em grande medida no proces-so de Bolonha, pondo ênfase na ne-cessidade de promover a competiti-vidade do ensino superior da UE, nãose sobreponha a tudo o resto.

Não será o processo de Bolonhamais um passo para a criação de

"Não concordo com a ideia que considera inevitável o decréscimo da procura do ensino superior a médio e longo prazo.Quanto muito, poderá assistir-se a uma diminuição da procura tradicional do ensino superior".

© f

oto

s is

to é

Page 37: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

37a páginada educaçãoabril 2003

entrevista

Ricardo Jorge Costa

um mercado mundial da educação?Julgo que sim. Aliás, uma das princi-pais questões referidas na Declara-ção de Bolonha refere-se precisa-mente à falta de atractividade do sis-tema de ensino superior europeu re-lativamente ao modelo anglo-saxó-nico, concretamente aos EstadosUnidos e à Austrália. Não é por aca-so que o processo de Bolonha se ini-cia após a divulgação, em 1998, dorelatório francês Attali, sugestiva-mente intitulado "Por um modelo eu-ropeu de ensino superior", onde sedefende exactamente um aumentodo grau de atractividade no âmbitodesse mercado mundial de educa-ção, se assim lhe pudermos chamar.

É um facto que a Europa recebemenos estudantes relativamenteàqueles que envia para fora, ao con-trário do que acontece com os EUAe a Austrália. Neste último país,aliás, a oferta e venda de serviçoseducativos representa o terceirosector de exportação, numa claraestratégia transnacional de franchi-sing educativo. O Reino Unido se-gue esse exemplo, sendo o país eu-ropeu que consegue atrair um maiornúmero de estudantes do exterior.

Com o processo de Bolonha pre-tende-se que este espaço comum eu-ropeu permita não só a mobilidade deestudantes e de trabalhadores entreos diversos países da mesma áreageográfica, mas se apresente tam-

bém como uma mais-valia que permi-ta atrair a vinda de estudantes estran-geiros, nomeadamente através daatribuição de diplomas reconhecidos,os chamados joint venture degree .

Porém, receio que haja a possibi-lidade de governamentalização des-to processo, já que, recordo, eleparte de uma iniciativa ministerial eos próprios órgãos políticos daUnião Europeia estão a exercer neleuma grande influência, o que, na mi-nha perspectiva, não é positivo.

Ensino superior não deveráestar subordinado à lógicado mercado de trabalho

Que apreciação faz da actuaçãodo ministro da Ciência e EnsinoSuperior Pedro Lynce?A reforma do ensino superior estáactualmente na agenda de todos ospaíses europeus, e a própria uniãoeuropeia tem em curso um processode reestruturação sobre o papel dauniversidade na sociedade do co-nhecimento. É natural que, nestecontexto, a principal medida toma-da pelo ministro tenha sido a deavançar com a Lei do Ordenamentoe da Qualidade do Ensino Superior,que reforça, de certa forma, a cen-tralização da regulação do ensinosuperior, ao mesmo tempo que dámargem de manobra para a introdu-ção daquilo que alguns autores cha-

mam uma lógica de mercado no sis-tema educativo.

No entanto, parece-me importan-te termos em conta as limitaçõesinerentes à racionalização do siste-ma educativo em função das neces-sidades do mercado, já que se cor-re o perigo de ver o ensino superiortransformado num instrumento deformação profissional. É certo quepoderão existir problemas de efi-ciência nas instituições, mas nãoconcordo com a imagem negativaassociada ao ensino superior portu-guês subjacente no documento. EmPortugal existem instituições dequalidade duvidosa, mas tambéminstituições de excelência.

Que vantagens vê na ligação maisestreita entre a ciência e o ensinosuperior?Penso que será preciso esperar paraver que resultados produz, mas, emprincípio, haverá motivos para colo-car as duas áreas sob a mesma tute-la, já que ensino superior e a ciênciasão campos vastos, com problemasespecíficos, ao mesmo tempo quepoderá reforçar a articulação entre oensino e a investigação.

Pode falar-nos um pouco acercado estudo em que está actual-mente envolvida, centrado no mo-vimento de contestação juvenil doensino secundário?

O estudo integra-se num projectomais vasto, subordinado ao tema"Movimentos Sociais, Protestos eDemocracia Participativa", iniciativado Centro de Estudos Sociais daUniversidade de Coimbra. É um pro-jecto que ainda está no início e que,em princípio, só estará concluídoem 2005. Partindo de um fundo co-mum - a análise dos protestos dasociedade civil (saber porque con-testa, como protesta, que lógicas amotivam, etc...), procurar através deestudos de caso reunir informaçãoque permita fazer uma análise maisprofunda das suas implicações.

No caso concreto do meu traba-lho achei interessante analisar osprotestos oriundos dos alunos doensino secundário, através de entre-vistas realizadas tanto junto daque-les que participam como dos quenão participam, tentando obter umavisão das suas concepções de so-ciedade, de justiça e de alternativaàs próprias medidas que contestam.

Temos uma juventude contestária?Eu julgo que sim, apesar de consi-derar que estas formas de protestotêm motivações muito próprias eimplicam um grau de mobilizaçãodiferente. É uma outra atitude... Osestudantes podem não ter umagrande grau de participação em ac-ções ou órgãos institucionalizados,mas têm espírito de contestação.

"(...) espero que a lógica tecnocrática presente em grande medida no processo de Bolonha, pondo ênfase na necessidadede promover a competitividade do ensino superior da UE, não se sobreponha a tudo o resto".

© f

oto

s is

to é

Page 38: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

38a páginada educaçãoabril 2003

reportagem

lismo na escola – insiste – aborda-mos temáticas mais angustiantespara esta comunidade educativa: oconsumo de droga, os problemas fa-miliares e o respeito pelos idosos.”

Muitas vezes a referência ao con-sumo de álcool é confundida comuma outra realidade: o alcoolismo.Esse é o motivo de tantos cuidados.Mas enquanto 10% da populaçãoportuguesa é alcoólica, 50% é con-sumidora de bebidas alcoólicas.Ainda assim, “a sociedade não re-conhece que tanto uns como outrospodem vir a ter problemas com o ál-cool”, alerta Paula Dias, sociólogado Centro Regional de Alcoologiado Norte. Isto, porque “estamos ha-bituados a ver as bebidas alcoólicascomo parte integrante da nossa die-ta alimentar”, mas “o álcool é uma

Estima-se que mais de 60% dos jovens com

idades entre os 12 e os 16 anos sejam

consumidores regularesde bebidas alcoólicas.

Nessas idades, o consumo acontece

no seio da família, aparentemente com o

consentimento dos pais.Apesar de conhecerem

esta realidade os médicos insistem na

tolerância zero ao consumo de álcool em

menores de 16 anos. A PÁGINA foi a uma escola básica saber

o que os alunos pensavam sobre

o consumo de bebidasalcoólicas.

Gole a gole

A sucessão habitual do horário é in-terrompida. No final da aula deapoio de Português, a turma do 8ºano da Escola Básica 2+3 NicolauNasoni, no Porto, vai ter uma visita.A aula que se seguirá, a de Educa-ção e Cidadania, vai por isso come-çar um pouco mais tarde. “Está aquiuma jornalista para vos fazer algu-mas perguntas”, anuncia TeresaMoreira, directora de turma, ao en-trar na sala. Vamos falar do consu-mo de bebidas alcoólicas.

O tema é melindroso. Por isso,minutos antes de nos conduzir à sa-la, Teresa Moreira esclarece: “Não hácasos de alcoolismo na escola!”, ra-zão pela qual a temática do consu-mo de álcool não é habitualmenteabordada nas aulas de Educação eCidadania, apesar de ser sugeridanum dos livros que servem de apoioa esta disciplina. “A menos que osalunos queiram falar do problema”,constata a directora de turma. “Mascomo não existem casos de alcoo-

umas atrás das outras. A professora‘finge’ que não está na sala. A suapresença, contudo, não causa qual-quer inibição na turma. Por isso, aprofessora torna-se ‘visível’ e lá vairespondendo a algumas interpela-ções dos alunos sobre a temática.

Os comentários continuam numtom informal. À medida que vãoquerendo intervir os alunos põem odedo no ar, como se de uma aula setratasse. “O meu pai deixa-me be-ber cerveja em casa”, atira o Rui, 16anos. Não é o único na turma. Masdo que os rapazes gostam mesmo éde champanhe. Bebem-no nas fes-tas de aniversário e sempre que emcasa se comemora qualquer acon-tecimento. Joana, 14 anos, torce onariz ao champanhe: “Sabe a maçãpodre!” Os colegas agitam-se: “É

bem bom!” Mas Joana insiste nomau gosto da bebida. E contrapõe:“Gosto mais de Baileys! Sabe o queé professora?”, interroga a aluna. Eantes que a professora diga algumacoisa ela esclarece: “É um licor do-cinho e sabe a leite!” A referência deJoana à bebida mobiliza a turmaque entre interjeições de bom gradoconfirma que realmente o Baileys é“muito bom”. Surgem nomes de be-bidas em catadupa. O Pisang Am-bon reúne alguns adeptos. “O Mar-tini também é docinho”, comenta aJoana. No fundo da sala o Rui tem odedo no ar. “Eu gosto mais de CubaLivre.” Surpreendida, Teresa Moreirapergunta: “O que é isso?” Rui, entu-siasmado por estar prestes a eluci-dar a professora, responde: “É rumcom coca-cola!”

O simbolismo do álcool

As estimativas referem que mais de60% dos jovens com idades entre os

droga como outra qualquer”, avisa asocióloga.

Paula Dias entende que a abor-dagem de temáticas relativas aosproblemas inerentes ao consumo deálcool não pode estar dependenteda existência ou não de casos de al-coolismo. Até porque, na opinião dasocióloga, “não é de esperar queeles ocorram na escola”. E este fac-to não contraria a existência de umconsumo de bebidas alcoólicas en-tre os jovens no seio da família. Porisso “a prevenção nas escolas deveser feita antes que estes casos dealcoolismo aconteçam”, defende.

De novo na sala de aula, a turma,entre os 13 e os 16 anos, está já pre-parada para responder às primeirasperguntas. A desinibição é mais evi-dente entre os rapazes. Como estãoem maioria são eles que tomam ainiciativa. A lista de bebidas alcoóli-cas conhecidas é ampla. As descri-ções do sabor e as observações do"gosto" e "não gosto" seguem-se

Page 39: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

39a páginada educaçãoabril 2003

reportagem

FACE a faceAndreia Lobo

José Barrias, médico psiquiatra, director do Instituto de Alcoologia

(a oferta e a procura de bebidas alcoólicas em menores de 16 anos)

Só um plano de alcoologia global vai conseguir dar uma resposta a esta situa-ção [do consumo de bebidas alcoólicas em menores de 16 anos]. Porque umacoisa é existir um plano de saúde alcoológica, outra é avançar com um planoglobal do álcool que faria com que os intervenientes que estão do lado da ofer-ta – produtores, promotores e vendedores de bebidas alcoólicas – fossem in-tegrados no processo preventivo. Isto, de modo a que não tivessem prejuízoseconómicos com medidas alternativas [que visassem a redução do consumode álcool entre os jovens]. Um vinhateiro, por exemplo, poderia ver os seus ter-renos ocupados por uma plantação de kiwi ou encaminhar as suas uvas paraa produção de sumo em vez de vinho.

Tem de haver uma sinergia entre a oferta e a procura de bebidas alcoólicas.Se não veja-se a contradição: por um lado proibimos a venda de álcool a me-nores de 16 anos, por outro fazem-se campanhas espantosas de promoção efestas patrocionadas por marcas onde até se oferecem bebidas alcoólicas! Is-to acaba por sabotar qualquer plano de saúde alcoológica...

12 e os 16 anos são consumidoresregulares de bebidas alcoólicas. Osdados, retirados de uma publicaçãoda Direcção Geral da Saúde (2001),intitulada “Álcool e problemas liga-dos ao alcoolismo em Portugal”,mostram até que ponto o consumode bebidas alcoólicas pode estar aser tolerado. No início, no seio da fa-míla, mais tarde socialmente. Apesardos alertas médicos para os malefí-cios desta tolerância...

“Eu até podia dizer aos pais queum copo de mês a mês ou no dia dosanos não faria mal, mas deve dizer-se a verdade: do ponto de vista do ri-gor químico e biológico o consumode qualquer tipo de bebida alcoólicanestas idades é gravoso para a saú-de”, avisa José Barrias, director doInstituto de Alcoologia, no Porto, e

damente pela Joana. “Eu acho quenão precisamos de beber álcool pa-ra nos divertirmos!”

As observações dos adolescentes,na opinião de Paula Dias, são elucida-tivas do simbolismo associado aoconsumo de álcool. “Tal como acon-tecia entre as gerações passadas, oálcool ainda está associado à virilida-de”, explica a socióloga. Do mesmomodo, “a capacidade de aguentar de-terminada quantidade de álcool nosangue é um factor valorizado”.

Por outro lado, entre os jovens oálcool é fonte de uma série de ‘van-tagens’: ficar mais à vontade com osamigos, o que facilita a integraçãono grupo. “Ter um copo na mão é umfactor de pertença entre os jovensque desta forma mostram aos outroso que são e o que querem ser”, refe-

um dos autores daquela publicação.E sublinha: “O organismo dos meno-res de 16 anos não tem a capacida-de de metabolizar uma bebida alcoó-lica seja de que tipo ou dosagem.”

Entretanto, sentado na carteiraem frente à secretária da professora,Pedro, 13 anos, parece não estar aapreciar os comentários dos seuscolegas. “Daqui a pouco pensamque somos uns bêbados!”, contes-ta. Prontamente a professora tran-quiliza o aluno. “Nada disso! Eu jáexpliquei a esta senhora que nestaescola não há casos de alcoolismoentre os alunos.”

O comentário do Pedro muda orumo da conversa. O que pensa aturma do consumo de álcool entreos jovens? “Mostram que são ho-mens”, atira um rapaz do fundo dasala. “É uma maneira deles se diver-tirem!”, comenta o Rui. A professoraintervém: “Vocês acham que os jo-vens só se divertem com álcool?”Há um breve silêncio quebrado timi-

re Paula Dias. Por fim, a atitude dosjovens em relação ao álcool acabapor ditar no seu consumo.

Face a este cenário, a sociólogacritica a existência de uma desade-quação entre a mensagem da pre-venção e os problemas reais dos jo-vens com o álcool. “Não vale a penafazer uma acção de prevenção sobreas consequências do consumo ex-cessivo de álcool se os jovens nãoreconhecerem esse problema comoseu. Até porque eles não vão conti-nuar a ver nenhum mal em beber umou dois copos só para se divertirem.”

Nota: Os nomes dos menores citados são fictícios

Paula Dias, socióloga, Centro Regional de Alcoologia do Norte

(alteração nos padrões de consumo de bebidas alcoólicas)

A maneira como a geração de agora está a consumir é mais perigosa. A gera-ção anterior consumia vinho e cerveja sobretudo às refeições e durante toda asemana. Os nossos filhos podem até nem consumir álcool durante a semana,mas chegam ao fim-de-semana e consomem bebidas destiladas em grandequantidade e com forte graduação alcoólica. Para além de isto ser mais preju-dicial à saúde, acarreta mais riscos do ponto de vista social.

(álcool como meio de adaptação social)

Provavelmente o álcool estará a servir como meio de adaptação social. Então,isso significa que há instituições que estão a falhar na socialização dos jovens,e daí recorrerem ao álcool. Isto parece óbvio, já que os jovens dizem que con-somem bebidas alcoólicas para se sentirem desinibidos, para conseguiremcomunicar com os outros, para se aproximarem de um rapaz ou de uma rapa-riga e para esquecerem os problemas. Muitos não consomem por prazer, nemsequer apreciam a bebida. E se isto está a acontecer, o que está a falhar nanossa sociedade?

Page 40: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

40a páginada educaçãoabril 2003

praçada república

Estimado/a colega:

Envío o “Manifesto pola paz e contra a guerra” que foi presentadopúblicamente en Vigo o día 13 deeste mes. É unha iniciativa dos centros educativos [escolas] queforman parte do Programa educativomunicipal Aprender a convivir deVigo. Xa se teñen adherido ao mesmo outros centros [escolas] de todos os niveis educativos deGalicia, resto de España como doresto do mundo.

O motivo desta carta é, precisa-mente, para pedirche que leves oManifesto ao teu centro [à tua escola] para que, si o estimadesoportuno, vos adhirades ao mesmo.Se así o facedes agradeceríamosque nolo comunicasedes por correo-e ou fax ás seguintes direccións:

Correo-e: [email protected]: 00 34 986 2078 64Ademáis tamén pedimosvos

que se o aprobades cambiedes oinicio do manifesto “Os centroseducativos que se relacionan, participantes no Programa educativo municipal Aprender aconvivir do Concello de Vigo” polo nome do voso centro e o repartades a todos os membrosda vosa comunidade educativa.Igualmente estamos sometendo o contido do Manifesto ás corpora-cións locais en donde residimos para que se pronuncien ao respeito.

Moi cordialmente

Xesús R. JaresCoordinador do Programa educativo municipal Aprender aconvivir

Os centros educativos que se rela-cionan, participantes no Programaeducativo municipal Aprender a con-vivir do Concello de Vigo, diante daanunciada guerra de EE.UU contra oIraque, co apoio entre outros do go-berno español, subscriben o presen-te Manifesto para facer chegar ássúas comunidades educativas enparticular e á opinión pública en xe-ral a nosa firme determinación de se-guir educando ás futuras xeraciónsnos valores dunha cultura de paz, talcomo se explicita nos obxectivos docitado Programa educativo munici-pal e nas leis educativas, e mostran-do o noso rexeitamento a esta guer-ra polas seguintes consideracións.

Consideramos que non se tenproducido nengunha situación quese contemple na Carta das NaciónsUnidas nen no dereito internacionalpara declarar a guerra a outro país,nen se ten probado que Iraque sexa

unha ameaza para a seguridade in-ternacional nen que teña nenguhaconexión co terrorismo internacio-nal. En todo caso condenamos oterrorismo en todas as súas formas.

Consideramos que estar en con-tra desta guerra non significa apoiarao dictador Sadam Husein. Este ré-xime como a maioría dos que exis-ten na zona vulneran brutalmente asliberdades fundamentais e os derei-tos humanos, polo que as NN.UUdeberían deseñar unha política glo-bal para a rexión baseada na seguri-dade mutua, na eliminación de to-das as armas de destrucción masivae no respeito aos dereitos humanos.

Proclamamos o principio univer-sal de que nenguha nación podeatacar unilateralmente a outra, má-xime cando non supón nengunhaameza para a súa seguridade, poloque rexeitamos frontalmente a es-tratexia da guerra preventiva.

Proclamamos que o Consello deseguridade das Nacións Unidas de-be exercer as estratexias necesariaspara buscar os obxectivos para oque foi creado, a resolución pacíficadas controversias entre as nacións,e non para ser utilizado como pan-talla para encubrir unha guerra in-xusta, cínica, hipócrita e inmoral.

Rexeitamos o bloqueo a Iraquepolas graves consecuencias para asúa poboación. Como ten informa-do a UNICEF diariamente morren enIraque 5.000 nenos/as por falta demedicinas, desnutrición e falta decoidados médicos, e as NN.UU cal-culan nun millón de persoas mortasdesde a imposición do embargo.Unha nova guerra a Iraque agudiza-ría o sufrimento das persoas máisdesfavorecidas.

A guerra debe ser tamén evitadaporque contradice os principios bási-cos da resolución nonviolenta dosconflictos, da democracia e da moral.

Como educadoras e educadorescomprometidos co benestar das fu-turas xeracións estamos convenci-dos de que outro mundo é posible.

Page 41: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

41a páginada educaçãoabril 2003

praça da república

Sonhos de pomba

as mil e uma noitesafinal são luas cinzentasmarés negras nos céus de Bagdadesão bombas sangrentasno sonho da humanidade

Ali-bá-bá e os quarenta ladrõesvêm de outras cavernascatervas visavejões do mal

mas nem mil razões prepotentesmatarão a ânsia de milhões de gentescontra a arrogância imperial

serão pombasafinalas mil e uma noites de Bagdadenos dias siderais do mundo inteirovoando sonhos de amore liberdadeem fragrâncias de cor e fantasia

sonhos de pombaafinalcomo sonho de canteiroque esculpe pedra a pedra a harmoniaque esculpe pedra a pedra a alegriaque esculpe pedra a pedra a utopiana pedra filosofalda humanidade

Armindo MouraViana do Castelo

Educar para a paz e na esperanzadun mundo máis xusto, democráti-co e pacífico forma parte da nosamáis xenuina tarefa profisional. Co-mo fixeron outros sectores profisio-nais, queremos dar exemplo a favorda paz e en contra das guerras, po-lo que cuestionamos a utilización daciencia para fins militares e o cre-cente aumento en gastos militares ena investigación militar.

Solicitamos ao goberno español eás Nacións Unidas que aproben unprograma de desarme para todas asnacións que teñen armas de destruc-ción masiva, polo perigo que repre-sentan para a seguridade mundial, talcomo se está a sinalar nestes días.

A historia ensinanos que a maiorparte das guerras son decididas porunha minoría que buscan a súa ga-nancia -neste caso o petróleo, ocontrol xeoestratéxico da zona e de-terminadas razóns de política inter-na norteamericana-, pero son sufri-das pola maioría da poboación. Porelo a maioría da poboación que es-tamos en contra da guerra debemosseguir resistindo a propaganda mili-tarista e seguir presionando as no-sas autoridades para obligalas a pa-rar esta guerra e todas as guerras.

¡Guerra nunca máis!Vigo, 13 de marzo de 2003.

Centros [escolas] asinantes do Manifesto: CEP Igrexa-ValadaresCEIP Coutada-BeadeCEIP Frián-TeisCEIP Santa TegraCEIP Alfonso R. CastelaoCEIP Seis do NadalCEIP DobladaCEIP BalaídosCEIP Ría de VigoCEIP Javier SensatCEIP Virxe do RocíoColexio Mª Auxiliadora-SalesianosColexio Mª InmaculadaColexio Miralba-XesuitinasColexio San Juan BoscoColexio Santa VedrunaColexio Rosalía de CastroFogar e Clínica San RafaelIES BeadeIES TeisIES Valentín Paz Andrade

Manifesto pola paz e contra a guerra

Page 42: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

42a páginada educaçãoabril 2003

praça da república

© is

to é

defeitos e precisando de ser melho-rada é o que temos para regular asrelações internacionais. A posiçãodo Presidente da República é aindauma posição que favorece a cons-trução da União Europeia. Tenho acriticar o facto do Presidente não tersido até agora mais incisivo na apre-sentação da sua posição aos portu-gueses, muitos nem sabem qual asua posição tão discreta ela é.

A posição do 1º Ministro é uma po-sição de seguidismo, de subserviên-cia. Uma subserviência que começapor o ser em relação à Espanha. O 1ºMinistro agiu por cálculo e calculoumal. Mesmo que quisesse dar apoio àguerra não devia ter embarcado nummétodo que objectivamente foi degrupo e de confronto no seio da UniãoEuropeia. Podia ter dito que apoiava aguerra mas que continuava à procurade uma posição comum na UE. Masnão, foi atrás do Asnar e Asneirou. OAsnar vai ter o prémio de ir para o gru-po do G8. Portugal vai para o grupodos pobres idiotas, dos compráveispor tuta e meia.

Sara Oliveira

Durão para o caixote do lixoConfesso que ainda não percebi aposição do 1º ministro. Que ideia lheterá passado pela cabeça? Que ob-jectivos teve ao apoiar tão entusias-ticamente a guerra? Foi só para sedar ares de protagonista? Não me-diu as consequências? É mesmotão parvo como parece? O que o te-

vai provocar uma maior fractura en-tre os povos árabes e os ocidentais.Mais divisão e mais ódio. Os maisfracos são vencidos no terreno daguerra mas como dizia o poeta "nãohá machado que corte a raiz ao pen-samento". Vencidos militarmentesobrará o ódio por gerações.

A guerra não pode produzir de-mocracia porque produz mortos eos mortos não votam.

Sara Oliveira

Sadam, Bush, Blair e Cª ao tribunalOs planos da guerra estão prontos hámuito tempo. O actual governo ameri-cano foi escolhido para a fazer. O ob-jectivo é controlar o Médio Oriente e aÁsia Central. O objectivo é servir duasgrandes indústrias a do petróleo e a doarmamento. O outro objectivo é deixarclaro quem manda no mundo actual.

No Iraque as cidades estão à es-pera de serem destruídas. Milharesde pessoas, hoje vivas e a fazer oseu dia a dia, estão condenadas amorrer nas próximas semanas. Elasnão sabem mas a morte acampa àvolta da fronteira iraquiana. Bush,Blair e Cª não passam de miseráveisassassinos. Conseguem ser maisfrios, mais calculistas, mais sangui-nários do que Sadam. Deviam sertodos levados ao mesmo tribunal.Deviam ser todos condenados pelosangue derramado, pela destruiçãoe pelo sofrimento provocados.

Jorge Ribeiro

1. Na actual conjuntura internacional, você:

¬ Defende o recurso à guerra ¬ É favorável a uma solução

pacífica ¬ Adopta uma atitude

de neutralidade

As guerras não produzem segurançaO Governo de Bush defende estaguerra em nome da democracia eda segurança. Mas as guerras nãoproduzem nem democracia e me-nos ainda segurança. Esta guerra

2. Guerra do Iraque. A posição do Presidenteda República é diferente da do 1º Ministro. Você apoia a posição do:

¬ Presidente da República ¬ Do 1º Ministro ¬ Não tem opinião

Equilíbrio e subserviênciaA posição do Presidente da Repú-blica é uma posição equilibrada afavor das soluções pacificas, da Leiinternacional, do respeito por umaorganização internacional que tendo

rá levado a atrelar-se ao espanhol?Apoia a guerra por convicção? Nes-se caso sabe quais os verdadeirosmotivos e objectivos dos america-nos? Será tão idiota que pense quese trata mesmo de anular umaameaça global? Quer apenas ficardo lado dos vencedores das guer-ras? Renúncia ao entendimento noseio da União Europeia? SeguePaulo portas que não quer a UniãoEuropeia?

Em qualquer caso a decisão é la-mentável. Espero que os portugue-ses saibam somar dois e dois e per-

cebam que o homem não serve nempara a política interna, nem para apolítica externa. E, em consequên-cia, o mandem para o caixote do li-xo da história política.

Casimiro de Brito

3. Portugal atravessa umagrave crise económica.As principais causas são:¬ Essencialmente a conjuntura

internacional ¬ A herança política do governo

anterior ¬ A conjuntura internacional

conjugada com uma má governação

¬ Essencialmente a má governação

Um Governo da direita burraCom o actual governo não vamoslonge. Este é o governo mais retró-grado que tivemos depois da quedado fascismo. Além de direita e retró-grado é composto por pessoas ex-traordinariamente incompetentes. O1º ministro é fraquíssimo. Dos ou-tros ministros não há um só que seaproveite, mas alguns estão muitoabaixo da mediocridade. Os secre-tários de estado são, regra geral,uns garotos mal formados e intelec-tualmente deformados. Nunca fize-ram nada de jeito na vida. Experi-mentem fazer o currículo profissio-nal de cada um dos ministros e decada um dos secretários de estadoe verifiquem a desgraça.

cartas “on-line”a Página on-line - participe em

www.a-pagina-da-educacao.pt/inqueritos

Page 43: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

43a páginada educaçãoabril 2003

praça da república

inquérito/página “on-line”

Na actual conjuntura

internacional, você:

Defende o recurso à guerra5%

E favorável a uma solução pacífica94%

Adopta uma atitude de neutralidade0%

Total respostas142

Guerra do Iraque.

A posição do Presidente da República

é diferente da do 1º Ministro.

Você apoia a posição do:

Portugal atravessa uma grave crise

económica. As principais causas são:

Presidente da República82%

Do 1˚ Ministro11%

Não tem opinião5%

Total respostas135

Essencialmente a conjuntura internacional04%

A herança politica do governo anterior08%

A conjuntura internacional conjugadacom uma má governação55%

Essencialmente a má governação31%

Total respostas145

Nas escolas a educação sexual:

Deve ser uma disciplina como as outras38%

Deve ser proporcionada aos alunos forado regime disciplinar52%

Não deve ser objecto de estudo obrigatório09%

Com o governo mais fraco que ti-vemos desde o 25 de Abril estamoscondenados a um par de anos difícil.Logo que haja eleições é precisomandar esta rapaziada aprender qual-quer coisa na vida. É dar-lhes mais umano de disparates e pedir eleições.

Salete Marques

Estou farto de desculpasEstou cansado de desculpas. Já nãose pode. O Guterres retirou-se portemer que, sem maioria parlamentare portanto sem poder enfrentar de-terminadas dificuldades, o país caís-

económico desfavorável o anteriortambém enfrentava um clima econó-mico desfavorável nos últimos anos.

O clima económicos desfavorá-vel, a nível mundial, começou com asubida ao poder dos governos dedireita e de extrema-direita em vá-rios países do mundo. A direita e aextrema-direita têm políticas que le-vam à depressão. Desprezam os as-pectos sociais e os interesses damaioria dos cidadãos e colocam-sea reboque dos interesses imediatosdo grande capital. Portanto a reces-são é inerente às políticas de direita.

tempo de o Presidente da Repúbli-ca pensar em dar-nos a oportuni-dade de, em eleições, mandarmosestes incompetentes fazer outracoisa na vida.

Carlos Jorge Mendonça

4. Nas escolas a educaçãosexual: ¬ Deve ser uma disciplina como

as outras ¬ Deve ser proporcionada aos

alunos fora do regime disciplinar ¬ Não deve ser objecto de

estudo obrigatório

alimentar, consumo, etc. etc. Todasestas aquisições devem ser aborda-das de forma prática e simples. Nãose deve meter aqui o complicador.

Guilhermino Marques

Educação sexual fora da escolaA educação sexual é uma das aqui-sições a fazer fora da escola.

As escolas devem ser reservadaspara o ensino do conhecimentocientífico. Os conhecimentos de na-tureza social, bem como os da saú-de devem desenvolver-se noutras

se num pântano. Não caímos numpântano mas o actual governo PSD-PP conseguiu, em menos de umano, fazer-nos cair num abismo. Nãoé fácil encontrar um governo tão in-competente como o actual.

Já não se suporta a mesma lenga-lenga de que a culpa é do governoanterior. O governo anterior herdou omesmo país com os mesmos vícios evirtudes e com os mesmos séculosde história. Se este enfrenta um clima

Julgo que não foi o Guterres quemdeu cabo da economia americana.Julgo que foi o Bush o dono do Du-rão. Julgo que é Bush, Blair e agorao idiota do Aznar a conduzir o mun-do para mais uma situação de guer-ra e de crise.

Esperamos que estes idiotas donosso governo mudem de cassetee comecem a fazer alguma coisaou, caso contrário, o país começatodo aos vómitos. E começa a ser

Por uma área social e políticaExiste uma vasta quantidade deaprendizagens a realizar pelos alu-nos que não podem ser formatadascomo uma disciplina. Pode haveruma área social onde os alunos ad-quiram conhecimentos que vão dasexualidade à política, passandopor questões como as drogas, o al-coolismo, a vida urbana, a circula-ção rodoviária, as actividades cultu-rais, doenças transmissíveis, saúde

organizações sociais. No caso daeducação sexual pode ser promovi-da pelos organismos locais (a criar)ligados à saúde. Estes organismosdevem também oferecer formaçãona área da prevenção das drogas (in-cluindo o álcool) e de outras doen-ças como a SIDA, a hepatite, etc.

Estes organismos devem estarabertos a jovens e adultos.

Sandra Reis

Page 44: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

44a páginada educaçãoabril 2003

andarilho

EM portuguêsLeonel Cosme

Políticas Educativas

e Ensino Superior

em Portugal

Ana Maria Seixas

Quarteto Editora

pp. 248

A autora analisa as transfor-

mações no campo do ensino superior português nas

últimas duas décadas, abordando as alterações na

oferta, na autonomia, no financiamento e na avalia-

ção do ensino superior, e o papel do Estado, associa-

das ao desenvolvimento de novos modelos de regu-

lação do ensino superior em Portugal.

As Palavras-Chave

da Didática das Ciências

Jean-Pierre Astolfi

Éliane Darot

Yvette Ginsburger-Vogel

Jacques Toussaint

Instituto Piaget

pp. 208

As palavras-chave da Didática das Ciências apresenta,

sob forma alfabética, os principais conceitos em que

se apoia hoje a didática das ciências. Cada conceito é

apresentado por um texto síntese, que inclui inúmeras

citações, e por uma bibliografia de referência.

Sentidos Contemporâneos

da Educação

Adalberto Dias de Carvalho

(org.)

Edições Afrontamento

pp. 238

Este livro integra um con-

junto de reflexões suscitadas pelo confronto da pro-

blemática da contemporaneidade com os desafios

que se colocam à educação. As questões levantadas

são de natureza diversa, indo - de acordo com as

preocupações de cada autor - do âmbito estritamen-

te antropológico ao epistemológico, passando pelas

perspectivas hermenêuticas e éticas.

A Saúde das mulheres

em Portugal

Luísa ferreira da Silva

Fátima Alves

Edições Afrontamento

pp. 155

Este livro aborda a saúde do

género feminino e tem co-

mo suporte os dados estatísticos e a produção cien-

tífica nacionais, constituindo uma base estimulante

ao desenvolvimento da pesquisa científica sobre saú-

de de género.

Quando, em Novembro passado, teve lugar, em Cascais, um denominado En-contro de Estudos Políticos, em que diversas personalidades portuguesas eestrangeiras debateram um tema já tão crucial como "Guerras de Cultura noOcidente", provavelmente ainda ninguém pensava que os Estados Unidos pu-dessem assumir, em nome da Cultura Ocidental, a necessidade de uma guer-ra contra o Iraque.

De uma notícia que guardámos sobre aquele Encontro ficou-nos a ideia de queum participante americano considerava existir um estado larvar de "guerra de cul-turas" sempre que as chamadas instituições sociais de base (Estado, família, es-cola) reflectissem a ausência de "padrões morais objectivos" - devendo com-preender-se por estes, obviamente, as "concepções particulares do bem" comque o Ocidente moldava os seus paradigmas da Moral e da Cultura ...

Terá havido, em contraponto, quem, falando pela Europa, discordasse da ex-pressão "guerras de cultura", a avaliar por uma afirmação transcrita do partici-pante americano: "Se a expressão "guerra de culturas" não faz sentido na Euro-pa, isso só pode querer dizer que uma das partes nessa guerra está calada, outem receio de se fazer ouvir. E não vou ter dificuldades em adivinhar qual."

Curiosa afirmação esta, quando nos lembramos de que, três meses depois,um secretário de Estado americano, Rumsfeld, se referia à posição que a Fran-ça, a Alemanha e a Rússia tomavam contra qualquer guerra desencadeadasem o consenso do Conselho de Segurança da ONU, considerando-a comoprópria de uma "velha Europa", e outro, Powell, "previa" as más consequên-cias nas futuras relações entre aqueles países e os Estados Unidos. Só faltoudizer, como um estadista norte-americano de outros tempos, que "o que erabom para os Estados Unidos era bom para a América" - a que acrescentaria,hoje, "e para o resto do Mundo". Recuperava-se, assim, a "doutrina de Mon-roe", segundo a qual nenhum país poderia interferir na política externa dos Es-tados Unidos, cuja opinião - na voz de outro secretário de Estado - era "pra-ticamente soberana" e que "o seu fiat era lei"...

© is

to é

Ecotoxicologia e remoção

de poluentes

- estudos na Península

Ibérica

Armando Duarte

Teresa Rocha Santos

Alexandre Panteleitchouk

Ricardo Prego

Editora Piaget

pp.252

No contexto da protecção do ambiente e melhoria da

qualidade de vida deve ser incluído o estudo dos efei-

tos dos diferentes contaminantes e as possíveis vias

para remediar os múltiplos problemas causados por

um desenvolvimento tão acelerado quanto mal pla-

neado. O livro sobre ecotoxicologia e remoção de po-

luentes atende a esta necessidade.

Estudos sobre

Contaminação Ambiental

na Península Ibérica

Ricardo Prego

Armando Duarte

Alexandre Panteleitchouk

Teresa Rocha Santos

Editora Piaget

pp. 302

A atmosfera e a água são dois dos principais agentes

no transporte de poluição e têm dois capítulos pró-

prios neste livro sobre contaminação ambiental na

Península Ibérica. Algo semelhante se poderia afir-

mar sobre os compartimentos onde acumulam as

substãncias nocivas: solos, sedimentos e biota.

Para uma Escola

Curricularmente

Inteligente

Carlinda Leite

Edições Asa

pp. 176

O título deste livro, "Para

uma Escola Curricularmente Inteligente", resulta da in-

tenção de nele incluir um conjunto de temas e de re-

flexões que contribuam para o desenvolvimento pro-

fissional dos/as professores/as e para a construção de

uma educação escolar mais democrática e que propi-

cie aprendizagens de qualidade a todos os alunos.

Professor, Ensine-me

a dar Aulas

Manuel Nunes

Edições Asa

pp. 77

Uma longa e saborosa carta

ensaiando um "pequeno tra-

tado da arte de bem ensinar", onde um professor ten-

ta ajudar uma colega mais jovem a lidar com o peso

da frustração e da angústia profissional.

A Noite de Alabastro

José Baptista Fernandes

Edição de autor

pp. 157

contacto: 291 522 819

"(...) estes poemas, fulguran-

tes como um flash, parecem

subtraídos à existência quo-

tidiana e oferecidos ao leitor como forma de celebração

de uma intimidade inesperadamente partilhada."

Colecção Grandes

Civilizações

Porto Editora

A colecção Grandes Civilizações percorre, através

dos seus quatro volumes, a história do mundo anti-

go desde as origens da humanidade, desde os nos-

sos ancestrais antepassados até ao maior império da

antiguidade, o império Romano, e aos primórdios do

cristianismo.

As guerras do Bem e de Pirro

Este evidente sinal de desprezo por posições que, no entendimento do par-ticipante no Encontro de Cascais, se não eram coincidentes com os conceitosamericanos de "moral objectiva", eram contrários à consciência moral do Oci-dente, começaria por ser injusto logo a partir do facto de que toda a Europaalinhara inequivocamente ao lado dos Estados Unidos quando este foi agredi-do e desafiado pela organização terrorista e fundamentalista da Al Quaeda.Dir-se-ia então, com propriedade, que, tendo a "cruzada" terrorista de Bin La-den um cariz de "guerra santa", a Europa, o Ocidente e o Mundo podiam falarem "guerra de cultura", já que, desencadeada em nome de um Deus e um Bem(como tinham sido as "cruzadas" dos cristãos, séculos antes...) seria injusto,porque toda a Europa alinhou inequivocamente ao lado dos Estados Unidos.

Mas, hoje, teria dito o mesmo esse participante, tendo como pano de fundoo Iraque, porventura o país islâmico mais "contaminado" pelos "padrões mo-rais objectivos" do Ocidente, nos quais cabem liberdades de mercado e de re-ligião e armas de destruição maciça (as verdadeiras "sementes do Mal" cria-das e fornecidas pelo Ocidente)? Onde se revelaria o "choque de culturas", senão fossem evidentes, antes, os "choques de poderes" agora travestidos, emque Saddam Hussein se perfila como um messias restabelecedor da "Umma"árabe e George W. Bush como um césar policiador do mundo concebido comoum conjunto de "soberanias limitadas" pelos interesses dos Estados Unidos?

Neste momento histórico, alguma coisa ainda distingue os "padrões moraisobjectivos" dos vários países que se dizem portadores de uma denominadaCultura Ocidental, que afinal não se manifesta, sempre, da mesma maneira.

A História dirá, mais uma vez, quais foram as vitórias do Bem e as de Pirro. war

Page 45: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

45a páginada educaçãofevereiro 2003

andarilho

O ESPÍRITOe a letraSerafim Ferreira

José Marmelo e SilvaOBRA COMPLETAEd. Campo das LetrasPorto, 2002.

Doze anos passados sobre a sua morte, aparece agoranas livrarias numa edição rigorosa e cuidada a ObraCompleta de José Marmelo e Silva (1911-1991), um dosautores portugueses mais silenciados em vida e cujasobras poucas vezes chegaram a merecer a atenção dosleitores. E se existem escritores que nunca utilizaram achamada “estratégia da glória”, podemos dizer uma vezmais que o autor de Sedução pertenceu realmente a es-se escasso número de verdadeiros criadores.Com umaobra literária bastante reduzida (cinco ou seis livros pu-blicados e reeditados ao longo de mais de cinquentaanos), mas significativa, pelo reconhecimento unânimeda crítica, no que respeita à sua admirável qualidade

obra completa

de José Marmelo

e Silvacriadora, a ficção de José Marmelo e Silva afirma-se como realização de um escritor quenunca teve pressa, esperou que o tempo confirmasse a importância dos seus livros, os lei-tores se aproximassem deles e soubessem entender o sentido profundo e autêntico de umaobra que se revela ímpar no seu verdadeiro sentido estético e literário.

Partindo com a chamada corrente neo-realista, mas antecipando-se numa perspectiva dofenómeno literário mais adequada aos valores da sua época (Sedução, de 1937, situa-se mui-to perto de alguns escritores da “Presença” mais do que da primeira vaga neo-realista), Mar-melo e Silva nunca deixou de se identificar com esse movimento que, apesar de certas limi-tações estéticas e literárias, produziu obras de clara desmistificação social num tempo ex-cessivamente nebuloso e de quase colectivo pânico cultural. Mas o autor de Anquilose sem-pre procurou situar-se para lá dos valores ideológicos do neo-realismo, ultrapassar algumasbarreiras de um esquematismo demasiado evidente, desdobrando a criação literária em doissentidos ou opções aparentemente diversas: por um lado, a fidelidade ou arreigamento a ummundo real, bem objectivado em claras razões e desigualdades sociais, a visão lírica, senti-mental e poética de um mundo a que não deixou de ser fiel, como nas histórias de “NarrativaBárbara”, “Ladrão”, “O Conto de João Baião” e no amargurado, lúcido e polémico testemu-nho que deixou em Adolescente Agrilhoado, colocando a nu toda a verdade e realismo de umambiente fechado e alienante (que tem paralelo num idêntico grito de revolta na Manhã Sub-mersa, de Vergílio Ferreira); por outro lado, a libertação plena de uma imaginação rica de ex-periências, sinuosa nos labirintos em que penetra, descobrindo, aqui e além, a exacta medi-da do que nos compromete, tendo sempre em conta uma nítida intenção social e histórica aque a arte de escrever de Marmelo e Silva confere uma dimensão e rigor literário bem defini-do e expressivo: desse modo, sim, se pode e deve entender Sedução e também essa novelade excepcional recorte literário e social que é Depoimento e entronca directamente na longae belíssima novela Anquilose,sem alterar ou deixar de lado a estrutura ficcionista da sua pri-meira versão de 1968.

Obedecendo ainda a esse núcleo problemático a que um dia Mário Sacramento pôde cha-mar com justeza e razão “insurreição dos mitos”, Anquilose abre para uma outra atitude deescritor, mais disponível e até descomprometido, esquecendo qual-quer forma de esquematismo literário ou de fidelidade a “cânones”impostos e assim se revela como um dos melhores textos ficcionaisde um escritor de quem é muito difícil escolher o que mais nos en-tusiasma, comove e agrada. Como experiência vivida, pensada, re-vivida e contada em termos de ficção criativa, Anquilose, agora re-lida nesta Obra Completa, evoca ainda certos aspectos de um mun-do fechado ou alienador, denunciando situações que tendem sem-pre para uma aventura dividida entre as suas várias personagens fe-mininas, talvez como indício de existir um primeiro amor que tudodetermina. Mas o sentido irónico que tantas vezes se descobre nos“quadros” da novela manifesta também outra das qualidades do es-tilo e linguagem de Marmelo e Silva, sem que isso sirva para des-truir a verdadeira intenção em que se desdobra toda a história. Por-que a carga expressiva da sua linguagem crítica, surpreendente efirme, a beleza de um estilo que é inconfundível, a sensibilidade comque esboça e retrata as figuras de mulheres e aborda os conflitosamorosos, revelados num denunciador contexto histórico e social,tudo isso faz parte do universo ficcionista de José Marmelo e Silvaque, como declarou ainda Mário Sacramento, “faz deste escritornão só um dos casos mais notáveis da moderna literatura portu-guesa, mas o que mais fundo exprime e ensaia o significado da ar-te como libertação do homem - como reintegração do homem”.

Numa edição coordenada por Maria de Fátima Marinho, a ObraCompleta de Marmelo e Silva, agora mais acessível aos leitores,inclui ainda uma bibliografia activa e passiva, a cronologia e bio-grafia do Autor, além de fazer acompanhar cada um dos livros comtextos de introdução de Arnaldo Saraiva, Maria Alzira Seixo, RosaMaria Martelo, Maria Morais Silva, Pedro Eiras e Celina Silva, queassim permitem uma melhor e mais clara compreensão da posiçãosempre assumida por Marmelo e Silva. Tardou mas cumpriu-se,pois, a justa forma de reabilitação do autor de O Sonho e a Aven-tura que, numa perspectiva crítica, é deste modo enaltecida numtrabalho de grande importância editorial e torna mais visível toda asua obra literária.

Uma carta inédita de José Marmelo e Silva a Serafim Ferreira

Meu Prezado Amigo:1

São palavras animadoras as que lhe oiço e me trouxe a s/ carta.Terá toda a razão na s/ referência à culpa que a mim me cabeno "esquecimento" a que Lisboa condena o escritor que vive naprovíncia. (Lisboa = governos, leis, editores, compadrios... e tu-do o mais que há-de desvendar-se um dia). Mas, desde já lheconfesso, a m/ culpa em nada me entristece. Pelo contrário: As-sumo a responsabilidade dela (paradoxalmente, bem sei) comalguma satisfação, até. Na verdade, quantas vezes me julgo, meacuso, me censuro, - outras tantas me absolvo. Acabo semprepor considerar expressivo o m/ silêncio. Assenta no mais pro-fundo de mim. Poderá significar resistência, recusa, reprovação,- ou uma asfixia. Veja bem: O escritor é hoje, na sociedade por-tuguesa, um marginal. Os truques e as tricas da engrenagem(que tanto conduz o medíocre à escalada como corta o passoao mais capaz) revolvem-me visceralmente, só de pensá-lo. Aregência estatal ignora-nos. Ou melhor: despreza-nos. Sabeque não temos autoridade. O divisionismo ou o que quer queseja fervilha entre nós, neutraliza-nos. Não somos capazes demodificar a n/ situação, como havemos de modificar a socieda-de? Há uma dispersão de forças. Há uma debandada. A regên-cia estatal não dá pela nossa existência. Nós até teríamos von-tade de lhe mostrar o cagueiro (ver R. B. in Le plaisir du texte)2

se ela nos dissesse "Vem por aqui!" (Régio, C. Negro). Mas nemisto ela já nos diz. Assim:

Tudo o que me parece estimulante para uma nova escrita édesatar a dar porrada até se fartar. Começar a malhar-lhes nalombada. Arrancar-lhes a máscara. São acaso as consagraçõesoficiais que nos compensam? Haverá nelas, ao menos, um mí-nimo de seriedade, compreensão, justiça? Não. O que vemos édemagogia descarada, aviltamento nosso3.

O Caso Torga: Será com discursatas, penteados, palmas emais palmas que se dignifica o trabalho literário escravo? Comeste "Vou ali e já venho" resolverão ministros e secretários oproblema do escritor, o problema da cultura? Que diferença háentre esta mascarada e o "esquecimento"? Que mais faz? E oTorga, porquê? Porque poetou contra a descolonização? Por-que berrou o s/ anterior canto à Liberdade4?

Como vê, tudo o que nos vem, ainda que do alto, não traz ou-tro aroma senão o duma fumegantíssima trampa.

E basta, por hoje, que esta vai longa e nada odorífera. Tinhaainda uns "desabafos" a respeito da n/ cara APE, da qual, paraos pagantes do Norte (do N e do C e do S) nem sequer um re-sumo, um sumário, uma notícia teve desses grandes panegíri-cos já feitos e doutros a fazer. Ficam (os desabafos) para quan-do da s/ vinda ao Porto. Venha, pois, e avise-me.

Com o abraço amigo doJosé Marmelo e Silva.

1. Carta datada de Espinho, 11.Janeiro.1979.2. Roland Barthes, O Prazer do Texto.3. Sentido e enraizado protesto de Marmelo e Silva sobre a condição do escritor em

Portugal: antes e depois de Abril/74, é certo. Como noutros passos das suas car-tas, as razões que avança para justificar a sua atitude revelam-se de uma clareza me-ridiana. Aliás, foi essa sempre a posição que soube e quis assumir, repetimos. E porisso pagou. Mas o seu "caso" não é único na nossa literatura, como se sabe.

4. As alusões a Torga justificam-se aqui como protesto (ainda) ao cortejo de homena-gens que então se prestaram ao autor de Contos da Montanha em todos os qua-drantes da vida cultural e política portuguesa.

Como forma de homenagem à memória do autor de Sedução,

agora que acaba de ser publicada a OBRA COMPLETA, pu-

blicamos aqui uma sua carta inédita, na altura em que prepa-

ramos a edição das CARTAS de José Marmelo e Silva, rece-

bidas entre 1967 e 1986 e cujo interesse literário e crítico, e

por vezes confessional, não pode continuar silenciado.

Page 46: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

46a páginada educaçãoabril 2003

andarilho

CINEMAPaulo Teixeira

de Sousa Escola Secundária

Artística Soares dos Reis Ded

icad

o à

Isab

el

Este artigo tem uma história. A Maria José falou à Isa-bel de O Livro das Ilusões, o último de Paul Auster, di-zendo que tinha a definição de cinema mais próximaque conhecia. A Isabel contou-me a conversa e deu-me a fotocópia da passagem que lhe tinha sido ofere-cida. Por estas e por outras é que não troco de escolapor nada. E ...vou partilhar convosco este texto.

“Não que eu tivesse alguma coisa contra o cinema,mas a verdade é que os filmes nunca haviam sido mui-to importantes para mim e, em quinze anos de ensinoe escrita, não sentira uma única vez a menor vontadede falar de filmes. Gostava deles como toda a gentegosta - como uma diversão, como um papel de paredeanimado, como uma coisas em grande valor nem sig-nificado. Por muito belas ou hipnóticas que as imagenspor vezes pudessem ser, a verdade é que não me sa-tisfaziam tão poderosamente como as palavras. Sentiaque o cinema mostrava demasiado, que não deixavaespaço suficiente à imaginação do espectador. E o pa-radoxo estava no facto de que o cinema, quanto maisse aproximava da simulação da realidade, mais falhavana representação do mundo - o qual está em nós tan-to como à nossa volta. Era por isso que intuitivamente,eu sempre preferi o preto e branco à cor, o mudo ao so-noro. O cinema era uma linguagem visual, um modo decontar histórias através da projecção de imagens numecrã bidimensional. A adição do som e da cor criava ailusão de uma terceira dimensão, mas, ao mesmo tem-po, roubava às imagens a sua pureza. Já não eram asimagens que tinham de fazer todo o trabalho, e, em vezde transformarem o filme no medium híbrido perfeito,no melhor de todos os mundos possíveis, o som e a cordebilitaram a linguagem, que, supostamente, deveriamter fortalecido. Naquela noite, na minha sala de estarde Vermont, enquanto observava as façanhas de Hec-tor e dos outros actores, ocorreu-me de súbito que es-tava perante uma arte morta, um género inapelavel-mente defunto e que, como tal, nunca mais seria prati-cado. E no entanto, apesar de todas as mudanças quedesde então haviam ocorrido, a obra, a obra daquelesartistas continuava tão fresca e revigorante comoquando fora exibida pela primeira vez. E isso aconteciaporque eles tinham compreendido a linguagem que es-tavam a falar. Eles tinham inventado uma sintaxe doolho, uma gramática de pura kinesis, e, tirando os figu-rinos, os carros, o mobiliário, pitoresco porque anti-quado, em pano de fundo, não havia, naquelas obras,nada que pudesse envelhecer. Aquelas obras eram opensamento traduzido em acção, a vontade humanaexpressando-se através do corpo humano, e, portanto,aquela era uma arte para todos os tempos. A maiorparte dos filmes mudos mal se dava ao trabalho decontar uma história. Eram como poemas, como repre-sentações de sonhos, como uma intrincada coreo-grafia do espírito. E, porque estavam mortos, provavel-mente interpelavam o espectador actual de um modomais profundo do que o público do seu tempo. Nós vía-mo-los através de um grande abismo de olvido, e eramprecisamente as coisas que os separavam de nós queos tornavam tão cativantes: a sua mudez, a ausênciade cor, os ritmos acelerados, convulsivos. Sim, eramobstáculos e, como tal, dificultavam a nossa visão,mas, ao mesmo tempo, aliviavam as imagens do fardoda representação. Erguiam-se entre nós e o filme e,portanto, já não tínhamos de fingir que estávamos aolhar para o mundo real. O ecrã plano era o mundo eexistia em duas dimensões. A terceira dimensão esta-va na nossa cabeça.”

Para terminar, além de escritor Paul Auster é tam-bém argumentista e realizador. Escreveu o argumentode Smoke, de Wayne Wang, com quem co-realizouBrooklyn Boogie, e realizou Lulu on the Bridge a partirdo seu romance homónimo.

P.S. O Livro das Ilusões está editado em Portugal pela ASA.

o liv

ro d

as

ilusõ

es

© is

to é

Page 47: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

47a páginada educaçãoabril 2003

andarilho

Em que circunstâncias um calendário sobrevive ao ano que regista?Quando, como é o caso do calendário 2003 da Greca Artes Gráficas, cada mêsé uma obra de arte. Com capa de Rui Mendonça (suporte informático, vernizpreto sobre papel couché mate de 350 gramas) eis a galeria do ano em curso,Com 13 feriados assinalados, dois dos quais neste mês de Abril.

Janeiro Emílio RemelheLápis de cor sobre papelcouché silk 250 gramasúnico feriado assinalado: dia 1

Fevereiro Rui Santoscolagem sobre papelquadricomia ouro sobre papel 200 gramasSem feriados. Fevereiro quente traz o diabo no ventre

MarçoGémeo LuísColagem sobre papelpreto verniz sobre dali candido insize 200 gramasassinala a terça-feira gorda: dia 4

Numa mostra de Ciência que a Universidade do Porto organizou no MercadoFerreira Borges, de 20 a 22 de Março, pp, dois dos quatro vintes reapareceramno canto da Escola de Belas Artes, hoje Faculdade. A “Fonte”, de Ângelo deSousa e o “Modelo Feminino” de José Rodrigues, respectivamente um aceta-to de polivinilo e um bronze, salvaram a feira da Universidade.

Para os menos familiarizados com as Artes Plásticas aqui ficam breves pin-celadas sobre os quatro vintes - quatro alunos da Escola Superior de Belas Ar-tes do Porto que terminaram, no mesmo ano, os respectivos cursos com aclassificação final de vinte valores e que formaram um grupo de ligações es-téticas denominado “quatro vintes”.

Num tempo em que havia uma marca de cigarros denominada “três vintes”.João Rita

P.S. a curtíssima mostra da Universidade do Porto soube a pouco.

Dois vintesna Feira

da Universidade

Jorge Pinheiro, Porto, 1931Jorge Pinheiro estudou na Escola Superior de Belas Artes do Porto onde foi professorentre 1963 e 1976, passando depois a leccionar na Faculdade de Lisboa. Foi bolseiro daFundação Calouste Gulbenkian em 1965 / 66 e entre 1979 / 90 altura em que estudouna École das Hautes Études en Sciences Sociales. Foi um dos fundadores do grupo por-tuense "Quatro Vintes", formado em 1968. É autor de numerosas ilustrações de livrospara crianças.

Partindo de uma obra figurativa, evoluiu mais tarde para o abstraccionismo geométri-co, questionando também o próprio suporte que pode adquirir formas pouco ortodoxas,rompendo com o seu carácter predominantemente rectangular. No período em que per-tenceu ao grupo referido, desenvolveu preferencialmente estes aspectos interessando-sepela construção de objectos de cores lisas e brilhantes. Posteriormente, dedicaria gran-de atenção ao desenho e às suas relações com a pintura, explorando os valores da com-posição, em obras de grande virtuosismo em que se assiste ao retorno da figuração.

Armando Alves, Estremoz ,1935Armando Alves formou-se na ESBAP com vinte valores, onde foi professor entre 1962 e1973. Em 1964, com uma bolsa da F.C.G. seguiu para Londres em viagem de estudo. Asua saída da Escola implicou uma dedicação às artes gráficas, área em que tem desen-volvido uma intensa actividade. Foi um dos elementos do grupo "Quatro Vintes".

Tendo começado por uma figuração que pode aproximar-se do universo neo-realis-ta, representando motivos do meio alentejano do trabalho, optou seguidamente por uminformalismo que marca os anos 60. A década seguinte é de grande experimentação,associada ao rigor e à definição que as artes gráficas emprestam, marcada por uma ex-ploração do signo "arco-íris" e pela construção de objectos pintados, depurados e con-tidos. A partir dos anos 80 retoma os valores da paisagem, tornando-se o Alentejo qua-se omnipresente, mas completamente transformados pela experiência adquirida. Assuas obras oscilam então entre "janelas" rigorosamente delimitadas na tela e áreas maisrevoltas e de maior riqueza matérica.

José Rodrigues, Luanda, 1936José Rodrigues formou-se em Escultura na ESBAP. Tem tido uma actividade extrema-mente fértil nas áreas da escultura, do desenho, da ilustração, da medalhística e da ce-nografia teatral. Tem numerosas obras em espaços públicos, nomeadamente no Porto(Faculdade de Economia, Praça da Ribeira, Foz do Douro, Av. da Boavista), em V. N. deCerveira, em Viana do Castelo, em Vila do Conde, em Lisboa, nos EUA, etc. Recebeu oprémio Sousa Cardoso, o Prémio de Crítica de Arte Portuguesa, o Prémio da Imprensapara o melhor espaço cénico realizado em Lisboa (1972), o Prémio de Escultura da Bie-nal de V.N. de Cerveira (1980), Prémio SOCTIP Artista do Ano (1990) e o Prémio Ten-dências da Arte Contemporânea em Portugal (1994). Foi um dos membros do grupo por-tuense "Os Quatro Vintes" fundado em 1968.

Embora nas duas últimas décadas o artista tenha realizado diversas exposições de-dicadas quase exclusivamente ao desenho, foi a produção escultórica que o impôs nacena artística nacional. Inicialmente o escultor procurou a exploração de elementos li-neares e filiformes que colocavam as peças em relacionamento evidente com o espaço(deixando-se atravessar por ele) e aspectos inerentes à escultura moderna, como oequilíbrio, a estabilidade versus instabilidade ou o movimento. Posteriormente os temasmitológicos suscitaram diversas obras, marcadas por um figurativismo anatómico, an-tes ausente da sua produção.

Ângelo de Sousa, Lourenço Marques (hoje Maputo) 1938Ãngelo César Cardoso de Sousa, nasceu em Lourenço Marques ( actualmente, Maputo ).Diplomou-se em Pintura na Escola de Belas-Artes do Porto onde, a partir de 1963, pas-sou a fazer parte do corpo docente. Fez posteriormente estudos em escolas de Londres( 1967 - 1968 ). Inaugurando um ciclo de exposições organizadas pelo estudante de Ar-quitectura José Pulido Valente, em que se procurava mostrar simultaneamente um artis-ta jovem com um consagrado, coube a Ângelo aparecer em 1959 ao lado de Almada Ne-greiros a iniciar a sua carreira pública. É um dos artistas dos grupo “Quatro Vintes”.

Papel

AbrilCristina ValadasTécnica mista sobre papelquadricomia modigliani neve 260 gramasassinalada a sexta-feira santa (18) e o 25 do A, uma sexta.

MaioValdemar SantosAcrílico sobre papelquadricomia chagal candido 260 gramasEste ano o 1º de Maio calha a uma quinta (bom para ponte)

JunhoAntónio ModestoTécnica mista sobre papelquadricomia modigliani blanco 260 gramasferiados a 10 e a 19

JulhoPedro SerapicosAguarela sobre papelquadricomia constelation snow martellata 240 gramassem feriados

Agosto (forever)Júlio Dolbethtécnica mista sobre papelpreto mais verniz creator ivory 300 gramasúnico feriado: dia 15

Setembro Alberto Fariasuporte digitalPantone 207 Tintoretto neve 250 gramassem feriados

Outubro José Manuel Saraivasuporte digitalQuadricomia Pantone 8221 couché mate 300 gramasFeriado a 5 de Outubro

NovembroMarta Madureiratécnica mista sobre cart‹oQuadricomia picote couché mate 300 gramasAbre em dia feriado

DezembroHeitor AlvelosFotografia e suporte digitalQuadricomia cartolina marfim 246 gramas1, 8 e 25 são dias feriados

Page 48: ano XII | nº 122 | ABRIL | 2003 · Mensal | Continente e ...€¦ · Director: José Paulo Serralheiro ·  apagina@spn.pt

48a páginada educaçãoabril 2003

Continuam as dúvidas sobre a exis-tência de água em Marte - em quan-tidades significativas. Esta imagem,que abrange uma área de 2,8 kmpor 4,5 km, é de uma cratera do pla-neta vermelho e foi obtida pela son-da Mars Global Surveyor, da NASA.Nas paredes desta depressão épossível observar marcas que, apa-rentemente, são provocadas pelaescorrência de água líquida. Por suavez, essa água terá tido origem emdepósitos de gelo da própria cratera(aqui assinalados com uma seta),defendem alguns cientistas.

FOTO ciência com legenda

Luís Tirapicos

Captar o sentido das alterações so-cietais da nossa contemporaneida-de, plasmá-las sinteticamente atra-vés de uma designação que qualifi-que uma nova sociedade para aqual estaríamos a evoluir, é um ob-jectivo ambicioso e quase impossí-vel de atingir. Por outro lado, não éum objectivo destituído de interes-se. Com efeito, a busca de tal desig-nação é, por si mesma, uma pode-rosa alavanca de reflexão orientadapara a compreensão do significadoe dos impactos das transformaçõesque estão a ocorrer - SociedadePós-industrial, Sociedade da Infor-mação, Sociedade da Comunica-ção, Sociedade do Conhecimento…

Tais têm sido as designaçõesaplicadas com mais frequência pe-los teorizadores que, sobretudo apartir de meados do século XX, têmprocurado desempenhar tal tarefade crisma das sociedades que esta-riam a nascer das entranhas das so-ciedades industriais então caracte-rísticas dos países economicamentemais desenvolvidos. De facto, com

as progressivas racionalização e au-tomatização dos processos de pro-dução - e o seu cortejo de reduçõesde mão de obra fabril para níveis deprodução semelhantes -, mais osparalelos emergires da tecnologia dainformação, da cibernética ou dosservomecanismos, era um “novomundo” que parecia estar a surgir.

O facto mais referido, entre ou-tros, deste “novo mundo” que surgiaera o relativo declínio quantitativo daforça de trabalho da indústria en-quanto subia a sua importância naárea dos serviços. E isto sobre umpano de fundo de declínio, vindo demais longe, da força de trabalho daagricultura neste grupo de países.Daí a insistência numa sociedadeem que os serviços seriam prepon-derantes. A produção de bens, cadavez mais automatizada, a desapare-cer da ribalta! Tal como já acontece-ra com a produção dos bens agríco-las. Esta, inclusive, a ver aprofunda-da a “industrial” automatização dosseus processos. De onde o nome deSociedade Pós-industrial.

Mas, a partir de certa altura, verifi-cou-se que esta designação de So-ciedade Pós-industrial não só nãodava conta da crescente importânciaque os meios de comunicação “elec-trónicos” desempenhavam na socie-dade, como iludia ainda os factos deevoluções paralelas às dos proces-sos de produção industriais, não sóna produção dos bens agrícolas co-mo na produção dos serviços. Por-tanto, a questão não podia ser colo-cada apenas na transição de umasociedade para além do industrialis-mo. E a entidade comum que foi en-contrada foi a da informação. A tec-nologia: a dos computadores, a infor-mática, a tecnologia da informação.

Portanto, aí estava a Sociedadeda Informação. E a informação estápor toda a parte. Inanimada, ou não,e registada, a informação é recolhi-da directamente quer da Naturezaquer dos processos tecnológicospor nós criados. Com a entrada emgrande estilo na vida das socieda-des dos meios de comunicação, elaé “lida” de registos através daque-

les. Sendo os meios de comunica-ção os electrónicos criados ao lon-go do século XX, a informação podequase instantaneamente ser trans-mitida e estar em toda a parte.

Mas os meios são-no sempre pa-ra comunicação. Porque, de facto, adisponibilização da informação ésempre mediada por terceiros. Porisso tem-se afirmado não ser umaSociedade da Informação mas maisuma Sociedade da Comunicação, aque está em gestação. A informaçãoé colhida, tratada e geralmentetransmitida para acabar por ser re-cebida por destinatários logo imagi-nados durante aqueles processos.

E como há sempre mais pontosde vista e a informação não é ape-nas matéria prima da comunicação,pois esta faz parte - inerente e fun-damental - do próprio processo deadaptação da nossa espécie aoMundo e à Vida, processo do qualresulta o Conhecimento, e no qual éaplicado o Conhecimento, porquenão, então, designá-la por Socieda-de do Conhecimento?

DA CIÊNCIAe da vida

Francisco SilvaPortugal Telecom, Lisboa

Sociedade do conhecimento?A informação não é apenas matéria prima da comunicação, pois esta faz parte - inerente e fundamental -

do próprio processo de adaptação da nossa espécie ao Mundo e à Vida, processo do qual resulta o Conhecimento, e no qual é aplicado o Conhecimento, porque não, então, designá-la por Sociedade do Conhecimento?

Fo

to: N

AS

A/J

PL

Água em Marte?

© is

to é