Ano XXVII • Nº 242 • Janeiro 2017 • R$ 15,00 • … · 2017-02-25 · Os empregos em...

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Ano XXVII • Nº 242 • Janeiro 2017 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br facebook.com/revista.eco21 ECO 21 Mario Soares • Naomi Klein • Barack Obama • Xi Jinping Evanildo Barbosa Filho • Al Gore • Thelma Krug • Tasso Azevedo ISSN 0104-0030

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Diretora Lúcia Chayb

Editor

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Redação Regina Bezerra, Rudá Capriles

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Ano X X V II • Janeiro 2017 • N º 242

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Capa: O Ano do Galo de Fogo Arte: Jean Tori

Gaia viverá! Lúcia Chayb e René Capriles

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Os números da China de Xi Jiping são impressionantes: 13 milhões de empregos somente na área das energias renováveis até 2020, isto é, mais de 5.000 postos de trabalho por dia; 43 GW de energia solar instalada (a hidrelétrica de Itaipu gera 14 GW); 145 GW de geração eólica. A China instala uma média de duas turbinas eólicas por hora. E o Ano do Galo de Fogo apenas começa. Segundo o calendário chinês é um ano poderoso, sem espaço para indecisões, com objetivos firmes. As previsões dizem que o Galo de Fogo trará uma energia audaciosa que ajudará a não ter medo das mudanças. Cheio de oportunidades e novas ideias, o ano de 2017 promete ser repleto de escolhas decisivas. E isso foi confirmado pelo Presidente Xi Jiping na recente reunião do Fórum Econômico Mundial em Davos. No seu discurso ele disse: “Devemos aderir ao multilateralismo para defender a autoridade e a eficácia das instituições multilaterais. Devemos honrar as promessas e cumprir as regras. Não se deve escolher ou dobrar as regras como bem entender. O Acordo de Paris é uma vitória duramente conquistada, que está de acordo com a tendência subjacente do desenvolvimento global. Todos os signatários devem cumpri-lo em vez de se afastar dele, pois esta é uma responsabilidade que devemos assumir para as gerações futuras”. Parecem palavras de um ecologista. Pouco tempo antes, Xi anunciou que investirá US$ 361 bilhões em energia renovável até o final da década o que é um sinal de que a nação mais populosa do mundo está levando a sério a questão das mudanças climáticas. O país visa reduzir as emissões de CO2 em 1,4 bilhões de toneladas métricas por ano. Grandes cidades como Beijing são frequentemente cobertas pela poluição atmosférica, devido em grande parte à queima de carvão e outras atividades industriais. No ano passado, como parte da guerra "contra a poluição", Pequim fechou 335 fábricas e tirou das ruas mais de 400.000 veículos com alta emissão de CO2. De acordo com a Secretaria Municipal Ambiental de Beijing, o número total de dias de "céu azul", no ano passado atingiu 198, em 2015 foram apenas 12. Xi Jiping acrescentou sobre isto: “É importante proteger o meio ambiente procurando o progresso econômico e social, de modo a alcançar a harmonia entre o homem e a natureza e entre o homem e a sociedade. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável deve ser implementada para alcançar um desenvolvimento equilibrado em todo o mundo”. A Agência Nova China informou que o povo chinês gastou mais em compras, refeições, viagens e entretenimentos durante a celebração do Ano Novo Lunar que começou no dia 28 deste mês (Janeiro). Lojas e restaurantes registraram vendas robustas com receitas que chegaram a US$ 120 bilhões. Vale a pena continuar no pensamento de Xi Jiping: “Deve ser dada prioridade à luta contra a pobreza, o desemprego, o aumento da disparidade de rendimentos e as preocupações dos desfavorecidos para promover a igualdade e justiça sociais. Um adágio chinês diz: 'A vitória é assegurada quando as pessoas juntam suas forças; o sucesso é garantido quando as pessoas se juntam'. Enquanto mantivermos a meta de construir uma comunidade de futuro compartilhado para a humanidade, trabalhando lado a lado para cumprir nossas responsabilidades superando dificuldades, seremos capazes de criar um mundo melhor e proporcionar uma vida melhor para os nossos povos”. O Partido Comunista da China foi fundado no Ano do Galo de 1921. O PCC convocará neste ano seu 19º Congresso Nacional e tem de cumprir com diversas missões para que o Ano do Galo seja de boa sorte. Por coincidência, o primeiro dia de trabalho do Ano Novo é o " lichun", ou início da Primavera, o primeiro dos 24 períodos solares do antigo calendário chinês. Agora que se despede do Inverno, a China espera que o mundo tenha uma grande Primavera.

No Ano do Galo de Fogo a China assume a liderança ambiental

4 Ma Tianjie - Xi defende desenvolvimento de baixo carbono em Davos 6 Barack Obama - O momento irreversível da energia limpa10 Naomi Klein - Trump inventa o capitalismo do desastre12 Claudio Angelo - Vai ser tão ruim assim?14 André Ferretti - O clima mudou, é a hora de mudarmos também15 Tasso Azevedo - Com Trump, é bem pior o futuro do clima16 Mário Soares - Uma nova visão mundial do oceano20 Waleska Barbosa - Mundo chama atenção para as áreas úmidas24 Erik Von Farfan - Lei das Águas do Brasil completa 20 anos25 Eliana Lucena - Plano de recursos hídricos tem metas até 202028 Jonathan Mingle - A lenta morte do local do nascimento da ecologia34 Gilka Resende - Alerta para os riscos do fracking na América Latina36 Thelma Krug - Desmatamento na Amazônia: um desafio brasileiro38 Evanildo Barbosa da Silva - Paradoxos da política de saneamento básico no Brasil40 Passos Junior - Energia solar para o semiárido41 Emily Morris - Sem carros a diesel até 202542 José Monserrat Filho - Bauman e a desigualdade como moto-perpétuo44 Alejandro Villamar - Presente do Ano Novo Lunar: província da China veta OGM48 Alan Tygel - Imperatriz acerta em cheio umbigo do agronegócio50 Al Gore - A estrada para frente no clima

Na coletiva de imprensa antes da abertura do Fórum Econômico Mundial 2017 (WEF) em Davos, o professor Klaus Schwab, fundador dessa reunião anual de alto perfil de líderes políticos, empresariais e da sociedade civil global, começou com uma representação sombria do ano passado: “a reação crescente contra o efeito da globalização econômica, especialmente nas democracias industriais, está ameaçando gerar um impacto muito perturbador sobre as atividades econômicas e a estabilidade social em muitos países”.

Os líderes mundiais que se reuniram na cidade suíça de Davos enfrentaram um cenário global perturbador de movimentos populistas emergentes, crescimento econômico enfraquecido e desigual e desafios ambientais crescentes. Eles também tiveram que demonstrar “liderança responsiva e responsável” (Responsive and Responsible Leadership), que é o tema do WEF deste ano.

Um líder do qual as pessoas estão procurando respostas é o Presidente Xi Jinping da China. Ele fez um discurso de abertura sem precedentes no Fórum. Seu pronunciamento tratou da visão de um “destino comum da humanidade” e de um roteiro para a colaboração global renovado.

Ma Tianjie | Editor-Chefe do Chinadialogo em Pequim. Foi Diretor de Programa para a China Continental do Greenpeace. Mestre em política ambiental pela American University, Washington DC

Xi defende desenvolvimento de baixo carbono em Davos

Mas além de tais noções, líderes de todo o mundo tam-bém podem aprender com a experiência real da China nos últimos anos de buscar “motores” alternativos de crescimento econômico, um tema que Davos explorou este ano.

A comitiva do Presidente Xi Jinping de líderes empresa-riais chineses incluiu alguns dos empreendedores mais bem sucedidos do país. Grande parte deles é da área de energias renováveis, que é um dos setores com crescimento mais rápido do país e a chave para a China alcançar seus objetivos ambientais e sociais.

Então, o que o mundo pode aprender com a experiência da China de investir em energias renováveis, como solar e eólica? Dinamizar a economia e a capacidade de energia renovável fez crescer a China rapidamente nos últimos anos. A capacidade eólica aumentou de 31 gigawatts (GW) em 2015 para 145 GW, que é mais do que a Europa no mesmo período. A China instala uma média de duas turbinas eólicas por hora. A solar também está crescendo rapidamente, com 15 GW instalados em 2015 atingindo uma capacidade total de 43 GW. Em ambos os casos estas adições foram os maiores aumentos de um ano alcançados por qualquer país.

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Para comparação, o aumento da capacidade eólica em 2015 foi aproximadamente equivalente à capacidade total de energia renovável do Reino Unido, enquanto o crescimento em energia solar foi aproximadamente equivalente à adição da capacidade solar combinada do Reino Unido e Espanha.

Como resultado deste setor em expansão, a energia renovável é um importante empregador na China. Em 2015, ele empregou 3,5 milhões de pessoas, quase um milhão a mais do que o trabalho no setor de petróleo e gás chinês. Os empregos em energias renováveis têm crescido em 1,8 milhão desde 2012.

Em comparação, houve 769.000 empregos no setor nos EUA em 2015, um aumento de 157.000 desde 2012. A China acredita que seu 13º Plano Quinquenal (2016-2020) criará um adicional 13 milhões de empregos renováveis até 2020. Trata-se de mais de 8.900 postos de trabalho por dia, assumindo uma taxa de geração de emprego constante durante o Plano. Esses novos empregos incluem os atuais 3,5 milhões de empregos da China em energias renováveis. Se considerarmos o fato de que menos de 55.000 pessoas trabalhavam nas minas de carvão nos EUA no final de 2016, isso significa que num ano, a China criará 34 postos de trabalho de energias renováveis para cada trabalho de mineração de carvão dos EUA.

O forte e constante crescimento das energias renováveis na China é, em grande parte, devido ao firme compromisso do país em investir neste setor em expansão. O Banco de Desenvolvimento da China, por exemplo, foi creditado para escorar a indústria de energia solar fotovoltaica em momen-tos de grande turbulência. Hoje em dia, a China é o maior investidor energia limpa do mundo, aplicando US$ 102,9 bilhões em energias renováveis em 2015 (com exclusão das grandes hidrelétricas).

Isso representa 36% do investimento global e um aumento de 17% em 2014. A China espera adicionar mais 100 GW da capacidade nacional de energia eólica e uma quantidade semelhante de capacidade de energia solar entre 2015 e 2020, para cumprir o seu objetivo de emissões com pico em 2030 a mais tardar. Isto significa investir mais US$ 361 bilhões em energia renovável até 2020.

Hoje, as empresas chinesas dominam o mercado mundial das energias renováveis. A maior empresa de energia eólica do mundo e 5 das 6 maiores empresas de energia solar são chinesas . O país também está investindo em energia limpa internacionalmente, aproveitando-se de um aumento global na demanda por energia renovável (a energia limpa será a maior fonte de crescimento da capacidade de energia nos próximos 5 anos, de acordo com a Agência Internacional de Energia).

Em 2016, o investimento estrangeiro da China em ener-gias renováveis, incluídas 11 ofertas de valor superior a US$ 1 bilhão, com um valor total de US$ 32 bilhões significa um aumento de 60% sobre o ano anterior.

No WEF deste ano, os líderes receberam mensagens muito diferentes das duas principais economias do mundo quando se trata de energia renovável. Enquanto a China está abraçando um setor que muitos acreditam que será a base de como a sociedade se capacitará no futuro, a entrada do novo Governo dos EUA parece focada em combustíveis fósseis, nomeando um executivo de uma companhia de petróleo e um “negacionista climático” para chefiar o Departamento de Estado e a EPA, respectivamente. A China investiu mais do que os EUA em energia renovável a cada ano desde 2012.

O investimento dos EUA em energias renováveis em 2015 foi de US$ 44.1 bilhões; um aumento de 19% sobre o ano anterior, menos da metade da China. O número de empregos em renováveis nos EUA aumentou cerca de 6% em 2015 para 769.000. O emprego em energia solar cresceu 12 vezes mais rápido do que a geração global de emprego nos EUA, ultrapassando a extração de petróleo e gás (172,400 empregos em 2016) e mineração de carvão (53.800 postos de trabalho). Estes números são impressionantes por conta própria. Mas durante o mesmo período, os empregos de energia renovável na China aumentaram em 133 mil, quase três vezes mais.

Qualquer mudança nas políticas dos Estados Unidos sobre a ação climática ou as energias renováveis deve ser vista no contexto da transformação global do baixo carbono que está em andamento. Embora medidas para reduzir as energias renováveis e recompensar os investimentos em combustíveis fósseis nos EUA possam certamente impulsionar o investi-mento de energias renováveis em outros países, é improvável que representem uma ameaça à contínua implantação de energia limpa em escala global. Junto com a Índia e outros países, a China está adotando a descarbonização.

A esmagadora maioria do povo chinês diz que está disposta em pagar mais por uma eletricidade de baixo carbono, em comparação com cerca de metade dos cidadãos estadunidenses, de acordo com pesquisas em 2013 e 2014.

Como o discurso do Presidente Xi Jinping durante o encontro do Fórum Econômico Mundial em Davos mostrou, a China está abraçando mais do que apenas a descarboni-zação; ela está pronta para aproveitar as poderosas forças do sol, do vento e de outras fontes renováveis de energia para reconfigurar maciçamente sua economia e garantir sua futura competitividade global.

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Xi Jinping, Presidente da China

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A liberação de dióxido de carbono (CO2) e outros Gases de Efeito Estufa (GEE) em virtude da atividade humana está elevando a temperatura média global do ar na superfície, gerando distúrbios nos padrões climáticos e acidificando os oceanos. Se nada for feito, o crescimento contínuo das emis-sões de GEE poderá fazer com que as temperaturas médias globais aumentem 4°C ou mais até 2100 e 1,5 a 2 vezes mais em locais do centro do Continente e do extremo Norte.

Embora nossa compreensão dos impactos das mudanças climáticas seja crescente e perturbadoramente clara, ainda há um debate sobre o curso adequado para a política dos EUA – um debate que está muito exposto durante a atual transição presidencial. Mas deixando de lado a política de curto prazo, a crescente evidência econômica e científica me deixa confiante de que as tendências para uma economia de energia limpa que surgiram durante a minha presidência continuarão e que a esta é uma oportunidade econômica que traz ao nosso país uma tendência para crescer. Este espaço de políticas tem como foco quatro razões pelas quais acredito que a tendência do mundo para energia limpa é irreversível.

O momento irreversível da energia limpa

Barack Obama | Presidente dos Estados Unidos

Economias crescem, queda de emissões

Os EUA estão mostrando que a mitigação de GEE não precisa estar em conflito com o crescimento econômico. Ao contrário, pode aumentar a eficiência, a produtividade e a inovação. Desde 2008, os Estados Unidos têm experimen-tado o primeiro período sustentável de reduções rápidas de emissões de GEE e o registro de um crescimento econômico simultâneo. Especificamente, as emissões de CO2 do setor de energia caíram 9,5% entre 2008 e 2015, enquanto a economia cresceu mais de 10%. Neste mesmo período, a quantidade de energia consumida por cada dólar de Produto Bruto Interno (PIB) caiu quase 11%, a quantidade de CO2 emitida por unidade de energia consumida diminuiu 8%, e as emissões de CO2 por cada dólar do PIB reduziram 18%.

Agradecimentos de Barack Obama a: B. Deese, J. Holdren, S. Murray, e D. Hornung que contribuiram para a pesquisa, elaboração e edição deste artigo. Artigo publicado originalmente na revista Science em 9 de Janeiro de 2017, sendo Barack Obama ainda Presidente dos EUA. Todas as citações do artigo original podem ser vistas no site da ECO•21 - www.eco21.com.br Tradução: Katherine Rivas - Envolverde

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A importância desta tendência não pode ser subestimada. Esta “dissociação” das emissões do setor energético e do cres-cimento econômico deve pôr fim ao argumento de que a luta contra as mudanças climáticas exige a aceitação da redução do crescimento. Embora essa dissociação seja mais pronun-ciada nos EUA, evidencia que as economias podem crescer enquanto as emissões não aumentam no mundo. A Agência Internacional de Energia (AIE) estimou de forma preliminar a energia relacionada às emissões de CO2 em 2015 e revelou que o nível destas permaneceu estável em comparação com 2014, ao mesmo tempo em que a economia global cresceu.

A AIE observou que “Houve apenas quatro períodos nos últimos 40 anos em que os níveis das emissões de CO2 ficaram estáveis ou caíram em comparação ao ano anterior. Entre estes o início dos anos 1980, 1992, e 2009 associado com um período de fraqueza econômica mundial. Em contraste, hoje a recente estagnação no crescimento das emissões ocorre num período de crescimento econômico”.

Ao mesmo tempo, estão aumentando as evidências de que qualquer estratégia econômica que ignore a poluição por carbono vai gerar custos gigantescos à economia global o que resultará em menos empregos e menor crescimento econômico no longo prazo. As estimativas dos danos econômicos do aquecimento global de 4°C acima dos níveis Pré-Industriais variam de 1 por cento a 5 por cento sobre o PIB global por cada ano até 2100.

Um dos modelos econômicos mais citados comprova que a estimativa de danos anuais gerados pelo aquecimento de 4°C impacta em cerca de 4% do Produto Interno Bruto mundial gerando uma perda de US$ 340 bilhões a US$ 690 bilhões anuais.

Além disso, estas estimativas não incluem a possibili-dade de que o incremento de emissões desencadeie eventos catastróficos, como o encolhimento acelerado dos lençóis de gelo da Groenlândia e do Antártico, mudanças drásticas nas correntes oceânicas ou liberação de GEE em solos congelados e sedimentos que aceleram o aquecimento. Estas mostram os fatores de dano econômico, mas não abordam a questão crítica de que a taxa subjacente do crescimento econômico (e não apenas o PIB) é afetada pela mudança climática, portanto esses estudos poderiam subestimar substancialmente os danos potenciais do clima na alteração da macroeconomia global.

Está ficando cada vez mais claro que, independente das incertezas inerentes à previsão dos futuros padrões climáticos e de temperatura, os investimentos necessários para reduzir as emissões, aumentar a resiliência e a preparação frente às mudanças climáticas não podem mais ser evitados. É dizer, nos próximos anos, os Estados, as localidades e as empresas precisarão continuar com esses investimentos críticos, além de tomarem medidas de senso comum para divulgar o risco climático para os contribuintes, proprietários, acionistas e clientes. Os negócios globais de seguros já estão adotando medidas devido a como seus modelos analíticos revelam risco climático crescente.

Reduções das emissões no setor privado

Além do caso macroeconômico, as empresas estão chegando à conclusão de que a redução das emissões não é apenas boa para o meio ambiente – também pode impulsionar as linhas de fundo, reduzir os custos para os consumidores e oferecer retornos para os acionistas.

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Talvez o exemplo mais convincente seja a eficiência energética. O Governo tem desempenhado um papel forte no incentivo deste tipo de investimento e inovação: a minha Administração tem implementado (i) padrões de economia de combustível que são benéficos e projetados para reduzir mais de 8 bilhões de toneladas de poluição de carbono ao longo da vida dos novos veículos vendidos entre 2012 e 2029 e (ii) 44 padrões de aparelhos e novos códigos de construção para cortar 2,4 bilhões de toneladas de poluição de carbono e economizar US$ 550 bilhões para os consumidores em 2030.

Mas, ultimamente, esses investimentos estão sendo feitos por empresas que decidem cortar seu desperdício de energia para economizar dinheiro e investir em outros negócios. Por exemplo, a empresa de alumínio Alcoa estabeleceu uma meta de reduzir em 30% a intensidade de GEE até 2020 a partir de sua linha de base de 2005, e a General Motors está trabalhando para reduzir sua intensidade energética nas instalações em 20%, segundo sua linha de base de 2011 sobre o mesmo período de tempo. Investimentos como estes estão contribuindo para que estes modelos impactem em toda a economia: o consumo total de energia em 2015 foi 2,5% menor do que era em 2008, enquanto a economia foi 10% maior.

Este tipo de tomada de decisão corporativa pode eco-nomizar dinheiro, mas também tem o potencial de criar empregos que pagam bem. Um relatório do Departamento de Energia dos EUA divulgado nesta semana (nota: no início deste mês, Janeiro) revelou que 2,2 milhões de estaduniden-ses estão atualmente empregados na elaboração, instalação e fabricação de produtos e serviços de eficiência energética. Isso se compara com os cerca de 1,1 milhões de americanos que estão empregados na produção de combustíveis fósseis e sua utilização para geração de energia elétrica.

As políticas que continuam a encorajar as empresas a poupar dinheiro cortando desperdício de energia poderiam pagar um importante dividendo de emprego e se basear numa lógica econômica mais forte do que continuar com os 5 bilhões de dólares por ano em subsídios federais aos combustíveis fósseis. Uma distorção de mercado que precisa ser corrigida por conta própria ou no contexto da reforma tributária das empresas.

Forças de mercado no setor de energia

O setor elétrico estadunidense – a maior fonte de emissões de gases de Efeito Estufa da nossa economia – está sendo transformado, em grande parte, por causa da dinâmica do mercado. Em 2008, o gás natural representou cerca de 21% da geração de eletricidade dos Estados Unidos. Hoje, torna-se 33%, incremento devido a passagem do carvão de alta emis-são para o gás natural de emissões mais baixas, provocada principalmente pela disponibilidade maior de gás de baixo custo devido a novas técnicas de produção.

Como o custo da nova geração de eletricidade usando gás natural deverá permanecer baixo em relação ao carvão, é improvável que as concessionárias mudem de rumos e optem por construir usinas a carvão, o que seria mais caro do que as usinas de gás natural, independentemente de quaisquer mudanças de curto prazo na política federal.

Embora as emissões de metano da produção de gás natural sejam uma séria preocupação, as empresas têm um incentivo econômico a longo prazo para implementar medidas de redução de resíduos consistentes com os padrões que minha Administração estabeleceu e os Estados continuarão a fazer avanços importantes na direção desta questão, independen-temente da política federal de curto prazo.

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Custos de energias renováveis também caíram drastica-mente entre 2008 e 2015: o custo da eletricidade caiu 41% para a energia eólica, 54% para instalações fotovoltaicas (PV), e 64% para PV em escala de utilidade pública. Segundo a Bloomberg New Energy Finance, 2015 foi um ano recorde para o investimento em energia limpa, atraindo o dobro do capital global que os combustíveis fósseis.

A política pública, desde os investimentos da Lei de Recuperação até as recentes extensões de crédito tributário, desempenhou um papel crucial, mas os avanços tecnológicos e as forças de mercado continuarão impulsionando o desenvol-vimento renovável. O custo nivelado de eletricidade a partir de energias renováveis, como eólica e solar em algumas partes dos EUA já é menor que o da nova geração de carvão, sem contar com subsídios para estas energias renováveis. É por isso que as empresas estadunidenses estão fazendo o movimento em direção as fontes de energia renováveis. Google, por exemplo, anunciou no mês passado (Dezembro 2016) que, em 2017, a empresa planeja alimentar 100% de suas operações usando energia renovável em grande escala, além de contratos de longo prazo para compra de energia renovável diretamente. Walmart, maior varejista do país, estabeleceu uma meta de conseguir 100% de sua energia de fontes renováveis nos próximos anos. Em toda a economia do País, as empresas de energia solar e eólica agora empregam mais de 360.000 americanos, em comparação com cerca de 160.000 que trabalham na geração de carvão ou de energia elétrica.

Para além das forças do mercado, a política em nível estatal continuará impulsionando as energias limpas. Estados que representam 40% da população dos EUA estão avançando com planos de energia limpa, e mesmo fora destes, esta energia está se expandindo. A energia eólica representou 12% da produção de eletricidade do Texas em 2015 e, em algum momento de 2015 esse número era 40%. O vento forneceu 32% da geração de energia total de Iowa, acima de 8% em 2008 (percentagem maior do que em qualquer outro Estado).

Momentum global

Fora dos EUA, outros países e seus negócios estão avan-çando, buscando colher benefícios para as nações, liderando a corrida de energia limpa. Mas nem sempre foi assim. Há pouco tempo, muitos acreditavam que apenas um pequeno número de economias avançadas deveria ser responsável pela redução das emissões de GEE e pela contribuição na luta contra as alterações climáticas. Mas, em Paris, as nações concordaram que todos os países devem apresentar políticas climáticas cada vez mais ambiciosas e sujeitas a exigências consistentes de transparência e responsabilidade. Esta foi uma mudança fundamental no contexto diplomático, que já rendeu dividendos. O Acordo de Paris entrou em vigor há menos de um ano e, na reunião de Marrakesh, os países concordaram que, mais de 110 países que representam mais de 75% das emissões globais já aderiram ao Acordo de Paris, fazendo com que as ações do clima sejam “um momento irreversível”.

Embora seja necessária uma ação substantiva ao longo de décadas para concretizar a visão de Paris, a análise destas contribuições individuais dos países sugere a continuidade de objetivos a médio prazo e o aumento desta ambição nos pró-ximos anos – juntamente com o incremento de investimentos em tecnologias de energia limpa – limitando o aquecimento da comunidade internacional a 2°C até 50%.

Se os Estados Unidos se afastassem do Acordo de Paris, perderia o seu lugar na mesa para manter outros países em seus compromissos, exigir transparência e encorajar a ambi-ção. Isso não significa que o próximo Governo precise seguir políticas domésticas idênticas as da minha gestão. Existem vários caminhos e mecanismos pelos quais este País pode alcançar – de forma eficiente e econômica – os objetivos adotados em Paris. O próprio Acordo de Paris baseia-se numa estrutura nacionalmente determinada, segundo a qual cada país estabelece e atualiza os seus próprios compromissos.

Independentemente das políticas internas dos Estados Unidos, isso prejudicaria nossos interesses econômicos e nos afastaria da oportunidade de responsabilizar os países que representam dois terços das emissões globais de GEE – incluindo China, Índia, México, e membros da União Europeia, entre outros.

Esta luta não deve ser uma questão partidária. É um bom negócio e uma boa alternativa para a economia liderar uma revolução tecnológica e definir as tendências do mercado. E é um planejamento inteligente estabelecer metas de redução de emissões de longo prazo e dar às empresas estadunidenses, empresários e investidores a certeza de que podem investir e fabricar tecnologias de redução de emissões de uso interno e para exportação no mundo. É por isso que centenas de grandes empresas – incluindo companhias ligadas à energia, ExxonMobil, Shell, DuPont, Rio Tinto, Berkshire Hathaway Energy, Calpine, Pacific Gas e a Electric Company apoiaram o processo de Paris e seus investidores se comprometeram com US$ 1 bilhão, capital privado para apoiar descobertas de energia limpa que poderiam tornar ainda mais eficaz a transformação climática.

Conclusão

Sabemos há muito tempo, com base em um registro científico contundente, que a urgência de agir para mitigar a mudança climática é real e não pode ser ignorada. Nos últi-mos anos, vimos também que o argumento econômico para a ação – e contra a inação – é muito claro: o setor de negócios para a energia limpa está crescendo e a tendência para um setor desta energia pode ser sustentada independentemente da política federal de curto prazo.

Apesar da incerteza política que enfrentamos, continuo convencido de que nenhum país é mais adequado do que os Estados Unidos para enfrentar o desafio do clima e colher os benefícios econômicos de um futuro com baixa emissão de carbono. E que a participação no processo do Acordo de Paris trará grandes benefícios para o povo americano e a comunidade internacional.

Uma prudente política dos EUA ao longo das próximas décadas iria priorizar, entre outras ações, a descarbonização do sistema energético dos Estados Unidos, o armazenamento de carbono e a redução das emissões de CO2 em solo esta-dunidense.

Naturalmente, uma das grandes vantagens de nosso sistema de governo é que cada presidente é capaz de traçar seu próprio curso de política. E o Presidente eleito Donald Trump terá a oportunidade de fazê-lo. Os recentes avanços da ciência e economia fornecem um guia útil sobre o futuro, em muitos casos, independente de escolhas de política de curto prazo, quando se trata de combater a mudança climática e a transição para uma economia de energia limpa.

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Já sabemos que o governo Trump pretende desregulamen-tar o mercado, travar uma guerra sem limites contra o “terrorismo islâmico radical”, destruir a ciência que estuda o aqueci-mento global e desencadear uma corrida por combustíveis fósseis. Essa é uma abordagem que certamente gerará um tsunami de crises e choques: choques económicos, com bolhas de mercado a rebentar; choques de segurança, com efeitos internos da reação ao militarismo externo; choques ambientais, à medida que o meio ambiente é desestabilizado; e choques industriais, com derrames em oleodutos e colapsos de plataformas, que tendem a ocorrer, em especial, quando são pouco regulamentados.

Tudo isso é perigoso o suficiente. Mas o mais grave será a forma como o governo Trump certamente explorará esses choques tanto política quanto economicamente. Não é pre-ciso especular. Basta um pouco de conhecimento de história recente. Há 10 anos, publiquei “A Doutrina do Choque”, um livro sobre como as crises foram exploradas sistematicamente nos últimos 50 anos para promover uma agenda radical em prol de grandes corporações. O livro começa e termina com a reação ao furacão Katrina, pois ele representa um modelo assustador para o capitalismo baseado em desastres.

Esse fato é relevante por conta do papel central, e pouco lembrado, desempenhado pelo homem que agora ocupa a Vice-Presidência dos EUA, Mike Pence. Quando o Katrina atingiu Nova Orleans, Pence era Presidente do Comitê de Estudos Republicanos (RSC), um órgão poderoso e extre-mamente ideológico. Em 13 de Setembro de 2005, apenas 14 dias após os diques romperem, com partes de Nova Orleans ainda submersas, o RSC fez a fatídica reunião nos escritórios da Heritage Foundation, em Washington, D.C. Sob a liderança de Pence, o grupo produziu uma lista de “Ideias em favor do mercado livre para responder ao furacão Katrina e à alta do preço do gás”. Ao todo, 32 políticas tiradas da cartilha do capitalismo do desastre.

Para se ter ideia de como o Governo Trump reagirá à sua primeira crise, vale a pena ler a lista completa (www.naomiklein.org/shock-doctrine/resources/part7/chapter20/pro-market-ideas-katrina) e reparar no nome de Pence lá no fim. O que mais se destaca no pacote de pseudopolíticas de “socorro” é o comprometimento com uma guerra sem limites às normas laborais e à esfera pública – o que é irônico, já que foi justamente o fracasso da infraestrutura pública que transformou o Katrina em uma catástrofe humanitária.

Naomi Klein | Jornalista, ativista ambiental e escritora

Trump inventa o capitalismo do desastre

Também é impressionante a determinação em usar qual-quer oportunidade para fortalecer o setor de petróleo e gás.Os três primeiros itens da lista do RSC são “suspender auto-maticamente as leis salariais Davis-Bacon vigentes na área do desastre”, em menção à Lei que obrigava empreiteiros federais a pagar o salário mínimo; “fazer de toda a área afetada uma zona de imposto uniforme e livre empreendimento”; e “fazer de toda a região uma zona de competitividade económica (incentivos fiscais abrangentes e dispensando regulamenta-ções)”. Outro ponto solicitava que os pais recebessem vales para serem usados em escolas privadas, uma medida em perfeita consonância com a visão adotada pela nomeada por Trump para Secretária da Educação, Betsy Devos.

Todas essas medidas foram anunciadas pelo Presidente George W. Bush em menos de uma semana. Sob pressão, Bush foi forçado a restabelecer as normas laborais, embora elas tenham sido amplamente ignoradas pelas construtoras. Há muitos motivos para se acreditar que esse será o modelo dos investimentos multibilionários em infraestrutura que estão sendo usados por Trump para cortejar os movimentos de trabalhadores. Já foi noticiado que a revogação da Lei Davis-Bacon para esses projetos foi discutida numa reunião com líderes e sindicatos do setor de construção.

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Naomi Klein

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| opinião |

Em 2005, a reunião do Comitê de Estudos Republicanos produziu outras ideias que também receberam apoio presiden-cial. Cientistas do clima ligaram o aumento da intensidade de furacões diretamente ao aquecimento dos oceanos. No entanto, essa ligação não impediu que Pence e o RSC exi-gissem que o Congresso dos EUA revogasse leis ambientais no litoral do Golfo do México, autorizasse novas refinarias de petróleo nos Estados Unidos e a “perfuração do Refúgio Nacional de Vida Silvestre do Ártico”.

O conjunto dessas medidas representa uma forma infalível de aumentar as emissões de GEE, que é a maior contribui-ção humana para as mudanças climáticas. No entanto, foram defendidas pelo Presidente sob o pretexto de remediar uma tem-pestade devastadora. A indústria do petróleo não foi a única a lucrar com o furacão Katrina, obviamente. Assim como diversos empreiteiros com bons contatos que transformaram o litoral do Golfo do México num laboratório privado de respostas a desastres.

As empresas que ganharam os maiores contratos faziam parte da conhecida gangue de empresas que participaram da invasão do Iraque: a unidade KBR da Halliburton faturou um contrato de US$ 60 milhões para reconstruir bases militares no litoral. A Blackwater foi contratada para proteger os funcionários da Agência Federal de Gestão de Emergências (FEMA) de saque-adores. A Parsons, conhecida pelo seu trabalho negligente no Iraque, foi chamada para realizar um projeto de construção de uma ponte no Mississipi. Fluor, Shaw, Bechtel, CH2M Hill – todas grandes empreiteiras com atividade no Iraque – foram contratadas pelo governo para prover casas móveis para as vítimas evacuadas das áreas apenas 10 dias depois do rompimento dos diques. Esses contratos totalizaram US$ 3,4 bilhões sem passar por um processo de licitação.

Nenhuma oportunidade de lucro foi deixada de lado. A Kenyon, uma divisão do grande conglomerado dedicado a funerais Service Corporation International (doador da cam-panha de Bush), foi contratada para resgatar corpos nas casas e ruas da cidade. O trabalho foi incrivelmente lento e corpos ficaram expostos ao sol forte por dias. Equipes de emergência e agentes funerários voluntários foram proibidos de ajudar porque o manuseio dos corpos interferia no território comercial da Kenyon. E, assim como muitas das decisões de Trump até agora, uma especialização relevante parece não ter nada a ver com a forma como os contratos são alocados. Foi noticiado que a AshBritt, empresa que recebeu US$ 500 milhões para remover escombros, não possuía nenhum caminhão de lixo e terceirizou o todo trabalho para outras empreiteiras.

Ainda mais impressionante foi a empresa a que a FEMA pagou US$ 5,2 milhões para executar a importante função de construir um acampamento-base para os funcionários de emergência na paróquia de St. Bernard, no subúrbio de Nova Orleans. A construção do acampamento atrasou e nunca foi concluída. Quando a empresa foi investigada, veio à tona que a Lighthouse Disaster Relief era, na verdade, um grupo religioso. “A atividade mais próxima disso que já realizei foi organizar um acampamento de jovens com minha igreja”, confessou o diretor da empresa, Pastor Gary Heldreth.

Após todos os níveis de subempreiteiros levarem sua fatia, não sobrou quase nada para os funcionários. Por exemplo, o autor Mike Davis descobriu que a FEMA pagou à Shaw US$ 400 por metro quadrado para instalar lonas azuis em telhados danificados, embora as lonas tivessem sido fornecidas pelo governo. Depois de os subempreiteiros embolsarem sua parte, os funcionários que de fato instalaram as lonas receberam apenas US$ 5 por metro quadrado. “Todos os níveis da cadeia alimentar de contratados, em outras palavras, é grotescamente bem-alimentada, exceto a camada inferior”, escreveu Davis, “por quem o trabalho é de fato realizado”.

No Mississippi, uma ação civil pública forçou diversas empresas a pagar centenas de milhares de dólares em salários devidos a funcionários imigran-tes. Alguns deles não receberam nada. Num estaleiro de obras da Halliburton/KBR, funcionários imigrantes sem visto contaram que foram acordados no meio da noite pelo seu empregador (um sub-subempreiteiro), que supos-tamente dizia que os agentes da imigração estavam a caminho. A

maioria dos funcionários fugiu para evitar a prisão.

Corrupção e abuso

Esse nível de corrupção e abuso é especialmente relevante porque o plano de Trump é usar grande parte dos gastos com infraestrutura com empresas privadas no que chama de parcerias público-privadas.

Após o Katrina, os ataques a indivíduos vulneráveis, feitos em nome da reconstrução e do socorro, não pararam por aí. Para compensar as dezenas de milhões de dólares gastos nos pagamentos dos contratos com empresas privadas, em Novembro de 2005, o Congresso (controlado pelo Partido Republicano) anunciou que precisava cortar US$ 40 bilhões do orçamento federal. Entre os programas que foram cortados estavam empréstimos a estudantes, o programa de saúde Medicaid e vale-alimentos.

Em outras palavras, os estadunidenses mais pobres sub-sidiaram duas vezes a bonança dos empreiteiros. Primeiro, quando o socorro às vítimas do furacão Katrina se transfor-mou em benesses corporativas, sem criar empregos decentes nem prover serviços públicos. Segundo, quando os poucos programas assistenciais que ajudavam desempregados e pobres por todo o país foram cortados para pagar as contas superfaturadas.

Esse é o modelo do capitalismo do desastre que se alinha perfeitamente ao histórico de Trump como homem de negó-cios. Trump e Pence chegam ao poder no momento em que esse tipo de desastre, como os tornados fatais que acabaram de atingir o Sudeste americano, chegam de forma veloz e furiosa. Trump já declarou que os Estados Unidos são uma zona de desastre permanente. E os choques vão continuar a aumentar, graças às políticas imprudentes que foram prome-tidas em campanha.

O Katrina mostra que este Governo tentará explorar todos os desastres para faturar o máximo possível. É melhor estarmos preparados.

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 7 11

| opinião |

Todo mundo sabe como a história começa: na sexta-feira 20 deste mês (Janeiro), o magnata/mitômano/agressor sexual Donald Trump toma posse como o 45º Presidente dos Estados Unidos. Como todo mundo também sabe, Trump encheu seu gabinete com uma turma da pesada de negacionistas do aquecimento global e homens do petróleo. A comunidade internacional entrou em pânico: todas as indicações serão de que os Estados Unidos, sob Trump, não farão nada para combater os Gases de Efeito Estufa – ou tentarão ativamente torpedear os esforços globais de redução de emissões representados no Acordo de Paris. Mas, paixões à parte, quão ruim para o clima pode realmente ser o novo Governo? Especialistas ouvidos pelo OC respondem: muito ruim. Mas não ilimitadamente ruim.

É muito provável que Trump desmonte regulações anti-poluição do Governo Obama, tente dar uma sobrevida ao moribundo carvão, libere a construção de oleodutos para permitir a exportação do betume do Canadá e empurre as negociações internacionais de clima com a barriga. Mas analistas dentro e fora dos EUA dizem que o novo presidente pode fazer muito pouco para mudar a trajetória do sistema energético do país – e esta está francamente voltada para a descarbonização, com emissões caindo ano a ano devido principalmente à substituição do carvão mineral pelo gás natural, mais barato, na geração de eletricidade.

O pior prejuízo causado por Trump é passar o sinal errado para o mercado e os outros países de que os EUA estão desace-lerando a saída dos combustíveis fósseis. O timing não poderia ser pior: os principais serviços de monitoramento climático do mundo confirmam três quebras de recorde de temperatura em três anos seguidos; a ciência diz que será preciso acelerar de forma inédita a redução de emissões se quisermos ter alguma chance de estabilizar o aquecimento em menos de 2°C, a meta estabelecida em Paris. Neste momento, qualquer coisa que não seja mais ambição poderá significar o mergulho da humanidade num aquecimento global perigoso.

Num artigo publicado entre o Natal e o Ano Novo no periódico Nature Climate Change, o americano Ben Sander-son, do NCAR (Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica), e o suíço Reto Knutti, da Politécnica de Zurique, botaram pela primeira vez números nesse temor. Eles usaram modelos de emissão de Gases de Efeito Estufa e traçaram um cenário hipotético, mas não implausível: o que aconteceria caso Trump adiasse por oito anos (dois mandatos) o corte de emissões nos EUA e outros países fossem estimulados a fazer o mesmo. E inseriram duas outras variáveis: o que aconteceria caso Trump conseguisse reverter por alguns anos o inevitável declínio do carvão e cortasse investimentos em pesquisa de energia limpa – na campanha, ele disse que faria as duas coisas.

A conclusão da dupla foi que cada um desses três fatores teria o potencial de elevar as emissões globais em pelo menos 350 bilhões de toneladas de CO2. Juntos, os três significariam emissões cumulativas de 750 bilhões a 1,35 trilhão de toneladas de gás carbônico equivalente neste século.

Vai ser tão ruim assim?Claudio Angelo | Jornalista do Observatório do Clima - OC

É mais do que o dobro que a humanidade pode emitir se quiser ter chance de cumprir a meta de 2 graus centígrados estabelecida em Paris. Nesse cenário, o Presidente Donald Trump eliminaria a possibilidade do Planeta de evitar o aquecimento perigoso. “Nosso objetivo foi ilustrar as conse-quências do fracasso no curto prazo para o clima no longo prazo”, disse Ben Sanderson.

Numa passagem incomum para um artigo científico, tipo de texto onde não cabem avaliações pessoais nem sentimentos, o americano e seu colega reconhecem: “Não é fácil manter-nos desapaixonados vendo um futuro incerto se desdobrar”. Ques-tionado, Sanderson explicou: “Me pareceu particularmente importante destacar isso, diante de um período potencial-mente mais desafiador para o Acordo de Paris. Se a retração da ambição de um único Estado se traduzir no colapso de todo o Acordo, isso provavelmente faria com que a meta de temperatura ficasse para sempre fora de alcance”.

O cientista político David Victor, da Universidade da Califórnia em San Diego, discorda do artigo de Sanderson e Knutti. Não porque ele ache que Trump não terá efeito sobre a ambição global, mas por pensar que a meta de 2°C de Paris provavelmente já foi perdida anos atrás, devido à inação dos líderes políticos. “O efeito de Trump na trajetória de emissões dos EUA e na possibilidade de o mundo se manter nos 2°C é marginal”, afirmou.

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| opinião |

Segundo Victor, o sistema energético dos EUA tem uma inércia que torna difícil reverter o declínio do carvão. “Não vai acontecer”, disse. Até porque, como lembra o americano, entre os apoiadores de Trump existem pessoas que defendem a energia nuclear e o gás natural, ambos concorrentes do carvão. Os incentivos dados por Barack Obama às energias renováveis igualmente não poderiam ser revertidos em menos de dois ou três anos.

O impacto do novo governo, segundo Victor, viria em dois lugares. Primeiro, na EPA (Agência de Proteção Ambiental), que Trump entregou ao ex-Advogado-Geral de Oklahoma Scott Pruitt – a quem Victor chama de “francamente maluco”. Em sabatina no Senado, Pruitt disse que é “questão de debate” se o clima está mudando e se as atividades humanas contri-buem para isso. Obama usou a EPA para regular emissões de termelétricas e implementar o Plano de Energia Limpa, que é o instrumento de cumprimento da NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) dos EUA. É improvável que a agência, sob comando de Pruitt, mantenha essas regulações de pé. “A EPA deve ficar paralisada por uns dois anos, até que fique claro que regulações ambientais interessam à população americana”, disse Victor.

O brasileiro Juscelino Colares, professor de Direito na Universidade Case Western Reserve, em Cleveland, e especialista em litigância ambiental, diz concordar com essa visão sobre a EPA. “O que vão tentar fazer é matar o Plano de Energia Limpa e desacelerar as regulações contra o carvão. Aí vão ver se as emissões vão seguir caindo naturalmente”, disse. “Tentarão usar o argumento das forças de mercado contra o carvão”.

O cenário mais provável, para Colares, é que seja adiado o fechamento de algumas termelétricas a carvão, sem que novos investimentos sejam realizados. “A indústria sabe que é perigoso investir. Ninguém mais vai botar dinheiro em carvão, a não ser investimentos que já tenham sido feitos”.

“Não há como a política de Trump possa fazer com que as termelétricas voltem; não é econômico”, concorda Eduardo Viola, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. “O complexo das energias renováveis se tornou competitivo e isso é irreversível. O problema é que a velo-cidade de avanço é muito lenta em relação à dinâmica do aquecimento global”.

Segundo Victor, a segunda área em que Trump poderá ter um impacto negativo real é a política internacional, com investidas contra a globalização e uma provável suspensão dos pagamentos ao Fundo Verde do Clima, para o qual os EUA ainda devem US$ 2 bilhões (na última semana de governo, Obama depositou mais US$ 500 milhões no Fundo). Sin-tomático desse risco, aponta, foi o fato de o Presidente da China, Xi Jinping, ter aberto o Fórum Econômico Mundial, defendendo a globalização e a ação contra as mudanças climá-ticas. “A Presidente da Suíça, Doris Leuthard, fez um discurso muito curto na abertura em Davos. E ainda assim encontrou tempo de destacar o tema climático e a importância do Acordo de Paris. Isso reflete a ansiedade europeia em torno do que Trump significa para a ordem mundial”, afirmou.

Viola afirma que precisamente a ordem mundial é uma dimensão-chave do impacto negativo da eleição do americano: Trump, nacionalista, antiglobalista e vocalmente contrário ao livre-comércio, aumenta a conflitividade do sistema interna-cional. “O neonacionalismo de Trump, aliado ao nacionalismo de Vladimir Pútin, e a extrema direita europeia aumentam o conflito e diminuem a cooperação, e cooperação internacional é fundamental para a governança climática”, pondera.

Viola, como Sanderson, também vê um risco real de que outros países se escorem na inação dos EUA para desacelerar a própria ambição. “Não dirão isso no discurso”, raciocina Viola, “mas podem pensar: por que vou me esforçar?” Um dos países que correm esse risco, segundo ele, é o Brasil, cujo governo é “totalmente insensível à economia de baixo carbono”.

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 7 13

| opinião |

Eventos climáticos extremos, como secas e chuvas fortes, têm se tornado cada vez mais frequen-tes no Brasil. E junto com eles, prejuízos a diversos segmentos sociais e econômicos, aos quais estão ligados, direta ou indireta-mente, os mais de 200 milhões de brasileiros, como a agropecuária, que depende de fenômenos cli-máticos em certa intensidade e em determinados períodos para garantir sua produtividade.

O novo relatório do Banco Mundial “Unbreakable: Building the Resilience of the Poor in the Face of Natural Disasters” (Per-sistência: construindo a resiliência dos mais pobres frente a desastres naturais – em tradução livre) traz dados sobre a perspectiva socioeconômica do impacto de tais fenômenos. Segundo o docu-mento, intervenções para tornar as sociedades mais resilientes a eventos climáticos resultariam em uma economia de 100 bilhões de dólares por ano a países e comunidades. O relatório foi lançado, oportunamente, durante a 22ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climá-ticas, a COP-22, no Marrocos, em Novembro passado.

Já o estudo “Valorando tem-pestades”, realizado pelo Grupo de Economia do Meio Ambiente da Universidade Federal do Rio Janeiro, aponta que entre 2002 e 2012 a perda do Brasil só com desastres climáticos extremos relacionados a chuvas foi, em média, de R$ 278 bilhões.

É evidente a relação entre o aumento da intensidade e perio-dicidade de eventos extremos e o aumento da temperatura média do nosso Planeta.

André Ferretti | Coordenador Geral do Observatório do Clima (OC), membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, e Gerente de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza

O clima mudou, é a hora de mudarmos também

O ano de 2016 foi o mais quente desde que começaram os registros de temperatura, no fim do Século 19. O desequilíbrio do clima tornou-se realidade e engana-se quem acredita que os impactados serão apenas ursos polares ilhados em blocos de gelo. O impacto já está acontecendo aqui e agora.

Mais do que necessário para garantir a resiliência da humani-dade aos impactos da mudança climática, é o investimento em estratégias de adaptação, em tecnologia e meios de produção renováveis e de baixo carbono é inteligente, pois economiza valo-res enormes em perdas e prejuízos causados pelo clima.

As próximas duas décadas serão decisivas para o futuro climático do Planeta, exigindo grandes transformações. Saire-mos de uma sociedade alicerçada na energia fóssil e nos motores a combustão para algo muito dife-rente e que mudará o nosso modo de vida e das futuras gerações. Deixar de utilizar materiais fós-seis significa o desaparecimento de produtos derivados de petróleo e seus subprodutos como asfalto, gasolina, plástico, isopor e muitos outros.

Como suas opções de con-sumo hoje estão contribuindo para criar uma sociedade de baixo carbono, que polua menos e emita menos gases causadores da mudança climática? Quais oportunidades de novos negócios surgirão a partir dessas mudanças na forma como consumimos? Novas ideias que caminhem nessa direção serão líderes de mercado em um futuro muito próximo. É hora de sair na frente e mudar para melhor.

J a n e i r o 2 0 1 7 ECO•2114

| opinião |

Quando Trump, surpreendentemente, ganhou a eleição americana, os delegados de mais de 190 países, reunidos em Marrakesh para a Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, pareciam perplexos. Não era para menos. Durante a campanha, enquanto a candidata democrata indicava aprofundamento do compromisso estadunidense com redução das emissões, o republicano questionava a existência das mudanças climáticas e, até mesmo, propunha a retirada dos EUA da Convenção ou do Acordo de Paris.

Em poucas horas, porém, os discursos foram se alinhando no entorno da máxima de que, em campanha, é tudo exagerado, mas, na hora de governar, seria outra história. O tom mais ameno de Trump do discurso de vitória ajudou a alimentar esta esperança. Ledo engano.

Já na formação da equipe de transição e da indicação do primeiro escalão do governo Trump, deu o tom: um executivo do petróleo foi nomeado para cuidar do Departamento de Estado (equivalente ao Itamaraty no Brasil), e um advogado, que tem como meta acabar com a Agência de Proteção Ambiental (EPA), foi encarregado de dirigi-la.

Alarmados com o que vinha pela frente, cientistas, funcionários públicos e especialistas em processamento de dados organizaram uma série de maratonas de programação para salvar o máximo de informação sobre o Clima existente na EPA e nas diversas agências de governo americanas que estariam ameaçadas pela nova administração. Um movimento que lembra a proteção da vasta coleção de arte do Museu Hermitage, em São Petersburgo, na Rússia, durante a Segunda Guerra Mundial. Milhares de pessoas, entre funcionários e voluntários, trabalharam incessantemente para salvar mais de um milhão de peças de arte dos bombardeios e dos saques perpetrados pelas tropas de Hitler.

Os temores se confirmaram. Horas depois da posse de Trump, o site da Casa Branca já tinha retirado do ar todas as referências às mudanças climáticas, e todos os planos de redução de emissões e promoção de energias renováveis estão sendo cancelados, congelados ou minimizados.

O mundo patinou na agenda do clima durante décadas, com a dificuldade de engajamento dos EUA – até bem pouco tempo o maior emissor global de GEE. O Acordo de Paris não teria sido possível sem o nível de compromisso demonstrado pelos EUA nos últimos anos, especialmente na administração Obama. A esperança é que a aceleração atingida com esse acordo e pelas iniciativas dos estados e da sociedade americana tenha sido suficientemente grande para resistir ao retrocesso promovido pela nova administração.

Agora só nos resta torcer. Por ora, parece bem pior do que o imaginado.

Tasso Azevedo | Engenheiro florestal, Coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima

Com Trump, é bem pior o futuro do clima

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ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 7 15

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Uma nova visão mundial do mar oceano

Mário Soares | Ex-Presidente de Portugal, Presidente da Fundação Mário Soares

O artigo faz um balanço positivo – embora assinalando lacunas, sobretudo quanto aos aspectos institucionais – do caminho percorrido desde a elaboração, pela Comissão Mun-dial Independente para os Oceanos (CMIO), do Relatório “O Oceano – Nosso Futuro”, apresentado ao Secretário-geral da ONU, Kofi Annan em 1998. Salienta o longo processo para se alcançar o reconhecimento formal, pela comunidade mundial, da necessidade de instrumentos fundamentais para a eficaz governação e desenvolvimento sustentável do Oceano. O Novo Regime do Oceano deverá ser inspirado na Convenção da ONU sobre o Direito do Mar, mas integrando as recentes evoluções, em termos científicos, tecnológicos e ambientais, bem como a crescente exploração dos recursos marinhos.

O texto destaca a atualidade de algumas sugestões for-muladas no Relatório da CMIO, nomeadamente quanto a novas formas de cooperação abertas à participação de todas as partes interessadas, ao Estatuto do Alto Mar, como espaço sob tutela pública, à utilização dos Mares num contexto de paz e segurança, a criação de um Observatório Mundial dos Assuntos do Oceano, como sistema independente de infor-mação e análise neste domínio. O artigo termina com um apelo para que o acompanhamento e a implementação de uma Estratégia Nacional para o Oceano sejam assegurados ao mais alto nível institucional, com o envolvimento ativo da sociedade civil e dos grupos de interesse com vista a mobilizar a adesão dos cidadãos.

Para quem tenha acompanhado o longo processo nego-cial conducente à assinatura (1982) da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar e à sua entrada em vigor, em 1994, e seguido atentamente os desenvolvimentos ulteriores, o processo oferece um balanço positivo e, apesar das lacunas observadas, é encorajador. Confirma, uma vez mais, quanta persistência é necessária para que ideias e conceitos inovadores sejam formalmente reconhecidos pela comunidade mundial e integrados em instrumentos fundamentais, como a Convenção da ONU sobre o Direito do Mar (CNUDM).

Aqueles que estiveram ativamente envolvidos na criação e nas atividades da Comissão Mundial Independente para os Oceanos (CMIO) – à qual presidi e de que foi coorde-nador o Prof. Mário Ruivo – e, como nós, tiveram a honra de apresentar publicamente o Relatório “O Oceano – Nosso Futuro”* na altura da Exposição Mundial de Lisboa, em 1998, estão em condições de analisar o caminho percorrido, desde então, para dar forma ao Novo Regime do Oceano, o qual deverá ser inspirado na Convenção, sem dúvida. Porém, aberto à evolução que, na última década, teve lugar graças ao progresso da investigação científica e tecnológica como fonte de conhecimento do Oceano e das suas aplicações para fins de desenvolvimento e dinâmica econômica, com os impac-tos ambientais que todos conhecemos. Entre estes avultam, pelas suas consequências, as variações climáticas, derivadas do efeito de estufa, susceptíveis de afetarem os grandes pro-cessos naturais do Planeta e com fortes implicações para a Humanidade.

Quando apresentamos o Relatório da CMIO ao Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan e, seguidamente, este documento foi levado à atenção da Assembleia Geral, a par da convergência sobre muitas das conclusões e linhas de ação propostas, houve – como de resto seria de esperar – dúvidas e, mesmo, reservas por parte de alguns setores mais tradicionais quanto a algumas das ideias inovadoras nele contidas para a governação e o desenvolvimento sustentável do Oceano, num contexto de respeito pelo Direito Internacional, pela equidade e pela solidariedade entre Estados e Povos.

Mencionarei, pela sua atualidade, alguns dos pontos tra-tados e das sugestões formuladas no Relatório da CMIO:

1) O apelo para “avançar com o processo de mudança e inovação no seio do sistema das Nações Unidas” e para que se promova “o mais brevemente possível uma Conferência das Nações Unidas sobre a questão dos Oceanos”, que permita fazer o ponto da situação e identificar linhas de ação visando formas avançadas de cooperação.

2) Medidas que contribuam para a utilização dos Mares para fins pacíficos, chamando a atenção para que, na situação atual, a “liberdade ilimitada das forças navais e o seu próprio entendimento dos interesses de segurança se revele contradi-tório com a promoção da paz e da segurança nos oceanos e se oponha ao poder regulamentador dos Estados costeiros”.

3) Tendo em conta que “a paz e a segurança nos oceanos seriam seguramente favorecidos pela aplicação efetiva das disposições da Convenção e dos seus acordos de aplicação por todos os Estados”, sublinhava-se que “o Alto Mar não pode ser apropriado por nenhum Estado, e que deve ser reservado para utilizações benéficas e de interesse para a comunidade mundial”.

Mario Soares, foi Primeiro Ministro e Presidente de Portugal, estadista, exiliado, prisioneiro politico, "pai da democracia", morreu no dia 7 de janeiro de 2017 com 92 anos. A ECO 21 rende uma homenagem pelas suas contribuições ambientais no Século 20, com destaque à elaboração do informe da Comissão Mundial Inde-pendente para os Oceanos “O Oceano – Nosso Futuro” e do Global Water Contract, dois importantes documentos sobre política ambiental com recomen-dações para guiar comunidade interna-cional para a preservação dos recursos dos oceanos da Terra.

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Mário Soares

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 7 17

| homenagem |

Considerou-se, assim, que “o conceito mais adequado para o Alto Mar parece ser o de espaço de tutela pública”. Reconheceu-se, porém, que “na aplicação daquele conceito ainda há muito que esclarecer”, deixando, assim, aberto um vasto espaço de negociação preferencialmente no âmbito da Organização das Nações Unidas.

4) Afirmou-se, ainda, que para uma eficaz governação do Oceano “institucionalmente a Assembleia-Geral continua a ser o fórum competente para analisar os desenvolvimentos gerais relacionados com o Direito do Mar”.

5) Com vista a contribuir para o desenvolvimento do novo sistema de governação do oceano, concluiu-se ser necessário estabelecer arranjos institucionais que promovam a participação e o envolvimento de todas as partes interessadas na causa do Oceano, facilitando o acesso à informação e a participação nos processos de decisão. Nesta perspectiva, foi proposta “a criação de um Observatório Mundial dos Assun-tos do Oceano para acompanhar, de forma independente, o sistema de governação do Oceano e manter uma vigilância contínua e permanente sobre aspectos relevantes dos Assuntos do Mar”. Projeto que conseguimos, ulteriormente, levar até à fase de elaboração de estudos preparatórios (formulação de objetivos, funções e estrutura operacional) e que aguarda condições que permitam iniciar projetos-piloto para testar a funcionalidade do sistema. Estará o Governo português preparado para ajudar à criação deste Observatório, ao serviço da Comunidade Mundial de modo a anunciá-lo quando da Presidência Portuguesa da União Europeia?

Ao fazer este balanço da situação, tenho presente o processo global em curso, relativo aos Assuntos do Oceano, o qual, entre outros desenvolvimentos significativos, tem sido pautado, nos últimos anos, pela inclusão regular deste tema na Agenda da Assembleia-Geral da ONU, centrado sobre o Relatório perió-dico do Secretário-Geral, fazendo regularmente o ponto da situação numa perspectiva inter-setorial. Neste contexto, é de notar a atenção dedicada e a urgência em melhorar a troca de informações e a coordenação em Assuntos do Oceano entre as Agências especializadas e os Programas do Sistema da ONU, bem como incentivar a cooperação e a parceria em projetos de interesse mútuo. Em particular, com base em áreas oceânicas bem definidas, enquadradas numa visão sistémica e ecológica e tendo como objetivo o desenvolvimento sustentável. Nesse aspecto, seria útil criar-se uma task force para acompanhar os próximos desenvolvimentos e aconselhar os decisores políticos que têm a responsabilidade de decidir.

Paralelamente, no âmbito da União Europeia, têm-se verificado desenvolvimentos positivos conducentes a uma nova Política Comum de Pescas, à entrada em vigor da Diretiva-Quadro sobre a Água que articula as bacias hidrográficas com a zona costeira e, mais recentemente, a adopção de uma Estratégia Marítima Europeia,considerada como o pilar ambiental para o oceano. Nesta perspectiva, é particularmente relevante o green paper “Towards a future Maritime Policy for the Union: A European vision for the oceans and seas”, elaborado sob a liderança do Comissário Joe Borg, em debate público até meados de 2007.

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Qual será a contribuição portuguesa, expressa em propostas concretas? Espera-se que este processo conduza à formulação de uma política comum europeia competitiva e virada para o futuro, apoiada no conhecimento científico e na inovação, tendo como objetivo um desenvolvimento económico e social em harmonia com o ambiente.

Deste breve panorama concluirei que se, por um lado, é preciso “dar tempo ao tempo” é importante, por outro lado, estimular uma intervenção ativa e coerente da socie-dade civil, motivada pelos princípios, valores e práticas da democracia.

Nesta perspectiva, cabe-nos prosseguir as iniciativas tomadas desde 1998, período fulcral para a dinamização dos Assuntos do Oceano em Portugal, conducente à formulação de uma Estratégia Nacional para o Oceano – para os mais tradicionalistas, para o Mar – ou, se voltássemos a usar uma expressão dominante na Era das Descobertas, para o “Mar Oceano”.

Estratégia cujo conteúdo foi recentemente aprovado na sequência de breve debate público e que, nesta fase, terá como instrumento uma Comissão de Coordenação Interministerial que garantirá “de modo permanente” a articulação intergover-namental “mantendo as competências e áreas de ação vertical e setorial de cada tutela” (Resolução do Conselho de Ministros n.º 451/2006, de 15 de Novembro de 2006).

Embora aquém do que seria de esperar quanto aos aspec-tos institucionais, estamos confiantes que se ultrapassará a fragmentação setorial que tem caracterizado este sector.

Urge, pois, aproveitar as condições favoráveis ao apro-fundamento e implementação da Estratégia, assim como o debate sobre o green paper, mediante um envolvimento ativo da sociedade civil e dos grupos mais diretamente interessados, para que se possa ultrapassar a mera cooperação baseada na complementaridade de mandatos e estabelecer formas apro-priadas de coordenação.

Este processo, dada a natureza transversal das questões do Oceano, requer que a futura estrutura de acompanhamento seja estabelecida sob a égide da Assembleia da República de Portugal ou em nível do Primeiro-Ministro.

Trata-se de um processo que requer um amplo debate público e a adesão dos cidadãos para que venha a ser mobili-zador constituindo, assim, um verdadeiro projeto nacional, como expressámos há alguns anos. Vemos agora, com satis-fação, que esta ideia foi assumida na Resolução do Conselho de Ministros de Portugal.

Esta, com efeito, visa assegurar o desenvolvimento sus-tentável do Oceano e torná-lo compatível com a salvaguarda do ambiente, respeitando os direitos das gerações vindouras e garantindo que “Portugal se mantém na vanguarda da nova abordagem dos Assuntos do Mar a nível europeu, através de uma participação esclarecida, eficaz e abrangente”.

Nota:*Comissão Mundial Independente para os Oceanos:

O Relatório da Comissão Mundial Independente para os Oceanos: O Oceano, Nosso Futuro. Cambridge University Press, 1998.

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Para comemorar o Dia Mundial das Áreas Úmidas (World Wetlands Day), 2 de Fevereiro, a Estância Ecológica Sesc Pantanal e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas (INAU), com apoio do Ministério do Meio Ambiente (MMA), realizarão uma programação especial com o tema Áreas Úmidas para Redução de Riscos e Desastres, escolhido pelo Secretariado da Convenção de Ramsar para nortear os debates em 2017.

A programação com palestras, mesas-redondas, oficinas e trilhas no Parque SESC-Baía das Pedras terá a participação de Maurício Pompeu, analista ambiental do MMA, que falará sobre a Convenção de Ramsar e o Dia Mundial. “Vamos abordar a Convenção como um todo e os três pilares sobre os quais está baseada: a Lista dos Sítios Ramsar; cooperação internacional e o uso racional das áreas úmidas”, adianta.

Aprovada na cidade iraniana de mesmo nome, em 1971, e ratificada pelo governo brasileiro em 1993, o objetivo da Convenção de Ramsar é proteger áreas úmidas de todo o mundo, promovendo sua conservação e uso sustentável, assim como como o bem-estar das populações que dependem delas. No mundo, já são 2.247 sítios designados que somam aproximadamente 215 milhões de hectares.

O Dia Mundial das Áreas Úmidas foi estebecido pelo Comitê Permanente da Convenção de Ramsar em homenagem ao dia da adoção da Convenção: 2 de Fevereiro de 1971, na cidade iraniana de Ramsar.

Mundo chama atenção para as áreas úmidas

Waleska Barbosa | Jornalista Ministério do Meio Ambiente

É um tratado intergovernamental criado no intuito de proteger os hábitats aquáticos importantes para a conservação de aves migratórias e que passou a abranger as demais áreas úmidas para promover sua conservação, uso sustentável e o bem-estar das populações humanas que delas dependem. Ramsar estabelece marcos para ações nacionais e para a cooperação entre países. As ações estão fundamentadas no reconhecimento, pelos países signatários da Convenção, da importância ecológica e do valor social, econômico, cultural, científico e recreativo de tais áreas.

A Lista de Áreas Úmidas de Ramsar é o principal instru-mento adotado pela Convenção para implementar seus obje-tivos, entre os quais estabelecer marcos para ações nacionais e para a cooperação entre países com o objetivo de promover a conservação e o uso racional de áreas úmidas no mundo. Essas ações estão fundamentadas no reconhecimento, pelos países signatários da Convenção, da importância ecológica e do valor social, econômico, cultural, científico e recreativo de tais áreas.

De acordo com a professora doutora Cátia Nunes da Cunha, titular do Departamento de Botânica e Ecologia da Universidade Federal de Mato Grosso e pesquisadora do Instituto Nacional de Tecnologia em Áreas Úmidas (INTC-INAU), é fácil reconhecer uma área úmida. “De forma simples podemos dizer que são terras encharcadas ou parcialmente inundadas pelo menos uma parte do ano”, afirma.

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Segundo ela, no Brasil existem muitos tipos e nomes diferentes para elas, como veredas, brejos, mata de brejos, campo de murundus, caxetal, igapós, várzeas, lavrados, var-jão, nascente. Em áreas de água salgada ou salobra da região costeira, são os mangues, restingas, estuários, croas. “Estes lugares podem parecer muito diferentes, mas todos têm solo molhado ou coberto por água e, por isso, considerados áreas úmidas. “Só depois de um inventário nacional que poderemos identificar todos os tipos encontrados aqui.”

O MMA também prevê a elaboração do Inventário Nacional de Áreas Úmidas. “O documento será produzido com a colaboração de especialistas ligados a todas as regiões do país”, adianta José Pedro Costa, Secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente.

“Vamos debater os temas mais representativos que envolvem a realidade local do Sítio Ramsar, esclarecendo para a popu-lação local (moradores e gestores públicos, principalmente) a importância das áreas úmidas e das inciativas de conservação delas”, explica a Gerente de Pesquisa e Meio Ambiente do Sesc Pantanal, Cristina Cuiabália Neves.

Segundo ela, também serão realizadas atividades práticas com imersão nas paisagens pantaneiras, proporcionando o contato direto por meio de passeio de barco, trilhas a pé e de bicicleta na mata e passeio a cavalo em áreas inundadas. “O objetivo maior, portanto, é despertar a reflexão sobre a urgência de reconhecimento e proteção para as áreas úmidas, sensibilizando os convidados a partir do conhecimento, do diálogo e da experiência”, diz.

O Ministério do Meio Ambiente busca uma estratégia para fortalecer a implementação dos Sítios Ramsar já reconhecidos. De acordo com Pompeu, será feito um estudo nesse sentido, voltado também à participação dos diversos setores e atores com interesse no tema. “Queremos saber como uma Unidade de Conservação pode agregar valor aos serviços ambientais prestados ao ser reconhecida como de importância interna-cional”. Outro objetivo do governo brasileiro é disseminar informações sobre a Convenção e a Lista de Ramsar. “Há uma carência no conhecimento deste acordo e seus objetivos. Queremos aumentar a divulgação e o envolvimento de pessoas e instituições em torno dele”, avalia o Secretário.

Áreas brasileiras

Ao ratificar a Convenção, o Brasil passou a ter acesso a benefícios como cooperação técnica e apoio financeiro para promover a utilização dos recursos naturais das áreas úmi-das de forma sustentável, favorecendo a implantação de um modelo de desenvolvimento que proporcione qualidade de vida aos seus habitantes.

De acordo com a Convenção de Ramsar, as zonas úmi-das são áreas de pântano, charco, turfa ou água, natural ou artificial, permanente ou temporária, com água estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo áreas de água marítima com menos de seis metros de profundidade na maré baixa.

Já o Comitê Nacional de Zonas Úmidas (CNZU) aprovou a seguinte definição para as zonas úmidas brasileiras: ecos-sistemas na interface entre ambientes terrestres e aquáticos, continentais ou costeiros, naturais ou artificiais, permanente ou periodicamente inundados ou com solos encharcados. As águas podem ser doces, salobras ou salgadas, com comunidades de plantas e animais adaptados à sua dinâmica hídrica.

No país há dois tipos de áreas úmidas: as costeiras, compostas por manguezais, campos alagáveis, e praias; e as interiores, que incluem veredas, várzeas amazônicas, igapós, campinarana e pantanal.

Elas estão distribuídas em 13 sítios Ramsar, que também correspondem a Unidades de Conservação:Área de Proteção Ambiental das Reentrâncias Maranhenses (MA)Área de Proteção Ambiental da Baixada Maranhense (MA)Parque Estadual Marinho do Parcel de Manuel Luiz (MA)Parque Nacional do Araguaia - Ilha do Bananal (TO)Parque Nacional da Lagoa do Peixe (RS)Parque Nacional do Pantanal Mato-Grossense (MT)Reserva Particular do Patrimônio Natural SESC Pantanal (MT)Reserva de desenvolvimento Sustentável Mamirauá (AM)Reserva Particular do Patrimônio Natural Fazenda Rio Negro (MS)Parque Nacional Marinho dos Abrolhos (BA)Parque Estadual do Rio Doce (MG)Parque Nacional do Cabo Orange (AP)Reserva Biológica Atol das Rocas (RN)

Brasil quer título Ramsar para mais 10 áreas úmidas

O Brasil pretende aumentar de 13 para 23 as Unidades de Conservação (UC) designadas como Áreas Úmidas de Importância Internacional – Sítio Ramsar, ainda em 2017. A informação é do Secretário José Pedro de Oliveira Costa. A Secretaria é a autoridade administrativa da Convenção de Ramsar no Brasil e acompanha a candidatura das 10 UCs junto ao Secretariado da Convenção, em Gland, na Suíça. Antes da submissão, as propostas foram aprovadas pelo CNZU.

“São áreas de grande importância. O Brasil é um país grande, com muitas áreas úmidas, muitas delas já reconhe-cidas como Reservas da Biosfera ou Patrimônio Mundial Natural, pela UNESCO. Mas o reconhecimento Ramsar é uma distinção importante porque coloca a qualificação de uma área que tem realmente os valores específicos para aquela questão”, afirma.

José Pedro lembra que o Ministro Sarney Filho, desde sua primeira gestão à frente do MMA, solicita prioridade às áreas brasileiras de importância internacional. “Estamos desenvolvendo um programa que valorize essas áreas, para que sirvam de exemplo e modelo. Ele está focado em três eixos: proteção, visitação e divulgação”, adianta o secretário.

Hoje, o país tem UCs consideradas de importância interna-cional nos Estados do Amapá, Amazonas, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Tocantins. As candidatas para receber a designação até o final do ano são:1. Estação Ecológica de Guaraqueçaba (PR);2. Parque Nacional Marinho e Área de Proteção Ambiental de Fernando de Noronha, Rocas, São Pedro e São Paulo (PE);3. Área de Proteção Ambiental Carste Lagoa Santa (MG);4. Parque Nacional de Anavilhanas (AM);5. Parque Nacional de Ilha Grande (PR/MS);6. Reserva Biológica do Guaporé (RO);7. Estação Ecológica do Taim (RS);8. Área de Proteção Ambiental Estadual de Guaratuba (PR);9. APA de Cananéia-Iguape e Peruíbe (SP);10. Parque Nacional do Viruá (AM).

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O esforço do governo brasileiro para ampliar o número de áreas úmidas reconhecidas como Sítios Ramsar na Lista da Convenção, atende à meta da Recomendação Nº 05/2012 do Comitê Nacional de Zonas Úmidas, que prevê a criação de pelos menos uma dezena de novos Sítios Ramsar até o final do ano. A designação de novos Sítios possibilita que o Brasil busque apoio para o desenvolvimento de pesquisas, acesso a fundos e cooperação internacionais. Em contrapartida, o país assume o compromisso de manter as características ecológicas das unidades e de priorizar sua consolidação, de acordo com o previsto no Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP).

Guia

Um Guia para o Dia Mundial das Áreas Úmidas foi publicado em formato digital, voltado a parceiros, organi-zadores de eventos e educadores que queiram aproveitar o Dia Mundial para chamar a atenção para o papel das áreas úmidas na redução do impacto de eventos climáticos extremos como secas, enchentes e ciclones. De acordo com o material, as áreas úmidas agem como uma esponja natural que absor-vem e armazenam excessos de chuva e reduzem as enchentes. Durante a seca, elas liberam a água armazenada, atrasando o início das secas e diminuindo a falta de água.

Fotografia

Para mobilizar o público jovem, a Convenção Ramsar lançou um concurso fotográfico mundial voltado para os jovens entre 18 e 25 anos com o tema “Áreas Úmidas e Redu-ção de Riscos de Desastres”. Para participar, os interessados devem captar as imagens de uma área úmida que ajude a lidar com eventos climáticos extremos. As fotos podem ser feitas em formato digital de qualquer tipo (celular ou câmera digital). As inscrições começam no dia 2 de Fevereiro e vão até à meia-noite do dia 2 de Março, no horário suíço (+3h em relação a Brasília). Podem ser enviadas até três imagens para o site www.worldwetlandsday.org, onde está disponível o regulamento completo. O prêmio é uma viagem para um sítio Ramsar de qualquer lugar do mundo. Eles são 2.243, em 169 países.

Página do concurso e o edital: http://www.mma.gov.br/biodiversidade/biodiversidade-aquatica/zonas-umidas-con-vencao-de-ramsar/conven%C3%A7%C3%A3o-de-ramsar

Para outras informações: [email protected].

Prêmio brasileiro

Em 2015, o pernambucano Hélder Santana, então com 23 anos, venceu um concurso mundial de fotografia. “É surpreendente para mim até hoje ter me sobressaído numa disputa internacional”. Em 2016, ele também se inscreveu e foi finalista do certame. Interessado em arte e cultura, o também músico Hélder Santana, nascido em Passira (a 100 Km de Recife), diz que a foto escolhida pelo júri, em que retrata um cavalo montado por uma criança no Rio Capiba-ribe, em Limoeiro-PE, até hoje é muito conhecida na cidade de 30 mil habitantes e registra uma cena comum da região. De acordo com a Comissão que fez a escolha, a imagem traz uma combinação perfeita de movimento e luz. “A minha vitória trouxe muita visibilidade para todos nós”.

A terra de Hélder é um exemplo que se encaixa no tema do concurso deste ano. Por causa dos efeitos das mudanças do clima, um longo período de estiagem fez decair uma das maiores produções irrigadas de milho do Estado, que tinha lugar em Passira, também conhecida por sua produção de bordado manual. “Quem não tem poço tem que abastecer a casa com carro-pipa. Acabou a água”, lamenta.

O município não é o único. O Nordeste atravessa a maior seca dos últimos cem anos. O Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, já demonstrou a preocupação com a questão e defendeu a maturidade do país para compreender as dimensões do problema da mudança do clima, para agir na prevenção de suas causas e na mitigação de seus efeitos.

O Ministério, por meio da Secretaria de Biodiversidade e Florestas (SBF), é a autoridade administrativa da Convenção de Ramsar no país, atuando para viabilizar a implantação dos compromissos assumidos. Cabe ao MMA a formulação das estratégias e o provimento dos recursos e dos meios destinados à sua efetiva implantação no Brasil.

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Instrumento moderno e democrático de gestão dos recursos hídricos, lei incorporou conceitos fundamentais de sustentabilidade.

Vinte anos atrás, em 8 de Janeiro de 1997, foi sancio-nada a Lei Nº 9.433, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH). A lei ficou conhecida como Lei das Águas do Brasil e mudou para sempre o paradigma dos recursos hídricos no país, alçando a água a um patamar mais alto nas prioridades das políticas públicas nacionais. “São vinte anos de uma conquista muito importante. A Lei de Recursos Hídricos é fundamental para a sustentabilidade no que se refere à agua”, comentou o Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho.

Elaborada para se tornar um instrumento moderno, democrático e contemporâneo da gestão dos recursos hídricos, a Lei incorporou alguns conceitos fundamentais da visão de sustentabilidade – gestão descentralizada; água como elemento dotado de valor econômico; e promoção da participação social na sua gestão, entre outros.

Erik Von Farfan | Jornalista com informações do MMA

Lei das Águas do Brasil completa 20 anos

Diretrizes e gestão

No ano seguinte, em 1998, foi instalado o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, regulamentado pelo Decreto Nº 2.612/98, cujo caráter normativo e deliberativo propiciou as condições para estabelecer diretrizes complementares à implementação da política e aos instrumentos de gestão nela previstos. A União e os Estados, cada um em suas respectivas esferas, têm o dever de implementar o SINGREH, legislar sobre as águas e organizar, a partir das bacias hidrográficas, um sistema de administração de recursos hídricos que atenda às necessidades regionais.

Dentro do SINGREH, o governo, a sociedade civil orga-nizada e os usuários da água integram os Comitês de Bacias Hidrográficas (CBH) e atuam, em conjunto, na definição e aprovação das políticas acerca dos recursos hídricos de cada bacia hidrográfica. Desde então, novas leis, decretos e outros dispositivos legais, tanto na esfera federal quanto na estadual, foram promulgados. O principal deles é a Lei nº 9.984, de 17 de julho 2000, que criou a Agência Nacional de Águas – entidade federal de implementação da PNRH.

A Lei das Águas do Brasil se baseia em 6 princípios

1. A água é um bem de domínio público. 2. É um recurso natural limitado, dotado de valor econô-mico. 3. Em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídri-cos é o consumo humano e a dessedentação dos animais.4. A gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas.5. A bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementa-ção da PNRH e atuação do sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos. 6. A gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e conta com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades.

Números

Cerca de 12% de toda a água doce do Planeta encontra-se em território brasileiro. Ao todo, são 200 mil microbacias espalhadas em 12 regiões hidrográficas, como as Bacias do São Francisco, do Paraná e a Amazônica (a mais extensa do mundo e 60% localizada no Brasil). É um enorme potencial hídrico, capaz de prover um volume de água por pessoa 19 vezes superior ao mínimo estabelecido pela ONU – de 1.700 m³/s por habitante por ano.

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| recursos hídricos |

A revisão do Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) até 2020 foi publicada, no dia 23 deste mês (Janeiro), no Diário Oficial da União, estabelecendo, entre as prioridades para o período, iniciativas para frear a crise hídrica e os efeitos do aquecimento global e a necessidade de integração dos esforços das áreas de governo para enfrentar os desafios.

“O trabalho, realizado pela Secretaria de Recursos Hídri-cos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, e referendado, em Dezembro, pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) inova, ao propor na lista de prioridades ações, como a promoção do uso sustentável e reúso da água, fundamentais numa época de escassez, como ocorre na região semiárida do Nordeste”, afirmou o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho.

A resolução assinada pelo ministro, que é presidente do CNRH, dá ênfase à necessidade de integrar a política de recursos hídricos com a política ambiental e demais políticas setoriais (saneamento, irrigação, energia, turismo) e também de estabelecer critérios de autorização para o uso da água e ainda à fiscalização dos usuários, considerando as particula-ridades das bacias hidrográficas.

Eventos extremos

Destaca-se, também, a necessidade de identificar, avaliar e propor ações para áreas com risco de ocorrência de inun-dações, secas, entre outros eventos extremos relacionados à água. O documento reforça a importância do reúso da água e ampliar o conhecimento a respeito dos usos das águas, das demandas atuais e futuras, além dos possíveis impactos na sua disponibilidade, em quantidade e qualidade.

“Entendemos o Plano Nacional de Recursos Hídricos como um instrumento estratégico para orientar e conferir maior transparência à gestão dos recursos hídricos em nível nacional e deve ser valorizado como tal. Além disso, o for-talecimento do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) contribuirá para a resolução de muitos possíveis “gargalos” da política do setor”, afirmou recentemente o Secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, Jair Tannús.

De acordo com o diretor do Departamento de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, Sérgio Gonçalves, as diretrizes também incluíram ações de gestão da água em rios compartilhados com outros países; integração das zonas costeiras ao sistema de gerenciamento de recursos hídricos e ampliação do conhecimento sobre a ocorrência de chuvas e sobre a quantidade e qualidade das águas superficiais e subterrâneas.

Plano de recursos hídricos tem metas até 2020

Eliana Lucena | Jornalista

Consulta pública

O diretor lembrou que a revisão do PNRH 2016/2020 também inovou em sua elaboração, ao abrir consulta pública nacional, envolvendo cerca de 1,5 mil pessoas, em 404 muni-cípios em todos os estados, o que permitiu apontar uma escala de prioridades para estabelecer as novas metas. Em setembro, foi realizado, em Brasília, seminário nacional, que contou com a participação de instituições, do governo federal, estados, sociedade civil e usuários de recursos hídricos.

Após o seminário nacional houve a consolidação e o refi-namento dos resultados da revisão e ao final foram definidas as prioridades, que desdobraram em um conjunto de ações e metas até 2020. Estas, a partir de agora, passam oficialmente a orientar a atuação do Ministério do Meio Ambiente, da Agência Nacional de Água (ANA), Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e outros setores ligados aos recursos hídricos. O próximo passo, neste primeiro semestre, será definir a estratégia de acompanhamento do PNRH junto aos executores e parceiros do MMA.

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A lenta morte do local do nascimento da ecologia

Jonathan Mingle | Escritor. Autor de “Fogo e Gelo: Fuligem, Solidariedade, e Sobrevivência no Topo do Mundo”

Há 150 anos, o jovem botânico dinamarquês Johannes Eugenius Bülow Warming (foto ao lado) zarpou do Rio de Janeiro para ir até Copenhague levando consigo cerca de 2.600 espécies de plantas, estocadas com segurança num acervo que ele coletou ao longo de três anos.

Durante seu tempo livre – ele era secretário de Peter Wilhelm Lund, considerado o pai da paleontologia e arqueologia no Brasil – War-ming ampliou largamente o seu conhecimento sobre o Cerrado, percorrendo a pé o lugarejo de Lagoa Santa, sua base.

E todas essas horas de observa-ção itinerante renderam bons frutos: Warming documentou toda espécie viva de planta que ele encontrara em uma área de 65 quilômetros quadrados. Das espécies estudadas, cerca de 370 eram de novas descobertas.

Quase 30 anos depois, em 1892, War-ming publicou um livro, “Lagoa Santa”, no qual descrevia em ricos detalhes a singular e única flora do Cerrado. Estranhos arbustos nodo-sos, árvores trançadas, plantas cerosas de folhas vasculares e ofereceu um mundo de hipóteses de como aquele ambiente moldou suas características. Warming ajudou no nascimento de uma nova ciência, aprendendo a ler a linguagem daquelas estranhas plantas.

Ele seria considerado por muitos ecologistas como o fundador deste campo, e seu livro “Lagoa Santa”, viria a ser o texto fundamental da ecologia vegetal, junto com o seu outro livro de 1895 “plantesamfund” (traduzido depois, em 1909, para “Ecologia das Plantas”, primeiro livro a ser publicado tendo a palavra ecologia em seu título.) Mas, o cuidadoso estudo da savana brasileira falhou, não conseguiu elevar a consciência nacional sobre a sua importância.

O Cerrado tem muitas facetas: Planícies áridas, campos abertos, palmeiras pontilhadas, pântanos. No entanto, o que a maioria das pessoas vê é um campo sujo, uma extensão seca e indisciplinada de arbustos baixos e retorcidos. Ao contrário da Amazônia e da Mata Atlântica, o Cerrado não é um bioma reconhecido como “Patrimônio Nacional” na constituição do Brasil. O próprio nome captura a indiferença do coletivo da nação: Cerrado significa “fechado”. Os 1.900.000 km2 do Cerrado foram considerados por muito tempo como terras ácidas, ricas em alumínio e sem valor.

Em 1970, pesquisadores da EMBRAPA, empresa brasileira de pesquisa agrícola, des-

cobriram como corrigir o solo com doses prodigiosas de fertilizantes e cal. Desde

então o Cerrado está aberto para a explo-ração do agronegócio.

O Brasil é agora o segundo maior produtor - e o líder da exportação - de soja, a maioria cultivada no Cerrado que está sendo desmatado duas vezes mais rápido do que a Amazônia. Menos de 40% a, talvez, menos de 20% permanecem com a flora nativa do Cerrado tendo como base a sua extensão original. Área que uma vez chegou a ter três vezes o tamanho do Texas

Fica difícil mensurar o tamanho real pelo fato da mata nativa estar

fragmentada. No entanto, se sabe que o Cerrado é a casa de milhares de espé-

cies de plantas que não se encontram em nenhuma outra parte do mundo, e de centenas

de espécies de mamíferos e aves. Estima-se que se o ritmo de desmatamento continuar da forma

atual no Cerrado, sua flora e fauna, podem desaparecer até 2030.

“O problema do Cerrado é que ele é muito fácil de ser destruído” diz Nicolas Behr, um conhecido poeta no Brasil que morou na savana por toda a sua vida. “As pessoas não querem identificar o Cerrado, pois ele é o patinho feio. Para muitos brasileiros é somente um monte árvores retorcidas. Eles veem a soja e dizem: oh! isto é bonito, a agricultura, a plantação”.

De fato, a região do Cerrado que abrange quase um quarto do país, é vista por muitos brasileiros como a única faísca acesa no motor da economia, frente à desaceleração econômica das outras regiões do Brasil. Entre a pior recessão da história moderna, os produtores agrícolas contabilizaram quase um quarto do PIB do Brasil em 2015, e quase a metade do total de exportação. Este ano os fazendeiros esperam uma quebra de recorde na produção da cultura da soja.

“Os produtores de soja são eficientíssimos, porque eles não têm nenhuma ligação sentimental com o Cerrado”, diz Behr - “para eles, o Cerrado é somente o solo para ser plan-tado. No Sul havia pressão pelas terras. Eles venderam tudo e compraram a terra daqui, pois era a mais barata”. Eles são de fora e não nativos da região, diz Behr. “contribuem muito para a destruição”. A

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| biomas |

Perguntei a Roberto Cavalcanti, professor de Ecologia da UnB, que estuda a savana brasileira há décadas, se ele concorda com o seu velho amigo Behr. O Cerrado está sendo destruído simplesmente porque os fazendeiros – com sua agricultura que inundou a região – não tinham um apelo sentimental àquela terra retorcida? “Eu e ele discordamos em alguns aspectos neste ponto”, disse ele após refletir: “Eles nutrem um sentimento pela agricultura. O que veem é uma vasta região inexplorada e um grande potencial para plantar”.

Quando John Cain Carter se mudou do Texas para o Leste do Estado do Mato Grosso há 20 anos, o que ele viu foi um desenfreado desmatamento, uma forma selvagem de desbravar a terra. Ele fundou uma organização sem fins lucrativos chamada “Aliança da Terra” com o intuito de conservar a vegetação nativa e apoiar os donos da terra a fazer uma correta gestão dos recursos naturais, substituindo a ideia de que a prosperidade não está ligada ao desmatamento do Cerrado. Seu objetivo era somente frear o desmatamento para que assim outros valores pudessem surgir.

O grupo treina os fazendeiros para melhorarem a gestão da terra pela conduta da prática de contabilização dos vários “bens” de suas propriedades como (estoque de carbono, qualidade da água, biodiversidade) e em conformidade com as restrições do Código Florestal brasileiro. “A política de conservação do meio ambiente nunca foi rentável, e este é o motivo pelo qual ninguém a adota”, diz ele. “Esta política precisa ser quantificada como um ativo no balanço final”.

O Código Florestal exige que os proprietários de terra na Amazônia mantenham 80% em seu estado natural. Enquanto que para os produtores do Cerrado são exigidos apenas 20% de área de conservação intocadas. Um desequilibro, dizem algumas pesquisas: sacrifique a savana para salvar a floresta equatorial, se o desmatamento ilegal é para muitos produtores um custo benefício direto quando a multa aplicada for subs-tancialmente menor do que a renda gerada por aqueles 2,5 km2 de soja ou de comida para o gado que irá super aquecer o mercado de commodities, então estes quilômetros do Cerrado não significarão nada para o mundo.

O motor fundamental de todas as operações, diz Carter, “é se você estiver no olho do furacão da economia a terra desmatada vale 4 ou 5 vezes a mata nativa”. De fato, o mundo em geral – incluindo os analistas de commodities e investidores institucionais – tendem a ver o Cerrado como a última fronteira agrícola do mundo.

Os frutos de se converter o Cerrado são alimentados no mercado global de commodities. Soja para alimentar o gado na China, cana de açúcar para fazer etanol para atender os mandatos de biocombustível dos Estados Unidos, carne para alimentar a crescente classe média do mundo, numa aposta que estes apetites globais continuarão a se expandir, a gigante empresa de investimentos com sede em Nova Iorque, TIAA-CREF gastou centenas de milhões de dólares para comprar fazendas na fronteira dos Estados do Maranhão e Piauí, transformando o Cerrado em sonhos de pastagens e cultivos de ricos investidores e fazendeiros de São Paulo até Santo Antônio, vislumbrando a possibilidade de enriquece-rem mais e mais. E isto daria a possibilidade de empregar muitas pessoas na zona rural em um país com 12 milhões de desempregados.

Na mesa da cozinha de uma casa modesta em Barreiras, o epicentro da agricultura no Oeste do Estado da Bahia, Rogério Lustosa, orgulhosamente nos mostra a vida selvagem pelas fotografias que ele tem tirado durante todos estes anos no Cerrado, trabalhando como técnico do Grupo Mizote, uma firma brasileira que opera com grandes fazendas na região. “Eu acredito que 20% não é o suficiente para prote-ger o bioma”, diz ele sobre o Código Florestal previsto para os fazendeiros. “Mas nós precisamos produzir. As pessoas precisam comer. E isto gera emprego para as pessoas”. Ele apontou para si mesmo. “A vegetação está se perdendo, mas os animais podem sobreviver”, ele faz uma pausa, “no entanto, seus números estão decaindo”.

E o que significa realmente, “está se perdendo?” Nós não podemos saber a extensão. A tarefa de estudar a rica vida nativa do Cerrado, que começou a 150 anos atrás e ainda está nos seus primórdios.

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O que nós sabemos do bioma é que ele é o lar de pelo menos 11.000 espécies de plantas (45% delas só existem no Cerrado.), 199 espécies de animais, e 837 espécies de pássaros. Estão em perigo de extinção, os enigmáticos: lobo-guará, tamanduá, cervo do pântano, o tatu de três bandas, e a pomba de olhos azuis. Seus hábitats estão fragmentados e encolhendo rapidamente.

Temos ainda as plantas misteriosas, rasteiras, que vivem acima dos solos, mas que buscam seus nutrientes abaixo, muitas formas de cogumelos, frutas em forma de vasos e redes. Há uma planta rasteira, a philacoxia minensis, que usa as folhas subterrâneas como armadilhas para digerir pequenas lombrigas; uma estratégia adaptativa necessária pela extrema pobreza de nitrogênio no solo.

Tem o barbatimão, também conhecido como a árvore da caaca da virgindade, que produz um extrato anti-inflamatório usado para prevenir as queimaduras radioativas no mais famoso hospital do câncer em SP. Esta é apenas uma amos-tra do vasto potencial medicinal que deve desaparecer junto com o Cerrado.

A existe o arbusto andira laurifolia, que Warming descreveu assim: “nesta espécie, o eixo subterrâneo é subdividido, cheio de estrias, torcidos e grosso como um braço, e dá origem a brotos que podem ramificar e alcançar de 0,50 m a 1 metro. A base de cada uma destas plantas pode cobrir uma área acima de 10 metros de diâmetro”. Warming concluiu que os “fatores abióticos” como as oscilações climáticas imprimiram estas formas poderosas para estas e outras plantas do Cerrado

Milhares de anos de alternâncias das estações, chuvas torrenciais e secas, liberaram a maior parte do nitrogênio, potássio, cálcio, e outros nutrientes do solo, e o tornaram altamente ácido. O fogo sazonal, ele especulou, forçou algumas plantas, como andira, a procurar abrigo no subsolo. Neste mundo escondido, ecologistas veem um mundo de informações genéticas, que abrigam remédios do futuro e fornecem pistas para a resiliência inata na seca e no fogo. Um conhecimento cada vez mais útil diante das alterações climáticas da nossa época.

Diante da singularidade das espécies endêmicas, ecologistas como Cavalcanti, também veem a performance deste bioma como um cenário tecnicamente inestimável para o ecossis-tema. É o berço das águas do país, possui mais de 16% das águas frescas do mundo: o Cerrado captura e armazena as chuvas sazonais para as profundezas dos aquíferos, filtrando e canalizando a água em todas as direções sendo a fonte dos três maiores rios brasileiros, Tocantins, São Francisco, e o Rio da Prata, em Bonito, Mato Grosso.

É também um vasto dissipador de carbono escondido. Cientistas estimam que dois terços da biomassa do Cerrado sejam subterrâneos, um sistema de raízes duras e muito pro-fundas; a razão para muitos ecologistas chamarem o lugar de “floresta de cabeça para baixo”. Essas raízes e fungos simbióticos armazenam grandes quantidades de carbono. Elas também podem acessar as profundezas atrás de água durante o período da seca, este fenômeno é possível pelo processo chamado de evotranspiração, o maior ciclo de hidrografia do qual depende a Amazônia. No entanto, isto também está mudando.

Um novo estudo descobriu que o desmatamento do Cer-rado está mudando o ciclo das águas do Brasil, aumentando a possibilidade de secas nas próximas décadas. As análises das imagens via satélite de “Mapitoba” região Norte do Cerrado, mostram que a área das fazendas dobrou de 2003 até 2013. Durante a estação da seca, novas terras agrícolas reciclaram 60% menos água do que o Cerrado nativo.

Os agricultores limparam a vegetação nativa, eles estão efe-tivamente puxando o tapete dos seus próprios pés. Reduzindo a evapotranspiração pode atrasar a estação das chuvas, falando claramente, é um desastre para a agricultura que domina aquela região e que precisa das chuvas, sem falar que isto afeta diretamente o ciclo das águas da vizinha Amazônia.

Contudo, este cenário não é inevitável. José Roberto Rodrigues Peres, Chefe da Embrapa Cerrados, a instituição que “corrigiu” o solo ácido do Cerrado e habilitou a revolu-ção da agricultura. “A agricultura, se não for feita de forma sustentável, é fonte de degradação”. E ele conclui. “Mas é possível crescer produtivamente sem crescer em área”

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Ele acredita numa maior intensificação – obtendo mais e mais comida da terra que já foi desmatada, incluindo pastos degradados, ao invés de derrubar mais a mata nativa – isto é possível. Ele tem a visão de integrar o sistema colheita-floresta-pastagem, com uma alta rotatividade da plantação da soja, milho, e outras sementes oleaginosas – modificadas pelos cientistas para serem mais resistentes à seca e mais eficientes de água – com o gado existente nos pastos.

No entanto, desde que nos falamos há quatro anos, a agricultura extensiva ganhou a vez. Em 2012, o Governo relaxou o Código Florestal quanto ao desmatamento. Como resultado quase 500 mil km2 de mata nativa do Cerrado pode ser legalmente desmatada para a agricultura; uma área grosso modo, do tamanho da Califórnia. Outro estudo recente exa-minou a terra do Norte de Minas Gerais e apontou mudanças – justamente no Norte de Lagoa Santa – 42% da extensão original da savana foi desmatada desde 2000.

Warming foi talvez o primeiro biólogo a focar nas comu-nidades das espécies, suas individualidades e suas interações com o meio ambiente. Um de seus descendentes intelectuais diretos foi o conservacionista florestal Aldo Leopold. Em seu clássico “Sand County Almanac” de 1949, ele propôs a “Terra Ética” que amplia as fronteiras, os limites, da comunidade para incluir solo, água, planta, ou a coletividade: a terra. “O problema que enfrentamos é a consciência, em toda a sua extensão social das pessoas para com a terra”, escreveu ele. “Jamais nenhuma mudança importante na ética foi feita sem uma mudança interna significante na intelectualidade, lealdade, afetos, e convicção.

A mudança não vem facilmente. Um dia quando estava no sertão da Bahia, atravessando uma paisagem que se poderia confundir com Iowa, fiquei um dia no Parque Fioravante Galvani, o produto de uma parceria entre a cidade, Conserva-ção Internacional, Monsanto, e a companhia de fertilizantes brasileira Lina Galvani. Tradução: Lea Chaib

O centro paga pessoas locais para coletar sementes das várias plantas que estão ameaçadas na região e hospeda mais de uma dúzia de animais do Cerrado em extinção num pequeno zoológico.

Márcia Xavier, a coordenadora educacional de meio ambiente do Parque, realiza programas para as escolas primárias locais e para o público nos dias de semana. Fazendeiros quase nunca aparecem, “eles não estão interessados”, diz Xavier. “É muito hippie para eles, muito estranho”. Ela me mostrou o zoológico ao redor e nós paramos em frente a uma jaula onde estava um ansioso lobo-guará, um animal tão grande quanto um cão dinamarquês, mas com a cara de uma raposa, passeando de um lado para o outro. Tão logo ela explicou o acordo, eu tive uma clara visão lógica do fim que as aves tiveram na ecologia: as últimas remanescentes do Cerrado endêmico confinados em jaulas e sementes secas, arrumados e bem conservados, pagos pelas empresas globais que para existirem os removeram de seus hábitats naturais.

“Nada é mais forte do que a realidade”. Behr diz com um suspiro. Sentado no escritório de um viveiro de plantas ele percorre os arredores de Brasília. Behr olha para as imagens de satélite dos quilômetros que cercam sua casa de infância, a cidade de Diamantino no Cerrado. Onde antes existiram lagoas e colinas hoje existem infinitas linhas retas de soja.

Seu veredito poderia ser um epitáfio apropriado para o seu amado Cerrado. E deve ser também um epitáfio para a ciência que nasceu na savana, a qual poderia nos ensinar como enxergar o potencial ”ativo” abaixo dos nossos pés.

Ou talvez fossemos estudantes sem esperança. A floresta de cabeça para baixo é difícil de ser derrubada, Por isso mesmo é ainda mais difícil de ver o quanto nós somos dependentes dela. Para ver realmente como é o Cerrado em toda a sua maravilhosa complexidade, você deveria andar na paz do jovem Johannes Eugenius Warming, parando para examinar a estrutura da raiz espessa da andira laurilfolia. Ou estacionar o seu carro e caminhar até um pântano e admirar uma rara variedade de palmeiras, como Behr faz algumas vezes. Ele é membro da “Associação Internacional das Palmeiras”, sua esposa me contou, “e eles escrevem uns para os outros cartas que começam assim: “querida amante de palmeira…”

O agronegócio – animado por nossos desejos — se move muito mais rápido do que a nossa curva de aprendizado. Nossa lealdade está com os nossos próprios interesses. Nossas afeições raramente se estendem para bosques frondosos e plantas carnívoras, nossas convicções não funcionam neste subterrâneo profundo.

Porém, Behr tem o que poderia ser uma alternativa de epi-táfio. O poema que escreveu sobre o Cerrado é, provavelmente, o mais famoso. Ele se refere ao Garrincha, que nasceu com as pernas tortas. Quando as pessoas o viam jogar, diziam não ver nenhuma deformidade e sim um jogador de habilidades únicas e cheio de dribles. O poema mantém a esperança e ensina a ver o Cerrado por uma nova luz, enquanto existir.

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O Informe “Última Fronteira: Políticas Públicas, impactos e resistências ao fracking na América Latina”, elaborado pela Aliança Latino-americana de Enfrentamento ao Fracking em cooperação com Cone Sul, Fundação Heinrich Boell e Amigos da Terra-Europa, dirigido a autoridades públicas e sociedade civil, organizações nacionais e internacionais que integram a Aliança Latino-americana de Enfrentamento ao Fracking, recomenda que as atividades de fracking1 sejam proibidas seguindo a aplicação do Princípio de Precaução. Os impactos2 apontados para tal recomendação se devem ao risco de danos graves e irreversíveis para a saúde das pessoas, contaminação de águas superficiais e subterrâneas de consumo humano, e emissão Gases de Efeito Estufa (GEE) que contribuem com as mudanças climáticas.

De acordo com o Informe, durante o ciclo de extração, processamento, armazenamento, transporte e distribuição de hidrocarbonetos não convencionais extraídos via fracking, é liberado metano que, como Gás de Efeito Estufa, é 87 vezes mais agressivo do que o dióxido de carbono num prazo de 20 anos, o que agrava as mudanças climáticas. E, apesar de suas obrigações legais em matéria de direitos humanos, a proteção do meio ambiente e mudanças climáticas, os países latino-americanos não estão implementando medidas efetivas para evitar os prejuízos graves e irreversíveis que esta técnica implica. Pelo contrário, as normas nacionais foram modifi-cadas para abrir as portas e facilitar o acesso desta técnica aos territórios.

Neste contexto, do México até a Patagônia, as operações de fracking estão se disseminando pela região com a promessa de acesso a novas reservas e recursos de hidrocarbonetos que permitam manter as altas taxas de extração.

Alerta para os riscos do fracking na América Latina

Gilka Resende | Jornalista

Esta promessa se reparte por igual entre países histori-camente produtores de hidrocarbonetos, como Colômbia e Bolívia, assim como os importadores, como Chile e Uruguai. No Brasil não foi diferente, a ameaça começou em 2013 com a 12ª Rodada de leilões que previa a exploração destas fontes. Mesmo com toda a resistência, continua sendo uma fonte considerada pelo governo no Plano Decenal de Energia.

“O fracking está avançando rapidamente na América Latina, sem que existam estudos integrais e de longo prazo sobre os riscos e danos graves e irreversíveis que pode causar na saúde das pessoas e ao ambiente”, disse Carlos Lozano, advogado da Associação Interamericana para Defesa do Ambiente. “As operações deste tipo na região não estão respeitando direitos humanos fundamentais como a con-sulta e o consentimento prévio, livre e esclarecido; o direito a participação e controle social; e o direito à informação”, afirmou Milena Bernal, advogada da Associação Ambiente e Sociedade da Colômbia.

Felipe Gutiérrez, pesquisador do Observatório Petroleiro Sul afirma que “o fracking está se desenvolvendo na Argentina em comunidades indígenas, rurais, bairros urbanos e em Uni-dades de Conservação Natural. Isso gerou o desalojamento de pessoas e de atividades produtivas como a pecuária e agricultura, cuja convivência com esta técnica é impossível”.

A medida que crescem as operações deste tipo, também tem aumentado a resistência a elas. Um exemplo são as redes nacionais e internacionais de oposição a esta técnica, além dos mais de 50 municípios e comunidades “livres de fracking” na Argentina, Brasil, Uruguai e México.

A decisão política de se avançar com as atividades de fracking prolonga a dependência dos combustíveis fósseis e atrasa as políticas para a adoção de energias renováveis mais justas e sustentáveis nos países da região. Neste sentido, os hidrocarbonetos não convencionais extraídos via fracking não podem e nem devem ser considerados como energias de transição ou energias mais limpas, já que a emissão de gases de Efeito Estufa é alta assim como os danos ambientais e agravos à saúde pública.

Notas:

1 - Fraturamento hidráulico, utilizado para realizar perfura-ções e extração de gás, o chamado gás xisto ou gás de folhelho. Em inglês é conhecido como shale gas.

2 - “Nem governos ou empresas deveriam realizar experimentos que ponham em risco a vida e à saúde das pessoas, os direitos humanos, o ambiente e o clima”, afirma a Aliança Latino-americana de Enfrentamento ao Fracking no informe.

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| fracking |

Todos os anos, há grande ansiedade para conhecer as novas estimativas do desmatamento na Amazônia, tanto nacional quanto internacionalmente. Em nível internacional, o Brasil tem compromissos de redução de suas emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), o mais recente foi assumido em Dezembro de 2015, no Acordo de Paris da Convenção sobre Mudanças Climáticas. O Compromisso Nacionalmente Determinado do Brasil, de reduzir 37% e 43% de suas emissões de GEE até 2025 e 2030, respectivamente, em relação às emissões do país em 2005, é baseado em traje-tórias flexíveis e que incluem a indicação de desmatamento ilegal zero até 2030. Atualmente, a taxa anual não discrimina os desmatamentos ilegais das supressões legais de vegetação (seguindo as normas do Código Florestal, particularmente as afeitas à Reserva Legal). Os Cadastros Ambientais Rurais (CAR) serão uma ferramenta importante para promover a gestão ambiental em nível de propriedade e serão úteis para acompanhar a implementação do Código Florestal.

Desde o fim dos anos 80, o desmatamento na Amazônia é monitorado de forma contínua (anualmente) e abrangente (cobrindo todo o limite geográfico da Amazônia Legal) utilizando imagens de satélite. Este monitoramento permite que o País tenha uma série histórica consistente (não há mudanças na unidade mínima de mapeamento, na definição e metodologia empregadas), transparente (todos os dados são públicos, incluindo as imagens de satélite e classificação visual dos desmatamentos) e verificável (a taxa de desmata-mento pode ser reproduzida por verificador independente). Os dados anuais do desmatamento na Amazônia, definido como padrão corte raso, são gerados anualmente pelo INPE do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comuni-cações (MCTIC), como parte do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal (PRODES). A série histórica é apresentada na Figura 1.

Como pode-se notar, em 2003, o desmatamento foi bastante elevado (25.396 km2), o que levou o Governo Federal a criar, através de Decreto, um Grupo Permanente de Trabalho Interministerial (GPTI) com a finalidade de propor medidas e coordenar ações que visem a redução dos índices de desmatamento nos biomas brasileiros, por meio da elaboração de planos de ação para a prevenção e controle dos desmatamentos. Desta forma, foi criado o primeiro Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, com vigência no período de 2004 a 2008.

Thelma Krug | Diretora de Políticas para o Combate ao Desmatamento do MMA e Vice-Presidente do IPCC

Desmatamento na Amazônia: um desafio brasileiro

Pode-se notar, pela Figura 1, a significativa queda do des-matamento neste período e que teve continuidade durante a 2ª fase do PPCDAm (2009-2011). De 2012 a 2014, durante a implementação da 3ª fase do Plano (2012-2015), o desma-tamento oscilou ao redor de 5.000 e 6000 km2, já sinalizando uma potencial exaustão das medidas, políticas e ações para conter o desmatamento. Em 2016 o desmatamento atingiu o valor mais alto desde 2008, muito provavelmente como reflexo também do momento político e econômico que o país atravessou. É neste momento que a 4ª fase do PPCDAm está sendo lançada, com a validação do Grupo Permanente de Trabalho Ministerial ocorrida no último dia 15, sob a coordenação do Ministro Sarney Filho.

A elaboração da 4ª fase do PPCDAm teve início nos primeiros meses de 2016, com uma análise dos resultados de implementação da 3ª fase do Plano (2012-2015), que trouxe elementos importantes para subsidiar a construção da nova fase. Foi possível planejar os objetivos, linhas de ação e resul-tados esperados na nova fase, incluindo não somente ações já em curso mas também aquelas que apesar de complexa implementação, tem um potencial importante na redução do desmatamento. Pode-se identificar as categorias fundiárias mais afetadas pelo desmatamento, tendo-se constatado uma distribuição mais significativa dos desmatamentos em áreas privadas, seguida de desmatamentos em assentamentos e em glebas públicas federais sem destinação. Desmatamentos em UCs e TIs também foram constatados, mas em um percentual bem menos significativo, como mostra a Figura 2.

Os dados do PRODES, com desmatamentos mapeados de forma espacialmente explícita, tem sido instrumentais para entender as pressões do desmatamento em distintas partes da região e direcionar ações de fiscalização e controle baseado em critérios técnicos e prioridades territoriais.

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Thelma Krug

Fig.1. Série histórica (1988 a 2016) do desmatamento na Amazônia Legal

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| desmatamento |

Além do PRODES, dados de desmatamento em tempo quase real do Sistema DETER (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), também fornecidos pelo INPE ao IBAMA, têm permitido maior agilidade e eficiência nas ações de fisca-lização. O eixo de monitoramento e controle, que tem sido apontado como um dos responsáveis pela queda sistemática do desmatamento na região, será intensificado na nova fase, juntamente com os eixos de regularização fundiária e ordena-mento territorial; fomento às atividades produtivas sustentáveis; e de instrumentos normativos e econômicos.

Esses eixos constituem a base sob a qual os objetivos, linhas de ação e resultados esperados foram construídos. A inclusão deste último eixo na nova fase do PPCDAm é inovadora e é esperada, entre outros, a ampliar o acesso ao crédito para as atividades de manejo florestal sustentável assim como pre-miar escolhas que levam à sustentabilidade ambiental. Deve inibir também as atividades relacionadas ao desmatamento, principalmente o ilegal.

Os nove objetivos do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia são apoiados nos quatro eixos descritos acima: sob o primeiro eixo: (1) promover a regularização fundiária e (2) promover o orde-namento territorial, fortalecendo as áreas protegidas; sob o eixo de Monitoramento e Controle: (3) promover a respon-sabilização pelos crimes e infrações ambientais; (4) efetivar a gestão florestal compartilhada; (5) prevenir e combater a ocorrência de incêndios florestais e (6) aprimorar e forta-lecer o monitoramento da cobertura vegetal; sob o eixo de fomento às atividades produtivas sustentáveis: (7) promover o manejo florestal sustentável e (8) promover a sustentabilidade dos sistemas produtivos agropecuários e, finalmente, sob o eixo de instrumentos, (9) implementar (criar, aperfeiçoar) instrumentos normativos e econômicos para controle do desmatamento ilegal.

O PPCDAm detalha os resultados esperados e as linhas de ação para atingi-los. O Plano indica também a criação de 4 Grupos de Trabalho, um para cada eixo, e que serão res-ponsáveis por detalhar as ações e indicadores que permitam avaliar a efetividade das ações na redução do desmatamento. Esses GTs deverão ser criados através de Portaria Ministerial no início de 2017. Além de representantes dos órgãos federais, os GTs deverão contar também com a participação de repre-sentantes estaduais, de forma a facilitar o desenvolvimento de planos estratégicos conjuntos e integrados.

O desmatamento no bioma Cerrado também vem sendo acompanhado e teve seu 3º Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas também validado pelo GPTI. Apesar dos objetivos dos dois Planos, para a Amazônia Legal e Cerrado serem os mesmos, os resultados esperados e as linhas de ação definidas são diferenciados, de forma a tratar os vetores específicos de desmatamento no Cerrado. Desta forma, o governo dá sinais claros de sua preocupação em tratar a questão do desmatamento de forma consistente e integrada, sustentada nos pilares social, econômico e ambiental.

Fig. 2. Contribuição percentual das categorias fundiárias ao desmatamento na Amazônia Legal entre 2012-2015 e em 2016

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| desmatamento |

O Brasil passa por uma crise democrática que afeta diversas áreas sociais e direitos conquistados ao longo das três últimas décadas. O saneamento básico, sempre deixado de lado por governos em diferentes níveis, poucos anos antes do impedimento da Presidenta Dilma, parecia começar a obter avanços, ainda que cercado por contradições. Em 2013, a aprovação do Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSB) foi vista como resultado de muitas lutas e reivindicações para possibilitar mais saúde e qualidade de vida para as atuais e as futuras gerações. Na época, a FASE era membro do Conselho Nacional das Cidades (ConCidades), onde a questão fora debatida. Recentemente, diante das inúmeras preocupações em relação aos rumos que as políticas urbanas estavam tomando, nossa organização renunciou o mandato no Conselho.

O atual contexto político brasileiro trouxe mais riscos a um processo político iniciado com o “Pacto Pelo Saneamento Básico: Mais Saúde, Qualidade de Vida e Cidadania”, em 2008. O desmonte dessa construção, porém, teve início antes do impedimento de Dilma. Cabe destacar que a disputa em torno do saneamento básico como direito continuaria mesmo sem a recente ruptura democrática, já que corria em paralelo à implementação do Plano a tentativa de privatização do setor via Parcerias Público Privado (PPPs). A emergência do Brasil a um patamar de crescente destaque na economia global provocou alterações substantivas no modus operandi da gestão pública.

Evanildo Barbosa da Silva | Diretor Executivo da FASE. Historiador, Doutor em Desenvolvimento Urbano

Paradoxos da política de saneamento básico no Brasil

Em um ambiente irrequieto, com vultosos investimentos públicos em grandes infraestruturas nas cidades, para energia, mineração, lazer e turismo, uma velha tríade já ganhava novos ares: Estado, sociedade e planejamento e gestão urbana se reordenavam, ganhando um padrão perverso. Perverso dado o risco de desconstrução das capacidades de inovação política da chamada ‘sociedade civil participativa brasileira’.

Desde o ano 2011, o Governo Federal instituiu o Regime Diferenciado de Contratações (RDC, Lei Federal número 12.462) para dar respostas a exigências formais e urgências às contratações públicas que ora se apresentavam, tendo tal Regime sido imediatamente regulamentado pelo Decreto nº 7.581, que seria exclusivamente aplicável às licitações e aos contratos necessários no âmbito dos investimentos da Copa das Confederações de 2013, da Copa do Mundo de 2014, dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, assim como para as ações constantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Em 2012, o uso do Regime Diferenciado de Contratações foi estendido para licitações e contratos de obras e de serviços de engenharia para os sistemas públicos de ensino, por meio da Lei Nº 12.722. O governo brasileiro seguiu, então, orde-nando que sistemas públicos fossem repassados à iniciativa privada, dessa vez feita por meio da oferta de uma polêmica modalidade de contratação de obras públicas conhecida por Locação de Ativos.

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| saneamento |

Trata-se de mais uma forma de participação que permite que a empresa a ser contratada construa e arrende determinada instalação física (subestação, linha de transmissão, estação de tratamento de água e esgoto, dentre outros) ao ente público, em prazo contratual definido a priori.

A adoção das PPPs divide opiniões. De um lado, estão os que fazem oposição para não se cogitar qualquer alteração no papel do Estado, notadamente no que diz respeito às prerro-gativas que lhe são imputadas de universalização do acesso aos serviços essenciais à população. Qualquer plataforma de reforma urbana pelo direito à cidade representa bem esta posição e expectativa. Do outro lado, estão gestores públicos e corporações empresariais que demandaram, elaboraram e agora aplicam o instrumento PPP. A gestão pública, repre-sentada pelo gestor público em exercício (federal, estadual ou municipal) realiza por meio do PPP a maior e mais célere das alianças entre a fome e a vontade de comer. Ou seja, alianças entre o investimento público – que, por sua vez, resultam de uma experiência social coletiva de grande monta sobre a totalidade da riqueza socialmente produzida – e a expertise operacional da qual a iniciativa privada se diz detentora.

E o que é uma PPP? É um contrato administrativo entre o Governo e o ente privado, de longo prazo, envolvendo recur-sos do orçamento público, lastreado pela Lei 11.079/2004. E quais seriam, segundo seus defensores, suas vantagens? Primeiramente, a melhor divisão de riscos entre os setores público e privado. Fala-se muito também na “agilidade do setor privado na construção e na operação de serviços”. Outra vantagem apregoada é que haveria garantia de recur-sos e de prestação de serviços por bastante tempo, dado que a parte contratada na PPP responsabiliza-se pela prestação durante 20 e 30 anos. No entanto, sabemos que esse ponto de vista empresarial tem destino certo: engatar uma pronta reivindicação ao Estado, não só visando a multiplicação das fontes públicas de financiamento desse tipo de contrato via recursos do BNDES, da Caixa, através oferta de debêntures de infraestrutura, assim como via redução de tarifas e outras obrigações fiscais.

O Brasil urbano assiste à emergência de PPPs nos serviços. O uso do instrumento já se faz diversificado, como nos setores de saneamento, mobilidade e gestão. Essa dinâmica alimenta um tipo de padrão perverso na relação Estado, sociedade e planejamento e gestão urbana não só porque há uma movi-mentação nítida de privatização dos serviços essenciais à vida nas cidades, como também por sugerir que está em curso uma mudança na natureza e no papel do próprio Estado, o que implicaria na modificação no sentido do que venha a ser daqui pra frente a dimensão do que é “público”.

E o que ainda pode ser defensável sob uma perspectiva do direito à cidade? Não se cogita senão a retomada do papel do Estado na universalização dos serviços e a ampla participação da população na definição e no controle das políticas essenciais à vida, a exemplo do saneamento. No entanto, não se pode fingir que há uma difícil questão nessa ambivalência entre uma expectativa “estadocêntrica” e outra “sociocêntrica”: é que o próprio Estado brasileiro propicia e incrementa as condições objetivas para o aprimoramento desse novo Brasil. Essa tendência pessimista aqui apontada apenas quer designar uma vitória parcial (é o que se espera) de um dado formato neoliberal de globalização do capital sobre as cidades, com imposição de consequências geográficas desiguais sobre a maioria empobrecida.

Também quer constatar como real a adoção de um modelo teórico e prático de cidade voltado para aprimorar o empreendedorismo urbano já vigente em larga medida nas administrações públicas no Brasil.

Desde há muitos anos, autores como David Harvey (geó-grafo britânico marxista, trabalha com diversas questões ligadas à geografia urbana) destacam a importância da reestruturação da economia mundial nos anos 1960 e seu significado para compreensão das mudanças próprias do capitalismo nas cida-des. Para esse autor, já se constituía evidente o marco de uma relação causal entre as novas formas de produção (do regime fordista-keynesiano para a “acumulação flexível”) e a gestão nas cidades capitalistas (ou seja, as alterações no paradigma do administrativismo para o empresariamento urbano).

Neste particular, o geógrafo David Harvey assegurava então: “há fortes indícios de que a mudança na política urbana e a guinada para o empresariamento tenham tido um importante papel facilitador na transição do sistema de pro-dução fordista, fortemente dependente de fatores locacionais e respaldado pelo Estado do bem-estar keynesiano, para formas de acumulação flexíveis, muito mais abertas geograficamente e baseadas no mercado”.

Desde aí, a força das transformações globais no capitalismo não só manteve célere a reprodução dos meios materiais e culturais do espaço, matizado pelos interesses econômicos hegemônicos, como encontrou as condições mais dinâmicas para sua reprodução ideológica e material.

O exame dessas contradições sobre o modelo urbano vigente no nosso país aponta para a necessidade de novas interpretações também sobre a natureza e a qualidade desses fios de insatisfação social que são observáveis no cotidiano das cidades.

A ideia de cidade como uma corporação coletiva pode sim ser explorada no limite de suas contradições para que, em termos do futuro das cidades, possa vir a ser apropriada como uma produção coletiva de nós mesmos. Como crença, quanto maiores a revelação e o enfrentamento dessas contradições, mais se poderá contribuir para a desprivatização da vida.

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| saneamento |

A Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa) inau-gura no dia 31 de Janeiro a primeira Usina Solar Fotovoltaica instalada numa instituição pública de Mossoró, Rio Grande do Norte. Os painéis solares marcam uma nova era na Ufersa, que agora também passa a utilizar energia renovável para as atividades de ensino, pesquisa e extensão do Campus Sede.

Ao todo foram instalados 580 painéis numa área de 933 metros quadrados. A Usina funciona no Campus Leste e desde outubro de 2016 que vem gerando energia limpa para a Universidade. São cerca de 20 mil kw/h gerados a cada mês, o que equivale a até 7% do consumo da Ufersa Mossoró. Em termos práticos, a Usina está propiciando, inicialmente, uma economia de R$ 7 mil por mês no custeio da instituição, mas esse valor pode aumentar dependendo da radiação solar que na região tem de sobra. Além da economia financeira, os painéis geram ganhos ambientais com a redução da emissão de gases como o CO2, o grande vilão do aquecimento global. Com a Usina produzindo energia limpa, a estimativa é que 1,5 t de CO2 deixe de ser emitida na atmosfera.

A Usina Solar Fotovoltaica da Ufersa é resultado do Prêmio Ideia/Desafio da Sustentabilidade lançado em 2014 pelo Ministério da Educação. A Universidade do Semiárido conquistou o 2º lugar na iniciativa, sendo premiada com R$ 1 milhão em Abril de 2015, recursos que foram usados na aquisição e instalação de todos os equipamentos da Usina.

Para a comissão técnica responsável pela iniciativa, a Usina Solar da Ufersa é uma ação inovadora. Em Setembro de 2015, a ONU definiu os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que deverão orientar as políticas nacionais e as atividades de cooperação internacional nos próximos 15 anos. Um desses objetivos estabelece que deve-se assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia, para todos até 2030, por meio do aumento substancial da participação de energias renováveis na matriz energética global, bem como deve-se buscar nesse mesmo período dobrar a taxa global de melhoria da eficiência energética.

Energia solar para o SemiáridoPassos Junior | Jornalista

Ampliar o parque solar no Campus

A iniciativa da Ufersa está em sintonia com os principais debates sobre a necessidade de boas práticas de sustentabili-dade e uso racional de energia. A instalação da Usina, além de contribuir na economia de energia elétrica, irá possibilitar que a Universidade lidere ações para o desenvolvimento sus-tentável da região semiárida e sirva de referência para outras instituições públicas e privadas.

O professor José de Arimatea de Matos, Reitor da Ufersa, agora quer ampliar a iniciativa e estender os painéis solares para os campi. “Com a Usina funcionando em Mossoró e gerando energia renovável e economia para o custeio da Uni-versidade, pretendemos agora instalar outras usinas solares em Angicos, Caraúbas e Pau dos Ferros e ampliar o parque solar no Campus Sede”, explicou o Reitor.

A instalação da Usina Solar na Ufersa em Mossoró chega num momento oportuno e de crescimento da geração desse tipo de energia no país. De acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), o ano de 2016 encerrou com um total de 7 mil sistemas instalados, um crescimento de 300% sobre o ano anterior. A expectativa para este ano é de continuidade do crescimento da inserção da fonte na matriz elétrica brasileira, segundo a entidade.

A ampliação da participação do BNDES com taxa de juros de longo prazo, além de outros incentivos, deve viabi-lizar financeiramente a instalação de mais projetos solares fotovoltaicos dentro do orçamento com energia elétrica das empresas. Isso significa mais oportunidade para a economia e também uma ótima alternativa de mercado para alunos das Engenharias Elétrica e de Energia.

Na Universidade Federal Rural do Semiárido, as expecta-tivas são animadoras para os alunos que já almejam trabalho e pesquisas nessa área. A Usina Solar instalada no Campus Leste em Mossoró também será um grande laboratório para esses estudantes, segundo o Reitor Arimatea Matos.

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| energias renováveis |

Veículos a diesel serão removidos de Paris, Cidade do México, Madri e Atenas até 2025, como parte de um esforço sem precedentes de seus prefeitos para melhorar a qualidade do ar para seus cidadãos. Essas cidades pioneiras também se comprometeram a incentivar veículos alternativos e a promo-ver as infraestruturas necessárias para pedestres e ciclistas. O compromisso foi feito durante a Cúpula de Prefeitos do C40 realizada no mês passado (Dezembro) na Cidade do México. Em todo o mundo, 3 milhões de mortes por ano estão liga-das à exposição à poluição do ar ao ar livre de acordo com a Organização Mundial da Saúde, com a grande maioria dessas mortes ocorrendo em cidades.

“Os prefeitos já se levantaram para dizer que a mudança climática é um dos maiores desafios que enfrentamos”, lem-brou Anne Hidalgo, Prefeita de Paris e nova Presidente do C40 Cities Climate Leadership Group.

“Hoje, também nos levantamos para dizer que não tole-ramos mais a poluição do ar e os problemas de saúde e as mortes que ela causa, particularmente para os nossos cidadãos mais vulneráveis. Grandes problemas como a poluição do ar exigem ações ousadas e pedimos aos fabricantes de carros e ônibus que se juntem a nós”.

Por sua vez, Prefeito da Cidade do México, Miguel Ángel Mancera disse: “Não é nenhum segredo que na Cidade do México, nós lidamos com os problemas irmanados da poluição do ar e do tráfego”, e Mancera acrescentou: “Ao expandir as opções alternativas de transporte, como o Bus Rapid Transport e sistemas de metrô, ao mesmo tempo em que investimos em infraestruturas de ciclismo, estamos tra-balhando para aliviar o congestionamento de nossas rodovias e de nossos pulmões”.

Perseguir políticas que melhorem a qualidade do ar – descarbonizando os sistemas de transporte e promovendo opções alternativas de transporte – também ajuda as cidades a cumprir a meta do Acordo de Paris.

“A qualidade do ar que respiramos em nossas cidades está diretamente ligada à luta contra as mudanças climáti-cas”, destacou enfaticamente a Prefeita de Madri, Manuela Carmena.

Sem carros a diesel até 2025Emily Morris | Jornalista do C40 com a colaboração de Rita Silva Aviv Comunicação

“À medida que reduzimos as emissões de gases de efeito estufa gerados em nossas cidades, nosso ar ficará mais limpo e nossos filhos, nossos avós e nossos vizinhos serão mais saudáveis”, finalizou Manuela Carmena. Outro Prefeito a se comprometer com a iniciativa das cidades sem carros movi-dos a diesel foi o grego Giorgos Kaminis “Nosso objetivo é acabar com todos os carros do centro de Atenas nos próximos anos”, disse Kaminis. “Apoio a ambiciosa proposta contida na Declaração da Qualidade do Ar e exorto os nossos parceiros do governo nacional a implementar seus compromissos com base nos acordos internacionais de ação climática e unir nossos esforços comuns para limpar o ar que respiramos”.

Durante a Cúpula de Prefeitos, o C40 anunciou uma parceria de dois anos com a Johnson & Johnson, que vai apoiar os programas climáticos do grupo que também trazem co-benefícios para a qualidade do ar e a saúde humana.

Através da pesquisa e da educação, a parceria ajudará a conectar os pontos entre o ar e o clima e benefícios de saúde mensuravelmente melhores em áreas urbanas vulneráveis.

O C40 também anunciou que se unirá à Organização Mundial da Saúde e à Climate and Clean Air Coalition (CCAC) da ONU, em apoio à campanha BreathLife para reduzir pela metade os 6,5 milhões de mortes causadas pela poluição atmosférica até 2030. A campanha global apoiará os governos municipais a reduzir as emissões nocivas dos setores de transportes, dos resíduos e da energia, bem como a mobi-lizar a ação dos cidadãos para reduzir a poluição atmosférica e, simultaneamente, retardar as alterações climáticas.

“92% da população mundial vive em locais onde os níveis de poluição atmosférica excedem o patamar seguro da OMS para a poluição do ar. A fuligem dos veículos a diesel está entre os grandes contribuintes para os problemas de saúde e o aquecimento global. Mas temos muitas soluções que funcionam”, disse Helena Molin Valdés, Chefe do CCAC. “Trabalhando com as cidades do C40 e outros parceiros, podemos ajudar identificar e implementar as soluções mais eficazes para melhorar rapidamente a qualidade do ar e alcançar o objetivo da BreatheLife de reduzir para metade as mortes causadas pela poluição atmosférica até 2030”.

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| iniciativas |

“Pois àquele que tem, lhe será dado e lhe será dado em abundância, mas ao que não tem, mesmo o que tem lhe será tirado.” Mateus 13.12

Falecido em 9 deste mês (Janeiro), aos 91 anos, o pen-sador polonês Zygmunt Bau-man, professor emérito das Universidades de Varsóvia e de Leeds (Reino Unido), abordou questões do cotidiano contemporâneo das pessoas do mundo inteiro, com visão abrangente, profunda, humanista e, ao mesmo tempo, aces-sível e comunicativa. Famoso por ter cunhado o conceito de “liquidez” que aplicou aos problemas e costumes da sociedade humana no nosso tempo, deixou análises vigorosas sobre as desigualdades sociais que têm se espalhado pelo Planeta em ritmo avassalador.

Seu livro “A riqueza de poucos beneficia todos nós?” – publicado em inglês em 2013 e em português em 2015 (pela Zahar) – tem, como primeira de suas quatro epígrafes, a citação do Evangelho de São Mateus que considerei apro-priado e justo colocar no início deste texto. A frase atesta que o flagelo da desigualdade “não chega a ser novidade” e reflete o espírito do volume, conciso, mas contundente, no qual Zygmunt Bauman enfrenta, muitos séculos depois “um debate apaixonado a partir de processos completamente novos, espetaculares, chocantes e reveladores”.

Logo na introdução, ele lembra: “Na era do Iluminismo, durante a vida de Francis Bacon, Descartes ou mesmo Hegel, o padrão de vida em qualquer lugar da Terra nunca era mais que duas vezes superior àquele em vigor na região mais pobre.

Hoje, o país mais rico, o Qatar, se vangloria de ter uma renda per capita 428 vezes maior que aquela do país mais pobre, o Zimbábue”. (A comparação é entre médias). Nunca se viu tamanha desigualdade em toda a história humana.

Para Bauman, “a obstinada persistência da pobreza no Planeta que vive os espasmos de um fundamentalismo do crescimento econômico é bastante para levar as pessoas atentas a fazer uma pausa e refletir sobre as perdas diretas, bem como sobre os efeitos colaterais dessa distribuição da riqueza”. Que, na realidade, é uma “não-distribuição da riqueza”.

A seu ver, “o abismo crescente que separa os pobres e sem perspectiva de abastados, otimistas, autoconfiantes e exube-rantes – abismo cuja profundidade já excede a capacidade de todos, exceto dos mais fortes e inescrupulosos arrivistas – é razão óbvia para ficarmos gravemente preocupados”.

Bauman e a desigualdade como moto-perpétuo

José Monserrat Filho | Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA)*

A propósito, ele concorda com quem adverte que “a principal vítima da desigualdade será a democracia, já que a parafernália cada vez mais escassa, rara e inacessível da sobrevivência e da vida aceitável se torna objeto de rivalida-des cruelmente sangrentas (e talvez de guerras) entre os bem providos e os necessitados e abandonados”1. Para Bauman, essa assertiva desmonta “uma das justificativas morais básicas da economia livre de mercado, isto é, que a busca do lucro individual também fornece o melhor mecanismo para a busca do bem comum” (aspas do autor).

Ele está convencido de que “a riqueza acumulada no topo da sociedade, ostensivamente, não obteve qualquer ‘efeito de gotejamento’; nem tornou qualquer um de nós, em qualquer medida, mais rico; nem nos deixou mais seguros e otimistas quanto a nosso futuro e o de nossos filhos; nem tampouco, segundo qualquer parâmetro, mais felizes”.

Pelo contrário. “Pessoas que são ricas estão ficando mais ricas apenas porque são ricas. Pessoas que são pobres estão ficando mais pobres porque já são pobres”, observa Bauman e completa: “Hoje, a desigualdade continua a aprofundar-se pela ação de sua própria lógica e de seu momentum. Ela não carece de nenhum auxílio ou estímulo a partir de fora – nenhum incentivo, pressão ou choque. A desigualdade social parece agora estar mais perto de se transformar no primeiro moto-perpétuo da história – o qual os seres humanos, depois de inumeráveis tentativas fracassadas, afinal conseguiram inventar e pôr em movimento”.

Bauman acompanha o aumento da remuneração de um diretor executivo das maiores empresas estadunidenses em comparação com o salário médio de um trabalhador de fábrica. Em 1960, o diretor executivo ganhava doze vezes mais que o trabalhador. Em 1974, 35 vezes mais. Em 1980, 42 vezes mais. Em 1990, 84 vezes mais. Em meados de 1990, 135 vezes mais. E, em 2000, já era 531 vezes mais. Não parece um moto-perpétuo em contínua aceleração?

Notável é a crítica de Bauman a um trecho do discurso de Margaret Thatcher feito durante visita aos EUA, em 1970, já como alta funcionária do governo inglês, do qual seria a Primeira-Ministra em 1979-90. Thatcher – que não tardaria a promover a desregulamentação do setor financeiro, a flexibilização do mercado de trabalho e a privatização de empresas estatais – disse então: “Uma das razões por que valorizamos indivíduos não é porque sejam todos iguais, mas porque são todos diferentes… Eu diria: permitamos que nossos filhos cresçam, alguns mais altos que outros, se tiverem neles a capacidade de fazê-lo. Pois devemos construir uma sociedade na qual cada cidadão possa desenvolver plenamente seu potencial, tanto para seu próprio benefício quanto para o da comunidade como um todo”.

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José Monserrat Filho

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* José Monserrat Filho é também Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação e da Agência Espacial Brasileira

Escreve Zygmunt Bauman a respeito: “Observe que a premissa crucial que leva a afirmação de Thatcher a parecer quase evidente em si mesma – a suposição de que a ‘comuni-dade como um todo’ seria adequadamente servida por todo cidadão dedicado a seu ‘próprio benefício’ – não foi explicada com clareza, sendo aqui aceita como ponto pacífico. Como observa Dorling2, de maneira sarcástica, Thatcher pretende que ‘a capacidade potencial deva ser tratada como a altura’ (algo que está além do poder de interferência humana); assim como presume, mais uma vez sem provas, que diferentes indivíduos tenham por natureza capacidades diversificadas, em vez de possuir distintas capacidades a serem desenvolvidas, porque cabem a cada um diferentes condições sociais”.

“Em outras palavras” – esclarece Bauman – “Thatcher toma como ponto pacífico, como algo evidente, que nossas diferentes capacidades, assim como nossas diferentes alturas, são determinadas por nascimento, ‘normalizando’ desse modo a implicação de que pouco ou quase nada há na capacidade humana para mudar esse veredicto do destino. Essa foi uma das razões pelas quais, no fim do século passado, ‘tornou-se aceita a estranha noção de que, ao agir egoisticamente, de algum modo, as pessoas beneficiam as outras’”.3

No capítulo dedicado a “Algumas grandes mentiras”, Bauman nos oferece breve lista de “falsas crenças”, “talvez aquelas que, mais que todas as demais, têm responsabilidade pelo flagelo da desigualdade e seu crescimento em aparência incontrolável e metastático:

1) O crescimento econômico é a única maneira de lidar com os desafios e de algum modo resolver todos e quais-quer problemas que a coabitação humana necessariamente gere;

2) O aumento permanente do consumo, ou a rotatividade acelerada de novos objetos de consumo, talvez seja a única ou, pelo menos, a principal e mais efetiva maneira de satisfazer a busca humana pela felicidade; 3) A desigualdade entre os homens é natural; assim, ajustar as oportunidades de vida humana à sua inevitabilidade beneficia todos nós, enquanto adulterar seus preceitos prejudica todos; e 4) A rivalidade (com seus dois lados, a eminência do notável e a exclusão/degradação do desprezível) é, simultaneamente, condição necessária e suficiente para a justiça social, assim como para a reprodução da ordem social”.

O final é inesperado e de uma franqueza sem ranhuras, com corajosa e dramática dose de otimismo: “Permita-me acrescentar que atribuir a si mesmo responsabilidade pelo mundo é um ato ostensivamente irracional. A decisão de assumi-la, complementada pela responsabilidade por essa decisão e suas consequências, contudo, é a última chance de salvar a lógica do mundo da cegueira que ele sofre e das suas consequências homicidas e suicidas”.

Referências

1 - Do artigo Espécie humana ameaçada de extinção (Le genre humain, menacé), de Michel Rocard, Dominique Bourg e Floran Augagner, Le Monde (3 de abril de 2011).

2 - Dorling, Daniel, Injustice: Why Social Inequality Persists?, Polici Press, 2011, p. 197.

3 - Id Ibid.

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Zygmunt Bauman

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 7 43

| crônica |

É tradição nos países que celebram o Ano Novo Lunar que os presentes sejam pequenos envelopes vermelhos com dinheiro e várias sementes, desejando e semeando dessa forma bem-estar e felicidade. Este Ano Novo Lunar do Galo, na província chinesa de Heilongjiang, o presente foi tão importante que fez tremer toda China e todo o mundo das transnacionais: foram proibidos os cultivos transgênicos.

A imensa maioria dos meios “desinfor-mativos” globais e regionais guardou silên-cio sobre a medida adotada, talvez a mais importante da província dentro da estratégia das transnacionais; Heilongjiang é a joia da coroa chinesa em produção de grãos que abastecem o enorme mercado chinês.

“A Lei aprovada proíbe o cultivo de milho, arroz e soja GM na província que é a principal produtora de grãos da China, proíbe a produção e venda dos cultivos transgênicos e o fornecimento de suas sementes. A regulamentação entrará em vigor no dia 1 de Maio de 2017”.

Alejandro Villamar | Membro da Red Mexicana de Acción frente al Libre Comercio RMALC

Presente do Ano Novo Lunar: província da China veta OGM

A decisão legislativa da província Heilon-gjiang se produz, segundo o jornal Financial Times, depois que Beijing publicou em Agosto de 2016 seus planos para desenvolver cultivos transgênicos específicos que, pela primeira vez, incluem a soja e o milho. Os planos obedeciam ao apelo do Presidente Xi Jinping, realizado em 2014, para que o país “domine os pontos críticos das técnicas dos organismos geneticamente modificados”.

Por que a nova legislação de Heilongjiang é tão importante? Porque as suas consequências internacionais são imprevisíveis.

Mesmo sendo Heliongiang o berço da soja, a partir de 2010 a maior superfície plantada e a maior produção de grãos foi de milho (22% e 40%) seguida do arroz (18% e 37%). A Província de Heliongiang, com uma superfície de duas vezes o tamanho do Estado de São Paulo e uma população de 39 milhões de pessoas, integra junto com as províncias vizinhas de Jiling, Liaoning e Mongólia Interior o grande celeiro no Noroeste da China.

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Nesta região se produz 44.5% do milho e um terço de todo arroz do país. É bom não esquecer que a China é o primeiro produtor mundial de arroz e o segundo produtor mundial de milho, atrás dos EUA, e o quarto maior produtor mundial de soja. Por tanto, as mudanças nesta legislação provincial têm grande impacto econômico e político sobre o resto do país e do mundo.

A potencial repercussão no campo internacional também pode acontecer porque a China é o primeiro importador mundial de soja do Brasil, Argentina e Estados Unidos. E a imensa maioria dessa soja importada é soja transgênica.

Mas, para obter este magnífico presente legislativo do Ano Novo Lunar, aconteceu uma singular batalha política e midiática com uma estratégia que parece surgida dos conselhos do sempre mencionado teórico da arte da guerra: Sun Tzu.

De face à força de um poderoso bloco pró-transgênicos integrado por legisladores e destacados cientistas, que como em muitos outros países foram “estimulados”, “reconhecidos” e “condecorados” pela indústria dos OGM, fora de ser conse-lheiros “científicos” do poder político, a oposição aos OGM optou por construir uma ampla aliança social numa batalha pública e fugir do enganoso discurso cientificista.

Um leque de cientistas, pequenos agricultores, ambien-talistas e consumidores optaram primeiro por se apoiar nos apelos que tinham chegado às redes sociais, relativas à preocupação sobre os impactos dos transgênicos importados e introduzidos na alimentação e na saúde. Os meios locais destacaram a opinião de respeitáveis altos comandos militares que, desde 2014 tinham escrito críticas e, inclusive os fun-cionários militares da província de Guangzhou solicitaram a proibição dos alimentos OGM para suas tropas (o pedido posteriormente foi censurado).

Além das evidências em afetar a saúde, os altos militares adicionaram argumentos sobre o impacto das importações com dumping que destruíram a velha indústria da soja chinesa e apresentaram sérias razões de segurança nacional contra a estratégia transnacional. Foi nesse contexto, que a aliança opositora apoiou a realização de uma consulta pública. Os resultados revelaram que “num estudo realizado na província, em Outubro, 91,5% dos consultados apresentaram objeções aos cultivos transgênicos”, informou a agência de notícias Xinhua. Isso estimulou a que outros cidadãos, técnicos e cientistas oferecessem informações desconhecidas ou ocultas.

É o caso do pesquisador Wei Jingliang que trabalhou no “Centro de Animais Modificados Geneticamente e de Supervisão de Segurança e Inspeção Alimentar”, que de face à inação dos funcionários perante as denúncias sobre violações à Lei, terminou enviando suas acusações a uma plataforma de meios sociais da China.

Tratava-se de uma adulteração de documentos sobre sua responsabilidade que fez descumprir a vigilância e permi-tiu que agricultores usassem ampla e ilegalmente cultivos transgênicos; ação coerente com a posição de apoiar o uso da biotecnologia transgênica que era estimulada informalmente pela Academia Chinesa de Ciências Agrícolas. Os protestos sociais obrigaram ao Ministério da Agricultura a fechar esse importante centro de vigilância sobre os OGM.

Críticas e provas contra os OMG, a deficiente gestão oficial, as provas de corrupção além de outros elementos de interesse e segurança nacional acabaram anulando a opinião convencional dos “expertos” e altos funcionários compro-metidos com a indústria transgênica, colocando em risco a potencial megafusão (por US$ 44 bilhões) entre a gigante chinesa ChemChina com a suíça Syngenta.

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O presente chinês não é uma estorinha

Esta legislação estratégica chinesa, até agora provincial, soma-se a outra realizada seis meses antes na Rússia. Juntas podem ter um efeito político amplificado não só entre os BRICs, mas no mercado mundial e apoiar ainda mais a crise em que se encontra a estratégia das empresas transnacionais dos transgênicos.

Ainda que o discurso dos defensores dos transgênicos se caracterize por ser especialista em criar ilusões, espalhar inverdades e insistir no suposto sucesso permanente da indús-tria dos organismos geneticamente modificados, a realidade agrícola global revela que se encontra em crise de crescimento, credibilidade e legitimidade.

Depois de 2014 as taxas de crescimento da superfície seme-ada foram tão decrescentes que a partir de 2015 se tornaram negativas. A quantidade de países que adotaram leis proibindo ou limitando o plantio, a comercialização e a alimentação com transgênicos cresce mais do que o número de países que plantam e comercializam. A quantidade de países onde se realiza o debate legislativo e público para proibir ou pelo menos limitar os produtos transgênicos é crescente e muito maior que o número daqueles que os permitem.

A União Europeia é um caso onde uma ligeira maioria de seus países membros já os proíbem, mas continua dividida sobre o tamanho do espaço a ser utilizado na UE. A quanti-dade de pesquisas científicas críticas à tecnologia transgênica cresce. E o número de movimentos sociais e ativistas contra os organismos geneticamente modificados já atinge quase 5 milhões de pessoas.

É nesse contexto que se encontra a batalha na China e na Rússia. Dois espaços que são atores políticos decisivos de mudança para um mundo sem transgênicos e verdadeira-mente multipolar. A batalha na Rússia (2015-2016) para que a Duma (o Parlamento) aprovasse uma legislação que um dia transforme o país no “maior fornecedor mundial de alimentos orgânicos”, segundo a surpreendente declaração de Vladimir Putin contêm elementos comuns ao que vinha acontecendo na China. Na Rússia a proposta explícita nacional era proibir os cultivos de plantas e a criação de animais transgênicos, adotando uma política produtiva alimentar com orientação orgânica. Um objetivo singular e único no mundo.

É possível que a guerra de represália política e econô-mica dos EUA e seus aliados contra Rússia pela anexação da Crimeia, tenha ofuscado a batalha no front contra os transgênicos nesse imenso território. De Julho de 2014 a Novembro de 2016, para boa parte do ambiente midiático “ocidental”, Rússia foi somente vista como inimigo, o invasor da Ucrânia, o suporte do ditador da Síria ou o espião das eleições presidenciais no EUA.

Isso tudo ocultou que entre a primeira leitura da iniciativa no outono de 2015 na Duma, e a segunda leitura em Maio de 2016 houve um incrível “fogo amigo” de jornalistas, cientistas insuspeitos e legisladores contra a proibição. Desde o Insti-tuto de Nanotecnologia e Informática, parte da Academia de Ciências da Rússia e seu diretor Alexander Y. Panchin, em coordenação com outro acadêmico com bons contatos na indústria biotecnológica, radicado na Universidade de Miami, publicaram artigos e livros pró-transgênicos contra a legislação em discussão na Duma.

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Num tom mais de busca de financia-mento para a pesquisa sobre os transgê-nicos, o próprio Presidente da Academia Russa de Ciências buscou o apoio direto de V. Putin. Enquanto a guerra comercial e financeira acontecia, o Serviço Federal Fitossanitário e Veterinário da Rússia proibiu, a partir de 15 de Fevereiro de 2016 a importação de milho dos EUA, por reiterada contaminação de pragas e transgênicos. O volume e o valor econô-mico é relativamente pequeno, mas o impacto político ecoou até no Departamento de Estado em Washington.

A iniciativa de Lei finalmente foi aprovada em Junho de 2016. O Ministro da Agricultura da Rússia, Alexander Tkachev, declarou: “O Ministério da Agricultura está contra os transgênicos, os produtos russos se manterão limpos”. Antes, numa reunião de deputados representantes das áreas rurais organizadas no movimento Rússia Unida, disse que o governo não vai “envenenar aos seus cidadãos”.

Meses antes, o presidente russo, Vladimir Putin, disse no Parlamento que a Rússia deveria se tornar o maior fornece-dor mundial de alimentos orgânicos. “Não só podemos nos alimentar de nossos cultivos e dos nossos recursos hídricos. A Rússia poderia se tornar o maior fornecedor do mundo de alimentos de alta qualidade, saudável, não modificados geneticamente, preservando o meio ambiente, algo que há muito tempo desapareceu entre alguns produtores ocidentais. A demanda no mercado mundial para esses produtos está em constante crescimento”, afirmou Putin.

O presente chinês do Ano Novo Lunar pode ter um tempero mexicano. O molho foi preparado pelo engenheiro mexicano Ernesto Cruz González (Uni-versidade de Guadalajara) Diretor de ATIDER (Assistência Técnica Integral para o Desenvolvimento Rural), que demonstrou na China que se pode ter altos rendimentos, cultivos saudáveis e controle comunitário sem a tecnologia transgênica. Ernesto Cruz González

desde 2004, em diversos períodos, trabalhou na região da Mongólia Interior e outras províncias, entre elas, Heilon-gjiang. Ele é especialista em melhoramento, alto rendimento e rentabilidade de cultivos de milho.

É bom lembrar que o milho é uma planta de origem mexicana e a sua domesticação começou há cerca de 7500 anos na área central do México.

Após um convite oficial, o engenheiro Cruz González declarou que: “O Governo Central da China me solicitou que ficasse, que a minha pesquisa era o que eles necessitavam. Infelizmente, não há incentivos no governo mexicano. Lá rapidamente me deram maquinaria e um sítio para transferir a minha tecnologia. Hoje tenho contratos com várias províncias da China e as pessoas visitam minha terra para conhecer o que é o que eu faço”. Com a combinação de diferentes técnicas de fito-melhoramento ele atingiu o recorde de 22.4 toneladas por hectare. Segundo a Embrapa Milho e Sorgo, a produção brasileira de milho de alta produtividade consegue atingir 12 toneladas por ha.

Ernesto Cruz González

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 7 47

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Há algum tempo, no site da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, publicamos um artigo sobre a tentativa desesperada do agronegócio em salvar sua imagem perante a sociedade com a novela “O Velho Chico”. Na ocasião, afirmamos que o investimento na novela tentava construir a imagem de um agro-pop-tudo em oposição ao velho coronelismo. A motivação para esse esforço veio de uma per-cepção do próprio agronegócio de que a sociedade o associa ao desmatamento, aos agrotóxicos e ao trabalho escravo.

Em 2012, o mesmo agrone-gócio, representado pela Basf, comprou o samba da Vila Isabel. O (lindo, por sinal!) enredo, que tinha Martinho da Vila como um dos autores, não era sobre os agrotóxicos e transgênicos pro-duzidos pela empresa, mas sim sobre a vida camponesa cumprindo sua missão de alimentar o povo. Por trás, havia a tentativa subliminar de associar esta linda imagem ao agronegócio.

Neste ano, é da mesma Sapucaí que vem um belo golpe na imagem do agronegócio. Depois de um ano marcado, entre outros, por ruralistas formando milícias para atacar indígenas, a escola de samba Imperatriz Leopoldinense acerta com beleza e elegância o ego daqueles que se acham os donos do país.

O enredo, chamado “Xingu, o clamor que vem da Flo-resta”, fala basicamente sobre luta pela terra. E tudo que o agronegócio não quer ouvir. Um dos trechos diz que “O belo monstro rouba as terras dos seus filhos / Devora as matas e seca os rios / Tanta riqueza que a cobiça destruiu”, e emoldura alas como os “Olhos da cobiça”, “Chegada dos invasores” e “Fazendeiros e seus agrotóxicos”.

Acostumados a olhar apenas para o seu próprio umbigo, sem enxergar um palmo além da sua soja transgênica, rura-listas irados lançam notas e escrevem matérias a torto e a direito. Por mais que se procure, sempre batem nos mesmos dois argumentos falaciosos: 1) o agronegócio alimenta o Brasil; 2) o agronegócio sustenta o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Imperatriz acerta em cheio umbigo do agronegócio

Alan Tygel | Membro da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

O primeiro argumento é o mais débil de todos; sabemos que a grande massa de produção agrí-cola se concentra nas commodi-ties de exportação (soja, milho para ração, cana-de-açúcar), e o Censo Agropecuário de 2006 mostrou que 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa vêm da agricultura familiar, mesmo tendo ela direito à apenas 24% das terras. Portanto, esse argu-mento é claramente falacioso.

Em relação ao PIB, a análise é um pouco mais profunda, mas o argumento não é menos falacioso. Primeiro, precisamos entender que o PIB representa o conjunto de riquezas produzidas pelo país. Não fala sobre distri-buição de renda, nem geração de empregos. Não se importa no bolso de quem essa riqueza vai parar. Pois bem: em 2015, a produção de soja rendeu ao Brasil R$ 90 bilhões. Ótimo?

Nem tanto. A enorme dependência de insumos externos do agronegócio faz com que grande parte deste valor fique nas mãos das empresas transnacionais. Custos com sementes, agrotóxicos, fertilizantes e máquinas podem chegar a 90% do preço final, num mercado completamente oligopolizado por gigantes como Bayer, Monsanto, Cargill, Basf, Syngenta, Bunge, Dreyfus, ADM… Nem no Brasil o dinheiro fica.

Não custa lembrar que o subsídio do Governo no Plano Safra chegou à casa dos R$ 200 bilhões no ano passado, só para o agronegócio. É transferência direta do Governo para as transnacionais, e ainda dizem que isso sustenta o PIB. Como nota de rodapé, poderíamos incluir ainda que o agronegócio não gera empregos: são apenas 1,7 pessoas por 100 hectares, enquanto a agricultura familiar emprega 9 vezes mais: 15,3 pessoas por 100 ha. Entre 2004 e 2013, o agronegócio reduziu 4 milhões de empregos, ou 22% do total. No mesmo período, o desemprego no Brasil caiu de 11,7% para 4,3%.

Que chorem os plantadores de soja, criadores de zebu e especuladores da fome: o Carnaval de 2017 já tem vencedor, e somos nós: povos indígenas, quilombolas, camponeses, sem terra, do campo, das florestas e das águas, todas e todos que lutam por seus territórios sadios contra o agronegócio.

Todo nosso respeito à Imperatriz Leopoldinense.

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| ecocultura |

O futuro das condições do Planeta, entre elas da civili-zação humana, depende mais do que nunca dos cientistas e inovadores, das empresas, da sociedade civil e dos nossos esforços coletivos para acelerar a implementação das soluções já disponíveis e rentáveis para a crise climática.

Sempre soubemos que esse trabalho não seria fácil. Nós ainda somos dependentes dos combustíveis fósseis para aproximadamente 80 por cento de toda a energia que usamos no mundo. É um desafio assus-tador se afastar deles tão rapidamente quanto a comunidade científica diz que é imperativo e urgente.

Despejamos todos os dias 110 milhões de tone-ladas de poluição causada pelo aquecimento global em nossa atmosfera como se fosse um esgoto aberto. Toda essa energia calorífica extra está interrompendo o ciclo hidrológico, evaporando muito mais vapor de água dos oceanos, enchendo os rios atmosféricos que alimentam tempestades mais fortes e inundações mais extremas, secas mais intensas e mais longas, aumentado o estresse da água e o rendimento das colheitas está declinante, Doenças extremas, crises de refu-giados e instabilidade política. Simultaneamente, à fusão e fratura da criosfera estão acelerando a elevação do nível do mar, ameaçando cidades costeiras e aquíferos de água doce.

As perdas extremas de biodiversidade e ecossistemas crí-ticos estão em níveis perigosos. E o colapso pendente da “dos créditos da bolha de ativos de carbono” ameaça a economia global. Agora, na esteira da eleição presidencial dos Estados Unidos, enfrentamos uma incerteza ainda maior.

Mas, assim como as mudanças no nosso clima não param nem começam com eleições, nossa transição para um futuro sustentável – que está bem encaminhada – não depende da política ou da ideologia. As soluções estão à mão, existem novas tecnologias e estão sendo implantadas. Os mercados estão reagindo e intensificando a geração e armazenamento de energia limpa, a eficiência digital e a redução de resíduos.

A estrada para frente no clima

Al Gore | Ex-Vice-Presidente dos Estados Unidos e Presidente do Climate Reality Project

No entanto estamos numa corrida contra o tempo para garantir que fazemos essas mudanças necessárias com rapidez suficiente para evitar as piores catástrofes climáticas. Incumbe à comunidade global de cientistas, tecnólogos, inovadores, investidores, empresários e líderes de base redobrar os nossos esforços para entender o desafio que enfrentamos, exigir ações e implementar as soluções.

O Acordo de Paris marcou um momento histórico quando os governos do mundo concordaram coletivamente em lutar contra a ação climática. Em todas as partes do mundo, os governos locais, estaduais e nacionais estão cada vez mais conscientes da importância de tomar medidas substantivas para enfrentar a crise climática e, talvez o mais importante, o apoio público à ação climática é maior do que nunca.

O custo da energia solar e eólica continua a cair drasti-camente, atingindo a paridade do mercado com o carvão em muitas partes do mundo. Países que têm sido dependentes do

petróleo e do gás por muito tempo estão aumentando o uso de energia solar e eólica para lidar com as emissões de carbono, poluição e falta de energia. Cidades e comu-nidades ao redor do mundo estão fazendo a transição para 100% de eletricidade renovável.

A ciência e a tecnolo-gia estão pavimentando o caminho nos mostrando as emocionantes oportunidades à frente e provando que não estamos presos às soluções da energia arcaica, infraestrutura

e políticas do passado. Empresas e investidores estão aprovei-tando essas oportunidades, provando que podemos desenvolver economias, criar empregos e proteger o Planeta ao mesmo tempo. A história da ação climática é de esperança e progresso, não de desespero. Esta é a nossa estrada para frente.

Mas este momento requer mais do que apenas esperança. Mais do que nunca, devemos trabalhar juntos para resolver a crise climática, para passar da negação e do desespero do passado e para nos afastarmos das formas velhas, cansadas e perigosas de consumir energia. Um mundo alimentado por energia limpa não é apenas possível, mas está ao nosso alcance, e nós devemos ser os impulsionadores do progresso. Inovação e ação farão mais bem do que ignorância e complacência. Com as comunidades científicas e tecnológicas em nosso canto, estamos, sem dúvida, na estrada para frente a caminho de um futuro sustentável.

PET

A

Al Gore

J a n e i r o 2 0 1 7 ECO•2150

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