Anotações da aula: Provas e possibilidades à margem de “Il ritorno de Martin Guerre”, de...

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Aula 3 (01 de Abril) - Texto: Provas e possibilidades à margem de “Il ritorno de Martin Guerre”, de Natalie Zemon Davis (GINZBURG, 1991, p. 179-202). Ginzburg diz que Natalie Davis assistiu às experimentações do ator para o papel de Coras e correlacionou isso a um laboratório historiográfico. Problema: Em que medida assistir às experimentações de um ator corresponde a um laboratório historiográfico? Não há como acessar registros de áudio de como Coras falava, logo o ‘laboratório’ seria permeado pela opinião anacrônica do ator e de suas crenças acerca de como se falava no século XVI. Natalie diz que os Guerre falavam entre si numa língua diferente daquela da região para a qual migraram. Quando ela diz que Planchon experimentava variações de entonação, esse ‘laboratório’ está sujeito a fraturas (anacronismos): a França não era àquela época um país unilíngue, logo, para fornecer a mínima aparência de um laboratório, o filme deveria ser multilíngue e reproduzir o estado dos idiomas que os Guerre falavam. p. 180 – Ainda sobre o laboratório historiográfico: é preciso elaborar critérios de cientificidade sui generis; sem a prova não há como elaborar critérios de cientificidade (a prova é a baliza da cientificidade). O laboratório não funciona porque não há provas de como Coras falava. p. 181 – Fosso cavado entre indagação historiográfica e indagação jurídica: esse fosso deve-se à preocupação com

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(GINZBURG, 1991, p. 179-202).

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Aula 3 (01 de Abril) - Texto: Provas e possibilidades margem de Il ritorno de Martin Guerre, de Natalie Zemon Davis (GINZBURG, 1991, p. 179-202).

Ginzburg diz que Natalie Davis assistiu s experimentaes do ator para o papel de Coras e correlacionou isso a um laboratrio historiogrfico. Problema: Em que medida assistir s experimentaes de um ator corresponde a um laboratrio historiogrfico? No h como acessar registros de udio de como Coras falava, logo o laboratrio seria permeado pela opinio anacrnica do ator e de suas crenas acerca de como se falava no sculo XVI. Natalie diz que os Guerre falavam entre si numa lngua diferente daquela da regio para a qual migraram. Quando ela diz que Planchon experimentava variaes de entonao, esse laboratrio est sujeito a fraturas (anacronismos): a Frana no era quela poca um pas unilngue, logo, para fornecer a mnima aparncia de um laboratrio, o filme deveria ser multilngue e reproduzir o estado dos idiomas que os Guerre falavam.p. 180 Ainda sobre o laboratrio historiogrfico: preciso elaborar critrios de cientificidade sui generis; sem a prova no h como elaborar critrios de cientificidade (a prova a baliza da cientificidade). O laboratrio no funciona porque no h provas de como Coras falava.p. 181 Fosso cavado entre indagao historiogrfica e indagao jurdica: esse fosso deve-se preocupao com eventos mais amplos. Contrariamente aos historiadores mais antigos que estavam ligados ao estudo dos eventos, os historiadores modernos estudavam fenmenos mais amplos. Pergunta-se: possvel estudar fenmenos mais amplos sem refletir acerca do que se entende por prova? A extenso do fenmeno no provoca o fosso entre indagao judiciria e indagao historiogrfica. A indagao judiciria necessria independente da extenso do fenmeno. Fratura da contiguidade do olhar do historiador e do juiz permite ver o que o documento fornece (o historiador se decalca da viso do juiz e v outras coisas no documento que aquele no estava interessado em descobrir ou questionar). Problema: reconstituies de vidas particulares permitem captar o concreto dos processos sociais? No, porque essas vidas so excepcionais. Documentao retrata o momento excepcional das vidas daquelas personagens. A reconstituio no da vida e sim de momentos da vida. Diz mais respeitos a acontecimentos (histria acontecimental) que tudo.p. 181 Atas processuais no podem ser comparadas aos documentos produzidos por antroplogos. Os antroplogos no fazem parte da comunidade, logo seu olhar sempre o de um outro. O juiz faz parte da comunidade. A finalidade dos documentos que produzem no a mesma.p. 183 Normalidade camponesa documentalmente imprecisa (vida dos camponeses deixa pouca documentao). O carter excepcional lana luz sobre o que se pensa sobre a normalidade, mas justamente por conta da impreciso documental o que se pensa ser excepcional pode estar no campo da normalidade. A representatividade estatstica mais cientificamente probatria. A documentao imprecisa que gera a normalidade de camponeses no pode ser subvertida pela excepcionalidade de um caso como o de Matin Guerre (a representatividade estatstica tem representatividade histrica). Fratura da contiguidade da tica do juiz e do historiador: Natalie Davis pergunta mias do que Coras perguntou:Natalie Davis:

Realidade documentao (Arrest Memorable e Historia Admiranda) dizem respeito aos personagens dos autos;XPossibilidade documentos que no dizem respeito aos personagens histricos;

O estatstico (que Ginzburg diz ser pouco representativo) a base do preenchimento das lacunas no procedimento utilizado pela Natalie Davis. Estatstico tem carter probatrio e serial.p. 184 O fato de Coras e Le Suet inserirem o caso Guerre no gnero das histrias admirveis indica que o caso no era corrente (causa admirao em seu prprio tempo).

p. 185 Isso no garante que subverta a constante do gnero como diz Ginzburg. Coras no recusa a doutrina tradicional de base aristotlica da tragdia e da comdia.p. 186 O Arrest no faz parte de nenhum gnero potico, no cabe a distino entre gnero alto e baixo que Ginzburg prope.p. 188 O cdigo estilstico seleciona aspectos da realidade Ginzburg compreende estilo como algo exterior ao discurso que o modeliza. Tragdia e comdia: Estilo alto e baixo no pensado como tal; pensa-se em decoro, em grau elocutivo (implcito ao gnero) no em estilo (aplicao anacrnica do conceito).p. 189 Tempo da histria X Tempo da Narrao: o tempo da narrao pode ser dilatado ou condensado, no correlato ao tempo histrico.p. 194 Oposio

Cientificidade da historiografiaXDimenso literria da histria(Denega o carter cientfico da histria)

Narrao romanesca se baseia num ncleo fabulatrio. Apesar disso, ela tem ao mesmo tempo um ncleo cognitivo. A histria tem ncleo cognitivo e tambm ncleo fabulatrio: como estabelecer o limite entre fbula e cincia, entre saber e fico?Ncleo cognitivo da histria tambm narrativo (p. ex: ncleo cognitivo da histria da tomada de Ceuta desdobrado narrativamente). Num caso como o de Os Lusadas, Histria e fbula compartilham o mesmo ncleo cognitivo. A prova promove a distino entre gnero fabulativo e desdobramento fabulatrio.p. 195 Histria tem carter veritativo porque existe discusso constante sobre a prova e o mtodo.

p. 196 Princpio de realidade e ideologia (1 par que se entrelaa em todos os momentos do trabalho histrico);Princpio de realidadeXIdeologia

Assim como o controle filolgico, o princpio de realidade deve corrigir a ideologia;Compreendida foucaultianamente como efeito de verdade que se toma como tal; a ideologia do historiador permeia a anlise e o princpio de realidade deve corrigi-la;

Controle filolgico e projeo no passado dos problemas do presente (2 par que se entrelaa em todos os momentos do trabalho histrico)Projeo do passadoXControle filolgico

Olhar os problemas do passado com base nos problemas do presente ou projetar no passado os problemas do presente (operar anacronicamente);Controla a projeo do presente no passado, corrige as projees do que entendemos hoje sob a permanncia da palavra (evita anacronismos). O. ex: o que se entendia por amor no sculo X diferente do que se entendia por amor nos sculos XV e XIX, a despeito da permanncia da palavra.

Trabalho histrico parte de uma ideologia e corrigido por um princpio de realidade que deriva dos dados concretos das fontes propiciadas pela investigao (desconfiar da ideologia). A ideologia do pesquisador e do objeto (documento). Ideologia prejudica a possibilidade de operao do princpio de realidade.