Ant - Globalização e Interculturalidade

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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ANTROPOLOGIA CULTURAL ACADÊMICA: MAYRA FERNANDES MÓDULO: A Globalização e Interculturalidade: Mais acesso a todos ou o acesso é restrito e ilusório? O que é a tal da Globalização? Um maior acesso as informações e diferentes culturas do mundo, atingir e entender a dimensão humana, econômica, tecnológica, cultural e simbólica de cada sociedade? No conceito, sim. Então todos temos maior fluxo de informações, de movimentos humanos, comercialização de produtos e mais atividades nas relações humanas. Chega a ser poética tal definição. Todos temos acesso igualmente e a tudo. Hoje através de um simples “click” podemos acessar mais sobre uma determinada Cultura, até então, por nós desconhecida. Mas o quanto essa informação é realmente pra todo mundo? Até onde e de que forma essas histórias e essas culturas não chegam apenas como uma história única, e é assim, é essa a realidade que querem que saibamos. Exemplifico: Chimamanda Ngozi Adichie é uma escritora Nigeriana, passou parte de sua vida na cidade de Enugu, estudou desde muito cedo, a família tem boas condições financeiras e sempre fez questão do investimento nos saberes educacionais e humanos, aos dezenove anos deixou a Nigéria e foi estudar nos EUA. Ao chegar na universidade sua colega de quarto, americana, a recebeu como uma pobre coitada, miserável, pensando que teria inclusive dificuldades de comunicação com Chimamanda, julgando que ali estava um ser “menos civilizado” que ela. Quando a nigeriana falou fluentemente inglês, a colega surpreendeu-se em saber que ela falava sua língua, mal sabia ela que inglês é o idioma oficial da Nigéria. E todo o convívio entre as duas foi cheio de surpresas, coitada da americana, sim coitada! Pois ela foi uma pessoa que através da informatização teve acesso a uma história única, na verdade o que chegou a americana é que eles são mais “civilizados”, superiores e que todos os nigerianos, africanos, são famintos, miseráveis e falam em dialetos, os colocam, em geral, como

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ANTROPOLOGIA CULTURAL

ACADÊMICA: MAYRA FERNANDES

MÓDULO:

A Globalização e Interculturalidade: Mais acesso a todos ou o acesso

é restrito e ilusório?

O que é a tal da Globalização? Um maior acesso as informações e diferentes

culturas do mundo, atingir e entender a dimensão humana, econômica, tecnológica,

cultural e simbólica de cada sociedade? No conceito, sim. Então todos temos maior

fluxo de informações, de movimentos humanos, comercialização de produtos e mais

atividades nas relações humanas. Chega a ser poética tal definição. Todos temos

acesso igualmente e a tudo.

Hoje através de um simples “click” podemos acessar mais sobre uma

determinada Cultura, até então, por nós desconhecida. Mas o quanto essa informação é

realmente pra todo mundo? Até onde e de que forma essas histórias e essas culturas não

chegam apenas como uma história única, e é assim, é essa a realidade que querem que

saibamos. Exemplifico: Chimamanda Ngozi Adichie é uma escritora Nigeriana, passou

parte de sua vida na cidade de Enugu, estudou desde muito cedo, a família tem boas

condições financeiras e sempre fez questão do investimento nos saberes educacionais e

humanos, aos dezenove anos deixou a Nigéria e foi estudar nos EUA. Ao chegar na

universidade sua colega de quarto, americana, a recebeu como uma pobre coitada,

miserável, pensando que teria inclusive dificuldades de comunicação com Chimamanda,

julgando que ali estava um ser “menos civilizado” que ela. Quando a nigeriana

falou fluentemente inglês, a colega surpreendeu-se em saber que ela falava sua língua,

mal sabia ela que inglês é o idioma oficial da Nigéria. E todo o convívio entre as duas

foi cheio de surpresas, coitada da americana, sim coitada! Pois ela foi uma pessoa que

através da informatização teve acesso a uma história única, na verdade o que chegou a

americana é que eles são mais “civilizados”, superiores e que todos os nigerianos,

africanos, são famintos, miseráveis e falam em dialetos, os colocam, em geral, como

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não pertencentes e talvez até mesmo incapazes de fazerem parte na mesma cultura que a

nossa.

E esse click nas informações são exatamente reais e totais ou apenas recortes de

histórias e culturas? Novamente retomo, a questão da “história única” , através do que

nos é contado entendemos que somos mais, que podemos mais e que sabemos mais

sobre todos os povos, porque temos maior “acesso as informações”.

Zigmund Bauman apresenta em seus estudos um pessimismo nessa relação

humana versus a globalização. Essa desfrontalização de territórios, são encaradas como

um processo de degradação nas relações humanas, na qual deter o poder é o foco.

Exemplo disso, é a exploração da mão de obra barata em países, que é feita em prol de

sustentar a economia de outros mais poderosos. Grandes empresas, utilizam de mão de

obra barata, pensando no próprio lucro e geralmente não visam ou pensam num

desenvolvimento local.

Nesse sentido podemos ver a Globalização como um processo de desordem

social e econômica. O “eu” poderoso, passa a denominar em outros territórios que não

o seu, as ordens sociais e as histórias de cada povo, como uma história única, são

na verdade a história que é conveniente. Assim deixamos os pobres condicionados a

um único caminho, o de ser pobre, esquecidos e miseráveis. Essa é a verdade

transmitida, essa é a verdade que em geral a sociedade acredita e segue como única. E

assim na linha de estudos de Bauman, a globalização é responsável por muitos dos

males da sociedade, mas mesmo assim todos a vislumbram e para ele esse processo da

globalização é sem cura e sem volta. A globalização é imposta de forma totalitária e

indissolúvel, ele crê que será inevitável um colapso entre nações e empresas. Fala sobre

a pobreza e a degradação social, negando ao ser humano condições minimas de

sobrevida, tornando grande parte da população como miseráveis.

Em partes creio nisso, pois as relações humanas não devem ser reduzidas ou

amplificadas da forma que uns se sobrepõe a outros. E essas relações se dão por

necessidades de poderes humanos e principalmente econômicos, não creio em histórias

únicas e sim em histórias com facetas e fases, necessidades humanas individuais fazem

parte da sociedade e do processo de uma cultura.

A Globalização parece um resultado da internet e dos acessos as informações

por meio das redes sociais e sites, mas esse processo é apenas uma intensificação de

algo que já ocorria a muito tempo.O termo surge nas décadas de 70 e 80, mas para

alguns autores esse processo da globalização inicia juntamente com a expansão

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marítimo-comercial europeia, no final do século XV e início do século XVI, na qual

expandi-se também o sistema capitalista pelo mundo. Então a globalização aconteceu

para atender um sistema, de venda, consumo, exploração de terras não conhecidas,

novas matérias primas e consequentemente novos produtos que poderiam ser

interessantes ou não, mas testar produzir e consumir, esse era e é o principal viés na

nossa sociedade.

Desapropriar terras e povos, para fim exploratórios, para venda e lucro, assim

começou por exemplo a história do nossa país. No texto da Eliane Brum com um titulo

que já diz tudo, “Índios, os estrangeiros nativos”, fica claro que essa ideia exploratória

de desterritorialização e o pior de desculturilização, não foi só no descobrimento do

Brasil, no qual é sabido por todos o genocídio ocorrido em nossas terras. Ainda hoje

com as necessidades tecnológicas da maioria dominadora, os índios são tratados como

estrangeiros, dentro do seu próprio local natural, os nossos nativos sofrem hoje um

processo de xenofobia e eles são “os outros”, são ao olhar de muitos os que incomodam,

os que impedem o nosso desenvolvimento. Os indios são, nessa perspectiva um entrave

ao desenvolvimento social, ou melhor dizendo, um entrave ao desenvolvimento do

capitalismo. Com isso eles estão fora, são classificados e tratados como bichos,

incapazes de tomar decisões com coerência. Os índios que são o inicio da nossa cultura,

hoje são julgados um entrave ao desenvolvimento.

O texto "Culturas híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade “ do

argentino Néstor Garcia Canclini, aborda importantes questões sobre a problemática da

modernidade na América latina. Ele fala sobre as possibilidades de saída desse processo

de modernidade e julga necessário que isso ocorra. Refere-se a Hibridação Cultural

como um processo de mesclar diversas formas culturais.

Essa Hibridação Cultural, está ligada de alguma forma ao progresso, se nos

colocarmos num lugar diferente do da competição, ou seja do ser mais ou menos,

apenas diferentes com culturas e saberes diferentes, nessas diferenças possivelmente

encontraremos a evolução social e humana.

Ao invés da disputa pelo poder em sistema extremamente ditado por ele,

estabelecermos nas diversidades a busca pela evolução. Colocarmos a globalização e o

acesso a informação de maneira agregadora, que some fatores e não gere sempre

disputas. Não.Não somos mais ou menos civilizados e sim apenas, civilizações

diferentes.

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A Globalização para alguns autores, nesse sentido fica como um entrave para a

cultura, retomando a questão dos índios em nosso país, sendo “relocados” de seus

lugares para a construção de rodovias, ferrovias e hidroelétricas, com isso toda uma

cultura é destruída, eles são retirados de seus locais que são natos, pertencem a eles,

para a construção de recursos que favorecem o desenvolvimento e o progresso, por trás

disso tudo existem discursos políticos que pregam a violência e a xenofobia. Esses

discursos passam a ser verdade para muitos da sociedade, tendo em vista que quem

detém o poder de transmitir as informações de globaliza-las não são os índios e sim os

“poderosos”, os que estão em prol do desenvolvimento e do progresso da nossa

sociedade.

Os índios, para os poderosos e aos que cedem as informações sem filtro, a os

índios são apenas índios, hoje pra muitos, já sem cultura e sem identidade “ um bando

de vagabundos” que já não são mais nem brancos nem índios.

Ao decorrer desse texto transcrevo minha compreensão sobre essa

interculturalidade e o processo da globalização, inicio o mesmo com indagações sobre o

acesso as informações e se esse acesso é homogêneo a todos do nosso globo de

terrestre. Ao decorrer das leituras, pesquisas e das percepções que detive nesse período,

noto que sim o processo da globalização causa entraves humanos. Creio que a

interculturalidade ou a hibridação cultural se realizada de maneira total ela leva a

evolução humana e social. Aceitar e compreender as culturas que formam o nosso

mundo, trocar e somar seria de fato evolutivo, levaria a menos intolerância e ao

entendimento que não existe mais ou menos evoluído, apenas evoluções com

parâmetros culturais diferentes.

A globalização é maravilhosa, poder pegar um avião e estar do outro lado do

globo terrestre tomando um chá tipico da região é de uma magnitude fantástica. O que

não é fantástico é a bitolação ou manipulação das informações, fazendo com que as

mesmas cheguem de maneira superficial. Dessa forma assim como Bauman acho que a

globalização é responsável por muitos males da nossa sociedade.

O que nós precisamos de fato e desenvolver um meio de deter uma apropriação

crítica das nossas diferenças, já dizia Laura Segato, eu concordo e creio que é dessa

maneira que deve-se estabelecer a ordem social. Estamos num período de intensificação

de todos os processos e se não houver um senso critico, apurado e interpretativo das

informações elas serão negativas ao desenvolvimento humano.

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REFERENCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: As conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Editor, 1999.

BHABHA, Homi K. (2007) [1994] “ Como o novo entra no mundo: o espaço pós

moderno, os tempos pós coloniais e as provações da tradução cultural” (Cap. 11) in: O

local da cultura. Belo Horizonte, Editora UFMG, pp. 293-325.

BRUM, Eliane “Índios: os entrangeiros nativos”, Revista Época, 10/06/2013.

CANCLINI, Néstor García (1998) “ Culturas híbridas, poderes oblíquos” (Cap 7) in:

Culturas hibridas. São paulo, Edusp, pp. 283-350.

SEGATO, rita Laura (2012) [2010] “Gênero e colonialidade: embusca das chaves da

leitura e de um vocabulário estratégico descolonial”, e-cadernos CES, nr.187

(Epistemologias feministas: ao encontro da critica radical), Centro de Estudos Sociais

da Universidade de Coimbra, pp. 106-131.