ANTÍGONE sofocles livro

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    ANTGONESfocles

    AntgoneSfocles (c. 496 AC-406 AC)

    TraduoJ. B. de Mello e Souza*

    Verso para eBookeBooksBrasil.com

    Fonte DigitalDigitalizao do livro em papelClssicos Jackson, Vol. XXII

    Diagramao adaptada aos formatos de eBook disponveis

    2005 Sfocles

    ANTGONE

    SFOCLES

    ANTGONE

    PERSONAGENS

    ANTGONEISMNIAOS VELHOS TEBANOSCREONTEUM GUARDAHMON

    TIRSIAS

    EURDICE

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    UM ENVIADOUM MENSAGEIRO

    Na gora de Tebas, diante do palcio de dipo, onde reina agoraCREONTE

    Clareia o dia

    ANTGONE

    Ismnia. minha querida irm, companheira de meu destino, detodos os males que dipo deixou, suspensos, sobre a sua descendncia,haver algum com que Jupiter ainda no tenha afligido nossa vidainfeliz? No h provao sem falar de outras desditas nossas pormais funesta, ou ignominiosa, que no se encontre em nossa comumdesgraa! Ainda hoje que querer dizer esse dito que o rei acaba deexpedir e proclamar por toda a cidade? J o conheces, sem dvida? Nosabes da afronta que nossos inimigos preparam para aqueles a quemprezamos?

    ISMNIA

    Antgone, nenhuma notcia, agradvel ou funesta, chegou ameu conhecimento, depois da perda de nossos dois irmos,mortalmente feridos, em luta, um pelo outro!... Tendo fugido, esta noite,o exrcito dos Argivos, nada mais vejo que possa concorrer paraaumentar nossa felicidade, nem nossas desditas.

    ANTGONE

    Eu j o sabia... Chamei-te at aqui, fora do palcio, para que stu possas ouvir o que tenho a te dizer.

    ISMNIA

    Que h, pois? Tu me pareces preocupada!

    ANTGONE

    Certamente! Pois no sabes que Creonte concedeu a um denossos irmos, e negou ao outro, as honras da sepultura? Dizem que

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    inumou a Etocles, como era de justia e de acordo com os ritos,assegurando-lhe um lugar condigno entre os mortos, ao passo que,quanto ao infeliz Polinice, ele proibiu aos cidados que encerrem ocorpo num tmulo, e sobre este derramem suas lgrimas. Quer que

    permanea insepulto, sem homenagens fnebres, e presa de avescarniceiras. Tais so as ordens que a bondade de Creonte impe a mim,como tambm a ti, e, eu o afirmo: ele prprio vir a este stio comunic-las a quem ainda as ignore. Disso faz ele grande empenho, e ameaa, aquem quer que desobedea, de ser apedrejado pelo povo. Tu ouviste oque eu te disse: vir o dia em que veremos se tens sentimentos nobres,ou se desmentes teu nascimento.

    ISMNIA

    Mas, minha pobre irm, em tais condies, em que te posso euvaler, quer por palavras, quer por atos?

    ANTGONE

    Querers auxiliar-me? Agirs de acordo comigo?

    ISMNIA

    A que perigos pensas arriscar-te ainda? Que pretendes fazer?

    ANTGONE

    Ajudars estes meus braos a transportar o cadver?

    ISMNIA

    Queres tu, realmente, sepult-lo, embora isso tenha sido vedadoa toda a cidade?

    ANTGONE

    Uma coisa certa: Polinice era meu irmo, e teu tambm, emborarecuses o que eu te peo. No poderei ser acusada de traio para como meu dever.

    ISMNIA

    Infeliz! Apesar da proibio de Creonte?

    ANTGONE

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    Ele no tem o direito de me coagir a abandonar os meus!

    ISMNIA

    Ai de ns! Pensa, minha irm, em nosso pai, como morreuesmagado pelo dio e pelo oprbrio, quando, inteirado dos crimes quepraticara, arrancou os olhos com as prprias mos! E tambm em suame e esposa, visto que foi ambas as coisas, que ps termo a seusdias com um forte lao! Em terceiro lugar, em nossos irmos, no mesmodia perecendo ambos, desgraados, dando-se a morte reciprocamente! Eagora, que estamos a ss, pensa na morte ainda mais terrvel queteremos se contrariarmos o decreto e o poder de nossos governantes!Convm no esquecer ainda que somos mulheres, e, como tais, nopodemos lutar contra homens; e, tambm, que estamos submetidas a

    outros, mais poderosos, e que nos foroso obedecer a suas ordens, pormuito dolorosas que nos sejam. De minha parte, pedindo a nossosmortos que me perdoem, visto que sou obrigada, obedecerei aos queesto no poder. loucura tentar aquilo que ultrapassa nossas foras!

    ANTGONE

    No insistirei mais; e, ainda que mais tarde queiras ajudar-me, jno me dars prazer algum. Faze tu o que quiseres; quanto a meu

    irmo, eu o sepultarei! Ser um belo fim, se eu morrer, tendo cumpridoesse dever(1). Querida, como sempre fui, por ele, com ele repousarei notmulo... com algum a quem amava; e meu crime ser louvado, pois otempo que terei para agradar aos mortos, bem mais longo do que oconsagrado aos vivos... Hei-de jazer sob a terra eternamente!... Quantoa ti, se isso te apraz, despreza as leis divinas!

    ISMNIA

    No! No as desprezo; mas no tenho foras para agir contra as

    leis da cidade.

    ANTGONE

    Invoca esse pretexto; eu erguerei um tmulo para meu irmomuito amado!

    ISMNIA

    Ah! Pobre infeliz! Eu me aflijo por ti!(2)

    ANTGONE

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    No temas por minha vida; trata de salvar a tua.

    ISMNIA

    Ao menos, no digas a ningum o que vais fazer; guarda segredo,que eu farei o mesmo.

    ANTGONE

    No! Fala! Tu me sers mais odiosa silenciando, do que sedisseres a todos o que eu quero fazer.

    ISMNIA

    Tu pareces desejar, com o corao ardente, o que nos causacalefrios*de pavor!(3)

    ANTGONE

    S sei que cumpro a vontade daqueles a quem devo agradar.

    ISMNIA

    Se tu o fizeres... mas o que desejas impossvel!

    ANTGONE

    Quando me faltarem as foras, eu cederei!

    ISMNIA

    Mas no prudente tentar o que irrealizvel!

    ANTGONE

    Visto que assim me falas, eu te odiarei! E sers odiosa, tambm,ao morto, junto a quem sers um dia depositada... E com razo! Vamos!Deixa-me, com minha temeridade, afrontar o perigo! Meu sofrimentonunca h-de ser to grande, quanto gloriosa ser minha morte!

    ISMNIA

    J que assim queres, vai! Bem sabes que cometes um ato deloucura, mas provas tua dedicao por aqueles a quem amas!

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    SaiANTGONE; ISMNIAentra no palcio. EntraO CORO,composto deancios tebanos, e sada o sol que nasce.

    O CORO

    luz do Sol, a mais radiosa que jamais brilhou sobre a Tebas dasSete Portas, eis que enfim ressurges(4), fanal do dia que comea porsobre as fontes do Dirceu!(5)Ao guerreiro de escudo prateado, vindo de

    Argos, e disposto a lutar, tu o fizeste fugir cavalgando mais veloz do quequando veio!(6)

    O CORIFEU

    Trouxe-o Polinice a nossa terra, excitado por discrdias

    domsticas; e, qual guia que investe soltando agudos gritos, ele caiusobre o pas. Vinha coberto de uma plumagem branca como a neve;numerosas eram suas armas; e seus capacetes se ornavam de crinasondulantes.

    O CORO

    Ele pairou sobre nossos lares, com as garras aduncas; ele cercou,com suas lanas mortferas, as sete entradas de Tebas; mas fugiu antesque se pudesse saciar em nosso sangue; antes que Hefastos, com suastochas resinosas, tivesse tomado as torres que defendem a cidade, to horrendo foi o fragor com que Marte rugiu entre os Argivos, e quetornou invencvel o drago que os veio combater!

    O CORIFEU

    Tudo porque Jpiter detesta a presunosa jactncia de umalngua altaneira; e, ao v-los aproximando-se como uma avalancheimensa, orgulhosos com o retinir de suas armas, ele brandiu sua chama

    invencvel, e derrubou, de nossas cumieiras, o invasor j pronto agritar: Vitria!

    O CORO

    E ele caiu por terra, qual novo Tntalo, com as tochas na mo; nodelrio de um ardor frentico, ele se havia atirado com o mpeto da maisfuriosa tempestade! Mas foi baldado seu esforo! Os golpes do poderosoMarte, nosso aliado, deram-lhe outro destino!

    O CORIFEU

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    Sete Chefes, lutando diante das Sete Portas, combatendo iguaiscontra iguais, deram a Jpiter, vitorioso, o tributo de suas armas de

    bronze; ao passo que dois infelizes, filhos do mesmo pai e da mesmame, ergueram, um contra o outro, suas lanas soberanas, e deram-se

    reciprocamente a morte!

    O CORO

    Mas a gloriosa vitria veio, enfim! E recompensou o amor que lhededica Tebas, a Cidade possuidora de numerosos carros! A guerraacabou; esqueamo-la, pois! Visitemos todos, os templos dos deuses, eseja nosso guia Baco, que faz tremer a terra tebana!

    O CORIFEU

    Eis que se aproxima o rei deste pas, Creonte, filho de Meneceu,nosso novo soberano, depois dos acontecimentos que os deusessuscitaram. Traz ele em mente algum projeto; e, para isso, convocou,por uma ordem geral, esta Assemblia de Ancios.

    EntraCREONTE,com numeroso squito

    CREONTE

    Cidados! Os deuses, depois que esta cidade foi rudementeabalada por um vendaval, deram-nos a segurana e a calma! Fostesaqui reunidos por meus arautos, porque sempre venerastes o trono deLaio, bem assim durante o reinado de dipo, e, mesmo aps sua morte,conservastes constante fidelidade a seus filhos. Visto que esses filhos,por um duplo destino, pereceram no mesmo dia, ferindo e feridosambos por suas prprias mos criminosas, cabe-me ocupar o trono, eexercer o poder dos que j no vivem, pelo direito que me advm doparentesco que a eles me ligava. Ora, impossvel conhecer a alma, o

    sentir e o pensar de quem quer que seja, se no o vimos agir, comautoridade, aplicando as leis(7). Em minha opinio, aquele que, comosoberano de um Estado, no se inclina para as melhores decises, e seabstm de falar, cedendo a qualquer temor, um miservel! Quem prezaa um amigo mais do que prpria Ptria, esse merece desprezo! Que

    Jpiter, que tudo v, saiba que no me calarei se vir a runa, e no obem-estar de nosso povo; e jamais considerarei meu amigo quem for uminimigo de meu pas! Obedecendo a estes princpios que desejopromover a felicidade de Tebas. E, com esse mesmo esprito ordenei

    fosse tornado pblico o meu decreto concernente aos filhos de dipo:Etocles, que, lutando em prol da cidade, morreu com inigualvel

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    Tal ser, com efeito, a conseqncia. Mas, pela ambio queestimula, o desejo do ganho muita vez pe a perder os homens...

    Entra um pobre homem, um dos guardas encarregados de zelar pelo

    cadver de Polinice

    O GUARDA

    Prncipe, eu no direi que o ardor me fatigou, nem que meapressei em vir ter aqui. Muita vez, em caminho, hesitante parei, a fimde refletir, e me voltei, disposto a desistir. Meu esprito a mim mesmodizia: Por que vais, desgraado, aonde sers castigado assim quechegares? Ou ento: Infeliz! Tu ficas a? E se Creonte souber dissopor um outro, como sers punido? Assim pensando, retardei-me num

    percurso que me pareceu longo... Resolvi, por ltimo, vir de qualquerforma; e, posto que pouco tenha a dizer, falarei, seja como for! Chegoanimado pela esperana de que nada me acontecer que no seja a

    vontade do destino!

    CREONTE

    Mas que que te causa tanta perturbao?

    O GUARDA

    Antes de tudo, quero declarar-te o que me diz respeito: no fui euque fiz a coisa, no sei quem a fez, e portanto no justo que eu sofra omenor mal!

    CREONTE

    Mas quanta prudncia! Como te cercas de precaues! Trazes,certamente, alguma novidade!

    O GUARDA

    O que no agrada, a gente hesita em dizer.

    CREONTE

    Afinal, falas ou no? Decide-te, para que te retires em seguida!

    O GUARDA

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    Nesse caso, eu falo. Um desconhecido acaba de sepultar o corpode Polinice, e desapareceu, depois de ter depositado terra seca sobre asepultura, realizando os ritos necessrios.

    CREONTE

    Que dizes tu? Quem teve tamanha audcia?

    O GUARDA

    No sei! Em parte alguma se ouviu a pancada da enxada, ou decavadeiras; a terra dura e seca, sem fendas, sem sinal das rodas; oculpado no deixou vestgios. Quando o primeiro guarda do dia iaentrar em servio, descobriu o que estava feito, e todos ns ficmos

    estarrecidos pela surpresa! No se via o morto, embora no estivesseenterrado, mas apenas coberto por uma camada de terra. Nenhum

    vestgio de co, ou de animal feroz que o tivesse arrastado. Ns, osguardas, proferimos recprocas injrias, cada qual acusando os demais,agredindo-nos mutuamente, sem que surgisse algum para nosacalmar. Na verdade, cada um um pouco culpado; mas ningum dissoqueria convencer-se, todos alegando ignorar como aquilo aconteceu. Jnos dispnhamos a tomar nas mos o ferro em brasa, e a saltar sobre ofogo, a fim de jurar pelos deuses como nenhuma culpa nos cabia... que

    no sabamos quem ordenou, nem quem executou aquilo. Por ltimo,como nada adiantvamos com essas discusses, algum falou de modoque nos convenceu a todos, e, temerosos, curvmos a cabea... Nopodamos contradizer, nem sugerir idia melhor para que nossafssemos do perigo. O que se propunha que vissemos contar-tetudo o que se passara, nada te ocultando. Tal opinio prevaleceu. E amim que sou mesmo um caipora, designou-me a sorte para tomar ameu cargo essa ptima comisso... Eis por que venho tua presena,

    bem contra a minha e a tua vontade, visto que ningum gosta de umportador de ruins notcias.

    O CORIFEU

    prncipe... No teriam os deuses resolvido que isso aconteces-se? o que estou pensando desde algum tempo...

    CREONTE

    Cala-te, antes que me irrites com tais palavras, se no queres

    passar por imbecil, ou por caduco! Dizes coisas revoltantes, admitindoque os deuses se interessem por esse morto! Seria para honr-lo com a

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    sepultura, que eles inumaram esse homem, tratando como umbenemrito a quem veio disposto a incendiar os templos, com ostributos que lhes eram prestados, e para revolucionar seu pas, e asleis? Por acaso j viste honrarem os deuses a criminosos? Seria

    absurdo! Mas, das ordens que hei dado tem havido, desde algumtempo(8), cidados que as ouvem de m vontade, e, logo que delas tmconhecimento, murmuram contra mim, sacodem a cabea, s ocultas,em sinal de desacordo, e no querem sujeitar-se, como convm, minha autoridade. Foram esses, eu sei muito bem! os quecorromperam os guardas, e os induziram a fazer o que fizeram! No h,para os homens, inveno mais funesta do que o dinheiro! Ele quecorrompe as cidades, afasta os homens de seus lares, seduz e conturbaos espritos mais virtuosos, e os arrasta prtica das mais vergonhosasaes! Em todos os tempos tem ensinado torpezas e impiedades! Quemquer que haja premeditado esse crime, mais cedo, ou mais tarde, serpunido! Pois qu! Se Jpiter venerado por mim, fica-o sabendo tu,pois afirmo-o sob juramento! se no descobrirdes quem deusepultura ao morto, se no trouxerdes o culpado minha presena, oHades no ser bastante para vos receber! Sereis suspensos, em vida,at que confesseis vosso crime. Sabereis, assim, de que mos se devereceber o dinheiro, e aprendereis que nem de tudo se deve esperarimerecido proveito. Os ganhos ilcitos tm causado muito maior nmerode prejuzos, do que de vantagens!

    O GUARDA

    Permites que te diga ainda uma palavra, ou devo retirar-me?

    CREONTE

    No sabes que tua voz me insuportvel?

    O GUARDA

    s aos ouvidos, ou no ntimo da alma, que minha voz te fazmal?

    CREONTE

    No vejo para que indicar o lugar exato onde sinto esse desgosto!

    O GUARDA

    que... o criminoso te feriu o corao; eu, somente os ouvidos!

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    CREONTE

    Parece-me, na verdade, que tu nasceste para tagarela!

    O GUARDA

    Sim; mas no fui eu que pratiquei o crime!

    CREONTE

    Embora! Vendeste-te por dinheiro, com certeza!

    O GUARDA

    curioso como um homem que presume tudo descobrir, descobrecoisas que no existem!

    CREONTE

    Podes, agora, gracejar acerca do que eu descubro, ou no; mas sevs, os guardas, no me indicardes o culpado, havereis de saber que oslucros desonestos causam sempre contrariedades.

    O GUARDA

    Sim! Que tratemos de encontrar o criminoso... mas, se oapanharemos, ou no, isso que pertence ao destino decidir, e no hperigo de que me vejas novamente aqui... Na verdade, deste apuro, que

    vem contra minha expectativa, conto livrar-me ainda; e por isso devereiaos deuses uma gratido infinita!

    Sai o guarda.CREONTEentra no palcio.

    O CORO

    Numerosas so as maravilhas da natureza, mas de todas a maior o Homem! Singrando os mares espumosos, impelido pelos ventos dosul, ele avana, e arrosta as vagas imensas que rugem ao redor! G, asuprema divindade, que a todas as mais supera, na sua eternidade, elea corta com suas charruas, que, de ano em ano, vo e vm, revolvendoe fertilizando o solo, graas fora das alimrias!

    A tribo dos pssaros ligeiros, ele a captura, ele a domina; as

    hordas de animais selvagens, e de viventes das guas do mar, o Homemimaginoso as prende nas malhas de suas redes. E amansa, igualmente,

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    o animal agreste, bem como o dcil cavalo, que o conduzir, sob o jugo eos freios, que o prendem dos dois lados; bem assim o touro bravio dascampinas.

    E a lngua, o pensamento alado, e os costumes moralizados, tudoisso ele aprendeu! E tambm, a evitar as intempries e os rigores danatureza! Fecundo em seus recursos, ele realiza sempre o ideal a queaspira! S a Morte, ele no encontrar nunca, o meio de evitar! Emborade muitas doenas, contra as quais nada se podia fazer outrora, j sedescobriu remdio eficaz para a cura.

    Industrioso e hbil, ele se dirige, ora para o bem... ora para omal... Confundindo as leis da natureza, e tambm as leis divinas a que

    jurou obedecer, quando est frente de uma cidade, muita vez se torna

    indigno, e pratica o mal, audaciosamente! Oh! Que nunca transponhaminha soleira, nem repouse junto a meu fogo, quem no pense comoeu, e proceda de modo to infame!

    ReapareceO GUARDA,trazendoANTGONE,que caminha com a cabeainclinada

    O CORIFEU

    Oh! Que surpresa me causa o que ora vejo! Como negar, porm,se eu a reconheo! Como duvidar que seja a jovem Antgone? Infelizfilha de um desgraado pai, de dipo! que aconteceu contigo? Serque te trazem presa, por desobedincia a alguma ordem real? Surpreen-deram-te, talvez, na prtica de alguma ao criminosa?

    O GUARDA

    Ei-la aqui, aquela que fez a extraordinria proeza! Ns asurpreendemos no momento em que sepultava o cadver. Mas... onde

    est Creonte?

    O CORIFEU

    Ei-lo que volta do palcio, e vem a propsito!

    EntraCREONTE

    CREONTE

    Que h? Por que motivo oportuna minha volta?

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    O GUARDA

    Prncipe, nunca devemos jurar coisa alguma; uma segundaopinio pode desmentir a primeira! Dificilmente eu consentiria em

    voltar aqui, tanto me aterraram tuas ameaas! Mas... sempre maissensvel uma alegria por que no se espera! eis-me de volta, emborativesse jurado o contrrio, eis-me de volta, com esta jovem, que foi porns surpreendida no momento em que conclua a inumao do cadver.Desta vez no fui escolhido pela sorte; eu mesmo fiz a descoberta. Eagora, visto que ela est em tuas mos, prncipe, interroga-acomo quiseres, obriga-a a confessar seu crime. Quanto a mim, devo serdeclarado livre de qualquer suspeita, ou castigo.

    CREONTE

    Tu a conduzes, sim! mas como, e onde a prendeste?

    O GUARDA

    Por suas prprias mos estava dando sepultura ao morto; tu j osabes.

    CREONTE

    E tu compreendes o alcance do que ests dizendo? Tens absolutacerteza do que dizes?

    O GUARDA

    Sim! Foi ela, que, apesar de tua proibio, estava dando sepulturaao morto... No claro o que estou dizendo?(9)

    CREONTE

    Mas, como foi que a viste e a surpreendeste?

    O GUARDA

    Eis como tudo se passou: Logo que voltei, preocupado com asterrveis ameaas que me fizeste, ns retirmos toda a terra que cobriao morto, deixando descoberto o corpo, j em decomposio, e fomos nospostar no alto dos cmoros que h em torno, ao alcance da brisa, a fimde evitar que nos atingisse o mau cheiro. Cada um de ns excitava os

    companheiros vigilncia, censurando rudemente quem quer que nose mostrasse atento. E isso durou at que o disco solar alcanou o meio

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    do cu, e o calor se tornou ardente. Nesse momento, uma ventaniafortssima ergueu um turbilho de poeira, varrendo a regio, earrancando a folhagem das rvores. Todo o cu escureceu; e ns com osolhos cerrados, esperamos o fim desse flagelo divino. Quando ele

    cessou, vimos esta jovem; ela soltava gritos agudos, como um pssarodesesperado ao ver desaparecidos os filhos do ninho deserto. Assim, vista do cadver desenterrado, ela, gemendo, proferiu maldiestremendas contra os autores do sacrilgio. Em suas mos traz novaporo de areia seca, e depois, erguendo um vaso cinzelado, faz, sobre acabea do morto, uma trplice libao. Em vista disso, ns nosprecipitmos, e juntos a agarrmos, sem que ela demonstrasse o menorsusto; interrogamo-la sobre o que acabava de fazer, e o que fizera antes;ela nada negava, o que me alegrou, e me entristeceu ao mesmotempo!... Com efeito, motivo de alegria escapar algum de umadesgraa; mas causa de desgosto fazer com que nela caiam pessoasamigas. Enfim... isso tem menos importncia que a minha prpriasalvao.

    CREONTE

    tu, que mantns os olhos fixos no cho, confessas, ou negas,ter feito o que ele diz?

    ANTGONEergue-se, e fita-o de frente, com desassombro

    ANTGONE

    Confesso o que fiz! Confesso-o claramente!

    CREONTE

    (Ao guarda) Podes ir para onde quiseres, livre da acusao quepesava sobre ti! (a Antgone) Fala, agora, por tua vez; mas fala sem

    demora! Sabias que, por uma proclamao, eu havia proibido o quefizeste?

    ANTGONE

    Sim, eu sabia! Por acaso poderia ignorar, se era uma coisapblica?

    CREONTE

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    E apesar disso, tiveste a audcia de desobedecer a essadeterminao?

    ANTGONE

    Sim, porque no foi Jpiter que a promulgou; e a Justia, a deusaque habita com as divindades subterrneas(10)jamais estabeleceu taldecreto entre os humanos; nem eu creio que teu dito tenha fora

    bastante para conferir a um mortal o poder de infringir as leis divinas,que nunca foram escritas, mas so irrevogveis; no existem a partir deontem, ou de hoje; so eternas, sim! e ningum sabe desde quando

    vigoram!(11) Tais decretos, eu, que no temo o poder de homemalgum, posso violar sem que por isso me venham a punir os deuses!Que vou morrer, eu bem sei; inevitvel; e morreria mesmo sem a tua

    proclamao. E, se morrer antes do meu tempo, isso ser, para mim,uma vantagem, devo diz-lo! Quem vive, como eu, no meio de tolutuosas desgraas, que perde com a morte?(12)Assim, a sorte que mereservas um mal que no se deve levar em conta; muito mais graveteria sido admitir que o filho de minha me jazesse sem sepultura; tudoo mais me indiferente! Se te parece que cometi um ato de demncia,talvez mais louco seja quem me acusa de loucura!

    O CORIFEU

    Com seu carter indomvel, esta jovem revela que descende deum pai igualmente inflexvel; ela no se deixa dominar pela desgraa.

    CREONTE

    Fica-o sabendo, pois: os espritos mais rgidos so, precisamente,aqueles que se deixam abater! O ferro, to duro, vem a ser, quandoaquecido, o metal que mais facilmente se pode vergar e romper... Tenho

    visto cavalos fogosos que um simples freio subjuga... No convm, pois,

    exibir um carter altaneiro, quando se est a merc de outrem. Estacriatura agiu temerariamente, desobedecendo as leis em vigor; e, paraagravar, com uma segunda ofensa, a primeira, acaba de se gloriar doato que praticou. Eu no seria mais um homem, e ela que mesubstituiria, se esta atitude que assumiu ficasse impune. Mas, seja elafilha de minha irm, e, portanto, mais vinculada a mim do que oprprio Jpiter do meu lar(13), ela e sua irm no escaparo sortemais funesta, porque acuso a outra de haver, igualmente, premeditado oenterrarnento do irmo. Chamai-a! Eu a vi, no palcio, h pouco,

    desvairada, fora de si! Muitas vezes o esprito que pensa em executaruma ao perversa, se deixa trair por sua perturbao, antes de realiz-

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    la! Mas detesto, tambm, aquele que, culpado de um crime, procura dara este um nome glorioso!

    ANTGONE

    Visto que j me tens presa, que mais queres tu, alm de minhamorte?

    CREONTE

    Nada mais! Com isso j me darei por satisfeito.

    ANTGONE

    Por que demoras, pois? Em tuas palavras tudo me causa horror, eassim seja sempre! Tambm todos os meus atos te sero odiosos! Quemaior glria posso eu pretender, do que a de repousar no tmulo demeu irmo? Estes homens (indica o coro) confessariam que aprovam oque eu fiz, se o terror no lhes tolhesse a lngua! Mas, um dosprivilgios da tirania consiste em dizer, e fazer, o que quiser.

    CREONTE

    Em Tebas s tu assim consideras as coisas.

    ANTGONE

    Eles pensam como eu; mas, para te agradar, silenciam...

    CREONTE

    E tu no te envergonhas de emitir essa opinio?

    ANTGONE

    No vejo de que me envergonhe em ter prestado honras fnebresa algum, que nasceu do mesmo ventre materno...

    CREONTE

    E por acaso no era teu irmo, tambm, o outro, que morreu?

    ANTGONE

    Sim! Era filho do mesmo pai, e da mesma me!

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    CREONTE

    Ento por que prestas a um essa homenagem, que representauma impiedade para com o outro?

    ANTGONE

    Asseguro-te que esse outro, que morreu, no faria tal acusao!

    CREONTE

    Sim! Visto que s honraste, com tua ao, aquele que se tornoucriminoso.

    ANTGONE

    O que morreu tambm no era seu escravo, mas seu irmo!

    CREONTE

    No entanto devastava o pas, que o outro defendia.

    ANTGONE

    Seja como for, Hades exige que a ambos se apliquem os mesmosritos!

    CREONTE

    No justo dar ao homem de bem, tratamento igual ao docriminoso.

    ANTGONE

    Quem nos garante que esse preceito seja consagrado na mansodos mortos?

    CREONTE

    Ah! Nunca! Nunca um inimigo me ser querido, mesmo aps suamorte.

    ANTGONE

    Eu no nasci para partilhar de dios, mas somente de amor!(14)

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/antigone.html#n14http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/antigone.html#n14
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    CREONTE

    Desce, pois, sepultura!... Visto que queres amar, ama aos que lencontrares! Enquanto eu vivo for, nenhuma mulher me dominar!

    EntraISMNIA,entre dois escravos

    O CORO

    Eis que ao vestbulo do palcio se dirige Ismnia; seu amor pelairm arranca-lhe abundantes lgrimas; uma nuvem, por sobre seusolhos, altera-lhe a fisionomia; e o pranto inunda a encantadora face.

    CREONTE

    Tu, que no meu palcio, deslizando como uma vbora, sugavas omeu sangue, e eu no sabia que mantinha duas criminosas prontasa me derrubar do trono! vejamos! Fala! Tu vais confessar separticipaste do enterramento de Polinice, ou jurar que de nada sabias!

    ISMNIA

    Sou culpada, se ela nisso consentir; partilhei do ato, e queropartilhar da acusao.

    ANTGONE

    Mas a Justia no o permitir! No quiseste ser cmplice do quefiz, e eu prpria no mais consenti que tomasses parte.

    ISMNIA

    Oh! No te envergonhes, na infelicidade, em consentir que eu meassocie ao perigo que corres.

    ANTGONE

    Quem tudo fez, Hades e os mortos bem sabem... quem s me amapor palavras, no pode ser, para mim, uma verdadeira amiga.

    ISMNIA

    No me julgues, irm, indigna de morrer contigo, honrando os

    nossos mortos!

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    ANTGONE

    No! No me acompanhes na morte! No queiras passar comoautora do que no fizeste! Meu sacrifcio, s, bastar!

    ISMNIA

    E como poderei eu viver, minha irm, sem tua companhia?

    ANTGONE

    Pergunta-o a Creonte... Todos os teus cuidados so para ele...

    ISMNIA

    Por que me magoas assim, sem proveito algum para ti?

    ANTGONE

    Se escarneo de ti, com dor profunda que o fao!

    ISMNIA

    E que posso eu tentar, em teu benefcio?

    ANTGONE

    Salvar tua vida... No tenho a menor inveja de ti, se o consegui-res!

    ISMNIA

    Como sou infeliz! No poderei compartilhar de tua sina!

    ANTGONE

    Tu escolheste a vida, e eu, a morte.

    ISMNIA

    Mas no porque tenha esquecido o que me cumpria dizer-te!

    ANTGONE

    H-de haver quem te d razo; mas a mim tambm!

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    ISMNIA

    No entanto, o crime, se existe, de ns ambas!

    ANTGONE

    Tranquiliza-te! Tu vivers! Quanto a mim, dediquei minha alma aoculto dos mortos.

    CREONTE

    Estas duas jovens perderam a razo, evidentemente; uma enlou-queceu agora; a outra, desde que nasceu!

    ISMNIA

    rei, a mais slida razo no resiste aos golpes da adversidade.

    CREONTE

    Foi o que te aconteceu, quando resolveste acompanhar os malva-dos na prtica do mal.

    ISMNIA

    S, sem minha irm, como poderei eu viver?

    CREONTE

    No fales mais nela; ela, como se j no vivesse.

    ISMNIA

    Ordenars tu que perea a noiva de teu filho?

    CREONTE

    Ora... outros campos h, que ele possa cultivar!(15)

    ISMNIA

    Mas no ser isso o que eles juraram, um ao outro!

    CREONTE

    Esposas perversas, para meu filho, eu as rejeito!

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/antigone.html#n15http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/antigone.html#n15
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    ISMNIA

    Pobre Hmon! Como teu pai te amesquinha!

    CREONTE

    Tu me importunas, com esse casamento!

    O CORIFEU

    Ser crvel, rei, que a arranques a teu prprio filho?

    CREONTE

    Ser o Hades que romper, por mim, esse noivado.

    O CORIFEU

    Parece-me, pois, que est definitivamente resolvido: ela morrer!

    CREONTE

    Tal minha deciso! (aos servos) Nada de demora! Levai-as para opalcio, escravos! Quero que estas mulheres sejam amarradas, e que

    no mais andem em liberdade! Os mais corajosos fogem quando sentemque a morte os ameaa!

    Saem os escravos, conduzindo as duas jovens

    O CORO

    Ditosos aqueles que, na vida, no provaram do fruto do mal!Quando os deuses abalam uma famlia, o infortnio se atira, semdescanso, sobre os seus descendentes, tal como as ondas do mar,

    quando, batidas pela tempestade, revolvem at a areia escura dasprofundezas do abismo, e as praias gemem com o fragor das vagas querebentam.

    Vemos h muito tempo, acumularem-se os males na famlia dosLabdcidas, prolongando-se as desgraas das geraes extintas, sobreas geraes que vm surgindo... Um deus os persegue cruelmente; noh possibilidade de salvao.

    O fraco luar de esperana que se sentia nos ltimos ramos dafamlia de dipo, acaba de ser extinto, por uma saraivada de palavras

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    imprudentes, de dio e desvario; e esses ramos corta-os a foiceimpiedosa dos deuses infernais!

    Jpiter! Que orgulho humano poder, jamais, te vencer? Nem o

    sono, a que se entregam todos os mortais, nem o curso incessante dosanos, nada sustm o teu poder! Isento da velhice, tu reinas, senhorsupremo, sobre o cume brilhante do Olimpo! Por toda a eternidadeprevalecer esta lei: no haver nunca, na vida humana, grandeza oufausto a que no se misture o travo de alguma desgraa.

    A frgil esperana ser um bem para muitas criaturas, mas ser,para outras, uma iluso apenas, uma iluso de seus anelos. O homem,que tudo ignora, deixa-se levar por ela, at que sinta queimar os psnalguma brasa. Sabiamente nos diz este preceito antigo: o mal se

    afigura um bem para aqueles a quem a divindade quer arrastar perdi-o; pouco tempo ele viver isento da desgraa.

    HMONentra pela porta central

    O CORIFEU

    Eis aqui Hmon, rei; o mais jovem de teus filhos; vemamargurado pela sorte de Antgone, a quem em breve iria esposar?

    Lamenta o seu amor malogrado?

    CREONTE

    o que em breve saberemos, melhor do que os adivinhos. Meufilho, sabedor da sentena irrevogvel que proferi contra tua noiva, vensenfurecido contra teu pai, ou continuas a prezar-me, apesar do que fiz?

    HMON

    Pai... eu te perteno... Teus sbios conselhos me tm guiado, e euos seguirei. Para mim no h casamento algum que possa prevalecersobre tua vontade(16).

    CREONTE

    Eis a a prudente regra, meu filho, que preciso guardar nocorao! Tudo nos deve provir da vontade paterna. A nica razo pelaqual os homens desejam que nasam e cresam em sua casa novosrebentos, a certeza de que estes, mais tarde, ataquem o seu inimigo, e

    honrem o seu amigo, to bem como o pai o faria. Quem quer que tenhafilhos inteis, no ter feito outra coisa seno angariar para si motivos

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/antigone.html#n16http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/antigone.html#n16
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    de desgosto, e para seus inimigos uma fonte de risos. No abandones,pois, meu filho, pela seduo do prazer, ou por causa de uma mulher,os sentimentos de que ests animado; e sabe que bem frio, muita vez,o beijo de uma mulher quando uma esposa m que recebe o marido

    em casa... Haver maior flagelo do que um falso amigo? Repele, pois,essa jovem como se ela fosse tua inimiga; manda-a ao Hades, para quel se case com quem quiser. Visto que eu a prendi, quando,ostensivamente, transgredia a uma de minhas ordens, e foi a nicapessoa, em toda a cidade, a proceder assim! eu no quererei passarpor mentiroso e fraco diante do povo, e ordenarei sua morte. Que elaimplore Jpiter, o deus da famlia! Se eu tolero a rebeldia daqueles quepertencem minha estirpe, com mais forte razo transigirei com a deestranhos! Quem rigoroso na deciso de seus casos domsticos, sertambm justo no governo do Estado. Quem, por orgulho e arrogncia,queira violar a lei, e sobrepor-se aos que governam, nunca merecermeus encmios. O homem que a cidade escolheu para chefe deve serobedecido em tudo, quer seus atos paream justos, quer no. Quemassim obedece, estou certo, saber to bem executar as ordens que lheforem dadas, como comandar, por sua vez; e ser, na guerra, um aliado

    valoroso e fiel. No h calamidade pior do que a rebeldia; ela quearruina os povos, perturba as famlias, e causa a derrota dos aliadosem campanha. Ao contrrio, o que garante os povos, quando bemgovernados, a voluntria obedincia. Cumpre, pois, atender ordem

    geral, e no ceder por causa de uma mulher. Melhor fora, em caso tal,ser derribado do poder por um homem; ningum diria, ento, que asmulheres nos venceram!

    O CORIFEU

    Se nossa mente no se enfraqueceu com a idade, parece-nosrazovel tudo o que dizes.

    HMON

    Meu pai, ao dotar os homens da razo, os deuses concederam-lhes a mais preciosa ddiva que se pode imaginar. Ser, por acaso, certotudo o que acabas de dizer? Eu no sei... e praza aos deuses que nosaiba nunca. No entanto, outros h, que podem ter outras idias. Dequalquer forma, no teu interesse que me julgo no dever de examinar oque se diz, o que se faz, e as crticas que circulam. Teu semblanteinspira temor ao homem do povo, quando este se v forado a dizer oque no te agradvel ouvir. Quanto a mim, ao contrrio, posso

    observar, s ocultas, como a cidade inteira deplora o sacrifcio dessajovem; e como, na opinio de todas as mulheres, ela no merece a morte

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    por ter praticado uma ao gloriosa... Seu irmo jazia insepulto; ela noquis que ele fosse espedaado pelos ces famintos, ou pelas avescarniceiras. Por acaso no merece ela uma coroa de louros? eis o quetodos dizem, reservadamente. Para mim, meu pai, tua prosperidade o

    bem mais precioso. Que mais belo floro podem ter os filhos, do que aglria de seu pai; e que melhor alegria ter o pai, do que a glria dosfilhos? Mas no creias que s tuas decises sejam acertadas e justas...

    Todos quantos pensam que s eles tm inteligncia, e o dom da palavra,e um esprito superior, ah! esses, quando de perto os examinamos,mostrar-se-o inteiramente vazios! Por muito sbios que nos julguemos,no h desar em aprender ainda mais, e em no persistir em juzoserrneos... Quando as torrentes passam engrossadas pelos aguaceiros,as rvores que vergam conservam seus ramos, e as que resistem soarrancadas pelas razes! O piloto que, em plena tempestade, teima emconservar abertas as velas, faz emborcar o navio, e l se vai, com aquilha exposta ao ar! Cede, pois, no teu ntimo, e revoga teu dito. Se,apesar de minha idade, me lcito emitir um parecer, direi que ohomem que possuir toda a prudncia possvel, deve levar vantagem aosoutros; mas como tal virtude nunca se encontra, manda o bom sensoque aproveitemos os conselhos dos demais.

    O CORIFEU

    Prncipe, visto que ele prope medidas de moderao e prudncia,convm ouvi-lo; de parte a parte vs falastes muito bem!

    CREONTE

    Devo eu, na minha idade, receber conselhos de um jovem?

    HMON

    Ouve somente os que parecerem justos. Sou moo ainda,

    evidente; mas ns devemos atender s razes, e no idade.

    CREONTE

    Terei eu ento de honrar a quem se mostrou rebelde?

    HMON

    Nunca proporei que se respeite a quem houver praticado o mal.

    CREONTE

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    E por acaso no foi um crime o que ela fez?

    HMON

    No assim que pensa o povo de Tebas.

    CREONTE

    Com que ento cabe cidade impor-me as leis que devo promul-gar?

    HMON

    V como tua linguagem parece ser a de um jovem inexperiente!

    CREONTE

    em nome de outrem que estou governando neste pas?

    HMON

    Ouve: no h estado algum que pertena a um nico homem!

    CREONTE

    No pertence a cidade, ento, a seu governante?

    HMON

    S num pas inteiramente deserto terias o direito de governarsozinho!

    CREONTE

    Bem se percebe que ele se tornou aliado dessa mulher!

    HMON

    S se tu te supes mulher, porque pensando em ti que assimfalo.

    CREONTE

    Miservel! Por que te mostras em desacordo com teu pai?

    HMON

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    Porque te vejo renegar os ditames da Justia!

    CREONTE

    Por acaso eu a ofendo, sustentando minha autoridade?

    HMON

    Mas tu no a sustentas calcando aos ps os preceitos queemanam dos deuses!

    CREONTE

    Criatura vil, que se pe a servio de uma mulher!

    HMON

    Tu nunca me viste, nem me vers jamais, ceder a prazeresindignos!

    CREONTE

    Seja como for, todas as tuas palavras so em favor dela!

    HMON

    So por ela, sim! como so por ti, por mim, e pelos deusesimortais!

    CREONTE

    Essa mulher, tu nunca a desposars viva!

    HMON

    Ela morrer, eu sei! Mas sua morte h-de causar uma outra!(17)

    CREONTE

    Tens coragem de recorrer s ameaas?

    HMON

    Que ameaas pode haver, se combatemos razes to frvolas?

    CREONTE

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    Tu pagars caro tuas lies de prudncia, insensato!

    HMON

    Queres s falar, e nada ouvir?

    CREONTE

    Escravo de uma mulher, no me perturbes com tua tagarelice!

    HMON

    Se tu no fosses meu pai, eu diria que perdeste o senso!

    CREONTE

    Sim? Pelo Olimpo! Fica-o sabendo bem: tu no te alegrars porme teres censurado e ultrajado assim! (a um escravo) Leva essa mulherodiosa, para que ela morra imediatamente, em minha vista, e napresena de seu noivo!

    HMON

    No! Em minha presena, ela no morrer! E tu nunca mais me

    vers diante de ti! Descarrega teus furores por sobre aqueles que a issose sujeitarem!

    (SaiHMON)

    O CORIFEU

    Prncipe, ele partiu possudo de angstia; na sua idade, tamanhodesespero para se temer!

    CREONTE

    Faa o que fizer, ainda que pratique faanhas sobre-humanas,no salvar da morte essas donzelas.

    O CORIFEU

    Mas... pensas em ordenar que peream ambas?

    CREONTE

    No! Tens razo... Ser poupada a que nada fez.

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    O CORIFEU

    E como pensas em dar a morte outra?

    CREONTE

    Lev-la-ei a um stio deserto; e ali ser encerrada, viva, em umtmulo subterrneo, revestido de pedra, tendo diante de si o alimentosuficiente para que a cidade no seja maculada pelo sacrilgio(18). L,ela poder invocar Pluto, o nico deus que venera... e talvez ele eviteque ela morra... S assim ela se convencer de que intil quererprestar culto aos mortos!

    (SaiCREONTE)

    O CORO

    Amor, invencvel Amor, tu que subjugas os mais poderosos; tu(19), que repousas nas faces mimosas das virgens; tu que reinas, tantona vastido dos mares, como na humilde cabana do pastor; nem osdeuses imortais, nem os homens de vida transitria podem fugir a teusgolpes; e, quem for por ti ferido, perde o uso da razo!

    Tu arrastas, muita vez, o justo prtica da injustia, e o virtuoso,

    ao crime; tu semeias a discrdia entre as famlias... Tudo cede seduo do olhar de uma mulher formosa, de uma noiva ansiosamentedesejada; tu, Amor, te equiparas, no poder, s leis supremas douniverso, porque Vnus zomba de ns!

    SurgeANTGONE,conduzida por dois servidores deCREONTE;ela temas mos amarradas

    O CORIFEU

    Eu prprio sinto-me revoltado contra as leis, e no posso conterminhas lgrimas ao ver Antgone dirigir-se para o seu leito nupcial: otmulo, onde ho-de dormir todos os humanos!

    ANTGONE

    Cidados de Tebas, minha Ptria! Vede-me em caminho para oatalho fatal, contemplando, pela ltima vez, a luz rutilante do sol!Pluto me arrasta, viva, s margens do Aqueronte, sem que eu haja

    sentido os prazeres do himeneu, cujos cantos jamais se ouviro pormim! O Aqueronte ser meu esposo!

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    O CORO

    Tu irs, pois, coberta de glria, a essa manso tenebrosa dosmortos, sem que tenhas sofrido as doenas, e sem que recebas a morte

    pela espada... Por tua prpria vontade, nica entre os mortais, vaisdescer ao Hades!

    ANTGONE

    Ouvi contar a morte dolorosa da infeliz frgia, a filha deTntalo(20), sobre o monte Spilo: uma camada de pedra a circundou,como uma hera indissolvel; e dizem que de sua fronte petrificada, ecoberta de neve, jorravam lgrimas sem fim, alagando-lhe o peito.

    Assim tambm quer o destino que eu v, em vida, repousar num

    tmulo de pedra...

    O CORIFEU

    Nobe era uma divindade, e descendia dos deuses... Mas nssomos humanos, e filhos de mortais. Portanto, quando no mais

    viveres, ser uma glria para ti que recordem sempre que tiveste umasorte igual a de seres divinos, tanto na vida, como na morte!

    ANTGONE

    Ai de mim! Zombam de minha desgraa! Pelos deuses imortais,por que no esperam eles que eu morra, e por que me insultam napresena de todos? cidade tebana! felizes habitantes de minhaterra, fontes do Dirceu, muros sagrados de Tebas, a vs, pelo menos,eu tomo por testemunhas! Vede como, sem que sejam ouvidas aslamentaes de meus amigos, como, e por que inquas leis sou levada aum covil de pedra, a um tmulo de nova espcie! Como sou infeliz! Nemsobre a terra, nem na regio das sombras, poderei habitar, nem com os

    vivos, nem com os mortos!

    O CORIFEU

    Por tua demasiada audcia, minha filha, tu ofendeste aautoridade; talvez sofras para expiar um crime de teu pai!

    ANTGONE

    Dolorosas recordaes tu me trazes, renovando as angstias sem

    fim que tenho sofrido por meu pai, por nosso destino, pelo infortniominaz dos Labdcidas! Oh! Funesto casamento, o de minha pobre me!

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    Unio com o meu desgraado pai, que lhe devia a vida! De que mserosprogenitores eu nasci! E ser por eles que, maldita, sem ter sidodesposada, eu caminho para a sepultura! Meu irmo, que desastradocasamento tu fizeste! Tua morte, que me faz perder a vida!(21)

    O CORIFEU

    Ao piedosa prestar culto aos mortos; mas, quem exerce opoder, no quer consentir em ser desobedecido. Teu carter volunta-rioso causou tua perda.

    ANTGONE

    Sem que chorem por mim, sem amigos, sem cnticos de himeneu,

    desgraada, sou conduzida nesta fnebre viagem!... A luz sagrada dosol, j no mais poderei ver. Que ningum lamente minha sorte! Queningum suspire por mim!

    CREONTE

    (Aos guardas) Sabeis vs que estas lamentaes e estes gemidosantes da morte, no teriam fim, se o condenado os pudesse prolongarindefinidamente? Por que no a levais, j, e j? Encerrai-a, como vosordenei, na cavidade de pedra, e deixai-a ali s, para que morra... oufique sepultada viva em tal abrigo. Para ns nenhuma culpa haver namorte dessa jovem; ela, porm, nunca mais poder aparecer entre os

    viventes!

    ANTGONE

    tmulo, leito nupcial, eterna priso da subterrnea estncia,para onde caminho, para juntar-me aos meus, visto que a quase todos

    j Persfone recebeu entre os mortos! Seja eu a ltima que deso ao

    Hades antes do termo natural de meus dias... L, ao menos, tenhoesperana de que minha chegada agradar a meu pai, a minha me, etambm a ti, meu irmo querido! Quando morrestes, eu, com minhasprprias mos, cuidei de vossos corpos, sobre eles fiz libaes fnebres;e hoje, Polinice, porque dei sepultura a teus restos mortais, eis a minharecompensa! Creio, porm, que no parecer dos homens sensatos, eu fiz

    bem. Com efeito, nunca, por um filho, se fosse me, ou pelo marido, sealgum dia lamentasse a morte de um esposo, eu realizaria semelhantetarefa, contrariando a proibio pblica! E por que razo assim penso?

    Porque eu poderia ter outro esposo, morto o primeiro, ou outros filhos,se perdesse o meu: mas, uma vez mortos meu pai e minha me, nunca

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/antigone.html#n21http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/antigone.html#n21
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    mais teria outro irmo! Eis a porque te prestei estas honras, e porque,na opinio de Creonte, pratiquei um crime, um ato incrvel, meuquerido irmo. E agora sou arrastada, virgem ainda, para morrer, semque houvesse sentido os prazeres do amor e os da maternidade.

    Abandonada por meus amigos, caminho, viva ainda, para a manso dosmortos. Deuses imortais, a qual de vossas leis eu desobedeci? Mas... deque me serve implorar os deuses? Que auxlio deles posso receber, se foipor minha piedade que atra sobre mim o castigo reservado aos mpios?Se tais coisas merecem a aprovao dos deuses, reconheo que sofropor minha culpa; mas se provm de meus inimigos, eu no lhes desejoum suplcio mais cruel do que o que vou padecer!

    O CORO

    Sempre a mesma tempestade a lhe agitar a alma sofredora!

    CREONTE

    Eles ho-de se arrepender de sua lentido!

    ANTGONE

    Pobre de mim! Esta ameaa anuncia que minha morte no tarda.

    CREONTE

    No te animes na suposio de que podes retardar a execuo deminhas ordens.

    ANTGONE

    cidade de meus pais, terra tebana! deuses, autores de minharaa! Vejo-me arrastada! Chefes tebanos, vede como sofre a ltima filha

    de vossos reis, e que homens a punem, por haver praticado um ato depiedade!

    ANTGONEdesaparece levada pelos guardas, enquantoO COROcanta

    O CORO

    Dana sofreu igual desdita, encerrada num recinto de bronze, eprivada da luz celeste! E ficou presa nessa angustiosa sepultura, sendoembora ilustre por sua origem, minha filha, e tendo sido fecundada por

    Jpiter, sob uma chuva de ouro! Mas o destino inexorvel: nem atempestade, nem a guerra, nem as muralhas, nem os navios sacudidos

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    pelas ondas, podem dele fugir. Assim foi submetido a igual provao oardoroso filho de Drias o rei dos Ednios, o qual, por sua imprudncia,foi encerrado por Dionisos numa priso de pedra. E assim arrefeceu ofervor de sua loucura! Ele reconheceu que fora imprudncia atacar o

    deus, com expresses insolentes, o que fizera no desejo de pr um fimao delrio das bacantes, mas contrariando tambm as musas, queapreciam o som das avenas. Vindo das rochas Cineas(22)entre os doismares, encontram-se as margens do Bsforo e da inspita Salmids da

    Trcia. Foi ali que Marte viu os dois filhos de Fineu sob o golpe cruel dainfame madrasta, que os cegou, arrancando-lhes os olhos, no comuma lmina, mas com as unhas sangrentas e as pontas de suaslanadeiras(23). Choravam aqueles infelizes a triste sorte de sua me,cujo casamento produzira filhos to desgraados; ela descendia dasantigas Erectides; filha de Breas, criada em grutas longnquas, ecercada das tempestades sujeitas a seu pai, tornou-se gil na corrida, emais veloz que os cavalos na montanha. Embora de prognie dosdeuses, as Parcas imortais no a pouparam!

    EntraTIRSIAS,guiado por um menino

    TIRSIAS

    chefes tebanos, ns, que aqui estamos, fizemos longa jornada

    juntos! Um de ns v pelo outro; bem sabeis que os cegos no podemcaminhar sem um guia.

    CREONTE

    Que novas me trazes, velho Tirsias?

    TIRSIAS

    Vou anunci-las... No deixes de crer em meus orculos.

    CREONTE

    At agora tenho observado teus conselhos.

    TIRSIAS

    Graas a isso, conseguiste encaminhar esta cidade por uma rotasegura.

    CREONTE

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    E posso assegurar-te que deles muito me tenho valido.

    TIRSIAS

    Sabe, pois, que novamente se tornou crtica tua situao.

    CREONTE

    Que h ento? Dize! Tuas palavras me assustam!

    TIRSIAS

    Vais saber j, o que os signos me anunciam. Estava eu sentadono venerando slio augural, de onde poderia ouvir todos os pressgios,

    quando ouvi um rumor confuso de pssaros, que soltavam gritosestridentes, para mim incompreensveis; era fcil perceber-se o debaterde suas asas. Logo em seguida, tentei experimentar o fogo no altaraquecido; mas as oferendas de Vulcano no subiam com labaredasclaras; a cinza caa sobre as gorduras, com odor desagradvel; no arenfumaado, vaporizava-se o fel, enquanto os ossos ficavam,umedecidos pela banha que os revestia... Eis o que me dizia estemenino: os pressgios no se ouviam; e os sacrifcios nenhum sinal nosdavam. Meu guia , para mim, o que eu quero ser para os outros... Eesta desgraa iminente causada por tuas resolues... os altares dacidade, as aras consagradas aos deuses, esto cheios de pedaos dacarne do infeliz filho de dipo... Eis porque os deuses repelem nossasoraes, e rejeitam nossos holocaustos; no se ergue a chama sobre as

    vtimas; nem as aves soltam cantos de bom augrio, visto que estosaciadas com o sangue humano... Pensa nisto, meu filho! O erro comum entre os homens: mas quando aquele que sensato comete umafalta, feliz quando pode reparar o mal que praticou, e no permanecerenitente. A teimosia produz a imprudncia. Cede diante da majestadeda morte: no profanes um cadver! De que te servir matar, pela

    segunda vez, a quem j no vive? Bem sabes que sou dedicado a teusinteresses, e por minha dedicao que te aconselho. Que pode haverde mais oportuno do que um conselho realizvel?

    CREONTE

    Ancio, todos vs, como archeiros, dirigis contra mim vossassetas certeiras; nem dos adivinhos estou livre! Meus prprios parentesme traem, h muito tempo! Pois bem: empanturrai-vos de dinheiro,

    apoderai-vos de todo o ouro do Sardes e do Indo! Mas nunca dareis aesse homem as honras da sepultura! Ainda que as guias de Jpiter

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    quisessem levar ao trono do supremo deus os restos de seu corpo, eu,sem receio de tal profanao, no consentirei que o sepultem! Noentanto, creio que nenhum homem pode profanar os deuses. Velho

    Tirsias, os homens mais espertos muitas vezes fracassam

    vergonhosamente, quando falam induzidos pela ambio do ganho!

    TIRSIAS

    Oh!... quem saber, talvez... Quem pode dizer...

    CREONTE

    Que queres tu dizer com essas palavras vagas?

    TIRSIAS

    ... De quanto sobrepuja a prudncia os outros bens?

    CREONTE

    Tanto quanto certo que a imprudncia o maior dos males.

    TIRSIAS

    No entanto, precisamente o mal em que incorres.

    CREONTE

    No devo retrucar, como fora mister, s impertinncias de umadivinho.

    TIRSIAS

    Mas o que ests fazendo, visto que classificas minhas predies

    como mentiras.

    CREONTE

    Toda a raa dos adivinhos cpida!

    TIRSIAS

    E a dos tiranos adora os proveitos, por mais vergonhosos quesejam.

    CREONTE

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    Sabes que a um rei que diriges tais palavras?

    TIRSIAS

    Bem o sei. Graas a mim pudeste salvar o Estado.

    CREONTE

    s um adivinho esperto: mas tens prazer em proceder mal.

    TIRSIAS

    Tu me obrigas a dizer o que tenho em mente!

    CREONTE

    Pois fala! Contanto que a ganncia no te inspire!

    TIRSIAS

    E assim que supes que eu te falo sobre coisas que te dizemrespeito?

    CREONTE

    Por nenhum preo, ouves tu? me fars mudar de idias!

    TIRSIAS

    Est bem! Sabe, pois, que no vers o sol surgir no horizontemuitas vezes, sem que pagues, com a morte de um de teusdescendentes, o resgate de outra morte, pois acabas de pr sob a terrauma criatura que vivia na superfcie, e a quem indignamenteencerraste, viva, num tmulo; por outro lado, tu retns, longe dos

    deuses subterrneos, um cadver, privado de honras fnebres e desepultura! Tu no tens o direito de o fazer; nem tu, nem qualquerdivindade celeste! uma inaudita violncia, a que praticaste! Eisporque as deusas vingadoras, que punem os criminosos, as Frias eos prprios deuses te espreitam, e vais sofrer os mesmos males queests causando! Verifica se por dinheiro que te fao estes prenncios...Mais algum tempo, e angustiosos lamentos de homens e mulheres seouviro neste palcio! Contra ti j se erguem as cidades irritadas, cujosaltares esto poludos pelas exalaes dos cadveres que no receberam

    sepultura(24)a no ser das aves e dos ces. So estas as setas, que, naminha indignao, venho lanar contra ti(25). Tu no evitars que elas

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    te alcancem! Menino, leva-me de novo para minha casa, eledescarregar sua raiva a custa de outros mais jovens, at que aprenda adominar sua clera e a adquirir melhores sentimentos.

    SaiTIRSIAS.

    Momento de silncio

    O CORIFEU

    O ancio l se foi, prncipe, depois de te haver predito coisastremendas! Ora, desde que existem na minha cabea estes cabelos, quede negros se tornaram alvos, no sei de aviso por ele feito, que no hajasido em absoluto verdadeiro.

    CREONTE

    Eu sei... e por isso mesmo estou preocupado... Ceder, duro; masresistir, e provocar a desgraa certa, no o menos!

    O CORIFEU

    Age com cautela, Creonte, filho de Meneceu!

    CREONTE

    Que devo fazer? Dize, que eu executarei!

    O CORIFEU

    Corre! Liberta a moa de sua priso subterrnea, e erige umtmulo ao morto.

    CREONTE

    o que me aconselhas? Queres, ento, que eu ceda?

    O CORIFEU

    E vai tu mesmo... No confies a outros esse encargo!

    CREONTE

    Irei, pois, imediatamente! Vinde todos vs, servos! com vossosmachados! Correi para aquela colina, que daqui se avista! Eu prprio,

    visto que mudei de resoluo, eu prprio, que ordenei a priso de

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    Antgone, irei libert-la! Agora, sim, eu creio que bem melhor passar avida obedecendo as leis que regem o mundo!

    (SaiCREONTE)

    O CORO

    Tu, a quem adoramos sob diversos nomes, orgulho da filha deCadmo, rebento de Jpiter Tonante, protetor da Itlia gloriosa, e daregio onde Ceres Eleusiana atrai to numerosa afluncia deperegrinos, Baco(26)que resides em Tebas, ptria das Bacantes, nasmargens do Ismnio, e nos campos por onde foram espalhados osdentes do hediondo drago.

    ... Por sobre a montanha de dois cumes, onde brilha, em tuahonra, uma fulgurante chama, e vo ter as ninfas do Parnaso, tuas

    bacantes; e pela colina banhada pelas guas de Castlia, e revestida dehera, e de verdejantes vinhedos, no meio de cnticos divinos, vens reveros lugares pblicos de Tebas!

    Tebas, a cidade a que mais prezas, tu e tua me, vitimada peloraio... Visto que hoje, a cidade e o povo se acham sob a ameaa demales terrveis, vem, Baco, purific-la... Atravessa o Parnaso, ou a

    grota do rumoroso Eurpio.

    Protetor dos astros luminosos, mestre dos rumores noturnos,filho dileto de Zeus, vem, rei, e traze tuas bacantes, tuascompanheiras que, em delirante alegria, celebram sem cessar, com seuscantos e danas, aquele a quem consagraram sua vida, aco!

    Entra umMENSAGEIRO

    O MENSAGEIRO

    vs, que habitais perto de Cadmo e do templo de Anfion, no hvida humana, que ns devamos invejar, ou deplorar, enquanto dure... Asorte eleva, ou abate, continuamente, os homens infelizes, e os ditosos;ningum pode prever que destino est reservado aos mortais. At poucotempo Creonte me parecia digno de inveja; tinha conseguido libertar aterra cadmia de seus inimigos, assumiu o poder absoluto no Estado,dirigia o povo, sentia-se reflorir numa bela prole! No entanto, tudo estdestrudo! Quando os homens perdem a razo de ser de sua alegria, eusuponho que no vivem: so apenas cadveres animados... Acumula emtua casa, se queres, riquezas sem conta; vive com o fausto de um rei; se

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    no possuis a alegria, tudo isto no vale a sombra de uma fumaa,comparado a uma verdadeira felicidade.

    O CORIFEU

    Que novas calamidades de nossos reis tu vens comunicar?

    O MENSAGEIRO

    Eles esto mortos: e os vivos foram os causadores disso!

    O CORIFEU

    Mas... quem os matou? Quem foi a vtima? Fala!

    O MENSAGEIRO

    Hmon morreu! A mo de um amigo derramou-lhe o sangue.

    O CORIFEU

    A de seu pai, talvez? A dele prprio?

    O MENSAGEIRO

    Ele feriu-se, a si mesmo, furioso com seu pai, por causa da mortede Antgone.

    O CORIFEU

    adivinho! Como se realizou o que anunciaste!

    O MENSAGEIRO

    E se assim , cumpre aguardar o que vai ainda acontecer!

    V-seEURDICE,que entra pela porta central

    O CORO

    Eis que se aproxima de ns a infeliz Eurdice, esposa de Creonte.Ela vem do palcio... Teria j sabido da morte do filho, ou por acasoque aqui vem ter?

    EURDICE

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    Tebanos, ouvi o que dissestes quando ia levar minha saudao deusa Palas. Apenas transpunha a porta, quando o rumor dessadesgraa chegou a meus ouvidos... Ca desacordada entre minhasescravas... e senti-me gelar de frio. Que dizeis vs? Oh! Contai-me

    tudo. Tenho tido j muita experincia da desgraa para vos ouvir!

    O MENSAGEIRO

    Senhora, eu vos falarei como testemunha ocular! Nada omitirei daverdade. De que serviria iludir-te com afirmaes que logo sedesmentiriam? A verdade sempre o melhor caminho que temos aseguir. Eu acompanhava teu esposo, guiando-o, at o stio mais alto docampo, onde jaz, espedaado pelos ces, o corpo de Polinice. Depois dehaver dirigido preces deusa das estradas(27), e a Pluto, para que

    moderasse sua clera, e nos fosse propcio, lavmos esses despojosmortais com gua lustral, cobrimo-los com verdes ramos de oliveira, eprocedemos incinerao; depois, com a terra domstica formamosuma tumba elevada... Em seguida, dirigimo-nos para a caverna depedra da jovem, a cmara nupcial da morte. Ouviu-se, ento, um gritolancinante, ao longe; e gemidos angustiosos... eles provinham dessetmulo privado de honras fnebres. Algum correu a informar disso aorei, a Creonte; ele aproximou-se, e ouviu, como ns, aqueles sonscomoventes. Por sua vez ele solta este brado de desespero: Oh! Como

    sou desgraado! Ser verdade o que ouo? Estarei eu fazendo aqui otrajeto mais doloroso de minha vida? de meu filho, a voz terna demeu filho que estou ouvindo! Ide, servos! Correi ligeiros! retirai a pedraque fecha a entrada do tmulo, entrai, e vede se , ou no, Hmon quel se encontra; ou se os deuses zombam de mim! Ns obedecemos aessas ordens do aflito rei, e observmos. No fundo do tmulo, suspensapor uma corda, vimos Antgone; ela se tinha enforcado com os cadarosde sua cintura. Hmon, quase desfalecido, procurava suster o corpo, echorava a morte daquela que seria todo o seu amor; lamentava a runa

    de sua esperana, e a crueldade de seu pai. Creonte, ao v-lo, solta umgrito rouco, e entra, tambm, no jazigo... Corre para o filho, e exclama,possudo de dor: Que fizeste, infeliz? Que queres mais, aqui? Perdeste arazo? Sai, meu filho! Eu te suplico! Eu te conjuro! Mas o filho,fitando-o com olhar desvairado, cospe-lhe no rosto, e, sem dizer palavra,arranca da espada de duplo fio... Seu pai recua, e pe-se a salvo; eleno o atingiu! Ento, o desgraado volta contra si mesmo sua raiva, ecom os braos estendidos, firma o gume da espada no prprio peito,crava-a com furor; e, respirando em arrancos de agonia, abraa-se aocorpo da donzela, para logo em seguida exalar o ltimo alento, com osangue, que, impetuoso, alcana as faces plidas da jovem. Morto,

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    enfim, foi estendido ao lado de sua noiva morta; e no Hades que oinfeliz casal ter tido as suas bodas... Triste exemplo para os humanos, vista dos males que a impiedade pode causar, mesmo aos reis!

    EURDICEentra no palcio. Momento de silncio.

    O CORIFEU

    Que devemos pensar? A rainha voltou a seus aposentos semproferir uma s palavra... favorvel ou funesta!

    O MENSAGEIRO

    Tambm eu estou surpreendido... Suponho que, tendo ouvido a

    notcia da morte do filho, ela no julgue decoroso lamentar-se diante detoda a cidade; e, no interior de seu lar, cercada de suas servas, queela vai chorar o golpe que sofreu. Ela tem-se mostrado bastanteajuizada para no cometer uma inconvenincia.

    O CORIFEU

    No sei... um silncio profundo me parece to perigoso comograndes lamentaes inteis...

    O MENSAGEIRO

    Saberemos, j, entrando no palcio, se ela oculta algum desgnioem seu corao angustiado. Tu tens razo: um silncio profundo temqualquer coisa de ameaador.

    O CORO

    Eis que volta o rei, em pessoa... em seus braos ele traz a provaevidente, se assim posso dizer, de que esta desgraa no lhe veio deoutros, mas, sim, de sua prpria culpa.

    EntraCREONTE,comHMONnos braos

    CREONTE

    Erros de minha insensatez! Obstinao fatal! Vede... na mesmafamlia, vtimas e assassinos! sorte desgraada! Meu pobre filho!

    Jovem, sucumbiste por uma morte to triste... perdeste a vida no por

    tua culpa, mas pela minha!

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    O CORIFEU

    Oh! Agora tarde! Parece-me que o que ests vendo, a justiados deuses!

    CREONTE

    Ai de mim, agora sei que sou um desgraado! Sobre mimpaira um deus vingador que me feriu! Ele me arrasta por uma via desofrimentos cruis... ele destruiu toda a alegria de minha vida! esforos inteis dos homens!

    Entra umMENSAGEIROque vem do palcio

    O MENSAGEIRO

    Senhor! Que desgraas caem sobre ti! De uma tens a prova emteus braos... as outras esto no teu palcio... creio que tu deves ver!

    CREONTE

    Que mais me poder acontecer? Poder haver desgraa maior doque a fatalidade que me persegue?

    O MENSAGEIRO

    Tua esposa acaba de morrer... a me que tanto amava este infelizjovem... Ela feriu-se voluntariamente, para deixar a vida.

    CREONTE

    Hades, que a todos ns esperas, Hades que no perdoas, nem tecomoves... dize: por que, por que me esmagas por essa forma?Mensageiro das desgraas, que novas desgraas me vens anunciar? Aide mim! Eu j estava morto, e tu me deste mais um golpe ainda... Quedizeis, amigos? Quem essa criatura... essa mulher... que vejo cada aolado do outro morto?

    Abre-se a porta: aparece o corpo deEURDICE

    O CORIFEU

    Tu podes v-la, agora. Ei-la a.

    CREONTE

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    Sim... eu vejo... este outro objeto de minha dor... Que destino mepode esperar ainda? No momento em que tenho nos braos meu filhomorto, apresentam-me ante os olhos este corpo... me infeliz! meufilho!

    O MENSAGEIRO

    Ela se feriu, com agudo punhal, junto ao altar dos Lares, e cerrouos olhos depois de haver lamentado a perda de seu filho Megareu, e a deHmon, e depois de ter pedido que todas as desgraas recaiam sobre ti,que foste o assassino de seu filho!

    CREONTE

    O horror me pe fora de mim... Por que no me feriram j, comuma espada bem cortante? Vejo-me desgraado, e de todos os ladosnovas desgraas caem sobre mim!

    O MENSAGEIRO

    Ela, ao morrer, acusou-te, rei, de teres sido culpado da morte deseus dois filhos!(28)

    CREONTE

    Mas como se feriu ela?

    O MENSAGEIRO

    Fez um profundo golpe no fgado, ao saber da morte de Hmon.

    CREONTE

    Ai de mim! De tanta infelicidade, eu bem sei que sou o autor, nempoderiam elas nunca ser atribudas a outro. Fui eu, eu somente, eu,este miservel, que os matei... Servos... levai-me depressa... levai-mepara longe... eu no vivo mais!... eu estou esmagado!

    O CORO

    O que tu pedes seria um bem, se pudesse haver algum bem paraquem assim tanto sofre... Mas... dos males que tenhamos de suportar,os mais curtos so os melhores.

    CREONTE

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    Que venha!... que venha! que aparea j a mais bela... a ltimadas mortes que eu causei... a que me h-de levar... no meu derradeirodia... que ela venha! Que venha j! Eu no quero... eu no quero verclarear outro dia.

    O CORO

    Oh! Mas isto j o futuro!... Pensemos no presente, rei! Quecuidem do futuro os que no futuro viverem.

    CREONTE

    Tudo o que eu quero est resumido nesta splica!... Ouvi!

    O CORO

    No formules desejos... No lcito aos mortais evitar asdesgraas que o destino lhes reserva!

    FIM

    Notas

    * A traduo, aqui, como no volume XXII da ClssicosJackson, atribuda a J.B. de Mello e Souza, autor do Prefcio e dasnotas introdutrias s tragdias de squilo, Sfocles e Eurpides quefiguram no volume. No sei se, por razes editoriais, atribuiu-se aoemrito professor, por seu renome, a traduo de todo o volume, em vezde atribuir-lhe a organizao do mesmo. o que se depreende das

    palavras do prprio Joo Baptista de Mello e Souza no Prefcio:

    Tais consideraes justificam, saciedade, a preferncia dada,na elaborao do presente volume, s tradues em prosa de algumastragdias entre as mais famosas do teatro ateniense. Por exceoinsere-seapenas uma em verso solto (oHiplito, de Eurpides), completando-sedestarte a srie agora apresentada com um trabalho antigo,de tradutorportugus desconhecido, que venceu com certa galhardia as dificuldadesdo empreendimento. [g.n.]

    O professor Joo Baptista de Mello e Souza foi, por anos,professor de histria no Colgio Mello e Souza e marcou geraes com

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    seus ensinamentos. de Afonso Arinos, em suasMemrias, estetestemunho sobre a importncia que teve em sua formao as aulas porele dadas: A matria que mais me encantava era a Histria do Brasil,dada pelo mesmo (J.B. Mello e Souza).; Creio que toda a minha

    inclinao posterior pelos estudos histricos data desse fecundoaprendizado inicial. (ap. Alberto Venancio Filho, A HistoriografiaRepublicana: A contribuio de Afonso Arinos, in Estudos Histricos,Rio de Janeiro, vol. 3, n. 6, 1990, p.151-160.) [NE]

    (1) Belo, para mim, que em seguida morra... diz o original grego.

    (2) Infeliz, tremo por tua causa seria mais literal.

    (3) Belo emprego de anttese, a cujo respeito se tem lembrado, como

    afluncia longnqua de Sfocles, o conhecido verso de Racine: Ainsi jebrle en vain, pour une me glace...

    (*) Onde se l calefrios calefrios mesmo e no erro de digitalizaoou reviso. Calefrio, forma antiga e popular de calafrio. [NE]

    (4) Nas tragdias Ajax, Antgone e Electra era de praxe iniciar-sea cena ao romper da manh, para que a ode do coro fosse realmentedirigida ao verdadeiro sol.

    (5) Dirceu, ou Dirc, era o rio que fornecia gua a Tebas.

    (6) Estes versos, e as estrofes seguintes referem-se ao exrcito deArgos, com o qual Adrasto foi intervir na luta civil tebana, em favor dePolinice. Vencido, o rei argivo foi obrigado a recuar.

    (7) Tal mxima atribuda a Bias: O exerccio do poder pe o homema prova.

    (8) Os interpretadores da Antgone discordam quanto intelignciadessa frase de Creonte. A opinio mais aceitvel, porm, a que conferecerto azedume expresso desde algum tempo, que o corifeu j haviaempregado, e o rei, intencionalmente, repete.

    (9) A forma: Esta minha linguagem clara! seria mais prximado texto grego, e os escoliastas a adotam; mas no d tanta fora expresso, como a forma interrogativa-negativa.

    (10) Antgone invoca a Dik ou a Justia.

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    (11) Nesta passagem esto contidos, na opinio dos mais abalizadosinterpretadores, os mais belos versos que Sfocles produziu em sualonga carreira. O prolongado silncio em que se manteve a herona

    concorre para a impresso causada por esta fala, na qual afronta,destemerosa, a clera do rei.

    (12) Digna de nota a semelhana que este passo de Sfoclesapresenta com a clebre inscrio cuja interpretao exata tem sidoobjeto de estudo e debate entre os que possuem lio dos clssicos: A

    vida, que sempre morre, que se perde em que se perca? A supresso daprimeira vrgula alteraria o sentido. A mesma idia se encontra numaestrofe de Omar Khayym.

    (13) Designa Creonte por Jpiter protetor do lar todos quantos, comele, prestavam culto no altar domstico, isto : toda a famlia. foroso,na traduo do grego, empregar a palavralarpara exprimir a casa e afamlia que nela se abriga, e no os antepassados (os deuses Lares).

    (14) Lindo, este verso de Sfocles, muito imitado mais tarde.

    (15) Sfocles usa aqui de uma metfora que se traduzirialiteralmente: Outras tm, tambm, um campo cultivvel.

    (16) Parece realmente estranha esta passiva obedincia de Hmon,quando a comparamos enrgica atitude que vai assumir logo depois,esperando apenas que o pai termine sua longa parlenda. Sofreqentes, nas tragdias de Sfocles, estas bruscas mutaes no com-portamento das personagens, determinando lances imprevisveis.

    (17) Hmon refere-se sua prpria morte; mas assim no entendeCreonte, que v nessa rplica uma ameaa.

    (18) Quando um criminoso era condenado a morrer enterrado vivo,mandava a tradio que lhe pusessem alimento bastante para um dia,com o que se evitava um sacrilgio.

    (19) No original esta invocao dirigida a Eros, o deus do Amor(Cupido para os latinos). Esta passagem de Sfocles, inmeras vezesimitada, lembra-nos o verso camoniano: Tu, s tu, puro amor, com foracrua...

    (20) Antgone refere-se a Nobe, cuja lenda contada por Homero na

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    Ilada, (Canto XXIV) Nobe, esposa de Anfion, rei de Tebas, ufanava-sepor ser me de quatorze filhos, ao passo que Latona s tivera dois, osdeuses Apoio e Diana. Estes, irritados pela ofensa feita a sua me,mataram os quatorze filhos da infeliz rainha, a flechadas, enquanto se

    divertiam com jogos e corridas. Louca de dor, Nobe transformou-senuma esttua de pedra, eternamente laerimejante. Pausnias declarater visto no Spilo, o bloco de pedra, que, de longe, d a impresso exatade uma mulher em pranto.

    (21) Alude Antgone ao casamento de Polinice com a filha de Adrasto,rei de Argos, que se disps a auxiliar o genro na guerra de Tebas, e foiinfeliz.

    (22) Na entrada do Mar Negro.

    (23) Refere-se o poeta a uma Clepatra, mitolgica, filha de Breas,que se casou com Fineu, rei de Salmids. Fineu abandonou-a, paradesposar outra mulher. Esta hedionda madrasta, vendo os enteadoschorarem a ausncia da me, arrancou-lhes os olhos, e deixou-os numacaverna. Sfocles tirou dessa lenda o assunto de sua tragdiaFineu,uma das muitas que se perderam.

    (24) Tirsias anuncia a segunda guerra de Tebas, denominada a

    guerra dos Epgonos.

    (25) Evidente a ironia de Tirsias, usando da mesma expresso queCreonte havia empregado anteriormente.

    (26) Conforme a mitologia Baco era filho de Jpiter e Semele,princesa tebana, filha de Cadmo.

    (27) Hecatia, a deusa que protegia as estradas, e os tmulos que

    nelas houvesse, era esposa de Pluto.

    (28) Segundo a lenda citada nasFencias, de Eurpedes, Tirsias teriadito a Creonte que s reinaria, vitorioso, em Tebas, se sacrificasse seufilho Megareu. Creonte no queria tal sacrifcio; mas, por sua prpria

    vontade, ou por acidente, o jovem morreu nas fortalezas da cidade.Como se v, Eurdice considerou o marido culpado tambm por estamorte.

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