Antônio Chibante - Travessa.com.br · 13 A despedida de Fernando Pessoa cabeça, porque só os que...

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tinta negra A DESPEDIDA DE FERNANDO PESSOA Antônio Chibante Est2_DespedidaFP.indd 3 20/04/15 10:46 A DESPEDIDA FERNANDO PESSO D DIDA PESS

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  • tintanegra

    A DESPEDIDA DEFERNANDO PESSOA

    Antônio Chibante

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    A DESPEDIDA DEFERNANDO PESSOAFERNANDO PESSOA

    A DESPEDIDA DEA DESPEDIDA DEFERNANDO PESSOA

  • Copyright © 2015 de texto by Antônio ChibateCopyright © 2015 desta edição by Tinta Negra Bazar Editorial

    Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 1o de janeiro de 2009

    Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem a expressa anuência da editora.

    Coordenação editorial: Laura van BoekelEditoras assistentes: Lourdes Vieira e Mariana LimaEditora assistente (arte): Claudia OliveiraCapa, Projeto gráfico e diagramaçã: Aline Haluch | Studio Creamcrackers

    (marca da Gráfica Editora Stamppa Ltda.)Rua João Santana, 44| RamosRio de Janeiro - RJ | 21031-060Tel.: (21) 2209-1850www.tintanegraeditorial.com.brPrinted in Brazil/Impresso no Brasil

    CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    C459d

    Chibante, Antonio, 1943-A despedida de Fernando Pessoa / Antônio Chibante. – 1. ed. – Rio de Janeiro : Tinta Negra, 2015.128 p.: il.; 21 cm. ISBN 978-85-63876-66-9 1. Pessoa, Fernando, 1888-1935 - Literatura. 2. Novela brasileira. I. Título.

    15-21347 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3

    tintanegra

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    Capa, Projeto gráfico e diagramaçã: Aline Haluch | Studio Creamcrackers

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    Chibante, Antonio, 1943-A despedida de Fernando Pessoa / Antônio Chibante. – 1. ed. – Rio de Janeiro : Tinta Negra, 2015.

    Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem a expressa anuência da editora.

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    Chibante, Antonio, 1943- Chibante, Antonio, 1943-A despedida de Fernando Pessoa / Antônio Chibante. A despedida de Fernando Pessoa / Antônio Chibante.

  • A Fernando Pessoa, é claro!

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    A Fernando Pessoa, é claro!A Fernando Pessoa,

  • AGRADECIMENTOS

    À Professora Cleonice Berardinelli, ícone

    do Pessoanismo, pelo incentivo recebido

    para o desenvolvimento deste livro.

    A Cecília de Castro por suas impressões no

    decorrer desta obra.

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    decorrer desta obra.

    do Pessoanismo, pelo incentivo recebido

    para o desenvolvimento deste livro.

    A Cecília de Castro por suas impressões no

    decorrer desta obra.

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  • Prefácio 11

    Introdução 12

    A morte de Fernando Pessoa 15

    O adeus de Fernando Pessoa 75

    SUMÁRIO

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    Introdução 12

    A morte de Fernando Pessoa 15

    adeus de Fernando Pessoa 75

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    PREFÁCIO

    Não sei a quem me dirija: se ao médico competente e atencioso, se ao Pessoano a quem esse me apresentou. Opto por este, estimulada pela introdução do seu precioso livro sobre o Poeta, onde encontrei, nas primeiras linhas, uma dupla definição do que ele é, pensada e escrita por al-guém – senti-o logo, com a sensibilidade de quem convive com ele há quase setenta anos – com quem será um prazer compartilhar (não um jantar fantasmal como o que reuniu Maria e Fernando1) uma boa conversa sobre o que ambos chamamos, menos intimamente, Pessoa em sua uniplurali-dade (que passe o neologismo!).

    Ninguém sentiu mais do que Fernando Pessoa, porque tinha, em si, todos os sonhos do mundo; não os da noite, mas os do dia; aqueles que rodeiam as pessoas sem que elas se deem por isso; os que tocam a alma e descansam de noi-te, para gerarem mais e mais sonhos durante o dia. Sentir é isso! Ou, melhor, é mais do que isso: é perceber! E para per-ceber tanto, só o poeta; só o que nos impregna de emoções!

    O fato é que gostei muito do livro, da sua engenhosidade, da sua capacidade de captar nosso Poeta; de escrever bem.

    Cleonice Berardinelli

    1 Nota da editora: alusão ao livro Um jantar com Fernando Pessoa, também de Antônio Chibante.

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    compartilhar (não um jantar fantasmal como o que reuniu Maria e Fernando1) uma boa conversa sobre o que ambos chamamos, menos intimamente, Pessoa em sua unipluralidade (que passe o neologismo!).

    Ninguém sentiu mais do que Fernando Pessoa, porque tinha, em si, todos os sonhos do mundo; não os da noite, mas os do dia; aqueles que rodeiam as pessoas sem que elas se deem por isso; os que tocam a alma e descansam de noi-te, para gerarem mais e mais sonhos durante o dia. Sentir é isso! Ou, melhor, é mais do que isso: é perceber! E para per-ceber tanto, só o poeta; só o que nos impregna de emoções!

    O fato é que gostei muito do livro, da sua engenhosidade,

    Opto por este, estimulada pela introdução do seu precioso livro sobre o Poeta, onde encontrei, nas primeiras linhas, uma dupla definição do que ele é, pensada e escrita por alguém – senti-o logo, com a sensibilidade de quem convive com ele há quase setenta anos – com quem será um prazer compartilhar (não um jantar fantasmal como o que reuniu

    ) uma boa conversa sobre o que ambos -

    compartilhar (não um jantar fantasmal como o que reuniu ) uma boa conversa sobre o que ambos

    chamamos, menos intimamente, Pessoa em sua uniplurali-

    Ninguém sentiu mais do que Fernando Pessoa, porque tinha, em si, todos os sonhos do mundo; não os da noite, mas os do dia; aqueles que rodeiam as pessoas sem que elas se deem por isso; os que tocam a alma e descansam de noi

    tinha, em si, todos os sonhos do mundo; não os da noite, mas os do dia; aqueles que rodeiam as pessoas sem que elas se deem por isso; os que tocam a alma e descansam de noi

    tinha, em si, todos os sonhos do mundo; não os da noite, mas os do dia; aqueles que rodeiam as pessoas sem que elas se deem por isso; os que tocam a alma e descansam de noi

    tinha, em si, todos os sonhos do mundo; não os da noite, mas os do dia; aqueles que rodeiam as pessoas sem que elas se deem por isso; os que tocam a alma e descansam de noi

    tinha, em si, todos os sonhos do mundo; não os da noite, mas os do dia; aqueles que rodeiam as pessoas sem que elas se deem por isso; os que tocam a alma e descansam de noite, para gerarem mais e mais sonhos durante o dia. Sentir é isso! Ou, melhor, é mais do que isso: é perceber! E para perceber tanto, só o poeta; só o que nos impregna de emoções!

    te, para gerarem mais e mais sonhos durante o dia. Sentir é isso! Ou, melhor, é mais do que isso: é perceber! E para perceber tanto, só o poeta; só o que nos impregna de emoções!

    te, para gerarem mais e mais sonhos durante o dia. Sentir é isso! Ou, melhor, é mais do que isso: é perceber! E para perceber tanto, só o poeta; só o que nos impregna de emoções!

    te, para gerarem mais e mais sonhos durante o dia. Sentir é isso! Ou, melhor, é mais do que isso: é perceber! E para perceber tanto, só o poeta; só o que nos impregna de emoções!

    te, para gerarem mais e mais sonhos durante o dia. Sentir é isso! Ou, melhor, é mais do que isso: é perceber! E para perceber tanto, só o poeta; só o que nos impregna de emoções!

  • 12A

    ntônio Chibante

    INTRODUÇÃO

    Fernando Pessoa, dentro da sua pluralidade, tornou-se único; singular. Era todos e tudo disfarçados num só. Assim sendo, o que importa é o tipo de pessoa que ele era e não o número de pessoas que ele foi. Para tanto era preciso – além de navegar – perceber, ao sentir, o que a maior parte das pessoas sente e não percebe. Cada dia foi, para Pessoa, um sofrimento anunciado; um adeus sem cais; uma lágri-ma sem direito aos olhos. Por isso, chorava para dentro; por isso, foi preciso criar uma plateia de heterônimos que lhe secasse as lágrimas; por isso, como qualquer ser humano, foi preciso morrer; só que de todas as maneiras. Seus gritos eram as palavras; seus soluços, as noites; sua vida, o ter que assim ser: desassossegado. Seu estilo era viver de sonhos; e morrer nos sonhos, sua natureza.

    A despedida de Fernando Pessoa envolve uma com-posição ficcional abordando sua morte e o adeus. No seu desdobramento houve sempre a preocupação de mostrá-lo conforme suas biografias bem o relatam e de acrescentar, de um modo mais particular, a dor de Fernando Pessoa; dor essa que o imortalizou! No decorrer do livro sua vida é re-tratada, sutilmente, conforme de fato transcorreu, de modo que o leitor não só se familiarizará com ela, mas, em espe-cial, com seu estilo.

    Morrer e despedir-se depois deve ter passado pela sua

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    ma sem direito aos olhos. Por isso, chorava para dentro; por isso, foi preciso criar uma plateia de heterônimos que lhe secasse as lágrimas; por isso, como qualquer ser humano, foi preciso morrer; só que de todas as maneiras. Seus gritos eram as palavras; seus soluços, as noites; sua vida, o ter que assim ser: desassossegado. Seu estilo era viver de sonhos; e morrer nos sonhos, sua natureza.

    A despedida de Fernando Pessoa envolve uma composição ficcional abordando sua morte e o adeus. No seu desdobramento houve sempre a preocupação de mostrá-lo conforme suas biografias bem o relatam e de acrescentar, de um modo mais particular, a dor de Fernando Pessoa; dor

    Assim sendo, o que importa é o tipo de pessoa que ele era e não o número de pessoas que ele foi. Para tanto era preciso – além de navegar – perceber, ao sentir, o que a maior parte das pessoas sente e não percebe. Cada dia foi, para Pessoa, um sofrimento anunciado; um adeus sem cais; uma lágrima sem direito aos olhos. Por isso, chorava para dentro; por isso, foi preciso criar uma plateia de heterônimos que lhe secasse as lágrimas; por isso, como qualquer ser humano,

    ma sem direito aos olhos. Por isso, chorava para dentro; por isso, foi preciso criar uma plateia de heterônimos que lhe secasse as lágrimas; por isso, como qualquer ser humano, foi preciso morrer; só que de todas as maneiras. Seus gritos eram as palavras; seus soluços, as noites; sua vida, o ter que assim ser: desassossegado. Seu estilo era viver de sonhos; e morrer nos sonhos, sua natureza.

    A despedida de Fernando Pessoa

    assim ser: desassossegado. Seu estilo era viver de sonhos; e morrer nos sonhos, sua natureza.

    A despedida de Fernando Pessoa

    assim ser: desassossegado. Seu estilo era viver de sonhos; e morrer nos sonhos, sua natureza.

    A despedida de Fernando Pessoa

    assim ser: desassossegado. Seu estilo era viver de sonhos; e

    envolve uma com

    assim ser: desassossegado. Seu estilo era viver de sonhos; e

    envolve uma composição ficcional abordando sua morte e o adeus. No seu desdobramento houve sempre a preocupação de mostrá-lo conforme suas biografias bem o relatam e de acrescentar,

    posição ficcional abordando sua morte e o adeus. No seu desdobramento houve sempre a preocupação de mostrá-lo conforme suas biografias bem o relatam e de acrescentar,

    posição ficcional abordando sua morte e o adeus. No seu desdobramento houve sempre a preocupação de mostrá-lo conforme suas biografias bem o relatam e de acrescentar,

    posição ficcional abordando sua morte e o adeus. No seu desdobramento houve sempre a preocupação de mostrá-lo conforme suas biografias bem o relatam e de acrescentar,

    posição ficcional abordando sua morte e o adeus. No seu desdobramento houve sempre a preocupação de mostrá-lo conforme suas biografias bem o relatam e de acrescentar,

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    cabeça, porque só os que nunca morrem é que podem do-minar o tempo. Assim, o fez Pessoa.

    A despedida de Fernando Pessoa é um convite ao leitor a viajar com o grande poeta até Antares, atravessando e sen-tindo, com ele, um universo maior; muito maior do que o nosso, até por que “Sentir; sinta quem lê!”.

    Antônio Chibante

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    tindo, com ele, um universo maior; muito maior do que o Sentir; sinta quem lê!”.

    Antônio Chibante

  • O POETA NÃO MORRE, FICA NAS PA�VRAS!

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    O POETA NÃO MORRE, FICA NAS PA�VRAS!

  • A MORTE DE FERNANDO PESSOA

    “Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços

    E chama-me de filho... eu sou rei

    Que voluntariamente abandonei

    O meu trono de sonhos e cansaços.”

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    “Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços

    E chama-me de filho... eu sou rei

    Que voluntariamente abandonei

    O meu trono de sonhos e cansaços.”

    E chama-me de filho... eu sou rei

    Que voluntariamente abandonei

    “Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços

    E chama-me de filho... eu sou rei

    Que voluntariamente abandonei

    E chama-me de filho... eu sou rei

    Que voluntariamente abandonei

    “Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços

    E chama-me de filho... eu sou rei

    Que voluntariamente abandonei

    O meu trono de sonhos e cansaços.”O meu trono de sonhos e cansaços.”O meu trono de sonhos e cansaços.”O meu trono de sonhos e cansaços.”

  • 16A

    ntônio Chibante

    Vinte e oito para 29 de novembro. Noite e frio. E uma insuportável dor na parte alta do abdômen. Não lhe eram estranhas as dores, porém esta era desesperadora. Não suportava mais e pediu ajuda. As náuseas eram cons-tantes e vinham em ondas, e o suor encharcava-lhe a roupa e o lençol. Apanhou os óculos e dois livros e foi levado, conforme estava, para o Hospital São Luiz dos Franceses, onde seu primo começou a tomar as providências que a situação pedia.

    – Defesa abdominal importante! – Foi assim que o Dr. Jaime Neves, de testa franzida, se referiu nas primeiras in-cursões semiológicas. Tentou abordar o Sinal de Murphy, mas Pessoa não permitiu; as dores eram insuportáveis ao mínimo toque.

    A seu lado, o Dr. Carvalho constatou taquicardia e ní-veis de pressão mais baixos. Novas e cuidadosas incursões demonstraram distensão abdominal, sudorese fria e fácies de sofrimento agudo, com gotas de suor na testa. Evitava deitar-se de costas e a dor parecia irradiar-se para trás. Um certo grau de sofrimento respiratório poderia ser percebido e o Dr. Neves olhou e depois espremeu-lhe a ponta de um dos indicadores; preferiu o esquerdo, sem marcas dos habi-tuais 80 cigarros, e observou a tonalidade da circulação. A respiração era curta e rápida e não exalava sinais de álcool recente enquanto seu rosto, desolado, apresentava uma cor cérea. Pessoa preferia ficar de olhos fechados e reagia aos in-

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    – Defesa abdominal importante! – Foi assim que o Dr. Jaime Neves, de testa franzida, se referiu nas primeiras incursões semiológicas. Tentou abordar o Sinal de Murphy, mas Pessoa não permitiu; as dores eram insuportáveis ao mínimo toque.

    A seu lado, o Dr. Carvalho constatou taquicardia e níveis de pressão mais baixos. Novas e cuidadosas incursões demonstraram distensão abdominal, sudorese fria e fácies de sofrimento agudo, com gotas de suor na testa. Evitava deitar-se de costas e a dor parecia irradiar-se para trás. Um certo grau de sofrimento respiratório poderia ser percebido e o Dr. Neves olhou e depois espremeu-lhe a ponta de um

    tantes e vinham em ondas, e o suor encharcava-lhe a roupa e o lençol. Apanhou os óculos e dois livros e foi levado, conforme estava, para o Hospital São Luiz dos Franceses, onde seu primo começou a tomar as providências que a

    Defesa abdominal importante! – Foi assim que o Dr. Jaime Neves, de testa franzida, se referiu nas primeiras incursões semiológicas. Tentou abordar o Sinal de Murphy,

    Defesa abdominal importante! – Foi assim que o Dr. Jaime Neves, de testa franzida, se referiu nas primeiras incursões semiológicas. Tentou abordar o Sinal de Murphy, mas Pessoa não permitiu; as dores eram insuportáveis ao

    A seu lado, o Dr. Carvalho constatou taquicardia e níveis de pressão mais baixos. Novas e cuidadosas incursões demonstraram distensão abdominal, sudorese fria e fácies

    A seu lado, o Dr. Carvalho constatou taquicardia e níveis de pressão mais baixos. Novas e cuidadosas incursões demonstraram distensão abdominal, sudorese fria e fácies

    A seu lado, o Dr. Carvalho constatou taquicardia e níveis de pressão mais baixos. Novas e cuidadosas incursões demonstraram distensão abdominal, sudorese fria e fácies

    A seu lado, o Dr. Carvalho constatou taquicardia e níveis de pressão mais baixos. Novas e cuidadosas incursões demonstraram distensão abdominal, sudorese fria e fácies

    A seu lado, o Dr. Carvalho constatou taquicardia e níveis de pressão mais baixos. Novas e cuidadosas incursões demonstraram distensão abdominal, sudorese fria e fácies

    deitar-se de costas e a dor parecia irradiar-se para trás. Um certo grau de sofrimento respiratório poderia ser percebido deitar-se de costas e a dor parecia irradiar-se para trás. Um certo grau de sofrimento respiratório poderia ser percebido e o Dr. Neves olhou e depois espremeu-lhe a ponta de um

    deitar-se de costas e a dor parecia irradiar-se para trás. Um certo grau de sofrimento respiratório poderia ser percebido e o Dr. Neves olhou e depois espremeu-lhe a ponta de um

    deitar-se de costas e a dor parecia irradiar-se para trás. Um certo grau de sofrimento respiratório poderia ser percebido deitar-se de costas e a dor parecia irradiar-se para trás. Um certo grau de sofrimento respiratório poderia ser percebido e o Dr. Neves olhou e depois espremeu-lhe a ponta de um

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    termitentes surtos de soluços. Não estava tão anêmico nem se percebia qualquer tipo, chamativo, de icterícia.

    Foi colhido sangue para análise, e um frasco de soro foi inoculado em uma das veias do antebraço. Devem ter-lhe aplicado metilmelubrina, ou outro analgésico para alívio de seus sintomas, enquanto a morfina aguardava por perto.

    Precisava de um banho, mas não havia condições de ma-nuseá-lo; o repouso absoluto era fundamental. Algumas ho-ras após, levemente aliviado, Pessoa acalmava-se e sentia-se um farrapo; um farrapo úmido, num ambiente impregnado de um cheiro forte de suor. Pigarreava, como de hábito, só que, agora, mais. Talvez por causa de um constante refluxo que nunca o abandonara. E sua voz, volta e meia, mudava de tom.

    Uma enfermeira nervosa colocava-lhe compressas úmi-das na fronte, e o poeta começava a respirar melhor. Queria passar pelo sono, mas a dor não o permitia, e a tosse, agora, vinha-lhe mais amiúde, perturbando-lhe o alívio. Continua-va nauseado, mas não chegava a vomitar. Por vezes achava que se ficasse em pé talvez melhorasse, mas não tinha forças para isso. Estava esgotado.

    O silêncio tornou-se mais presente, apesar das inter-rupções periódicas de seu primo e das enfermeiras, que balbuciavam palavras incompreensíveis para ele. Com os óculos na mesinha de cabeceira, seu olhar de míope se fe-chava cada vez mais e resolveu aguardar. Uma outra injeção

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    um farrapo; um farrapo úmido, num ambiente impregnado de um cheiro forte de suor. Pigarreava, como de hábito, só que, agora, mais. Talvez por causa de um constante refluxo que nunca o abandonara. E sua voz, volta e meia, mudava

    Uma enfermeira nervosa colocava-lhe compressas úmi-das na fronte, e o poeta começava a respirar melhor. Queria passar pelo sono, mas a dor não o permitia, e a tosse, agora, vinha-lhe mais amiúde, perturbando-lhe o alívio. Continua-va nauseado, mas não chegava a vomitar. Por vezes achava que se ficasse em pé talvez melhorasse, mas não tinha forças para isso. Estava esgotado.

    aplicado metilmelubrina, ou outro analgésico para alívio de seus sintomas, enquanto a morfina aguardava por perto.

    Precisava de um banho, mas não havia condições de manuseá-lo; o repouso absoluto era fundamental. Algumas horas após, levemente aliviado, Pessoa acalmava-se e sentia-se um farrapo; um farrapo úmido, num ambiente impregnado de um cheiro forte de suor. Pigarreava, como de hábito, só que, agora, mais. Talvez por causa de um constante refluxo

    um farrapo; um farrapo úmido, num ambiente impregnado de um cheiro forte de suor. Pigarreava, como de hábito, só que, agora, mais. Talvez por causa de um constante refluxo que nunca o abandonara. E sua voz, volta e meia, mudava

    Uma enfermeira nervosa colocava-lhe compressas úmidas na fronte, e o poeta começava a respirar melhor. Queria passar pelo sono, mas a dor não o permitia, e a tosse, agora,

    Uma enfermeira nervosa colocava-lhe compressas úmidas na fronte, e o poeta começava a respirar melhor. Queria passar pelo sono, mas a dor não o permitia, e a tosse, agora,

    Uma enfermeira nervosa colocava-lhe compressas úmidas na fronte, e o poeta começava a respirar melhor. Queria passar pelo sono, mas a dor não o permitia, e a tosse, agora,

    Uma enfermeira nervosa colocava-lhe compressas úmidas na fronte, e o poeta começava a respirar melhor. Queria passar pelo sono, mas a dor não o permitia, e a tosse, agora,

    Uma enfermeira nervosa colocava-lhe compressas úmidas na fronte, e o poeta começava a respirar melhor. Queria passar pelo sono, mas a dor não o permitia, e a tosse, agora,

    va nauseado, mas não chegava a vomitar. Por vezes achava que se ficasse em pé talvez melhorasse, mas não tinha forças va nauseado, mas não chegava a vomitar. Por vezes achava que se ficasse em pé talvez melhorasse, mas não tinha forças va nauseado, mas não chegava a vomitar. Por vezes achava que se ficasse em pé talvez melhorasse, mas não tinha forças va nauseado, mas não chegava a vomitar. Por vezes achava que se ficasse em pé talvez melhorasse, mas não tinha forças va nauseado, mas não chegava a vomitar. Por vezes achava que se ficasse em pé talvez melhorasse, mas não tinha forças

  • 18A

    ntônio Chibante

    praticamente roubou-lhe parte da cognição e percebeu que talvez entrasse no sono.

    Foi uma noite de inquietação contida pela dor a cada mo-vimento descuidado. Acordava e dormia, ou algo como tal, e as enfermeiras revezavam-se na tarefa do termômetro, do pulso e das compressas. Sentia as artérias a baterem aceleradas no pescoço. Não se lembrava de ter ouvido seu primo falar em cirurgia e não sabia se isso seria bom ou mau. Evitava tocar a própria barriga e volta e meia suas mãos se crispavam. Ophé-lia veio-lhe à lembrança: “se eu pudesse dar-te saúde e evitar-te tudo quanto te prejudique, nunca te sucederia nada desagra-dável; mas não posso...”. Dissera-lhe uns 15 anos antes, e como ela agora lhe fazia falta... Estava tão só; tão abandonado! Sua irmã em Cascais, de perna quebrada, e... mais ninguém.

    Sabia que o álcool lhe pregaria uma peça, mas nunca imaginara que fosse de tal tamanho. Preferia fingir que sen-tia dor, em vez de, deveras, senti-la tão completamente. Mas estava escrito. Fora ele mesmo quem escrevera... Era preciso ser poeta até o fim; qualquer que fosse a dimensão da dor, ou do tempo que lhe restasse.

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    lia veio-lhe à lembrança: “se eu pudesse dar-te saúde e evitar-te tudo quanto te prejudique, nunca te sucederia nada desagradável; mas não posso...”. Dissera-lhe uns 15 anos antes, e como ela agora lhe fazia falta... Estava tão só; tão abandonado! Sua irmã em Cascais, de perna quebrada, e... mais ninguém.

    Sabia que o álcool lhe pregaria uma peça, mas nunca imaginara que fosse de tal tamanho. Preferia fingir que sentia dor, em vez de, deveras, senti-la tão completamente. Mas estava escrito. Fora ele mesmo quem escrevera... Era preciso ser poeta até o fim; qualquer que fosse a dimensão da dor, ou do tempo que lhe restasse.

    enfermeiras revezavam-se na tarefa do termômetro, do pulso e das compressas. Sentia as artérias a baterem aceleradas no pescoço. Não se lembrava de ter ouvido seu primo falar em cirurgia e não sabia se isso seria bom ou mau. Evitava tocar a própria barriga e volta e meia suas mãos se crispavam. Ophélia veio-lhe à lembrança: “se eu pudesse dar-te saúde e evitar-te tudo quanto te prejudique, nunca te sucederia nada desagradável; mas não posso...”. Dissera-lhe uns 15 anos antes, e como

    lia veio-lhe à lembrança: “se eu pudesse dar-te saúde e evitar-te tudo quanto te prejudique, nunca te sucederia nada desagradável; mas não posso...”. Dissera-lhe uns 15 anos antes, e como ela agora lhe fazia falta... Estava tão só; tão abandonado! Sua irmã em Cascais, de perna quebrada, e... mais ninguém.

    Sabia que o álcool lhe pregaria uma peça, mas nunca imaginara que fosse de tal tamanho. Preferia fingir que sentia dor, em vez de, deveras, senti-la tão completamente. Mas

    Sabia que o álcool lhe pregaria uma peça, mas nunca imaginara que fosse de tal tamanho. Preferia fingir que sentia dor, em vez de, deveras, senti-la tão completamente. Mas

    Sabia que o álcool lhe pregaria uma peça, mas nunca imaginara que fosse de tal tamanho. Preferia fingir que sentia dor, em vez de, deveras, senti-la tão completamente. Mas

    Sabia que o álcool lhe pregaria uma peça, mas nunca imaginara que fosse de tal tamanho. Preferia fingir que sentia dor, em vez de, deveras, senti-la tão completamente. Mas

    Sabia que o álcool lhe pregaria uma peça, mas nunca imaginara que fosse de tal tamanho. Preferia fingir que sentia dor, em vez de, deveras, senti-la tão completamente. Mas

    ser poeta até o fim; qualquer que fosse a dimensão da dor, ou do tempo que lhe restasse.ser poeta até o fim; qualquer que fosse a dimensão da dor, ou do tempo que lhe restasse.ser poeta até o fim; qualquer que fosse a dimensão da dor, ser poeta até o fim; qualquer que fosse a dimensão da dor, ser poeta até o fim; qualquer que fosse a dimensão da dor,

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    O dia raiou, e Pessoa com menos dor e menos controle de si e de seus movimentos. Era uma mistura de le-targia e sensação de abandonado pelo mundo. Nada mais importava. Respondia “sim” e “não” às perguntas que lhe eram dirigidas. Por vezes desistia de responder. Lembrou-se de Álvaro de Campos e dos soldadinhos de chumbo da sua infância, na África, para logo em seguida ocorrerem-lhe as mortes do pai, da mãe e dos irmãos. E, se de fato morresse, como ficaria sua obra? E a arca, com tudo o que disse e pen-sou? Foi tomado por uma dor na alma maior do que a física e a sensação de que Deus estava sendo injusto para com ele. Mas será que ainda valia a pena acreditar Nele? Não para o agora, mas para o que haveria de vir?

    O Dr. Jaime Neves entrou, esboçou um sorriso e segu-rou-lhe o pulso, demoradamente. Ficou algum tempo ca-lado e disfarçou dizendo-lhe que estava tudo sob controle. Fernando percebeu o disfarce e fingiu que acreditou. As coi-sas pouco lhe importavam.

    A um sinal, a enfermeira abriu algo mais as cortinas e o médico puxou-lhe uma das pálpebras para baixo. Estava pálida e ela, de fisionomia contraída, olhou para o Dr. Jai-me, que lhe fez um sinal. A enfermeira saiu e retornou com uma outra, preparada para novo exame de sangue. A agulha

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    infância, na África, para logo em seguida ocorrerem-lhe as mortes do pai, da mãe e dos irmãos. E, se de fato morresse, como ficaria sua obra? E a arca, com tudo o que disse e pensou? Foi tomado por uma dor na alma maior do que a física e a sensação de que Deus estava sendo injusto para com ele. Mas será que ainda valia a pena acreditar Nele? Não para o agora, mas para o que haveria de vir?

    O Dr. Jaime Neves entrou, esboçou um sorriso e segu-rou-lhe o pulso, demoradamente. Ficou algum tempo ca-lado e disfarçou dizendo-lhe que estava tudo sob controle. Fernando percebeu o disfarce e fingiu que acreditou. As coi-

    O Dr. Jaime Neves entrou, esboçou um sorriso e segu

    sas pouco lhe importavam.

    de si e de seus movimentos. Era uma mistura de letargia e sensação de abandonado pelo mundo. Nada mais importava. Respondia “sim” e “não” às perguntas que lhe eram dirigidas. Por vezes desistia de responder. Lembrou-se de Álvaro de Campos e dos soldadinhos de chumbo da sua infância, na África, para logo em seguida ocorrerem-lhe as mortes do pai, da mãe e dos irmãos. E, se de fato morresse,

    -

    infância, na África, para logo em seguida ocorrerem-lhe as mortes do pai, da mãe e dos irmãos. E, se de fato morresse, como ficaria sua obra? E a arca, com tudo o que disse e pen-sou? Foi tomado por uma dor na alma maior do que a física e a sensação de que Deus estava sendo injusto para com ele. Mas será que ainda valia a pena acreditar Nele? Não para o agora, mas para o que haveria de vir?

    O Dr. Jaime Neves entrou, esboçou um sorriso e segu

    Mas será que ainda valia a pena acreditar Nele? Não para o agora, mas para o que haveria de vir?

    O Dr. Jaime Neves entrou, esboçou um sorriso e segu

    Mas será que ainda valia a pena acreditar Nele? Não para o agora, mas para o que haveria de vir?

    O Dr. Jaime Neves entrou, esboçou um sorriso e segu

    Mas será que ainda valia a pena acreditar Nele? Não para o

    O Dr. Jaime Neves entrou, esboçou um sorriso e segu

    Mas será que ainda valia a pena acreditar Nele? Não para o

    O Dr. Jaime Neves entrou, esboçou um sorriso e segurou-lhe o pulso, demoradamente. Ficou algum tempo calado e disfarçou dizendo-lhe que estava tudo sob controle. Fernando percebeu o disfarce e fingiu que acreditou. As coi

    rou-lhe o pulso, demoradamente. Ficou algum tempo calado e disfarçou dizendo-lhe que estava tudo sob controle. Fernando percebeu o disfarce e fingiu que acreditou. As coi

    rou-lhe o pulso, demoradamente. Ficou algum tempo calado e disfarçou dizendo-lhe que estava tudo sob controle. Fernando percebeu o disfarce e fingiu que acreditou. As coi

    rou-lhe o pulso, demoradamente. Ficou algum tempo calado e disfarçou dizendo-lhe que estava tudo sob controle. Fernando percebeu o disfarce e fingiu que acreditou. As coi

    rou-lhe o pulso, demoradamente. Ficou algum tempo calado e disfarçou dizendo-lhe que estava tudo sob controle. Fernando percebeu o disfarce e fingiu que acreditou. As coi

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    ntônio Chibante

    teve dificuldade de encontrar a veia, e o poeta não reagia; começava a entrar numa melancolia profunda. Ser ou não ser passava a não lhe significar nada. Será que estaria apo-drecendo como “O Menino de Sua Mãe”? “Ah, mãe! Como me fizeste falta...”, quase lhe saiu da boca enquanto as gotas do frasco pingavam aceleradas a diluir-lhe mais o sangue.

    As horas foram passando e o poeta mantinha-se num estado de degradação clínica progressiva. Dia e noite passa-vam-lhe a ser uma coisa só.

    Silenciosamente, seu cunhado adentrou, e com fisiono-mia grave, perguntou-lhe, cuidadosamente:

    – E então, Fernando, como estás? Rouco e com as palavras a saírem-lhe com dificuldade,

    respondeu-lhe:– Mal! Estou mal, Caetano! Desta não escapo! – E ten-

    tou estender-lhe a mão como que num agradecimento por tê-lo tolerado tantos anos em sua casa.

    O cunhado emocionou-se e disse-lhe: – Força! Força! Deus é grande! Mais uma vez a palavra Deus o atingiu forte. Será que Ele

    era o protetor dos perdidos?, ocorreu-lhe. Seria seu cunha-do, com quem não desfrutava tanta intimidade, a última figura a convencê-lo de que Deus existia? E foi então que, confuso e num langor extremo, Fernando Pessoa, gnóstico cristão e maçônico, teve vontade de fazer um Sinal da Cruz, como os que se fazem nas igrejas. Com a vista embaçada

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    Silenciosamente, seu cunhado adentrou, e com fisionomia grave, perguntou-lhe, cuidadosamente:

    – E então, Fernando, como estás? Rouco e com as palavras a saírem-lhe com dificuldade,

    respondeu-lhe:– Mal! Estou mal, Caetano! Desta não escapo! – E ten

    tou estender-lhe a mão como que num agradecimento por tê-lo tolerado tantos anos em sua casa.

    O cunhado emocionou-se e disse-lhe: – Força! Força! Deus é grande! Mais uma vez a palavra Deus o atingiu forte. Será que Ele

    era o protetor dos perdidos?, ocorreu-lhe. Seria seu cunha

    me fizeste falta...”, quase lhe saiu da boca enquanto as gotas do frasco pingavam aceleradas a diluir-lhe mais o sangue.

    As horas foram passando e o poeta mantinha-se num estado de degradação clínica progressiva. Dia e noite passavam-lhe a ser uma coisa só.

    Silenciosamente, seu cunhado adentrou, e com fisionoSilenciosamente, seu cunhado adentrou, e com fisiono

    Rouco e com as palavras a saírem-lhe com dificuldade,

    Mal! Estou mal, Caetano! Desta não escapo! tou estender-lhe a mão como que num agradecimento por tê-lo tolerado tantos anos em sua casa.

    Mal! Estou mal, Caetano! Desta não escapo! tou estender-lhe a mão como que num agradecimento por tê-lo tolerado tantos anos em sua casa.

    Mal! Estou mal, Caetano! Desta não escapo! tou estender-lhe a mão como que num agradecimento por tê-lo tolerado tantos anos em sua casa.

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    era o protetor dos perdidos?, ocorreu-lhe. Seria seu cunhaMais uma vez a palavra Deus o atingiu forte. Será que Ele Mais uma vez a palavra Deus o atingiu forte. Será que Ele

    era o protetor dos perdidos?, ocorreu-lhe. Seria seu cunha

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    expressou um sorriso de agradecimento ao marido de sua irmã que não chegou a perceber sua intenção.

    Devagar e com os óculos por perto, pediu um lápis e um papel. Colocaram-lhe os óculos e como se os extremos se encontrassem, retornou a Durban da sua infância e es-creveu numa letra arrastada, mas alinhada, acompanhado por olhares de expectativa: “ I know not what tomorrow will bring.”, com ponto final. Só o cunhado decifrou; os outros, não. Tiraram-lhe o papel, o lápis e os óculos e o poeta ficou mais sossegado. Agigantava-se lhe a alma e encolhia a vida...

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    mais sossegado. Agigantava-se lhe a alma e encolhia a vida...

    se encontrassem, retornou a Durban da sua infância e escreveu numa letra arrastada, mas alinhada, acompanhado por olhares de expectativa: “ I know not what tomorrow will

    com ponto final. Só o cunhado decifrou; os outros, não. Tiraram-lhe o papel, o lápis e os óculos e o poeta ficou mais sossegado. Agigantava-se lhe a alma e encolhia a vida...mais sossegado. Agigantava-se lhe a alma e encolhia a vida...

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    ntônio Chibante

    Nos dormires e acordares, com o tempo implacável a passar, uma ciranda de imagens lhe veio à cabeça e viu-se pequeno a escrever sua primeira poesia para a mãe: “Eis-me aqui em Portugal / Nas terras onde nasci / Por mui-to que goste delas / Ainda gosto mais de ti”. Em seguida, a bordo do paquete Konig, com o corpo da irmã a enterrar em Lisboa; depois a Ibis – Tipographica e Editora – Oficinas a Vapor, lá na Conceição da Glória, perto da Praça da Alegria, onde achou que tudo o que escrevesse seria impresso ou editado. O suicídio de Sá-Carneiro, agora, lhe parecia um ato normal; afinal, de que valia não ser?...

    Pairava um silêncio e era com ele que costumava ter os melhores diálogos. Sentia-se uma fruta caída ou uma histó-ria contada e percebia-se num navio a caminho do horizon-te com um vaivém de lenços a dizerem-lhe adeus. Havia um cheiro de perdas no ar. Em determinado momento; achou que percebia uma cantiga de roda, mas não; era só um pen-samento a passar.

    Com a cortina mais fechada, vez por outra percebia vul-tos e não sabia se eram gente ou fantasmas à sua espera. Meu Deus, quem mais almejava que estivesse a seu lado naquele momento? Sua irmã, não podia; Ophélia, era passado; seus companheiros da Brazileira ou do Martinho, também não.

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    Lisboa; depois a Ibis – Tipographica e Editora – Oficinas a Vapor, lá na Conceição da Glória, perto da Praça da Alegria, Vapor, lá na Conceição da Glória, perto da Praça da Alegria, Vaporonde achou que tudo o que escrevesse seria impresso ou editado. O suicídio de Sá-Carneiro, agora, lhe parecia um ato normal; afinal, de que valia não ser?...

    Pairava um silêncio e era com ele que costumava ter os melhores diálogos. Sentia-se uma fruta caída ou uma história contada e percebia-se num navio a caminho do horizonte com um vaivém de lenços a dizerem-lhe adeus. Havia um cheiro de perdas no ar. Em determinado momento; achou que percebia uma cantiga de roda, mas não; era só um pen

    ria contada e percebia-se num navio a caminho do horizon

    samento a passar.

    passar, uma ciranda de imagens lhe veio à cabeça e viu-se pequeno a escrever sua primeira poesia para a mãe: “Eis-me aqui em Portugal / Nas terras onde nasci / Por muito que goste delas / Ainda gosto mais de ti”. Em seguida, a bordo do paquete Konig, com o corpo da irmã a enterrar em Lisboa; depois a Ibis – Tipographica e Editora – Oficinas a

    , lá na Conceição da Glória, perto da Praça da Alegria, onde achou que tudo o que escrevesse seria impresso ou

    Lisboa; depois a Ibis – Tipographica e Editora – Oficinas a , lá na Conceição da Glória, perto da Praça da Alegria,

    onde achou que tudo o que escrevesse seria impresso ou editado. O suicídio de Sá-Carneiro, agora, lhe parecia um

    Pairava um silêncio e era com ele que costumava ter os melhores diálogos. Sentia-se uma fruta caída ou uma história contada e percebia-se num navio a caminho do horizon

    Pairava um silêncio e era com ele que costumava ter os melhores diálogos. Sentia-se uma fruta caída ou uma história contada e percebia-se num navio a caminho do horizon

    Pairava um silêncio e era com ele que costumava ter os melhores diálogos. Sentia-se uma fruta caída ou uma história contada e percebia-se num navio a caminho do horizon

    Pairava um silêncio e era com ele que costumava ter os melhores diálogos. Sentia-se uma fruta caída ou uma história contada e percebia-se num navio a caminho do horizon

    Pairava um silêncio e era com ele que costumava ter os melhores diálogos. Sentia-se uma fruta caída ou uma história contada e percebia-se num navio a caminho do horizonte com um vaivém de lenços a dizerem-lhe adeus. Havia um cheiro de perdas no ar. Em determinado momento; achou que percebia uma cantiga de roda, mas não; era só um pen

    te com um vaivém de lenços a dizerem-lhe adeus. Havia um cheiro de perdas no ar. Em determinado momento; achou que percebia uma cantiga de roda, mas não; era só um pen

    te com um vaivém de lenços a dizerem-lhe adeus. Havia um cheiro de perdas no ar. Em determinado momento; achou que percebia uma cantiga de roda, mas não; era só um pen

    te com um vaivém de lenços a dizerem-lhe adeus. Havia um cheiro de perdas no ar. Em determinado momento; achou que percebia uma cantiga de roda, mas não; era só um pen

    te com um vaivém de lenços a dizerem-lhe adeus. Havia um cheiro de perdas no ar. Em determinado momento; achou que percebia uma cantiga de roda, mas não; era só um pen

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    Talvez o Trindade, da leitaria. Era ao lado dele que começava o dia, mas certamente não sabia do seu estado. Que vazio! Que solidão! O cheiro da morte começou a abordá-lo. Era a favor da eutanásia, porém só os médicos poderiam ajudá-lo e nisto seu primo, por certo, não o ajudaria. Restavam-lhe, apenas, os heterônimos e, dali em diante, seria com eles que compartilharia suas últimas horas; com eles e com o tabaco, se lhe fosse permitido e tivesse forças para fumar...

    E se sua vida tinha sido dedicada aos sonhos, então se despediria deles, como quem se despede do melhor amigo. Afinal, a vida tem prazo; os sonhos, não. Por isso, nunca morremos sós: acompanham-nos os sonhos adormecidos.

    E as horas e o suor foram passando; as cortinas mais para fechadas e a pouca luz do dia se apagando. Não sabia se o frio que agora sentia era o do inverno ou o da morte. Não tiritava. Apenas se deixava estar. Em determinado momento, alguém entrou e acendeu a luz. “Deem-me os óculos!”, pediu, como quem se propõe a ler. Um som de 8 badaladas lembrou-lhe o sino da sua aldeia. Desistiu de ler; não conseguiria!

    Começou a ser tomado por uma astenia abissal e, meia hora depois, um sono companheiro e definitivo instalou-se no poeta. Restava-lhe as reticências... Já sem voz e apenas mexendo os lábios, como quem reza, tentou dizer:

    “ O sono que desce sobre mim,

    O sono mental que desce fisicamente sobre mim,

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    despediria deles, como quem se despede do melhor amigo. Afinal, a vida tem prazo; os sonhos, não. Por isso, nunca morremos sós: acompanham-nos os sonhos adormecidos.

    E as horas e o suor foram passando; as cortinas mais para fechadas e a pouca luz do dia se apagando. Não sabia se o frio que agora sentia era o do inverno ou o da morte. Não tiritava. Apenas se deixava estar. Em determinado momento, alguém entrou e acendeu a luz. “Deem-me os óculos!“Deem-me os óculos!“ ”, pediu, como quem se propõe a ler. Um som de 8 badaladas lembrou-lhe o sino da sua aldeia. Desistiu de ler; não conseguiria!

    Começou a ser tomado por uma astenia abissal e, meia hora depois, um sono companheiro e definitivo instalou-se

    e nisto seu primo, por certo, não o ajudaria. Restavam-lhe, apenas, os heterônimos e, dali em diante, seria com eles que compartilharia suas últimas horas; com eles e com o tabaco, se lhe fosse permitido e tivesse forças para fumar...

    E se sua vida tinha sido dedicada aos sonhos, então se despediria deles, como quem se despede do melhor amigo. Afinal, a vida tem prazo; os sonhos, não. Por isso, nunca despediria deles, como quem se despede do melhor amigo. Afinal, a vida tem prazo; os sonhos, não. Por isso, nunca morremos sós: acompanham-nos os sonhos adormecidos.

    E as horas e o suor foram passando; as cortinas mais para fechadas e a pouca luz do dia se apagando. Não sabia se o frio que agora sentia era o do inverno ou o da morte. Não tiritava. Apenas se deixava estar. Em determinado momento, alguém entrou e acendeu a luz.

    que agora sentia era o do inverno ou o da morte. Não tiritava. Apenas se deixava estar. Em determinado momento, alguém

    Deem-me os óculos!

    que agora sentia era o do inverno ou o da morte. Não tiritava. Apenas se deixava estar. Em determinado momento, alguém

    Deem-me os óculos!

    que agora sentia era o do inverno ou o da morte. Não tiritava. Apenas se deixava estar. Em determinado momento, alguém

    Deem-me os óculos!”, pediu, como

    que agora sentia era o do inverno ou o da morte. Não tiritava. Apenas se deixava estar. Em determinado momento, alguém

    pediu, como

    sino da sua aldeia. Desistiu de ler; não conseguiria!Começou a ser tomado por uma astenia abissal e, meia

    sino da sua aldeia. Desistiu de ler; não conseguiria!Começou a ser tomado por uma astenia abissal e, meia

    hora depois, um sono companheiro e definitivo instalou-se

    sino da sua aldeia. Desistiu de ler; não conseguiria!Começou a ser tomado por uma astenia abissal e, meia

    hora depois, um sono companheiro e definitivo instalou-se

    sino da sua aldeia. Desistiu de ler; não conseguiria!Começou a ser tomado por uma astenia abissal e, meia

    sino da sua aldeia. Desistiu de ler; não conseguiria!Começou a ser tomado por uma astenia abissal e, meia

    hora depois, um sono companheiro e definitivo instalou-se

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    ntônio Chibante

    O sono universal que desce individualmente

    sobre mim – Esse sono

    Parecerá aos outros o sono de dormir,

    O sono da vontade de dormir,

    O sono de ser sono.

    Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:

    É o sono da soma de todas as desilusões,

    É o sono da síntese de todas as desesperanças,

    É o sono de haver mundo comigo lá dentro

    Sem que eu houvesse contribuído em nada para

    isso.

    O sono que desce sobre mim

    É contudo como todos os sonos.

    O cansaço tem ao menos brandura,

    O abatimento tem ao menos sossego,

    A rendição é ao menos o fim do esforço,

    O fim é ao menos o já não haver que esperar.”

    Um entra e sai de gente movimentou o ambiente e o Dr. Jaime Neves foi chamado às pressas. Não havia pulso nem pressão e a luz nos olhos não perturbava as íris de Fernando Pessoa que, abertas e impassíveis, delimitavam a escuridão da morte.

    Os óculos foram colocados na mesinha de cabeceira; o atestado de óbito foi solicitado; a noite continuou; nascia uma data...

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    Sem que eu houvesse contribuído em nada para

    isso.

    O sono que desce sobre mim

    É contudo como todos os sonos.

    O cansaço tem ao menos brandura,

    O abatimento tem ao menos sossego,

    A rendição é ao menos o fim do esforço,

    O fim é ao menos o já não haver que esperar.”

    Um entra e sai de gente movimentou o ambiente e o Dr. Jaime Neves foi chamado às pressas. Não havia pulso nem pressão e a luz nos olhos não perturbava as íris de Fernando

    O sono de ser sono.

    Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:

    É o sono da soma de todas as desilusões,

    É o sono da síntese de todas as desesperanças,

    É o sono de haver mundo comigo lá dentro

    Sem que eu houvesse contribuído em nada para Sem que eu houvesse contribuído em nada para

    O abatimento tem ao menos sossego,

    A rendição é ao menos o fim do esforço,

    O fim é ao menos o já não haver que esperar.”

    O abatimento tem ao menos sossego,

    A rendição é ao menos o fim do esforço,

    O fim é ao menos o já não haver que esperar.”

    O abatimento tem ao menos sossego,

    A rendição é ao menos o fim do esforço,

    O fim é ao menos o já não haver que esperar.”

    O abatimento tem ao menos sossego,

    A rendição é ao menos o fim do esforço,

    O fim é ao menos o já não haver que esperar.”

    A rendição é ao menos o fim do esforço,

    O fim é ao menos o já não haver que esperar.”

    Um entra e sai de gente movimentou o ambiente e o Dr. Jaime Neves foi chamado às pressas. Não havia pulso nem

    Um entra e sai de gente movimentou o ambiente e o Dr. Jaime Neves foi chamado às pressas. Não havia pulso nem pressão e a luz nos olhos não perturbava as íris de Fernando

    Um entra e sai de gente movimentou o ambiente e o Dr. Jaime Neves foi chamado às pressas. Não havia pulso nem pressão e a luz nos olhos não perturbava as íris de Fernando

    Um entra e sai de gente movimentou o ambiente e o Dr. Jaime Neves foi chamado às pressas. Não havia pulso nem

    Um entra e sai de gente movimentou o ambiente e o Dr. Jaime Neves foi chamado às pressas. Não havia pulso nem pressão e a luz nos olhos não perturbava as íris de Fernando