Antologia Cósmica

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    Antologia Csmica

    Primeiros contatos com seres extraterrestres

    Fausto Cunha (organizador)

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    Contatos de diversos graus e nem sempre imediatos Autor Fausto Cunha

    Uma das razes que explicam a obsesso dos discos-voadores (dos quais j se disse que preciso crer para ver) o anseio humano de libertar-se da priso terrestre. A comunicao com seres vindos de fora tem sua correspondncia na comunicao com os mortos: se ocorrer, provar que h vida no alm alm-tmulo, alm-Terra. Vai mesmo certa humildade pattica de nossa parte em acreditar que existem seres mais evoludos, os quais generosamente um dia entraro em contato conosco.

    Esse um dos temas favoritos da fico cientfica. O primeiro encontro da raa humana com extraterrestres foi imaginado de quase todas as formas possveis. As inmeras variantes nem sempre escondem os velhos esteretipos. Diz Demtre Ioakimidis, no breve prefcio a Histoires dExtraterrestres (LGF, 1974) que o tema do contato com extraterrestres est inevitavelmente ligado idia da pluralidade dos mundos, e esta bem anterior fico cientfica. claro que para os antigos o conceito de mundos habitados diferia do nosso. Mas no deixa de ser curioso que, h 700 anos, um papa tenha condenado a proposio segundo a qual no poderia Deus criar essa multiplicidade de mundos. Para a cincia de hoje, o Universo possui incontveis bilhes de estrelas, milhes de galxias, no sendo mesmo impossvel que haja vrios universos. E a convico de que h, no cosmo, outros planetas habitados por seres inteligentes se tornou oficial, tanto assim que a bordo das naves automticas Pioneer 10 e 11 segue um discurso do Presidente dos Estados Unidos, manifestando o desejo da raa humana de entrar na Fraternidade Galtica ...

    Uma das histrias includas nesta Antologia trata justamente do oposto: na concepo de Isaac Asimov, em Homo Sol, o homem pode recusar-se a aderir Federao Galtica, e ter de ser forado. Escrita quando Asimov tinha apenas vinte anos, essa histria continua sendo das mais curiosas de toda a fico cientfica, e tem a particularidade de ser contada do ngulo dos extraterrestres. (Mais tarde, em Os Amveis Abutres, Asimov figuraria aliengenas com intenes menos pacficas.)

    Tambm Misso de Salvamento (Rescue Party), de Arthur C. Clarke, narrado do ponto de vista aliengena. Clarke mais de uma vez se queixou pelo fato de o considerarem "o autor de Rescue Party", como se ele no tivesse feito nada melhor. verdade que ele escreveu depois histrias to boas quanto essa, mas tambm verdade que Misso de Salvamento permanece como uma das pginas que fixaram os cnones e a mitologia cientfica. Basta mencionar o ser coletivo de Palador. O primeiro contato s se estabelece, ironicamente, no fim. Ao mesmo tempo, estamos diante de uma histria impressionantemente realista sobre o desaparecimento da Terra como planeta. O sentido csmico que

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    Arthur C. Clarke imprime sua fico e aos seus trabalhos cientficos faz com que nos sintamos contemporneos do futuro.

    Enquanto Asimov e Clarke inventam grandes civilizaes galticas, Murray Leinster realiza uma histria de primeiro contato no sentido mais rigoroso do termo. Duas naves, uma terrestre e outra aliengena, se encontram na vastido do espao sideral. Ou chegam a um acordo de paz sem risco para nenhum dos lados ou se destroem. O sovitico Ivan Iefrmov no se conformou com a soluo de Murray Leinster e escreveu uma verso oposta, Cor Serpentis ("O Corao da Serpente"), que inclu em minha coletnea Encontro no Espao, junto com a noveleta de Leinster. luz da Histria do Homem, antiga e moderna, os encontros entre culturas diferentes sempre resultaram no extermnio ou submisso da mais fraca. H cientistas como o Dr. Albert R. Hibbs que se mostram temerosos quanto a respondermos a sinais extraterrestres. Adverte-nos que "mesmo uma civilizao extraterrestre pacfica pode encarar-nos como pouco mais que animais domesticados". J o pessoal da NASA, frente Carl Sagan, no hesitou em colocar no Pioneer todas as indicaes possveis sobre a localizao do planeta Terra, seus habitantes, lnguas, msicas e at os hbitos reprodutivos.

    Mas um comandante, sozinho no espao diante de uma nave desconhecida, deve tomar suas prprias decises. E Primeiro Contato (First Contact), de Murray Leinster, tornou-se uma histria clssica pela maneira como abordou o problema. "Uma das histrias centrais da fico cientfica", escreveu William Sloane ao inclu-lo na sua famosa antologia Stoires for Tomorrow (1954). "Desde sua publicao, tem servido como pedra de toque para o que outros fizeram depois dele", prossegue Sloane. "J apareceu e continuar a aparecer em muitas antologias, porque nenhum escritor depois dele conseguiu tratar com igual maestria uma das mais fascinantes dentre todas as especulaes sobre o futuro: que acontecer quando os seres humanos tiverem o primeiro contato com seres aliengenas to avanados, cientificamente, quanto eles prprios?". Vale a pena lembrar que, na votao feita entre os membros da SPWA (Science Fiction Writers of America), Primeiro Contato ficou entre as cinco melhores histrias de todos os tempos.

    Nesse Panteo da Fama se acha tambm um conto que no foi escrito por um autor de fico cientfica e sim por um poeta e ensasta: Berom, de John Berryman. (Seu caso no excepcional: alguns dos melhores livros de SF foram escritos por gente "de fora".) uma das melhores histrias sobre o problema da comunicao j publicadas at hoje: e, a meu ver, no estrito campo da comunicao com aliengenas, a mais perfeita e de maior rigor cientfico e metodolgico. A chave da comunicao repousa numa idia brilhantssima. Berom tambm uma denncia da guerra fria e da intolerncia (foi escrito poca do macartismo) e um libelo contra a incapacidade humana de superar suas dissenses polticas e seus conflitos ideolgicos. De algum modo, ope-se tambm concepo de Wells em A Guerra dos Mundos: uma raa capaz de atravessar o espao em avanadas astronaves certamente j ultrapassou a fase da guerra, pensa John Berryman.

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    O ideal seria incluir nesta Antologia A Guerra dos Mundos na ntegra. Esta a mais clebre histria da fico cientfica, somente igualada, em fama, por outro romance do mesmo autor, A Mquina do Tempo. Escritos em fins do sculo passado, so precursores e modelos do que o gnero viria a produzir. A Guerra dos Mundos uma histria de horror, mais do que uma antecipao, e o fato de sabermos que no houve a invaso prevista e que ela hoje seria improvvel nas condies descritas em nada reduz sua fora de persuaso. O texto continua a envolver-nos, a arrepiar-nos. E pode causar pnico, como aconteceu quarenta anos depois de publicado, quando um jovem ator e diretor genial chamado Orson Welles, com sua equipe do Mercury Theatre da CBS, levou ao ar o excelente script radiofnico de Howard Koch. Creio que esta a primeira vez que esse famoso texto traduzido e publicado no Brasil e bastaria sua incluso para justificar esta Antologia Csmica.

    A palavra Csmica no est a por acaso. Alm de contos clssicos e criaes de mestres (no caso de A Guerra dos Mundos, esses mestres chegam a ser trs), pareceu-me importante selecionar autores que tivessem uma viso csmica do lugar do homem no Universo e do Cosmo em si como uma coisa viva e palpitante. O silncio dos espaos infinitos no deve assustar-nos, porque ele certamente modulado por um coro quase infinito de vozes.

    A propsito de seres extraterrestres, gostaria de glosar aqui o estudo curiosssimo de W. T. Williams, professor da Universidade de Southampton, divulgado h uns quinze anos no boletim da UNESCO. Segundo ele, os principais mundos imaginrios dos autores de fico cientfica so os do cloro, que tm este como atmosfera e cujos mares possuem ondas de cido clordrico; do silcio, cuja qumica bsica exigiria altssimas temperaturas (a da ebulio da gua seria demasiado baixa para ele) e aquele para cujos habitantes o Oxignio txico. Para uma criatura do mundo do cloro, a gua seria to corrosiva como para ns o a iperita (o terrvel gs de mostarda). Seus mares no podiam ser de cido clordrico, e sim de um cloreto ou oxicloreto de fsforo, enxofre ou arsnico. Poderiam respirar oxignio tranqilamente. Um ser de silcio viveria bem no planeta Mercrio (Stanley G. Weinbaum, no clssico A Martian Odyssey, criou algo semelhante em Marte, que relativamente frio). Quanto ltima categoria, ilustrada para Williams pelo conto Hands Off de Robert Sheckley, um ser que temesse o oxignio como o mais venenoso dos elementos teria que ser constitudo de uma liga de metais.

    O professor Williams observa que a maioria dos autores distingue o reino animal do vegetal. "No seria possvel imaginar", pergunta ele, "um ser que recebesse sua energia vital do Sol por meio de uma forma qualquer de fotossntese e que, no obstante, seria inteligente e mesmo, quem sabe, capaz de deslocar-se?" Na verdade, h bons exemplos de utilizao dessa idia na fico cientfica: Prxima Centauri, outra histria de primeiro contato de Murray Leinster. Star King, de Jack Vance (includo em nossa Coleo Mundos da Fico Cientfica) e meu

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    prprio Mobile, que data de 1959 e foi reescrito em 1975 como O Lobo do Espao. Williams cita de passagem os homens-rvores de Stapledon e as trfides de John Wyndham.

    O mais interessante para ns (e sobretudo para Asimov, que se especializou em mundos de qumica semelhante da Terra) a concluso do professor W. T. Williams. "s vezes", declara ele, "so considerados um pouco ingnuos os autores de obras de antecipao cientfica que imaginam planetas de tipo terrestre em que os viajantes descobrem estranhos personagens, no raro muito inteligentes. Sem embargo, o estado atual de nossos conhecimentos cientficos nos faz pensar que essas antecipaes so as mais verossmeis e que suas criaturas extraterrestres so as que contam com mais possibilidades de que um dia as deparemos na realidade".

    Falei em cinco histrias, mas o leitor encontrar uma sexta, que no de mestre e muito menos clssica (porque at indita em livro). Mas ela trata de um primeiro contato muito especial e que, a meu ver, no pode ser descartado. tradio de organizadores de antologias de fico cientfica que so tambm autores, e basta citar os exemplos de Isaac Asimov e Robert Silverberg, inclurem trabalhos seus, por vrias e bvias razes. No era minha inteno imit-los. Mas diante de um filme recente (como j acontecera com Eu Te Amo, Eu Te Amo e minha noveleta O Dia Que J Passou), achei que devia retirar a Viagem s Fronteiras do Infinito de seu humilde sono: em nota final, explico por qu. Parece que haver sempre um irmo Wright para cada idia brasileira . ..

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    A Guerra Dos Mundos Autor H. G. Wells & Howard Koch

    Traduo - Egl Malheiros

    Script radiofnico de Howard Koch, em adaptao livre do romance A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells, e levado ao ar por Orson Welles e seu "Mercury Theatre", atravs do Columbia Broadcasting System, a 30 de outubro de 1938.

    Narrador: Sabemos agora que, desde os primeiros anos do sculo vinte, nosso mundo vinha sendo observado por inteligncias superiores s do homem e, ainda assim, to mortais quanto ns. Sabemos agora que enquanto os seres humanos viviam entregues aos seus afazeres, eram examinados e estudados, talvez quase to de perto quanto um homem ao microscpio pode examinar os organismos efmeros que pululam e se multiplicam numa gota d'gua. Com infinita satisfao as pessoas andavam para c e para l, tratando de seus pequenos negcios terrenos, na tranqila certeza de seu domnio sobre este pequeno e rodopiante fragmento de matria solar, que por acaso ou destino o homem herdou do negro mistrio do Tempo e do Espao.

    No entanto, atravs do imenso abismo etreo, mentes que esto para as nossas como as nossas para as feras na selva, imensos crebros frios, sem simpatia, fitavam esta terra com olhos invejosos e, de modo lento e seguro, traavam seus planos contra ns. No trigsimo nono ano do sculo vinte ocorreu a grande desiluso.

    Foi pelos fins de outubro. Os negcios iam melhor. O pavor da guerra estava superado. Maior nmero de homens voltavam ao trabalho. As vendas subiam. Nesta noite em especial, 30 de outubro, a agncia Crossley calculou que trinta e dois milhes de pessoas ouviam rdio.

    Deixa do locutor: ... nas prximas vinte e quatro horas pouca alterao de temperatura. H informaes de uma ligeira perturbao atmosfrica de origem indeterminada sobre a Nova Esccia, provocando o deslocamento de uma rea de baixa presso com certa rapidez sobre os Estados do nordeste, trazendo previso de chuva acompanhada de ventos de rajadas leves. Temperatura mxima 19 graus centgrados, mnima, 8 graus. Este informe meteorolgico de responsabilidade do Instituto de Meteorologia.

    Locutor Dois: Agora vamos transmitir do Meridian Room, do Park Plaza Hotel, bem no centro de Nova Iorque, onde ouviremos a msica de Ramon Raquello e sua orquestra.

    (Entra tema hispano-americano ... Some.)

    Locutor Trs: Boa noite, senhoras e senhores. Diretamente do Meridian Room, do Park Plaza de Nova Iorque, levamos para vocs a

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    msica de Ramon Raquello e sua orquestra. Com seu toque muito pessoal, Ramon Raquello inicia com "La Cumparsita".

    (Comea a msica.)

    Locutor Dois: Senhoras e senhores, interrompemos nosso programa de msica de danas para levar a vocs um boletim especial da Agncia de Notcias Intercontinental. s dezenove horas e quarenta minutos, hora central, o professor Farrell, do Observatrio de Monte Jennings, Chicago, Illinois, comunicou estar observando a ocorrncia de vrias exploses de gs incandescente, a intervalos regulares, no planeta Marte.

    O espectroscpio indica que o gs o hidrognio e est se movendo com enorme velocidade rumo Terra. O professor Pierson, do Observatrio de Princeton, confirma a observao de Farrell, e descreve o fenmeno como (abre aspas) igual a um jato de chama azul lanado de uma espingarda (fecha aspas). Agora fazemos com que voltem msica de Ramon Raquello, tocando para vocs no Meridian Room do Park Plaza Hotel, bem no centro de Nova Iorque.

    (A msica toca por alguns momentos at que o nmero acaba ... Sons de palmas.)

    Agora uma melodia que ningum esquece, a sempre popular "Star Dust", com Ramon Raquello e sua orquestra. ..

    (Msica.)

    Locutor Dois: Senhoras e senhores, dando prosseguimento s notcias de nosso boletim de momentos atrs, o Instituto de Meteorologia solicitou aos principais observatrios do pas que se mantenham em viglia astronmica para detectar quaisquer perturbaes que ocorram no planeta Marte. Devido natureza incomum dessa ocorrncia, conseguimos uma entrevista com o conhecido astrnomo professor Pierson, que nos dar as suas impresses do fato. Daqui a momentos ns os levaremos at o Observatrio Princeton, em Princeton, Nova Jrsei. Enquanto isto voltamos msica de Ramon Raquello e sua orquestra.

    (Msica.)

    Locutor Dois: Estamos prontos para lev-los ao Observatrio de Princeton, em Princeton, onde Carl Phillips, nosso comentarista, entrevistar o famoso astrnomo professor Richard Pierson. Levamos vocs agora para Princeton, Nova Jrsei.

    (Cmara de eco.)

    Phillips: Boa noite, senhores e senhoras. Aqui Carl Phillips, falando-lhes do Observatrio de Princeton. Encontro-me de p numa vasta sala semicircular, negra como breu, a no ser por uma fenda oblonga no teto. Atravs desta abertura posso ver o cintilar de estrelas, que lanam uma espcie de brilho gelado sobre o intrincado mecanismo do enorme telescpio. O tiquetaquear que ouvem a vibrao do relgio.

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    O professor Pierson est diretamente acima de mim, numa pequena plataforma, espiando atravs das lentes gigantes. Peo-lhes que tenham pacincia, senhoras e senhores, com qualquer demora que possa ocorrer durante nossa entrevista. Alm da incessante observao dos cus, o professor Pierson pode ser interrompido pelo telefone ou outro meio de comunicao. Durante este perodo, ele est em constante ligao com os centros astronmicos mundiais. Professor, posso dar incio s perguntas?

    Pierson: Quando queira, senhor Phillips.

    Phillips: Professor, poderia, por favor, contar a nossos ouvintes exatamente o que o senhor v quando observa o planeta Marte atravs de seu telescpio?

    Pierson: Nada fora do comum, no momento, senhor Phillips. Um disco vermelho nadando em mar azul. Riscas transversais no disco. Muito claras agora, porque acontece que Marte est no ponto de maior proximidade da Terra em oposio, como dizemos.

    Phillips: Em sua opinio, o que significam essas riscas transversais, professor Pierson.

    Pierson: No so canais, asseguro-lhe, senhor Phillips, embora seja esta a crena generalizada daqueles que imaginam que Marte habitado. Do ponto de vista cientfico, as riscas no passam de um resultado de condies atmosfricas peculiares ao planeta.

    Phillips: Quer dizer que o senhor como cientista est absolutamente convencido de que no existe em Marte inteligncia viva tal como a conhecemos?

    Pierson: Diria que as possibilidades em contrrio so de mil para um.

    Phillips: Sendo assim, que explicao tem para estas erupes de gs que esto ocorrendo na superfcie do planeta a intervalos regulares?

    Pierson: Senhor Phillips, no sei como explic-las.

    Phillips: Aproveitando a oportunidade, professor, para esclarecimento de nossos ouvintes, quanto dista Marte da Terra?

    Pierson: Aproximadamente 64 milhes de quilmetros.

    Phillips: Bem, parece uma distncia bastante tranqilizadora. Um momento, senhoras e senhores, algum acaba de entregar um telegrama ao professor Pierson. Enquanto ele l, deixem-me lembrar-lhes que estamos lhes falando do Observatrio de Princeton, Nova Jrsei, onde entrevistamos o mundialmente famoso astrnomo, professor Pierson... Um momento, por favor, ele passou-me o telegrama que acaba de receber. Professor, posso ler o telegrama para os ouvintes?

    Pierson: Certamente, senhor Phillips.

    Phillips: Senhoras e senhores, lerei agora um telegrama dirigido ao professor Pierson pelo Dr. Gray, do Museu de Histria Natural de

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    Nova Iorque: "9,15 p.m. Hora padro ocidental. Sismgrafo registrou choque de intensidade quase de terremoto ocorrendo dentro de um raio de trinta e dois quilmetros em torno de Princeton. Por favor investigue. Assinado Lloyd Gray. Chefe da Diviso Astronmica". Professor Pierson, poderia esta ocorrncia ter algo a ver com as perturbaes observadas no planeta Marte?

    Pierson: Dificilmente, senhor Phillips. Isto provavelmente um meteorito de tamanho fora do comum, e sua chegada nesta hora em particular no passa de uma coincidncia. No entanto, efetuaremos uma pesquisa, assim que a luz do dia o permitir.

    Phillips: Obrigado, professor. Senhoras e senhores, nos ltimos dez minutos temos estado lhes falando do Observatrio de Princeton, levando at seus lares uma entrevista especial com o professor Pierson, o conhecido astrnomo. Aqui fala Carl Phillips. Voltaremos agora para nossos estdios em Nova Iorque.

    (Piano ao fundo.)

    Locutor Dois: Senhoras e senhores, aqui o ltimo boletim da Agncia de Notcias Intercontinental: "Toronto, Canad. O professor Morce, da Universidade Macmillan, relata ter observado um total de trs exploses no planeta Marte, entre 7,45 p.m. e 9,20 p.m., padro de tempo ocidental. Isto confirma relatrios anteriores recebidos de observatrios americanos. Agora, de mais perto de casa, vem uma notcia de Trenton, Nova Jrsei. s 8,50 p.m. um enorme objeto flamejante, que se julga ser um meteorito, caiu numa fazenda nas vizinhanas de Grovers Mill, Nova Jrsei, distante trinta e cinco quilmetros de Trenton. O claro no cu foi visvel dentro de um raio de vrias centenas de quilmetros e o estrondo do impacto foi ouvido at em Elizabeth, no norte.

    Despachamos uma equipe volante para o local, e nosso comentarista, senhor Phillips, lhes far uma descrio a viva voz logo que chegue l, vindo de Princeton. No meio tempo, ns os levaremos ao Hotel Martinet em Brooklyn, onde Bobby Millette e sua orquestra esto oferecendo um programa de msica para danar.

    (Banda de swing por 20 segundos... Corta.)

    Locutor Dois: Agora os levaremos a Grovers Mill, Nova Jrsei.

    (Barulhos de multido... Sirenes da polcia.)

    Phillips: Senhoras e senhores, este mais uma vez Carl Phillips, na Fazenda Wilmuth, Grovers Mill, Nova Jrsei. O professor Pierson e eu fizemos os dezessete quilmetros de Princeton em dez minutos. Bem, eu... eu nem sei como comear, para pintar-lhes com palavras a estranha cena que tenho diante de mim, algo como que sado de uma moderna histria das Mil e Uma Noites. Bem, mal acabo de chegar. Ainda no tive ocasio de examinar o ambiente. Acho que est ali. Acho que a... Coisa, bem na minha frente, meio enterrada num imenso buraco. Deve ter batido com uma fora terrvel. O cho est coberto de

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    lascas de uma rvore que ela atingiu quando tombava. Pelo que posso ver o.. . objeto no se parece muito com um meteorito, pelo menos com os meteoritos que j vi. Parece mais um cilindro de enorme tamanho. Deve ter um dimetro de... calcula em quanto, professor Pierson?

    Pierson (off): Uns vinte e sete metros, por a.

    Phillips: Uns vinte e sete metros... O metal do revestimento ... bem. Nunca vi nada igual. A cor uma espcie de branco-amarelado. Espectadores curiosos se amontoam em torno do objeto, apesar dos esforos da polcia para mant-los afastados. Esto obstruindo minha linha de viso. Por favor, no poderiam chegar para o lado?

    Policial: Para o lado, vamos, para o lado.

    Phillips: Enquanto os policiais empurram para trs a multido, aqui est o senhor Wilmuth, proprietrio da fazenda. Ele deve ter coisas interessantes para acrescentar. Senhor Wilmuth, poderia ter a gentileza de contar aos ouvintes tudo o que se lembra com relao a este visitante to fora do comum que caiu em seu quintal? Um passo frente, por gentileza. Senhoras e senhores, este o senhor Wilmuth.

    Wilmuth: Eu estava escutando rdio ...

    Phillips: Mais perto e mais alto, por favor.

    Wilmuth: Como disse?

    Phillips: Mais alto, por favor, e mais perto.

    Wilmuth: Sim, senhor... eu estava ouvindo no rdio uma lengalenga que o professor ali falava sobre Marte, de modo que eu meio que cochilava ...

    Phillips: Sim, sim, senhor Wilmuth. E ento o que aconteceu?

    Wilmuth: Como estava dizendo, eu estava ouvindo rdio assim meio distrado...

    Phillips: Sim, senhor Wilmuth, e ento o senhor viu uma coisa.

    Wilmuth: No vi logo. Primeiro ouvi.

    Phillips: E o que que o senhor ouviu?

    Wilmuth: Um som sibilante. Assim: sssssss . .. como um foguete de festa ...

    Phillips: E da?

    Wilmuth: Virei minha cabea para a janela e teria jurado que estava dormindo e sonhando.

    Phillips: ?

    Wilmuth: Vi uma espcie de risco esverdeado e ento pumba! Alguma coisa beijou o cho. Me jogou para fora da cadeira!

    Phillips: Bem, o senhor se assustou, senhor Wilmuth?

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    Wilmuth: Bem, eu... eu no tenho muita certeza. Reconheo que eu.. . eu estava um tanto apalermado.

    Phillips: Obrigado, senhor Wilmuth. Obrigado.

    Wilmuth: Quer que lhe conte mais alguma coisa?

    Phillips: No ... est bem assim, isso chega ... Senhoras e senhores, acabaram de ouvir o senhor Wilmuth, proprietrio da fazenda onde caiu a Coisa. Gostaria de ser capaz de transmitir a atmosfera ... o ambiente desta ... coisa fantstica. Centenas de carros esto estacionados num ponto atrs de ns. A polcia est tentando bloquear a rodovia que conduz fazenda. Mas no adianta. Eles chegam de qualquer jeito. Seus faris lanam um enorme foco luminoso sobre o buraco em que o objeto est meio enterrado. Algumas pessoas mais ousadas se aventuram perto da beirada. Suas silhuetas se desenham contra o resplendor metlico.

    (Leve som de zumbido.)

    Um homem quer tocar a Coisa... est tendo uma discusso com o policial. O policial vence ... Agora, senhoras e senhores, algo que eu no mencionei em toda esta barafunda, mas que est se tornando mais ntido. Talvez seus rdios j o tenham captado. Escutem (longa pausa) ... Ouviram? um curioso zumbido que parece vir de dentro do objeto. Vou chegar o microfone mais para perto. Aqui (pausa). Agora no estamos afastados nem oito metros. Podem ouvir agora? Oh! Professor Pierson!

    Pierson: Sim, senhor Phillips?

    Phillips: Podemos esclarecer o significado desse barulho rascante dentro da Coisa?

    Pierson: Possivelmente o esfriamento desigual de sua superfcie.

    Phillips: O senhor ainda acha que um meteorito, professor?

    Pierson: No sei o que pensar. O invlucro positivamente extraterrestre, feito de metal no encontrado em nosso planeta. A frico com a atmosfera da terra costuma fazer buracos num meteorito. A Coisa lisa e, como se v, de forma cilndrica.

    Phillips: Um minuto! Algo est acontecendo! Senhoras e senhores, isto assustador! A extremidade da Coisa est comeando a abrir. O topo est comeando a rodar como um parafuso! A Coisa deve ser oca!

    Vozes: Ela est. se mexendo! O diabo dessa coisa est se desparafusando.

    Para trs, vocs a! Para trs, estou dizendo.

    Quem sabe h homens l dentro tentando escapar!

    Est rubro de to quente, vo virar cinza.

    Para trs a! Faa esses idiotas se afastarem.

    (Subitamente, o ressoar de um enorme pedao de metal que cai.)

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    Vozes: Ela caiu! A tampa se soltou!

    Cuidado! Fiquem afastados!

    Phillips: Senhoras e senhores, esta a coisa mais aterradora que jamais testemunhei... um momento! Algum sai engatinhando pela abertura de cima. Algum ou alguma coisa. Posso ver que de dentro do buraco negro dois discos luminosos espiam... so olhos? Pode ser um rosto. Pode ser..,

    (Grito de pavor da multido.)

    Deus do cu, algo est saindo da sombra como uma serpente. Agora outro, e mais outro. Parecem tentculos. Agora, posso ver o corpo da Coisa. grande como um urso e brilha como couro molhado. Mas o rosto. Ele ... ele indescritvel. Mal consigo continuar olhando. Os olhos so pretos e luzem como os de uma cobra. A boca tem a forma de V, com saliva escorrendo de seus lbios disformes, que parecem tremer e pulsar. O monstro ou seja l o que for mal pode se mover. Parece puxado para baixo... talvez pela gravidade ou algo parecido. A Coisa est se levantando. A multido recua. J viram bastante. a experincia mais extraordinria. No encontro palavras ... estou arrastando o microfone comigo enquanto falo. Tenho de interromper a descrio at me colocar em outra posio. Aguardem, por favor. Voltarei num minuto.

    (Entra msica de piano.)

    Locutor Dois: Estamos apresentando aos senhores um testemunho ocular do que est acontecendo na Fazenda Wilmuth, em Grovers Mill, Nova Jrsei.

    (Mais piano.)

    Agora voltamos a Carl Phillips em Grovers Mill.

    Phillips: Senhoras e senhores (estou no ar?) ... Senhoras e senhores, aqui estou eu, em cima de um muro de pedra, que cerca o jardim do senhor Wilmuth. Daqui tenho uma viso da cena toda. Comunicarei aos senhores cada pormenor, enquanto possa falar. Enquanto possa ver. Chegaram mais policiais estaduais. Esto formando um cordo de isolamento diante do objeto, uns trinta deles. No preciso empurrar para trs a multido agora. As pessoas querem manter distncia. O capito est conferenciando com algum. No podemos ver com quem. Oh, sim, creio que com o professor Pierson. Sim, ele. Agora se separaram. O professor anda para um lado, estudando o objeto, enquanto o capito e dois policiais avanam com algo nas mos. Posso ver agora. um leno branco atado a uma vara uma bandeira de paz. Se aquelas criaturas souberem o que isso significa o que alguma coisa significa! ... Esperem! Algo est acontecendo!

    (Um silvo seguido de um zumbido que alimenta de intensidade.)

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    Uma forma encurvada est se elevando do buraco. Posso distinguir um pequeno raio de luz contra um espelho. O que isso? um jato de fogo brotando daquele espelho, e que vem na direo dos homens que empunham o leno branco. O jato agora os atinge de frente! Santo Deus, eles esto em chamas!

    (Gritos de horror. Guinchos no-humanos.)

    Agora todo o pasto est em chamas (Exploso). As rvores ... os celeiros... os tanques de gasolina dos automveis ... o fogo est se espalhando por tudo. Est vindo para c. Uns seis metros minha direita...

    (Estrondo do microfone.. . Depois, silncio mortal.)

    Locutor Dois: Senhoras e senhores, devido a circunstncias fora de nosso controle, no podemos continuar a transmitir diretamente de Grovers Mill. Evidentemente h alguma dificuldade com nossa transmisso local. No entanto, voltaremos quele local com a maior brevidade possvel. No meio tempo, temos um boletim atrasado de San Diego, Califrnia. O professor Indellfloffer, falando num jantar da Sociedade Astronmica da Califrnia, expressou a opinio de que as exploses em Marte sem dvida nada mais so do que violentas perturbaes vulcnicas na superfcie do planeta. Continuaremos agora com nosso interldio pianstico.

    (Piano ... Depois corta.)

    Senhoras e senhores, acaba de me ser entregue o noticirio que veio de Grovers Mill por telefone. Um momento. Pelo menos quarenta pessoas, inclusive seis policiais estaduais, jazem mortas num campo a leste da vila de Grovers Mill, seus corpos arderam e esto totalmente irreconhecveis. Ouviro a seguir a palavra do General Montgomery Smith, comandante da Milcia Estadual de Trenton, Nova Jrsei.

    Smith: O Governador de Nova Jrsei solicitou-me que colocasse os condados de Mercer e Middlessex, no oeste at Princeton e no leste at Jamesburg, sob lei marcial. A ningum ser permitido penetrar nessa rea a menos que tenha passe emitido por autoridades do Estado ou militares. Quatro companhias da Milcia Estadual esto se deslocando de Trenton para Grovers Mill e ajudaro a evacuar os moradores dentro dos limites das operaes militares. Obrigado.

    Locutor: Acabaram de ouvir o General Montgomery Smith, comandante da Milcia Estadual de Trenton. No meio tempo esto chegando mais pormenores da catstrofe de Grovers Mill. As estranhas criaturas, depois de desfechar seu assalto mortal, esgueiraram-se de volta para sua cova e no fizeram tentativa de impedir os esforos dos bombeiros para resgatar os corpos e extinguir o fogo. Bombeiros de todo o condado de Mercer esto combatendo as chamas, que ameaam os campos em volta.

    No conseguimos estabelecer contato com nossa unidade mvel em Grovers Mill, mas esperamos poder lev-los de volta ao local no

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    menor prazo possvel. No meio tempo levamos at ... oh, um momento, por favor.

    (Pausa longa ... Murmrios.)

    Senhoras e senhores, acabo de ser informado de que finalmente estabelecemos comunicao com uma testemunha ocular da tragdia. O professor Pierson foi localizado numa casa de fazenda perto de Grovers Mill, onde estabeleceu um posto de observao de emergncia. Como cientista ele nos dar sua explicao da catstrofe. A voz que escutaro a seguir do professor Pierson, trazida diretamente a vocs. Professor Pierson.

    Pierson: Sobre os seres dentro do cilindro do foguete em Grovers Mill no lhes posso dar nenhuma informao positiva quer sobre sua natureza, sua origem, quer sobre seus propsitos aqui na Terra. Sobre seu destruidor instrumento posso aventurar uma explicao baseada em mera hiptese. Na falta de termo melhor, me referirei arma misteriosa como um raio de calor. por demais evidente que essas criaturas tm conhecimento cientfico muito mais avanado que o nosso. Tenho o palpite de que so capazes de gerar, de alguma forma, um intenso calor numa cmara de praticamente absoluta no-condutividade. Esse intenso calor eles o projetam num raio paralelo contra qualquer objeto que escolhem, por meio de um espelho parablico polido, de composio desconhecida, de maneira muito semelhante quela pela qual o espelho de um farol projeta um raio de luz. Essa minha conjectura sobre a origem do raio de calor.

    Locutor Dois: Obrigado, professor Pierson. Senhoras e senhores, aqui temos um boletim de Trenton. um breve comunicado informando-nos que o corpo carbonizado de Carl Phillips, o comentarista de rdio, foi identificado num hospital de Trenton. Agora, outro boletim de Washington, DC.

    O gabinete do diretor da Cruz Vermelha Nacional comunica que dez unidades de trabalhadores de emergncia da Cruz Vermelha foram enviadas ao quartel-general da Milcia Estadual estacionado nas imediaes de Grovers Mill, Nova Jrsei. Agora um boletim da Polcia Estadual, Princeton Junction. O incndio em Grovers Mill e vizinhanas j foi dominado. Batedores constatam que tudo est tranqilo no local e que no h sinal de vida aparente no topo do cilindro. E agora, senhoras e senhores, temos uma declarao especial do senhor Harry Mc Donald, vice-presidente encarregado das operaes.

    Mc Donald: Recebemos um requerimento da Milcia de Trenton para colocar sua disposio todos os nossos recursos de transmisso. Em vista da gravidade da situao e acreditando que o rdio tem uma responsabilidade definida de servir ao interesse pblico em todas as ocasies, estamos transferindo nossos recursos para a Milcia Estadual em Trenton.

    Locutor: Levaremos os senhores agora para o quartel-general de campanha da Milcia Estadual perto de Grovers Mill, Nova Jrsei.

  • 15

    Capito: Aqui fala Capito Lansing, do Corpo de Sinaleiros, ligado Milcia Estadual agora empenhada em operaes militares nas vizinhanas de Grovers Mill. A situao provocada pela presena de certos indivduos de natureza no identificada est agora sob completo controle.

    O objeto cilndrico cado dentro de um buraco diretamente embaixo de nossa posio est rodeado por todos os lados por oito batalhes de infantaria, sem artilharia pesada, mas fortemente armados com rifles e metralhadoras. Qualquer razo para alarme, se que razo existiu, agora inteiramente injustificada. As coisas, sejam o que forem, no se arriscam a mostrar as cabeas acima do buraco. Posso ver perfeitamente seu esconderijo ao claro dos holofotes. Com todos os seus falados recursos, estas criaturas mal podem enfrentar um cerrado fogo de metralhadora. De qualquer forma, um interessante treino para as tropas. Posso perceber seus uniformes caquis cruzando de c para l diante das luzes. quase como se fosse uma guerra verdadeira. Parece haver uma ligeira fumaa nos bosques que margeiam o rio Millstone. Provavelmente fogueiras acesas por gente acampada. Bem, teremos de ver logo alguma ao.

    Uma das companhias est se deslocando no flanco esquerdo. Um golpe rpido e tudo estar acabado. Agora esperem um minuto! Vejo algo no alto do cilindro. No, apenas uma sombra. Agora as tropas esto na borda da Fazenda Wilmuth. Sete mil homens armados apertando o cerco em torno de um tubo de metal. Esperem, no era uma sombra! alguma coisa se movendo metal slido uma espcie de coisa parecida com um escudo se levantando para fora do cilindro... Est cada vez mais alto. Epa, est ficando de p ... quer dizer, na verdade se elevando sobre um arcabouo metlico. Agora a coisa est por cima das rvores e as luzes dos holofotes incidem sobre ela! Esperem!

    (Silncio.)

    Locutor Dois: Senhoras e senhores, tenho uma notcia muito grave para transmitir. Por mais incrvel que parea, tanto as observaes da cincia como a evidncia de nossos olhos conduzem concluso irrecusvel de que aqueles estranhos seres que aterrissaram hoje noite na regio agrcola de Jrsei so a vanguarda de um exrcito invasor vindo do planeta Marte. A batalha que ocorreu esta noite em Grovers Mill terminou com uma das mais aterradoras derrotas jamais sofridas por um exrcito nos tempos modernos: sete mil homens armados com rifles e metralhadoras investiram contra uma nica mquina de combate dos invasores vindos de Marte. So conhecidos cento e vinte sobreviventes. O resto jaz espalhado pelo campo de batalha, de Grovers Mill a Plainsboro, os corpos esmagados e despedaados sob os ps metlicos do monstro, ou transformados em cinzas por seus raios de calor. O monstro agora tem o controle da parte central de Nova Jrsei e cortou efetivamente o Estado ao meio. As redes de comunicao caram desde a Pensilvnia at o Oceano Atlntico.

  • 16

    Trilhos ferrovirios foram retorcidos e os servios de Nova Iorque para Filadlfia esto interrompidos, exceto alguns trens passando por Allentown e Phoenixville. As estradas reais para o norte, sul e oeste esto coalhadas de frentico trfego humano. A polcia e o Exrcito so impotentes para controlar a fuga desordenada. Calcula-se que pela manh os fugitivos daro a Filadlfia, Camden e Trenton o dobro de sua populao normal.

    Neste momento, toda Nova Jrsei e o leste da Pensilvnia esto sob lei marcial. Passaremos agora a transmitir, de Washington, um programa especial sobre a Emergncia Nacional. O Secretrio do Interior ...

    Secretrio: Cidados dos EUA: No tentarei encobrir a gravidade da situao que nosso pas enfrenta, nem a preocupao de nosso Governo em proteger as vidas e a propriedade de nosso povo. No entanto, desejo que todos se compenetrem cidados, autoridades e funcionrios de todos os escales da necessidade urgente de calma e ao bem orientada. Felizmente este inimigo temvel ainda est confinado a uma rea relativamente pequena, e devemos confiar nas foras militares para mant-los l. No meio tempo, confiando em Deus, devemos continuar a desempenhar nossas obrigaes, cada um de ns sem exceo, para que possamos enfrentar este adversrio destruidor com uma nao unida, corajosa e consagrada preservao da supremacia humana nesta terra. Muito obrigado.

    Locutor: Acabaram de ouvir o Secretrio do Interior, falando de Washington. Boletins por demais numerosos para que possamos l-los se amontoam aqui no estdio. Estamos informados de que a parte central de Nova Jrsei est sem comunicao pelo rdio por causa do efeito do raio de calor sobre as linhas de fora e o equipamento eltrico. Aqui um boletim especial de Nova Iorque. Cabogramas recebidos de entidades cientficas inglesas, francesas e alems oferecendo assistncia. Astrnomos relatam continuadas erupes gasosas em intervalos regulares sobre o planeta Marte. A opinio da maioria que o inimigo ser reforado por novas mquinas lanadas por meio de foguetes. Foram feitas tentativas para localizar o professor Pierson de Princeton, que observou os marcianos de perto. Teme-se que tenha morrido em batalha recente. Langham Field, Virgnia: Avies de reconhecimento do conta de trs mquinas marcianas visveis acima das rvores, movendo-se para o norte em direo de Somerville, com a populao fugindo sua aproximao. No esto usando o raio de calor. Embora avanando velocidade de trem expresso, os invasores escolhem sua rota com cuidado. Parecem estar fazendo esforo deliberado para evitar destruio de cidades e campos. No entanto, param para desmantelar linhas de fora, pontes e trilhos ferrovirios. Seu aparente objetivo quebrar a resistncia, paralisar as comunicaes e desorganizar a sociedade humana.

    Aqui temos um boletim de Basking Ridge, Nova Jrsei: Caadores acabam de descobrir um segundo cilindro, idntico ao primeiro,

  • 17

    enterrado no grande pntano a 32 quilmetros ao sul de Morristown. Peas de artilharia do Exrcito dos EUA esto vindo de Newark para arrasar a segunda unidade invasora antes que o cilindro possa ser aberto e a mquina de guerra ativada. Esto tomando posio no sop das Montanhas de Watchung. Outro boletim de Langham Field, Virgnia. Avies de reconhecimento localizam mquinas inimigas, agora em nmero de trs, aumentando sua velocidade para o norte, tropeando em casas e rvores na pressa evidente de fazer juno com seus aliados ao sul de Morristown. Mquinas tambm divisadas por operador telefnico a leste de Middlessex num crculo de 16 quilmetros de Plainfield. Agora um boletim de Winston Field, Long Island: Esquadrilha de bombardeiros do Exrcito carregando explosivos pesados voando para o norte em perseguio do inimigo. Avies de reconhecimento agem como guias. Mantm sob observao inimigo em marcha acelerada. Um momento, por favor, senhoras e senhores, fizemos ligao especial com a linha de artilharia em povoaes adjacentes, para dar-lhes relatrios diretos da rea do avano inimigo. Em primeiro lugar falamos da bateria da 22 Artilharia de Campo, nas Montanhas de Watchung.

    Oficial: Alcance trinta e dois metros.

    Artilheiro: Trinta e dois metros.

    Oficial: Projeo, trinta e nove graus.

    Artilheiro: Trinta e nove graus.

    Oficial: Fogo!

    (Estrondo de artilharia pesada... Pausa.)

    Observador: Cento e vinte e cinco metros direita, senhor.

    Oficial: Muda alcance trinta e um metros.

    Artilheiro: Trinta e um metros.

    Oficial: Trinta e sete graus.

    Oficial: Fogo!

    (Estrondo de artilharia pesada... Pausa.)

    Observador: Bem no alvo, senhor! Atingimos a trpode de uma delas. Pararam. As outras esto tentando consert-la.

    Oficial: Rpido, o alcance. Mudana trinta metros.

    Artilheiro: Trinta metros.

    Oficial: Projeo vinte e sete graus.

    Artilheiro: Vinte e sete graus.

    Oficial: Fogo!

    (Estrondo de artilharia pesada... Pausa.)

  • 18

    Observador: No posso ver o local da cpsula, senhor. Esto deixando escapar uma fumaa.

    Oficial: O que que ?

    Observador: Uma fumaa preta, senhor. Est vindo para c. Bem rente ao cho. Se movendo ligeiro.

    Oficial: Coloquem mscaras contra gases. (Pausa). Apontar fogo. Muda para vinte e quatro metros.

    Artilheiro: Vinte e quatro metros.

    Projeo: Vinte e quatro graus.

    Oficial: Fogo! (Estrondo.)

    Observador: Ainda no consigo ver, senhor. A fumaa est mais perto.

    Oficial: Prepare o alcance. (Tosses.)

    Observador: Vinte e trs metros. (Tosses.)

    Oficial: Vinte e trs metros. (Tosse.)

    Observador: Projeo vinte e dois graus. (Tossindo.)

    Oficial: Vinte e dois graus. (A tosse vai sumindo.)

    (Som passa para rudo de motor de avio.)

    Comandante: Avio bombardeiro do Exrcito, V-8-43 sado de Bayonne, Nova Jrsei. Tenente Voght, comandando oito bombardeiros, Fazendo relatrio para Comandante Fairfax, Langham Field. Mquinas inimigas, de trs pernas, agora vista. Reforadas por trs mquinas do cilindro de Morristown. Seis no total. Uma mquina parcialmente avariada. Decerto foi atingida por projtil de metralhadora do Exrcito na operao de Watchung. Metralhadoras agora silenciosas. Pesada bruma negra pairando rente Terra, de extrema densidade, natureza desconhecida. Nenhum sinal de raio de calor. Inimigo se desloca para leste, atravessando o rio Passaic em direo aos pntanos de Jrsei. Outro se escarrancha sobre o Viaduto Pulaski. Nova Iorque o objetivo evidente. Esto derrubando uma usina de alta-tenso. Mquinas agora muito juntas, e estamos prontos para atacar. Avies sobrevoando, prontos para bombardear. Uns 900 metros e estaremos sobre a primeira ... 700 metros... 500 metros ... 300 metros ... 150 metros ... Esto nos varrendo com chamas! Seiscentos metros. Motores falhando. Impossvel lanar as bombas... Somente uma das Coisas ficou para trs... Vamos mergulhar com avio e tudo. Estamos mergulhando no primeiro. Agora o motor se foi! Oito...

    Operador Um: Aqui Bayonne, Nova Jrsei, chamando Langham Field... Aqui Bayonne, Nova Jrsei, chamando Langham Field... Contato, por favor... Contato, por favor...

    Operador Dois: Aqui Langham Field... prossiga.

  • 19

    Operador Um: Bombardeiros do Exrcito encontraram mquinas de combate inimigas sobre as plancies de Jrsei. Motores inutilizados pelos raios de calor. Tudo despedaado. Uma mquina inimiga destruda. Inimigo agora descarregando pesada fumaa preta na direo de ...

    Operador Trs: Aqui Newark, Nova Jrsei... Aqui Newark, Nova Jrsei... Cuidado! Fumaa preta venenosa chegando dos pntanos de Jrsei. Alcana South Street. As mscaras contra gases so inteis. Urgente transferncia da populao para espaos abertos... automveis usem estradas 7, 23, 24... evitem reas congestionadas. Fumaa agora se espalhando sobre Raymond Boulevard ...

    Operador Quatro: 2X2L ... chamando CQ... 2X2L ... chamando CQ... 2X2L chamando 8X3R ... do CQ... 2X2L chamando 8X3B ...

    Operador Cinco: Aqui 8X3R... devolvendo chamada a 2X2L...

    Operador Quatro: Que tal a recepo? Que tal a recepo? K, por favor. Onde que est, 8X3R? O que que h? Onde que voc est?

    (Sinos tocando pela cidade, diminuindo gradualmente.)

    Locutor: Estou falando do terrao do Broadcasting Building, cidade de Nova Iorque. Os sinos que ouvem esto tocando para que o povo evacue a cidade, enquanto os marcianos se aproximam. Calcula-se que nas ltimas duas horas trs milhes de pessoas fugiram para o norte pelas estradas, a avenida do Rio Hutchison ainda est aberta para trfego motorizado. Evitem as pontes para Long Island... esto completamente inutilizadas. Toda a comunicao com a costa de Jrsei interrompida h dez minutos. No h mais defesa. Nosso Exrcito varrido... artilharia, Fora Area, tudo varrido. Esta pode ser a ltima transmisso. Vamos ficar aqui at o fim. O povo est rezando l embaixo... na Catedral.

    (Vozes cantando um hino.)

    Estou olhando para os lados do porto. Embarcaes de todo tipo invadidas pela populao em fuga. Deixam o cais, superlotadas.

    (Som de apitos de barco.)

    Ruas na maior confuso. Multides se atropelam como numa vspera de Ano Novo. Um momento... Inimigo vista agora acima de Palisades. Cinco grandes mquinas. A primeira est cruzando o rio. Posso v-la daqui, vadeando o Hudson como um homem vadeia um regato ... Um boletim acaba de me ser entregue... Cilindros marcianos esto caindo por todo o pas. Um nos arredores de Buffalo, um em Chicago, St. Louis parecem com tempo e distncia calculados ... Agora a primeira mquina alcana a margem. Fica de p contemplando a cidade. Sua descomunal cabea metlica alcana a altura dos arranha-cus. Espera pelas outras. Erguem-se como uma linha de novas torres na zona oeste da cidade... Comeam a levantar as suas mos metlicas. o fim. Fumaa... uma fumaa negra se alastra por toda a cidade. As pessoas que esto nas ruas agora percebem. Esto

  • 20

    correndo em direo ao rio... milhares delas se afogando como ratos. Agora a fumaa est se espalhando mais depressa. Alcanou Times Square. O povo tenta fugir dali, mas no adianta. Caem como moscas. Agora a fumaa atravessa a Sexta Avenida... a Quinta Avenida... aproxima-se ... est a 90 metros ... est s a uns 15 metros...

    Operador Quatro: 2X2L chamando CQ... 2X2L chamando CQ ... 2X2L chamando CQ ... Nova Iorque ... No h ningum no ar? H algum ... 2X2L...

    Pierson: Enquanto ponho no papel estas notas, sinto-me obcecado pelo pensamento de que posso ser o ltimo homem vivo sobre a Terra. Tenho estado escondido nesta casa vazia perto de Grovers Mill uma pequena ilha de luz solar recortada dentro da fumaa negra do resto do mundo. Tudo que aconteceu antes da chegada dessas criaturas monstruosas Terra parece agora parte de outra vida uma vida sem continuidade com o presente, furtiva existncia do nufrago solitrio que grava estas palavras nas costas de algumas notas astronmicas que levam a assinatura de Richard Pierson. Baixo os olhos para minhas mos enegrecidas, meus ps descalos, minhas roupas em frangalhos, e tento relacion-los com um professor que vive em Princeton e que, na noite de 30 de outubro, observou de relance, atravs de seu telescpio, um espocar de luz alaranjada num distante planeta. Minha mulher, meus colegas, meus alunos, meus livros, meu observatrio, meu... meu mundo... onde est tudo isso? Ser que ainda existem? Sou mesmo Richard Pierson? Que dia hoje? Ser que os dias existem sem calendrio? O tempo passa quando no sobrou mo humana para dar corda aos relgios? Estou relatando minha vida diria porque disse a mim mesmo que devo preservar a histria humana sob a capa preta deste livrinho que era destinado anotao do movimento das estrelas. Mas para escrever eu tenho de viver e para viver tenho de comer... achei po duro na cozinha e uma laranja que ainda podia ser aproveitada. Estou sempre de olho na janela. De tempos em tempos percebo um marciano acima da fumaa negra.

    A fumaa ainda prende a casa em sua espiral negra, mas a espaos ouve-se um som sibilante, e sbito vejo um marciano montado em sua mquina, borrifando o ar com um jato de vapor, como se fosse para dissipar a fumaa. Me esgueiro para um canto, enquanto suas enormes pernas metlicas quase do de encontro casa. Exausto de pavor, pego no sono.

    de manh. Raios de sol penetram pela janela. A negra nuvem de gs ergueu-se, e os campos estorricados ao norte do a impresso de que uma tempestade de neve negra os assolou. Aventuro-me para fora de casa. Encaminho-me para uma estrada. Nenhum trfego. Aqui e ali um carro arrebentado, bagagem revolvida, um esqueleto enegrecido. Me arrasto para o norte. Por alguma razo sinto-me mais seguro nos rastros destes monstros do que fugindo deles. E me mantenho alerta. Eu vi de que que os marcianos se alimentam. Se alguma dessas

  • 21

    mquinas se mostrar por sobre o topo das rvores, estou pronto para me deitar rente ao solo. Chego a uma nogueira. Outubro, as nozes esto maduras. Encho os bolsos. Preciso me manter vivo. H dois dias perambulo numa vaga direo norte por um mundo desolado. Finalmente percebo uma criatura viva um esquilinho vermelho numa faia. Fixo os olhos nele e fico imaginando. Ele me devolve o olhar. Creio que naquele momento o animal e eu compartilhamos a mesma emoo a alegria de descobrir um outro ser vivo... prossigo para o norte. Encontro vacas mortas num pasto cercado. Alm, as runas requeimadas de uma fazenda. O silo permanece de guarda sobre a terra devastada, qual um farol abandonado pelo mar. No alto do silo se empoleira um galo de catavento. A seta aponta para o norte.

    No dia seguinte chego a uma cidade vagamente familiar por seus contornos. Contudo, seus prdios diminuram de tamanho, estranhamente, foram nivelados como se um gigante houvesse cortado suas torres mais altas com um desdenhoso golpe de mo. Alcano os arrabaldes. Vejo que Newark no foi arrasada, mas s decapitada por algum capricho dos marcianos em seu avano.

    Agora, com a estranha sensao de estar sendo observado, percebo algo acocorado num portal. Dou um passo em sua direo, ele se levanta e vejo que um homem armado com um faco.

    Estranho: Pare ... De onde que veio?

    Pierson: Eu vim de ... muitos lugares. H muito tempo, de Princeton.

    Estranho: Princeton, ? Mas isso perto de Grovers Mill!

    Pierson: sim.

    Estranho: Grovers Mill... (Ri como de uma boa piada.) No h comida aqui. Este meu territrio desta ponta da cidade at o rio. S h comida para um... Para onde est indo?

    Pierson: No sei. Acho que estou procurando... procurando gente.

    Estranho (nervoso): Que foi isso? Ouviu alguma coisa bem ali?

    Pierson: Apenas um pssaro ... um pssaro vivo!

    Estranho: Precisa saber que nos dias de hoje os pssaros nunca vm sozinhos... Olhe, estamos a cu aberto aqui. Vamos engatinhar para este portal e conversar.

    Pierson: Tem visto algum marciano?

    Estranho: Foram-se para Nova Iorque. noite o cu fica todo claro com suas luzes. como se as pessoas ainda estivessem vivendo ali. De dia no d para v-los. H cinco dias dois deles passaram carregando um troo bem grande pela plancie, vindos do aeroporto. Acho que esto aprendendo a voar.

    Pierson: Voar!

    Estranho: Isso mesmo, voar.

  • 22

    Pierson: Ento acabou-se a humanidade. Estranho, sobramos voc e eu. Somente ns dois.

    Estranho: Eles atacaram sabendo o que faziam: transformaram em runas a maior nao do mundo. Aquelas estrelas verdes provavelmente esto caindo em algum lugar cada noite. Eles perderam apenas uma mquina. No h nada a fazer. Estamos vencidos. Estamos liquidados.

    Pierson: De onde que voc veio? Est de uniforme.

    Estranho: Com o que sobrou dele. Estava na milcia Guarda Nacional. Na guerra. Como se pudesse haver guerra entre homens e formigas!

    Pierson: E ns ramos formigas comestveis. Descobri isso. Que vo fazer conosco?

    Estranho: Tenho pensado nisso tudo. Agora nos pegam de qualquer jeito. s o marciano andar uns quilmetros e l est uma multido em fuga. Mas no vo continuar fazendo isso. Comearo a nos pegar de modo sistemtico... conservando os melhores e nos armazenando em jaulas e coisas assim. Ainda no comearam a cuidar de ns!

    Pierson: No comearam?

    Estranho: No comearam. Tudo o que aconteceu at agora porque no temos o bom senso necessrio para ficar quietos ficamos incomodando-os com armas e essa tralha toda, e perdendo a cabea e fugindo em bandos. Agora, em vez de sair por a s cegas, temos de nos adaptar s coisas como so agora. Cidades, naes, civilizao, progresso...

    Pierson: Mas se assim, para que viver?

    Estranho: Durante um milho de anos ou pouco mais, nada de concertos, ou jantares elegantes nos restaurantes da moda. Se est atrs de diverso, acho que a festa acabou.

    Pierson: E o que que sobra?

    Estranho: A vida sobra a vida! Eu quero viver. E voc tambm. No vamos ser exterminados. E tambm no quero ser agarrado, domesticado e cevado como um boi.

    Pierson: Que vamos fazer?

    Estranho: Eu vou adiante... bem debaixo do nariz deles. Tenho um plano. Ns homens, como homens, estamos acabados. No sabemos bastante. Temos de aprender um bocado para criar uma oportunidade de salvao. Temos de dar um jeito de viver e em liberdade enquanto aprendemos. Pensei nisso tudo, est vendo?

    Pierson: Me conte o resto.

    Estranho: Bem, nem todos foram feitos para a vida selvagem, e assim tinha de ser. por isso que eu o observava. Todos esses

  • 23

    funcionariozinhos que viviam nestas casas eles no serviam para nada. Tinham a cuca vazia. S sabiam correr para o trabalho. Via centenas deles correndo feito loucos para pegar seu trem de cada dia pela manh, com medo de chegar atrasados no emprego; correndo de volta noite, com medo de no chegar a tempo para o jantar. Seguro de vida e um pouco de dinheiro investido para o caso de acidente. E aos domingos, preocupados com o futuro. Os marcianos sero uma bno celestial para esses caras. Jaulas confortveis, boa comida, bom tratamento, nada de preocupaes. Depois de uma semana ou duas de andanas pelo mato com estmago vazio, eles ficaro contentes de ser apanhados.

    Pierson: Voc pensou em tudo, no pensou?

    Estranho: Se pensei! E no s. Estes marcianos faro de alguns deles animaizinhos de estimao, ensinando-lhes gracinhas. Quem sabe? Ficaro cheios de problemas por ter de matar o menino de estimao que j cresceu demais. Talvez treinem alguns para que nos cacem.

    Pierson: No, isso impossvel. Nenhum ser humano...

    Estranho: Sim, treinaro. H homens que faro isso, alegremente. Se algum vier no meu encalo...

    Pierson: No meio tempo, voc e eu e outros como ns..... onde iremos viver enquanto os marcianos dominam a Terra?

    Estranho: J pensei em tudo. Vamos ter vida clandestina. Pensei nos esgotos. Debaixo de Nova Iorque h quilmetros de esgotos. Nos maiores qualquer pessoa cabe. E depois h adegas, caixas-fortes, depsitos de alimentos subterrneos, tneis ferrovirios, metrs. Est percebendo, no? Vamos arranjar um punhado de homens fortes. Nada de fracotes, fora com eles.

    Pierson: E quer que eu v?

    Estranho: Bem, eu lhe dei uma oportunidade, no dei?

    Pierson: No vamos brigar por causa disso. E da?

    Estranho: Temos de arranjar lugares seguros para ns, compreende, e arranjar todos os livros que pudermos livros cientficos. aqui que entram homens como voc, percebeu? Faremos incurses nos museus, espionaremos os marcianos. Talvez no tenhamos de aprender muito para... imagine s: quatro ou cinco das mquinas de combate deles de repente se pem a funcionar... raios de calor direita e esquerda, e nenhum marciano dentro. Nenhum marciano, percebe? Mas homens homens que aprenderam a lidar com elas. Pode mesmo ser ainda em nosso tempo. Que beleza! Imagine uma dessas coisas maravilhosas, com seus raios de calor em nosso poder! Vamos disparar contra os marcianos, vamos disparar contra outros homens. Todo mundo vai ter de se ajoelhar diante de ns.

    Pierson: esse o seu plano?

  • 24

    Estranho: Voc e eu e mais uns poucos seremos donos do mundo.

    Pierson: Estou percebendo.

    Estranho: Fale, o que que h? Para onde vai?

    Pierson: No para o seu mundo. Adeus, Estranho ...

    Depois de ter rompido com o artilheiro, acabei dando no Tnel Holland. Entrei naquele tubo silencioso, cheio de ansiedade para conhecer o destino da grande cidade do outro lado do Hudson. Cauteloso, sa do tnel e caminhei pela rua que margeia o canal.

    Alcancei a Rua Quartorze, e de novo era p negro e numerosos corpos, e um cheiro ftido e de mau agouro que vinha dos pores de algumas casas. Vagueei por vrios trechos; contemplei, solitrio, Times Square. Vi de relance um cachorro magro correndo Stima Avenida abaixo, com um pedao de carne enegrecida entre as mandbulas, e um punhado de vira-latas esfaimados no seu encalo. Fez um grande crculo em torno de mim, como se temesse que eu fosse mais um competidor. Subi a Broadway na direo daquele p estranho... passando por vitrinas silenciosas, que apresentavam sua muda mercadoria s caladas desertas... passando pelo Capitol Theatre, silencioso e s escuras... passando por uma galeria de tiro ao alvo, onde uma fileira de espingardas vazias apontava para uma linha imvel de patos de madeira. Perto do Columbus Circle vi automveis modelo 1939 nas salas de exposio olhando para as ruas sem ningum. Por sobre o edifcio da General Motors observei um bando de pssaros negros voando em crculos no cu. Apressei-me. De sbito, divisei a parte superior de uma mquina marciana, parada num ponto qualquer do Central Park, luzindo aos ltimos raios do sol vespertino. Uma idia louca me veio mente! Sa em corrida desabalada pelo Columbus Circle em direo ao Central Park. Subi uma colina acima do reservatrio d'gua da Rua Sessenta. De l pude ver, parados em fila silenciosa ao longo do Mall, dezenove daqueles imensos Tits de metal, com suas torretas vazias, seus braos de ao pendendo indiferentes. Procurei em vo os monstros que habitam essas mquinas.

    Sbito, meus olhos foram atrados pelo imenso bando de pssaros negros que volteavam diretamente abaixo de mim. Faziam crculos para o cho, e ali, diante de meus olhos, rgidos e silenciosos, jaziam os marcianos, com os pssaros famintos bicando e arrancando tiras de carne de seus cadveres.

    Mais tarde, quando seus corpos foram examinados em laboratrios, descobriu-se que haviam sido mortos pelas bactrias da putrefao e das doenas contra as quais seus organismos no tinham proteo... mortos, depois que todas as defesas do Homem haviam fracassado, pela coisa mais humilde que Deus em Sua sabedoria colocou sobre esta terra.

    Antes que o cilindro casse, havia uma convico geral de que por todo o imenso espao no havia vida a no ser na insignificante superfcie de nossa minscula esfera. Agora vemos mais longe. Obscura

  • 25

    e maravilhosa a viso que formei em minha mente: a vida se espalhando lentamente desta pequena sementeira do Sistema Solar por toda a vastido inanimada do espao sideral. Mas isso um sonho remoto. Pode ser que a destruio dos marcianos seja apenas uma moratria, Talvez o futuro esteja reservado para eles e no para ns.

    Agora parece estranho estar eu aqui sentado em meu tranqilo estdio, em Princeton, escrevendo o ltimo captulo do relatrio comeado numa fazenda deserta em Grovers Mill. Estranho ver de minha janela as torres da universidade esfumaadas e azuis atravs da nvoa de abril. Estranho contemplar crianas brincando nas ruas. Estranho ver gente passeando pelo gramado, onde a nova relva primaveril cicatriza as ltimas escaras negras de uma Terra combalida. Estranho observar os turistas que entram no museu para ver as partes desmontadas de uma mquina marciana em exposio. Estranho quando me lembro da primeira vez que a vi, recortada contra a paisagem, brilhante, dominadora e silenciosa, no amanhecer daquele ltimo grande dia.

  • 26

    Primeiro contato Autor Murray Leinster

    Traduo Mario Salviano

    Tommy Dort entrou na cabina de comando com suas ltimas estereofotos.

    Acabou-se, comandante disse. So estas as duas ltimas fotografias que posso fazer.

    Passou as fotos ao comandante e olhou com interesse profissional para os visoramas que mostravam todo o espao que circundava externamente a nave. Uma amortecida luz vermelho-escura indicava os controles e outros instrumentos necessrios para a viagem da Llanvabon. A cabina tinha ainda uma poltrona almofadada e uma poro de espelhos curiosos, dispostos em ngulos diversos, que permitiam ao tripulante fixar a vista nos visoramas sem precisar virar a cabea. Havia tambm enormes visores panormicos, atravs dos quais se tinha uma direta viso do espao.

    A Llanvabon estava a considervel distncia da Terra. Os visoramas, onde desfilavam todas as estrelas de magnitude visual e que podiam ser graduados para o tamanho desejado, mostravam estrelas de todos os graus imaginveis de brilho, na surpreendente variedade de cores com que elas se apresentam fora da atmosfera. Mas todas eram desconhecidas. Somente duas constelaes podiam ser reconhecidas como eram vistas da Terra, assim mesmo reduzidas no tamanho e distorcidas. A Via-lctea parecia vagamente fora de lugar. Mesmo tais singularidades, entretanto, eram secundrias ante o que se via nos visoramas dianteiros.

    Tinham pela frente um vasto nevoeiro. Era um nevoeiro luminoso, que parecia imvel. Levou muito tempo para ser mais distintamente captado, embora o velocmetro da nave indicasse uma incrvel velocidade. O nevoeiro era a Nebulosa do Caranguejo, com seis anos-luz de comprimento, trs e meio anos-luz de espessura e com os apndices que a tornavam parecida com o animal que lhe d o nome. Uma nuvem de gs, infinitamente tnue, em cujo centro ardiam duas estrelas, uma das quais da cor amarela do sol da Terra, e a outra de um branco que no se podia classificar de imaculado.

    Tommy Dort disse, pensativo:

    Estamos marchando para um abismo, senhor.

    O comandante estudou as duas ltimas estereofotos tiradas por Tommy e as ps de lado, voltando inquieto observao dos visoramas dianteiros. A Llanvabon estava desacelerando a todo o vapor. Achava-se apenas a meio ano-luz da nebulosa. O trabalho de Tommy era guiar o curso da espaonave, mas isto ele j havia feito. Durante o tempo em

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    que a nave exploradora permanecesse na nebulosa, ele nada teria a fazer, mas j havia pago um bom preo por essa ociosidade.

    Tommy acabara de realizar um feito sem precedente um completo registro fotogrfico de uma nebulosa durante um perodo de quatro mil anos, tomado por um indivduo com o mesmo aparelho e com exposies devidamente controladas para detectar e registrar quaisquer erros sistemticos. Era em si mesma uma realizao digna da intrpida jornada. Alm disso, porm, ele tambm acabara de documentar quatro mil anos da histria de uma estrela dupla, e quatro mil anos da histria de uma estrela em plena degenerescncia, que lhe reduziria consideravelmente a dimenso.

    No que Tommy Dort tivesse quatro mil anos de idade. Ele estava, com efeito, na casa dos vinte. Mas a Nebulosa do Caranguejo est a quatro mil anos-luz da Terra e as duas ltimas fotografias tinham sido tiradas com luz que no chegaria Terra seno no sexto milnio da Era crist. A caminho daqui, na marcha alucinante de mltiplos da velocidade da luz, Tommy Dort havia registrado todos os aspectos da nebulosa com luz que dela havia partido desde quarenta sculos at apenas seis meses atrs.

    A Llanvabon continuava a furar o espao. Lenta e lentamente, a incrvel luminosidade comeava a tomar conta dos visoramas, suprimindo a viso de metade do universo. Na frente era uma cerrao brilhante e atrs um vcuo salpicado de estrelas. A cerrao ocultava trs quartos de todas as estrelas, percebendo-se apenas o brilho esmaecido de algumas das mais luminosas. Atrs, ficava apenas uma profunda escurido contra a qual se destacava o brilho fixo das estrelas. A Llanvabon mergulhou na nebulosa e era como se furasse um tnel de escurido com paredes de cerrao luminosa.

    Que era exatamente o que estava fazendo a nave espacial. As fotografias tomadas de maior distncia tinham revelado caractersticas estruturais na nebulosa, como, por exemplo, que ela tinha forma. Quando a Llanvabon chegou mais perto, as indicaes de estrutura se tornaram mais distintas e Tommy pediu uma aproximao em curva por motivos de fotografia. A nave aproximou-se ento da nebulosa numa vasta curva logartmica, o que permitiu que Tommy fizesse sucessivas fotografias de ngulos ligeiramente diferentes e conseguisse estereopares mostrando a nebulosa em trs dimenses, inclusive os seus acidentes, e todo o seu complicado formato. Havia lugares em que a nebulosa apresentava convulses semelhantes s do crebro humano. Numa de suas imensas fendas que a nave estava mergulhando agora e esse mergulho veio em boa hora.

    As fendas eram assim chamadas por analogia com as rachaduras enormes encontradas no fundo do mar. E elas foram de grande utilidade.

    O comandante ps-se vontade. Uma das funes de um comandante pensar em coisas que causem preocupao e depois

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    preocupar-se com elas. O comandante da Llanvabon era homem consciencioso. S quando um instrumento parava definitivamente de registrar informaes que ele se descontraa.

    Parece quase impossvel disse pesadamente que aqueles abismos possam ter sido gases no-luminosos. Mas eles esto vazios. Assim poderemos ligar o overdrive enquanto estivermos dentro deles.

    Era de ano-luz e meio a distncia entre a extremidade da nebulosa e as proximidades da estrela dupla que se achava no seu centro. Aqui estava o problema. A nebulosa um gs. to tnue que a cauda de um cometa slida em comparao, mas um veculo se deslocando em overdrive precisa de um vcuo puro, como o que existe entre as estrelas, e no de um vcuo parcial. Mas a Llanvabon no podia render muito neste imenso nevoeiro com sua velocidade limitada quela que o vcuo parcial permite. A luminosidade parecia bloquear a retaguarda da nave, que diminua gradativamente de velocidade. O overdrive terminou e, quase instantaneamente, campainhas estrdulas ressoaram em todos os ngulos da nave, as quais s deixaram de tocar quando portas automticas foram fechadas uma a uma. Tommy Dort olhou fixamente para o comandante, que tinha os punhos cerrados. Um aparelho entrava aparentemente em convulses, enquanto outros registravam nervosamente suas descobertas. Um ponto no difuso e brilhante nevoeiro estampado num visorama tornou-se mais destacado quando o esquadrinhador automtico se fixou nele. Foi a direo do objeto que fez soar o alarma de coliso. Mas o prprio indicador do objeto segundo a leitura do seu grfico mostrava um corpo slido a cerca de oitenta mil milhas de distncia, e de pequeno tamanho. Havia, porm, outro objeto cuja distncia ia do ponto mais extremo da escala a zero, avanando e recuando.

    Aumente a graduao do aparelho disse o comandante.

    O ponto extraluminoso veio logo para o primeiro plano, obliterando a imagem imprecisa ao fundo. Ampliao pronta. Mas nada aparecia. Absolutamente nada. Entretanto, o rdio insistia em que algo invisvel e monstruoso fazia loucos arremessos na direo da Llanvabon, em velocidade que inevitavelmente implicavam coliso, recolhendo-se em seguida na mesma velocidade.

    A graduao do visorama foi aumentada ao mximo. Nada ainda. O comandante mordeu os lbios e Tommy Dort disse, pensativo:

    Escute, comandante, vi algo parecido com isto numa viagem certa vez entre a Terra e Marte, quando estvamos sendo localizados por outra espaonave. Sua transmisso era feita na mesma freqncia que a nossa e sempre que a captvamos parecia-nos estar diante de algum corpo slido e monstruoso.

    Isso mesmo disse o comandante, excitado , exatamente o que est acontecendo conosco. Temos sobre ns alguma coisa assim como um localizador de rdio. Estamos sendo atingidos por essa transmisso e alm disso por nosso prprio eco. Mas a outra nave

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    invisvel. Quem estaria aqui numa nave invisvel com instrumentos de localizao? No seriam homens, certamente!

    Apertou o boto do comunicador preso na manga do seu traje e transmitiu a ordem:

    Ateno! Guarneam todas as armas. Alerta total em todos os departamentos imediatamente!

    Suas mos se fechavam e se abriam. Fixou de novo o visorama, que nada mostrava a no ser uma luminosidade informe.

    No seriam homens"? perguntou Tommy Dort com certa perplexidade. O senhor quer dizer...

    Quantos sistemas solares h em nossa galxia? perguntou o comandante com azedume. Quantos planetas apresentam condies de vida? E quantas espcies de vida pode haver? Se essa nave no vem da Terra e no vem sua tripulao no ser humana. E coisas que no so humanas, mas que tm condies para empreender viagens pela vastido do espao, devem possuir uma civilizao nada desprezvel.

    As mos do comandante estavam trmulas. Ele no devia ter falado to livremente diante de um membro de sua prpria tripulao, mas Tommy Dort pertencia ao seu quadro de observadores. E mesmo um comandante, cujas tarefas incluem o dever de se preocupar, precisa, por vezes desesperadamente, desabafar com algum. Algumas vezes, tambm, ajuda muito pensar em voz alta.

    Coisa parecida tem sido objeto de discusses e especulaes durante anos disse brandamente. Matematicamente, quase certo que em alguma parte da nossa galxia haja outra raa dotada de civilizao igual ou superior nossa. Ningum pode jamais suspeitar onde ou quando a encontraremos. Mas parece que coube a ns realizar essa proeza agora!

    Os olhos de Tommy adquiriram brilho incomum.

    O senhor acha que eles sero cordiais? perguntou. O comandante olhou para o indicador de distncia. O objeto fantasma ainda fazia seus loucos arremesses na direo da Llanvabon, recuando na mesma incrvel velocidade.

    Est se movendo disse secamente. Vindo em nossa direo. Exatamente o que faramos se uma nave espacial estranha aparecesse em nossa tela de observao. Amigos? possvel. Vamos tentar entrar em contato com eles. o que temos a fazer. Mas suspeito que isto ser o fim de nossa expedio. Graas a Deus pelos desintegradores.

    Os desintegradores so correntes de arrasadora destruio, que tm por fim limpar da presena de meteoritos a rota da nave espacial. Embora no tenham sido concebidos como armas, podem servir como tal. Podem entrar em ao a cinco mil milhas de distncia e tm um tal

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    poder destruidor que podem abrir uma enorme fenda num asteride de pequeno tamanho que se ache no caminho do veculo espacial. Mas no em overdrive, naturalmente.

    Tommy Dort aproximou-se do visorama traseiro. E voltando a cabea disse:

    Desintegradores, senhor? Para qu?

    O comandante fez uma careta para o visorama vazio.

    Porque no sabemos as suas intenes e no podemos nos arriscar! Eu sei continuou, com azedume. Vamos fazer contatos e tentar descobrir tudo o que pudermos sobre eles especialmente de onde procedem. Acho que tentaremos fazer amigos, mas no temos muita chance. No podemos depositar neles o mnimo de confiana. No ousaremos. Eles tm localizadores. Talvez possuam rastreadores melhores que os nossos. Quem sabe se eles no acompanharam o nosso trajeto desde a Terra sem o sabermos. No podemos arriscar que uma raa no-humana saiba onde fica a Terra, a menos que estejamos seguros a respeito dela. E como podemos adquirir essa segurana? Eles poderiam vir para negociar ou tambm precipitar-se em overdrive com um verdadeiro exrcito capaz de nos aniquilar antes de sabermos o que teria acontecido.

    Tommy fez um ar de espanto.

    Isso tudo foi repetidamente trocado em midos, na teoria disse o comandante. Ningum jamais conseguiu encontrar uma resposta satisfatria, mesmo no papel. Ningum pensou, porm, na possibilidade de um encontro na vastido do espao sem que nenhum dos lados soubesse a procedncia do outro. Mas temos que encontrar uma resposta. Que que vamos fazer com eles? Talvez estas criaturas sejam maravilhas estticas, distintas, amveis e polidas, possuindo entretanto a brutal ferocidade de um canibal. Ou talvez sejam rudes como um campons sueco, mas com o esprito de justia e de decncia que a marca do seu carter. Talvez sejam uma mistura dos dois. Mas iria eu arriscar o futuro da humanidade na presuno de que possvel confiar neles? Deus sabe que valeria a pena fazer amigos com uma nova civilizao. Isto poderia estimular a nossa e talvez lucrssemos enormemente. Mas eu no posso correr riscos. Em hiptese alguma eu concorreria para que eles soubessem o caminho da Terra. E eles devem pensar da mesma forma.

    Apertou de novo o boto do comunicador e disse:

    Oficiais navegadores, ateno! Todos os mapas estelares neste veculo devem ser preparados para destruio imediata. Isto inclui fotografias e diagramas pelos quais nossa rota ou ponto de partida possam ser deduzidos. Quero que todos os dados astronmicos sejam reunidos e dispostos para serem destrudos em frao de segundo. Trabalhem com rapidez e me informem quando estiverem prontos.

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    Desligou o comunicador e dava a impresso de ter subitamente envelhecido. O primeiro contato do ser humano com uma raa de outra parte era um fato que fora previsto de muitas maneiras, mas nunca de forma to embaraosa quanto esta parecia ser. Duas naves solitrias, uma da Terra e outra de um mundo diferente, encontravam-se numa nebulosa que devia se achar a remotssima distncia do planeta de origem de cada uma. Elas poderiam desejar paz, mas no se podia distinguir bem entre a linha de conduta que preparava um ataque traioeiro e uma aproximao amistosa. Pr de lado a suspeita poderia resultar na desgraa da raa humana e, no entanto, uma permuta pacfica dos frutos da civilizao seria o maior benefcio imaginvel. Qualquer erro seria irreparvel, mas no ficar alerta poderia ser fatal.

    Reinava profundo silncio na cabina do comandante. O visorama da traseira estava tomado com a imagem de uma pequenssima frao da nebulosa. Era tudo um nevoeiro difuso, sem contornos, luminoso.

    Subitamente, Tommy Dort exclamou:

    Ali, senhor!

    Distinguia-se uma pequena forma no nevoeiro. Era um objeto preto, sem lustre, ao contrrio, por exemplo, do casco da Llanvabon. Tinha a forma aproximada de uma pra. Apresentava uma tnue luminosidade, mas seus detalhes eram imperceptveis. Era certo que no se tratava de um objeto natural. Tommy olhou ento para o indicador de distncia e disse calmamente:

    Est se dirigindo para ns em alto grau de acelerao, senhor. Claro que eles devem estar pensando a mesma coisa que ns, isto , que nenhum de ns ousar permitir que o outro volte sua base. O senhor acha que tentaro um contato conosco, ou usaro suas armas to logo estejam em condies de nos atingir?

    A Llanvabon no se achava mais num abismo de vcuo na fina substncia da nebulosa, mas deslizava num mar luminescente. No havia outras estrelas seno as duas de intenso brilho que ocupavam o centro da nebulosa. Nada mais se via seno uma luz que a tudo envolvia, e a coisa era to surpreendente que fazia os tripulantes imaginar estarem sob a gua nos trpicos da Terra.

    O estranho veculo fizera um sinal que demonstrava intenes amigveis. Ao chegar perto da Llanvabon desacelerou. Esta, depois de aproximar-se o mximo que a prudncia permitia, parou. Essa parada era tanto um sinal de cordialidade como uma precauo contra ataque. Relativamente imvel, ela podia girar sobre seu prprio eixo para se expor o mnimo possvel a um assalto devastador. Por outro lado, assim procedendo, teria muito mais tempo para fazer fogo com xito, do que se as duas naves passassem uma pela outra em suas velocidades combinadas.

    O momento da real aproximao, contudo, foi dominado por uma profunda tenso. A proa em forma de agulha da Llanvabon apontava firmemente para o casco da outra nave.

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    A um simples gesto agressivo, o comandante podia instantaneamente lanar os desintegradores com toda a potncia. Tommy Dort observava com o sobrecenho carregado. Aqueles desconhecidos deviam possuir um alto nvel de civilizao para terem naves espaciais, e a civilizao no se desenvolve sem prudncia. Deviam levar em conta todas as implicaes deste primeiro contato de duas raas civilizadas, tal como o faziam os seres humanos a bordo da Llanvabon.

    possvel que o contato pacfico e a troca de suas respectivas tecnologias tenham ocorrido tanto aos tripulantes da estranha nave como aos da Llanvabon. Quando culturas humanas dessemelhantes esto em contato, uma geralmente deve estar subordinada ou h guerra. Mas entre raas oriundas de planetas diferentes a subordinao no pode ser estabelecida pacificamente. Os homens, pelo menos, jamais consentiriam em ficar subordinados, nem provvel que outra qualquer raa altamente desenvolvida o admitisse. Os benefcios que resultam do comrcio jamais podem compensar a condio de inferioridade. Algumas raas os homens, quem sabe? talvez preferissem o comrcio conquista. Talvez, tambm, o mesmo acontecesse com esses aliengenas. Mas mesmo certos tipos de seres humanos teriam preferido a guerra. Se o veculo estranho agora se aproximando da Llanvabon voltasse sua base com a notcia da existncia de humanidade e de naves como a Llanvabon, isto daria sua raa a alternativa de negociar ou guerrear. Como se sabe, para se fechar um negcio bastam dois, mas um apenas para fazer uma guerra. Eles podiam no ter certeza das intenes pacficas dos homens, nem os homens do pacifismo deles. A nica segurana para ambas as civilizaes estaria na destruio de uma ou de ambas as naves ali e j.

    Mas a prpria vitria no seria bastante. Os homens precisariam conhecer o planeta natal dessa raa estranha para evit-la ou para combat-la. Precisariam conhecer suas armas e seus recursos, se eram uma ameaa, e como elimin-la em caso de necessidade. Os desconhecidos sentiriam as mesmas necessidades relativamente humanidade.

    Por isso o comandante da Llanvabon no apertou o boto que possivelmente teria destrudo a outra nave. No ousou fazer fogo. O suor escorria-lhe pelo rosto, denotando a extrema tenso que o envolvia.

    Ouviram-se vozes da sala de controle.

    A outra nave est parada, senhor. Absolutamente imvel. Os desintegradores esto centralizados nela.

    Era um pedido para fazer fogo. Mas o comandante balanou a cabea para si mesmo. A nave estranha, inteiramente apagada, no estava a mais de vinte milhas de distncia. Todo o seu exterior era de um abissal pardo-escuro, no qual nada se refletia. No se podia ver

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    qualquer detalhe, exceto variaes insignificantes no seu perfil em contraste com a cerrao da nebulosa.

    Est completamente parada, senhor disse outra voz. Eles enviaram em nossa direo uma onda curta modulada. Freqncia modulada. Aparentemente um sinal. No tem fora suficiente para causar qualquer dano.

    O comandante cerrou os dentes.

    Esto fazendo alguma coisa agora disse. H movimento do lado de fora da nave. Observem o que eles mandam para fora. Concentrem sobre este alvo os desintegradores auxiliares.

    Algo pequeno e redondo saiu vagarosamente da estrutura oval da nave escura. Esta comeou a mover-se.

    Est se afastando, senhor disse o controlador. O objeto que eles puseram do lado de fora se acha estacionrio no lugar em que eles o deixaram.

    Outra vez interrompeu:

    Mais sinais em freqncia modulada, senhor. Ininteligveis.

    Os olhos de Tommy Dort brilharam. O comandante olhou para o visorama, enquanto gotas de suor lhe desciam da testa.

    Tanto melhor, senhor disse Tommy, confiante. Se enviassem alguma coisa em nossa direo, poderia parecer um projtil ou uma bomba. Assim, eles chegaram perto, largaram um salva-vida e afastaram-se de novo. Calculam que podemos mandar um barco ou um homem para fazer contato sem risco para o nosso veculo. Eles devem pensar mais ou menos igual a ns.

    O comandante, sem tirar os olhos do visorama, disse:

    Sr. Dort, o senhor no se importaria de sair da nave para examinar o objeto? Eu no posso ordenar-lhe isto, mas preciso de toda a minha tripulao para emergncias. O pessoal de observao ...

    Pode ser sacrificado. Muito bem, senhor disse Tommy, rapidamente. No quero tomar um barco salva-vida. Basta um traje com dispositivo de propulso. Creio que devo levar um esquadrinhador.

    A outra nave continuava a se afastar. Quarenta, oitenta, quatrocentas milhas. A parou e ficou esperando. Enquanto vestia o seu traje espacial com propulso atmica, Tommy ouvia as informaes transmitidas para todos os compartimentos da nave. O fato de o outro veculo ter parado a quatrocentas milhas de distncia era altamente tranqilizador. No podia possuir armas que alcanassem maior distncia, portanto ele estava seguro. Mas justamente quando este pensamento se formava em sua mente, a estranha nave recomeou a se afastar ainda mais e precipitadamente. Seria porque estavam mesmo fugindo ou queriam apenas dar esta impresso? pensou.

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    Tommy lanou-se para fora da sua prateada espaonave, penetrando num vcuo de um brilho to intenso como jamais fora dado contemplar a qualquer ser humano. Atrs dele, a Llanvabon, balanando, afastava-se como um dardo. Pelos fones do seu capacete, Tommy ouviu a voz do comandante.

    Estamos recuando tambm, Dort. possvel que eles possuam alguma reao atmica explosiva que no possam usar de sua nave, mas que tenha poder destruidor mesmo dessa distncia. Ns recuaremos. Continue com o seu esquadrinhador assestado para o objeto.

    O raciocnio estava certo, embora no fosse confortador. Um explosivo capaz de destruir qualquer coisa num raio de vinte milhas era teoricamente possvel, mas os seres humanos no o possuam ainda. Por medida de precauo convinha que a Llanvabon se afastasse mais do local.

    Tommy Dort sentiu uma profunda solido. Precipitou-se atravs do vcuo rumo pequena mancha negra que se destacava em meio incrvel luminosidade. A Llanvabon desapareceu. Sua couraa polida se confundiria de qualquer forma com o brilho do nevoeiro a uma distncia relativamente curta. A outra nave, tambm, no era visvel a olho nu. Tommy nadava no vcuo, a quatro mil anos-luz da Terra, para encontrar uma pequenina mancha negra que era o nico objeto slido que podia ser visto em todo o espao.

    Tratava-se de uma esfera ligeiramente distorcida, com um dimetro no muito superior a l,80m. Pulou quando Tommy desceu sobre ela, tocando-a primeiro com os ps. Possua pequenos tentculos, ou chifres, que se projetavam em todas as direes. Pareciam muito com os detonadores de uma mina submarina, mas havia um brilho de cristal na ponta de cada um.

    Estou aqui disse Tommy, pelo fone do seu capacete.

    Segurou um dos chifres e se aproximou do objeto. Era todo de metal, inteiramente preto. Apalpou-o com suas luvas, no percebeu qualquer sinal de textura, nada de novo.

    Impasse, senhor disse ele. Nada a informar que o esquadrinhador j no tenha feito.

    Nesse momento, atravs do seu traje, sentiu vibraes que se traduziam em rudos estridentes. Uma parte da couraa circular do objeto abriu-se. Ele deu a volta, curioso de olhar para dentro, a fim de ver os primeiros seres civilizados no-humanos que jamais fora dado a um homem observar.

    Mas o que viu foi simplesmente uma chapa plana, na qual luzes vermelho-escuras se projetavam sem uma aparente finalidade. Ouviu ento uma exclamao de surpresa. Era a voz do comandante:

    Muito bem, Dort. Ajeite o esquadrinhador de maneira a poder assest-lo para essa chapa. Eles lanaram um rob com um visor

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    infravermelho para comunicao. Se fizssemos qualquer coisa estragaramos apenas um mecanismo. Talvez esperem que ns o tragamos para bordo e pode ser que encerre uma bomba que venha a explodir quando eles estiverem prontos para regressar sua base. Mandarei um visor para ficar frente a frente de um de seus aparelhos de esquadrinhamento. Volte para a nave.

    Sim, senhor disse Tommy. Mas onde est a nave?

    No havia estrelas. A nebulosa as obscurecia com a sua luz. A nica coisa visvel para quem estava junto ao rob era a estrela dupla no centro da nebulosa. Tommy j no conseguia mais se orientar. S tinha um ponto de referncia.

    Afaste-se em linha reta partindo da estrela dupla veio a ordem pelo fone do capacete. Ns o apanharemos.

    Passou por uma outra figura solitria, um pouco mais tarde, que rumava para a estranha esfera com um visorama. As duas espaonaves, sabendo que no ousariam arriscar sua prpria tripulao pela mnima falta de precauo, comunicar-se-iam com a outra atravs desse pequeno rob esfrico. Os seus diferentes sistemas de visibilidade lhes permitiriam permutar todas as informaes que ousassem dar, enquanto poderiam discutir o meio mais prtico de garantir que sua prpria civilizao no seria posta em perigo por este primeiro contato com uma outra. O mtodo verdadeiramente mais prtico seria a destruio da outra nave num ataque fulminante e mortal em defesa prpria.

    A Llanvabon, depois disto, tornou-se um veculo empenhado em duas tarefas ao mesmo tempo. Viera da Terra com a misso de observar do ponto mais prximo possvel os componentes menores da estrela dupla no centro da nebulosa. Esta fora o resultado da mais violenta exploso que j ocorreu no universo e de que o homem tem notcia. A exploso teve lugar no ano 2946 a.C. e sua luz alcanou a Terra no ano 1054 da Era Crist, fato que foi devidamente registrado em anais eclesisticos e com um pouco mais de preciso pelos astrnomos chineses. Era to brilhante a sua luminosidade que pde ser vista luz do dia durante 23 dias consecutivos. Sua luz e distava quatro mil anos-luz era mais brilhante do que a de Vnus.

    Com estes elementos, os astrnomos puderam calcular 900 anos depois a violncia da detonao. A matria expelida do centro da exploso teria viajado razo de dois milhes e trezentas mil milhas por hora, mais de trinta e oito mil milhas por minuto, um pouco mais de seiscentas e trinta e oito milhas por segundo. Quando os telescpios do sculo vinte foram assestados para a cena dessa vasta exploso, restava apenas uma estrela dupla e a nebulosa. A estrela mais brilhante das duas tinha na sua superfcie uma temperatura sem precedente, a tal ponto que no apresentava absolutamente linhas espectrais. A temperatura da superfcie do Sol de cerca de 7.0009 absolutos. Na superfcie daquela estrela de 500.0009. Ela tem aproximadamente a

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    massa do Sol, mas somente um quinto do seu dimetro, de modo que sua densidade 173 vezes a da gua, 16 vezes a do chumbo e 8 vezes a do irdio a substncia mais pesada que se conhece na Terra. Mesmo esta densidade, entretanto, no a de uma an branca, como a companheira de Sirius. A estrela branca da Nebulosa do Caranguejo uma an incompleta; continua em processo de contrao. Ela bem merecia ser examinada de perto incluindo a anlise de uma coluna de sua luz de quatro mil anos. Fora para fazer esse exame que a Llanvabon viera da Terra. Mas o encontro de uma espaonave estranha na mesma regio tinha implicaes que punham em segundo plano o propsito inicial da expedio.

    Um pequeno rob esfrico flutuava no tnue gs da nebulosa. Os tripulantes da Llanvabon, tomados por grande tenso, achavam-se nos seus postos em estado de alerta. A equipe de observao dividia-se. Uma parte realizava com todo o empenho as observaes que eram a misso da Llanvabon. A outra metade aplicava-se ao problema da nave espacial recm-surgida, a qual devia representar uma cultura to desenvolvida que j realizava viagens em escala interestelar. A exploso de cinco mil anos atrs devia ter destrudo todos os vestgios de vida na rea agora tomada pela nebulosa. Portanto, os ocupantes da nave negra eram procedentes de um outro sistema. Sua viagem devia ter sido, como a do outro veculo terrestre, por motivos puramente cientficos. Nada havia que pudesse ser extrado da nebulosa.

    Os tripulantes da nave estranha achavam-se perto do nvel da civilizao humana, pelo menos, o que significava que eles possuam ou podiam desenvolver tcnicas e artigos de comrcio que os homens gostariam de permutar em termos cordiais. Mas necessariamente haveriam de se dar conta de que a existncia da civilizao humana era uma ameaa potencial sua prpria espcie. As duas raas podiam ser amigas, mas tambm podiam ser inimigas mortais. Cada uma, mesmo inconscientemente, era uma monstruosa ameaa para a outra. E a nica coisa segura a se fazer ante uma ameaa destru-la.

    Na Nebulosa do Caranguejo o problema era agudo e imediato. As futuras relaes entre as duas raas seriam estabelecidas agora. Se se pudesse iniciar um processo de amizade, uma das raas, de outra forma condenada, sobreviveria e ambas se beneficiariam imensamente. Mas esse processo tinha que ser estabelecido, a confiana mtua tinha que ser estimulada, sem o mnimo perigo de uma traio. A confiana precisaria ser estabelecida sobre os alicerces de uma total desconfiana. Nenhuma das duas naves ousaria retornar sua base se a outra pudesse prejudicar sua raa. O certo era que a ni