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CONTOS POPULARES PORTUGUESES

CONTOS POPULARES PORTUGUESESAntologiaOrganizao e prefcio de Viale Moutinho2 edioPublicaes Europa-Amrica Publicaes Europa-Amrica, Lda.Edio n 140771/4329Depsito legal n 15558/87

PREFCIO

para Manuel Ferreira Coelho

Literatura popular a que corre entre o povo, a que ele entende e de que gosta(M. Viegas Guerreiro, in Guia de Recolha de Literatura Popular)

Este livro para ser ouvido. mngua de contadores de histrias hora do sero, eis uma possvel alternativa s telenovelas, concursos de chorudos prmios e filmes norte-americanos. A chamada Noite elctrica correu j duas etapas importantes - a da telefonia e a do televisor. Ao mesmo tempo, o comutador da luz favorece a disperso dos indivduos pela casa, pela povoao. E cada qual com os outros no reduto familiar que lhe cabe ou no caf-taberna onde tem sempre lugar. Ou na emigrao. Convenhamos: a era de contar histrias lareira j passou, pelo que teremos de encarar de um modo menos romntico a literatura tradicional.Vejamos um exemplo. Em viagem recente por terras transmontanas, onde vou recolhendo notas etnogrficas, numa determinada aldeia procurei saber de contos. Pois franquearam-me portas de casa e de loja, sentaram-me mesa com vinho e presunto, mas nada adiantaram as dezenas de inquiridos para alm de fragmentos que coincidiam com os textos dactilografados, e completos, que eu levava no bolso Uma aldeia do Nordeste, electrificada, com os melhores braos no Luxemburgo, em Frana e na Alemanha, onde os primeiros francos e marcos acabavam de erguer casas de aberrante arquitectura e chocante colorido. A os velhos j no aquietavam os moos com os contos. Enquanto a gerao intermdia labuta longe, os de mais idade cabeceiam ante o televisor, a que se habituaram, e os netos consomem at os anncios. ensonando-se apenas no arrastar das palavras de alguma mesa--redonda.E aqui estamos, com este livro, capicuamente comemorativo de um outro que h exactamente cento e um anos F. Adolfo Coelho publicou, sendo essa a primeira colectnea de contos populares portugueses, arriscando-se a passar por perdulrio de tempo em ninharias - que os manuais de literatura sobre esta matria ainda hoje praticamente nada dizem. Porm, o que se passou neste sculo seria motivo de alongda crnica, mas no cabe a um livro destas caractersticas fazer a histria da literatura popular, a que corre entre o povo, a que ele entende e de que gosta, como diz Viegas Guerreiro (Para a Histria da Literatura Popular Portuguesa, Lisboa, 19 T Importa, no entanto, evocar nomes de investigadores como Tefilo Braga, Leite de Vasconcelos, A. Toms Pires, Atade de Oliveira, Consiglieri Pedroso, Fernando C. Pires de Lima - e Carlos de Oliveira e Jos Gomes Ferreira, organizadores da mais completa coleco de contos tradicionais portugueses (trata-se, no entanto, de uma obra em quatro volumes que pelo seu preo no facilmente acessvel ao grande pblico). M. Viegas Guerreiro diz-nos: A substncia desta arte predominantemente imaginosa, mas nem por isso deixa de traduzir anseios e ideais de um modo que passou e de outro que foi, e sempre h-de ser.Na sua essncia, o conto popular reduz-se a uma curta narrativa com fundo humano de universalidade, a transmitir-se de uns para outros povos, constituindo este fundo o que poderamos chamar de seu esqueleto; mas, por outro lado, revela-se-nos igualmente influenciado, em muito diversa graduao, segundo os casos, pela que podamos chamar de colorido local, que no mais do que o reflexo da personalidade dos grupos tnicos em cujo seio foram recolhidas as diferentes variantes ou verses de cada conto (Lus Carr Alvarel Contos Populares da Galiza. Porto, 1968). Da o risco que corro ao apresentar a pblico esta antologia, seleccionando os contos no s quanto trama, mas tambm quanto verso. O critrio seguido foi de exemplaridade e proveito, em relao ao panorama geral do conto popular em Portugal continental, atravs de cerca de setenta espcies.No se trata de um livro para crianas, obviamente.Engana-se na porta quem aqui vier procurar o que h em Perrault ou nos irmos Grimm. Eles, sim, publicaram, em 1697 e 1813, obras fundamentadas em contos populares, com temas seleccionados para divertimento mais ou menos til expressamente para os mais novos. Tampouco utilizei o mtodo dos Contos e Histrias de Proveito e Exemplo, de Gonalo Fernancies Trancoso. que, para cumprir o programa pedaggico do seu ttulo, em 1575 foi pioneiro no s do conto portugus, mas tambm da reescrita de alguns contos populares, remexendo peripcias como entendeu. Para este volume transcrevi os contos tal como os encontrei nas recolhas donde foram primitivamente publicados. Numa ou noutra parte retoquei minimamente a redaco - no por menosprezo voz do povo ou pelo critrio dos ilustres investigadores de campo que, nos finais do sculo passado e princpios deste, a esta matria se dedicaram com afinco. Eles optaram, e ento muito bem, pela passagem ao papel do que escutavam. Ligeirissimos retoques, repito, acuso nesta antologia, que serve de reintroduo nos contos populares portugueses a um nvel novo e decididamente popular, dadas as caractersticas da coleco em que se publica.Alfred Appel, um investigador portugus de literatura popular, no seu livro Contos Populares Russos, editado nos anos 20, fazia o contraponto internacional dos textos que apresentava. Assim, por exemplo, contos havia com verses em russo, grego, esloveno, napolitano, alemo e portugus Emiliano Parvo, da famlia do Joo Tolo, que neste volume entrou. Contos populares portugueses h que procedem desde a ndia Arbia, passando pela China No foi impunemente que os Portugueses navegaram e que, pela posio geogrfica privilegiada de que dispem, os seus portos foram abordados por navios de todo o mundo, bem como as suas terras invadidas por vrios povos. Por outro lado, j o folclore africano das reas colonizadas est fortemente influenciado a nvel de contos por Portugal. Ainda interessante ser observar como os escravos africanos levados para as Amricas tomaram possvel a difuso de esqueletos de contos populares portugueses com novas carnaes. Da observar-se um parentesco internacional deste tipo de expresso popular.Vamos encontrar notcias de contos populares no Menina e Moa, de Bernardim Ribeiro, em autos de Gil Vicente, glosas eruditas dos contos verificamo-las em Antnio Srgio, como j acontecera em Ea de Queirs (O tesouro), em Herculano (A Dama P-de-Cabra), em Trindade Coelho (As trs mazinhas de ouro, por exemplo, mas por ele neste livro damos um conto popular do Mogadouro, que no mais do que um parente prximo do Alibab e os quarenta ladres) e Jaime Corteso e Papiniano Carlos, entre outros. Foi, pois, no interesse de um pblico vasto que se organizou e editou este livro de contos tradicionais portugueses.Contos que se inventaram para serem escutados, verdade. Falta, no entanto. aqui a mmica do contador, os seus apartes. No entanto, facilmente se nota a economia dos artifcios de linguagem. So contos de passatempo, de riso, de triunfo da inocncia, de magia, de elogio da honradez, de desculpa de pecados veniais. Mas passa por estes textos, tambm, a maldade, o incesto, o crime, o erotismo mais doce, a concupiscncia. Edipo, a mentira, a escatologia; reis que por uma ninharia mandam matar as filhas e querem devorar-lhes a lngua e o corao e ver-lhes os olhos arrancados: diabos maus filhos de mezinhas simpticas e dispostas a dar ajuda a jovens atirados para a aventura por futuros sogros caprichosos. No faltam histrias de padres, frades e sacristes, maridos enganados, animais falantes e falsos adivinhes favorecidos pelas circunstncias. Tudo isto narrado com um vocabulrio restrito para um pblico de entendimento restrito, como dizia Michel Butor (Repertoire I, Paris, 1960). Mas mais haveria de tratar-se: os muito ricos reis, mercadores) contrastando com os muito pobres (sapateiros, lavradores); o palcio do prncipe deifront-e do casebre da menina pobre, mas muito bonita; o aliar da beleza virtude e da fealdade aos maus instintos; a tendncia para a fixao dos cidados nas classes institucionalizadas; o casamento e os sacos de dinheiro como ascenso social; o elogio da pobreza na histria do sapateiro que cantava todo o dia, etc. Tudo isto pe a nu o carcter classista das telenovelas e das fotonovelas, quase, afinal, os contos populares do nosso tempo, possivelmente mais artificiosos, mais hipcritas, mas o seu estudo ser matria para trabalhar noutro lado, mas nesta altura.Vamos, pois, ao primeiro conto. que, nem mais nem menos, uma figurao da enfiada de petas de que no dia-a-dia se serve cada cidado para se escamotear momentaneamente s presses de um credor..

A ENFIADA DE PETAS

Era uma vez um homem que no pde pagar a renda ao fidalgo de que era caseiro. Assim, decidiu-se a pedir que lhe fosse perdoada a dvida. Porm, o fidalgo pensou que o outro lhe estivesse a mentir e respondeu:- S te perdoo as medidas da renda se me disseres uma mentira do tamanho de hoje e amanh.Foi-se o lavrador para casa e contou o que se passara mulher. E que no fazia ideia de como havia de contentar o senhorio, que bem os podia pr na rua. Um filho meio tolo que o rendeiro tinha, ouvindo os medos do pai, disse:- meu pai, deixe-me ir ter com o fidalgo, que eu hei-de arranjar a coisa de modo a que ele no tenha outro remdio seno perdoar-lhe a renda.- Mas tu no atas coisa com coisa...- Por isso mesmo.Foi o meio tolo e pediu para falar com o fidalgo, dizendo que estava ali para pagar a renda. O fidalgo mandou-o entrar e ele ento disse:- Saber Vossa Senhoria que a colheita foi m, mas isso no tem importncia. Meu pai tinha tantos cortios de abelhas que no lhe dava com a conta. Ps-se a contar as abelhas e deu que lhe faltava uma. Botou o machado s costas e foi procurar a abelha. Achou-a pousada no cimo de um amieiro. Vai ele, cortou o amieiro para caar a abelha, que por sinal vinha to carregadinha de mel que ele crestou-a, e, no tendo em que guardar o mel, meteu a mo no seio e tirou dois piolhos. Da pele destes fez dois odres, que encheu. Mas quando ia para entrar em casa uma galinha comeu-lhe a abelha. Atirou galinha com o machado para a matar, mas o machado perdeu-se entre as penas. Chegou fogo s penas, e s depois que elas arderam que achou o olho do machado. Dali correu ao ferreiro para lho arranjar, e o ferreiro fez-lhe um anzol, com que foi ao rio apanhar peixes. Pescou uma albarda. Tornou a deitar o anzol e apanhou um burro morto j h trs dias, o qual ainda pestanejava. Ps-se a cavalo nele e foi ao ferrador para lhe dar uma mezinha, e ele deu-lhe foi um remdio de sumo de fava seca, mas nisto caiu-lhe um bocado num ouvido, onde lhe nasceu tamanho faval, que tem dado favas e comido favas, que ainda a trago quinze carros delas para pagar a renda a Vossa Senhoria.O fidalgo, j farto de tanta patranha. disse:- rapaz, tu mentes com quantos dentes tens na boca!- Pois bem, senhor, ento est a nossa renda paga.

OS FRADINHOS PREGADORES

Uma vez, eram dois fradinhos que andavam a pregar pelo mundo e anoiteceu-lhes no meio de um monte. Viram reluzir numa casinha. Foram l bater para os deixarem passar a noite.Na casinha moravam uma velhinha e o seu neto. Os frades pediram para l dormir e ela respondeu que sim, mas que era muito pobrezinha e no tinha onde os deitar.Eles no se importaram, dizendo que at podiam ficar sentados a um cantinho. Entraram e puseram-se ao lume.A velha tinha l uns ovinhos e deu-lhos, para eles no ficarem sem ceia. Mesmo assim, no havia azeite para os fritar. Porm, os fradinhos responderam que eles aqueceriam os ovos no borralho. Depois comearam a cuspir-lhes e s ento que os puseram ao lume.O neto da velha estava muito admirado e perguntou para que cuspiam nos ovos - Os fradinhos responderam que era para eles no estoirarem. E de pronto o rapaz:- Se os senhores cuspissem no rabo da minha av, que era, pois toda a noite estoira!

D. CAIO

Era um alfaiate muito poltro, que estava a trabalhar porta da rua. Como ele tinha medo de tudo, o seu maior gosto era fingir de valente. Vai de uma vez, viu muitas moscas juntas e de uma pancada matou sete. Daqui em diante, no fazia seno gabar-se:- Eu. c mato sete de uma vez!Ora o rei andava muito triste, porque lhe tinha morrido na guerra o seu general D. Caio, que era o maior valente que havia. Como sabiam que o pas no tinha quem mandasse combat-las, as tropas inimigas puseram-se a caminho. Os que ouviam o alfaiate andar a dizer por toda a parte Eu c mato sete de uma vez! foram logo cont-lo ao rei. Este lembrou-se de que quem era assim to valente seria capaz de ocupar o posto de D. Caio. Assim, o gabarola foi levado presena do rei, que lhe perguntou:- verdade que matas sete de uma vez?- Saber Vossa Majestade que sim.Ento quero que vs comandar as minhas tropas e atacar o inimigo, que j nos est a cercar.Mandou vir o fardamento de D. Caio e f-lo vestir ao alfaiate, que era muito baixinho, e ficou com o chapu de dois bicos enterrado at s orelhas. Depois disse que trouxessem o cavalo branco de D. Caio para o alfaiate montar. Ajudaram-no a subir para o cavalo, e ele j estava a tremer como varas verdes. E, assim que o cavalo sentiu as esporas, botou desfilada. Aflito, o alfaiate desatou a gritar:- Eu caio! Eu caio!Todos os que o ouviam por onde ele passava diziam:- Ele agora diz que o D. Caio! J temos homem!O cavalo, que andava acostumado s batalhas, correu para o stio em que estavam os soldados j a lutar, e o alfaiate sempre com medo de cair, a gritar como um desesperado:- Eu caio! Eu caio!O inimigo, assim que viu vir o cavalo branco do general valente e temido e ouviu o grito Eu caio! Eu caio!, conheceu o perigo em que estava. Logo disseram os soldados uns para os outros:- Estamos perdidos, que l vem D. Caio! L vem D. Caio!E deitaram a fugir em debandada. Os soldados do rei foram-lhe no encalo e mataram neles.O alfaiate ganhou a batalha assim s a agarrar-se ao pescoo do cavalo e a gritar Eu caio!. O rei ficou muito contente com ele e em paga da vitria deu-lhe a princesa em casamento, e a verdade que ningum regateava os maiores louvores bravura do sucessor do general D. Caio...

O OVO DE OURO

Havia uma pobre viva que tinha dois filhos. Um o mais velho, era atilado e com o seu trabalho granjeava os meios de subsistncia para si, sua me e seu irmo, um pobre parvo, que passava os dias encarrapitado nas rvores e nos altos penedos procura de ninhos.Um dia, levou o parvo me um ovo com umas letras na casca. A me achou o ovo muito bonito e, dotada de certa esperteza, foi vend-lo cidade. Passou pelo estabelecimento de um ourives e mostrou-o ao dono. O ourives leu as letras e ficou surpreendido.- um ovo muito bonito, que quero comprar para a minha filhinha - disse ele, disfarando o espanto e dando mulher uma moeda de ouro.A mulher agradeceu, e ia j a despedir-se, quando o ourives lhe disse:- Dava-lhe uma boa quantia de dinheiro se apanhasse a ave que ps este ovo.- Direi ao meu filho que lhe arme um lao.O filho mais novo assim fez e conseguiu apanhar a ave. Foi a mulher comunicar a notcia ao ourives e este respondeu animadssimo:- V j para casa e mande assar a ave. Eu j lhe apareo com o meu irmo.O ourives acompanhou as palavras com a oferta de uma grande bolsa de dinheiro, acrescentando:- Ainda lhe levarei mais para sua casa.Voltou a mulherzinha para a sua casa, depenou a ave e assou-a no espeto. Os dois filhos queriam comer alguma coisa da ave, e a me, para que eles ficassem sossegados, deu ao mais velho a cabea da ave e ao mais novo o corao. Comeram aquilo e l foi cada um para seu lado: o mais velho guardava as vacas de um lavrador e o mais novo andava procura de mais ninhos.Chegou o ourives com o irmo e logo se sentaram mesa. Quando a velhinha apareceu com a ave sem cabea nem corao, ps-se o ourives a gritar, dizendo que fora roubado.- Roubado! - exclamou a mulher, muito aborrecida.- O que fez ao corao e cabea da ave?- O que todos fazem: dei-os ao gato-respondeu esta, querendo esconder que os dera aos filhos.- Pois saiba agora que o ovo que me levou tinha umas letras que diziam: Quem comer a cabea da ave que ps este ovo ser papa e o que comer o corao ser rei, E, j que no comi o corao e meu irmo a cabea, passe-me para c o meu dinheiro.- O senhor no fez essa declarao e nem me ps condies portanto no lhe entrego o dinheiro, que bem meu, e vou queixar-me justia de pretender roubar aquilo que de direito at pertence ao meu filho mais novo, para quem a Providncia destinou a ave! -O ourives teve de se safar com o irmo e de perder aquele dinheiro todo.A noite contou a me aos filhos o que lhe tinha acontecido. O mais novo ps-se a rir, mas o mais velho pediu me que lhe desse o seu dote para entrar num convento, o que aconteceu no dia seguinte.O mais velho revelou grandes aptides para os estudos e foi chamado a Roma pelo superior do convento. Mais tarde morreu o papa e todos os votos caram nele, ento, apesar de jovem, j um sbio muito respeitado. Isto levou bons anos.Ora isto levou mesmo bons anos, e o filho parvo, que no tinha notcias do irmo e sabendo apenas que ele estava em Roma, pedindo licena me, para l partiu.Chegou o parvo a Roma na ocasio em que o novo papa era aclamado. Atravessou a multido e chegou prximo do novo papa, que imediatamente viu quem era. No se conteve e ps-se a chamar por ele, que tambm o reconheceu e logo o levou para o palcio. Ali soube notcias da me, que j estava muito velhinha, e mandou busc-la para viver junto dele. Ao irmo mais novo perguntou:- E tu, que tencionas fazer?- Eu no tenho dinheiro para nada...- Pois bem, pega nesta bolsa que hoje me ofereceram. Sempre que queiras dinheiro, abre a bolsa, que aparecem l moedas. Mas v se no te deixas enganar.Saiu o parvo e foi dar a uma cidade, onde comprou um palcio fronteiro ao do rei, que tinha uma filha muito formosa e esperta.O parvo no se tirava da janela a fazer namoro princesa, e com tanta persistncia que logo deu a conhecer o seu pouco juzo. A princesa quis rir-se custa dele e um dia apresentou-se-lhe em casa. Ficou o moo muito satisfeito de ver a princesa em sua casa e convidou-a a sentar-se. Em pouco tempo descobriu ela que a origem de tanta riqueza era a clebre bolsa. Pediu-lhe que lha mostrasse e o parvo assim fez. Ela, ento, pediu-lhe licena para a ir mostrar ao rei, seu pai. Escusado ser dizer que ele concordou e ela nunca mais voltou. Passados poucos dias, toda a gente falava no prximo casamento da princesa com um seu primo.O parvo, vendo-se sem dinheiro, tornou a Roma e contou tudo ao irmo. Este disse-lhe:- Nasceste parvo e ainda o s. No te dou dinheiro, mas leva esta gaitinha. Quando encontrares algum cadver, toca que logo o morto ressuscitar. Desta maneira acabars por ganhar muito dinheiro.E assim aconteceu: quando o parvo chegou corte, onde tinha o seu palcio, levava j muito dinheiro. Sucedeu ento morrer o primo da princesa que com ela estava para casar. Houve muitos choros por este acontecimento e logo o parvo disse que era capaz de o fazer viver de novo.O rei mandou-o chamar e foram to grandes as quantias de dinheiro que lhe ofereceu que o parvo ressuscitou o noivo da princesa.Soube a princesa que o parvo tinha consigo uma gaitinha misteriosa e decidiu apoderar-se dela, o que veio a conseguir. Ento, o parvo voltou a Roma a conferenciar com o irmo. A experincia prpria tinha-lhe metido na cabea algum juzo e j no era o mesmo parvo do tempo em que andava aos ninhos.O papa, desta vez, ofereceu-lhe um rico tapete, recomendando-lhe:- Finge que no ligas importncia s coisas que ela te tirou e d-lhe mesmo este tapete. Logo que ela lhe puser os ps em cima, salta para ele tu tambm e diz: Tapete, leva-me a Roma. Quando vocs aqui chegarem, eu vos casarei.O irmo mais novo do papa compreendeu a lio e dirigiu-se para o seu palcio. A cura do primo da princesa dera-lhe entrada livre no palcio real. Por isso, o parvo ia l sempre que lhe apetecia. Assim, uma vez encontrou-se com a princesa e disse que tinha para lhe dar um belo tapete. A princesa logo pensou em ficar com ele. Nessa tarde, a rapariga apresentou-se no palcio do parvo e pediu-lhe que lho mostrasse. O moo assim fez e ela ps os seus mimosos ps em cima do tapete, que era o que o parvo queria, pois logo ordenou:- Tapete, leva-nos Crsega!Enganara-se e em vez de dizer Roma dissera Crsega. Encontraram-se imediatamente nos campos desta ltima ilha, que ento no era ainda habitada. O parvo subiu a um cerro para se orientar, mas a princesa, que no tirara os ps do tapete, disse:- Tapete, leva-me para o meu palcio.E a princesa desapareceu. Quando o parvo desceu do cerro, j no encontrou o tapete nem a princesa.Viu-se ali perdido e ps-se a andar sem destino. Extenuado e cheio de fome, viu uma figueira carregada de figos pretos e comeu alguns. Em poucos momentos, na cabea e nas costas, nasceram-lhe dez cornos. Ento que ficou triste e desesperado! Dirigiu-se, no entanto, a outra figueira de figos brancos e comeu um. Caiu-lhe imediatamente um dos cornos. Comeu mais nove figos e ficou livre de todos os cornos.Encheu um dos bolsos de figos pretos e outro de figos brancos e dirigiu-se a uma cidade em cujo porto estava um navio que partia para a cidade onde morava a princesa. Meteu-se no navio e chegou em pouco tempo ao seu palcio.Disfarou-se o parvo e foi vender figos pretos ao palcio real. E em poucas horas toda a gente sabia que o rei, a rainha e a princesa tinham a cabea cheia de cornos.Chamados todos os mdicos do reino, eles s viram como soluo que lhos cortassem. Ainda experimentaram, mas as dores eram muitas e o rei entendeu que essa operao no era possvel.Ento espalhou-se a notcia de que chegara das ndias um mdico que se comprometia a fazer cair os cornos das reais cabeas. Claro que o mdico era o irmo do papa. Chamado o parvo ao quarto do rei, este no o reconheceu devido ao disfarce. Deu-lhe ento o falso mdico a comer os figos brancos, dizendo ser um remdio oriental, e o monarca ficou logo curado.- Agora necessrio que Vossa Majestade no saia do seu quarto nem comunique com qualquer pessoa durante oito horas - recomendou o parvo.Dirigiu-se depois ao quarto da rainha e aconteceu o mesmo. Entrou de seguida no quarto da princesa. Ficou pasmado. Era a que tinha comido mais figos e a sua cabea estava mais ramalhuda do que a de um veado. E logo o moo viu o clebre tapete no cho e sobre a mesinha-de-cabeceira a sua bolsa e a gaitinha. Fingindo no dar valor quilo, pediu princesa que se levantasse da cama.- No posso com a cabea - respondeu ela a chorar.Ento ele ajudou-a carinhosamente a erguer-se e f-la sentar numa cadeira com os ps para o tapete. Teve um momento de guardar nos bolsos a gaitinha e a bolsa, e perguntou princesa:- Ento no me conhece?- Conheo-o pela falaNeste momento j o parvo tinha dito:- Tapete, para Roma, para o palcio do meu irmo, o papa.Ambos se encontraram de repente no gabinete do papa, que no conheceu o irmo devido ao disfarce. O papa ficou suspenso por um momento, mas o irmo arrancou as barbas e a cabeleira postias e deu-se a conhecerO papa falou amorosamente princesa, e por tal forma se insinuou no seu esprito que ela declarou que levava muito em gosto casar com o parvo.E ali mesmo foi celebrado o casamento.Quando, dias depois, o rei foi informado de toda a histria, ficou muito contente com o casamento.E logo a seguir ao casamento comeu a princesa os figos brancos necessrios para que lhe cassem da cabea todos os cornos que l estavam.E a verdade que, da em diante, o que dantes fora parvo tornou-se muito inteligente e governou muito bem o reino do sogro. O primo da princesa, esse, coitado, ficou a chuchar no dedo.

OS DOIS COMPADRES

Era uma vez dois compadres - um era muito rico e o outro muito pobre. Este, querendo apanhar dinheiro ao rico, disse para a mulher:- Olha, tu compras uma perdiz, eu vou caa com o compadre e levo de c um dos coelhos que aqui temos. L na caada dou-lhe um recado para ele te vir c trazer, que para tu cozinhares a perdiz. Depois o compadre h-de querer comprar-me o coelho e eu peo muito dinheiro por ele.Assim foi. Na caada, o pobre disse para o coelho:- Olha, tu vai l minha mulher e diz-lhe que arranje uma perdiz guisada e que faa conta com o nosso compadre.Deu um sopapo ao coelho, que desatou a fugir. O compadre rico estava ansioso de ir a casa do outro a ver se o coelho tinha dado o recado.Quando chegaram l dos matos, disse o homem para a mulher:- Cuido que falta pouco para o guisado estar na mesa. O nosso coelho trouxe o recado, no foi?- Pois no havia de trazer?! A perdiz est pronta e contava j com o compadre, tal como o coelho me recomendou da tua parte.Pediu o rico ao pobre:- Compadre, venda-me o seu coelho!- Isso que eu no vendo, que ele faz-me os mandadinhos todos.- Compadre, venda-me o coelho, que eu dou-lhe muito dinheiro por ele.Vendeu-lhe o coelho bem vendido. Claro, entregou-lhe um dos que tinha na coelheira. E a primeira vez que o compadre rico mandou o coelho a um recado, nunca mais lhe apareceu.Entretanto, quando estava para acabar o dinheiro ao pobre, disse este para a mulher:- Temos de ver se arranjamos outra marosca para apanharmos bagos ao nosso compadre. Olha, tu arranjas a burra velha, eu junto-lhe dinheiro com a rao e depois dizemos que ela deita pelo rabo muito dinheiro e que j somos muito ricos!Assim foi. Um dia, na caada, o compadre rico reparou que a burra deitava dinheiro pelo rabo.- Compadre, venda-me a burra!- Isso no vendo eu, que j estou muito rico e quando preciso de dinheiro ela que mo d. No vendo. E no se lembra do coelho? Vendi-lho por uma bagatela e logo o deixou fugir!- Compadre, venda-me a burra.Tanto teimou que ele lha vendeu por muito dinheiro.Assim, foi para casa o compadre rico com a burra velha comprada e em casa deu-lhe uma boa rao. Mas a besta no largava dinheiro nenhum. Passados dias, era a mesma coisa, e foi reclamar:- compadre, a burra no faz dinheiro nenhum.- Eu que sou um grande burro em lhe vender as coisas. No sabe tratar delas e depois diz que o engano. boa!Ia-se outra vez acabando o dinheiro, quando se lembrou:- Olha l, mulher, tu arranjas um papo de peru e mete-lhe dentro as tripas do animal. Pe o papo cintura debaixo do avental e eu dou-te uma navalhada. No papo, est bem de ver! Tu cais logo morta e com as tripas de fora! Depois toco numa gaitinha que vou comprar e tu levantas-te!Preparada a coisa, convidou o compadre para outra caada.- mulher, arranja a o alforge num instante.- No basta ser todos dias esta seca, seno sempre s pressas!- Cala-te, mulher, no resmungues!- E ainda terei de me calar? Pois no fao nada!Armou-se uma grande discusso e ele deu-lhe umas navalhadas. As tripas saltaram logo e a mulher deixou-se logo cair redonda no cho. O compadre ficou todo aflito:- desgraado, olha o que fizeste! Mataste a tua mulher!- No se incomode. Tenho aqui uma gaita que d vida aos mortos!Comeou o pobre a tocar uma musiquinha e a mulher levantou-se logo. E o rico de boca aberta:- Compadre, venda-me a gaita!- Qual vender, nem qual diabo!E tudo era lembrar-lhe o coelho e mais a burra. Por fim, vendeu a gaita. Foi o compadre rico para casa, armou uma grande briga com a mulher e mandou-lhe uma navalhada na barriga. Cada ela por terra, morta, e ele pega na gaitinha e v de tocar, tocar a bom tocar. Mas a mulher no se mexia.Veio a Justia. Ele ps-se a contar o sucedido com o compadre pobre e levaram este preso. No caminho, os guardas quiseram descansar, amarraram o pobre a uma rvore e deitaram-se a dormir a sesta.Passou um pastor com uns carneiros e perguntou-lhe o que era.- Ora, querem fora que eu me case com a princesa, mas eu no quero. Por isso me levam preso.Diz-lhe o pastor:- Bem podias casar com a princesa e no te levavam para a forca.E o preso:- E tu ests interessado em casar com ela? Queres vir para o meu lugar?- Pois quero.E mudaram. Depois, o pastor, amarrado rvore, comeou a gritar:- Eu j quero! Eu j quero!- J queres o qu? - perguntaram os guardas, acordando, estremunhados.- J quero casar com a princesa!- Ora essa! Explica l o que ests a dizer!E ele contou tudo.- Bem - disse o chefe dos guardas-, soltem l esse homem!Ele foi-se embora. O outro ia todo contente com os carneiros do pastor quando encontrou o compadre, que lhe perguntou:- Ento tu no foste preso?- Eu no, pois se a minha gaita d vida aos mortos, como havia de ser preso?- Ento esses carneiros quem tos deu?- Ora, arranjei-os eu.- Mas como?- Olha, anda comigo, que eu te ensino como nascem carneiros!Levou-o para o p de um pego, onde a gua era muito funda. Perguntou-lhe se queria um carneirinho ou um carneiro. O rico disse que um carneiro. Ento o pobre agarrou nele e disse com voz forte:Cada mergulhinho, um carneirinho. Cada mergulho um carneiro.E atirou com ele para dentro do pego e safou-se com o rebanho, que logo foi vender na feira de S. Mateus.

A BELA E A COBRA

Era uma vez um rei que tinha trs filhas, uma das quais era muito formosa e ao mesmo tempo dotada de boas qualidades. Chamava-se Bela. O rei tinha sido muito rico, mas, por causa de um naufrgio, ficou completamente pobre.Um dia foi fazer uma viagem. Antes, porm, perguntou s filhas o que queriam que ele lhes trouxesse.- Eu - disse a mais velha - quero um vestido e um chapu de seda.- Eu - disse a do meio - quero um guarda-sol de cetim.- E tu que queres? - perguntou ele mais nova.- Uma rosa to linda como eu - respondeu ela.- Pois sim - disse ele.E partiu.Passado algum tempo, trouxe as prendas de suas filhas. E disse mais nova:- Pega l esta linda rosa. Bem cara me ficou ela!Bela ficou muito preocupada e perguntou ao pai porque que lhe tinha dito aquilo. Ele, a princpio, no lho queria dizer, mas ela tantas instncias fez que ele lhe respondeu que no jardim onde tinha colhido aquela rosa encontrara uma cobra, que lhe perguntou para quem ela era. Respondeu-lhe que era para a sua filha mais nova e ela disse que lha havia de levar, seno que era morto.Consolou-o a menina:- Meu pai, no tenha pena, que eu vou.Assim foi. Logo que ela entrou naquele palcio, ficou admirada de ver tudo to asseado, mas ia com muito medo. O pai esteve l um pouco de tempo e depois foi-se embora. Bela, quando ficou s, dirigiu-se a uma sala e viu a cobra. Ia deitar-se quando comearam a ajud-la a despir. Estava ela na cama quando sentiu uma coisa fria. Deu um grito e disse-lhe uma voz:- No tenhas medo.Em seguida foi ver o que era e apareceu-lhe a cobra. A menina, a princpio, assustou-se, mas depois comeou a afag-la. Ao outro dia de manh apareceu-lhe a mesa posta com o almoo. Ao jantar viu pr a mesa, mas no lobrigou ningum. A noite foi deitar-se e encontrou a mesma cobra.Assim viveu durante muito tempo. at que um dia foi visitar o pai. Mas quando ia a sair ouviu uma voz que lhe disse:- No te demores acima de trs dias, seno morrers.L seguiu o seu caminho, j esquecida do que a voz lhe tinha dito. E chegou a casa do pai. Iam a passar os trs dias quando se lembrou que tinha de voltar. Despediu-se de toda a sua famlia e partiu a galope. Chegou j noite e foi deitar-se, como tinha de costume, mas j no sentiu o tal bichinho. Cheia de tristeza, levantou-se pela manh muito cedo, foi procur-lo no jardim e qual no foi a sua admirao ao v-lo no fundo dum poo! Ela comeou a afag-lo, chorando, e caiu-lhe uma lgrima no peito da cobra. Assim que a lgrima lhe tocou, a cobra transformou-se num prncipe, que ao mesmo tempo lhe disse:- S tu, minha donzela, me podias salvar! Estou aqui h uns poucos de anos e, se no chorasses sobre o meu peito, ainda aqui estaria cem anos mais!O prncipe gostou tanto dela que casaram e l viveram durante muitos anos.

HISTRIA DE DEBAIXO DA TERRA

Havia um lavrador que tinha trs filhas e ia botar gua a uma lameira, e sempre ouvia l uma voz que lhe dizia:- Traz-me a tua filha!E o homem voltava para casa muito triste. As filhas perguntaram-lhe o que tinha, e ele contou-o. Ofereceu-se a mais velha para ir, e foi, mas a voz disse que no era aquela. Depois foi a do meio, e a voz disse o mesmo. Por fim, foi a mais nova, e logo se abriu na terra um alapo, por onde ela desceu, e foi ter a um quarto, onde estava sozinha e servida por um preto. O preto viu-a um dia muito triste e perguntou-lhe o que tinha. Ela respondeu que o corao lhe adivinhava que a sua me tinha morrido, O preto foi diz-lo ao amo, e este mandou-lhe as chaves para ela tirar o dinheiro que quisesse e ir a casa. Tambm mandou aparelhar o cavalo branco e disse que ela montasse assim que este desse trs patadas, seno o cavalo no esperava. A rapariga foi e a me estava morta. O cavalo deu uma patada, e ela soltou um suspiro muito grande. Depois o cavalo deu duas patadas, e ela deu outro suspiro. As irms perguntaram-lhe o que era, e ela contou. A terceira patada, montou e foi-se embora.Outro dia, estava muito triste, o preto perguntou-lhe o que tinha. E ela disse que o corao adivinhava que o pai tinha morrido. Sucedeu o mesmo que da primeira vez: ela foi, o pai morrera, mas as irms perguntaram-lhe se ela estava bem. Ela disse que sim, s tinha de noite um grande pesadelo. As irms disseram-lhe que metesse uma vela acesa dentro de uma panela e a cobrisse com um testo e quando tivesse o pesadelo tirasse o testo para ver. Assim fez, e viu um homem, que lhe disse:- Tu nem foste boa para ti nem para mim, que eu tinha o meu encanto hoje acabado, e agora dobraste-mo.Mas vestiu-a de rapaz e disse-lhe:- Hs-de ir servir para o rei. Toma l este anel. Quando te vires apoquentada, lembra-te de quem to deu.A rapariga foi servihr para um palcio, e a rainha agradou-se muito do moo, porque era muito bonito. Para o tentar, mandava-o trazer gua e ramos de flores para ele entrar no quarto dela, mas ele deixava tudo sua porta.Um dia, a rainha foi acus-lo ao rei, dizndo-lhe que o moo a tentara. O rei mandou-o enforcar.A rapariga no tinha tornado a pensar no anel, mas quando o carrasco ia a deitar-lhe a corda lembrou-se, e logo ali apareceu um homem vestido de branco, que perguntou ao rei porque que o ia enforcar. O rei explicou porqu. Ele mandou-a descer, e despiu-a toda, e disse que, como era mulher, no podia meter-se com a outra.O rei ento mandou matar a rainha e queria casar com a rapariga, mas o encanto disse que no, que lhe tinha custado muito e que era dele. E casaram.

A HERANA PATERNA

Era uma vez um pai que tinha dois filhos, dos quais o mais novo lhe disse:- Meu pai, d-me a minha tena, que eu quero ir correr terras a ver se junto fortuna.Ento o pai deu-lhe o que lhe pertencia da parte da me e ele partiu para longes terras.Passaram-se alguns tempos e o rapaz, vendo que no juntava fortuna, antes ia gastando a sua tena, resolveu voltar casa paterna. Chegado sua terra natal, soube logo que seu pai havia falecido e seu irmo transformara a casa num palcio, onde vivia regaladamente. Ento o rapaz foi ter com o irmo, contou-lhe a sua vida e ele respondeu:- Eu nada te posso fazer, pois nosso pai nada me deixou e para ti ficou essa caixa velha, recomendando-me que a no abrisse.Recebeu o rapaz a herana paterna e partiu para outras terras. No caminho desejou ver o que continha a caixa e abriu-a. Eis que lhe sai de dentro um pretinho muito pequenino que lhe diz:- Mande, senhor!- Mando que me apresentes um palcio com tudo quanto lhe dado, carruagens e lacaios para me servirem.Dito e feito - tudo apareceu como ele desejava. Vivia o rapaz muito feliz no seu palcio, que era muito mais belo que o do rei, quando um. Dia recebeu a notcia de que o seu irmo o ia visitar. Foi o irmo recebido ali com grandes festas e ele ento perguntou-lhe como que em to pouco tempo tinha arranjado tanta coisa.- Foi a herana que me deixou o nosso pai.- Mas - retrucou o irmo - a tua herana foi uma caixa velha!- Foi o que tu dizes, na verdade. Mas dentro dessa caixa que estava o segredo.Ento o irmo tratou de lhe roubar a caixa e, sem que ele desse por isso, saiu do palcio. Chegado sua terra, abriu a caixa e logo o pretinho disse:- Mande, senhor!- Mando que meu irmo fique sem o seu palcio e aparea metido numa priso e que o meu palcio se transforme num mil vezes melhor do que era o dele.Tudo assim se fez e ele disse mais ao pretinho:- Ordeno que faas com que a filha do conde de tal case comigo e que eu fique com o ttulo de conde.Cumpriu-se tudo quanto ele desejava, e para no lhe roubarem a caixa trazia-a sempre consigo e dormia com ela debaixo da cabea.Ora o irmo que estava preso tinha um co e um gato, e estes, logo que souberam que o seu dono estava na cadeia, trataram de l ir ter com ele. Uma vez chegados, tomaram conhecimento de que o conde, irmo do seu dono, lhe tinha roubado a caixa e cuidaram ambos de ir ao palcio dele para a trazer. Para esse fim fizeram um batel de casca de abbora, pois tinham de atravessar o mar.Chegados ao palcio do conde, disseram-lhes logo que ele dormia com a caixa debaixo da cabea. Ento, o co disse ao gato:- Eu meto-me debaixo da cama e tu vais cozinha molhar o rabo no vinagre e chegas com ele ao nariz do conde. Enquanto ele espirra, eu tiro a caixa e depois fugimos com ela!Assim fizeram, e logo se acharam fora do palcio. Embarcaram no batel e foram navegando. Em determinada altura avistaram um navio de ratos, que logo iou bandeiras de guerra. Mas eles, que iam em paz, no fizeram mal aos ratos e contaram-lhes o motivo que ali os levava. Ento os ratos disseram:- Se formos precisos, ao vosso servio estamos!- Obrigados - responderam o co e o gato.Quando j estavam quase no termo da viagem, tiveram uma grande questo por causa de decidirem qual havia de levar a caixa ao dono. Neste dize-tu-direi-eu, deixaram cair a caixa ao mar. Ento, o co, aflito, exclamou:Valha-me aqui o rei dos peixes!

E logo apareceu um grande peixe, que lhe perguntou:- Aqui estou; que me queres?- Eu vinha em viagem mais o gato e trazamos uma caixa que nos caiu ao mar. S Vossa Majestade nos pode valer.- Eu no sei disso, mas vou chamar os meus vassalos, pois talvez eles saibam.Ento vieram muitos peixes e uma lagosta, que trazia uma perna quebrada. Esta informou:- Eu vi essa caixa. Por sinal, caiu-me em cima de uma perna e partiu-ma.O rei dos peixes ordenou-lhe que a fosse buscar e deu-a ao co. Este e o gato, depois de mil agradecimentos partiram para a priso do seu dono, resolvendo entrar ambos com a caixa s costas.O dono ficou muito contente e abriu a caixa. Logo ordenou ao pretinho:- Quero desfeita esta priso. Quero um palcio em frente do do meu irmo. Quero casar com a filha do rei.Tudo assim aconteceu. Depois ele dirigiu-se ao irmo:- Podia fazer-te muito mal, mas no quero. Antes hei-de repartir contigo a minha riqueza e seremos muito amigos de hoje em diante.Esquecia-me de dizer que o co e o gato tiveram coleiras de ouro fino e pedras preciosas. Morreram muito velhos.

A GAITA MILAGROSA

Havia numa terra um indivduo que possua uma gaita com a virtude de fazer bailar os ouvintes quando tocava. De uma ocasio, passava um sujeito com um jumento carregado de loua e o dono da gaita ps-se a toc-la.Tanto o dono do jumento como este puseram-se logo a bailar, e com tantos saltos, que em pouco tempo toda a loua se fez em cacos.Gritava o dono da loua ao tocador da gaita que no tocasse, mas este s tirou a gaita dos lbios quando j no havia uma nica pea de loua inteira. Exasperado, o pobre homem foi queixar-se ao juiz e o tocador foi chamado sua presena.- s acusado de ter quebrado a loua deste homem - disse o juiz ao gaiteiro.- Eu no sou culpado. Toquei a minha gaita, e esse senhor e o seu jumento puseram-se a danar.- Tens contigo a gaita?- Tenho.- Toca - ordenou o juiz, sentado na sua poltrona.O gaiteiro tirou a gaita do bolso e ps-se a tocar. O dono da loua, que a esse tempo estava encostado a uma cadeira, pegou na cadeira e bailou com ela. O juiz, qui ia tomar uma pitada de rap da sua caixa de bano, comeou a pular, batendo com os dedos na tampa maneira de castanholas. A me do juiz, que estava entrevada na cama, no quarto prximo, levantou-se imediatamente, bailando, batendo as palmas e cantando:V de folia,V de folia, Que h sete anos Me no mexia!E assim se converteu o escritrio do juiz numa animada sala de baile, pois que at as cadeiras, os tinteiros e todos os mais mveis se puseram a saltar e a bailar.Passados momentos, pediu o juiz ao tocador que cessasse de tocar a gaita, e o homem obedeceu imediatamente, pois viu que tanto o dono da loua como o juiz e a me suavam com abundncia.O juiz, depois de limpar o suor disse para o tocador:- Podes-te ir embora sem culpa nem pena, porque s um homem que at curou a minha me, que h muitos anos se no podia mexer na cama.E o tocador saiu da presena do juiz muito contente e satisfeito.No diz a histria se a me do juiz voltou para a cama.

O OURIO-CACHEIRO

Era uma vez um rapaz que apanhou uma cobrazinha pequenina. Meteu-a dentro de um tanque e todos os dias lhe ia dar de comer. Assobiava cobra e ela vinha.A cobra foi crescendo e o rapaz todos os dias lhe ia sempre dando de comer, de modo que a cobra j estava muito acostumada com ele e no lhe fazia mal.O rapaz foi crescendo, e veio para a cidade servir. Esteve muitos anos na cidade e um dia foi com uns amigos terra dele. Quando iam a passar a cavalo por p do tanque onde estava a cobra, quando ele era criana, disse para os amigos:- Quando eu era pequeno, tinha aqui uma cobra a quem assobiava, e ela vinha para eu lhe dar de comer. Deixa-me ver se ainda me lembro do assobio e se ela ainda ser viva.E assobiou-lhe. Imediatamente lhe saltou uma cobra muito grande e muito grossa, enrolando-se-lhe volta do pescoo para o matar.O rapaz, aflito, queixou-se:- esta ento a paga que tu me ds de eu te ter tratado to bem quando era pequeno?A cobra respondeu:- Sim! Do bem fazer, mal haver.O rapaz disse-lhe:- Espera a! No me mates sem eu encontrar trs animais que digam por bem fazer, mal haver.A cobra:- Pois sim!Foram andando e da a bocado encontraram um cavalo muito magro e coxo de uma perna, que mal se podia arrastar. O rapaz voltou-se para ele.- cavalo, de bem fazer, mal haver?O cavalo respondeu:- Sim! O meu amo, enquanto eu pude trabalhar, tratava-me bem. Hoje, que estou velho e aleijado e no posso trabalhar, manda-me para a esfola e j no quer saber de mim.O rapaz, muito desconsolado, foi andando mais para diante e encontrou um co encostado a uma parede, quase a morrer. Chegou-se ao p dele e perguntou-lhe:- co, por bem fazer, mal haver?O co respondeu:- Sim! O meu dono, enquanto eu ia caa com ele, tratava-me bem, mesmo muito bem, e agora, que estou velho e j no posso caar, deixa-me no meio da rua e no quer saber de mim. Morrerei fome!O rapaz estava cada vez mais triste porque a cobra j o queria matar, mas observou-lhe que ainda faltava um.E foram andando mais para diante. Encontraram um ourio-cacheiro. O rapaz chegou-se ao p dele e perguntou-lhe:- ourio, de bem fazer, mal haver?O ourio no deu resposta.O rapaz tornou outra vez:- ourio, de bem fazer, mal haver?O ourio, nada, no lhe dava resposta nenhuma. Ento o rapaz, zangado, exclamou:- ourio, responde, seno esta cobra mata-me!E o ourio:- Qual o tolo de um cavaleiro que espera a resposta do ourio-cacheiro?A cobra, assim que o ouviu dizer isto, desenrolou-se do pescoo do rapaz e saltou contra o ourio. O rapaz, assim que se viu livre, meteu esporas ao cavalo e fugiu a galope.O ourio enrolou-se e a cobra matou-se nos espinhos.

OS DOIS SOLDADOS

Havia dois rapazes que eram muito amigos. Um era um ano mais velho do que o outro, de modo que, quando o mais novo sentou praa, j o mais velho tinha um ano de servio militar. Eram muito bem comportados e andavam sempre juntos. Saiu o mais velho da praa, e voltou passados treze meses a visitar o amigo. Era um dia em que este estava de servio ao quartel. O soldado pediu ao seu capito dispensa do servio, e logo que este soube que era para acompanhar o seu velho amigo e patrcio dispensou-o do servio, mas no o dispensou de recolher a certas horas.Foram os dois amigos passear e entraram numa casa de comidas e bebidas. Conversaram, conversaram, at que foram avisados pelo dono da casa de que eram horas de fechar o estabelecimento.- Pois que horas so?- Meia-noite.Ficou o soldado muito aflito: era a primeira vez que apanhava um castigo. Saiu da casa e o seu amigo ficou.Prximo do quartel viu ele um sujeito montado num cavalo e notou que o cavalo trazia as patas enroladas em trapos. Espreitou.O sujeito aproximou-se de uma casa alta, de cuja janela desceram pequenos fardos, mas muito pesados, e, no fim, uma senhora, que desceu por uma escada de corda. Em seguida, ela montou com o sujeito no cavalo, e este partiu a grande galope. O soldado trazia consigo a baioneta e foi seguindo o cavalo. A curta distncia parou o cavalo, e o cavaleiro ordenou senhora que se apeasse. Ela assim fez.- Faa o acto de contrio, porque vai morrer - disse ele.- Eu no fiz mal nenhum, por que razo me quer matar?- Pois supunha que eu casasse consigo? Eu s queria o seu dinheiro. Agora estou governado, mas preciso que morra aqui!E, dizendo estas palavras, avanou para a senhora. A este tempo estava prximo o soldado, que arrancou a sua baioneta e matou o indivduo, que era um terrvel ladro.Em seguida, o soldado montou no cavalo a senhora e as malas e foi levar tudo casa da infeliz. Esta deu ao soldado um leno com moedas de ouro e pediu-lhe que todos os dias s onze horas lhe passasse defronte da casa. Ora a menina era filha de um mercador muito rico.Dirigiu-se o soldado para o quartel ao romper da manh e logo foi avisado pela sentinela de que o capito estava muito zangado por ele faltar hora do recolher.Apresentou-se o soldado ao capito, e tais foram as desculpas e to bom era o seu comportamento, que no foi castigado.No dia seguinte, pelas onze horas, passou o soldado defronte da janela do mercador, e a filha deste atirou-lhe outra bolsa de dinheiro, que ele apanhou. Repetiu-se isto mais vezes, at que o soldado entendeu que fazia um pecado em receber aquele dinheiro. Dirigiu-se a uma igreja e encontrou um cardeal, a quem pediu que o ouvisse de confisso, e nesta contou tudo. O cardeal aconselhou-o a que apanhasse o dinheiro, visto que a senhora lho dava. No outro dia, passou o soldado defronte da loja do mercador e viu l o cardeal, que o chamou. Estiveram conversando por algum tempo, o suficiente para o soldado ficar a saber que o cardeal era irmo do mercador, e portanto tio da senhora que ele salvara da morte.Logo que foram horas de jantar, foi o soldado convidado a jantar, convite que aceitou.No fim do jantar, disse o cardeal para o irmo:- Se a tua filha fosse salva por um homem, que farias tu?O mercador respondeu:- Se esse homem fosse solteiro, dava-lhe a minha filha em casamento.Ento o cardeal pediu ao irmo que desse a sua filha em casamento ao soldado.Deram-se todas as explicaes que o caso exigia e o nosso soldado casou com a filha do mercador.

A MO DO FINADO

Havia um mercador que tinha trs filhas e todos os anos fora da cidade para buscar uma renda. Aconteceu falecer-lhe a mulher, e, quando teve de se ausentar, custou-lhe deixar as filhas sozinhas. Disse-lhes ento:- Minhas filhas, eu preciso de ir receber a renda do costume, mas custa-me ir porque no queria arredar-me da vossa beira.As filhas responderam:- V, meu pai, que no nos vai acontecer nada. Ns fechamo-nos por dentro e no se consente que ningum c entre.Fiado na palavra das filhas, foi o mercador embora.Havia fora da cidade uma quadrilha de ladres, e o capito deles andava espera da ocasio da partida do mercador. Assim que soube o dia em que ele saiu da cidade, vestiu-se com trajes de mendigo, e ao anoitecer estava toda a sua quadrilha no canto da rua onde moravam as trs meninas.Foi o capito bater-lhes porta e, como estivesse a chover, pediu pousada do ar da noite. As meninas mais velhas compadeceram-se dele e queriam-no agasalhar. A mais moa disse:- No! Lembrem-se da palavra que deram ao pai. Damos-lhe esmola e ele que v com Deus.Respondeu a mais velha:- A menina, como mais criana, no determina nada aqui!E o falso velhinho sempre entrou em casa. Deram-lhe na cozinha uma enxerga e cordas para ele estender a roupa e puseram-lhe a ceia diante. As meninas, depois de terem arranjado o velho, foram tambm cear.Estavam elas a acabar quando o velho foi ter com elas mesa e lhes deu trs mas dormideiras, uma para cada uma comer sobremesa. Ficou o capito dos ladres ainda um bocado a ver se elas as comiam. De facto, as mais velhas comeram-nas, enquanto a mais nova fingiu que o fazia, escondendo o fruto.Foram-se as meninas deitar e as mais velhas pegaram em sono profundo, mas a mais nova, com medo, no conseguiu dormir. Quando o ladro calculou que a dormideira estava a fazer efeito, agarrou num alfinete real e foi confirmar que todas dormiam. Chegou ao p da mais velha e deu-lhe uma picada a ver se estremecia. Ela no sentiu a picada. Fez o mesmo do meio, que tambm nada sentiu. A mais nova, com medo de que o ladro a matasse, fingiu que dormia e, quando ele a picou, fez que no sentiu.O ladro trazia consigo uma espada, uma pistola e uma mo de finado. Numa banca ps estas coisas todas. A menina mais nova abriu os olhos para ver o que o ladro ia fazer e tornou-os a fechar. O ladro ps lume mo do finado para as meninas ficarem mais pesadas no sono e correu as salas para arrumar o que tinha que roubar. Abriu o alapo que dava para a loja das fazendas, entrouxou o que quis e abriu a porta da loja. Saiu a chamar a sua quadrilha.A menina mais nova levantou-se ao mesmo tempo que o ladro saiu, viu as trouxas e as fazendas prontas, e a toda a pressa trancou a porta da loja. O ladro, que j vinha com a quadrilha, ainda se ps aos empurres na porta, ao mesmo tempo que dizia:- Foi a mais nova que me enganou e que no comeu a ma dormideira!E comeou a ameaar que ela lhe havia de pagar tudo. Teve ainda a confiana de tornar a bater porta, pedindo menina que lhe desse a sua mo de finado. Ela respondeu-lhe de dentro que a mo estava em labareda e no sabia como a apagar. Pediu ento o ladro que a deitasse numa tigela de vinagre, que ela apagava por si. A menina foi buscar a espada, que o ladro deixara, e disse-lhe:- Aqui est a mo do finado.Ora na porta havia um buraco em que cabia uma mo. Disse-lhe o ladro:- Meta a menina a mo pelo buraco.- Se quer, meta a sua, que eu lhe darei a mo do finado.Vai o ladro, cai em meter a mo, e a menina traou-a com a espada.Os ladres foram-se embora e o capito com a mo quebrada. A menina foi para o quarto onde as irms estavam dormindo, apagou no vinagre a mo do finado, e ao mesmo tempo as irms comearam a estremecer e acordaram.A boa da menina f-las levantar, contou-lhes tudo e levou-as a ver os sinais da desgraa em que estavam. Elas ficaram muito assustadas e choraram muito, lembrando-se do que o pai diria quando chegasse e soubesse que lhe tinham desobedecido.Chegou o mercador da renda e viu as filhas, que lhe pareceram muito tristes. Pediu a menina mais nova a seu pai que a escutasse. Contou o que se tinha passado e como se tinha livrado dos ladres. O mercador chamou ento as filhas e disse:- Daqui por diante daremos obedincia a vossa irm mais moa. Eu, com ser seu pai, farei o que ela determinar, porque venho de conhecer que vos livrou da morte e de ficarmos desgraados.Quando, por fim de muitos anos, o capito dos ladres, que tinha mandado fazer uma mo de ferro com engonos e andava de luvas, vestido como qualquer senhor, estabeleceu um armazm defronte da casa do mercador.Ora um dia o mercador, por o vizinho lhe parecer boa pessoa, convidou-o para ir l jantar. Ele aceitou de boa vontade e as meninas ficaram satisfeitas com isso. A mais nova que se mostrou muito triste, e o pai perguntou-lhe o que era. A menina respondeu que no gostava que o pai convidasse o tal senhor para ir a sua casa. Chegou hora do jantar e foram para a mesa. As outras duas irms, essas, estavam muito contentes. Houve uma conversa e neste tempo o visitante pediu em casamento a menina mais nova. O mercador ficou muito satisfeito e disse que sim. Mas a menina respondeu:- Aqui o desengano, pai, que com ele no me quero casar. O vizinho, aborrecido, pediu a mais velha, que ficou muito contente, e ele comeou a dizer os bens que tinha e que morava em palcios longe da cidade.Chegou o dia do casamento, despediu-se a menina mais velha e montou no carro - mais o marido para fora da cidade. L no meio da estrada, ele apeou-se mais a mulher e pagou ao boleeiro, para que no se soubesse onde morava. Foram andando, at que chegaram a umas casas metidas nuns matos. Assim que a sua companhia o avistou, vieram com os seus ouros e jias oferecer senhora, que ele apresentou como sua mulher.Entrou o capito de ladres com ela para um quarto e deu-lhe um papel para escrever uma carta ao pai. Ditou-lha, dizendo que estava muito satisfeita com ver tanta riqueza e que mandava buscar uma das suas irms para estar uns dias em sua companhia. Acabada a carta, que ele fechou, tirou ento a luva e a mo de ferro, mostrando o brao maneta, perguntando:- Conheces quem me fez isto?Ela respondeu-lhe que no.- Bem sei que no tens culpa, mas o pagars e tuas irms tambm!Acabado isto, pegou na espada e degolou-a. No fim de uns dias, levou a carta ao sogro, que a sua mulher lhe mandava. O pai leu-a e disse filha do meio que fosse. O ladro levou-a consigo e fez que ela escrevesse uma carta para ir tambm a mais nova. Depois de a degolar, apareceu outra vez com a carta ao sogro. O mercador mandou a ltima filha que tinha em casa. Ela no queria ir, mas, para no desobedecer, sempre se resolveu. L foi com o cunhado, que no meio da estrada a fez apear e, depois de irem a p por muito tempo, descalou a luva e mostrou-lhe o punho sem mo, dizendo:- As tuas manas j pagaram. Agora a tua vez!Chegaram a casa. Os ladres apareceram-lhe todos e ele determinou:- Faam de conta que minha irm!Ps ao pescoo da menina uma pra de ouro e disse:- Podes ir a todos os quartos deste palcio menos a este.Partiu com a quadrilha, mas, assim que ele voltou costas, a menina tirou a pra do pescoo e foi ao quarto dos mortos. Viu l um menino prncipe todo esfaqueado, que lhe disse:- Esta casa um covil de ladres. Que faz a menina aqui? Olhe que eles esto a a chegar.A menina fechou outra vez tudo. Ps a pra ao pescoo, e nisto chegou o cunhado.- Fez o que lhe mandei?- Fiz.Ele olhou para a pra sem malha, ficou muito contente. Destinou-lhe servios para ela fazer e foi-se outra vez embora para uma viagem de oito dias.A menina tirou a pra e foi ao quarto dos mortos levar um caldo ao menino prncipe, que ficou so. Sentiram uns carros do rei que levavam esterco e eles fugiram e foram ter com os carreiros para os levarem para o palcio. Pararam os carreiros e perguntaram:- Que novidades h nessa cidade?- Ofcios dobrados pela falta do prncipe.- O prncipe sou eu e esta menina deu-me a vida, na casa onde eu estava esfaqueado pelos ladres. Agora, carreiro, deita esterco fora do carro de trs, pe meia sebe e deita em cima esterco, que ns nos esconderemos a.O carreiro assim fez. Eram trs carros e puseram-se a andar. Os ladres tinham encontrado um feiticeiro e ele ofereceu-se para ir para a sua companhia. Chegaram a casa, o capito no encontrou a menina, mas o feiticeiro logo lhe disse que ia de fugida no carro de trs.Partiu um dos ladres para a ir buscar. Chegou ao carreiro, mandou-o parar e cavar no carro de trs at meio e, vendo que no achava nada, foi-se. Os meninos passaram para o segundo carro. Chegando a casa, disse o ladro:- mentira! No achei ningum, pois despejei o carro at meio!E o feiticeiro aconselhou:- Despeja o carro todo, que eles l esto.Parte o ladro a toda a pressa, apanhou o carreiro, mandou despejar o carro todo. E como os meninos j tinham passado para o segundo, no achou ningum. Disse outra vez o feiticeiro:- Vai l, que eles passaram-se para o carro da frente.Mas os carros chegavam j ao palcio e escaparam os fugitivos. O rei ficou muito contente por ter tornado a encontrar o seu filho e soube da menina tudo desde a mo do finado at dar a vida ao prncipe, que quis logo casar com ela. O rei deu o sim e nos dias das festas do casamento veio um dos ladres com moedas de ouro, entrou para a igreja que estava preparada e abriu uma saca e dizia com ar de tolo:- To bonito! To bonito!Apareceu ali um vassalo e desdenhou"- Quando voc se admira disto, que seria se visse a cmara real!E o que fingia de tolo:- Eu dava todas estas moedas de ouro a quem me levasse l.O vassalo ofereceu-se, e o ladro, no meio de tanta gente, sumiu-se e meteu-se debaixo da cama sem o vassalo ver. Casaram-se os prncipes e foram para a cmara real. A princesa, com uma grande agonia, no podia dormir e no se quis deitar.Exclamou o prncipe:- Deita-te, que os ladres no podem vir aqui matar-nos.- O meu corao diz que mesmo aqui que me ho-de vir matar!O prncipe levantou-se, chamou a sentinela para fora da porta e um leo para a borda da cama. O leo, mal entrou, comeou a farejar para debaixo da cama. A menina levantou-se e foi ver onde o leo estava dando sinal. Chamou o prncipe para ver um dos ladres que os tinha querido matar. Acudiu a sentinela, que fez sair o ladro, que ainda fingia de tolo, dizendo:- To bonito! To bonito!Mas levaram-no dali para a priso, at confessar quem o tinha ali mandado, sendo enforcado com o vassalo. O rei mandou tropa a rodear a casa dos ladres,, foram todos mortos e encontraram muitas riquezas, que o rei deu aos noivos, que foram muito felizes.

O CEGO E O MEALHEIRO

Era uma vez um cego que tinha ajuntado no peditrio uma boa quantidade de moedas. Para que ningum lhas roubasse, tinha-as metido dentro duma penela, que guardava enterrada no quintal, debaixo duma figueira. Ele l sabia o lugar, e, quando arranjava outra boa maquia, desenterrava a panela, contava tudo e tornava a esconder o seu tesouro.Ora um vizinho espreitou-o, viu onde que ele tinha a panela e foi l e roubou tudo. Quando o cego deu pela falta, ficou muito calado, mas comeou a dar voltas ao miolo para ver se arranjava maneira de tornar a apanhar o seu dinheiro. Ps-se a considerar quem seria o ladro e achou que por fora teria de ser o vizinho. Tratou de ir fala com ele e disse-lhe:- Olhe, meu amigo, quero contar-lhe uma coisa muito em particular, que ningum nos oua.- Ento o que , senhor vizinho?- Eu ando doente, e isto h viver e morrer. Por isso quero dar-lhe parte que tenho algumas moedas enterradas no quintal, dentro de uma panela, mesmo debaixo da figueira. J se sabe, como no tenho parentes, h-de ficar tudo para si, que sempre tem sido um bom vizinho e me tem tratado bem. Ainda tinha a num buraco mais umas moedas de ouro e quero guardar tudo junto, para o que der e vier.O vizinho, ao ouvir aquilo, agradeceu-lhe muito a inteno, e naquela noite tratou logo de ir enterrar outra vez a panela de dinheiro aonde ela estava, no fito de apanhar o resto do tesouro. Quando bem entendeu, o cego foi ao stio, encontrou a panela e levou-a para casa. Depois desatou num grande berreiro, para que o vizinho o ouvisse:- Roubaram-me! Roubaram-me tudo!E da em diante guardou as suas moedas num stio onde nunca ningum soube.

O COELHINHO BRANCO

Era uma vez uma princesa que costumava pentear-se sempre janela do seu palcio, que deitava para o jardim. Todos os dias ia um coelhinho branco muito bonito passear debaixo da janela. Um dia, estando a princesa a pentear-se, vai o coelhinho e levou-lhe o pente.Passados dias, estando outra vez a princesa a pentear-se, veio o mesmo coelho e levou-lhe o lao, e, passados mais uns dias, tendo a princesa tirado um anel e posto na janela, o coelho tornou a aparecer e levou-o.Passaram-se uns poucos de dias e o coelho nunca mais voltou. A princesa, com muitas saudades por ele no aparecer, adoeceu.Vieram os mdicos e no atinaram com a molstia. O rei, muito aflito por ver que a filha no podia resistir doena, no fazia seno chorar.A princesa tinha uma aia que era muito sua amiga e que sabia a razo de tudo aquilo. A doente sonhou uma noite que bebendo um copo de gua duma fonte que havia no meio de um bosque distante do palcio lhe daria sade. Pediu aia que lha fosse buscar, porque s da sua mo a queria beber, pois s nela confiava.A aia foi, chegou fonte e, quando ia a encher o copo, abriu-se o cho e saiu um preto com um burro carregado de barris.Ela escondeu-se e o preto encheu os barris, carregou o burro e foi-se embora. A aia foi atrs dele e o preto, chegando ao stio por onde tinha aparecido, disse:- Abre-te, cho!Imediatamente o cho se abriu e apareceu um palcio muito rico. A aia entrou e escondeu-se, muito admirada por ver semelhante riqueza.O preto veio, trouxe uma bacia e um jarro de ouro, deitando os barris de gua dentro da bacia. Depois foi-se embora. Da a pouco viu ela vir o coelhinho branco, que costumava ir ao jardim da princesa. O coelho meteu-se na bacia de gua e fez-se logo um formoso prncipe. Depois abriu uma gaveta e, tirando um pente, um lao e um anel, comeou a dizer:- Pente, lao, anel de minha senhora! Vejo a ti e no vejo a ela! Ai, que morro por ela, ai de mim!Depois arrecadou tudo, voltou a banhar-se, tornou-se logo em coelho e fugiu. A aia, quando se viu s, chegou ao stio por onde tinha entrado e disse:- Abre-te, cho!O cho imediatamente se abriu, saiu ela e chegou ao palcio muito contente, com um copo de gua da fonte.A princesa bebeu-a e comeou a achar-se melhor. A aia, ento, contou-lhe o que tinha visto e a princesa ainda mais contente ficou. Depressa se achou boa e foi um dia passear com a aia ao mesmo stio e esconderam-se. Da a pouco tempo abriu-se o cho e apareceu o preto. Encheu os barris, carregou-os no burro e foi-se embora. Chegou ao tal stio e fez que o cho se abrisse. E logo apareceu o tal rico palcio.Entraram a princesa e a aia e foram seguindo o preto sem que ele as visse. Depois esconderam-se no mesmo stio onde estivera a aia da outra vez. O preto foi buscar a bacia e o jarro de ouro, despejou a gua dentro e depois retirou-se.Da por um bocado, veio o coelhinho branco, banhou-se dentro da bacia e tornou-se no tal prncipe. Abriu a gaveta e repetiu as mesmas palavras diante do pente, do lao e do anel.S que dessa vez apareceu a princesa, que lhe disse:- Se morres por mim, meu amor, aqui me tens!Acabou-se imediatamente o encanto do prncipe, que ficou muito contente por tornar a ver a princesa.Ajustou-se o casamento, casaram e o pai dela ficou muito satisfeito.

O GALO E A RAPOSA

Um galo, cercado de um serralho de galinhas, pressentiu a aproximao duma raposa e empoleirou-se logo numa rvore, dando sinal para que todas fizessem o mesmo. A raposa chegou rvore e disse para cima:- J vejo que vocs no sabem que h agora uma ordem do Governo para nem os homens nem os bichos fazerem mal uns aos outros!- Agora!O galo ouviu bulha a certa distncia, olhou e exclamou:- Acol vm uns caadores!- De que banda vm? - perguntou a raposa, assustada.- De acol!Mas neste momento j os ces dos caadores tinham dado com as pegadas da raposa e corriam para ela.A raposa deitou a fugir, os ces e caadores atrs dela, e o galo comeou ento a gritar:- Mostra-lhe a ordem! Mostra-lhe a ordem!

PEDRO DAS MALAS-ARTES

Uma mulher tinha um filho maluco. Um dia precisou de ir feira e recomendou ao filho, que ficava em casa, que olhasse por tudo. Tinha tambm um filhinho de peito, que ficava no bero, e ensinou-o que quando chorasse o devia embalar. Tambm ficava uma galinha no choco: que lhe cobrisse os ovos quando ela sasse.No regresso, a mulher perguntou ao filho se tinha feito tal qual o que ela dissera. O rapaz fez que sim com a cabea. O menino chorara, mas ele catara-o e espetara-lhe um alfinete na cabea, at que se calou: estava morto. A galinha, quando deixou os ovos, que fora ele choc-los para no arrefecerem: estavam esborrachados. A pobre mulher lamentava-se da sua triste vida, chorando muito a sorte do seu querido filhinho, e jurou que nunca mais deixaria o tolo a guardar a casa.Quando houve outra feira e ela teve preciso de l ir, mandou o filho, a quem fez mil recomendaes: que comprasse um porco, para o que lhe deu uma cordinha para o trazer preso; um cntaro, que o trouxesse s costas; um vintm para sardinhas, e que as deitasse dentro do cntaro, e, finalmente, dez ris para agulhas, que as espetasse na gola da jaqueta.Ficou a mulher muito descansada, pois, como lhe recomendara tudo, calculava que ele no faria asneira.Espantada afinal ficou quando o viu chegar com tudo trocado, s avessas do que dissera: o porco s costas, j morto de tanto que tinha gritado; o cntaro todo quebrado, no restando dele seno a asa, que tinha presa corda; das agulhas, que ele trazia l dentro, nem uma apareceu, e as sardinhas espetadas na gola da jaqueta, que nem sardinhas pareciam, esborrachadas que estavam! A pobre mulher, aflitssima, chorou lgrimas, protestou e trejurou nunca mais mandar o filho feira nem deix-lo s em casa.

O CALDO DE PEDRA

Um frade andava no peditrio. Em determinada altura, cheio de fome, chegou porta de um lavrador e a nada lhe quiseram dar. E ele disse aos da casa:- Vou ver se fao um caldinho de pedra.Apanhou uma pedra do cho, sacudiu-lhe a terra e ps-se a olhar para ela a ver se era boa para fazer um caldo. A gente da casa ps-se a rir do frade e da sua lembrana. Perguntou o viandante:- Ento nunca comeram caldo de pedra? S lhes digo que uma coisa muito boa!Responderam-lhe:- Sempre queremos ver isso.Foi o que o frade quis ouvir. Depois de ter lavado a pedra, falou assim:- Se me emprestassem a uma panelinha...Deram-lhe uma panela de barro. Ele encheu-a de gua e meteu a pedra dentro.- Agora, se me deixassem estar a panelinha a ao p das brasas...Deixaram. Assim que a panela comeou a chiar, disse ele:- Com um bocadinho de unto que o caldo ficava um primor!Foram-lhe buscar um pedao de unto. Ferveu, ferveu, e a gente da casa pasmada do que via. Provando o caldo, exclamou o frade:- Est um bocadinho ensosso, bem precisava de uma pedrinha de sal.Tambm lhe deram o sal. Temperou, provou, e:- Agora que uns olhinhos de couve caam bem aqui! At os anjos comeriam!A dona da casa foi horta e trouxe-lhe duas couves tenras. O frade limpou-as, ripou-as com os dedos, deitando as folhas na panela.Quando os olhos j estavam cozidos, comentou o frade:- Ai, um naquinho de chourio que lhe dava graa!Trouxeram-lhe um pedao de chourio e ele deitou-o na panela. E enquanto tudo aquilo cozia, tirou po do alforge e arranjou-se para comer com vagar. O caldo cheirava que era um regalo. Comeu e lambeu o beio. iDepois, despejada a panela, ficou a pedra no fundo.A gente da casa, que estava com os olhos no frade, perguntou-lhe:- Irmo, ento a pedra?Respondeu-lhes o frade:- A pedra lavo-a e levo-a comigo para outra vez!E assim comeu o frade em casa de quem nada lhe queria dar.

O FRADE BERNARDO

Os frades bernardos eram muito conhecidos pelas suas tolices, e ainda hoje uma tolice sinnimo de bernardice.Quando os frades franciscanos encontravam um bernardo, troavam-no muito. Uma ocasio passou um bernardo pela estalagem de uma aldeia. porta estava o estalajadeiro:- Vem em boa ocasio, Frei Bernardo. Esto l em cima dois franciscanos que mandaram preparar um leito recheado para o jantar.Ouviram os franciscanos o que o estalajadeiro dizia e correram a convidar o outro frade para o jantar.- A que horas jantam? - perguntou o bernardo.- s trs em ponto.Seguiu o bernardo o seu caminho e ficaram os franciscanos a combinar a partida que pregariam ao irmo. Decidiram propor ao bernardo que cada um devia consentir que lhe fizessem no corpo aquilo que fizesse no leito.s trs horas chegou o bernardo e apresentaram-lhe a proposta. O frade respondeu:- necessrio que jantemos nus.- Est visto - concordaram os outros dois.Veio o leito recheado. Os frades fecharam a porta da casa e despiram-se. -Logo um franciscano pegou na toalha e foi limpar o leito de alguma cinza. Os outros frades fizeram o mesmo ao corpo do frade. Seguiu-se o outro franciscano, que foi limpar as unhas ao leito. Os outros fizeram-lhe o mesmo.Faltava o bernardo, que s tinha de cortar. Os outros irmos preparavam-se j para o martirizar. Ento o bernardo meteu o dedo pelo orifcio do rabo do leito, tirou-lhe o recheio e ps-se a lamber o dedo.- Faam-me o mesmo - disse o bernardo para os franciscanos, voltando-lhes as costas. escusado dizer que os franciscanos no estiveram pelo contrato, mas o bernardo comeu leito ao jantar!

S. PEDRO E A FERRADURA

Quando Nosso Senhor Jesus Cristo e mais S. Pedro andavam pelo mundo, toparam num caminho uma ferradura velha. Disse o Senhor:- Pedro, apanha essa ferradura, que pode ter alguma serventia.- Senhor, no apanho! Est velha e ferrugenta, no pode servir para nada.O Senhor deixou ir Pedro adiante, abaixou-se e apanhou a ferradura.Chegaram s portas de uma cidade. O Senhor deixou outra vez Pedro ir adiante e, sem ele dar por isso, vendeu-a a um ferrador por dez ris. Passou por um stio onde se vendia fruta e comprou-os de cerejas.Passaram depois a cidade e meteram por outra estrada. Estava muito calor e disse S. Pedro:- Ah, se eu tivesse com que refrescar a boca!O Senhor ia ento adiante e deixou cair uma cereja na estrada. Pedro ia a passar e viu a cereja, abaixou-se para a apanhar e meteu-a na boca, depois de a limpar do p.O Senhor foi deixando cair, aqui e ali, uma cereja, e Pedro sempre pronto para as apanhar, sem ver que era o Senhor que as deitava. Quando j no havia mais cerejas, disse o Senhor:- Que trabalho tiveste em apanhar as cerejas! Se tivesses apanhado a ferradura, t-las-ias mais frescas!- Como isso, Senhor?O Senhor contou-lhe tudo e ele arrependeu-se.

CANDEEIRO DE CEM LUZES

Houve um rapaz que era muito pobre e foi servir para a casa de um conde. O rapaz andava sempre a suspirar. O conde, um dia, perguntou-lhe:- Fulano, porque suspiras tanto?- Ah, senhor, a casa de meu pai! A casa de meu pai! Candeeiro de cem luzes! Mesa de dobradias! Quando ele passava, todos se apartavam!Ento o conde perguntou-lhe:- Teu pai to rico e andas a servir?- Ento o senhor no me compreende?! Candeeiro de cem luzes um fardo de palha; mesa de dobradias uma mesa toda carunchosa, que quando se lhe deitavam os pratos em cima vergava toda; e quando o meu pai passava, todos se arredavam, porque ele vinha a cavalo e as pessoas que o viam apartavam-se para ele passar.

DUAS PESSOAS CASADAS

Era uma vez um homem e uma mulher, casados e muito amigos. Mas, em dada altura, ela comeou a sentir uma aflio e ps-se a dizer que lhe estava a apetecer matar-se. E o marido disse-lhe:- Vamos passear, vamos espairecer!E foram. Depois ele andou para o campo e ela para casa. Nessa ocasio passou o Diabo, que ia muito apressado, e uma mulher feiticeira, que o viu, perguntou-lhe:- Tu vais to aflito?E ele respondeu:- Queria arranjar aqueles dois para mim e no posso. - Aludia aos dois casados.E ela disse-lhe:- Isso te arranjo eu, mas quanto me ds?- Dou-te umas chinelas.E a feiticeira foi ter com o homem ao campo e pediu-lhe uma esmolinha. E o homem:- V a casa ter com a minha mulher.E ela perguntou-lhe:- A sua mulher sua amiga?- Sim, senhora, muito minha amiga.- Pois olhe que ela quer mat-lo.A tal foi ento a casa do homem e pediu a esmola mulher. Perguntou-lhe:- O seu homem seu amigo?- muito meu amigo.- Pois olhe, se quer que ele seja mais seu amigo, fique a cirandar e deixe-o adormecer, corte-lhe dois cabelos da cabea e traga-os consigo. Isso ento que ele h-de ser seu amigo.A mulher assim fez. Deixou-o adormecer, pegou numa tesoura e foi ver se ele dormia. Ps-se a examinar e foi com a tesoura para ele. Ele ento levantou-se e sempre acreditou o que a outra lhe tinha dito, pois que cuidava que a tesoura era para ela o matar. Mas quem a matou foi ele.Depois a feiticeira foi ter com o Diabo e disse-lhe:- Venham, venham para c as minhas chinelas.E ele exclamou, pondo-se distncia:- De longe!... Toma l! Fizeste num dia o que eu no fiz num ano!

O DEVEDOR QUE SE FINGIU MORTO

Era uma vez um homem casado que tinha muitas dvidas. Um dia disse mulher:- Vou-me fingir morto para depois nos perdoarem as dvidas.Assim, fingiu-se morto. Vieram os credores e todos lhe perdoaram as dvidas; mas havia um sapateiro a quem devia trinta ris e no lhos quis perdoar. Disse logo que haveria de trabalhar luz das velas do morto e noite desse dia foi coser botas para ao p do plpito.Noite alta, os ladres arrombaram as portas da igreja para irem para l repartir o dinheiro que levavam. Quando viram o defunto, comearam a dizer:- Eu corto o nariz.- E eu uma orelha...E assim por diante. E disse um deles:- Mas, primeiro, vamos repartir o dinheiro!Quando eles iam comear a repartir, disse o que estava a fingir de morto dentro do caixo:- Acudi c, defuntos!O sapateiro, que estava em cima, pegou numa das formas e exclamou:- Eles vo todos juntos!Os ladres, quando ouviram aquilo, fugiram e deixaram ficar o dinheiro. Depois, o que estava no caixo saiu e comeou a repartir o dinheiro entre ele e o sapateiro.Ento os ladres, quando j estavam longe, perguntaram:- Qual de ns vai ver se so muitos?- Vou eu - ofereceu-se um deles.Quando l chegou, j os dois tinham repartido o dinheiro e perguntava o sapateiro ao seu devedor:- E os meus trinta ris?O ladro saiu por onde entrou, correndo a bom correr. Esbaforido, disse aos outros da quadrilha:- So tantos que s tocam trinta ris a cada um!

PARA QUEM CANTA O CUCO?

Dois vizinhos ouviram cantar o cuco e tomaram como agouro que era sinal de infidelidade de esposa. Disse um:- O cuco cantou mas foi para ti.- Nada, isso no pode ser. Para ti que ele cantou.Pegaram a teimar, e como nenhum cedia resolveram ir consultar um letrado. Chegaram l, contaram o que se passava e o letrado, depois de folhear uns quantos livros, ordenou:- Deposite cada um duas moedas antes do mais.Os vizinhos entregaram o dinheiro, ansiosos de ouvirem a sentena. O letrado meteu o dinheiro no bolso, fingiu um ar triste e suspirou:- Vo-se embora na paz do Senhor, porque para mim que cantou o cuco.

OS DOIS AMIGOS

Dois casais de lavradores, muito amigos, tiveram dois filhos nascidos no mesmo dia - uma das crianas era muito boa, a outra tinha um carcter muito mau. No entanto, eram ambos amigos. Entraram no mesmo ano ao servio militar.O mau, depois de estar na praa seis meses, comeou a desinquietar o bom para ambos desertarem. Este quis dissuadir o amigo e afinal acedeu, e ambos desertaram mesmo. Levavam nas marmitas o rancho do dia.Depois de andarem muito tempo perdidos pelos matos, foram descansar sob uma rvore. O mancebo bom tirou da sua marmita o rancho e ambos o comeram a meias. Adormeceram depois, acordando j tarde, e seguiram o seu caminho, fugindo sempre das estradas, com receio de serem presos.No dia seguinte, quase ao sol-posto, foram descansar sob uma rvore. O mancebo mau tirou da sua marmita o rancho e ps-se a com-lo sozinho.- No me ds do teu rancho?- No - respondeu o mau.- Mas eu dividi o meu rancho contigo.- E eu dou-te um bocado de po se me deixares tirar-te um olho com a ponta da minha navalha.Estranhou o companheiro tal proposta, mas, como 'tinha muita fome, deixou tirar um olho a troco de uma fatia de po. Mais logo deixou tirar o outro por idntico motivo. E o mariola, depois de ver o companheiro cego, desamparou-o.O infeliz ficou por algum tempo junto da rvore; depois, porm sentindo uivar as feras, aproximou-se do tronco e trepou pela rvore a esconder-se por entre as folhas. meia-noite ouviu o galopar de um cavalo. Era um sujeito que vinha montado e parou sob a rvore. Esperou algum tempo at que chegaram outros indivduos tambm montados.- Demoraram-se - disse o primeiro.- verdade - respondeu um dos que acabavam de chegar. - Estive numa cidade e vi que os seus habitantes andam desesperados por falta de gua. Temos dali boa colheita.- E todavia passa ao lado da Capela de S. Sebastio um rio de gua esplndida - observou um terceiro.- Quanto a mim-disse o quarto -, venho satisfeito, pois o rei de certo pas est cego por virtude da lepra que lhe corri o corpo.- Bem sei - disse o primeiro - , e mal sabe ele que estamos sombra de uma rvore cujas folhas no s curam todas as doenas, mas tm a virtude de dar olhos a quem os perdeu.- Fazes mal em falar alto! s vezes, as moitas tm olhos e as pedras tm ouvidos.- Neste deserto no pode estar ningum - observou o primeiro.E todos se foram embora.Logo que amanheceu, desceu o infeliz da rvore, colheu umas folhas, picou-as em duas pedras e aplicou o sumo sobre os olhos. Ficou completamente curado. Colheu mais folhas e guardou-as no leno.Partiu para a terra onde havia falta de gua e fez o milagre de lhe dar uma boa nascente. Saiu dali para o pas onde reinava o rei leproso e curou-o da doena, restituindo-lhe tambm a vista.Se no primeiro stio o compensaram com muito dinheiro, no segundo o rei deu-lhe a filha em casamento.Andava o genro do rei visitando as suas tropas, quando viu o seu desalmado companheiro alistado em um dos batalhes do reino. Mandou-o ir ao palcio e deu-se a conhecer. Ficou o malvado aflito, mas o prncipe disse-lhe que no lhe tencionava fazer mal algum, apesar da infmia que ele praticara.- Mas - disse o mau -, como foi que Vossa Alteza readquiriu a vista e veio a casar com a princesa?O mancebo contou-lhe toda a verdade, omitindo o incidente relativo ao descobrimento da gua.Nessa mesma noite, desertou o soldado e foi logo postar-se sob a rvore milagrosa.Esperou a meia-noite. Eis seno quando ouve ele o tropel de cavalos. Eram diversos cavaleiros que vinham muito irritados. Chegaram ao p da rvore e disse um:- Quando tu respondeste que por detrs da Capela de S. Sebastio corria um rio de gua esplndida e que a lepra do rei se curava com as folhas desta rvore, fiz logo sentir a inconvenincia da tua resposta, dizendo-te que muitas vezes as moitas tm olhos e as pedras ouvidos. Infelizmente, algum te ouviu!- E talvez - respondeu o increpado - que hoje aqui esteja de novo a espiar-nos!Foram acima da rvore e encontraram o soldado. Fizeram-no em postas.

O PSSARO CHICA-AMORICA

Era uma vez um pssaro chamado Chica-Amorica. Tinha trs filhos e estava num alto -carvalho a cantar. Chegou a raposa e disse:- Quem est nesse alto carvalho a cantar?- Chica-Amorica com seus filhos trs! Disse a raposa:- Pois deita c um, seno alo o meu rabo, corto o carvalho e como Chica-Amorica com seus filhos trs!Ela deitou-lho e a raposa comeu-o. Entrou a chorar muito.Ao outro dia tornou a vir a raposa e disse-lhe:- Quem est nesse alto carvalho a chorar? Ela disse-lhe:- Chica-Amorica com seus filhos dois! A raposa disse-lhe:- Deita c um, seno alo o rabo, corto o carvalho e como Chica-Amorica com seus filhos dois.Chica-Amorica entrou a chorar e deitou-lhe outro filho. Ao outro dia, muito cedo, o mocho, que era compadre de Chica-Amorica, passou por l e admirou-se de a ver a chorar. Perguntou-lhe:- Quem est nesse alto carvalho a chorar?- Chica-Amorica e seu filho nico!- E os outros?- Veio c a raposa e disse-me que lhe deitasse um filho, seno que alava o rabo, cortava o carvalho e que me comia a mim e aos meus filhos. E cada dia me comeu um e no tarda muito que ela venha para me buscar o outro.O mocho disse-lhe:- No te aflijas.- E ensinou-lhe o que havia de responder raposa, e ficou por ali a passear.Chica-Amorica ps-se a cantar. Nisto vem a raposa:- Quem est nesse alto carvalho a cantar?E o pssaro:- Chica-Amorica e seu filho nico!A raposa:- Deita c o teu filho, seno alo o rabo, corto o carvalho e como Chica-Amorica e seu filho nico!Chica-Amorica respondeu-lhe:- Rabo de raposa no corta carvalho, s corta o machado!E a raposa:- Isso so conselhos do teu compadre mocho!O mocho apareceu e disse:- Pois!A raposa:- Pe um p no cho e outro no ar!O mocho disse:- Pois! - E ps um p no cho e outro no ar.Disse a raposa:- Fecha um olho e abre o outro!- Pois!E o mocho fechou um olho. A raposa, doce:- Fecha os dois olhos!- Pois! - E o mocho fechou os olhos.Era o que a raposa queria; engoliu o mocho e deitou a correr, dizendo:- Mocho comi!O mocho, que tinha ficado inteiro dentro da boca da raposa, disse-lhe:- Berra mais alto para a minha gente saber novas minhas!A raposa abriu muito a boca e gritou:- Mocho comi!O mocho saiu pela boca e exclamou:- A outro, a outro, menos a mim!

A TORRE DA BABILNIA

Era uma vez um pescador que, indo certo dia ao mar, encontrou o rei dos peixes - a pescada. O rei dos peixes pediu-lhe que o no levasse. O pescador consentiu, mas a mulher tanto fez com ele, dizendo que lhe levasse o rei dos peixes, que o pescador no teve remdio seno lev-lo. A pescada mandou ento ao homem que a partisse em cinco postas: uma para a mulher, outra para a gua, outra para a cadela e duas para serem enterradas no quintal. Assim aconteceu.Da mulher nasceram dois rapazes; da gua dois cavalos; da cadela dois lees; e do quintal duas lanas.Os rapazes cresceram. Quando estavam j grandes, pediram ao pai que os deixasse ir viajar.Partiram cada um com sua lana, seu leo e seu cavalo.Ao chegarem a um stio onde havia dois caminhos, um tomou por um e outro por outro, prometendo auxiliarem-se se algum deles precisasse de socorro.Um deles foi ter a um monte, onde viu uma donzela quase a ser vtima de uma bicha de sete cabeas. O rapaz matou a bicha e casou com a donzela.Um dia estavam ambos janela e o rapaz, ao avistar ao longe uma torre, perguntou:- Que torre aquela?- a Torre da Babilnia! Quem l vai nunca mais torna!- Pois eu hei-de ir e hei-de tornar.Fez-se acompanhar do leo, pegou na lana, montou a cavalo e seguiu.Na torre havia uma velha, que ao ver o cavaleiro cortou um cabelo da cabea e disse:- Cavaleiro, prende o teu leo a este cabelo.O cavaleiro assim fez, mas, vendo que a velha se dirigia contra ele, disse: - Avana, meu leo!E a velha respondeu:- Engrossa, meu cabelo!Nisto, o cabelo da velha transformou-se em grossas correntes de ferro, e o cavaleiro caiu num alapo da torre.Algum tempo depois, o outro rapaz chegou a casa do irmo, mas como ambos eram muito parecidos - este apenas tinha mais um sinal na cara do que o outro - , a cunhada facilmente o tomou pelo marido e deu-lhe pousada nessa noite.Ao outro dia, estavam ambos janela, e o cunhado, ao avistar a torre da velha, perguntou-- Que torre aquela?- J te disse ontem que a Torre da Babilnia. Quem l vai nunca mais torna!- Pois hei-de ir l e hei-de voltar.Aprontou-se exactamente como o irmo e caminhou em direco torre. Assim que a velha o viu, disse-lhe para prender o leo ao cabelo. O rapaz fingiu que o prendeu, mas deixou cair o cabelo. Ento a velha correu para ele. O rapaz exclamou:- Avana, meu leo!E a velha:- Engrossa, meu cabelo!O cabelo no engrossou e o leo avanou.A velha:- No me mates, que eu dou-te muitas riquezas!O cavaleiro no se importava.A velha:-No me mates, e aqui tens um vidrinho que desencanta todas as pessoas que esto encantadas na torre.O cavaleiro recebeu o vidro, mandou avanar o leo e matou a velha. Depois desencantou todos os que estavam na torre. O irmo, porm, apenas soube que a mulher, por engano, havia quebrado os laos conjugais, assassinou o seu salvador.

O MOLEIRO

Trabalhava no seu moinho um moleiro, quando chegou o rei e a comitiva.- H dois dias que nos perdemos na floresta e estamos cheios de fome. Tens alguma coisa que nos sirvas?- Tenho po de cevada e mel.Ficaram todos muito contentes. O moleiro foi buscar um tabuleiro de po, que desapareceu num momento.- Venha o mel! - ordenou o rei.- O mel comeram os senhores com o po...O rei compreendeu a resposta do moleiro: no h melhor apetite do que a fome - at o po de cevada sabe a mel!

A RAINHA INVEJOSA

Era um homem e uma mulher, que tinham uma filha. Viviam num campo e a menina nunca tinha visto ningum. Um dia morreu a me. Tiveram muita pena e enterraram-na ali. Depois continuaram a viver o pai e a filha, at que chegou um dia em que o velho disse filha:- Eu j tenho pouco tempo de vida, e ento tu hs-de ir para a cidade, que eu no quero morrer sem te deixar arrumada!Ao outro dia acordou a menina num lindo palcio, mesmo defronte do palcio real. A menina ficou muito admirada de ver gente e de tudo. noite veio o pai e falou-lhe do seguinte modo:- Olha que a rainha h-de c mandar-te pedir licena para te visitar. Tu diz-lhe que noite falas comigo. Sem isso no podes receb-la.Ao outro dia, logo de manh, apareceu um criado da rainha a pedir licena para esta visitar a menina. Ela respondeu o que o velho tinha dito. noite ele veio e disse:- Podes dizer que sim, que venha. E tu leva-a para a sala e, depois de conversares com ela, dizes: Venha c, fogareiro. H-de vir o fogareiro. Venha c, carvo. H-de vir o carvo. Venha c, sert. H-de vir a sert. Venha c, azeite. H-de vir o azeite; e, quando estiver a ferver, tu no tenhas medo. Mete-lhe dentro as mos e diz: Venham c, salmonetes, para a Senhora Rainha merendar.- Mas quem hei-de eu mandar a casa da rainha, se no tenho ningum e vivo aqui s?- No te apoquentes, que tudo h-de aparecer!No outro dia logo apareceu um criado que foi levar o recado. A rainha apresentou-se e a menina levou-a para a sala; e, depois de conversarem, a menina chamou:- Vem c, fogareiro!Apareceu um fogareiro.- Vem c, carvo!Apareceu o carvo.- Acende-te, lume!Acendeu-se.- Vem c, sert!Apareceu a sert.- Vem c, azeite!Apareceu o azeite.Depois, com muito medo, mas no querendo ir contra as ordens do pai, quando o azeite estava a ferver, meteu-lhe as mos, dizendo:- Venham c, salmonetes, para a merenda da Senhora Rainha!Apareceram salmonetes e a rainha, cheia de admirao e inveja, merendou e foi-se embora.Alguns dias depois, disse o velho filha:- Amanh hs-de mandar pedir licena rainha para ir l, e vai visit-la.A menina disse que sim e foi. A rainha levou-a para a sala e comeou a dizer:- Vem c, fogareiro! Vem c, fogareiro! Vem c, fogareiro!Mas tal fogareiro no aparecia, j se v! As aias diziam umas para as outras:- A nossa rainha no est boa! Ento no est a berrar pelo fogareiro?!- melhor levar-lhe o fogareiro - disse a mais velha -, seno no se cala.Levaram-lhe o fogareiro. Da a nada comeou a gritar:- Vem c, carvo! Vem c, carvo!Mas, por mais que berrasse, o carvo no aparecia. At que as aias disseram:- melhor levar-lhe o carvo, seno no se cala!Levaram-lho. E a gritaria recomeou:- Vem c, lume! Vem c, lume!O lume no aparecia! Foram as aias acender o fogareiro.- Vem c, sert! Vem c, sert! - gritava ela cada vez mais.At que a aia mais velha disse para as outras:- melhor levar-lhe a sert, que aquilo alguma coisa que a nossa rainha quer fazer! Nunca a vi assim! Para o que lhe havia de dar!Levaram-lhe a sert. E a rainha:- Vem c, azeite! Vem c, azeite!Como o azeite no aparecia, l lho levou uma das aias. Quando o viu a ferver, meteu-lhe as mos dentro, dizendo:- Vem c, salmonete, para a merenda da menina!Mas escaldou-se e desatou num berreiro. A menina chamou as aias e muito aflita foi-se embora. No palcio correu grande desgosto, principalmente entre as aias, que estavam com medo que lhes fizessem mal por terem levado as coisas que a rainha pedira.A menina, noite, disse ao pai:- Ai, eu nunca l fora, meu pai! Ento a rainha no se queimou toda por querer fazer como eu?!- Ento, deixa, ela que assim quis! Foi por ser invejosa, pois ningum a mandou!A rainha curou-se e um dia mandou dizer menina se lhe dava licena para l ir. Ela disse que no sabia se o pai consentia, que ele vinha noite e lhe perguntaria.Veio o pai e perguntou-lhe.O velho:- Sim, eu j sabia que a rainha estava curada. Diz-lhe que pode vir e aparece-lhe despenteada, pedindo desculpa de no teres tido tempo. Depois vai para a sala e chama o toucador, o penteador, o pente e um cutelo, e no tenhas medo. Pega no cutelo, corta a cabea, penteia-te, torna a p-la em cima do pescoo.A menina ficou com muito susto, mas, no querendo desgostar o pai, disse que sim.Ao outro dia apareceu o criado a perguntar se a rainha podia vir, e, como a menina dissesse que sim, apareceu ela. A menina estava toda despenteada e pediu desculpa. Depois, levando-a para a sala, chamou:- Vem c, toucador.Apareceu o toucador.- Vem c, penteador!Apareceu o penteador.- Vem c, pente, para me pentear!Apareceu o pente.- Vem c, cutelo!Apareceu o cutelo.A menina foi com ele e cortou a sua cabea, p-la no regao, penteou-se muito bem e tornou a p-la em cima dos ombros, ficando como estava.A rainha estava a estoirar de inveja.Passados dias, disse o pai menina que mandasse pedir licena rainha e que lhe fosse pagar a visita. A rainha disse que sim, e a menina foi. Mal chegou, viu a rainha despenteada e, levando-a para a sala, comeou a gritar:- Vem c, toucador! Vem c, toucador!O toucador no aparecia e as aias diziam:- Ento no querem l ver?! Sempre que vem aquela menina, a nossa rainha fica como doida! melhor levarmos o toucador!Levaram-lho e comeou ela:- Anda c, penteador! Anda c, penteador!As aias, para a calar, levaram-lho.- Vem c, pente! Vem c, pente!O pente no aparecia e as aias levaram-lho. Depois comeou a gritar, ainda com mais fora:- Vem c, cutelo! Vem c, cutelo!- Para que demnio querer a nossa rainha, um cutelo?! - perguntavam entre si as aias.- melhor levar-lhe um para ver se se cala.Levaram-lho e ela foi ao pescoo, e zs! Matou-se. A menina comeou a gritar. Acudiram as aias. Foi um grande alvoroo. noite, quando a menina viu o pai, disse-lhe:- Ai que pena eu tenho da rainha! Quis fazer como eu e matou-se. Nunca eu l fora!- Deixa l, que ningum a mandou. Foi invejosa, teve o seu castigo. Agora prepara-te para veres o enterro, que h-de durar trs dias. Depois casas-te com o rei.- Eu, casar com o rei, porqu?- Porque eu tenho pouco tempo de vida e no quero deixar-te desamparada.- Mas eu no quero deixar o meu pai.- Que remdio, se os meus dias j esto contados!A menina chorou muito. Passado tempo, o rei mandou busc-la para casar com ele. Casaram. E nesse mesmo dia do casamento desapareceu o palcio da menina.

O SABOR DOS SABORES

Era uma vez um rei que tinha trs filhas muito lindas. Um dia, em que estavam a jantar, o rei perguntou mais velha:- Diz-me, minha filha, como gostas de mim.- Gosto tanto do pap como gosto do Sol!A outra respondeu:- Gosto tanto do pap como gosto dos meus olhos!E a mais nova disse que gostava tanto do pai como a gua do sal.- Tu dizes-me isso?! s muito ingrata!E disse-lhe que a havia de mandar matar