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Ministrio da Educao | Fundao Joaquim Nabuco Coordenao executiva Carlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari Comisso tcnica Carlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente) Antonio Carlos Caruso Ronca, Atade Alves, Carmen Lcia Bueno Valle, Clio da Cunha, Jane Cristina da Silva, Jos Carlos Wanderley Dias de Freitas, Justina Iva de Arajo Silva, Lcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fvero Reviso de contedo Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, Clio da Cunha, Jder de Medeiros Britto, Jos Eustachio Romo, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia Secretaria executiva Ana Elizabete Negreiros Barroso Conceio Silva

Alceu Amoroso Lima | Almeida Jnior | Ansio Teixeira Aparecida Joly Gouveia | Armanda lvaro Alberto | Azeredo Coutinho Bertha Lutz | Ceclia Meireles | Celso Suckow da Fonseca | Darcy Ribeiro Durmeval Trigueiro Mendes | Fernando de Azevedo | Florestan Fernandes Frota Pessoa | Gilberto Freyre | Gustavo Capanema | Heitor Villa-Lobos Helena Antipoff | Humberto Mauro | Jos Mrio Pires Azanha Julio de Mesquita Filho | Loureno Filho | Manoel Bomfim Manuel da Nbrega | Nsia Floresta | Paschoal Lemme | Paulo Freire Roquette-Pinto | Rui Barbosa | Sampaio Dria | Valnir Chagas

Alfred Binet | Andrs Bello Anton Makarenko | Antonio Gramsci Bogdan Suchodolski | Carl Rogers | Clestin Freinet Domingo Sarmiento | douard Claparde | mile Durkheim Frederic Skinner | Friedrich Frbel | Friedrich Hegel Georg Kerschensteiner | Henri Wallon | Ivan Illich Jan Amos Comnio | Jean Piaget | Jean-Jacques Rousseau Jean-Ovide Decroly | Johann Herbart Johann Pestalozzi | John Dewey | Jos Mart | Lev Vygotsky Maria Montessori | Ortega y Gasset Pedro Varela | Roger Cousinet | Sigmund Freud

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MAKARENKOG. N. FilonovTraduo Ester Buffa Organizao Carlos Bauer e Ester Buffa

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ISBN 978-85-7019-549-4 2010 Coleo Educadores MEC | Fundao Joaquim Nabuco/Editora Massangana Esta publicao tem a cooperao da UNESCO no mbito do Acordo de Cooperao Tcnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a contribuio para a formulao e implementao de polticas integradas de melhoria da equidade e qualidade da educao em todos os nveis de ensino formal e no formal. Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos neste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organizao. As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo desta publicao no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCO a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites. A reproduo deste volume, em qualquer meio, sem autorizao prvia, estar sujeita s penalidades da Lei n 9.610 de 19/02/98. Editora Massangana Avenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540 www.fundaj.gov.br Coleo Educadores Edio-geral Sidney Rocha Coordenao editorial Selma Corra Assessoria editorial Antonio Laurentino Patrcia Lima Reviso Sygma Comunicao Reviso tcnica Zia Ribeiro Prestes Ilustraes Miguel Falco Foi feito depsito legal Impresso no Brasil Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Fundao Joaquim Nabuco. Biblioteca) Filonov, G. N. Anton Makarenko / G. N. Filonov; Carlos Bauer, Ester Buffa (orgs.). Recife: Fundao Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. 138 p.: il. (Coleo Educadores) Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7019-549-4 1. Makarenko, Anton Semonovich, 1888-1939. 2. Educao Pensadores Histria. I. Bauer, Carlos. II. Buffa, Ester. III. Ttulo. CDU 37

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SUMRIO

Apresentao, por Fernando Haddad, 7 Ensaio, por G. H. Filonov, 11 Situao da obra de Makarenko, 11 Makarenko Educador, 13 As ideias pedaggicas de Makarenko, 13 A coletividade educativa, 17 Inserir-se na comunidade, 21 Os escritos de Makarenko, 22 A autogesto, 23 A herana de Makarenko, 25 A obra de Makarenko na viso brasileira, por Carlos Bauer e Ester Buffa, 29 Textos selecionados, 45 Os objetivos da educao, 46 Metodologia para a organizao do processo educativo A estrutura orgnica da coletividade, 50 A autogesto no destacamento, 54 Os rgos de autogesto, 60 O estilo de trabalho com a coletividade, 65 O trabalho cultural, 70 A perspectiva, 76 A perspectiva prxima, 77 A perspectiva em mdio prazo, 81

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A famlia e a educao dos filhos, 85 A educao na famlia e na escola, 100 As minhas concepes pedaggicas, 114 Cronologia, 127 Bibliografia, 135 Obras de Makarenko, 135 Obras sobre Makarenko, 135 Obras de Makarenko em portugus, 136 Obras sobre Makarenko em portugus, 136

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APRESENTAO

O propsito de organizar uma coleo de livros sobre educadores e pensadores da educao surgiu da necessidade de se colocar disposio dos professores e dirigentes da educao de todo o pas obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram alguns dos principais expoentes da histria educacional, nos planos nacional e internacional. A disseminao de conhecimentos nessa rea, seguida de debates pblicos, constitui passo importante para o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da prtica pedaggica em nosso pas. Para concretizar esse propsito, o Ministrio da Educao instituiu Comisso Tcnica em 2006, composta por representantes do MEC, de instituies educacionais, de universidades e da Unesco que, aps longas reunies, chegou a uma lista de trinta brasileiros e trinta estrangeiros, cuja escolha teve por critrios o reconhecimento histrico e o alcance de suas reflexes e contribuies para o avano da educao. No plano internacional, optou-se por aproveitar a coleo Penseurs de lducation, organizada pelo International Bureau of Education (IBE) da Unesco em Genebra, que rene alguns dos maiores pensadores da educao de todos os tempos e culturas. Para garantir o xito e a qualidade deste ambicioso projeto editorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto Paulo Freire e de diversas universidades, em condies de cumprir os objetivos previstos pelo projeto.7

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Ao se iniciar a publicao da Coleo Educadores*, o MEC, em parceria com a Unesco e a Fundao Joaquim Nabuco, favorece o aprofundamento das polticas educacionais no Brasil, como tambm contribui para a unio indissocivel entre a teoria e a prtica, que o de que mais necessitamos nestes tempos de transio para cenrios mais promissores. importante sublinhar que o lanamento desta Coleo coincide com o 80 aniversrio de criao do Ministrio da Educao e sugere reflexes oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, em novembro de 1930, a educao brasileira vivia um clima de esperanas e expectativas alentadoras em decorrncia das mudanas que se operavam nos campos poltico, econmico e cultural. A divulgao do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundao, em 1934, da Universidade de So Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em 1935, so alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos to bem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros. Todavia, a imposio ao pas da Constituio de 1937 e do Estado Novo, haveria de interromper por vrios anos a luta auspiciosa do movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do sculo passado, que s seria retomada com a redemocratizao do pas, em 1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possibilitaram alguns avanos definitivos como as vrias campanhas educacionais nos anos 1950, a criao da Capes e do CNPq e a aprovao, aps muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases no comeo da dcada de 1960. No entanto, as grandes esperanas e aspiraes retrabalhadas e reavivadas nessa fase e to bem sintetizadas pelo Manifesto dos Educadores de 1959, tambm redigido por Fernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidas em 1964 por uma nova ditadura de quase dois decnios.

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A relao completa dos educadores que integram a coleo encontra-se no incio deste volume.

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Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estgio da educao brasileira representa uma retomada dos ideais dos manifestos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com o tempo presente. Estou certo de que o lanamento, em 2007, do Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE), como mecanismo de estado para a implementao do Plano Nacional da Educao comeou a resgatar muitos dos objetivos da poltica educacional presentes em ambos os manifestos. Acredito que no ser demais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cuja reedio consta da presente Coleo, juntamente com o Manifesto de 1959, de impressionante atualidade: Na hierarquia dos problemas de uma nao, nenhum sobreleva em importncia, ao da educao. Esse lema inspira e d foras ao movimento de ideias e de aes a que hoje assistimos em todo o pas para fazer da educao uma prioridade de estado.

Fernando Haddad Ministro de Estado da Educao

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ANTON SEMIONOVITCH MAKARENKO (1888-1939)1G. N. Filonov 2

Situao da obra de Makarenko

A evoluo da teoria pedaggica e do sistema de ensino foi, na URSS, estreitamente ligada s inovaes cientficas e ao trabalho prtico de toda uma pliade de eminentes educadores. Entre os grandes educadores soviticos que lutaram ativamente para que as ideias e os princpios democrticos fossem reconhecidos na teoria e na prtica pedaggicas, Anton Semionovitch Makarenko (1888-1939) desempenhou um papel de primeiro plano. Seu nome figura, com razo, no nmero de clssicos da pedagogia mundial e seus livros, publicados em milhes de exemplares em todos os continentes, desfrutam de imensa popularidade. Em numerosos pases, realizam-se pesquisas sobre suas atividades e tenta-se aplicar suas ideias prxis pedaggica. Todavia, no raro que, nos estudos especializados como nas obras destinadas ao grande pblico, o caso Makarenko seja ainda apresentado de modo parcial e at mesmo errneo. Certos especialistas estrangeiros consideram Makarenko um autodidata genial e apresentam seu sistema pedaggico sem nunca se referirem tradio nem atualidade pedaggicas progressistas. Este perfil foi publicado em Perspectives: revue trimestrielle dducation compare. Paris, Unesco: Escritrio Internacional de Educao, v. 24, n. 1-2, pp. 83-96, 1994.1 2 G.N. Filonov (Rssia) membro da Academia de Cincias Pedaggicas da Rssia e do Comit de redao da revista Pedagoguika, alm de possuir doutorado de estado. Por mais de vinte anos foi membro do jri internacional dos prmios literrios da Unesco. Suas numerosas publicaes versaram notadamente sobre o homem em um mundo em mutao e sobre as relaes entre o indivduo e a sociedade. Entre suas obras recentes em russo, pode-se citar A formao da personalidade do aluno (1985) e A formao dos cidados na escola (1990).

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verdade que, nas obras publicadas, muito clebres de Makarenko, encontram-se relativamente poucas indicaes sobre as relaes com a tradio da pedagogia mundial e com os grandes especialistas da educao, soviticos e estrangeiros, que eram seus contemporneos. Mas, pesquisas documentais recentemente realizadas por especialistas soviticos3 mostram que, malgrado uma origem muito modesta e uma juventude difcil seu pai era pintor de parede e ele comeou trabalhar aos 17 anos, como professor primrio em uma escola que acolhia filhos dos empregados de estrada de ferro , Makarenko conhecia muito bem a histria da pedagogia. Muitos dos grandes princpios que estabeleceu em teoria e verificou na prtica inspiramse nas ideias de Pestalozzi, Owen, Uchinski, Dobroliubov e em outros grandes nomes da histria da pedagogia democrtica mundial4. Alm disso, se forem estudados seus escritos no publicados obras literrias, ensaios sobre a vida poltica e social, tratados de pedagogia, correspondncia, documentos relativos aos estabelecimentos que dirigiu etc. constata-se que seguiu, com grande ateno, os trabalhos dos pedagogos soviticos de seu tempo, notadamente N. K. Krupskaia, A. V. Lunatcharski, P. P. Blonksi e S. T. Chatski5. Antes mesmo da revoluo e, sobretudo aps, sua viso de mundo e suas concepes pedaggicas foram fortemente influenciadas pelo pensamento de Marx, Engels e Lenin, assim como pelos livros de Maximo Gorki. Assim, fica claro que o maior educador sovitico est longe de ser, como pretendem alguns, o cimo que domina o deserto. Falou-se tambm que as iniciativas e as ideias de Makarenko permaneceram, durante muito tempo, isoladas das correntes do pensamento progressista em geral e da cincia pedaggica em particular;NT: este texto foi escrito poca em que a Unio Sovitica ainda existia como pas socialista.4 As biografias de Pestalozzi, de Owen e de Uchinski (Ouchinski) figuram na coleo de quatro volumes sobre os cem pensadores da educao, obra publicada pelo Bureau International dducation, de onde foi extrada esta biografia, traduzida por Ester Buffa. 5 3

As biografias de Blonski e de Krupskaa tambm figuram na mesma coleo.

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no nada disso. Antes mesmo da segunda guerra mundial, quando Makarenko era ainda vivo, Korczak e Freinet, que so hoje to conhecidos quanto ele, foram influenciados por suas concepes estimulantes e otimistas. Foutchik, Herriot e muitas personalidades estrangeiras que estiveram na Unio Sovitica nos anos 1930 falaram do sucesso da pedagogia aplicada na comuna Dzerjinski. O legado terico e prtico de Makarenko no perdeu nada de sua atualidade.Makarenko educador

impossvel dissociar a notvel ao pedaggica que ele realizou na colnia Gorki (1920-1928) e na comuna Dzerjinski (19271935) da que foi desenvolvida nas escolas e em outros estabelecimentos de ensino dos anos vinte, dirigidas por eminentes e talentosos pedagogos tais como Chatski, Pistrak, Pogrebinski, Soroka-Rossinski etc. Dito isso, preciso destacar a originalidade qualitativa da experincia e das ideias de Makarenko. Sabe-se que comeou sua obra com outros pedagogos adeptos, tanto na teoria como na prtica, da educao pelo trabalho na escola nica. Mas, em relao a numerosos pontos concernentes teoria e metodologia da educao comunista, ele ultrapassava seus contemporneos porque tinha da escola e da pedagogia socialistas uma viso de futuro. Entre as questes atuais da pedagogia socialista que o ensino terico de Makarenko particularmente marcou, convm citar, antes de tudo, os problemas de metodologia, como, por exemplo: a pedagogia e a poltica; a pedagogia e as outras cincias; a lgica pedaggica; a essncia da educao: a relao entre a teoria e a prtica da educao; o modo de vida e a educao; a ao educativa paralela; a educao e a vida.As ideias pedaggicas de Makarenko

As ideias de Makarenko sobre as relaes que existem entre a pedagogia e as outras cincias sociais (filosofia, moral, esttica, psicologia) e naturais (biologia, fisiologia) merecem um exame atento.13

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Tendo compreendido perfeitamente a essncia das relaes morais que regem a nova sociedade socialista, Makarenko extraiu da uma regra de ouro: exigir o mais possvel do homem, com a maior reverncia a seu respeito. Certos pedagogos, s vezes, criticaram este princpio em que no binmio exigncia-respeito, a exigncia posta como mais importante. Mas, o prprio Makarenko sublinhava que, de um ponto de vista verdadeiramente humano, no se trata de duas categorias diferentes, mas de dois aspectos dialeticamente ligados de uma s e mesma atitude. As ideias de Makarenko sobre a interdependncia entre, de um lado, a pedagogia e, de outro, a psicologia e a biologia, a fisiologia em particular, e sua crtica s posies metodolgicas da pedologia revestem-se de uma importncia considervel para o tratamento dos problemas tericos da pedagogia. A pedologia se colocava como cincia marxista pura da criana, pretendendo realizar a sntese dos dados de todas as cincias sociais e naturais relativas formao desta ltima; quanto pedagogia, disciplina tcnica aplicada, devia fundar-se sobre dados tericos da pedologia para recomendar mtodos aplicveis prtica escolar. Nos seus diferentes estudos e comunicaes (Conferncia no Instituto ucraniano de pesquisas pedaggicas, 1928; Experincia metodolgica numa colnia de educao pelo trabalho, 19311932; Os educadores levantam as espduas, 1932 etc.), Makarenko criticou a parte excessiva dada pelos pedlogos sociologia e biologia, suas concepes vulgares da primazia do ambiente e da hereditariedade, sua doutrina fundada sobre o respeito passivo do que chamam a natureza que os aproxima dos tericos da educao livre, o pedocentrismo e a subestima do papel educativo do mestre, da coletividade das crianas e da personalidade em gestao da prpria criana. Se ele lutou por uma pedagogia digna deste nome, que construsse o homem e fosse responsvel perante a sociedade pelos

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resultados da educao, Makarenko, entretanto, no seguiu os materialistas franceses que afirmavam, na sua viso estreita, que a educao tudo pode. Segundo ele, a fora da educao, na sociedade socialista, est na utilizao judiciosa, pelos pedagogos, dos dados da psicologia, da biologia, da medicina, em suma, de todas as cincias do homem, chamadas a desempenhar um papel na organizao prtica do processo educativo e na pesquisa pedaggica. Quanto lgica pedaggica, ela est estreitamente ligada compreenso da razo de ser da educao. Sendo a pedagogia a cincia mais dialtica, ele parte do princpio de quea educao um processo social no sentido mais amplo do termo (...). No interior da realidade ambiente, prodigiosamente complexa, a criana entra numa infinidade de relaes em que cada uma se desenvolve sem cessar, se relaciona com os outros e se complica devido ao seu prprio crescimento fsico e moral. Todo este caos que parece no ser suscetvel de nenhuma quantificao no cria menos, a cada momento, modificaes na personalidade da criana. Orientar e dirigir este desenvolvimento, tal a misso do educador. (Makarenko, 1957a, p. 20)

Esta concepo de educao explica ainda a crtica que Makarenko faz da lgica do pensamento pedaggico tradicional, cujos erros se devem ao uso da proposio dedutiva, utilizao de meios isolados e ao fetichismo tico. Da, reflexes que se tornaram, hoje, clssicas:A dialtica da ao pedaggica to grande que nenhum meio pode ter efeito positivo se toda uma srie de outros meios no posta em prtica simultaneamente (...). Em si, todo meio pode ser bom ou mau, sendo o elemento decisivo no sua ao isolada, mas a de um conjunto de meios harmoniosamente organizados. (Makarenko, 1957b, p. 258)

As ideias sobre a lgica pedaggica de Makarenko apresentam uma atualidade particular na perspectiva pluridisciplinar do processo pedaggico no seu conjunto; na sua base, a ideia de que a educao um todo dialtico complexo feito de elementos complemen-

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tares e integrado em um sistema equilibrado, funcionando harmoniosamente, graas ao esforo concertado de educadores que conhecem bem as normas objetivas da formao da personalidade. As opinies de Makarenko sobre a relao entre a teoria e a prtica no sistema de educao socialista so tambm surpreendentemente atuais. Penso que vivemos numa poca em que o prtico corrige sensivelmente os dados das teorias cientficas (Makarenko, 1957b, p. 261). Sabe-se que a tendncia que consiste em associar as massas laboriosas soluo dos problemas prticos da edificao do socialismo sobre a base das realizaes da cincia e que apenas se desenhava na poca de Makarenko, tomou, hoje, uma amplitude considervel na sociedade socialista desenvolvida. Tendo justamente percebido isso, Makarenko reagiu vigorosamente contra as tentativas dos pedlogos que visavam a estabelecer normas do desenvolvimento da personalidade da criana a partir de teses gerais, no verificveis pela experincia, da sociologia, da psicologia, da biologia e das outras cincias. a induo a partir da experincia que deve ser a base (...) da regra pedaggica. S a totalidade da experincia verificada no seu prprio desenvolvimento e nos seus resultados e s a comparao de partes inteiras da experincia podem nos fornecer os dados requeridos para escolher e decidir. (Makarenko, 1957b, p. 13)

Mas, a induo no desempenha, no conhecimento das leis da pedagogia, um papel exclusivo nem universal; ela , para Makarenko, indissocivel da deduo. Na pesquisa pedaggicacomo em qualquer outro domnio, a experincia decorre dos princpios de deduo, cuja importncia ultrapassa, de longe, os limites dos primeiros elementos da experincia e que guia todo seu desenrolar. (Makarenko, 1957b, p. 14)

Estas ideias, definidas nas obras especializadas como a Noo da unidade da educao e da vida das crianas e a Pedagogia da ao paralela, apresentam um grande interesse para a teoria e para a prtica da educao atual. Trata-se, de fato, do tema geral das relaes entre o modo de vida e a educao. Na pedagogia mundial clssica, re16

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conheceu-se, h muito tempo, que o melhor educador era a prpria vida. Esta ideia fundamentalmente materialista inspirou, em certos pedagogos, o princpio do respeito pela natureza na educao (Comnio, Pestalozzi, Rousseau, Diesterweg). Mas, a Makarenko que se deve o mrito de ter edificado um sistema de educao fundado sobre uma organizao racional da vida da criana. Para isso, ele no seguiu passivamente a natureza; escolheu favorecer, ao mximo, em cada criana, o desenvolvimento de uma personalidade criativa e preparada para a vida sob todos os seus aspectos. Tendo notado as potencialidades educativas extraordinrias que oferece o conjunto do modo de vida das crianas e dos jovens na Unio Sovitica, Makarenko pensava que, em vez de esperar que a vida trouxesse espontaneamente seus frutos, formando indivduos teis sociedade, seria melhor organizar os estudos de trabalho, mas, tambm, a existncia de jovens segundo um processo pedaggico integrado. Esta teoria concretizou-se com o sucesso que se sabe nos estabelecimentos que dirigiu. A passagem ao ensino secundrio universal e obrigatrio, a realizao do princpio de integrao dos estudos ao trabalho e a uma atividade criadora diversificada, a perspectiva de estudos comuns a todas as escolas e a possibilidade conexa de satisfazer s necessidades da populao na organizao da jornada completa so caractersticas objetivas da escola socialista, de hoje e de amanh, permitindo afirmar que esto reunidas as condies reais de uma larga aplicao prxis educativa das ideias sobre a organizao racional da vida das crianas, que esto no centro do pensamento de Makarenko.A coletividade educativa

Assim, sublinhando a importncia de sua contribuio elucidao de uma srie de problemas metodolgicos da pedagogia, preciso notar que este aspecto merece ser analisado de modo mais completo e mais profundo. Trata-se, antes de tudo, de sua17

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reflexo sobre as caractersticas da coletividade educativa e do mtodo de organizao do processo educativo. Quando se pronuncia o nome de Makarenko, pensa-se imediatamente na coletividade educativa, modo de organizao amplamente reconhecido hoje na pedagogia progressista. Makarenko a estudou em diferentes aspectos, como, por exemplo, a indissociabilidade dos laos exteriores e interiores, a correlao entre a coletividade geral e as coletividades primrias, os tipos de relaes intracomunitrias e os fundamentos organizacionais da coletividade, assim como suas tradies, seu estilo e seu tom. Ele incluiu na vida da coletividade educativa todas as relaes e tipos de atividade representativos da sociedade democrtica. Suas ideias sobre a evoluo das funes educativas da coletividade, que se torna objeto passivo sobre o qual se exerce a ao dos pedagogos, um sujeito ativo que toma nas mos a organizao de sua prpria vida so extraordinariamente modernas. Na mesma ordem de ideia, Makarenko est convencido que o ensino propriamente dito no poderia ser dissociado da educao no sentido amplo. Sabe-se que a pedagogia clssica estava fundada no postulado de que a criana deve primeiramente aprender e que somente, em seguida, que se pode educar. As novas condies sociais e os novos objetivos da educao das crianas e dos jovens exigiram que este postulado fosse radicalmente revisto. O papel inovador de Makarenko manifestou-se na sua concepo de uma integrao total dos dois processos, permitindo transformar profundamente as condies de existncia da criana e agir sobre seus conhecimentos, seus sentimentos e seu comportamento. O estudo da criana, enquanto membro de um grupo e indivduo, se torna, ento, um verdadeiro mtodo de educao. A este respeito, notemos que errneo supor que, para Makarenko, a coletividade era apenas um instrumento de educao de massa; a unidade da pedagogia da ao coletiva e individual um trao caracterstico de seu sistema.

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Certos especialistas tm uma viso limitada de sua concepo de coletividade educativa, colocando a nfase unicamente na importncia das relaes entre alunos. verdade que Makarenko admitia a possibilidade de escolha nas relaes intracomunitrias no processo de formao da personalidade dos alunos. Nos primeiros anos em que trabalhou na colnia Gorki, ele superestimou um pouco o papel da coletividade, como ele prprio indicou mais tarde. Mas, estas relaes eram, para ele, indissociveis dos laos da coletividade com o exterior, cuja riqueza e diversidade so capitais. Com efeito, nos laos exteriores com uma entidade social mais vasta que o indivduo encontra as influncias indispensveis a seu desenvolvimento. A vida da sociedade em todas as suas manifestaes deve ser a base da formao do indivduo. As relaes intracomunitrias constituem um mecanismo original de tratamento das informaes vindas de fora, que ajuda cada personalidade a reagir seletivamente influncia do mundo exterior e a encontrar sua vida. Est a a chave das concepes de Makarenko sobre a vida coletiva enquanto mtodo que, sendo ao mesmo tempo geral e particular, permite simultaneamente a cada um desenvolver suas particularidades e preservar sua individualidade (Makarenko, 1957b, p. 37). s vezes, alegou-se que a teoria de Makarenko sobre a educao da criana na coletividade asfixiava a liberdade do aluno, incondicionalmente submetido s exigncias e vontade gerais. Semelhante interpretao deforma a concepo que Makarenko faz das relaes verdadeiras entre a coletividade e o indivduo. Em situaes conflituosas, em que aquela se choca com este, que se ope opinio geral, ignora seus deveres para com a comunidade, faz caprichos e tenta substituir a disciplina pela anarquia, a questo do constrangimento se coloca de fato. Mas, nestas condies, a ao sobre o indivduo humana, inspirada por um misto de respeito e firmeza. No funcionamento normal do processo, as

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relaes coletividade-indivduo so fundadas na comunidade de interesses e com a garantia, pela coletividade, dos direitos de cada um. Os grandes e fortes no podem ofender os pequenos e fracos: tal era a regra imutvel da comunidade e aquele que a infringia incorria na reprovao coletiva. Assim, longe de impedi-la, a coletividade garantia a liberdade de cada um. Na vida da coletividade educativa, Makarenko destinou um lugar particular ao trabalho, ligado ao estudo das bases das cincias e a uma ampla educao cvica, poltica e moral. Suas ideias principais, no domnio da educao pelo trabalho, podem assim ser resumidas: a) o trabalho s se tornar um instrumento eficaz da educao comunista se for integrado ao conjunto da organizao do processo educativo; alm disso, este sistema no tem nenhum sentido se todas as crianas e adolescentes no participarem das formas de trabalho socialmente til, adaptadas s suas idades; b) preciso que estas diferentes formas de trabalho, enquanto participao obrigatria da autogesto e do trabalho produtivo, sejam organizadas sobre a base tcnica mais moderna possvel e tendo por eixos uma criao tcnica seletiva, assim como um trabalho gratuito efetuado no interesse de todos: uma vez preenchidas essas condies, as crianas e adolescentes tiram partido da riqueza das relaes que determinam o desenvolvimento harmonioso e livre da personalidade; c) o coletivo, seus rgos e seus delegados devem se encarregar, em medida sempre crescente, de organizar o trabalho e de tomar as decises relativas repartio dos benefcios, compatibilizao dos salrios, utilizao de diversos estimulantes materiais e morais e organizao do consumo. Convm ainda examinar, de modo crtico, as afirmaes de certos especialistas segundo os quais, na experincia pedaggica de Makarenko, as despesas de estudos e da educao so cobertos pelo produto da participao dos alunos no processo produtivo. Makarenko nunca foi adepto de uma escola que se autofinanciaria, pois acreditava que, o resultado econmico do trabalho dos alu-

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nos deveria ser integralmente subordinado organizao pedaggica racional da vida da coletividade visando ao desenvolvimento de seus membros. A participao na produo dos alunos da colnia Gorki e da comuna Dzerjinski quatro horas por dia era, para Makarenko, uma necessidade ligada s dificuldades encontradas pelo pas aps a guerra civil. No programa, o trabalho era colocado ao lado do estudo, das atividades esportivas, artsticas, recreativas e sociais; o efeito econmico do trabalho dos alunos era parte de sua iniciao nas relaes de produo, de distribuio e de consumo, sem nenhuma considerao de autonomia financeira. Nas condies atuais, em que o problema da educao para o trabalho e a preparao dos alunos dos estabelecimentos de ensino geral para a vida, o trabalho e a escolha de uma profisso conforme suas inclinaes e suas capacidades individuais, mas tambm respondendo s necessidades da sociedade, so questes prioritrias, este aspecto do pensamento de Makarenko se reveste de uma importncia muito grande: de um lado, diretamente para a prtica dos grupos de alunos que se dedicam produo; de outro, para a organizao da pesquisa pedaggica.Inserir-se na comunidade

Makarenko foi um dos primeiros pedagogos soviticos a disseminar, deliberadamente, a ideia de integrar a atividade das diversas clulas educativas: escola, famlia, clube, organizao social, comunidade de produo, bairro etc. Insistiu, particularmente, sobre o papel essencial da escola enquanto centro metodolgico e pedaggico que mobiliza as foras educativas mais qualificadas e profissionalmente mais competentes. Atualmente, certos pesquisadores retomam, excessivamente ao p da letra, tal ou qual ideia de Makarenko sobre a escola enquanto monocoletividade; generalizam seu princpio que consiste em reunir na coletividade educativa crianas e adolescentes de todas as

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idades e tentam copiar as formas de organizao da colnia Gorki e da comuna Dzerjinski. preciso no esquecer que o prprio Makarenko sublinhou que era necessrio adaptar o mtodo de educao s condies concretas de organizao do processo educativo. natural que as condies atuais de funcionamento do estabelecimento de ensino geral e das outras instituies educativas exijam mtodos muito diferentes dos utilizados por Makarenko na colnia e na comuna. Um outro caminho possvel e se eu o adotasse, pensaria de outra forma, ele prprio o indica (Makarenko, 1957b, p. 73). indispensvel ter presente no esprito esse carter relativo, quando se analisa uma ou outra obra pedaggica de Makarenko. O leitor deve saber a distinguir o que permanece como uma regra geral da teoria e da metodologia pedaggicas e o que vale para uma poca dada aquela em que viveu o grande pedagogo e que corresponde unicamente s condies concretas nas quais sua experincia se desenvolveu.Os escritos de Makarenko

As obras literrias de Makarenko, em particular o Poema pedaggico, As bandeiras sobre as torres e O livro dos pais merecem reter a ateno. Seria errneo querer separ-las de suas produes puramente pedaggicas (artigos, conferncias e discursos). Com efeito, sua base conceitual a mesma, assim como seu objetivo, isto , a educao de um homem verdadeiramente livre e feliz. Estas obras contm pginas em que o pensamento pedaggico de Makarenko atinge os pontos mais altos. Alm disso, se as analisarmos na tica de um estudo realizado na colnia Gorki e na comuna Dzerjinski, seria preciso lembrar que, no Poema pedaggico, nas Bandeiras sobre as torres e em outras obras, os fatos so frequentemente remanejados para serem generalizados; so deslocados no tempo e a fico por vezes a se mistura. Se as obras literrias de Makarenko no cons-

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tituem sempre uma base rigorosamente cientfica e objetiva para o estudo de sua pedagogia em ao, elas no conservam menos seu valor artstico e seu interesse para um conhecimento do sistema de pensamento do grande educador.A autogesto

A pedagogia tem por tarefa principal orientar a prtica da educao, no para a reproduo servil de tal ou qual forma concreta de atividade, mas para a aplicao livre das ideias dos grandes pedagogos de ontem ao mundo de hoje, ao funcionamento da escola moderna, da famlia, dos clubes, das organizaes sociais, dos coletivos de trabalhadores que se dedicam produo, assim como s outras instituies educativas. Por exemplo, a obra terica e prtica de Makarenko relativa ao desenvolvimento da autogesto e sua concepo do papel do n ativo na coletividade educativa so, de novo, singularmente atuais. preciso, evidentemente, se prender menos s modalidades concretas sistema de relaes e rodzio das equipes de servio na comuna, atividade do conselho dos comandantes, assim como dos diversos comits permanentes e temporrios etc. que aos princpios, tais como, por exemplo, a participao de todos os alunos sem exceo, mesmo os mais jovens, no exerccio das diversas funes de organizao, na coletividade primria e na coletividade geral, a garantia da responsabilidade real da coletividade e de seus rgos para as decises tomadas, sua execuo e o controle de sua aplicao. Estima-se, acertadamente, que preciso, hoje, aprofundar, sobre bases cientficas, o ensinamento de Makarenko. Com efeito, os progressos realizados pela escola socialista e pela pedagogia desde a poca de Makarenko permitem separar de modo mais objetivo a questo do valor conceitual universal de suas teorias. Sem desejar submeter a uma crtica detalhada o que poderamos chamar de makarenkismo, notemos somente que o pensamento

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e o sistema de Makarenko resultam de um processo longo e complexo de pesquisa criadora, marcado por descobertas felizes, mas tambm, por hesitaes, alis, inevitveis quando, em vez de seguir caminhos j traados, se constri a prpria via em direo verdade. No muito antigo o interesse pela gnese e evoluo do sistema de Makarenko. Primeiramente, seria falso acreditar que antes da revoluo, ou mesmo logo aps, ele tinha atingido a maturidade pedaggica que hoje nele reconhecida. Certamente, o jovem professor primrio j estava convencido do princpio da autogesto dos alunos. Mas, durante seus primeiros anos de trabalho na colnia Gorki, ele se interessava, sobretudo, por um pequeno nmero de alunos, os maiores e os mais capazes, nos quais se apoiava para a organizao da coletividade. Assim, formaram-se na coletividade, um n ativo e uma reserva, como , frequentemente, o caso ainda hoje. Foi somente na segunda metade dos anos vinte, que Makarenko comeou a fazer participar do trabalho o conjunto dos alunos que constitui o rgo coletivo de autogesto mais importante, onde cada um habitua-se a participar da organizao das diversas atividades da coletividade. A formao de uma verdadeira coletividade tambm permitiu a Makarenko descobrir tal ou qual modalidade de organizao, por exemplo, os destacamentos e as equipes de alunos criadas para levar a bom termo tal ou qual tarefa concreta de interesse comum. Como se sabe, aqueles que no faziam parte do n ativo permanente eram eleitos responsveis por estes destacamentos. Esta frmula permitia familiarizar, progressivamente, todos os alunos com a organizao da vida em coletividade e com o exerccio de funes de responsabilidade, evitando que no n ativo nasam privilgios e o sentimento de pertencer a uma elite. Assim, a organizao da vida dos alunos revestia-se de um carter ao mesmo tempo verdadeiramente democrtico e humano.

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A herana de Makarenko

O extraordinrio interesse que as ideias de Makarenko suscitam atualmente se explica pela convergncia de sua experincia terica e prtica e pelas tarefas da escola sovitica atual. Este legado no s acadmico, mas tambm aplicado: um meio de agir sobre a realidade. Se nos dez ou quinze primeiros anos que se seguiram morte do grande educador, os prticos da educao no se interessaram seno por alguns aspectos de sua tcnica pedaggica limitavam-se essencialmente a copiar tal caracterstica exterior de seu sistema preciso notar que, h algumas dcadas, os professores se esforam, cada vez mais, para compreender, num esprito criativo, a essncia da teoria, da perspectiva e dos mtodos da coletividade educativa. Esta aplicao criadora das ideias de Makarenko no data de ontem. Por exemplo, na escola n. 12 de Krasnodar, dirigida por mais de trinta anos por S.S. Brioukhovetskii, diplomado em cincia pedaggica e professor emrito, a constituio e a formao da coletividade dos pedagogos e dos alunos caracterizaram-se pela aplicao judiciosa de certos princpios de Makarenko: desenvolvimento da autogesto, cultura da tradio da vida comunitria e integrao das atividades intelectuais, manuais, sociais, estticas e esportivas dos alunos, tanto na escola quanto fora dela, nas associaes de bairro. Muitos estabelecimentos encontraram, assim, uma maneira original de adaptar o ensinamento de Makarenko prtica da educao de crianas e adolescentes. Entretanto, nos anos 1960 e 1970, a aplicao destas ideias prtica pedaggica moderna adotou outras frmulas. Neste fenmeno, o que mais surpreende que se trata de um movimento de massa. Numerosas coletividades pedaggicas das regies de Rostov, Voronej e Lvov, do distrito de Stavropol e de grandes cidades como Moscou, Leningrado e Kiev, realizam um trabalho diversificado e apropriado sobre a base do estudo e da

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aplicao criativa do sistema de Makarenko. Esta atividade pedaggica nada tem de estereotipado. Por exemplo, numerosos estabelecimentos de Moscou se interessam particularmente pelo desenvolvimento da atividade intelectual coletiva; as escolas de Stavropol reconheceram, com razo, a importncia de grupos de alunos que se dedicam ao trabalho produtivo; nas regies de Voronej e de Lvov, a experincia dos clubes onde crianas e jovens se reagrupam em funo de seus centros de interesse revelou-se muito positiva. Tal adaptao seletiva das teorias de Makarenko apresenta outra vantagem: afasta o risco de ver copiar pura e simplesmente o conjunto do sistema ou tal ou qual aspecto que poderia ser tambm indevidamente privilegiado. A escola atual caracterizase por uma vontade de preservar a diversidade do contedo e das formas do processo pedaggico, a riqueza de suas orientaes. Na Unio Sovitica, o legado de Makarenko foi estudado e explorado em estreita ligao com a herana clssica e o contexto contemporneo da pedagogia nacional e mundial. Com efeito, a experincia e as ideias do grande pedagogo s podem ser verdadeiramente compreendidas e assimiladas de modo criativo se se levar em conta suas razes histricas, sua gnese e todos os seus laos com a escola e a pedagogia da poca, sua influncia sobre a teoria e a prtica da educao. Importa, alis, notar que o estudo de Makarenko no , meramente, a atividade de um nmero restrito de pedagogos e de pesquisadores profissionais; ele ocupa uma multido de grupos de professores e de estudantes e de associaes pblicas; destacamentos de jovens operrios, empregados, estudantes e grandes alunos que permitem organizar os lazeres das crianas e adolescentes do bairro; sees pedaggicas que iniciam, nas teorias do grande arteso da pedagogia socialista, o imenso pblico composto de pais, clubes escolares, museus e associaes de amadores que levam o nome de Makarenko etc.

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claro que tal movimento de massa deve tambm ter a cauo do trabalho de pesquisa especializado: pesquisa de novas fontes, anlise de textos, estudo aprofundado do conjunto dos fatos que ajudam a compreender e a explicar a gnese do sistema pedaggico de Makarenko, sua formao e sua evoluo no contexto histrico. Todavia, convm no esquecer que se limitando a interesses cientficos especficos, separados da prtica e da vida, tais pesquisas arriscam-se a mergulhar numa escolstica estril e numa teorizao excessiva. A unidade da teoria e da prtica, que foi um dos princpios metodolgicos mais importantes do sistema de Makarenko, permanece uma condio sine qua non do sucesso da atividade dos pesquisadores, dos prticos da pedagogia e da sociedade em geral que completam hoje, juntos, as pesquisas criativas de Makarenko aperfeioando o processo educativo. A necessidade de aprofundar os ensinamentos de Makarenko, a publicao de materiais de arquivos que ainda no foram cientificamente estudados na sua totalidade e jogam a luz sobre muitos problemas tericos e prticos importantes em matria de educao, a preparao de uma nova edio das obras completas que deveria estar concluda para o centenrio de nascimento de Makarenko, a continuao de pesquisas fundamentais que colocam a experincia e as concepes do grande pedagogo sovitico, no quadro da histria de nossa escola e da teoria da educao no seu conjunto, todos estes projetos no retiram nada da importncia do que j foi feito para explorar de diversos modos a ao e as obras literrias e cientficas de Makarenko, com vistas a desenvolver a pedagogia socialista. Como o mostraram as pesquisas realizadas nestes ltimos anos na Unio Sovitica, notadamente por Frolov e Naumenko, os textos inditos de Makarenko so ainda muito numerosos. Encontram-se dezenas deles nos arquivos nacionais de literatura e de arte da Rssia, assim como nos arquivos de Moscou, Kharkov, Poltava,

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Krementchug e nos vrios grandes museus e bibliotecas. Ao lado das obras pblicas de Makarenko, numerosas obras consagradas sua vida e s suas atividades e pesquisas especializadas permitem aprofundar o estudo de seu legado6. preciso notar que as novas pesquisas no diminuem em nada o valor do que foi feito anteriormente neste domnio. Citemos, por exemplo, os importantes trabalhos de especialistas de Makarenko como Koslov, Ter-guevondian, Medynski, Lianin e Sukhomlinski, assim como a frutfera atividade do laboratrio da Academia de Cincias Pedaggicas, onde trabalharam Karov, G.S. Makarenko, Gmurman, Vinogradova e muitos outros eminentes educadores. Convm ainda lembrar a importncia das pesquisas efetuadas sobre pontos particulares da teoria e da metodologia da educao que esto diretamente ligados reflexo de Makarenko a disciplina escolar (Monoszon, Raskin), a coletividade e a autogesto (Konnikova, Korotov, Malkova, Novikova) etc. Enfim, preciso notar o interesse e a importncia dos estudos sobre Makarenko realizados no estrangeiro, nos pases com regimes sociais e polticos diferentes, com tradies diferentes em matria de educao e as concepes mais diversas em matria de pedagogia. Este interesse universal uma das manifestaes do estreitamento dos laos que unem, no mundo contemporneo, os indivduos e os sistemas e onde a cincia bem como a arte chamada a desempenhar um papel de primeiro plano.

6 Ver Frolov, A. A. Os documentos de arquivos inditos enquanto fontes de estudo da experincia e das ideias pedaggicas de Makarenko. Pedagoguitcheskoe nasledie A. S. Makarenko i sovremennaia chkola, (O legado pedaggico de A .S. Makarenko e a educao moderna). Moscow: Voronej, 1981. pp. 81-86.

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A OBRA DE MAKARENKO NA VISO BRASILEIRACarlos Bauer e Ester Buffa

O texto Os objetivos da educao, de acordo com Ceclia da Silveira Luedemann, publicado em 1937, foi escrito por Makarenko, inicialmente, como um dos captulos da introduo do livro A experincia da metodologia de trabalho na colnia de trabalho infantil, em 1931. Esse projeto seria retomado no ano seguinte, com um dos captulos intitulado O perodo organizativo. No incio dos anos de 1930, vrios projetos literrios estavam em andamento: uma srie de reportagens sobre a vida na Comuna Dzerjinski, em A marcha dos anos 30, a novela FD-1, em que relata a fase de maior desenvolvimento da Comuna e a pea Tom Maior. Somente em 1933, Makarenko deu incio a sua mais importante obra literria, Poema pedaggico, concluindo nesse ano seu primeiro volume. Ao que tudo indica, A experincia da metodologia de trabalho na colnia de trabalho infantil teria sugerido a Makarenko um novo caminho literrio: expor a experincia que resultou na criao da metodologia de organizao do trabalho educacional na forma de uma narrativa literria. E qual seria a experincia fundamental para a criao dessa metodologia? Teria sido o inglrio comeo da Colnia Gorki. E esse recurso literrio de demonstrao do nascimento e do desenvolvimento de suas teses educacionais teria sido estimulado por Gorki, em uma carta:Voc levou doze anos trabalhando e os resultados de seu trabalho no tm preo. Mas o caso que ningum o conhece e no o conhecer se voc mesmo no contar... V para qualquer lugar tranquilo e escreva seu livro, querido amigo.

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Em lugar de um texto terico, com a apresentao das teses e sua demonstrao, Makarenko percebeu a necessidade de apresentar as condies particulares, concretas, do nascimento de sua proposta educacional, para que pudesse explicitar cada passo, cada deciso, cada criao pedaggica, no terreno frtil das determinaes concretas e particulares da histria. Alm disso, preocupado com as crticas preconceituosas que o tomavam como autoritrio, como general de um quartel, Makarenko resolveu colocar o leitor em contato direto com os conflitos vividos pelos personagens de sua epopeia pedaggica, os meninos e as meninas da Colnia Gorki. A leitura de um poema pedaggico, no lugar de um texto terico, abrindo inmeras possibilidades para a experincia esttica: a aventura de criao educacional. Na realidade, Makarenko aprofunda as teses colocadas no livro A experincia da metodologia de trabalho na colnia de trabalho infantil em Poema pedaggico, com a preocupao de relatar o perodo organizativo, como aparece logo no segundo captulo de Poema pedaggico, com o ttulo O inglrio comeo da Colnia Gorki. Objetivos da educao seria o plano geral de Poema pedaggico, suas diretrizes gerais, sua tese central e sua argumentao, no plano terico. Embora sucinto, esse artigo apresenta, j em 1931, um quadro analtico que seria desenvolvido em 1935 na obra Metodologia para a organizao do processo educativo. Seu tema a educao comunista, seus princpios, seu objeto e as particularidades de seus mtodos e tcnicas. Embora no faa uma referncia direta a Lenin, possvel visualizarmos as teses de estado e de sociedade socialista e comunista defendidas em O estado e a revoluo. A educao definida como um processo racional de formao de indivduos de diferentes personalidades de acordo com as necessidades da sociedade. Critica tanto as concepes idealistas que supem resolver o problema educacional a partir de uma definio ideal de homem, quanto as teses funcionalistas que procuram criar moldes para as

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personalidades de acordo com as necessidades da sociedade. Nem frmulas abstratas, nem determinaes diretas da sociedade. Makarenko defende a necessidade de os pedagogos discutirem as vrias possibilidades para se criar uma metodologia de educao para a formao do homem comunista. Para afrontar os idealistas, exemplifica a educao como um processo de produo de novas personalidades, como uma fbrica, em que o material bsico, a criana, produzido de acordo com as tcnicas pedaggicas e os contedos. Nesse processo, no h espao para a mistificao da educao: o indivduo no se desenvolve naturalmente, como definem as concepes espontanestas de educao, mas segundo uma direo. Para Makarenko, a vida prtica seria o critrio do trabalho vivo da pedagogia comunista. No lugar dos parmetros ideais, eternos e absolutos, Makarenko definiu as tarefas concretas: produto de um planejamento consciente, racional, das necessidades sociais, sempre em transformao, num processo dialtico. A dvida: como educar para as necessidades da sociedade sem cair na educao massificada? Como respeitar o indivduo e responder ao princpio das exigncias sociais? A hiptese de Makarenko a chave de todo seu sistema educacional. A nica sada para este problema deixar de considerar a criana, ser genrico, abstrato, como objeto da educao e tomar a coletividade como novo objeto da educao comunista. A, sim, todas as diferentes personalidades estariam contempladas, sem que se buscasse uma personalidade ideal, anulando as demais, como nos moldes da educao jesutica e espartana. A coletividade como objeto da educao: esta a grande revoluo da pedagogia de Makarenko. A escola deixa de ter a sala de aula como centro. O centro a autogesto da coletividade, assegurada por uma direo nica, o pedagogo responsvel. O resultado da educao comunista seria a formao de homens felizes, de indivduos realizados pessoalmente, ao contrrio

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do velho antagonismo colocado pela psicologia e a sociologia funcionalistas: indivduo x sociedade. Uma metodologia nica e geral para a educao deveria contemplar todas as diferenas: fsicas, psquicas, morais, sexuais, etrias etc. No lugar de inmeras escolas diferenciadas, uma escola organizada na forma de coletividade, capaz de combinar todas as diferenas com base nos direitos iguais ao desenvolvimento cultural. A tese de Makarenko a coletividade como objeto da educao comunista realizao concreta da escola nica, em uma sociedade marcada pelo fim da propriedade privada e a pela garantia da igualdade de direitos. Considerada como uma das mais importantes obras de Makarenko, Metodologia para a organizao do processo educativo, conforme nos informa Ceclia da Silveira Luedemann, foi escrita entre 1935 e 1936, quando Makarenko trabalhava, em Kiev, como auxiliar de direo das Comunas de Trabalho do Comissariado do Povo do Interior da Repblica Socialista Sovitica da Ucrnia, j afastado da Comuna Dzerjinski. Com o objetivo de discutir e generalizar para as demais instituies de ensino as experincias e as teses educacionais criadas na Colnia Gorki e na Comuna Dzerjinski, Metodologia para a organizao do processo educativo foi publicada em 1936 com uma pequena tiragem. A partir de sua experincia, Makarenko sistematizou a proposta de constituio e desenvolvimento da coletividade escolar, discutindo a estrutura orgnica da coletividade, o funcionamento da autogesto no destacamento e seus rgos, o estilo de trabalho dos educadores, o trabalho cultural e a criao das perspectivas da coletividade. um texto marcado por orientaes concretas, particularidades do dia a dia de sua experincia nas colnias infantis, para serem discutidas e implantadas nas experincias do mesmo tipo. No entanto, suas contribuies no podem ser entendidas apenas como um receiturio prtico para a organizao da escola como

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coletividade. Makarenko est preocupado em definir os parmetros cientficos da pedagogia, os desafios da revoluo socialista. Quais as contribuies da sociologia e da psicologia como cincias auxiliares? De que forma os pedagogos poderiam entender os desafios e lanar mo das contribuies dessas cincias sem se deixar dominar pelos modismos? A partir do terreno da pedagogia, Makarenko elabora um projeto de sociologia educacional, tomando como referncia os princpios leninistas de O estado e a revoluo: educar os novos comandantes da sociedade comunista; educar para o fim das diferenas de classes; educar para que cada um entenda que deve trabalhar conforme sua capacidade e contemplar as suas necessidades. Uma educao de homens e mulheres com diferentes capacidades e diferentes necessidades, mas com os direitos assegurados. A preocupao com a criao de uma nova sociabilidade no era uma preocupao exclusiva de Makarenko; j estava colocada nos diferentes projetos dos escolanovistas. Makarenko demonstra a necessidade de criar na escola um ambiente social propcio para a experimentao de novas relaes sociais, mas mais que isso: era preciso reinventar a escola como espao central de participao social das crianas e dos jovens, criando novas tradies, numa rede de subordinao entre os iguais. Os prprios educandos se educariam junto com os educadores, numa verdadeira democracia operria. De acordo com sua experincia, seria preciso tomar o trabalho produtivo como uma das atividades essenciais da escola, alm da instruo e da cultura. No lugar da sala de aula ou da organizao por dormitrios, como nas comunas, a organizao principal seria o destacamento, o grupo social primrio, de contato, em que estariam organizados de 7 a 15 educandos. Este seria o lugar da participao de cada educando na vida da coletividade geral. Inicialmente divididos por faixa etria, para o perodo de constituio da coletividade, poderiam depois ter educandos de diferentes

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idades para o melhor acompanhamento das crianas menores. A organizao dos pioneiros e da juventude comunista deveria estar espalhada nos destacamentos, como no modelo leninista da relao entre a vanguarda e a massa. Makarenko estava preocupado com a transmisso de experincias, de valores e a manuteno das tradies das geraes mais velhas para as geraes mais novas, procurando no isolar os educandos por faixa etria e nem por nvel de conscincia. Quanto maior fosse a mistura das diferenas, melhor para a realizao de trocas, a manuteno das tradies com a participao de novas geraes. A relao entre crianas mais novas e mais velhas auxiliaria no desenvolvimento do sentimento de proteo, de humanismo nos futuros homens e mulheres, que mais tarde desempenharo os papeis de pais e mes. O tempo social da educao excede o limitado tempo do estudo, nas salas de aula, ou do trabalho, nos campos e nas oficinas. Para Makarenko, o tempo de educar contempla todos os tempos sociais, inclusive da cultura, do lazer, do descanso, at mesmo quando as crianas esto se preparando para dormir. A educao da coletividade, de todas as crianas, em suas diferentes personalidades, deve tomar tanto os diferentes momentos de suas vidas, os espaos diferenciados, quanto o desenrolar do processo, no se deixando enganar pela anlise de um ou de outro episdio isolado da ao dos educandos. Ao abordar a autogesto no destacamento, Makarenko aprofunda o princpio da criao de uma rede de subordinao entre os iguais, revezando os papis de comando e subordinao e procurando por fim ao comando personalista. A designao dos coordenadores dos coletivos primrios, que Makarenko nomeia como chefes de destacamentos, um recurso para as coletividades em perodo de constituio, geralmente utilizado pelo coletivo pedaggico (direo e professores) para animar a participao da

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vanguarda nesse perodo organizativo. O ideal, no entanto, a eleio dos coordenadores na assembleia geral da coletividade. A coletividade madura, na concepo de Makarenko, pode e deve eleger seus coordenadores de acordo com os critrios estabelecidos pelos educadores e os educandos, tais como: ser fiel aos interesses do coletivo, ser bom aluno e bom trabalhador etc. Esses critrios seriam as qualidades concretas reclamadas por Makarenko contra o homem ideal comunista. Todos poderiam se candidatar a coordenador e, para isso, lutariam com todas as foras para se desenvolver em todas as direes desde o plano da instruo, da cultura, da poltica, da tica, at o plano das relaes afetivas. Assim, ao ser eleito, o coordenador desenvolveria a responsabilidade de levar frente os objetivos da coletividade em cada uma de suas tarefas. Sem autogesto a formao integral dos educandos estaria prejudicada conhecida apenas na teoria e no na prtica. Segundo Makarenko, o educando deve vivenciar a experincia de conquistar vitrias, com sua colaborao, mas tambm de assumir as consequncias das derrotas, caso no tenha conseguido desempenhar o seu papel. Mas, apenas a soma das diferentes experincias de sucessos e fracassos poder auxiliar em sua formao contnua. O desenvolvimento integral dos educandos de cada coletivo primrio ser responsabilidade da direo de cada coordenador, que poder ter outros auxiliares para as atividades culturais e esportivas do grupo. O coordenador ser chamado para resolver os problemas cotidianos dos educandos do seu grupo, inclusive quando estiverem indisciplinados na sala de aula e tiverem de ser convidados a sair, mesmo se o coordenador no pertencer quela turma. No sistema social criado por Makarenko, o coordenador o elo fundamental entre o coletivo primrio e a coletividade geral, entre os educandos e a direo pedaggica. Diariamente, o coordenador informa a direo sobre as atividades desenvolvidas pelos

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educandos de seu coletivo. Na soma total dos coletivos, a direo cria, dia a dia, um quadro geral da situao da coletividade, com seus problemas, suas dificuldades, suas tenses, crises e superaes. Todos os educandos so conhecidos pessoalmente. Nesse sistema impossvel algum educando viver na coletividade despercebido. Com essas informaes, a direo pedaggica pode alterar seus planos, criar novas propostas, contemplar novas expectativas dos educandos. A organizao dos coletivos primrios se d a partir do funcionamento do Conselho da Coletividade, composto por coordenadores dos coletivos primrios. A eleio dos coordenadores acontece de trs a seis meses, garantindo o rodzio do comando e, com isso, o desenvolvimento da iniciativa dos demais educandos, segundo o princpio leninista da educao comunista. Ao apresentar em seu sistema educacional os rgos de autogesto (a assembleia geral, o conselho da coletividade, a comisso sanitria e a comisso financeira), Makarenko discute a importncia da assembleia geral. Ela o corao da coletividade, responsvel por manter a unidade, por estimular a participao social, dar voz a todos os educandos e se envolver com a resoluo dos problemas enfrentados. Durante o perodo de organizao da coletividade, a assembleia deve acontecer semanalmente e sempre que for preciso, para retomar normas, resolver problemas urgentes, mas sempre muito rpida. Mas, j com o funcionamento normal da coletividade, poder ser quinzenal. Das vrias observaes levantadas por Makarenko sobre o funcionamento dos rgos de autogesto, a mais importante a que destaca a no-intromisso da direo e dos professores nas questes da esfera dos rgos. Os educandos devem aprender a resolverem sozinhos seus problemas, mesmo que os educadores entendam que suas propostas so melhores. Makarenko deixa clara a necessidade de os educandos viverem situaes concretas de

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responsabilidade para compreenderem o valor concreto, prtico, de cada princpio terico da educao comunista. Ao definir o tom da coletividade, Makarenko retoma os valores de humanizao pela educao ao longo da nossa histria, desde os conceitos de virtude da Grcia clssica at os de honra e de cortesia desenvolvidas na educao do cavaleiro medieval, tomando cada situao concreta como objeto de anlise da atuao do coletivo e do educando. No lugar da defesa dos movimentos militares dos educandos, Makarenko defende a educao dos movimentos livres, dando a cada educando a graciosidade de ser como , cada um com suas particularidades e seguro de si mesmo em suas qualidades. O trabalho cultural tem lugar, no sistema educacional de Makarenko, nos espaos e tempos de desenvolvimento espontneo, pessoal e integral dos educandos, sob direo de especialistas. Em sua experincia, destacou os seguintes crculos culturais: coral, teatro, literatura nacional e internacional, contos, msica, pintura, trabalhos manuais, dana, fotografia, pesquisas em cincias naturais, fsica e qumica, radioamadores, esportes, xadrez e damas, Nesse tipo de trabalho, os educandos passam a desenvolver a fora criativa, espiritual, esttica, descobrindo suas preferncias e contribuindo para o desenvolvimento cultural de toda a coletividade. Ao destacar a importncia do trabalho com as perspectivas da coletividade, Makarenko retoma o princpio da educao como trabalho racional de formao. Tomando a educao como um processo, as perspectivas deveriam ser criadas de acordo com as foras da coletividade: a curto, mdio e longo prazo. Deste modo, os educadores estariam criando, junto do coletivo, uma expectativa de vida presente, mas com os olhos voltados para o futuro, com a certeza de que poderia alcanar os objetivos estabelecidos. O dia seguinte e os prximos anos devem ser imaginados, criados conforme as condies e as aspiraes da coletividade. A direo e os educadores devem auxiliar na criao dessas perspectivas, bem como na concretizao

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de seus objetivos. O dia de amanh pode apresentar a perspectiva feliz de um passeio coletivo no campo, como pode tambm significar um dia difcil de trabalho, mas que significa a conquista de um objetivo estabelecido pela assembleia da coletividade. Para as perspectivas em longo prazo, Makarenko ressaltou a relao do indivduo com a coletividade, com o seu pas e com a humanidade de forma geral. preciso que os jovens conheam a histria de seu pas, da humanidade e possam entender os desafios histricos e a sua contribuio pessoal nas lutas do proletariado internacional. O texto A famlia e a educao dos filhos resultado, conforme sinaliza Ceclia da Silveira Luedemann, reduzido, de uma conferncia realizada, em julho de 1938, para os leitores de Anton Makarenko na redao da revista Obschestvennitsa. Ele comenta as inmeras cartas que recebeu depois de publicar Poema pedaggico e a dificuldade de os pais, de diferentes classes sociais, graus de instruo e personalidades, educarem seus prprios filhos. Makarenko retoma a segunda parte do livro dos pais e procura mostrar o quanto preciso separar a afetividade natural pelos filhos de uma necessria medida racional para a educao de bom senso. Para criticar os exageros do amor pelos filhos e seus resultados negativos, Makarenko apelar para o princpio da tica aristotlica do meio termo, a educao sem excessos e sem carncias. Nem covardes, nem heris que abdicam da felicidade pessoal. Para Makarenko, se os pais soubessem determinar com clareza o tipo de homens que gostariam de educar, poderiam educar homens honrados, que realizem sacrifcios sociedade, mas construindo uma vida feliz. A disciplina tambm discutida neste texto, mostrando que no princpio da meia medida preciso encontrar a harmonia entre o carinho e a exigncia, sem cair na severidade e no espontanesmo. Makarenko insiste na imagem da disciplina como conquista da responsabilidade, em que a criana assimila regras, normas, mas pode correr determinados riscos para desenvolver sua liberdade.

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Por isso, ressalta a importncia de os pais trabalharem sempre com os movimentos opostos dos sentimentos: o desejo e a renncia; a expresso de carinho e a moderao dos gestos. A concepo de educao de Makarenko requer um adulto presente na vida das crianas, interessado em entender cada problema, analisando cada situao em particular, segundo a lgica da tica aristotlica, de que os seres humanos, no devem se comparar com seres ideais, inatingveis, nem serem educados segundo regras e normas eternas e abstratas. Cada educando, cada filho deve ser entendido de acordo com sua histria e em cada situao em particular. O adulto deve assumir a direo da educao, castigando ou no de acordo com cada necessidade, com a atitude devida, O mais importante que o filho sinta confiana que os pais depositam nele e que possa superar os desafios colocados em sua vida, com ou sem ajuda dos pais. No artigo A educao na famlia e na escola, conforme nos explica Ceclia da Silveira Luedemann, resultado de uma conferncia realizada por Makarenko, em 8 de fevereiro de 1939, na Casa do Professor, no distrito de Frunze, Moscou, a relao entre a famlia e a escola analisada de acordo com a concepo de sociedade e do estado no socialismo. O texto expressa o tom informal e franco com que Makarenko conversava com pais e professores sobre a necessidade de levantar os objetivos claros da educao das crianas e de criar tcnicas adequadas para isso. Makarenko condena o modo pelo qual a escola relaciona-se com as famlias. Geralmente, os pais so chamados quando os alunos apresentam problemas de aprendizagem ou de disciplina e nesses encontros so acusados de educarem mal os seus filhos. No seria a escola que estaria falhando na educao de seus alunos, inclusive porque, ao invs de auxiliar os pais, estaria responsabilizando-os pelo fracasso dos filhos? Qual seria a esfera da educao da escola? Qual seria a esfera da educao da famlia?

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De acordo com Makarenko, a educao familiar deveria ser estruturada tomando a escola como princpio organizativo e como representante da educao estatal. A escola deveria cumprir o papel de orientar a famlia na sociedade socialista. De acordo com isso, muitos dos objetivos comuns de formao da criana deveriam ser discutidos entre pais e professores, criando, a cada momento, diferentes estratgias educacionais, tanto em casa quanto na escola. Mas, nesse perodo, a instituio escolar sovitica encontrava-se em crise de identidade: entre aquela proclamada pela Comisso de Instruo Pblica nos anos de 1920 e a que predominou nos anos de 1930 com o estalinismo. Embora Makarenko defendesse a transformao da velha escola em coletividade escolar, retirando a centralidade da sala de aula e derrubando os seus muros para chegar comunidade e s famlias dos alunos, na realidade, a escola estalinista tornara-se ainda mais fechada educao integral, politcnica, voltada para a profissionalizao em massa e para a inculcao ideolgica. Em consequncia, muitas das orientaes de Makarenko, como educar a voz e as expresses faciais para assumir o papel de educador, seja como professor, seja como pai e me, aparecem de forma estranha. Seria preciso conhecer a sua proposta integral de organizao da escola como coletividade para entender a importncia de algumas atividades teatrais como tcnicas educacionais. A tarefa educacional no seria produto apenas da intuio e da afetividade do educador, mas de uma ao racional, planejada, de acordo com determinadas necessidades educacionais, o que exigiria atitudes ensaiadas, como de um ator. Makarenko tinha conscincia de que essas tcnicas, isoladas de uma ao geral compartilhada por toda a sociedade, no resultariam em nada. Era preciso entender porque determinadas famlias educavam mal, formavam jovens com problemas de carter. E, antes, era preciso entender as causas que levaram essas famlias a educar as novas geraes com esses problemas. Por isto, ao tratar

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a questo do sacrifcio da felicidade em nome dos filhos, Makarenko mostra o quanto preciso fazer os filhos, desde os 5 anos de idade, participarem da base econmica da famlia, de suas necessidades, de suas possibilidades para que todos possam estabelecer as perspectivas de felicidade e a desfrutem com direitos iguais: pais e filhos. A vida de sacrifcios dos pais no pode significar a felicidade dos filhos, pois estariam sendo educados para uma felicidade egosta. A famlia deveria ser analisada como instituio social, retirando-lhe muitas das atribuies que lhe eram dadas como naturais, como, por exemplo, o poder paterno, a submisso incondicional da me e a ausncia total de direitos dos filhos. Uma nova relao de direitos iguais entre pai e me e entre pais e filhos deveria ser criada na famlia socialista, destruindo antigos costumes, como o castigo corporal, e cultivando novos sentimentos, como o carinho, a sinceridade e o respeito. Nos anos de 1930, Makarenko observava o surgimento de novas geraes que continuavam sendo educadas de acordo com os princpios da famlia burguesa e da escola que criava um molde para a educao de massa e profissionalizante. No artigo As minhas concepes pedaggicas, de acordo com Ceclia da Silveira Luedemann, foi publicado pela primeira vez em 1941, pelo Instituto Pedaggico de Kharkov em Anotaes cientficas do Instituto Pedaggico Estatal de Kharkov, e resultado das colocaes de Makarenko em um sarau literrio-pedaggico, em 9 de maro de 1939. Na primeira edio das obras de A. S. Makarenko, em 1947, o texto recebeu o ttulo As minhas concepes pedaggicas da redao da editora da Academia de Cincias Pedaggicas da URSS. Falando aos professores, pedagogos e pesquisadores, Makarenko defende a tese de que, mesmo depois de 20 anos de revoluo, a educao comunista ainda no existia na Unio Sovitica. Em tom de autocrtica, explica que os pioneiros

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tendem a errar mais do que aqueles que herdaram das antigas geraes as bases para a criao de uma nova educao. Esta foi uma das ltimas participaes pblicas de Makarenko, pois viveria s at o final desse mesmo ms. Sua fala desmistificadora do imaginrio que estava sendo criado no perodo estalinista sobre a sua figura de pedagogo e de escritor. No lugar da mistificao, Makarenko procurava mostrar-se como um homem de carne e osso, um professor e pedagogo com as mesmas dificuldades de todos os educadores. Para criar uma forte identidade com o trabalho educacional naqueles que o ouviam, Makarenko apresentou uma sntese de sua trajetria pedaggica e literria, acentuando sempre sua relao com a educao geral, no apenas com a de crianas delinquentes, e sua estreita relao com a comunidade operria na primeira fase de sua experincia pedaggica com filhos de operrios. Em sua fala, Makarenko desmistifica a imagem de heri da educao, mas defende o direito de colocar-se diante dos ouvintes como um importante pedagogo que havia desenvolvido um novo mtodo de educao em 32 anos de experincia profissional. Essa argumentao demonstra o quanto ainda Makarenko era combatido nos meios acadmicos e burocrticos estalinistas, como apenas um educador da frente prtica e no como um terico. Mas, se por um lado, procura valorizar as suas contribuies, por outro lado, desmistifica a tese do talento inato, afirmando que o seu trabalho se desenvolveu com o compromisso de atender s necessidades sociais da revoluo e misso educacional que havia recebido do estado sovitico. Dentre os elementos primordiais da constituio de suas teses pedaggicas, destaca o importante papel dos educadores e da autogesto, principal processo educacional que funcionava como verdadeira educadora do coletivo. Em seu relato sobre as visitas que realizou em vrias escolas soviticas, criticou a hipertrofia do mtodo individual: as escolas

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funcionam com experincias isoladas de professores, alunos, salas de aulas, mas nunca como uma coletividade. Makarenko mostrava o quanto a escola sovitica se parecia com a antiga escola, que no havia conseguido organizar o processo educativo. A escola era a somatria das iniciativas individuais originadas nas salas de aula e suas atividades gerais, mas no era uma coletividade. A inculcao ideolgica era o centro das atividades educacionais, redundando em uma educao livresca, sem relao direta com a vida, nem com a criao de hbitos e costumes da vida comunista. As escolas no expressavam uma unidade de objetivos e de aes, no havia um centro comum em cada uma delas e a preocupao com a disciplina acabava por reproduzir a antiga disciplina repressora, a disciplina da inibio, a velha arma do no. Para Makarenko, as escolas no estariam servindo para organizar a experincia infantil de acordo com as necessidades da sociedade socialista. A escola sovitica poderia e deveria ser, segundo Makarenko, a instituio social de participao das crianas, lugar de formao e de participao de criao de uma nova sociabilidade, da subordinao entre iguais da autogesto. Para a formao de uma nova gerao, com personalidade comunista, deveria existir um trabalho de organizao da coletividade, com um tempo relativamente longo para que se pudesse avaliar os resultados. A preocupao com os detalhes da vida coletiva era rejeitada pela maioria das escolas visitadas por Makarenko. Se havia sujeira nas salas de aula, os diretores e professores no se preocupavam em fazer com que os alunos limpassem o que sujaram. O trabalho manual e a preocupao com os pormenores da vida cotidiana no faziam parte dos objetivos educacionais da direo escolar. E a que Makarenko vai chamar a ateno dos pedagogos: a diferena entre instruo e educao e, na esfera da educao, na inculcao ideolgica e na formao de novos hbitos e novas tradies com base na vida coletiva.

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TEXTOS SELECIONADOS

A pedagogia, especialmente a teoria da educao, , sobretudo, uma cincia com objetivos prticos. No podemos simplesmente educar um homem, no temos o direito de realizar um trabalho educativo, quando no temos frente aos olhos um objetivo poltico determinado. Um trabalho educativo, que no persegue uma meta detalhada, clara e conhecida em todos os seus aspectos, um trabalho educativo apoltico.

Essas palavras de Makarenko esto em sintonia com a premissa de que era preciso construir, tambm, uma nova sociedade, em que o coletivo prevalecesse sobre o individual; em que a tica burguesa da busca do lucro e da ostentao, apoiada nas diferenas de classes, desse lugar a uma nova, socialista, solidria e igualitria, em que no houvesse explorao de uns sobre os outros e em que todos tivessem acesso s mesmas oportunidades em igualdade de condies. Enfim, era preciso construir um novo homem e essa construo deveria comear pela educao das crianas e dos adolescentes, pelos filhos dos camponeses que eram, invariavelmente, todos analfabetos como seus pais, avs e demais antepassados; pelos filhos dos operrios, com pouca ou nenhuma instruo e pelos menores abandonados; meninos e meninas que, no Brasil, chamamos de rua, boa parte j comprometida com o mundo da criminalidade e da delinquncia. Era por estes ltimos que o pedagogo Anton Semionovitch Makarenko deveria comear a por em prtica a educao socialista com que tanto sonhava. Os escritos selecionados Os objetivos da educao, Metodologia para a organizao do processo educativo, A famlia45

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e a educao dos filhos, A educao na famlia e na escola e As minhas concepes pedaggicas tratam, certo, do universo sovitico do incio do sculo XX, e, ressalvando-se o seu desenvolvimento num contexto bem particular, que foi o da implantao do socialismo na Unio Sovitica, a experincia transmitida pelo autor pode ser muito til aos professores e educadores de hoje. Os personagens juvenis e os pais que povoam as suas pginas so to humanos e complexos quanto queles que nos circundam e o mesmo vale para os educadores, na maioria muito bem intencionada, mas, muitas vezes, sem a formao profissional adequada para lidar com questes de ordem terico-metodolgicas, a organizao da escola como coletividade ou, ainda, com tantos problemas sociais que afligem nossos educandos e seus familiares. Os educadores atuais enfrentam desafios e situaes muito semelhantes aos dos que foram protagonizados e registrados por Makarenko. Por isso mesmo, esse grande educador oferece temas para uma indispensvel reflexo dos que trabalham na rea de educao. Os textos de Makarenko que selecionamos foram originalmente publicados no livro Anton Makarenko: vida e obra a pedagogia na revoluo, de Ceclia da Silveira Luedemann, editado pela Editora Expresso Popular, de So Paulo, a quem somos gratos pela cesso e autorizao para que os mesmos pudessem aparecer na presente obra. Tambm queremos agradecer a Jennifer Lopes e Paulo Junior pelo trabalho voluntrio que realizaram quando da reproduo desses artigos.Os objetivos da educao

Um aspecto de importncia extraordinria no nosso trabalho consiste em que ele deve ser inteiramente racional. Devemos educar tal indivduo de que a nossa sociedade precise. Em certas ocasies, a sociedade coloca este imperativo com muita impaci-

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ncia e exigncia: necessitamos de engenheiros, de mdicos, de moldadores, de torneiros... No devemos falar apenas sobre a formao profissional da nova gerao, mas tambm sobre a educao e um novo tipo de comportamento, de carteres e de conjuntos de traos da personalidade que so necessrios, precisamente no estado sovitico. Os objetivos do trabalho educativo s podem ser deduzidos das experincias que a sociedade coloca. Os objetivos do nosso trabalho devem ser expressos atravs das qualidades reais das pessoas educadas sob nossa orientao pedaggica. Cada pessoa por ns educada constitui o resultado da nossa produo pedaggica. Tanto ns quanto a sociedade devemos examinar nosso produto minuciosa e detalhadamente, at mnima pea. Como em toda produo, o resultado da nossa pode ser estupendo, satisfatrio, aceitvel, parcialmente defeituoso ou completamente defeituoso. O xito do nosso trabalho depende de uma quantidade infinita de circunstncias: da tcnica pedaggica, dos contedos, da qualidade do material. O nosso material bsico, as crianas, imensamente variado. Pergunta-se: que percentagem desse material necessria para formar um indivduo cheio de iniciativas? 90?, 50?, 10?, 0,05? E o que que se faz com o restante do material? Se analisarmos deste modo a questo, torna-se completamente inadmissvel substituir a descrio exata do nosso produto por alocues gerais, exclamaes patticas e frases revolucionrias. Tais exortaes so to idealistas que, na realidade, sua aplicao torna-se absolutamente impossvel. O ideal abstrato como objetivo da educao no nos convm, no s porque o ideal em geral inatingvel, mas tambm porque, na esfera da conduta, as relaes entre ideais esto muito misturadas. A amabilidade ideal, o administrador ideal, o poltico ideal constituem conjuntos muito complexos, por assim dizer, de pequenas perfeies e determina-

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das predisposies e averses. As tentativas para sintetizar os objetivos da educao numa frmula breve no demonstram mais do que um absoluto divrcio com todo tipo de prtica concreta e especfica. Por esta razo, muito natural que semelhantes frmulas no tivessem criado nada na vida real, no nosso trabalho vivo. O projeto da personalidade como produto da educao deve basear-se nas exigncias da sociedade. Este princpio tira imediatamente do nosso produto os paramentos ideais. Nas nossas tarefas no h nada eterno e absoluto. As exigncias da sociedade so vlidas apenas para uma poca cuja durao mais ou menos limitada. Podemos estar completamente convencidos de que prxima gerao apresentar-se-o exigncias um tanto modificadas e estas modificaes sero introduzidas gradualmente, medida que se desenvolve e se aperfeioa toda a vida social. Por isso, na nossa tarefa de planejamento, devemos sempre ser extremamente atentos e perspicazes em particular, ainda porque a evoluo das tarefas que a sociedade coloca pode se produzir na esfera de pormenores pouco significativos. Alm disso, devemos ter sempre em mente que, por mais ntegro que nos parea o ser humano em se fazendo uma abstrao generosa, todos os seres humanos, em determinada medida, constituem um material muito diversificado para a educao e o produto que fabricaremos ter, necessariamente, de ser variado. Assim, reunindo muitas substncias sob o conceito nico de metal, no nos passa pela cabea fabricar facas de alumnio ou rolamentos de mercrio. Seria de uma superficialidade inaudita ignorar a diversidade do ser humano e tratar de agrupar a questo relativa s tarefas da educao numa estrutura comum a todos. A nossa educao deve ser comunista e cada pessoa que educamos deve ser til causa da classe operria. Este princpio, generalizador e necessrio, pressupe precisamente formas distintas para a execuo da tarefa de acordo com a variedade do material

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e as suas diversas formas de aplicao na sociedade. Qualquer outro princpio no mais do que uma despersonalizao. Os traos comuns e individuais da personalidade formam entrelaamentos extremamente complexos e, por isso, a tarefa de projetar a personalidade converte-se num assunto extraordinariamente difcil e exige muita cautela. O aspecto mais perigoso continuar a ser, por muito tempo, o medo perante a diversidade humana, a incapacidade de construir um todo equilibrado na base das diferenas. Por isso... cortar todos pelo mesmo molde, meter o ser humano no chavo estereotipado, educar uma srie reduzida de seres humanos parece uma tarefa mais fcil do que a educao diferenciada. A propsito, este erro foi cometido pelos espartanos e pelos jesutas na sua poca. A soluo desse problema seria impossvel se o resolvssemos de modo silogstico: para pessoas diversas diversos mtodos. Era mais ou menos assim que pensavam os pedlogos quando criavam instituies para crianas difceis separadas das instituies para crianas normais. E agora tambm erram quando educam separadamente as moas e os rapazes. Se continuarmos a desenvolver esta lgica pela via da ramificao das particularidades pessoais (sexuais, etrias, sociais, morais), chegaremos rapidamente singular individualidade que salta aos olhos da palavra oculta pedaggica criana. A nica tarefa organizativa digna da nossa poca pode ser a criao de um mtodo que, sendo comum e nico, permita simultaneamente que cada personalidade independente desenvolva suas aptides, mantenha a sua individualidade e avance pelo caminho das suas vocaes. evidente que, ao dar incio resoluo deste problema, j no podemos nos ocupar com uma s criana. Perante ns surge a coletividade como objeto da nossa educao. A partir disso, a tarefa de planejar a personalidade adquire novas condies para

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sua soluo. Devemos entregar como produto, no apenas uma personalidade que possua estes e aqueles traos, mas um membro da coletividade, a coletividade com determinadas caractersticas. Evidentemente que eu no tenho em vista e nem sequer tenho foras para fazer este projeto. Parece-me que este tema digno do trabalho dos cientistas. Grandes dificuldades nos esperam s no trabalho prtico. Sob este aspecto, tropearemos a cada passo nas contradies entre certos pormenores e as condies da tarefa, por um lado, e entre o princpio coletivo e o pessoal, por outro. Estas contradies so muito numerosas e poderosas... Por isso, o planejamento da personalidade deve ser precedido de uma anlise dos fenmenos intracoletivos e pessoais.Metodologia para a organizao do processo educativo A estrutura orgnica da coletividade

A organizao da coletividade nas instituies infantis estruturase segundo vrios princpios. As crianas podem ser divididas em grupos segundo o princpio que rege a escola: de acordo com este sistema, nos internatos, classes inteiras ou parte delas distribuem-se pelos dormitrios. Isto tem as suas vantagens, pois as crianas so da mesma idade, do mesmo grau de desenvolvimento; mais prtico e mais fcil para elas prepararem as tarefas de casa, utilizarem materiais didticos e manuais comuns, assim como ajudar os mais atrasados. Mas este tipo de organizao tambm tem as suas desvantagens, porque as coletividades bsicas organizadas desta forma fecham-se rapidamente no crculo dos seus interesses estritamente escolares e afastam-se do trabalho, da produo e da evoluo econmica de toda a instituio. As coletividades bsicas de educadores podem ser organizadas segundo outros princpios, a saber: segundo a produo, segundo a idade etc.

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Na comuna Dzerjinski o critrio bsico de organizao da coletividade primria o da produo. Com uma organizao deste tipo preciso guiar-se pelas seguintes teses: a) todos os educandos se dividem em destacamentos que tambm vigoram na produo; b) o nmero dos integrantes do destacamento deve estar entre 7 e 15. No deve haver mais de 15 pessoas num destacamento. Como demonstrou a experincia, a coletividade bsica formada por muitos membros subordina-se mal a quem a dirige e, por sua vez, o dirigente no est em condies de controlar todos os membros do destacamento; c) se os educadores trabalham na produo em dois turnos, prefervel formar os destacamentos com crianas do mesmo turno; d) se o grupo de mquinas muito pequeno, podem ser formados destacamentos que incluam educandos do primeiro e do segundo turnos, mas esta forma menos conveniente visto os membros do primeiro turno no se contatarem durante o trabalho com os do segundo; e) se as condies do trabalho o permitirem, recomendvel, em alguns casos, formar destacamentos que garantam a fabricao das mesmas peas desde o incio at o fim; f) cada destacamento deve estar alojado num mesmo dormitrio ou num grupo de dormitrios contguos; g) no refeitrio, os membros de um destacamento devem sentar-se mesma mesa. Ao organizar a coletividade bsica segundo o critrio da produo, convm necessariamente levar em considerao as diferenas etrias. Nas instituies onde no exista uma coletividade slida e bem organizada e onde ainda no tenha sido criada uma disciplina correta, absolutamente necessrio que as coletividades bsicas destacamentos para as crianas mais novas, entre 10 e 14 anos se organizem parte; s como exceo se pode admitir que crianas

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pequenas sejam includas nos destacamentos dos mais velhos, mas, neste caso, necessrio verificar do modo mais escrupuloso possvel as particularidades individuais; levar em conta que tipo de influncia afetar o aluno, a maneira de ele ser aceito no destacamento, responsvel pessoal pela sua vida no destacamento e no trabalho e a pessoa encarregada de ocupar-se dele de um modo especial. Se existir uma organizao de pioneiros7 necessrio que em cada d