antonio candido leitor de poesia

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Antônio Donizeti Pires** ANTONIO CANDIDO, LEITOR DE POESIA* Resumo: este artigo objetiva, a partir de estudos de Antonio Candido voltados para a poesia lírica, rastrear o pensamento estético e crítico-teórico do autor sobre a matéria, bem como avaliar sua prática analítica do texto poético. Tal prática, coerente com o postulado na vasta obra do autor, ancora-se em dois eixos principais: o “árcade/ romântico” (voltado para o período formativo da literatura brasileira) e o “modernis- ta” (que enfatiza a consolidação plena de nossa literatura). Palavras-Chave: Antonio Candido. Poesia lírica: estética, teoria e crítica. Poesia brasileira: formação e consolidação. A poesia lírica ocupa posição central na vida e na atividade acadêmica de An- tonio Candido. Por um lado, depreende-se de sua vasta obra a importância da poesia lírica em sua formação pessoal e intelectual; por outro, sua lida constante com o texto poético, desde os anos de 1940, revela ser a lírica pilar funda- mental de seu pensamento crítico-teórico. Neste, a poesia e seus problemas são di- mensionados em várias camadas significativas, que assim se pode sintetizar: a poesia como agente poderoso de formação e consolidação da literatura brasileira (a própria Formação da literatura brasileira); a crítica de poesia e de poetas (já evidenciada na Formação, e corroborada em estudos como “Inquietudes na poesia de Drummond”, de Vários escritos); o estudo teórico da poesia, seus problemas intrínsecos e elemen- tos constitutivos (O estudo analítico do poema); em complemento, a leitura, análise e interpretação de poemas de autores brasileiros do Arcadismo ao Modernismo (a exemplo do que faz em Na sala de aula); o estudo comparado de poetas brasileiros e estrangeiros, na perspectiva de suas relações problemáticas com a matriz europeia

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Poesia

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  • Antnio Donizeti Pires**

    ANTONIO CANDIDO,LEITOR DE POESIA*

    Resumo: este artigo objetiva, a partir de estudos de Antonio Candido voltados para a poesia lrica, rastrear o pensamento esttico e crtico-terico do autor sobre a matria, bem como avaliar sua prtica analtica do texto potico. Tal prtica, coerente com o postulado na vasta obra do autor, ancora-se em dois eixos principais: o rcade/romntico (voltado para o perodo formativo da literatura brasileira) e o modernis-ta (que enfatiza a consolidao plena de nossa literatura).

    Palavras-Chave: Antonio Candido. Poesia lrica: esttica, teoria e crtica. Poesia brasileira: formao e consolidao.

    A poesia lrica ocupa posio central na vida e na atividade acadmica de An-tonio Candido. Por um lado, depreende-se de sua vasta obra a importncia da poesia lrica em sua formao pessoal e intelectual; por outro, sua lida constante com o texto potico, desde os anos de 1940, revela ser a lrica pilar funda-mental de seu pensamento crtico-terico. Neste, a poesia e seus problemas so di-mensionados em vrias camadas significativas, que assim se pode sintetizar: a poesia como agente poderoso de formao e consolidao da literatura brasileira (a prpria Formao da literatura brasileira); a crtica de poesia e de poetas (j evidenciada na Formao, e corroborada em estudos como Inquietudes na poesia de Drummond, de Vrios escritos); o estudo terico da poesia, seus problemas intrnsecos e elemen-tos constitutivos (O estudo analtico do poema); em complemento, a leitura, anlise e interpretao de poemas de autores brasileiros do Arcadismo ao Modernismo (a exemplo do que faz em Na sala de aula); o estudo comparado de poetas brasileiros e estrangeiros, na perspectiva de suas relaes problemticas com a matriz europeia

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    (caso de Os primeiros baudelairianos, de A educao pela noite & outros ensaios), do ponto de vista temtico (As rosas e o tempo, de O observador literrio), ou de interpre-tao desses poetas face ao tratamento que do natureza (O albatroz e o chins, do recente livro homnimo).

    Assim, este trabalho pretende uma articulao dos vrios estratos da leitura potica levada a efeito pelo crtico, com nfase em algumas questes que parecem cruciais: a coerncia da exegese potica de Candido em relao a seu pensamento cr-tico-terico, pois abarca poetas do Arcadismo ao Modernismo; o valor conferido por Candido poesia brasileira, sempre a inserindo num meio universal de conexes e co-relaes e, ao mesmo tempo, concebendo-a como expresso local de nosso sistema literrio e social; as relaes do autor com a poesia francesa enquanto agente de sua formao pessoal e enquanto matriz de parte considervel da poesia que se fez no Brasil.

    Para a consecuo dos objetivos, no primeiro tpico so destacados alguns por-menores do pensamento e da crtica de Antonio Candido, com base em estudos de Joo Alexandre Barbosa; no segundo, rastreiam-se as coordenadas tericas abraadas por Candido, no tocante lrica; no terceiro, mais longo, percorrem-se obras crticas, cr-tico-tericas e analticas do autor, a fim de trazer luz a constncia que ele dedicou poesia, brasileira e universal; ao final, procura-se oferecer uma concluso integradora.

    Colocado o problema deste modo (por uma questo de mtodo), enfatize-se des-de j que os muitos escritos de Candido sobre poesia, para aqui trazidos, sero explo-rados em suas necessrias articulaes e conexes: tericas, crticas, estticas, anal-ticas, histricas. Com isso, optou-se por dar voz ao crtico, citando-o, talvez, mais que o estritamente necessrio. Mas tal opo se justifica porque, com o percurso, quer-se aprender com o leitor privilegiado de poesia Antonio Candido e, dentro do possvel, apreender as filigranas de sua fina hermenutica potica.

    NOtAs sOBRe O PeNsAMeNtO e O MtODO CRtICO De ANtONIO CANDIDO

    Joo Alexandre Barbosa, em Antonio Candido: os signos da claridade (texto publicado, a princpio, na revista Leia, em maro de 1987, e depois recolhido em A lei-tura do intervalo, 1990), faz a resenha de A educao pela noite & outros ensaios, livro de Candido surgido em 1987. O texto de Barbosa breve, mas sua densidade auxilia a compreender algumas caractersticas do pensamento e do mtodo crtico daquele, pois [...] exatamente a coexistncia de informao, anlise e interpretao que ga-rante a qualidade deste livro de Antonio Candido, confirmando as razes da perma-nncia dele como o mais completo crtico de nossa contemporaneidade (BARBOsA, 1990, p. 83). O autor se refere ao livro de 1987 em especial, mas seu juzo pode ser expandido ao geral da crtica de Candido, pois entre seus modos permanentes de ao contam-se a [...] criao de uma linguagem crtica adequada [...] e a [...] inveno de metforas crticas de grande eficcia [...], que do plena [...] inteligibilidade aos

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    conceitos [...] e asseguram sua [...] comunicabilidade [...] ao leitor, cujo papel ati-vo no processo crtico encarecido por Barbosa (1990, p. 83).

    Alm disso, Barbosa (1990, p. 84) ressalta a [...] a educao do crtico pela lite-ratura e a [...] potica da tenso [...] que caracteriza o modus operandi da crtica de Antonio Candido e importante, para Barbosa, constatar que tal tenso [...] mantida e no resolvida [...] (grifo do autor) por qualquer esquema redutor de anli-se ou interpretao:

    [...] no caso de Antonio Candido, tal feito ainda mais pertinente se se pen-sa na tenso mantida, em toda a obra dele e no apenas neste livro, entre as cincias sociais e histricas, que puxam o lado terra-a-terra, e a literatura, que autoriza o sonho, o devaneio, a ambiguidade (BARBOsA, 1990, p. 84).

    A princpio, pode-se concordar com o ponto de vista adotado pelo crtico por-que as cincias sociais e histricas, ao puxarem o lado terra-a-terra, so coe-rentes com seu objeto de estudo, que cientfico e no esttico, e por isso tendem a considerar a literatura como mero documento. Porm, deve-se fazer uma ressal-va ao postulado por Barbosa porque, a meu ver, ele parece sacrificar a real dimen-so do problema, em seus aspectos gerais: de fato, o pensamento de Candido est constantemente baseado em pares de opostos que lhe possibilitam refletir sobre a especificidade da literatura brasileira (por exemplo, cosmopolitismo vs. localismo; literatura portuguesa vs. literatura brasileira; literatura vs. sociedade; autonomia esttico-literria vs. condicionamento histrico-social das obras etc.). No entanto, tal pensamento aponta para uma compreenso da literatura brasileira como snte-se (real possvel, no ideal; e evidentemente problemtica e problematizadora) de determinadas contribuies literrias e lingusticas, de variada procedncia, em condies muito especficas e particulares, como patente j no primeiro captulo da Formao da literatura brasileira: este livro procura estudar a formao da lite-ratura brasileira como sntese de tendncias universalistas e particularistas (CAN-DIDO, 1993a, p. 23).

    Uma terceira considerao do problema (descendo do geral ao particular, ou da teoria para a realidade das obras literrias) deve ressaltar que um dos pares fundamen-tais da tenso dialtica proposta por Candido, literatura e sociedade, tende a resolver-se numa sntese (real possvel, no ideal; e evidentemente problemtica e problema-tizadora), nesta ou naquela obra, ao configur-la estruturalmente. o que ele postula em Literatura de dois gumes, um dos textos que compem a terceira parte do livro resenhado por Barbosa:

    [...] a ligao entre a literatura e a sociedade percebida de maneira viva quando tentamos descobrir como as sugestes e influncias do meio se incorporam estrutura da obra de modo to visceral que deixam de ser

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    propriamente sociais, para se tornarem a substncia do ato criador (CAN-DIDO, 1989, p. 163-4).

    enfim, uma quarta considerao do problema atenua a ressalva ao enunciado por Barbosa, pois ao tratar da particularidade das obras literrias, ele afirma que a tenso, no caso da crtica de (apud, BARBOsA, 1990, p. 85), [...] revela-se sobretudo na escolha de ngulos de anlise e interpretao que buscam, quase sempre, aspectos de passagem entre elementos psicolgicos e sociais e a formulao literria.

    Para Barbosa (1990, p. 85), a qualidade da potica da tenso dessa crtica guarda similaridade com a tenso permanente da obra potica de Joo Cabral de Melo Neto, a cujo livro A educao pela pedra o conjunto de ensaios faz aluso. Assim, a [...] conscincia potica [...] do pernambucano (onde a explorao metalingustica no mero exerccio retrico, mas incorporao estrutural de problemas tico-sociais, como no prprio poema que d ttulo ao livro de 1966), a crtica tensiva de Candido, ainda que aponte para uma sntese dinmica do processo formador da literatura brasi-leira (no geral) e das obras que a compem (no particular), no se reduz a um esquema simplificador de anlise e interpretao: um bom exemplo dos processos do crtico Dialtica da malandragem (em O discurso e a cidade, 1993), mas sua anlise potica tambm prima pela mesma qualidade (veja-se Inquietudes na poesia de Drummond, de Vrios escritos, 1970, ou O poeta itinerante de O discurso e a cidade , em que se debrua sobre Louvao da tarde, de Mrio de Andrade).

    A insistncia nas quatro formas de abordagem do problema da potica da ten-so, a partir da sugesto valiosa de Joo Alexandre Barbosa, no gratuita, pois ela se constitui de modo complexo e termina por desdobrar-se, como a prpria anlise potica empreendida por Candido, em vrias camadas ou estratos significativos. As-sim, recapitulando o dilogo entre os dois crticos, tem-se: num primeiro momento, uma evidente diferena de tratamento da literatura e dos produtos literrios por par-te das cincias sociais e histricas, pois seus objetos e sua pisteme so diferentes; partindo da dicotomia, Candido as trata dialeticamente para refletir sobre o processo de formao da literatura e da cultura brasileira, em geral, apresentando-o como snte-se iluminadora; tal sntese torna-se ainda mais evidente nas obras particulares e est comprovada em vrias anlises magistrais efetuadas pelo crtico; para Barbosa, ainda que Candido parta da dicotomia apontada e estabelea uma sntese compreensiva do processo formador de nossa literatura e das obras que a compem, sua crtica por na-tureza vincada pela potica da tenso, pois sempre enfatiza a [...] passagem entre elementos psicolgicos e sociais e a formulao literria (BARBOsA, 1990, p. 85).

    Na obra de Joo Alexandre Barbosa h outro ensaio posterior, O mtodo crti-co de Antonio Candido (publicado, a princpio, na revista Cult, ano II, n. 12, julho de 1998, e recolhido em Alguma crtica, 2002), dedicado ao problema. Nele, Barbosa dialoga com vrios textos de Candido para reafirmar, agora de modo mais claro, a po-tica da tenso que embasa a atividade crtica deste:

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    No o crtico que transforma o elemento externo em interno mas, sim, o prprio processo de construo da obra, a ele cabendo a habilidade de fisgar a transformao, que sempre o resultado de uma prtica analtica ancorada na conscincia da linguagem literria.

    Para o crtico, no h, segundo leio o autor, preferncia possvel: a sua ati-vidade se passa por entre as tenses suscitadas pelo movimento de interna-lizao que a obra literria [...] (BARBOsA, 2002, p. 142, grifos do autor).

    Ao final do ensaio, o pernambucano ressalta mais uma vez a excelncia do mto-do crtico de Antonio Candido, onde conscincia sinttica da obra (porque integrao estrutural de elementos externos e internos) se conjuga conscincia da linguagem (porque esta, e no os meros contedos, que possibilitam a significao):

    Nenhum condicionamento, seja ele biogrfico, psicolgico, histrico ou social, ser suficiente como elemento explicativo convincente para a cria-o de uma obra literria, da mesma maneira que nenhum juzo de valor ter resistncia se no estiver fundado nos deslizamentos incessantes en-tre condies e processos de construo.

    [...]entre a obra e seu julgamento, o leitor crtico opera um outro tipo de inte-grao: aquele que somente a conscincia da linguagem permite entre o que significa uma obra e seu modo de significao (p. 143).

    Obviamente, seria de interesse considerar outros crticos do pensamento e dos mtodos de Candido, mas isto escapa aos objetivos deste trabalho. Acentue-se apenas, mais uma vez, que as coordenadas da leitura potica encetada pelo crtico, seja em relao poesia brasileira, seja em relao estrangeira, alimentam-se do jogo dia-ltico sempre enfatizado por ele e corroborado por seus leitores: assim, para alm do formalismo estril ou do conteudismo superficial, a crtica do mestre uspiano voltada poesia lrica procurar evidenciar como determinado poema (esta construo sui generis de imagem e ritmo) conjuga, em sua estrutura profunda, tanto os elementos caractersticos e especficos de sua constituio, quanto os elementos externos que o condicionaram histrica, social e psicologicamente.

    COORDeNADAs esttICO-teRICAs DA heRMeNUtICA POtICA De AN-tONIO CANDIDO

    As coordenadas esttico-tericas da hermenutica potica de Antonio Candido, no tocante lrica, encontram-se sobretudo em O estudo analtico do poema, publica-o de 1987 (terceira edio, 1996) que resgata um curso que ele ministrara em 1963 e 1964 para o quarto ano do curso de Letras da UsP, na rea de teoria Literria. Na ex-

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    plicao (datada de novembro de 1967) que abre o livro, Candido (1996, p. 8) faz duas observaes importantes, uma sobre a desvinculao entre poesia e verso, e a outra autocensurando-se pela [...] apresentao longa e desnecessria da velha teoria de Grammont [...], j que, no momento do primeiro curso, a obra de Roman Jakobson, que prope o problema [...] da sonoridade expressiva [...] de modo lapidar, ainda no era conhecida de Candido e no fora suficientemente divulgada e estudada no Bra-sil. sobre a desvinculao entre poesia e verso, o crtico a considera das mais impor-tantes conquistas estticas da poesia moderna, ao lado da dissoluo dos gneros e subgneros literrios:

    [...] quando repeti o curso [em 1964], glosei bastante a ideia, apenas suge-rida aqui, do desvinculamento [sic] entre a poesia e [o] verso, cujas primei-ras manifestaes talvez se esbocem no poema em prosa do Romantismo e que em nossos dias um pressuposto esttico fundamental, ao mesmo ttulo que a queda de barreiras entre os gneros (CANDIDO, 1996, p. 7-8).

    Isto de fato assim, no que concerne ao poema em prosa ou mistura de gne-ros, que se estabelecem a partir das experincias mais radicais do Romantismo, cujos postulados estticos incluem a busca da linguagem total, de base analgica, e valores como a liberdade, a subjetividade e a originalidade. No entanto, Candido pouco volta-r a considerar o poema em prosa, do ponto de vista terico, em suas anlises.

    Nos captulos seguintes vai delineando-se a teoria da poesia abraada pelo cr-tico, cuja nfase posta no ritmo e na imagem. Veja-se como o autor (p. 9-10) divide seu curso: Introduo; 1. Os fundamentos do poema, onde estuda sonoridade, ritmo, metro, verso; 2. As unidades expressivas, onde se detm nos seguintes tpicos: figura, imagem, tema, alegoria, smbolo; 3. A estrutura, onde aponta os princpios estrutu-rais, os princpios organizadores e os sistemas de integrao; 4. Os significados, onde discorre sobre sentido ostensivo e latncia, traduo ideolgica, poesia direta e obl-qua, clareza e obscuridade; enfim, na ltima seo (5) escreve sobre A unidade do po-ema. todos os captulos so pontuados por anlises de poemas de Manuel Bandeira, principalmente, cuja escolha justificada por Candido (1996, p. 7) na explicao: [...] exemplo principal, no apenas pela alta qualidade de sua obra, mas porque ela provavelmente a nica em nossa literatura que permite a um estudante encontrar todas as modalidades de verso, desde os rigorosamente fixos at os mais livremente experimentais. De modo sutil, a escolha do repertrio bandeiriano pe em relevo a posio crtica do autor e salienta a importante valorao dos poetas modernistas, as-pecto significativo do Antonio Candido leitor de poesia.

    evidente que cada uma das partes e tpicos respectivos do livro mereceria co-mentrios abrangentes deste estudo, mas optou-se por, a modo de exemplrio, coligir alguns conceitos de Candido (1996, p. 11) no tocante poesia lrica, que, j na Intro-duo, tida como [...] categoria privilegiada de criao espiritual. Frisa o crtico:

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    toda essa digresso vale para lhes mostrar a eminncia do conceito de poe-sia, que tomada como a forma suprema de atividade criadora da palavra, devida a intuies profundas e dando acesso a um mundo de excepcional eficcia expressiva. Por isso a atividade potica revestida de um carter superior dentro da literatura, e a poesia como a pedra de toque para ava-liarmos a importncia e a capacidade criadora desta (CANDIDO, 1996, p. 12; grifo nosso).

    Poesia que no se restringe ao poema (em versos regulares ou livres) ou ao poe-ma em prosa, mas que pode abranger inclusive a prosa de fico e o teatro.

    em seguida, reportando-se s atividades de leitura potica, faz importantes dis-tines entre comentrio, anlise e interpretao, colocando a segunda (le-vantamento dos dados compositivos e/ou externos do texto) como intermediria:

    A anlise e a interpretao, ao contrrio do comentrio, (fase inicial da anlise) no dispensam a manifestao do gosto, a penetrao simptica no poema. Comenta-se qualquer poema; s se interpretam os poemas que nos dizem algo. A anlise est a meio caminho, podendo ser, como vimos, mais anlise-comentrio ou mais anlise-interpretao.

    Anlise e interpretao representam os dois momentos fundamentais do estudo do texto, isto , os que se poderiam chamar respectivamente o mo-mento da parte e o momento do todo, completando o crculo hermenuti-co, ou interpretativo, que consiste em entender o todo pela parte e a parte pelo todo, a sntese pela anlise e a anlise pela sntese (CANDIDO, 1996, p. 18; aspas e grifos do autor).

    Como exemplo privilegiado, Candido (1996, p. 20-3) avalia o soneto de Cames, Amor fogo que arde sem se ver, oferecendo primeiro um comentrio geral do texto e depois sua interpretao em dois nveis (aspecto expressivo formal e aspecto expres-sivo existencial).

    Conforme j salientado, a concepo de Candido valoriza sobremodo o ritmo e a construo imagtica do poema: todo poema basicamente uma estrutura sonora (p. 23); O verso uma unidade indissolvel de ritmo, sonoridade e significado [...] (p. 64); A base de toda imagem, metfora, alegoria ou smbolo a analogia, isto , a semelhana entre coisas diferentes (p. 65), embora ele estude com afinco os outros elementos constitutivos do poema (verso, metrificao, rima, estrofao, os diversos tipos de pausa e cesura). em suma, Candido (1996, p. 59) estabelece a observao fun-damental:

    A palavra [som e sentido; e tambm imagem], portanto, a unidade de tra-balho do poeta e a pea que compe o verso. Palavra como conceito, como

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    ligao, como matiz do conceito, como unidade sonora que desperta um prazer sensorial pela sua prpria articulao: durezas de guturais, explo-ses de labiais, suavidades de linguais. O ritmo cria a unidade sonora do verso; as palavras criam a sua unidade conceitual; a unidade sonora e a uni-dade conceitual formam a integridade do verso, que a unidade do poema.

    em seguida, aprofundando-se no estudo das figuras e das imagens, afirma:

    [...] a analogia est na base da linguagem potica, pela sua funo de vin-cular os opostos, as coisas diferentes, e refazer o mundo pela imagem. Por isso que vimos como a unidade rtmica do verso funo do significado.Agora, podemos completar adequadamente e dizer: no de um significado qualquer: mas de um significado traduzido em imagens adequadas (CAN-DIDO, 1996, p. 67).

    A seguir, oferece uma acepo de imagem [...] cmoda e ampla [...], pois ima-gem [...] o nome que damos a toda figurao de sentido que faz as palavras dizerem algo diferente de seu estrito valor semntico (CANDIDO, 1996, p. 77). este primei-ro conceito, geral, se desdobra em vrios nveis de construo/significao: smile ou comparao; metfora; alegoria; smbolo os quais so devidamente estudados (a me-tfora, entre todos) e exemplificados com poemas de Bandeira e Mrio de Andrade, sobretudo.

    O pequeno livro, tido por Candido (1996, p. 8) como desconjuntado, ofere-ce uma sistematizao adequada da teoria da poesia lrica abraada por ele ao lado, obviamente, de pressupostos estticos importantes. todavia, frise-se que essa teori-zao da lrica, bem como a elucidao dos postulados estticos que a embasam e que sustentam o pensamento do prprio Antonio Candido, constantemente retomada em seus ensaios crtico-analticos, conforme o prximo tpico procurar demonstrar. Assim, com a conscincia de linguagem e com o respeito s obras literrias que o nor-teiam, o crtico capaz de expor, de modo lapidar, as vrias camadas que compem o texto potico.

    DO PARtICULAR LOCAL AO UNIVeRsAL COsMOPOLItA: CONexes AtRAVs DA LRICA

    A militncia crtica de Antonio Candido comeou na dcada de 1940, como re-senhista da Folha da manh (de 7/1/1943 a 21/1/1945, quando foi responsvel pela coluna Notas de crtica literria) e do Dirio de So Paulo (onde retoma, de 20/9/1945 a 27/2/1947, o rodap semanal). Alm disso, foi um dos fundadores da revista Clima (1941-1944), em cuja seo Livros comentava no apenas poesia e romance, mas tam-bm estudos diversos, como os sociolgicos. sobre a experincia, comenta seu amigo

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    e companheiro de gerao Dcio de Almeida Prado (em O Clima de uma poca, texto publicado em 1999 no volume Antonio Candido: Pensamento e militncia, organiza-do por Flvio Aguiar):

    A salvao de Clima foi que ela contava em suas fileiras com um jovem da estatura de Antonio Candido, o mais bem preparado entre todos os donos de sees fixas, o nico que desde o incio j tinha relativo domnio de sua matria, embora ele, num de seus rompantes de autocrtica, tenha-me dito que naquela ocasio era um perfeito analfabeto. No foi o que me revelou a releitura que fiz da sua colaborao em nossa revista, em que compareceu com o prprio nome e tambm com mais de um pseudnimo, inventados seja para dar vazo fantasia, que no lhe faltava, seja para exprimir pon-tos de vista sobre os quais no tinha certeza, seja ainda pelo prazer de as-sumir individualidades ficcionais e at pelo simples gosto da mistificao, que nele existia como em Paulo emlio (PRADO, 1999, p. 34).

    Adiante, Almeida Prado assinala que dentre os poetas divulgados por Candido (1996, p. 35) na revista esto os modernistas brasileiros dos anos 20 a 40, bem como Fernando Pessoa, [...] cuja fama ele ajudou a disseminar nas pginas de Clima. en-tre os primeiros, Drummond e Manuel Bandeira, j consagrados, e Mrio de Andrade, [...] a quem dedicou uma crtica inteira, considerando-o poeta complexo, profundo, extremamente pessoal (CANDIDO, 1996, p. 36; aspas do autor). sobre os mtodos do jovem Candido (1996, p. 36), o articulista rememora algumas preocupaes que logo se tornariam centrais para o pensamento maduro do homenageado:

    O seu primeiro artigo na revista no continha declaraes de princpios, exceto quanto crtica, cuja base terica comeou a perquirir. J o intri-gava a relao entre a obra literria, de natureza individual, devendo ser lida por sua singularidade, e o quadro social em que se inscreve, relao esquiva, difcil de detectar, que seria amplamente discutida e elucidada na Formao da literatura brasileira.

    Almeida Prado salienta ainda o apreo de Candido pela cultura germnica, seu amplo repertrio de leitura e seu compromisso com a literatura brasileira (p. 35).

    Alm do depoimento do eminente crtico teatral, frise-se que Candido, ainda jo-vem estudante de Direito1, no artigo Nas arcadas2 lembra que colaborou em pelo me-nos duas revistas estudantis da Faculdade de Direito, Arcadas e Onze de agosto, [...] na qual publiquei, creio que em 1940, o meu primeiro artigo em so Paulo, sobre a poesia de Mrio de Andrade (CANDIDO, 1993b, p. 234-5). No mesmo livro, duas ou-tras referncias ao modernista, de quem Candido tornara-se amigo pessoal: em M-rio e o concurso3, tem-se conhecimento de que Candido, por ocasio do concurso que

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    prestaria na UsP em 1945, recorre a Mrio solicitando-lhe temas para a tese que pre-pararia, no que foi prontamente atendido pelo escritor em [...] meados de 1944 [...] (CANDIDO, 1993b, p. 241). No outro texto, Patrimnio interior (que se publicou primeiro na Revista do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, em 1987), Candido relembra sua convivncia com o poeta e revela ter sido a ele endereados os originais datilografados de Lira paulistana:

    No tempo de que estou falando, a seo paulista do sPhAN funcionava nu-mas salas da rua Marconi, onde Mrio de Andrade tinha a sua mesa e onde fui diversas vezes, inclusive na companhia de Vinicius de Moraes, que em so Paulo (creio eu) fazia l o seu pio. Certa manh, sentado na mesa de Mrio, Vinicius escreveu para mim, com letra ntida e firme, em papel tim-brado do Patrimnio, a Balada do Mangue.

    Dois ou trs dias depois da morte de Mrio, em fevereiro de 1945, cheguei l e encontrei Luis saia com os olhos verdes mais arregalados do que nun-ca no rosto moreno: tinha encontrado sobre a mesa do amigo um envelope grande endereado a mim com a letra dele. Abrimos num estado de emoo que se pode imaginar: eram poemas dactilografados do indito Lira pau-listana, inclusive a vasta Meditao do tiet [sic]. Ainda sob o impacto da morte inesperada, foi como se recebssemos uma mensagem de alm-tmulo (CANDIDO, 1993b, p. 246).

    Ainda que os excertos de Candido soem memorialsticos, preciso som-los in-formao de Dcio de Almeida Prado e a outros textos do primeiro4 para evidenciar-se que o poeta paulista foi dos mais estudados por Antonio Candido. Outro ensaio a ser pinado, neste sentido, Lembrana de Mrio de Andrade (de O observador literrio, 1959), em que Candido, de permeio com lembranas pessoais, enfatiza as qualidades do missivista e as do escritor, concebendo o modernista como [...] homem cheio de refolhos e mscaras [...] [e] escritor multiplicado (CANDIDO, 1992, p. 209). Adian-te, o crtico comenta a fase final da poesia de Mrio de Andrade:

    Caf representa as preocupaes da sua ltima fase, realizando o consrcio da forma artstica bela e expressiva com uma eloquente e profunda mensa-gem social. Na Lira paulistana se encontra a impressionante Meditao sobre o tiet, seno o maior, certamente o mais significativo dos poemas que comps, e que, datado de fevereiro de 1945, o ms da sua morte, tem um sentido quase misterioso de testamento (p. 213).

    Os textos sobre Mrio de Andrade5, ao lado dos estudos de Candido sobre Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes e outros poetas modernistas, compem um dos eixos substanciais de sua crtica literria voltada para a poesia lrica brasileira, sendo o outro aquele que gira em torno dos poetas do Arcadismo/Romantismo6 .

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    entre estes dois eixos principais, que denomino eixo rcade/romntico e eixo modernista, situa-se um terceiro, intermedirio espcie de ligao entre os dois extremos, a que voltarei em ensaio complementar a este , que compreende es-tudos de Candido dedicados a alguns poetas finisseculares ditos menores e incurses suas no jardim parnaso-simbolista. Os dois eixos principais no so estanques, mas se articulam vigorosamente (notadamente Romantismo e Modernismo, tidos em alta conta por Antonio Candido devido ao carter revolucionrio de ambos para nossa cul-tura e literatura), e devem ser pensados como balizas a partir das quais o crtico lana seu olhar para as manifestaes literrias dos primeiros sculos de nossa literatura (um Gregrio de Matos), para a entressafra acomodada do perodo 1880-1920 (os parnasianos e nossos primeiros leitores de Baudelaire), para as manifestaes em tor-no de 1945 (Joo Cabral de Melo Neto) e para aquelas mais contemporneas (a poesia de Orides Fontela, por exemplo, que mereceu o sincero apreo do analista). O olhar crtico no se acomoda, todavia, ao local particular, e se lana em busca da conexo de nossa com outras literaturas, talvez mais universais: assim, o panorama acima esbo-ado completa-se com os estudos de Candido dedicados a estas, estudos sempre vinca-dos pelo movimento dialtico que lhe caro e que se tenta aqui emular.

    em termos de anlise potica, os dois eixos esto coerentemente atados em Na sala de aula: Caderno de anlise literria (1985), cujos seis ensaios privilegiam dois poetas rcades (santa Rita Duro e toms Antnio Gonzaga) e um romntico (lva-res de Azevedo), no primeiro eixo; um parnasiano (Alberto de Oliveira), no que deno-minei eixo de ligao; e dois modernistas (Manuel Bandeira7 e Murilo Mendes) no segundo eixo. As anlises efetuadas por Candido, nesse livro, so primorosas e mere-ceriam um cuidadoso comentrio porque (repita-se) demonstram, gradativamente, tanto o respeito do crtico para com o texto potico, quanto seus mtodos de anli-se, atravs dos quais evidencia as vrias camadas que compem o poema. Mas, como exemplo, elegeu-se apenas Cavalgada ambgua, estudo de Meu sonho, de lvares de Azevedo, inserto na terceira parte da Lira dos vinte anos.

    O estudo de Candido, em sete movimentos, parte do carter dramtico do poema e o decompe em seus diversos estratos de construo e significao: grfico ou tico (o desenho do poema na pgina); rtmico (em trmetro anapstico, pois o poema formado por versos de nove slabas, rigorosamente acentuados na 3, 6 e 9, e di-vididos em segmentos onde se constatam duas breves e uma longa). O analista logo evidencia que [...] os valores de construo se confundem com os de significado [...] (CANDIDO, 1995, p. 43), pois [...] o ritmo, que alm de responsvel pela fisionomia geral do poema tambm o seu princpio organizador. (p. 43). Assim, os dois planos mais externos e evidentes de construo do poema se articulam em vigoroso (e rigoro-so) efeito esttico: [...] o ritmo figura no s o galope desvairado dO fantasma, no seu tropel martelado, mas o ofego de angstia do eu (p. 43).

    em seguida, a fim de alcanar as camadas mais profundas de significao do poe-ma, Candido recorre aos valores universais do Romantismo, temticos, estticos e de

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    potica (gosto pela noite, sonho, ciso da personalidade, melancolia, amor e morte; o tipo do poema e a ciso dos gneros e subgneros literrios), para evidenciar o modo muito pessoal por que o poeta subverte as convenes do perodo, contribuindo para a especificidade do Romantismo brasileiro:

    [...] a diferena, que revela a originalidade de lvares de Azevedo: enquan-to por definio a balada objetiva, narrando sequncias de atos e fatos em relao aos quais o emissor do discurso est de fora, Meu sonho uma narrativa toda interior, uma espcie de drama vivido pelo prprio emissor, onde o elemento dialgico corresponde ao desdobramento da alma.[...]Ao transpor o narrativo para o dialgico, e o fantasmagrico para o onrico, lvares de Azevedo pde interiorizar o gnero [balada], e graas a isso deu extraordinrio efeito dramtico descrio do tormento ntimo, fazendo uma verdadeira inveno relativamente aos modelos europeus (CANDI-DO, 1992, p. 48; grifo do autor).

    A [...] hipertrofia do elemento lrico [...] que percorre o poema continua a ser evidenciada pelo analista nos passos finais da leitura, quando faz novas consideraes sobre as variaes do par amor e morte, no Romantismo; sobre a [...] angstia sexual que percorre o texto; e sobre o sonho e o smbolo (CANDIDO, 1922, p. 48, 51). A chave deste, no poema, estaria nas representaes simblicas do rgo sexual masculino (a espada; o cavalo) e do feminino (o vale; a treva), assim consideradas por Candido (1992, p. 51, grido do autor):

    De fato, correlacionando estes elementos, sugestivo que uma espada en-sanguentada, violadora, animada pela fora vital do cavalo, penetre (como numa bainha, em latim vagina) no vale escuro de trevas impuras (viso depreciativa e pecaminosa da genitlia da mulher [...]).

    No entanto, reportando-se a [...] certos traos de auto-erotismo na obra de l-vares de Azevedo [...] , Candido (1992, p. 52) conclui que a suposta relao sexual pecaminosa seria, na verdade, uma [...] fantasia onrica de cunho masturbatrio [...], sendo que o desdobrar-se do eu-lrico em dois (eu e O fantasma), sua angstia, seu sentimento de culpa e senso de pecado pelo ato condenvel poca, estariam, em termos de construo potica, evidentes no andamento rtmico do poema:

    O ritmo devido ao anapesto seria, portanto, num plano terceiro e mais fun-do, o prprio ritmo do orgasmo tendo sido galope no primeiro plano, e ofego de angstia no segundo.sendo assim, os elementos macabros estariam compondo com estes, de maneira peculiar, o par romntico Amor e Morte.

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    A sugestiva leitura proposta por Candido, ainda que no se concorde com ela, muito bem fundamentada, e encontra paralelos em outros estudos seus sobre a obra de lvares de Azevedo: lvares de Azevedo, ou Ariel e Caliban (no segundo volume da Formao da literatura brasileira) ou A educao pela noite (de A educao pela noite & outros ensaios), onde sua sagacidade crtica entrelaa o drama Macrio e as narrati-vas de Noite na taverna, propondo mais um modo de subverso dos gneros literrios levados a efeito por nosso poeta romntico.

    se, como apontado, Na sala de aula contempla os dois eixos da anlise potica de Candido, preciso frisar que o primeiro eixo, rcade/romntico, d sustentao e coerncia s formulaes crtico-tericas da Formao, livro que, para alm de mera historiografia literria (pois ultrapassa a noo de compndio ou de catlogo diacr-nico de perodos, autores e obras), deve ser considerado estudo de crtica e de teoria literria, inclusive com amplo uso do ensaio8. Assim, o estudo de 1959 engloba tanto as formulaes crtico-tericas que fundamentam a concepo de Candido no tocante formao de nossa literatura, quanto os ensaios analticos e interpretativos voltados para as obras dos poetas rcades (primeiro volume) e romnticos (segundo volume) em particular (penso, principalmente, nos captulos dedicados a Cludio Manuel da Costa e a Gonalves Dias, respectivamente). estes ensaios de anlise e interpretao podem ser lidos e relidos independentemente, pois alm de elucidar as concepes crtico-tericas de Candido veiculadas na Formao, conectam-se a ensaios anteriores ou posteriores do autor sobre poetas do perodo formativo. Assim, para alguns dos vrios autores estudados no primeiro volume (Cludio Manuel da Costa, Alvarenga Peixoto, toms Antnio Gonzaga, Baslio da Gama, silva Alvarenga, Caldas Barbosa e santa Rita Duro), encontramos outros estudos onde a fina anlise do crtico volta a iluminar novas facetas do trabalho deste ou daquele poeta, conforme se pode cons-tatar nos trabalhos dedicados a toms Antnio Gonzaga9, a Baslio da Gama10 a sousa Caldas (Carta martima, de O discurso e a cidade) ou a santa Rita Duro (Movimento e parada, de Na sala de aula).

    em relao aos poetas romnticos estudados no segundo volume da Formao (Gonalves de Magalhes, Arajo Porto Alegre, Gonalves Dias, Junqueira Freire, Laurindo Rabelo, lvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela, Castro Alves e os chamados menores entre os quais o crtico inclui sousndrade), tambm encontramos textos anteriores ou posteriores de Antonio Candido enfocando novas facetas da obra deste ou daquele poeta da poca: j se salientou o caso especial de lvares de Azevedo; mencione-se tambm que o caso sousndrade, depois da reviso positiva de que foi objeto por parte de Augusto e haroldo de Campos e Luiz Costa Lima, reavaliado por Candido no opsculo O Romantismo no Brasil (2002b), onde, como de hbito, evidencia os aspectos positivos e negativos da poesia do maranhen-se. Neste livro, Candido refere-se tambm poesia bestialgica explorada pelos romnticos que estudaram na Faculdade de Direito do Largo de so Francisco, em so Paulo, sendo o tema mais profundamente explorado, no tocante a Bernardo Gui-

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    mares, no estudo A poesia pantagrulica (de O discurso e a cidade). A poesia de Castro Alves tambm merecer outras interpretaes do crtico, seja no belo Navio negreiro (de Recortes), seja em O albatroz e o chins (do livro homnimo de 2004).

    em suma, como impossvel comentar, nos limites deste estudo, os muitos en-saios de Candido dedicados poesia do perodo formativo, que se convencionou aqui chamar de eixo rcade/romntico, contentemo-nos com a simples indicao dos t-tulos. Antes de voltar ao segundo eixo, porm, me deterei sobre dois artigos de Candi-do de pocas diferentes, As rosas e o tempo e Literatura de dois gumes.

    Conforme j salientado, a poesia estrangeira tambm mereceu estudos, ainda que espordicos, de nosso analista, embora haja, em decorrncia de sua formao e das privilegiadas relaes da literatura e da cultura brasileira com a Frana, um apreo maior do crtico pela poesia francesa. Dentre esses estudos, cito As rosas e o tempo11: neste, o crtico explora o tema do convite amoroso nas literaturas inglesa (thomas Ca-rew, Lovelace, Andrew Marvell), francesa (Villon, Ronsard, Baudelaire) e brasileira (Baslio da Gama e toms Antnio Gonzaga), sempre enfatizando o carter anticris-to do tema e o jogo amoroso que lhe subjaz. O tema, de interesse para os estudos de literatura comparada (se pensarmos na escola alem) e de migraes temticas entre as literaturas clssicas e modernas, assim caracterizado pelo estudioso:

    O tema do convite amoroso, com o argumento de que o tempo foge, a carne se desfaz e a recusa terminar por encher de remorso a dama esquiva, en-contra as expresses mais claras nos momentos de impregnao da cultura clssica, isto , do sculo xV ao sculo xVIII (CANDIDO, 1992, p. 161).

    Assim , de fato, embora Candido (1992, p. 161) reconhea que o tema aparece antes e depois desses momentos, [...] mas sem a naturalidade no encantamento car-nal que os gregos e latinos manifestaram livremente e o cristianismo abafou.

    talvez seja de interesse erudito lembrar que Achcar (1964), em Lrica e lugar-comum, coloca o tema do convite amoroso como subgnero do horaciano carpe diem, e o associa, nas condies expostas por Candido, profecia ameaadora com que o amante eu-lrico vitupera a amada (ou o amado) que no quer ceder aos rogos de sua paixo. Como vingana, o tempo se encarregar de deteriorar a juventude do esquivo: A velhice vir e com ela o fim da beleza, e o amado se ver em situao semelhante que hoje aflige o amante (p. 128).

    Mais importante que a nota erudita frisar que a explorao do tema, na poesia brasileira da chamada era Colonial, evidencia o carter geral e universal dos pressu-postos clssicos que a animam, conforme ressalta o prprio Candido na quarta parte, O geral e o particular nas formas de expresso, do ensaio Literatura de dois gumes. segundo o crtico, [...] os padres clssicos (no sentido amplo, abrangendo todo o perodo colonial) foram eficazes por vrios motivos e sob as suas diversas formas [...] Candido (1989, p. 177): humanista (sculo xVI), barroca (sculo xVII) ou arcdico-

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    neoclssica (sculo xVIII), fases que se enquadram na era Clssica da literatura por-tuguesa para aqui transplantada e imposta com o aparato restante da colonizao. Dentre os vrios motivos positivos citados por Candido (1989, p. 177), esto: a disci-plina intelectual; a universalidade dos postulados greco-latinos, que formavam [...] uma espcie de idioma comum a toda a civilizao do Ocidente [...]; a conveno cal-cada em artes poticas e modelos de valor tambm universal:

    Assim, a possibilidade de ajustar a tradio ao meio trazia em si, ao lado da disciplina, uma considervel liberdade; e da combinao de ambas for-mou-se a expresso ao mesmo tempo geral e particular, universal e local, que a literatura do tempo da Colnia transmitiu como conquista sua (CAN-DIDO, 1989, p. 178).

    Como exemplos, Candido cita Gregrio de Matos e os rcades. O primeiro, [...] nos rigorosos limites convencionais do soneto [...], tematizou no apenas a poesia amorosa e a religiosa, [...] algo normal dentro da tradio [...]; (grifo do autor), mas tambm, sobretudo na stira, [...] os costumes da sociedade em formao, com os seus preconceitos, as suas querelas, a sonoridade de seus nomes indgenas (CAN-DIDO, 1989, p. 178). Referindo-se aos rcades, afirma Candido (1989, p. 178):

    O importante que atravs dessa conveno livresca [o pastoralismo e o bu-colismo] manifestaram implicitamente, de maneira original, o contraste entre a civilizao da europa, que os fascinava e na qual se haviam formado intelectualmente, e a rusticidade da terra onde viviam, que amavam e dese-javam exprimir. [...] a imposio e adaptao de padres culturais permiti-ram literatura contribuir para formar uma conscincia nacional.

    Voltando ao texto de 1956, enfatizou-se j que o crtico coloca, ao lado dos in-gleses e franceses, poemas de Baslio da Gama e toms Antnio Gonzaga que tratam do convite amoroso. Convencionais e universais, mas tambm locais e pessoais, no sentido exposto acima, o de Gonzaga [...] mais velado e carinhoso; aquele, direto e premente: ambos, admirveis (CANDIDO, 1992, p. 165). Para ilustrar a constncia do tema universal na poesia da Colnia, acrescento, de Gregrio de Matos, os tercetos do soneto A Maria dos Povos, sua futura esposa: [...] Goza, goza da flor da moci-dade, / Que o tempo trota a toda ligeireza / e imprime em toda flor sua pisada. // Oh no aguardes, que a madura idade, / te converta essa flor, essa beleza, / em terra, em cinza, em p, em sombra, em nada (MAtOs, 1993, p. 319)12.

    salientou-se, logo na abertura deste tpico, alguns estudos de Candido sobre a poesia modernista de Mrio de Andrade, Murilo Mendes, Carlos Drummond de An-drade, Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes. este eixo modernista de sua anlise crtica da mxima importncia, mas se encontra disperso pelos vrios livros publica-

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    dos pelo autor. Assim, convm rastrear, primeiramente, os estudos de Candido dedica-dos poesia de Carlos Drummond de Andrade, dos quais se destacam o fundamental Inquietudes na poesia de Drummond13, e dois breves ensaios de Recortes, Drummond prosador14 e Fazia frio em so Paulo15. Deste ltimo, destaque-se a observao de Can-dido a respeito da circulao manuscrita de poemas polticos de Drummond durante o estado Novo, alguns destes depois enfeixados em Sentimento do mundo (1940), [...] onde a poesia chamada participante ganhou no Brasil uma tonalidade diferente [...] (CANDIDO, 1993b, p. 20). tal tonalidade diferente assim avaliada pelo crtico:

    era como se o poeta tivesse afinal conciliado de maneira exemplar os leos inconciliveis da verdade e da beleza, encontrando o quid que poderia ge-rar a verdadeira poesia poltica, por meio da sua incorporao ao modo de ser e, sobretudo, de dizer (CANDIDO, 1993b, p. 21; grifos do autor).

    Ou seja, incorporada estrutura profunda da obra como questo de linguagem e de esttica, e no apenas como descartvel panfleto poltico partidrio.

    O outro ensaio de Recortes, Drummond prosador, volta-se para os contos e cr-nicas de Drummond. Reportando-se resenha que publicara dcadas antes, quando do surgimento de Confisses de Minas, Candido (1993b, p. 14) lembra que considerara [...] da melhor qualidade [...] a prosa dos poetas modernistas e a destacara sob um prisma varivel de procedimentos estilsticos: [...] desde a seca de Manuel Bandeira at a mida de Vinicius de Moraes, passando pelo alto maneirismo de Mrio de Andra-de e a limpidez contida de Drummond. em seguida, recorda a avaliao crtica que fizera de Confisses de Minas, primeiro livro de prosa do itabirano: [...] nele est a gama da sua virtuosidade fora do verso. h crtica literria, estudos de personalidade, comentrio lrico e anedtico sobre o quotidiano, mostrando que ele no um cronis-ta no sentido estrito [...] (CANDIDO, 1993b, p. 14).

    enfim, conjugando agora a poesia, os contos e as crnicas de Drummond (estas, mais abundantes que aqueles), Candido (1993b, p. 14) ajuza sua qualidade e alcance esttico propondo um interessante tringulo de relaes:

    Na sua obra a prosa de fico parece ter um papel indispensvel, na medida em que constitui o ponto intermdio na gama que vai da poesia crnica. [...] muito da sua obra constituda por um trnsito de mo dupla entre eles. [...] na poesia de Drummond h um gosto acentuado pelo elemento narrativo [...] Isso, para no falar nos limites fluidos da crnica propria-mente dita, onde poesia e fico se misturam a fim de produzir figuras va-riadas em torno da anedota, o caso singular, a cena de rua. Digamos que numa ponta ficam as estruturas especificamente poticas, com funo prpria; na outra, certas prosas de cunho reflexivo ou polmico, nutridas de ideia, protesto, denncia, [...] e, na base, o dom de uma prosa lrica e

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    firme, correta sem afetao, que foi ganhando transparncia mgica e ul-timamente sabe incorporar com naturalidade o que h de mais expressivo nos torneios coloquiais e no vocabulrio da nossa lngua em mudana r-pida. A partir da matriz possivelmente mineira, Drummond extraiu de um corte clssico do idioma os movimentos mais livres.

    Depois de rpidos comentrios a alguns contos e crnicas, Candido (1993b, p. 19) conclui:

    [...] a prosa serviria para repassar a mesma matria da poesia, mas num nvel de menor tenso. [...] A poesia mais tensa, porque depende de uma explorao consciente da multiplicidade de significados da palavra. Nela, cada palavra e no o que parece, e na escolha semntica predominante, efetuada pelo poeta, fervem os significados recalcados, de maneira a esta-belecer com frequncia a dificuldade, a obscuridade essencial, solicitando a mobilizao de todas as disponibilidades de compreenso do leitor. J na prosa, o peso da mensagem a transmitir atenua na maioria dos casos a for-a tensorial, cada palavra encontrando o leito por onde corre mais livre. em tese, claro.

    Poesia = tenso / Prosa = distenso: a equao com que Candido termina sua ava-liao de suma importncia para se compreender os vrios nveis de inquietude da poesia drummondiana, conforme exposto no ensaio de 1965.

    este comea contrapondo os primeiros livros de Drummond, Alguma poesia (1930) e Brejo das almas (1934), elaborados sob a [...] maneira anti-convencional preconizada pelo Modernismo (CANDIDO, 1977, p. 95), a Lio de coisas (1962): naquele e neste momento, O sentimento, os acontecimentos, o espetculo material e espiritual do mundo so tratados como se o poeta se limitasse a registr-los [...] (CANDIDO, 1977, p. 95, grifo do autor), embora no ltimo o crtico frise o [...] jogo de maior requinte com a palavra (CANDIDO, 1977, p. 95). Candido situa, entre os dois extremos, Sentimento do mundo e Jos, [...] ttulos que indicam a polaridade da sua obra madura: de um lado, a preocupao com os problemas sociais; de outro, com os problemas individuais, ambos referidos ao problema decisivo da expresso, que efetua a sua sntese (CANDIDO, 1977, p. 96). Com isso, observa o analista que a poe-sia de Drummond [...] parece desfazer-se como registro para tornar-se um processo, justificado na medida em que institui um objeto novo, elaborado custa da desfigura-o, ou mesmo destruio ritual do ser e do mundo, para refaz-los no plano esttico (CANDIDO, 1977, p. 95).

    A abertura do ensaio muito importante porque evidencia o modus operandi adotado por Candido e concentra as sementes do que ele desenvolver no decorrer de sua anlise, bem como ressalta o prprio carter reflexivo (e auto-reflexivo) da poesia

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    de Drummond, vincada por [...] um peso de inquietude que a faz oscilar entre o eu, o mundo e a arte, sempre descontente e contrafeita (CANDIDO, 1977, p. 96). Por isso, a importncia que o crtico confere a alguns temas drummondianos como a tor-o do eu e da alma; a memria, a famlia e o cotidiano; a infncia; a caducidade do mundo s avessas; o obstculo e o desencontro; o isolamento e a incomunicabilidade; o humor e a ironia; o [...] tema da auto-mutilao [...] (p. 101); os paradoxos que nutrem essa poesia, sempre s voltas com [...] a obsesso simultnea de passado e presente, individual e coletivo, igualitarismo e aristocracia (p. 112); a aluso [...] nusea, sujeira, ou o mergulho em estados angustiosos de sonho, sufocao e, no caso extremo, sepultamento, chegando ao sentimento de inumao em vida (p. 100). Candido (1977) enfatiza que tais inquietudes (subjetivas e inter-subjetivas, a marcar as relaes do poeta consigo mesmo, com o outro, a vida e o mundo), revelam A conscincia crispada [...] do eu-lrico, levando-o [...] a investigar a mquina re-torcida da alma; mas tambm a considerar a sua relao com o outro, no amor, na famlia e na sociedade. e as relaes lhe parecem dispor-se num mundo igualmente torto (p. 103).

    Para Candido, (1977), a [...] tentativa de redeno simultnea [...] (p. 108) do eu e do mundo (ou seja, a reforma de um pressuporia a transformao do outro), talvez [...] explique a eficcia da poesia social de Drummond, [...] [pois] O seu cantar se torna realmente geral porque , ao mesmo tempo, profundamente particular (p. 108). Continua o crtico, aproximando o poeta mineiro e t. s. eliot:

    Isto no aplaca a inquietude, mas favorece a noo de que o eu estrangula-do em parte consequncia, produto das circunstncias; se assim for, o eu torto do poeta igualmente uma espcie de subjetividade de todos, ou de muitos, no mundo torto.[...]e ns vemos que a destruio do mundo caduco no apenas convico po-ltica, mas um modo de manifestar o grande problema da terra gasta, que t. s. eliot props logo aps a Primeira Guerra Mundial e tem nutrido muito da arte contempornea [...] (CANDIDO, 1977, p. 108; grifos do autor).

    enfim, o crtico ressalta que no plano esttico que essas muitas inquietudes adquirem validade, ao estruturarem de modo inequvoco a obra do itabirano. embora esta, esteticamente, no esteja isenta das mesmas inquietudes que avassalam os as-suntos que lhe servem de ponto de partida, pois h em Drummond [...] a meditao constante e por vezes no menos angustiada sobre a poesia (p. 113). Complementa o crtico:

    Mas ao longo da obra de Drummond, no observamos a certeza esttica, nem mesmo a esperana disto, e sim a dvida, a procura, o debate. A sua

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    poesia em boa parte uma indagao sobre o problema da poesia, e natu-ral que esta indagao encontre uma espcie de divisor de guas em senti-mento do mundo, que tambm aqui marca os seus caminhos novos (CAN-DIDO, 1977, p. 113).

    Da mesma maneira que fez em relao aos temas, Candido agora percorre o pro-blema metapotico na obra de Drummond para ressaltar, no livro em apreo, que a luta do poeta com a palavra o aproxima da posio de Mallarm. tal luta atinge o auge em Procura da poesia (de A rosa do povo), considerado por Candido (1977, p. 117) [...] o momento de mais profunda conscincia esttica em sua obra, o momento da clarividncia em face de tudo que normalmente o angustia. Isto aponta inclusive para a conscincia de linguagem do poeta, embora tal conscincia de linguagem no lhe seja pacfica ou gratuita: Para ele, a experincia no autntica em si, mas na medida em que pode ser refeita no universo do verbo (p. 117).

    Deois de oferecer breves comentrios a poemas onde o assunto mais evidente, e de novamente aproximar os livros das dcadas de 30 e 60, o crtico conclui seu estudo com importantes consideraes sobre os aspectos formais e sobre a dico da poesia drummondiana, cujo verso apresenta [...] aspecto seco e anti-meldico (p. 122). Vale a pena transcrever as ltimas palavras de Candido (1977, p. 122):

    Mas preciso considerar tambm que a sua maestria menos a de um ver-sificador que a de um criador de imagens, expresses e sequncias, que se vinculam ao poder obscuro dos temas e geram diretamente a coerncia to-tal do poema, relegando quase sempre para segundo plano o verso como uma unidade autnoma. ele reduz de fato esta autonomia, submetendo-o a cortes que o bloqueiam, a ritmos que o destroncam, a distenses que o afogam em unidades mais amplas. Quando adota formas pr-fabricadas, em que o verso deve necessariamente sobressair, como o soneto, parece escorregar para certa frieza. Na verdade, com ele e Murilo Mendes o Mo-dernismo brasileiro atingiu a superao do verso, permitindo manipular a expresso num espao sem barreiras, onde o fluido mgico da poesia de-pende da figura total do poema, livremente construdo [...].

    Interessantssima aproximao, que enfatiza, a partir da obra de dois poetas se-minais para a moderna poesia brasileira (e to diferentes entre si!), a validade esttica do poema em sua totalidade imagtica e rtmica, e no mais em seus aspectos consti-tutivos tradicionais (o verso, o metro, a estrofe e a rima). Isto aponta, inclusive, para a quebra dos gneros literrios e para a esttica do poema em prosa, que ambos cul-tivaram em vrios momentos de sua trajetria potica. A aproximao, enfim, cara s medidas deste estudo porque esclarece aspectos importantes da crtica de Candido voltada ao que chamamos eixo modernista de seus interesses.

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    A breve articulao entre eliot e Drummond, no estudo que se acaba de comentar, j fora feita por Candido no ensaio La figlia che piange, publicado na Revista brasilei-ra de poesia (II, abril de 1948; recolhido depois na segunda parte dO observador li-terrio), em que o autor analisa algumas caractersticas da poesia do anglo-americano:

    No poema A terra estril [sic], de t. s. eliot, h uma personagem miste-riosa que prende a minha ateno e procuro esclarecer a cada leitura, por-que ela contribui, como poucas entre as demais, para fixar a minha verso pessoal: a donzela dos jacintos, da Parte I, O enterro dos Mortos (CAN-DIDO, 1992, p. 171, grifo do autor).

    Feito o prembulo, o crtico percorre a obra eliotiana em busca de outros mo-mentos em que a personagem aparece, enfatizando tanto a profunda ligao poesia e mito na obra de eliot, quanto a denncia que esta faz do mundo moderno esvaziado de sentido. Ouamos o crtico:

    sabemos que eliot procurou, entre outras coisas, simbolizar a crise moder-na de valores como perda de fervor nos atos praticados. Como no tem f nem convices profundas, o homem repete maquinalmente o que dantes praticava numa tenso elevada de emoo e sentimento. o mundo ca-duco, familiar aos leitores de Carlos Drummond de Andrade (CANDIDO, 1992, p. 171).

    segundo Candido (1992, p. 172), o poeta cria um jogo de imagens que contra-pem a esterilidade de nosso tempo [...] e o esplendor das grandes criaes do passa-do. estas imagens ressaltam o contraste entre esterilidade e fecundidade, impotncia e vigor, fervor e automatismo. so muitas; so quase todo o poema, mas o crtico atm-se personagem emblemtica que aparece nA terra desolada como a Donzela dos jacintos, no ltimo poema de Prufrock and other observations como La figlia che piange, e em Quarta-feira de cinzas confundida com a Virgem Maria, entrevista em ascenso. A persistncia da imagem demonstraria [...] o sentimento do amor puro, total e inatingido, contrastando com a secura exaustiva do erotismo contemporneo [...] vincado pelo [...] gozo superficial [...] (CANDIDO, 1992, p. 176). em outros termos, Candido (1992, p. 175) afirma que a imagem [...] exprime na poesia de eliot a presena do ideal amoroso, cuja perda, ou cuja no-obteno, indicam a mutilao afetiva e espiritual, que para ele o maior problema do mundo moderno.

    Contudo, a f, a plenitude e o amor perdidos tm a possibilidade de serem res-gatados pela [...] virtude vivificadora e fecundante [...] do mito, sempre reforado [...] pela coexistncia do jardim alegrico e dos smbolos originais de fertilidade e fora reprodutiva (cabelos, gua, sol, vento, flores) (CANDIDO, 1992, p. 177). As-sim, se ao mundo desolado do presente calha melhor a esterilidade do inverno, a poe-

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    sia de eliot indica que atravs do mito que a primavera (o amor, a poesia primeva), marcada pela fora e exuberncia das germinaes, pode ser recuperada. Conclui Can-dido (1992, p. 179-80):

    Para Otto Rank o mito equivale, nos povos, ao sonho nos indivduos. Ima-ginemos que t. s. eliot pretendeu, em A terra estril [sic], fundir o so-nho no mito, dando universalidade s imagens do seu esprito e, ao mesmo tempo, recolhendo nele a mitologia sempre viva, como se ela fosse a pr-pria substncia da imaginao criadora.

    O ensaio um dos poucos em que Candido ressalta a conexo mito e poesia. Contu-do, ele deixa claro, no decorrer da anlise (repita-se), o modo gradativo e respeitoso de aproximao do objeto esttico, dele escavando as vrias camadas significativas. Com isso, o artigo cumpre o papel de divulgao de um poeta fundamental para a poesia mo-derna. Inclusive, ao fazer oscilar o pndulo do geral universal para o local particular, Candido aproxima eliot e Drummond ao contrapor, respectivamente, o sentimento de esterilidade e o sentimento de caducidade do mundo que embasam a cosmoviso de cada um dos poetas. Assim, no preciso insistir na insero universal de Drummond, to importante quanto o outro no panorama internacional da poesia moderna.

    O ensaio em pauta publicou-se, pela primeira vez, na paulista Revista brasilei-ra de poesia, que ao lado da curitibana Joaquim e da carioca Orfeu, foi dos principais rgos divulgadores da poesia e da plataforma potica da chamada Gerao de 45, que tinha entre seus numes tutelares eliot, Valry, Rilke e Fernando Pessoa. Por isso, antes de comentar outros ensaios de Candido sobre poetas estrangeiros, convm ave-riguar seu relacionamento com os jovens paulistas seus contemporneos. embora co-laborador eventual da Revista brasileira de poesia; e embora seja dele o discurso de abertura do I Congresso Paulista de Poesia, Discurso num congresso de poetas (pro-nunciado em 29.04.1948), Candido parece ter mantido com o grupo uma relao des-confortvel, pois suas posies diferem da postura artificialmente revolucionria dos poetas da Gerao de 45. estes, como se sabe, alardearam a morte do Modernismo e recusaram drasticamente as conquistas formais e temticas da Primeira Gerao, sobretudo, por pedestres e apoticas. J a posio de Candido, tanto no discurso de abertura, quanto em artigos de crtica, tende a ressaltar a acomodao e a ordem que vincariam o trabalho dos novos poetas, em relao ao Modernismo. O Discurso... e v-rios desses artigos foram recolhidos e repostos em circulao por Vinicius Dantas em textos de interveno (2002), merecendo destaque, para o momento, aquele em que Candido critica Mundo submerso (1944), de Bueno de Rivera16: a coletnea parece-lhe [...] mais um exemplar dessa estabilizao do Modernismo a que vimos assistindo, e que j abordei de passagem ao comentar As imaginaes, do sr. Ldo Ivo (CANDIDO, 2002a, p. 144). Adiante, fazendo a defesa sutil dos primeiros modernistas, prossegue o crtico:

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    [...] quando [...] aparece toda uma gerao de jovens poetas nutridos ex-clusivamente da atmosfera potica brasileira, estou reconhecendo a pujan-a daqueles mestres que se libertaram custa de muita luta e a existncia de um clima potico brasileiro. A revoluo potica, operada nestes vin-te anos, deu os seus frutos, e a prova um livro como Mundo submerso (CANDIDO, 2002a, p. 146).

    Justificando o ttulo de seu ensaio, Ordem e progresso na poesia, Candido con-sidera que se estava chegando, com a poesia da Gerao de 45, [...] a um momento de ordem [...] se o encararmos em relao evoluo propriamente esttica de 20 para c [...] (CANDIDO, 2002a, p. 151, grifo nosso). A contrapartida progressista estaria na obra de Drummond, de [...] enriquecimento por assim dizer ideolgico da poesia moderna [...] (CANDIDO, 2002a, p. 151, grifo nosso). Prossegue o autor, concluindo seu pensamento:

    O perigo est em que os jovens, se ordenando, consolidem posies lite-rrias laboriosamente conquistadas, e nada mais. Chega um momento em que a forma perde o seu contedo e morre de esplendor intil. seria por isso de desejar que se manifestasse com mais fora na poesia atual uma li-nha de progresso, porque somente assim possvel superar a herana mo-dernista e lanar as bases de uma poesia renovada. entre os moos, creio que no h muito jeito, porque h talento demais... (CANDIDO, 2002a, p. 151, grifo do autor).

    O talento demais, ordenado e grupal da Gerao de 45 novamente trazido baila no Discurso num congresso de poetas, onde Candido, (2002a, p. 161) frisan-do [...] a vocao do espiritualismo potico para o mistrio, [...] o virtuosismo e a conscincia formal [...] dos novos (virtudes hauridas, conforme o crtico, dos moder-nistas, e j um tanto exauridas pelos adeptos de 45), acusa o seu [...] especiosismo potico [...] (p. 161); a sua preferncia por certas palavras e temas; o seu repertrio limitado; o seu abuso da livre associao imagtica; a sua tendncia exacerbada para o transcendente e, por isso, a sua recusa ao mundo e aos apelos imediatos deste. em decorrncia, a poesia dos novos apresentaria certa [...] inflao de infinito [...] (p. 164) e certa [...] grandiloquncia desagradvel [...] (p. 164). tais perigos, segundo Candido, provm mesmo das qualidades desses poetas e de sua [...] extremada cons-cincia crtica [...] (p. 167), mas fica o apelo para que desatem a [...] corda que vai do prprio umbigo ao infinito [...] (p. 166) e se voltem para o humano, para o mundo e para as coisas da terra, a partir dos quais atingiriam a transcendncia (pois uma vio-leta ou um sabi, por exemplo, conquanto possam ser elevados categoria de smbolo potico de [...] consubstanciao das essncias [...] p. 163 , devem ser vistos, pri-meiramente, como os simples e ordinrios elementos terrenos que so).

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    Faltam, em minha opinio, estudos de flego (devido talvez ao preconceito que cerca o suposto neoparnasianismo da Gerao de 45) sobre os vrios poetas que se liga-ram ao grupo: quais seus representantes fundamentais? Qual o real valor de suas obras? Como procederam articulao entre os poetas estrangeiros que cultuavam e ajudaram a divulgar no Brasil e nossa prpria tradio moderna? em que medida seu esteticismo pertinente, no mbito da poesia brasileira dos anos 40/50? Os artigos de Candido teriam infludo na obra posterior deles, j que muitos eram bastante jovens em 1948? so per-guntas que no cabem aqui, por certo, mas os pronunciamentos de Candido, ao frisar a continuidade, a ordem e a acomodao da poesia da Gerao de 45 em relao ao Modernismo imediatamente anterior, desmascaram seu desejo programtico de se di-ferenciar deste, seja pela negao, seja pela perseguio em campanhas difamatrias.

    Mais condizente com o postulado por Antonio Candido a srie de artigos Cr-tica literria A gerao de 45, de Joo Cabral de Melo Neto (publicados em 1952, no Dirio carioca), para quem O fato de constiturem uma gerao de extenso de con-quistas, muito mais do que uma gerao de inveno de caminhos, o que melhor me parece definir os poetas de 1945 (MeLO NetO, 1998, p. 74). Conquanto, nos quatro artigos, o poeta pernambucano saliente que os novos, em dilogo tenso com as vozes consagradas de 22 e 30, foram responsveis pela incorporao de [...] novos repert-rios [...] (p. 78), de novas formas poticas e de uma concepo mais arrojada de pes-quisa e de conscincia crtico-construtiva do texto potico17. este arsenal novo parece ter chamado a ateno de Candido j no artigo Notas de crtica literria Poesia ao Norte (publicado em 13 de junho de 1943, na Folha da manh), em que avalia muito positivamente Pedra do sono, livro de estreia (1942) de Joo Cabral de Melo Neto: este [...] j se apresenta de posse dos seus meios de expresso [...] (CANDIDO, 2002a, p. 135), que Candido considera uma [...] soluo bastante pessoal (p. 139) ancorada na fuso de aspectos construtivos cubistas e livre associao surrealista das imagens. O resenhista ressalta mais de uma vez a [...] ordenao vigorosa que o poeta imprime ao material [onrico] que lhe fornece a sensibilidade. (p. 136), bem como enfatiza seu apreo pelas imagens, pela [...] beleza meio geomtrica [...] (p. 140) e pela [...] valorizao por assim dizer plstica das palavras (p. 136). entre os senes, condena o hermetismo (porque se aproxima da poesia pura e tolhe a comunicao com o leitor) e a despoetizao de alguns poemas do primeiro livro cabralino (porque, no mundo fechado do texto, ela pode aproxim-lo perigosamente da natureza-morta pictrica). Contudo, sada a estreia promissora do pernambucano, sua voz personalssima e a be-leza que lhe vinca as composies, augurando [...] que lhe ser preciso o trabalho de olhar um pouco roda de si, para elevar a pureza da sua emoo a valor corrente entre os homens e, deste modo, justificar a sua qualidade de artista (p. 141). No preciso lembrar aqui o desenrolar posterior da obra cabralina para se constatar o acerto pre-monitrio da crtica inaugural de Candido a essa poesia que se tornou cada vez mais la-pidar, de equilibrada e sensvel articulao estrutural de questes internas (estticas, poticas, metapoticas) e externas (sociais, polticas, histricas).

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    em artigo posterior na mesma Revista brasileira de poesia, Notas sobre ezra Pound (1948; tambm recolhido na segunda parte dO observador literrio), An-tonio Candido voltar poesia de eliot, desta vez comparando seus processos de cons-truo com os de ezra Pound e enfatizando as relaes deste com o fascismo, dentro do contexto geral poesia e fascismo. O breve artigo talvez antecipe a divulgao da po-esia e do pensamento de Pound entre ns, poeta que teve importncia fulcral para os concretistas e para Mrio Faustino. entretanto, diferir radicalmente o modo como Pound ser lido por estes, que alm de terem-lhe traduzido a obra, muito se valeram dos postulados estticos, do conceito de crtica e de traduo do norte-americano. Com isso, os pressupostos poundianos, a par com outros, ajudaram a compor uma espcie de segunda onda antropofgica de vanguarda, abertamente explorada pelos concretistas. Constata-se, assim, que a leitura que estes (e Mrio Faustino) fizeram de Pound ajudou a compor e a personalizar o que talo Moriconi (em artigos que comen-tarei em breve) chama de pedagogia do poema concretista, que difere radicalmente da pedagogia do poema de Antonio Candido, calcada, como se sabe, na valorao/valorizao do alto Modernismo.

    A leitura aprofundada de Candido, no tocante a eliot, tambm patente nos estudos que dedicou poesia francesa. Comecemos por destacar As transfuses de Rimbaud18, texto onde nosso crtico expe o seguinte juzo:

    No meu tempo de moo, quatro poetas franceses formavam uma espcie de constelao privilegiada, que servia de referncia para conceber a poe-sia: Baudelaire, Mallarm, Verlaine e Rimbaud. [...] Baudelaire era caso parte, planando numa altura matriz. O gosto pelos trs mais recentes variava, sendo Verlaine lido com mais frequncia [...] O Mallarm apre-ciado era o menos hermtico. [...] Quanto a Rimbaud, menos conhecido e menos apreciado que os outros dois [...] A certa altura os rapazes catli-cos o valorizaram como poeta das transcendncias misteriosas, a golpes de exegese bastante deformadora. [...] hoje em dia no sei como andam as coisas. Creio que no Brasil Mallarm bastante cotado, inclusive graas mediao dos seus admiradores de vanguarda, enquanto Rimbaud e so-bre tudo Verlaine saram de cena. Pelo jeito, a famosa trade simbolista, que tanto condicionou a poesia contempornea, na Frana e fora dela, se absorveu no astro solitrio de Mallarm (CANDIDO, 1993b, p. 118; grifo do autor).

    Candido no deixa de ter razo, ao menos no que se refere ampla valorizao de Mallarm (ou parte de sua obra) pela poesia de vanguarda concretista. Quanto a Bau-delaire, continua a ser o marco da poesia moderna. J Verlaine, o Pobre Verlaine19, de fato saiu de cena, conforme constata o austraco mais de quarenta anos antes de Candido: hoje em dia, os poetas e os crticos discutem Rilke e eliot; Valry e Blok; e

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    um Baudelaire nunca saiu nem sair dessas discusses fecundas. Mas quem se lembra de Verlaine? Nunca o vejo citado [...]20 (CARPeAUx, 1992, p. 82).

    No que tange a Rimbaud, lembra Candido sua valorizao pelas vanguardas do comeo do sculo xx, notadamente o surrealismo, que o tinha como precursor, e o modo como Mrio de Andrade o consagra vagabundo genial na parbola com que abre A escrava que no Isaura. em seguida, o crtico tece algumas consideraes sobre o poeta das Iluminaes, enfatizando o [...] tipo novo de poesia [...] (CANDIDO, 1993b, p. 119) engendrado pelo francs, cuja obra exacerba a tenso [...] entre mos-trar e esconder o mundo visvel (p. 119). Isto se d, segundo enfatiza Candido (1993b, p. 119-20), pela aguda conscincia de linguagem que move o poeta:

    Rimbaud soube sugerir de maneira muito pessoal que a poesia capaz de elaborar um tipo prprio de comunicao, no regido pela necessidade de transmitir mensagens explcitas. Para a sensibilidade ps-simbolista, quando um poema apresenta o comunicado em estado de pureza, isto , quando o confunde com a mensagem explcita, parece que o efeito potico diminui. Neste caso, o poema pode alcanar um teor expositivo ou demons-trativo que tem o seu encanto, mas perde o toque impondervel dos textos que parecem liberar sentido prprio, feito no apenas de informao, mas de um halo nascido de ritmos, sonoridades, palavras usadas fora do nexo habitual. esse significado por assim dizer autnomo aparece em Rimbaud como fluidez encantada, que embala a percepo e sustenta o discurso aci-ma da necessidade de captar logicamente o sentido.

    Observe-se mais uma vez que o ritmo e a imagem so os sustentculos da poesia moderna, fato encarecido pelo analista. ele considera ainda que a autonomia desse tipo de poesia a leva a criar um [...] universo factcio (cuja lei a ordenao arbitrria de componentes convencionais [...] (p. 121). tal universo factcio ainda guarda relaes com o mundo natural e sciocultural, mas o transcende:

    A eficincia de tais poemas devida ao fato de conservarem a referncia ao mundo (que sempre um m para a nossa percepo), mas promovendo a inveno de outro mundo, que de certo modo o suplanta e satisfaz o nosso desejo de ir alm do real (CANDIDO, 1993b, p. 121).

    Da o sentido das transfuses do ttulo, cujo processo demonstrado por Can-dido a partir da anlise de alguns poemas (em verso e em prosa) de Rimbaud.

    O postulado esttico evidenciado nos excertos muito importante no pensa-mento recente de Candido e pode ser pinado em pelo menos dois outros ensaios seus, O mundo desfeito e refeito (tambm de Recortes) e O albatroz e o chins21. Neste, o analista enfatiza primeiro o sentido da metfora (alegrica) do albatroz, no famoso

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    poema de Baudelaire, e seu significado diferente na abertura da composio de Castro Alves, O navio negreiro. em seguida, valendo-se do conceito de [...] poesia ascen-sional [...] (CANDIDO, 2004, p. 14; grifos do autor) sentido mais evidente no texto do brasileiro , percorre poemas de Goethe e Gurin para demonstrar a subida ao alto (tpica da poesia romntica) como tentativa lrica de abarcar o mundo e, atravs da [...] evocao do espao aberto, da amplido [...] [buscar] a comunho com a nature-za fsica como degrau para chegar natureza essencial [...] (p. 16). Depois da anlise detida dos fragmentos dos dois estrangeiros, conclui o crtico:

    Fausto levitando, o pastor de Gurin dominando o mundo com o olhar a partir da altura de sua penha exprimem uma poesia do vasto espao aber-to, buscando com a natureza fsica uma comunho que a tornar fora sim-blica. Uma das possibilidades da criao potica essa relao, cujo limite a representao mimtica, pois o poeta, fascinado pelo mundo visto da altura, parece querer fix-lo tal e qual pela palavra (p. 20).

    Mas o prprio Romantismo (e mais ainda o simbolismo, em poemas de Bau-delaire, Mallarm ou do obscuro Antnio Feij, conforme a leitura de Candido) que j oferece outro modo de relao do poeta com a natureza e com o mundo, transfiguran-do-os no espao-tempo especfico do poema:

    Outro tipo de poema o que, tendo por limite o ambiente fechado, estabe-lece com a natureza uma relao diferente, pretendendo, no represent-la, mas recri-la. em vez de procurar fundir-se na paisagem por meio do olhar elevado, o poeta recluso procura inventar espaos artificiais, que ex-primem o poder da arte como produto da sua vontade (p. 20).

    Aps a insero analtica de mais alguns poemas de Baudelaire, Candido ressalta o objetivo maior (moderno) desse segundo tipo de poesia: a [...] criao de um mun-do factcio, que manifesta a soberania da mente (p. 23). tal aventura, [...] levada s ltimas consequncias, ser uma das marcas da poesia no sculo xx: confiar total-mente na fora criadora da palavra, instituidora de mundos arte-feitos (p. 23). Na pgina seguinte, nosso crtico explicita, em termos de potica moderna, os problemas com que doravante lutam os poetas:

    Recolhido no seu espao fechado, o poeta que pe o mundo entre parn-teses provisrios a fim de recri-lo como objeto de arte precisa enfrentar alguns problemas difceis. O da sua relao (dele poeta) com o mundo, por exemplo, e o dos instrumentos que usar, tudo condicionado pelo maior problema: a luta contra a esterilidade, a busca da realizao. Dessa esterili-dade, a pgina vazia uma espcie de smbolo que tortura (p. 24).

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    As questes discutidas em O albatroz e o chins e As transfuses de Rimbaud, como j se aludiu, esto presentes em O mundo desfeito e refeito22, onde Candido ana-lisa A idade do serrote (1968), biografia potica de Murilo Mendes. Antes, porm, de palmilhar alguns passos da anlise, vejamos como o crtico referenda seus processos:

    Como estudar o texto literrio levando em conta o seu vnculo com as moti-vaes exteriores, provindas da personalidade ou da sociedade, sem cair no paralelismo, que leva a trat-lo como documento? A nica maneira talvez seja entrar pela prpria constituio do discurso, desmontando-o como se a escrita gerasse um universo prprio. e a verificao bsica a este respeito que o autor pode manipular a palavra em dois sentidos principais: refor-ando ou atenuando a sua semelhana com o mundo real.A semelhana reforada quando ele escreve, por exemplo: as nuvens pai-ravam no alto cu; e atenuada quando escreve: bandos de carneiros cor-riam no campo azul (CANDIDO, 1993b, p. 30; grifo do autor).

    A partir da contraposio, evidencia-se (notadamente no segundo caso) a cons-tituio autnoma da linguagem potica, calcada na [...] tenso cheia de ambiguida-de, [...] muito alm do nvel informativo (p. 30).

    Por isso, as transfuses e o mundo desfeito e refeito: ou seja, valoriza-se o universo factcio criado pela linguagem potica, onde, na estrutura profunda do objeto esttico assim constitudo, pulsa o mundo que lhe serve de base e ponto de par-tida, mas transfigurado ao ser [...] refeito pela palavra [...] (p. 32). Alm do carter anti-mimtico da arte assim constituda, Candido, na esteira de Jakobson (por ele cita-do), referenda a funo potica da linguagem ao evidenciar a [...] auto-referncia [e] a realidade interna do discurso [...] (p. 33) potico, que se prope [...] como finali-dade de si mesmo, ao chamar a ateno sobre si por meio dos recursos de sonoridade e simbolizao (p. 33). Reportando-se diretamente a Jakobson e coadunando as ideias deste com o que prope no ensaio em apreo, Candido afirma:

    [...] o discurso potico aquele que chama a ateno sobre si mesmo. No limite (acrescentemos) ele tanto chama a ateno sobre si que faz esquecer o mundo, tornando-se outro mundo. Ora, para isso so fundamentais no apenas os efeitos de alterao sinttica, mas tambm os de ritmo e sonori-dade, que formam a base para as alteraes no terreno da analogia ou do nexo, por sua vez atuantes no significado (p. 32).

    Candido exemplifica esse discurso potico que refaz o mundo a seu modo, pri-vilegiando os nexos analgicos do ritmo e da imagem, com fragmentos da poesia ro-mntica (Victor hugo) e modernista (Mrio de Andrade), mas detm-se, conforme j frisado, na biografia potica de Murilo Mendes, ressaltando a maneira por que o poeta

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    (atravs da metfora, da anfora, da paronomsia, das associaes e das enumeraes) refaz o mundo da infncia22. Veja-se que o livro em prosa, no em verso, o que nos au-toriza a pensar, com Candido, que a poeticidade discursiva ultrapassa o prprio verso:

    As tmporas de Antonieta. As tmporas da begnia.As tmporas da rom, as tmporas da ma, as tmporas da hortel.As pitangas tempors. O tempo temporo. O tempo-ser. As tmporas do tempo. O tempo da ona. As tmporas da ona. O tampo do tempo.O temporal do tempo. Os tambores do tempo. As mulheres tempors.O tempo atual, superado por um tempo de outra dimenso, e que no aquele tempo. temporizemos (MeNDes, 1995, p. 897).

    este o fragmento analisado por Candido, colhido na primeira parte de A idade do serrote, Origem, memria, contato, iniciao; eis sua concluso:

    [...] o poeta efetuou uma substituio do mundo real por meio da fora criadora da palavra. Poderamos dizer que o mundo real est presente com a sua fora de gentes, frutas, folhagens, emoes, mas foi refeito no mo-vimento da recordao, que transfigura. [...] o fato que Murilo Mendes abre muitos significados possveis, alguns virtuais, mostrando a capacida-de que a palavra tem de refazer um mundo desfeito pelo impacto da imagi-nao (CANDIDO, 1993b, p. 34).

    Os trs ensaios aqui comentados (As transfuses de Rimbaud, de 1991; O mundo desfeito e refeito, de 1992; O albatroz e o chins, de 2001), articulados com o estudo de Candido e Gilda de Melo e sousa (1965) sobre a poesia de Manuel Bandeira, ofere-cem uma profcua viso da poesia moderna que parece corroborar e ao mesmo tempo ultrapassar o exposto por hugo Friedrich em Estrutura da lrica moderna (1956). Ou seja, Candido, ao lado da conscincia de linguagem e da autonomia esttica da poesia (desde sempre encarecidas pelos poetas modernos), parece tambm enfatizar a disso-nncia, a anormalidade, a transcendncia vazia, a fantasia ditatorial, a desumaniza-o, a obscuridade, o hermetismo e a irrealidade sensvel da poesia moderna, que se quer valorizada por categorias negativas. No entanto, o lastro da poesia moderna com a historicidade e a contingncia social talvez amenizado por Friedrich, mas valoriza-do sobremodo por Candido, o que marcaria a diferena entre os dois crticos. evidente que a aproximao aqui feita, hipottica, merece aprofundamento, mas o problema transborda as intenes deste estudo.

    Por outro lado, a visada positiva da poesia moderna (entendendo-se aqui, por poesia moderna, aquela que estabelece as necessrias articulaes entre simbolismo e Modernismo, no Brasil ou alhures), ora expressa por Antonio Candido nos artigos de 1991, 1992 e 2001, relativamente nova em suas postulaes crtico-tericas e di-

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    fere bastante do modo negativo por que ele a concebia nos anos de 1940/50, quando restringia o alcance do simbolismo inaugurao da poesia menor e da poesia pura ou hermtica. em consequncia, a valorizao exacerbada dos aspectos construtivos da poesia, o apreo extremo pela palavra potica e a tendncia do poeta para o mergu-lho em seu eu profundo (experincias acirradas com as vanguardas do incio do sculo xx), teriam levado a lrica moderna (em parte, pelo menos) a um desfibramento e/ou a um divrcio indito entre o poeta e o leitor, ou entre a poesia e a realidade, ne-gando-se lrica qualquer funo na vida em sociedade e alheando-a dos problemas sociais, humanos e polticos (so estes os senes que ele aplica na crtica ao primeiro livro de Joo Cabral de Melo Neto). A meu ver, a nova postura de Antonio Candido um avano, pois principalmente nos trs ensaios mais recentes, lidos em conexo, que possvel constatar que ele agora apresenta (sem o receio de qualquer fantasma esteticista), de maneira explcita e coerente, corrigida e ampliada, uma compreenso mais efetiva da herana simbolista e das transformaes profundas e radicais por que passou a lrica moderna. sinceramente, creio que tal postura fornece novos subsdios para a re-avaliao do prprio simbolismo brasileiro e da obra de seu mais importante poeta, Cruz e sousa, temas a que voltarei quando tratar do Antonio Candido leitor de poesia finissecular, brasileira e francesa.

    Um terceiro e ltimo aspecto da questo, envolvendo os quatro ensaios (de 1965, 1991, 1992 e 2001), O estudo analtico do poema e todos os outros estudos de Candido trazidos baila por esta discusso: so estes, somados e articulados em seus aspectos estticos, tericos, crticos e analticos, que podem conformar, de maneira evidente e objetiva, uma pedagogia do poema de Antonio Candido, e no apenas o livro-base dos cursos dos anos 60, como quer talo Moriconi em seus dois artigos, Conflito e integrao. A pedagogia e a pedagogia do poema em Antonio Candido notas de tra-balho23, e horizontes formativos, lugares de fala: Antonio Candido e a pedagogia do poema24. Ambos os artigos tm por fulcro o livro publicado em 1987, O estudo anal-tico do poema, de onde Moriconi extrai o que considera a pedagogia do poema (MO-RICONI, 2001, p. 249) essencialmente tradicionalista (p. 273) de Antonio Candi-do. esta, segundo o crtico, corresponde ao Modernismo cannico e [...] consolida-se na exata medida em que se consolida o sistema universitrio brasileiro e, dentro deste, [...] a predominncia da UsP como fonte de um pensamento humanstico, dis-ciplinar, nacionalmente presente (p. 251). hegemnico, tal pensamento cristaliza e consagra, nos estudos literrios universitrios, a hegemonia do prprio Modernismo paulista, cuja pedagogia, ento, postulada pela obra e pelo trabalho de Antonio Candido na Universidade cuja sequncia, na perspectiva de Moriconi, garantida pelos discpulos e pelos discpulos dos discpulos do mestre primeiro.

    Moriconi contrape a pedagogia do poema de Candido pedagogia concre-tista e fundamenta seu estudo atravs da conexo de trs fatores que julga primor-diais: a) o conceito que Candido tem de potico (haurido do livro citado, de 1987), que se fundamentaria apenas em questes tradicionais concernentes ao verso e ver-

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    sificao e ignoraria problemas importantes como a prpria Crise de vers de Mallar-m e a radical experincia concretista; b) a noo que Candido tem de modernidade potica, restrita praticamente ao verso livre e por isso restritiva se considerados os problemas expostos no item anterior; c) o conflito entre Candido/discpulos, de um lado, e os concretistas, de outro, em relao ao real lugar do esplio dos dois valores cannicos do Modernismo paulista, Mrio de Andrade e Oswald de Andrade. embo-ra discorra bastante sobre o terceiro ponto, Moriconi reconhece que so a) e b) [...] os dois tpicos que devem ser respondidos por qualquer pedagogia do poema, enquanto parmetro de interpretao e avaliao de um repertrio recortado da tra-dio e guia para a crtica prtica presente e para a criao/recepo futura (p. 268).

    Para responder ao proposto e a fim de clarear seu pensamento, Moriconi repor-ta-se a uns poucos textos analticos de Candido: os dois captulos da Formao dedi-cados, respectivamente, a Cludio Manuel da Costa e a Gonalves Dias; a anlise que Candido faz de Louvao da tarde, de Mrio de Andrade; e a anlise que Candido e Gilda fazem da Cano das duas ndias, de Bandeira. As trs primeiras interpreta-es de Candido referendam, segundo Moriconi, os aspectos de equilbrio, modera-o e conformao temtico-formal legados pela tradio: nos sonetos de Cludio, a combinao da matria nova, neoclssica, com o legado quinhentista e mesmo cul-tista; em Gonalves Dias, o tempero ditado pelo rigor neoclssico desabrida inspi-rao romntica; em Mrio de Andrade, passada a euforia modernista, a recuperao do decasslabo branco no poema em apreo, cujo tema moderno (um passeio de auto-mvel pelos cafezais paulistas, ao cair da tarde), de esteio meditativo, o liga a esse tipo de poesia instaurado pelo Romantismo. Ainda em relao ao poema de Mrio, este anteciparia o movimento dos [...] pais modernistas [...] na direo de uma poesia mais tradicionalista, principalmente atravs da recuperao do decasslabo, de um tom meditativo e do soneto (MORICONI, 2001, p. 277) conforme exemplos pos-teriores de Murilo Mendes, Jorge de Lima, Drummond, Bandeira e do prprio Mrio de Andrade. Ou seja, o Modernismo cannico ou [...] alto modernismo [...] (p. 277) , a que corresponderia a pedagogia do poema de Antonio Candido, cuja n-dole reformista (p. 274) toleraria [...] o verso livre enquanto reforma no plano do verso tradicional, enquanto expanso de possibilidades do verso tradicional (p. 274), e no como radicalizao da construo e da cosmo/viso potica, como as encetadas por Mallarm ou pelos concretistas. Assim, para Candido, na perspectiva de Morico-ni, O moderno desafogo que precisa ser domesticado pela tradio. [...] trata-se de adaptar a matria moderna forma da tradio. Candido no est com Mallarm, pois este advoga uma forma moderna (p. 277, grifo do autor) e nem com os concretistas, obviamente.

    enfim, a quarta anlise enfatizada acima, referente a Cano das duas ndias, de Bandeira (escrito em versos redondilhos maiores, datado de 1931 e divulgado em Estrela da manh, de 1936) serve a que Moriconi complemente seu juzo sobre a res-tritiva modernidade potica abraada por Candido (uma vez que este recusa o herme-

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    tismo deliberadamente buscado por parcela significativa da poesia simbolista e ps-simbolista):

    O estudo a quatro mos sobre o poema [...] mostra o esforo que Candido faz de esclarecer hermeneuticamente outro aspecto para ele perturbador do modernismo, a saber: o carter cifrado, de alegoria aparentemente va-zia, gratuita ou abstrata que o poema moderno apropria do hermetismo mallarmaico ou de sugestes de cunho surrealista, ou ainda, da combina-o ecltica entre essas duas informaes (p. 274-5).

    tal aspecto para ele perturbador assim, de fato (conforme salientei na crtica de Candido publicada nos anos 40), mas considero que possa ser repensado e ampliado (por Moriconi, inclusive) levando-se em conta todos os artigos de Candido aqui ressal-tados, pois (insisto) a pedagogia do poema do mestre uspiano ultrapassa o livro de 1987 e vai adquirindo novos matizes reveladores entre 1943 e 2001, devendo por isso ser procurada na totalidade de sua produo crtica, terica e analtica voltada para a poesia lrica, seja em relao a seus problemas gerais, seja no que concerne aos pro-blemas especficos da poesia brasileira. No que tange a esta, a pedagogia do poema de Antonio Candido, atravs da articulao de seus dois eixos principais, rcade/ro-mntico e modernista (matizados pelo eixo intermedirio, mais voltado para o final do sculo xIx), tem propiciado a vrias geraes uma compreenso efetiva da formao e da consolidao da lrica brasileira, alm de slido instrumental de anlise e interpretao. uma pedagogia poderosa, sem dvida, mas alvo de salutares ques-tionamentos atuais (por Moriconi e outros) que pem em xeque as certezas absolutas (e mesmo utpicas) do pensamento e da produo artstica moderna e modernista, no Brasil, e que se perguntam o que tal pedagogia, dita hegemnica, ainda pode ofere-cer para a compreenso da vasta produo potica brasileira contempornea, por exce-lncia des-centrada e desconfiada de qualquer valor dogmtico ou cannico.

    seja como for (e guisa de tarda concluso), preciso referendar que os ensaios em que se ancorou este estudo evidenciam a vocao (moderna) universalista da crti-ca de poesia de Antonio Candido, sempre preocupada com a harmonizao estrutural de aspectos internos e externos em dado poema; sempre problematizando as conexes da poesia brasileira com a de outras literaturas; sempre procurando fazer, para uma literatura empenhada, uma crtica empenhada e tensiva por excelncia; e sempre respaldado no movimento dialtico interno e externo da poesia brasileira, tanto em relao a seu momento histrico-social, quanto em relao poesia internacional.

    ANtONIO CANDIDO, A POetRY ReADeR

    Abstract: Based on Antonio Candidos studies of lyrical poetry, this article aims to track the authors aesthetic and critical-theoretical thoughts on matter, as well as to

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    evaluate his analytical practice of the poetic text. Such practice, which is coherent with what is po