Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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António Lobo Antunes
Eu Hei-de Amar uma Pedra
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Obras de António Lobo Antunes
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António Lobo Antunes
Obra +ompleta
Edi@o ne Barietur
omance
Estabelecimento do teCto por ;ra@a Abreu
D Edi@o ne Barietur de acordo com a Bontade do autor
+oordena@o de Maria Alira *eiCo
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Publica@Fes "om 9uiCote
ua +intura do Porto
,rbania@o da Matinha Lote A 7. + '(-8( Lisboa Portugal
eserBados todos os direitos de acordo com a legisla@o em
Bigor
G 78& e Publica@Fes "om 9uiCote "esign: Atelier Henriue
+aIatte com a colabora@o de ita MJrias
eBiso: +lara >olKo
' edi@o: Outubro de 78
"epósito legal n. 7') 8)/8
Pagina@o: #otocompogrNca& Lda.
!mpresso e acabamento: ;uide - Artes ;rNcas
omance
7 edi@o
Estabelecimento do teCto por
;ra@a Abreu
+omisso para a edi@o ne Barietur
Agripina +arri@o <ieira
Eunice +abral
;ra@a Abreu
+oordena@o
Maria Alira *eiCo
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Nesta página estava uma dedicatória
aos meus pais. Ainda está.
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,m As otograNas
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PRIMEIRA FOTOGRAFIA
%enho dois anos e estou ao colo da minha me: K um retrato de
estJdio assinado Photo oIal Lda a letras em releBo& caprichadas& a
cadeira onde nos sentaram serBia para os clientes todos& maestosa&
de Beludilho gasto e cunha de carto na perna direita& to alta ue os
sapatos da minha me no alcan@aBam o soalho
QpKs rRgidos& uietos& de enorcadoS
mudaBam o telo do undo
Quma cena de circo& uma pra@a de toiros& uma Toresta com
ibóias e ebras no mencionando as camisolas sem pessoa dos
gorilas penduradas nos cabides das rBores por um Jnico bra@oS
e a cadeira continuaBa& o telo ue desta Be encostaram U
parede atrs da genteQpor sinal Ncou torto de maneira ue metade a desocar-seS
representaBa o castelo da >ela Adormecida no pico de um
monte& anelas em ogiBa& ameias& a Princesa de la@arote no cabelo
remando num baruinho de pescar limos no %eo& eCistia a marca de
um polegar no meu ombro& o empregado
- 9ual marca=
a aproCimar o nari& a mentir
- $o Beo marca nenhumaa esregar com um pano mentindo de noBo
- $em se nota
e a notar-se mais& pintaram de cor-de-rosa o la@arote e de aul
os meus cal@Fes& um pingo aul no meu oelho& outro no baruinho
ue parecia nascer-me da orelha
Qse a co@asse tiraBa-oS
cabos elKctricos no cho e a haste do reTector ao canto&
imaginaBa--se alguKm a aer sinais ou a dier no sei uV unto U
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cWmara porue a boca da minha me
- Perdo=
a Photo oIal Lda do >eato e a sua montra de noiBas alternando
com bebKs nus em almoadas& diante do mesmo castelo e do mesmo
lago ue nós mas num ormato maior e sem polegar& com o tempo
deciraBam-se mal as nossas caras& a boca para os sinais no
- Perdo=
no boca ainda ue a Princesa continue a remar& o pingo no meu
oelho dissolBendo-se
QdissolBi-meS
Ncou parte da gola e o telo uma nKBoa& suponho ue a Photo
oIal Lda uma nKBoa tambKm& uma nKBoa o empregado de mos
amarelas dos cidos ue nos arrumou na cadeira& uma nKBoa o
espelho com uma escoBa e um pente de acertar carrapitos& melenas&
o >eato mudado& prKdios e prKdios a esconderem o rio ue o tempo
dissolBia igualmente& eu a escorregar da minha me e o empregado
austando lentes& inBisRBel a seguir as caiCas& arcos Boltaicos& panos&
a desordem de poro dos bastidores
- Aguente-o madamena parte do bairro em ue morBamos hortainhas& uintais&
adiBinhaBa-se a chuBa pela eCaspera@o das gaiBotas& lamentos ue
procuraBam naBios e encontraBam gasóleo& tinha a certea ue eram
as noiBas da montra a solu@arem nos pWntanos de cani@os ou
empoleirada nos algeroes catando algas das asas& os bebKs de nari
para cima e as noiBas a enNarem-lhes peda@os de peiCe na goela&
sacudidas& grasnando& iam e Binham U tarde sobre os telhados
arrastando grinaldas& Torinhas brancas& BKus e a montra da PhotooIal Lda deserta& as molduras somente& o empregado roRdo pelos
cidos chamaBa-as em Bo da soleira& os bebKs arreganhaBam-se de
ome nas almoadas de cetim dos ninhos& lembro-me da tarde em ue
o hidroaBio
Qou um albatro=S
caiu& Binha a planar direito a +abo uiBo espreitando alorrecas
e nisto a carlinga a arder& as noiBas encolhidas de medo no petroleiro
persa ue se decompunha na margem& passeaBa-lhe no conBKs e um
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eco antigo no ual parentes muito idosos estremeciam
- Pimpolho
ou sea senhoras a erguerem-se bengala acima de camarotes na
penumbra apontando chBenas de ch
- %u Ks Nlho de uem=
perumes estagnados& escaletas& noBenas& um cacho de bebKs
na chaminK reclamando os meCilhFes da Baante& o empregado da
Photo oIal Lda trotaBa no ponto& o albatro inclinou-se a suspirar&
perdeu um Tutuador& uma hKlice& topaBam-se os passageiros nos
Bidros de goela aberta e nari para cima se calhar a agitarem-se por
comida tambKm& um rastro de gasolina aBan@ou no lodo incendiando
os cani@os& +abo uiBo um deserto de charcos em cuas erBas se
escondiam patos braBos e andorinhas do mar& suspeitaBa ue
Alcochete para alKm do silVncio& uma noiBa ro@ou-nos a anela e logo
as parentes muito idosas ue escutaBam a missa pelo rdio nos
camarotes do petroleiro persa
- O ue K isto=
oliBeiras de proBRncia ue a cidade esuecera& relógios de
ponteiros ao longo do corpo desinteressados do tempo& o hidroaBioreconheceu um carangueo porue tombou de unhas de ora numa
nódoa de rio despindo-se de sacos& malas& roupa ue a enchente
traia e as noiBas em torno da roupa proBocando-se& discutindo&
rasgando tecidos no meio de ragmentos de alumRnio e madeira&
preeria ue tiBKssemos tirado o retrato num telo assim& uer dier
o petroleiro& as gaiBotas e o ipe da ;uarda a augentar os pssaros&
o empregado da Photo oIal Lda
- Aguente o pimpolho madame ue lhe escorrega do coloe de acto eu a descer para o tapete ue os sapatos da minha
me no alcan@aBam& toda a noite U cabeceira da cama& desabitados&
ela cabelo e len@óis e eu percorrendo os len@óis
- 9ue ser eito dos seus pKs meinha=
ombros ue protestaBam ao mudar de lugar& talBe olhos
debaiCo das madeiCas mas onde param os olhos& um deles Beio a
custo do traBesseiro atK mim desembrulhando-se de pestanas
- $o se pode dormir esus +risto=
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principiou a desocar-se e dJias de plpebras& sobrepondo-se&
leBaram-no& os ombros no protestaBam seuer& ancorados
- %ornou-se o petroleiro persa meinha=
Qo motor dos pulmFes a trabalhar em surdinaS
ual motor& o petroleiro sem motor& uma camioneta estrangeira
desmontou-o& meteu-o na arrecada@o e portanto no o motor dos
pulmFes& cardumes ue entraBam nela e a deiCaBam& o empregado
da Photo oIal Lda acabando de regular as lentes
- *ente-se bem madame=
o lago& o castelo& a Princesa a remar no baruinho& uma das
noiBas da montra desatou a sorrir& imensa& no caiCilho& pedi-lhe
Qeu uma Nta de lRuenS
- $o me coma
as ue se mantinham no %eo abandonaram o ponto e
ocuparam a loa& o primo +asimiro pegaBa-me pela cintura& erguia-
me no ar& aia-me cócegas& angaBa-se
QcuidaBa eu ue angadoS
- Ests a rir-te de uV=
depois de o meu pai se ir embora a aastar-nos- %rambolhos
estrangulaBa-me com o guardanapo& a Bo da proprietria.
solene
- $o te sues pimpolho
instalaBa-se no lugar do meu pai a eCplorar a terrina& a distribuir
o almo@o& ralhaBa U minha me
- <ais Ncar a pensar nele toda a Bida peuena=
e ao- <ais Ncar a pensar nele toda a Bida peuena=
o meu pai em casa de noBo& U mesa connosco apesar de no ter
colher& no ter prato& no sRtio onde a minha me o interrogaBa
Qela nesses momentos duas palmas nas bochechas& os olhos
iguais Us lentes do otógraoS
- PoruV=
ao passo ue o meu pai no ombros nem olhos& cotoBelos ue
desdenhaBam
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- %rambolhos
o ue Ncou dele oi o pincel da barba no laBatório com espuma
seca nos pVlos& cruetas ue a minha me remeCia no armrio a
uestion-las
- PoruV=
as cruetas baloi@aBam no Baro motiBos ue ninguKm entendia&
echBamos-lhes a porta e calaBam-se& a minha me acabou por
deitar o pincel da barba no liCo& gastou eternidades a limp-lo
Qno precisaBa de ser limpoS
e a pedir-lhe desculpa& imaginaBa o meu pai a tossir nas tardes
de unho e aNnal um cano& ualuer coisa na rua& o estalar da
mobRlia& o primo +asimiro deBolBia a garraa ao aparador& as palaBras
no ganhaBam or@a na boca& pingaBam& recolhia-as no len@o ue
depois de alhar a algibeira se preocupaBa no interior do casaco
Qo len@o& Bisto ue o primo +asimiro mudoS
- <ais Ncar a pensar nele toda a Bida peuena=
introduiu o cacha@o no buraco do telo da Photo oIal Lda com
ibóias e ebras& surgiu no retrato a matar uma on@a mas o capacete
colonial no coincidia com a cabe@a& o corpo pintado agachaBa-senum tronco& uma das pernas gorda e a outra magrinha& o primo
+asimiro a comparar espessuras
- Magrinha uma gaita pimpolho
haBia uma rasgadura num lombo de ebra e pela rasgadura os
trapeistas do circo& no buraco do segundo ca@ador& desocupado& um
indiano de turbante euilibraBa espadas no ueiCo
Qas noiBas abandonaram U uma a Baranda do engenheiro& num
ruRdo de papel pardo uando um pauete silBouSno ue sobraBa do buraco do primo +asimiro uma por@o de
circo igualmente ou sea uma nesga de oca a ogar com uma bola&
ualuer coisa de coelho no ocinho da on@a& a delicadea& os
dentinhos& a garraa ergueu-se do aparador indecisa mas com
esperan@a
- Estou bem em 3rica no estou=
nos dias sem clientes o empregado das mos amarelas& audado
por uma lata de tinta e uma brocha& dromedrios& rinocerontes&
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carregadores com uniorme de ascensorista de hotel ue
transportaBam baJs& o empregado& didctico
- X a selBa madame
talBe o baJ da nossa casa
Qcom uem dentro=S
ue a madrinha da minha me oereceu& BisitBamo-la num
segundo andar do ardim +onstantino longRssimo do %eo& sem
hidroaBiFes nem noiBas& onde a madrinha da minha me& ou sea
mantas e Cailes& oculta numa poltrona entre sombras de plantas ou
de cantoneiras dado ue as cantoneiras se moBem tambKm& deBagar&
U tardinha& um brilho de aian@a& sempre o mesmo
Quma terrina presumo euS
a espreitar-nos ora aR ora acol& agudo& urtiBo
QaNrmo ue a terrinaS
e a aastar-se de nós
Qa terrina ou um gato=S
a madrinha da minha me uma sombra igual Us outras& as
mantas sombras& os Cailes sombras& a Bo sombras& uma sombra
emergiu das sombras& tornou-se indicador ao encontrar-me& retraiu-se de imediato e de noBo no mais ue a poltrona& os Cailes para a
minha me a sacudirem uma lata de biscoitos& de sRlabas conundidas
nas migalhas& no a@Jcar
- O pimpolho cresceu tanto este ano
Quem moraBa no nosso baJ acontecia achar-me& eu minJsculo
no so
- $oS
na Biinhan@a da terrina um casti@al de piano oscilou ummomento e adeus& a minha me abria o baJ e toalhas& echaBa-o e
uma pessoa ue no gostaBa de mim reBolBendo-se na alaema a
desordenar os Bincos& os biscoitos pegaBam-se Us gengiBas
impedindo-me de respirar& eu encostado de embara@o U minha me a
pisar-me e a pisar-me
Q- $o me agradeces pimpolho=
para me sentir a mim próprio& certiNcar-me uem era& no uso
as botas do meu pai& uso sandlias
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Q- %rago cal@Fes reparemS
de crescer tanto este ano tornei-me adulto e no me apetece ser
adulto& no me conhecerem no >eato
- $o pertences ao bairro
o do baJ no suocado por biscoitos ue eu bem o entendia
atraBKs da alaema
- Auda-me
e se no perten@o aui a solu@o K dormir com as noiBas na
Photo oIal Lda ou nos armaKns do rio& perseguir numa Jria a
espuma das traineiras& alimentar os bebKs nus& de garganta para
cima& ue nascem de oBos de tule& a criada do engenheiro a eCpulsar-
me da Baranda
- Estragam-me tudo rua
e o casti@al do piano com as alhas de metal a crescerem& discos
de ópera em ue o tenor e o soprano& amparados a Bioloncelos& se
amea@aBam aos berros lan@ando um ao outro clarinetes e tubas& as
sombras interromperam-se um instante uando o Bento bisbilhotou
nas cortinas e dei com os arbustos do ardim +onstantino l ora& o
talho carneiros to despidos nos ganchos& os parentes da camilha emcercaduras oBais com
*empre 9uerido
por baiCo a decidirem de mim
- O ue lhe aemos cunhado=
- Metemo-lo no baJ=
- oubamo-lo=
acendia-se o candeeiro e eles mascarados de pessoas de dantes&
inoensiBos& aprisionados no Bidro& apagaBa-se o candeeiro e umrenesim de gabardinas
- oubamo-lo=
o papel de parede a descolar-se e sob o papel de parede um
segundo papel mais escuro& mais na trama& a descolar-se tambKm&
retirando-o Lisboa isto K uma senhora a massaar o tornoelo num
banco entre rBores& pombos& uer dier noiBos para c e para l de
mos atrs das costas& U espera enuanto as gaiBotas coscuBilhaBam
cheiros de Baante no >eato& o lbio da gua ranido ao retirar-se e
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uma rana de detritos penso ue muito usada dado ue eneites de
caraBela& mastros& barricas& as ortunas da Rndia ue no Baliam um
chaBo& no telo ue eu mais gostaBa punha-se o ueiCo no rebordo de
maneira a acertar com um pulYBer de ciclista
Qo empregado a orientar-nos
- ,m palmo para a esuerda cuidado com os pregosS
e pedalaBa-se uma bicicleta Bermelha a caminho da meta com
um dos pneus oBal U medida ue a assistVncia sem membros nem
ei@Fes& desenhada a trouCe-mouCe
Quns riscos e prontoS
aplaudia& pedalar para longe na noite em ue o primo +asimiro
e a minha me no eCistiam& eCistia o seu oelho& um pK descal@o de
rente e o primo +asimiro a respirar de costas
Qou o >eato inteiro ue ungaBa por ele& um galho de laraneira
inchando e desinchando& os trope@os do %eoS
com a graBata aos uadradinhos pendurada da nuca& os obectos
estranhos& da mesma cor& do mesmo eitio e estranhos como se no
estiBessem habituados a nós& os houBessem colocado de propósito na
sala para me magoarem& me aerem mal& a miniatura da Esttua daLiberdade& a arra& o *anto ECpedito ue preBenia
- $o olhes
e no olhes poruV& aconselhaBa
- $o compreendas
Qpedalar muito depressa na bicicleta BermelhaS
e no compreendas poruV& se lhe perguntasse
- $o compreendas poruV=
ele a teimar- $o compreendas ponto Nnal no posso dier-te
eu de nari no guiador& a assistVncia desenhada a trouCe-mouCe
a aplaudir& o empregado da Photo oIal Lda
- $inguKm te apanha pimpolho
o so ora do lugar& o tapete enrugado e o so e o tapete
- $o compreendas
ue mania& eu a aceitar
- Acabou-se a conBersa no compreendo deslarguem-me
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ou
- Acabou-se a conBersa para ue me deslarguem dado ue tudo
gritaBa apesar do silVncio e mistKrios& segredinhos& cochichos
- A tua me
- O Bosso primo
eu
- A minha me e o nosso primo o uV=
em lugar de me responderem& conBersarem comigo& soslaios de
condescendVncia& de pena& isto no unicamente a Esttua da
Liberdade e o *anto ECpedito& umas notas ue a arra prendia e as
notas
- A tua me rica Biste=
a casa inteira cheia de moBimentos& gestos
Qela sempre to uieta& alheada das marKsS
a tentar eCplicar-me alRnea por alRnea o ue eu recusaBa saber&
apetecia-me a bicicleta do telo& a minha cabe@a a acertar com o
pulYBer e nisto o oelho da minha me imóBel& mais aguado e branco
do ue se eu lhe tocaBa& o pK imóBel& no semelhante ao dela e no
entanto seu& o galho de laraneira de ue comecei a contar aslaranas na mira ue a rBore sem inchar e desinchar& tudo
regressado U normalidade de dantes
- $o preciso da bicicleta obrigado
ao passar de seis para sete laranas o primo +asimiro imóBel por
seu turno& uma pupilainha a dar por mim& espantada primeiro e
alerta depois
Qcontinuar com as laranas& noBe& de& oneS
ocando-me do BKrtice da graBata& eu empanado no doe- Após o doe=
e Baio& atirem-me o nJmero após o doe ue coisa& no
deasseis& no deanoBe& a laraneira a auCiliar-me
- %ree
e embora ouBisse
- %ree
uase a alcan@ar o
- %ree
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e a saar-me& eu
- $o consigo
Boltar U Photo oIal Lda& declarar ao balco
- eTectindo melhor preciso da bicicleta senhor 9uerubim
desculpe
no momento em ue o cKrebro se me desimpedia e
- %ree
os meus lbios radiantes
-%ree
o pK da minha me a alargar-se no tapete& elimente o pK dela
Qnessa Kpoca conhecia-lhe melhor os pKs do ue a caraS e com o pK o
oelho& o resto do corpo a ganhar espessura a partir do oelho& a
pupila ue altaBa ao primo +asimiro a untar-se U primeira assim de
perto to esuisitos
Qorelhas& testa& bochechas& coisas sem rela@o entre elasS
a graBata no na nuca& direita
Qa moinha a assegurar-se ue a graBata direitaS
os obectos no estranhos& nossos
Qol mesa& ol arraSum bater de solas aproCimando-se rpidas e por aar eram as
bielas de uma corBeta na margem& no o meu pai ue BoltaBa& no
me recordo só de
- %rambolhos
recordo-me de canas de pesca na maruise& de tempos a tempos
ele para a minha me
- Anda c
e o oelho& e o pK& o meu pai a respirar de costas para mimQou o >eato inteiro ue ungaBa por eleS
os obectos dierentes mas menos dierentes ue com o primo
+a-simiro& uma parte nossa e uma parte no& o empregado
sugerindo-me a bicicleta e eu a hesitar
- <amos esperar um minuto
o meu pai aastaBa-se conorme na capoeira da minha aBó em
+ondeiCa os galos se aastaBam das galinhas sacudindo a papada&
nem a miniatura da Esttua da Liberdade nem a arra
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- $o olhes
ocupadas consigo mesmas& naturais& distraRdas& o meu pai
solitrio no ponto com as canas de pesca
Qo umo do cigarro maiorRssimo ue eleS
e a minha me a liBrar-se da cali@a e da terra copiando as
rangas mal os galos chauinho& eCaminaBa-lhe a saia e nem cali@a
nem terra e sem cali@a nem terra a liBrar-se de uV& eu para a ranga
ue se limpaBa ainda
- Est a liBrar-se de uV=
o primo +asimiro um par de pupilas e a graBata direita& um galo
de +ondeiCa sacudindo a papada& eu
- Após o doe=
Bendo bem to cil& tree& ualuer pessoa
- %ree
sem diNculdade& sem pensar
- %ree
o primo +asimiro a aBaliar o dinheiro entalado na arra e a
desistir do dinheiro aNando os esporFes& Binte e uma laranas isto K
tree mais oito& nunca mais esue@o& tree& atK hoe& se me Bem essanoite U ideia& eu
- %ree
sem me aer cócegas& me pegar ao colo
Qtenho dois anos e estou ao colo da minha me na Photo oIal
LdaS
- Ests a rir-te de uV=
o empregado a espanear o castelo& desconNando de mim
- Ests a rir-te de uV se ainda no comecei=uando no me lembro de rir& lembro-me ue sentia medo dos
gorilas e das ibóias pintadas& dos crocitos das noiBas a inBadirem a
montra adeando grinaldas& dJias de noiBas porue se calhar a
minha me e eu uma mancha de gasóleo no %eo& uma suspeita de
enguias& uem me garante ue as ebras e os euilibristas indianos
no trocaram o cenrio pelo reposteiro destinado a impedir a anela&
o empregado a sossegar-me
- $enhuma ebra no BVs=
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mas as riscas do estore no sobrado& ora brancas ora pretas&
disparaBam a galope mal o reposteiro ondulou& a tra@a inBentou um
olho no tecido e o olho a esBerdear-se do %eo arregalado para mim& o
empregado deiCou cair o reposteiro procurando enganar-me e ao
deiC-lo cair o estore encabritou-se de raiBa& o senhor 9uerubim
ciente ue a ebra permanecia na loa
- 9ual ebra pimpolho=
a minha me tentou audar-me e o empregado cruciNcou-a no
espaldar com as mos amarelas
- $o me estrague a pose madame
de relógio de pulso osorecente idVntico Us <irgens de mesa de
cabeceira ue aumentam na insónia& os ponteiros abertos perdoando&
a aurKola o cRrculo dos nJmeros& se a minha aBó desse por ele em
+on-deiCa no Bia as horas& reaBa-lhe& atK ao degolar a cria@o
continuaBa a rear& as caudas abanaBam-se eternidades contra o
aBental& as patas imóBeis& os crWnios imóBeis e as caudas
uca uca
to Beloes uanto o moinho da rega& os cabos dos holootes
ibóias BiBas U espera ou enguias ue as noiBas cobi@aBam com obaton dos bicos& o primo +asimiro emigrou para a AmKrica e choBia&
ulguei ue lgrimas e no lgrimas& chuBa no bigode& o perume de
Berbena da lo@o
- ,m dia destes Bolto pimpolho
comigo a pensar Bolte se lhe der na gana e entretanto seue a
chuBa com o len@o senhor& daBa-me nerBoso a tremurainha do bei@o&
o no achar a mala& o acto de a poisar uando a achou e as
sobrancelhas Bibrando- uro ue um dia destes Bolto pimpolho
a dirigir-se no a mim& U minha me atraBKs de mim& e men@o
de me pegar ao colo& me aer cócegas& se espantar
- Ests a rir-te de uV=
buscando engolir a chuBa antes ue a chuBa no ueiCo& a minha
me no
- PoruV=
como sucedia com o meu pai& a escapar-se de um abra@o ue
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no chegou a abra@o& as mangas do primo +asimiro dan@aram um
momento& Bacilaram& desistiram& uma delas ro@ou na minha me&
gague-ante& tRmida& desceu em espiral& sem acreditar em si mesma&
para o cimento do cais
- urei ue um dia destes BoltaBa
Qe eu a amolecer de piedadeS
em ue pin@as desaeitadas de gruas só mKdio e polegar
Qa pin@a do a@ucareiro da madrinha da minha me assimS
erguendo no torrFes& suidade& Bapores& uma carro@a da Kpoca
das naus esuecida num telheiro& ustamente a ue transportaBa os
condenados U orca em >elKm& o poBo de Portugal& coitado& a sonhar
;oas& >rasis& a minha me com Bontade de Boltar para casa seguindo
as gaiBotas e a propósito de gaiBotas o Bestido de noiBa dela no baJ
sob ronhas& len@óis& deseando libertar-se de tanto aroma antigo&
tanta recorda@o
Qla@os& Ntas& BioletasS
a suplicar
- Pimpolho
eu sem or@a de abrir o baJ e Baler-lhe- A chaBe do baJ meinha ue o seu Bestido pediu-me
a minha me arrependida do oelho& do pK& a seguir as gaiBotas&
a@a-me cócegas se o aliBia primo +asimiro& no me importo&
consinto& corria o bigode& tire essa gota com o punho da camisa
B
pergunte de ue me estou a rir& no choBa& se ao menos a minha
me uma simpatia& uma mostra de interesse& por eCemplo
- PoruV=um eitinho me tenha paciVncia& no comece a leBar-me& repare
nele Nngindo ue me a cócegas a assobiar num murmJrio
- Ests a rir-te de uV=
a pegar Nnalmente na mala no modo como me pegaBa ao colo e
eu pesado& eu grande& ainda magro mas grande& eu isto& as borbulhas
do acne& a Bo ue alha o degrau dos graBes e me atrai@oa ao
desliar num agudo& os meus tra@os incompletos e o casti@al do piano
a concordar
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- %u isto pimpolho
deiCei de sentir o perume de Berbena e Bi-o no portaló
esticando e encolhendo os dedos num Jltimo belisco& os lbios
impossRBeis de entender deriBado Us caldeiras dos barcos& ignoro se
- Ests a rir-te de uV=
se
Qa calcular pelo emcolher de ombrosS
- %u isto=
em chegando ao >eato me no uer pYr o Beuinho& a grinalda&
esBoa@ar ponto ora na Wnsia ue o meu pai com o cigarro e as
canas de pesca& BocV deseosa de uma rao
- PoruV=
o primo +asimiro nunca escreBeu da AmKrica a censur-la
- %rambolho
no eCistia seuer& nunca eCistiu pois no me& oerecia-lhe
pacotes de broas& oBos de chocolate sem bebKs de goela aberta
trepidando de ome a romperem a casca& ele a matar uma on@a num
telo desbotado e a minha me& sem pegar no retrato& a obserBar o
meu pai ue descia as escadas& ue no Bai ordenar- Anda c
consoante no me apertaBa o guardanapo ao pesco@o nem se
ralaBa comigo& BocV nenhum aceno para a Bigia do pauete
meinha& o retrato do primo +asimiro na gaBeta da lista dos
teleones do ano passado& do martelo ue se uebrou& das lWmpadas
undidas
- Hei-de atirar ora estas tretas
entregue-o ao senhor 9uerubim orgulhoso da sua- >ela obra no acham=
prendendo-o com um polegar ue os cidos roeram& a assinatura
Photo oIal Lda caprichada& em releBo& o perume de Berbena do
primo +asimiro permanecia em AlcWntara entre a suidade& os
Bapores& se ao menos pacotes de broas& trotes na escada aos
domingos& o bigode eli
- Ora BiBa
o dedo da madrinha da minha me a emergir comoBido das
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sombras
- O +asimiro K assim
e a terrina
Qou o gato=S
de acordo com ela& se a beiaBa U despedida um gostoinho
poeirento de sóto& daui a nada a cercadura oBal e o
*empre 9uerido
por baiCo& em lugar da poltrona a camilha unto aos outros
Nnados& no diga
- O pimpolho cresceu tanto este ano
madrinha& diga
- O ue lhe aemos cunhado=
- Metemo-lo num saco=
- oubamo-lo=
se o candeeiro aceso BocV Cailes& rugas aTitas a piscarem na lu&
uma pagela em ue o rei de uniorme& uase nada portanto& se o
candeeiro apagado o escuro a preguear-se de tosse ue se
despenhaBa em mim enuanto o casti@al do piano TameaBa ternuras
- Pimpolhoo rei no se compreendia onde deriBado ao pigarro modiNcar a
posi@o dos obectos& deu-me ideia ue o perume de Berbena
connosco e o primo +asimiro a surgir da terrina
- +ucu
para a minha me enadada& o segundo andar do ardim
+onstantino cubRculos e cubRculos nas treBas& o haloito plido do
ue seria a coinha& uma torneira algures
Qmais perto& mais distanteSsem se NCar nunca& escutaBa-se uma gota e NcaBa-se em pulgas&
contando os segundos a suplicar a próCima& a próCima
plac
mais espessa ue um Ngo esmagado descendo de origens
inimaginBeis muito acima do tecto& ganhando Bolume enuanto a
gota seguinte& lentRssima& principiaBa a ormar-se& o dedo da
madrinha da minha me BagueaBa perdido designando sombras
- A Bista alha percebes=
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a proteger-se com elas amontoando-as sobre os Cailes e as
mantas
- +resceu tanto este ano o pimpolho
A enBaidecer a minha me
- 9uase da altura do casti@al reparaste=
mais alto ue o casti@al& o casti@al em baiCo ou ento com o
girar dos meses os móBeis sumindo-se deBagar no soalho& uma
muina de costura ao undo passaando o silVncio num
compartimento de arrumos
Quma despensa& uma copa=S
o som da muina uase pegado a nós apesar da distWncia&
monótono& nRtido& alinhaBando a terrina
Qo gato=S
e a uni-los U gente& a madrinha da minha me a anunciar
- A minha Nlha coitada
to ugidia& to nerBosa
Q- 9uase nem Bai U rua sabias=S
no instante em ue outra gota e portanto alinhaBem a torneira
igualmente& a Nlha com o seu guarda-chuBa e a sua malita usada noreceio ue a mandasse embora porue desde a morte da madrinha
da minha me eu o responsBel& o tutor& eu o dono& a mandasse
embora a ela ue no morou seno nesta casa em sessenta ou
setenta anos de Lisboa
Quase setenta& sessenta e oito anos de LisboaS
e em sessenta e oito anos de Lisboa se manteBe no a costureira
em ue se tornou depois mas a camponesa de um lugareo a one
uilómetros de Arganil ue no deiCou de ser& Bestida como umacaricatura das senhoras da cidade para as uais trabalhaBa
Qse K ue persistiam senhoras na cidade ue lhe dessem
trabalhoS
a roupa de luto proBaBelmente oerecida
Qia apostar ue oerecidaS
e no bem negra& cinenta ou outrora negra e ue o tempo
acinentou& por ter acinentado lha oereceram
- %oma
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e U ual substituiu os botFes de madrepKrola ue altaBam por
botFes de massa& o brocheinho em orma de cora@o ue lhe
cerraBa a gola
QtalBe presente em estampas remotas e ue ninguKm tra hoe
em diaS
uma caricatura das senhoras da cidade no cabelo diBidido ao
meio& nos modos
Qademanes delicados de Ngurinha de consola ue se topaBam
nos balcFes de penhores moldando o ar Baio com palmaitas de
loi@aS
a Nlha ue a madrinha da minha me eCpulsou para o
compartimento de arrumos com um postigo de trinco soldado pelo
óCido e pelo pWnico dos gatunos
Q- $em sonhas a uantidade de ladrFes nesta terra pimpolhoS
a ue altaBam rBores& telhados& somente Bidros suos
um Jnico Bidro suo e após o Bidro suo uma ausVncia sua
tambKm em ue alguns melros suos em setembro iluminando uma
cama
Qo empregado da Photo oIal Lda- $o meCeriues na NchaS
uma espKcie de cama& Bamos dier um colcho numas tbuas& a
roupa oerecida pelas senhoras da cidade num armarioito sem
porta& eu o responsBel& o tutor& eu o dono a pensar
- $o deBia ter entrado aui
a pensar
- Pe@o-lhe desculpa por ter entrado aui=
a decidir- $o lhe pe@o desculpa por ter entrado aui Bou Bender esta
casa
e ao decidir
- <ou Bender esta casa
a assistir-me a inormar a Nlha
- AtK ao Nm do mVs tem de sair de c
ela de pK U minha rente com o seu guarda-chuBa
Q- *eue a chuBa do bigode primo +asimiroS
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e a sua malita usada& no surpreendida& no uriosa& uando
muito tocando no broche a tentar adiBinhar uanto dariam por ele no
ouriBes& ciente ue nem uma nota& moedas& repetindo no interior do
seu espanto
- +inco ou seis moedas meu "eus
ela uase sem clientes eCcepto as ue mantinham por esmola
- Ao Nm de tanto tempo a pobre
concordando comigo& respondendo ue sim& submetendo-se
porue o notrio na semana anterior& preocupado com um dente ue
se entendia pelo moBimento da lRngua no interior da bochecha& o
uniBerso de repente parado aBaliando a gengiBa& substituiu a lRngua
pela caneta& solicitou
- ,m momento
para a bater no siso de palma adiante da boca
- ,m segundo andar no ardim +onstantino a@a o aBor de
assinar nesta linha
enuanto a lRngua regressaBa ao trabalho& a caneta se achataBa
numa cru a lpis
- Auie a bochecha diminuRa no meio de cadernos e pastas
semelhantes na teCtura e na cor ao papel de parede sobre papel de
parede da madrinha da minha me& o escritório do notrio uma
diBiso de poltronas e sombras em ue
Qera eBidenteS
uma muina de costura
Qou de escreBer=S
numa despensa ou numa copa com um postigo de trinco soldadopelo óCido e pelo pWnico dos gatunos a ue altaBam rBores&
telhados& somente Bidros suos
um Jnico Bidro suo uma ausVncia sua igualmente onde alguns
melros suos em setembro se K ue setembro& se K ue melros
- ,m segundo andar no ardim +onstantino a@a o aBor de
assinar nesta linha
a comproBar o nome ue escreBi no papel semelhante
Qna teCtura& na corS
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ao papel de parede sobre papel de parede da madrinha da
minha me
- Assinou=
ao mesmo tempo ue a muina de costura ou de escreBer
come@aBa a uncionar& se percebia ue ualuer coisa mudara pela
inuieta@o dos pssaros& a Nlha interrompia a bainha& NtaBa-me e
um brilho de terrina nos olhos dela
Qde terrina ou um gato=S
o empregado unto ao telo da bicicleta
- $o te meCas nem um milRmetro agora
a Nlha um desses rangos ou galinhas ou patos ou noiBas ue a
minha aBó em +ondeiCa aogaBa nas pernas& saias
Qou caudas=S
contra o aBental enuanto o perume de Berbena do primo +asi-
miro desaparecia de AlcWntara e eu deiCaBa de o sentir& ao colo da
minha me na Photo oIal Lda& eu dissolBido no postigo em ue nem
uma rBore& um telhado& somente Bidros suos& um Jnico Bidro suo
no ual nenhum mindinho
- O pimpolho cresceu tanto este anoescreBeria o meu nome.
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SEGUNDA FOTOGRAFIA
O primo +asimiro teimaBa ue no matou uma on@a no retrato
ue oereceu U minha me: na opinio dele tinha ca@ado um leo e
desaNaBa ualuer pessoa a garantir ue no se trataBa de um leo
Berdadeiro mas de um bicho pintado de cenrio de otógrao&
desaNaBa ualuer pessoa a sugerir por maldade
- A proBa ue K pintado est em ue nem seuer Neram as
ebras como deBe ser
uando as ebras pereitas
QtrVs ebras& uma grande e duas peuenasS
a galoparem com mais patas do ue se esperaBa
Qa ebra grande seisS
no capim desbotado& proibia a conBersa ue uma rasgadura naebra grande Bisto ue se notaBa logo
Qpara uem entende de animaisS
no passar de uma listra no lombo& angaBa-se com o primeiro
ue aNrmasse ue só a cabe@a dele autVntica no acertando com o
chapKu nem com o corpo& sobraBa-lhe buraco U Bolta& o segundo
eCplorador
Qo audante do primo +asimiro
- O meu audante um rapa coraoso um heróiSnem cabe@a possuRa& o buraco apenas e uma das mos o
desenho de trVs dedos em lugar de cinco& argumentos ue apenas
mostraBam desconhecimento de 3rica& lugar ue deBora sem
piedade os brancos por intermKdio de mosuitos& gua choca e a
intolerWncia das hienas& a minha me habituada ao %eo e a uem
estas no@Fes altaBam designaBa-lhe uma ibóia na pelRcula
- O senhor 9uerubim enNou enguias aR=
e esuecia a otograNa na bancada da coinha& sentRamos as
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gaiBotas na Baranda do engenheiro aguardando a marK& algumas&
mais distantes& no >airro da Madre de "eus ou na +al@ada do ;rilo&
diia-se ue deiCaBam os oBos nas palmeiras do Ateneu e mentira& os
oBos nas rachaduras da muralha de orma ue U noite& uando o
primo +asimiro se despedia da gente& guinchoinhos de crian@a
uase a subirem da gua e as Vmeas num rebuli@o de asas
protegendo-os dos ratos em ue o lodo se transorma no escuro& eu
guinchoinhos tambKm se me pegaBa ao colo& mesmo antes das
cócegas
Qguinchoinhos achaBa ele& eu nem um guincho& mudoS
e o primo +asimiro a Nngir-se espantado
- Ests a rir-te de uV=
a minha me nenhum rebuli@o de asas& nenhuma curiosidade
por nós& a enchente cobria deBagar a margem& mais próCima da
porta a cada aBan@o& o primo +asimiro a suspeitar
o primo +asimiro com a certea ue a minha me a pensar no
meu pai& o som da gua apagaBa o dos legumes nas hortas& haBia
ocasiFes em ue se me aNguraBa ue uma pessoa
Qum de nósSa chorar& atentaBa-se melhor e aNnal o Bento no casco do
petroleiro& ninguKm& um gato ao comprido do muro& as patas
mindinhos cautelosos& arredondados de sono& uma andorinha do mar
demorou-se no parapeito da maruise olhando para dentro& emitiu
uma palaBra ue no nos diia respeito
Qno um gemido& uma palaBra inteiraS
e eBaporou-se a desprear-nos na direc@o dos cani@os enuanto
a minha me& de cara numa gota coaguladaQuma gota a balbuciar silVnciosS
continuaBa
Qna impresso do primo +asimiro e pode ser& sei lS
a lembrar-se do meu pai& mal lhe perguntou
- <ais Ncar a pensar nele toda a Bida peuena=
as sobrancelhas uase uma sobre a outra a Ntarem-no& o resto
das ei@Fes longe do primo +asimiro& surdas& ele conBencido ue as
sobrancelhas o detestaBam procurou a garraa no aparador& ao pois-
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la no naperon as sobrancelhas no lugar
Qum par de cardosS
e a minha me a raspar com a unha uma nódoa da blusa
detestaBa-o menos& o primo +asimiro no percebia se a unha raspaBa
a nódoa ou o raspaBa a ele
QraspaBa-o a eleS
as sombras reugiaBam-se nos uintais com o inRcio do escuro
apagando os galhos da laraneira embora os rutos permanecessem
na lu& sete da tarde nos ramos e meio-dia nos rutos& mesmo com os
candeeiros acesos um resto de sol ia tremendo neles e continuou a
tremer l em baiCo U medida ue a minha me desdobraBa a toalha&
o primo +asimiro& para se aer perdoar& audaBa com os talheres e
eu a mir-la& a mir-lo& a ter medo do ue no Bou conessar e
contando as laranas a apontar-lhes o garo& chegaBa ao doe e
interrompia-me porue a partir do doe um desespero& uma agonia& o
garo suspenso se por acaso daBa com as canas de pesca do meu pai
contra a parede do ogo onde uma moldura de noiBa& igual Us da
Photo oIal Lda& se recusaBa a desBanecer& de bra@o dado com o
meu pai ue partiu h de anos no comboio dos emigrantes de Parise nem uma carta& um postal& o Biinho declarou ue o meu pai a
sacudir-nos nas escadas
- %rambolhos
no as escadas para o %eo& as das traseiras& sem corrimo& de
ue só percebRamos os primeiros degraus e logo após diluRdas no
beco para alKm do ual uintaiinhos& oliBeiras& o lugar onde o
criaram& primo +asimiro& a ruRna da sinagoga lembra-se ou sea um
arco e uns calhaus& o meu pai sem se despedir& numa Boita ma@ada-%rambolhos
e o chapKu a aastar-se no beco& no o casaco ue no se
distinguia o casaco nem a bagagem& a larana do chapKu num galho
inBisRBel na direc@o do elKctrico e da insRgnia da pastelaria& o
Biinho relatou ao primo +asimiro ue a minha me de cabelo por
alinhar repetindo a meio da escada
- PoruV=
Bestida de noiBa no caiCilho da parede& unto Us canas de pesca&
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embrulhada em cetins ue lhe atenuaBam o espanto no
mencionando eu
Qo pimpolhoS
a somar rutos& a esbarrar no doe& a tentar ultrapassar o doe
regressando ao princRpio de larana em larana& sete& oito& noBe& de&
a enerBar-me
- E agora=
danado comigo na certea ue se chegasse ao tree o meu pai
no >eato& na nossa casa ou a umar no ponto cercado de crocitos&
bicos& patas e tudo normal& tudo bem& o *anto ECpedito& a Esttua da
Liberdade& a arra de ue o primo +asimiro mudaBa as Tores com o
meu pai a Bigi-lo e eu a Bigi-los a ambos& substituRa a gua&
aparaBa caules& daBa um retoue Us olhas e os móBeis da sala menos
riscados& mais caros& ao passo ue se o aia depois da recorda@o do
- %rambolhos
e do chapKu no beco dJias de riscos no Berni e o pre@o dos
móBeis o mesmo ou sea continuaBa a pegar em mim& a Nngir ue se
admiraBa
- Ests a rir-te de uV=embora nenhum de nós com calma suNciente para acreditar&
nesse ogo& desiteressados& amargos& a minha me traia a terrina
com o
- PoruV=
sempre presente a empalidecer-nos a alma& de Be em uando
um chuBisco ou o relógio da igrea do >eato a anunciar uartos de
hora& o teleone da inBlida da caBe a batalhar com o silVncio& a ser
Bencido por ele& a calar-se& a gente igualmente calados num uartode hora sem Nm& eu de boca cheia pegando na lapela do primo
+asimiro a anunciar
%ree
e por mais ue anunciasse
- %ree
e espreitasse da cortina outras pessoas na rua& nunca o chapKu
e a bagagem& outras canas de pesca& ainda ue o primo +asimiro se
ocupasse da garraa no aparador percebia a minha me a Bigiar o
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ponto como eu& manchas no rio se calhar algas ou decalues de
nuBens& a igrea& gra@as a "eus& decidia-se por um uarto de hora
alheado& a garraa chamaBa o primo +asimiro e para contrariar a
garraa era ele uem leBantaBa os pratos a obserBar o arco da
sinagoga e o Wngulo de parede ue os calhaus ormaBam& recordaBa-
se de oliBeiras mais antigas ue estas e de haBer encontrado uma
corua no oriRcio de um tronco de eCpresso aumentada por óculos
de ue se no Biam as lentes e uma espKcie de orelhas com pVlos
alerta para si& ao entrar na sala esregando as mos nas cal@as
Qe detergente& gorduraS
ulgou entrar numa sala dierente& muito tempo antes& em ue a
tia penduraBa tran@as de cebolas em ganchos& um senhor impreciso&
de corrente de a@o no colete
o aBY=
QrecordaBa-se das mos& no se recordaBa dos tra@osS
comia uBas num tripK& a lRngua da cadela spera e dura uando
lhe lambia as palmas& ao entrar na sala por causa da garraa no
aparador
Qo teleone da inBlida uma baorada de angaSeu de imediato
- %ree
a encostar-me U minha me protegendo-a& uma traineira Binda
de Alhandra assanhaBa as gaiBotas e o ponto deserto& a muralha
deserta& o petroleiro persa sem nenhum albatro na chaminK& o aBY a
estender--lhe as uBas do seu canto ou sea bagos minJsculos& o cacho
depenado
- $o h maneira de ganhares corpo +asimirouma delas& acabadinha de nascer& um ponto Berde e eu
- %ree
a deender a minha me como se o
- %ree
a salBasse no entendia de uV& isto K pela maneira de me
colocar entre eles a desBi-la do primo +asimiro ue desde a ida do
meu pai nos pagaBa o aluguer e entalaBa notas na arra& diga ao seu
aBY ue ganhou one uilos de corpo ainda ue no pare@a& obrigue-
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o a reparar nas marcas da NBela no cinto& o primo +asimiro no se
dando conta ue o aBY alecido l atrs no passado& enBenenaram a
cadela uando BocV e oito anos& encontraram-na deitada de banda
nos tomateiros a transpirar cansadRssima& a sua tia chamou-a e
reconheceu-Bos sem se leBantar& a cauda bateu uma ou duas
pancadas nos apoios do eio& escutaBa-se o comboio pela Binha do
rancVs e o primo +asimiro
- O bicho Bai morrer no Bai=
no acreditando ue alguKm& nem mesmo um bicho& morresse
em agosto com a serra de Arga aul& borboletas sobre as couBes e o
moinho parado& no teleonaram ao Beterinrio& no aBisaram a sua
aBó& esperaram ue a cauda batesse de noBo e a Jnica coisa ue
sucedeu oi um peda@o de mandRbula crescer entre os bei@os& a pele
das costelas retraRa-se e dilataBa-se sem um ritmo certo& uma
borboleta Berde
uma borboleta roCa entre borboletas brancas distraiu-o da
cadela e cambaleou na Beda@o& a sua tia picou o animal com uma
Barinha
Qh ocasiFes em ue nos deBRamos picar com uma Barinha noK=S
e a Barinha& embora no lhe tocasse& contra o seu umbigo
tambKm& eu obrigando-o a galgar lustros ao rodear a minha me com
o bra@o
- %ree
as borboletas cruaBam-lhe a memória e perdeu-as conorme
perdeu a serra de Arga e o moinho.
QaltaBam uatro ps no moinhoSperdeu a cadela& a tia
QdeBia picar-se com a Barinha mais BeesS
a serra de Arga ue a ausVncia do aBY apagaBa& BocV com a
garraa do aparador na mo e a suspeita ue em ualuer ponto da
sala onde o candeeiro no chegaBa o meu pai a reparar-lhe nos
gestos na indieren@a com ue reparaBa nas canas de pesca&
empoleirado num rolo de cordas a umar& deBolBer a garraa ao
aparador com o gosto das uBas na boca& no uBas adultas& cor-de-
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rosa& cidas
Qual uatro& altaBam cinco ps no moinho& BocV a descobrir
ue altaBam cinco ps no moinhoS
e o rolo de cordas do meu pai deserto& o casco do petroleiro
adornando com a marK num som de erros doridos& escapei ao tentar
pegar-me ao colo& apertar-me a barriga& Nngir ue se admiraBa
- Ests a rir-te de uV=
e eu
Qou o meu pai& eu o meu paiS
a abra@ar a cintura da minha me Bigiando-o
- %ree
apesar de nos pagar o aluguer& nos entalar notas na arra& a sua
cauda bateu uma ou duas pancadas no cho& um peda@o de
mandRbula cresceu entre os bei@os
Qao outro dia moscas& moscasS
as sobrancelhas da minha me uase uma sobre a outra a
Ntarem--no numa eCpresso de corua aumentada por óculos de ue
se no Biam as lentes& no retrato do casamento no na sua
companhia porue& uem lhe muda a gua das Tores& lhe leBanta amesa& se atormenta por ela& a sua tia para o bicho& ao dar K da
mandRbula
- Ests a rir-te de uV=
a pegar-lhe no cacha@o no angada& um sentimento dierente
- Ests a rir-te de uV=
enBenena-se uma bola de carne& uma bolacha& a tigela de arro&
deiCa-se ue o animal as coma e indignamo-nos depois
- Ests a rir-te de uV=aNgurou-se-lhe ue a tia choraBa no lagar& se BocV soubesse de
Lisboa nessa altura um petroleiro persa adornaBa com a marK tal
como& depois de eu me deitar e BocV soinho com a minha me o seu
corpo erros doridos& desistir da garraa
Qa cadela castanha com uma malha cinenta& na Kpoca
imaginaBa-a grande e hoe reconhecia ue no grande& uma cadela
mKdia
menos ue mKdia& uma cadela insigniNcante& acabou-seS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Bia-se a colcha da cama uase sempre por compor no
compartimento Biinho& o colar ue a minha me costumaBa usar na
Kpoca do meu pai e depois do comboio no puCador da cómoda& o
colar para BocV& com o seu echo oCidado
- $o sou autVntico pois no=
laranas nRtidas no galho aBermelhando o silVncio& o primo
+asimiro leBantou-se para se ir embora
Qou a marK leBantou o soalhoS
decidiu
- <ou-me embora
ao dar com o retrato da noiBa na parede& demorou
- <ou-me embora=
lembrou-se ue era altura de pagar a renda e sentou-se de noBo
planeando como tirar o dinheiro da carteira de modo ue a minha
me pudesse simular no Ber& oi separando notas tentando
perceber--lhes o Balor pela espessura& o tamanho e a enganar-se na
uantia receoso ue eu acordado& U escuta& pronto a abra@ar a minha
me e a recus-lo
- %reeU medida ue alanges a mais diNcultando a escolha
Qonde arranou tantas alanges=S
a mo ue no procuraBa na algibeira pereita& a mo ue BocV
no Bia uma dJia de tentculos independentes de si& eCtraRa-a do
casaco para BeriNcar o caso e ora do casaco igual U outra isto K
cinco dedos tambKm incluindo a Berruga ue o enermeiro ueimou&
apoiou-a no ombro da minha me o ombro logo duro& no a aceit-lo
nem a recus-lo& uieto& a perna a escapar-se sem mudar de sRtio& otronco a recuar permanecendo imóBel& um boto ue se negaBa&
cedia e apesar de ceder continuaBa echado& era a pele do retrato
ue lhe apetecia tocar& no a da minha me& a grinalda& o Bestido
branco& as Tores em lugar da blusa de Cadre do meu pai demasiado
grande na ralda& da toalha nos rins a serBir de aBental& a suspeita
ue a blusa o BigiaBa num rolo de cordas com as gaiBotas em cima&
uma alcoa e duas canas de pesca arrumadas contra a parede nesta
casa ue apenas eCistia uando a chuBa a obrigaBa a conessar
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-Estou aui
e logo o algero& as anelas& o som de arca da laraneira ue se
dobraBa no Bento
Qou eu no meu sono
- %reeS
o rio a cauda de uma cadela ue os ciganos enBenenaram a
bater na muralha& a tia para o bicho
- Ento=
os caules dos melFes de repente to negros& as Binte alanges da
mo direita conBergiram por Nm a entalar o dinheiro na arra e a
minha me U espera no so sem ser BocV ue esperaBa& esperaBa o
chapKu no beco a uem ela
- PoruV=
e um cigarro a abandon-la& esperaBa a surpresa do cigarro de
Bolta& o chapKu no cabide ordenando
- Anda c
e eu no aTito& no
- %ree
no a rodear ninguKm com o bra@o& calado enuanto a chuBatornaBa os caiCilhos presentes& a anela para nós com receio ue no
acreditssemos no ue nos garantia
- *ou uma anela no BVem=
o tecto ue mudaBa consoante os passos de cima e a localia@o
dos pingos& no grande& diminuto& ora do tamanho de uma pantua
ora do tamanho de uma gota& por Bees uma moeda ou um pires ue
rodaBa a direito e a seguir em cRrculos demorando a achatar-se
- *ou o tecto pareie o tempo& atK ento desatento& recome@aBa com demasiada
pressa enBergonhado de se distrair nos uartos de hora da igrea& ao
separar-se da minha me os olhos dela abertos para l do primo
+asimiro num tempo a ue BocV no tinha acesso senhor& Esmori
por eCemplo onde os pardais& da cor das pedras& se misturaBam com
elas ao ponto de no se destrin@ar uem pulaBa na rua& olhos ue
no o conheciam
nunca o tinham conhecido
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Q- $unca te conhecemos palaBraS
a despedirem-se de si no pauete em AlcWntara& esses apitos dos
naBios ue arranham por dentro& essa gente
Qesses pardais ue borbulhamS
e ninguKm de chapKu no meio deles& tudo muito peueno& muito
ampliado& muito peueno de noBo& motores ue lhe lembraBam a
casa da cunhada da sua tia no ardim +onstantino com a muina de
costura pie pie ao undo& um piano adensando sombras
Qum dos casti@ais uebradoS
ue no tocaBa& a eneitar& a cunhada para a Nlha
Qa muina de costura imóBel& um Bultoito entre portasS
- O +asimiro K assim
o Bultoito eBaporou-se das portas e a muina de costura a
suturar-lhe a alegria
- O +asimiro K assim
unindo-a a uma bainha& uma ronha& escutaBa a cunhada da sua
tia mastigando de palma sob o ueiCo a amparar as migalhas
QBocV a imaginar ue ela indicador apenas e aNnal a palma
inteira a amparar as migalhasSao engolir o Caile desliaBa dos ombros e subia outra Be&
proibia-o de abrir a cortina
- Os meus olhos percebes=
o casti@al ia e Binha no escuro de modo ue a casa inteira
respiraBa atraBKs dele& isto K a camilha& as otograNas& uma segunda
pagela do rei com uma espingarda e um bonK de almirante diante de
um telo ue no representaBa osse o ue osse salBo racturas&
manchas& uma legenda impossRBel de ler& no*empre 9uerido
outra rase mas ual& no uarto da Nlha
Qno bem uarto& um compartimento de arrumosS
o postigo Baio sem telhado nem rBores& talBe melros em
setembro numa dessas nuBens com ue o Bero ao crepJsculo Bai
desmontando o calor& Us uintas-eiras a Nlha entregaBa a roupa Us
clientes e a mude da muina de costura aproCimaBa os obectos&
tudo melancólico& puRdo& a terrina a imitar chinesices& o tapete
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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desproBido de ranas& o primo +asimiro sem cumprimentar ninguKm
nos retratos
Quma rapariga de tran@as& um grupo de padres& um caBalheiro
de gabardinaS
consoante no o cumprimentariam a ele se desembarcasse da
AmKrica& AlcWntara mudada& o >eato mudado& o petroleiro ue as
marKs arrastaBam pe@a a pe@a
Qo casco& os camarotes& os depósitos ocosS
na direc@o da o& pode ser ue as gaiBotas idVnticas e as
andorinhas do mar girando sobre erBitas de pWntano tal como se
Boltasse U serra de Arga um deserto de pinheiros e calhaus ue no
resistiam ao Bento& o ue porBentura sobrasse da Binha ou da casa
Quma empena& uns auleosS
unto aos tomateiros secos& o primo +asimiro a apostar ue o
aBY& de colete& a erguer o cacho de uBas
- $o h maneira de ganhares corpo +asimiro
pode ser ue desembarcando da AmKrica as gaiBotas e as
andorinhas do mar mas proBaBelmente as gaiBotas
Qse K ue gaiBotas aindaSmais acima& em +abo uiBo& e as andorinhas do mar na %raaria
ou AlgKs& nenhum pimpolho para uem BocV& admirado
- Ests a rir-te de uV=
o primo +asimiro ulgando ue uma muina de costura apenas&
onde no podia BV-la& a persistir no escuro& eCcepto Us uintas-eiras
uando o segundo andar do ardim +onstantino desabitado& a Nlha a
entregar a roupa as clientes e eu
no eu& um homem ue no se lembraBa dele sentado napoltrona da sala sem se atreBer a moBer-se apesar de agora o
responsBel& o tutor& o dono& obserBando as silhuetas da minha me&
do meu pai& encontrando a otograNa ue o primo +asimiro oereceu
QPhoto oIal Lda a letras caprichadas& em releBoS
com BocV a matar no uma on@a& um leo e desaNando ualuer
pessoa
Q- *ea uem or pimpolhoS
a dier-lhe na cara ue no se trataBa de uma on@a
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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ue no se trataBa de um leo de cenrio
Q- A proBa ue K um cenrio est em ue no desenharam as
ebras como deBe serS
trVs ebras& duas grandes e uma peuena ou uma grande e duas
peuenas
QcompreensRBel ue passados tantos anos no se recorde primo
+asimiroS
a galoparem na saBana atK ao Nm da imagem e ue no lhe
Biessem com a conBersa de uma rasgadura nas ebras grandes
Qna ebra grandeS
remendada por trs com adesiBo e cola
Qo senhor 9uerubim a remendar por trs com adesiBo e cola
- $inguKm d K +asimiroS
porue se entende logo para os ue entendem de animais ue
nem adesiBo nem cola& uma listra do lombo
Qas ebras so assimS
a otograNa ue a minha me no Biu& deiCou na bancada da
coinha sueita a espirros de molho com os seus macacos e os seus
gorilas autVnticos& o audante do primo +asimiro sem cabe@a apreBenir de bra@o ao alto& medroso
- $o se chegue demasiado patro
ele do outro lado do cenrio onde mais telFes& mais cabos& em
cima de um caiCote a Nm de alcan@ar o buraco enuanto o senhor
9uerubim BeriNcaBa o conserto da ebra
- $o me digas ue no parece BiBa +asimira
o rio a tingir a muralha de limos& deBagarinho& l ora& o leo
Qa on@aSo leo
QB lS
arremelgado por um oco assustaBa-o& se BocV tentasse correr as
suas pernas pintadas& ue amoleciam num tronco& no se moBiam
apesar de uma ibóia a aproCimar-se gulosa& no caso de pedir
QK um suporS
U minha me
- LiBra-me desta
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- >ssss bsss
e mal eles se chegaBam perseguia-os com um pau
- "etesto-Bos
BocV um retrato entre tantos retratos no segundo andar do
ardim +onstantino primo +asimiro& BocV ento
*empre 9uerido
BocV noBo percebe& seue o bigode& no chore& de ue serBe
chorar& descanse ue no alo mais de si& adeus& se calhar estas
marcas de polegares& estas nódoas nas pelRculas so a gente a uerer
dier e no pode& BocV tentando despedir-se da minha me e incapa
de abra@-la& pegar na bagagem
- $o consigo tocar-te
poisar a bagagem a pedir sem palaBras
- "eiCa-me tocar-te
a minha me a aastar-se de si ainda ue parada& igualmente
sem palaBras
- $o
de modo ue BocV a pegar na bagagem e to pesado tudo& haBia
noitesQno sabe eCplicar bem no K=S
em ue ao Boltar do >eato o traBesseiro& palaBra de honra& uma
lgrima enorme& a cunhada da sua tia& alarmada
- $o ganhaste corpo +asimiro=
no se lhe percebiam os olhos nem o nari nem a boca&
percebia-se o indicador a preocupar-se consigo& comparando-o com o
rei
- $o ganhaste corpo +asimiroo rei de espingarda tambKm a olhar para acol porue a manga
do senhor 9uerubim autoritria& Nrme
- Para acol maestade
e a maestade a obedecer ue remKdio& perguntando pelo
caminho da boca
- X desta maneira ue pretende caro amigo 9uerubim=
com a ideia no sauinho de restos de polBo e nos insultos aos
gatos& o senhor 9uerubim a esconder-lhe uma prega& a corrigir-lhe a
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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calBRcie
- Essas costas para trs essa barriga encolhida aprume-se
maestade
se houBesse um cacho de uBas por ali aceitaBa& o inBerno em
AlcWntara e a minha me a arredar-se mais depressa ue Lisboa do
pauete& no escreBeu
Qpara uV escreBer=S
garantiu
- uro ue um dia Bolto pimpolho
e a mala uma lgrima& no BocV& nenhuma chuBa no bigode& a
recorda@o do senhor 9uerubim perseguindo os gatos com um pau a
ordenar-lhe das lentes
- Mostra ue no tens medo sorri
BocV em cima do caiCote com receio ue uma ripa se uebrasse&
de cabe@a no buraco do telo notando as ebras& as ibóias& um
hipopótamo ue se lhe aNguraBa um sapo& BocV cego pelas lues a
aBan@ar o pesco@o& a dar com o leo
Qconsinto ue leoS
a assustar-se e apesar de assustado a encarar um colete ue lheacenaBa do escuro& proBaBelmente baloi@ando um cacho de uBas
depenado de ue sobraBam bagoitos cor-de-rosa& pontinhos cidos&
Berdes& BocV para o otógrao
- Assim=
o otógrao contente
- $o perdes com o rei +asimiro
U medida ue as gaiBotas l ora& untando-se U entrada da loa&
comiam o seu nome e ao comerem o seu nome o ue restaBa de si&procurar um homem de corrente de a@o nos telFes do >eato& ach-lo
na latada a emendar suportes
- $o tenho nome aBY
o seu aBY ue no sabia escreBer e portanto no daBa pela alta
das letras ue as gaiBotas leBaram& uma consoante& um arabesco de
Bogal
- O teu nome o uV=
costumaBa sentar-se no degrau a limpar a testa num pano e
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nisto Beio a carreta dos unerais e pronto& Ncaram uns baguitos secos
onde o seu aBY esteBe& um BestRgio de sola& BocV para o BestRgio de
sola
- ABY
se a sua tia no degrau indignaBa-se& agarraBa-lhe a saia
- X o meu aBY no pise
a sua tia a erguer o tornoelo e somente terra em baiCo
- $o piso o uV palerma=
a perdigueira areaBa a sola& demoraBa-se um instante& ia U
Bidinha a trote conBocada por um cheiro
Qde codornies& de lebres& de raposas=S
ue a mudan@a do Bento traia& uando a minha me Beio de
%omar para o Minho BocV a BV-la correr
Qnunca correu para siS
aceitaBa ameiCas& ma@s& no agradecia
- Obrigada
o primo +asimironpartia-lhe as noes com o martelo& no
calculaBa o golpe ou ento gostaBa dela porue esmagaBa tudo&
casca& miolo& a casa da sua tia a trVs ainhagas da nossa& uer diera da sua tia unto U Baranda do engenheiro onde as gaiBotas
dormiam& o %eo entraBa-lhe no sono e aogaBa o seu aBY& BocV a
preBeni-lo
- +uidado com as ondas senhor
e ele desentendido das marKs a boiar com os detritos& o seu aBY
um peiCe& uma anKmona& um peda@o de petroleiro a soltar-se de
banda
- As ondas o uV=se precisaBa de escreBer pedia ue escreBessem por ele&
palaBras desaeitadas a mancarem no papel& trabalhou na Alemanha
e de uando em uando dinheiro& uma notaita estrangeira ue
tentaBa alisar sem sucesso
QUs Bees sinais do erro das camisas nelaS
a sua tia a pasmar para a nota
- O ue se a com isto=
a deiC-la no enBelope& a perdV-la& o primo +asimiro roubou uma
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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delas para a minha me
Qas palaBras inseguras& a lpis& no se compreendiam & auelas
ue no lograBa ler no alaBam de BocV
oi o seu nome ue as gaiBotas leBaramS
- %oma
e ulgo ue a minha me teria dito
- Obrigada
se no osse um chapKu a esper-la no ponto& o mesmo das
otograNas dos noiBos unto Us canas de pesca& a cunhada da sua tia
para si
- +asimiro
o som da muina de costura to orte ue no lograBa ouBi-la&
para uV alar se no lograBa ouBi-la& BocV enerBado com a poltrona&
as mantas
- $o insista estou bem
o indicador a recolher entre sombras& os móBeis& se caRsse na
asneira de se aproCimar& igualmente Belhos& inJteis& os parentes da
camilha
QPhoto oIal Lda na assinatura impressa pelo senhor 9uerubimcom uma espKcie de carimboS
- +asimiro
num dó amarelado ue elimente a muina de costura
anulaBa& se o otógrao com ele uma ordem das lentes& um aceno
imperial
- Para acol rapa
um oco Bindo ignoraBa-se de onde a atraBessar-lhe a
ineCistVncia das pupilasQ perdi as pupilasS
- Mostra ue no tens medo sorri
claro ue no tinha medo& os ca@adores no tVm medo das
ibóias& das ebras e por conseguinte sorria& o buraco do telo uma
corda de enorcar& o senhor 9uerubim
- ,ma corda de enorcar como=
e ainda bem ue a muina de costura impediu o senhor
9uerubim de dar K do ue BocV disse primo +asimiro& ainda bem
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ue anulou a chuBa em AlcWntara& uem por acaso compreendeu
- ,m dia Bolto pimpolho
enganou-se& ual,m dia Bolto pimpolho
no Bolta conorme o seu aBY no Boltou& Biaam& andam por
ora& nunca tVm saudades& de tempos a tempos
Qou sea uase nuncaS
uma nota estrangeira& uma carta& palaBras desaeitadas a
aNrmarem comprei uma casa& montei um negócio& no tenho tempo
de pensar em BocVs& no caso do pimpolho
supondo ue o pimpolho
imaginando ue o pimpolho
apesar de no acreditar no pimpolho mas no caso de
Qsupondo& imaginando ue o pimpolhoS
- Primo +asimiro
a@o de conta ue a muina de costura ao undo no permite
impede. no nesse carto& no me chego a ti& no te pego ao colo&
no insisto nas cócegas e portanto ests rir-te de uV
- Ests a rir-te de uV=
eu no a mangar& sincero- Ests a rir-te de uV=
dado ue no me interessas consoante a tua me no me
interessa& por aBor no me lembrem a cadela nos tomateiros ou um
cacho de uBas cor-de-rosa& minJsculas& ue no me interessam
tambKm& moro nas traseiras de um restaurante italiano entre
gorduras& relentos& um +oliseu de gesso& caiCas de cartolina
QoeZs PiaS
Baias& metade da insRgnia iluminada& a outra metade apagadaQUs Bees promete acender-se& oge& regressa& torna a ugir&
desisteS
o auecimento do uarto a estalar em eBereiro toda a santa
noite& o rosrio ue o coinheiro antes de mim deiCou preso na cama&
um compartimento semelhante ao cubRculo de arrumos do ardim
+onstantino com um postigo demasiado alto& de trinco soldado pelo
óCido e o pWnico dos gatunos
Qto distante do marS
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em ue nem telhados nem rBores& no comprei uma casa& no
montei um negócio& penso em BocVs acho eu& oi@o gar@as Us Bees em
+abo uiBo& nos pWntanos& Beo-as erguerem-se de pesco@o
estendido& algumas uase brancas& lilases& castanhas& ro@ando as
asas no lodo& uma delas com uma r no bico a engolir a r U medida
ue sobe& Beo pargos ue Tutuam de barriga para cima& camarFes&
laBagantes& se eu de chapKu no ponto& U tarde& soinho& a me do
pimpolho correndo para mim a sorrir& eu espantado
- Ests a rir-te de uV=
e ela a ir-se embora oendida
- O +asimiro ue coisa
no dinheiro portuguVs& dinheiro americano ue hei-de entalar
na arra& cartas com palaBras desaeitadas& linhas ue se
sobrepunham& torciam& o nari unto U mo a procurar gui-la& to
hbil para achar a garraa no aparador e to aselha com as rases&
no apenas o nari unto U mo& a lRngua de ora& apertada nos
dentes& ue auda os mJsculos a doerem do esor@o& se ao menos
conseguisse escreBer caprichado& em releBo& depois da Jltima letra
um tra@o ue se ia tornando mais grosso a sublinhar as restantesPhoto oIal Lda
o senhor 9uerubim a mandar-me descer do caiCote& a entregar-
me o retrato
- +a@aste o teu leo +asimiro
no uma on@a pimpolho& ue on@a& um leo& a uba encarnada e
aul
- ,m daueles do deserto conheces=
incisiBos como os hamsters e portanto um leo tal e ual& depoisde o matar bateu uma ou duas pancadas da cauda& a mandRbula
aumentou& a minha tia a pic-lo com a Barinha
- !sto um leo=
deBia tV-lo entregue no segundo andar do ardim +onstantino
para ue abaiCo da cercadura oBal
*empre 9uerido
se recordassem de mim e o pimpolho agora o responsBel& o
tutor& a interrogar-se intrigado
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- 9uem Ks tu=
como se perguntar
- 9uem Ks tu=
igual a perguntar
- 9uem sou eu=
uando o ue ele era to simples& uma crian@a de cinco ou seis
anos a surgir na sala e a contar laranas num galho& a Bo ueC
principiaBa baiCinho cada Be mais alta& noBe& de& one& doe e no
doe& de repente& silVncio& nenhuma gua nas Bidra@as
QchuBa ou enchentes ou Baantes ou acontecimentos do gKneroS
nenhuma muina de costura& nenhum pauete a largar para a
AmKrica& a casa do >eato calada& eu calado Bisto ue o senhor
9uerubim
- $o respires agora
inBisRBel no centro dos cenrios& eu a Ntar o leo apoiando os
oelhos num tronco pintado a carregar a espingarda& a cunhada da
minha tia& orgulhosa
- O +asimiro K assim
o +asimiro aui na AmKrica sem a enBergonhar senhora& um diadestes rico& casado& no com este aBental& bem Bestido& gordo
Qum ato noBo garanto-lheS
a entrar na Photo oIal Lda para minha admira@o no
pomposa& modesta& descem-se dois lances e baNo& odores de canos
rotos& eu sem olhar para as noiBas e os bebKs das montras& no
- *enhor 9uerubim
apoio o cotoBelo no balco sem dar graCa ao empregado
- <ocVQBocV ou tu=S
- <ocV
eu nem seuer graBe& displicente& uma criatura de mos roRdas
pelos cidos a surgir de uma portinha lateral onde tinas e rascos&
negatiBos pendurados de molas& a criatura
- *enhor +asimiro
respeitosa& humilde& no a propor-me a paisagem de 3rica e os
seus bichos mal amanhados& idiotas& a desenrolar-me o cenrio do
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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rei& isto K o ue me pareceram
Qno me pareceram& eramS
os armaKns de AlcWntara na manh da partida& a chuBa no
bigode ue seuei com a manga a olhar para acol porue o senhor
9uerubim
Qo meu Bassalo 9uerubimS
- Para acol maestade
ou no eCactamente
- Para acol maestade
antes
- Para acol ". +asimiro com mais orgulho chega
acol onde barracas& uma mulata a pedir esmola& a misKria de
Lisboa
Q- Os Nns do mVs so diRceis ". +asimiroS
o >eato talBe& o petroleiro persa& adornado no lodo erguendo-se
com as correntes& eu& ue regressei da AmKrica& atracado no ponto
numa coroa de gaiBotas e andorinhas do mar U medida ue o
pimpolho chegado ao Nm do ramo
- %reeou o pimpolho no
- %ree
o pimpolho
- Acabou-se
comigo nas traseiras deste restaurante italiano entre gorduras&
um +oliseu de gesso& caiCas de cartolina Baias& o pimpolho& maior
ue eu& a leBantar a cabe@a da camilha cheia de otograNas
Q*empre 9ueridosS- A sua Bida acabou
o radiador a estalar na parede& a metade iluminada da insRgnia
aclarando a cama& o meu casaco no cho& o ue a cunhada da minha
tia inelimente no Biu& ela para a Nlha& contente comigo
Quma sombra ue se tornaBa indicador& uma sombra entre
sombrasS
- O +asimiro K assim
de orma ue antes da muina recome@ar pimpolho pe@o-te ue
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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lhe eCpliues ue eu bem& com saJde& mais gordo& escreBo esta
semana sem alta ou para a semana ou para o mVs ue Bem ou para o
ano& seco a chuBa do bigode ao assinar o nome& letras desaeitadas
no& letras caprichadas& em releBo& Photo oIal Lda& um
estabelecimentoinho ue no eCiste consoante a me do pimpolho
no eCiste& desaparecendo por seu turno onde as calhas do elKctrico
se dobram no sentido do rio e de ualuer orma
Qdisso tenho a certeaS
eCiste o senhor 9uerubim
- Alcan@a o caiCote e sobre para cima dele 9uerumim
traendo um par de ocos em lugar de um apenas e eu uese
no os Bendo& eu sem os Ber& Bia contornos& aurKolas& circunerVncias
de lu& depreendia pelo som ue o senhor 9uerubim a transportar
um escadote ou uma cadeira& osse o ue osse ue resistia&
protestaBa& se auietaBa Nnalmente& adiBinhaBa-o dispondo um telo
adiante do meu
Qum restaurante italianoS
com remendos& agraes& o alNnete de ralda de um dos bebKs da
montra dado ue um brilho de metalQum brilho de metal=S
um brilho de metal& uma cintila@o rpida ue surgiu e
desapareceu a entrar-me no corpo
Quma lWmina=S
a tornar a entrar& a aleiar-me& a desaparecer outra Be ou sea a
aca do audante de coinha procurando o dinheiro ue no haBia na
almoada& nos meus bolsos& na bagagem sob a cama& a ue trouCe de
AlcWntara& a me do pimpolho nem seuer- Adeus
distraRda de mim& eu de regresso ao >eato onde o empregado de
mos roRdas dos cidos
- EnNa a cabe@a no telo +asimiro
mas ual telo& um espa@o branco& todos os ocos acesos& no
dois& trVs uatro cinco ue conBergiam& aumentaBam& me impediam
de procurar a origem da lu& a origem da lWmina ue me aleiaBa nos
rins& na barriga& no peito& o senhor 9uerubim a aconselhar-me ao
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ouBido
- Mostra ue no tens medo sorri
e portanto eu& pimpolho& a sorrir no retrato& eu um cordeiro de
matadouro& eu um boi de pesco@o erguido& cabe@a para acol& ambas
as mos na cintura
- Pareces uase o rei +asimiro
enuanto as gaiBotas comiam letra a letra o meu nome& esta
consoante& esse arabesco de Bogal& o audante de coinha do
restaurante italiano
Qou a muina de costura do ardim +onstantino=S
me aleiaBa e aleiaBa e eu para ti& como sempre
- Ests a rir-te de uV=
a Nngir-me angado.
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TERCEIRA FOTOGRAFIA
$esta otograNa demasiado peuena& demasiado turBa& eita
durante a guerra em >issau e ue enBelheceu mais ue as outras
QdeBe ter permanecido meses a oCidar-se na muinaS
sou o oitaBo a contar da esuerda diante do muro do uartel&
no se percebem as caras nem as mos& percebe-se a sombra de uma
rBore ao centro
Quase ao centroS
camuTados& cartucheiras& adiBinham-se botas& sou o oitaBo a
contar da esuerda porue na barriga uma cru a tinta ue
enBelheceu tambKm& no aul& plida& mais Bincos ue tinta
Qapenas um restinho onde os Bincos se tocamS
se continuo a olh-la a sombra da rBore aumenta e engole-nos&escutam-se camionetas& Boes& os ditongos de um pssaro& mesmo
ue no haam morrido em 3rica aNgura-se-me ue todos no retrato&
a come@ar por mim& mortos agora& esconderam-lhes os bra@os atrs
das costas& endireitaram-lhes os corpos na rigide dos deuntos& no
se escutam apenas as camionetas e as Boes& escutam-se os tiros& o
helicóptero ue nos recolhia o espanto de conusFes de arbustos ou
margens lamacentas e oretrato a esBaiar-se de soldados& somos
one& somos cinco& somos trVs& sou o próCimo a ir-se embora do murocom a sombra da rBore a comer-me os tornoelos& Ncam os Bincos
da cru a tinta no meu lugar& soinhos& uem olheasse o lbum a
apont-los isto K a designar a parede do uartel se K ue eCistiu um
uartel
- $o est ninguKm aui
e nem uartel talBe& Beio um morteiro e sobram as olhas da
rBore e os ditongos do pssaro& o dono de um dos uintais do >eato
estudaBa a horta& angaBa-se& traia a espingarda de chumbinhos&
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BisaBa os legumes e erguia do cho cartuchitos de penas
ensanguentadas& sem cabe@a
QnósS
esmagaBa-os Bingado
- no me estragam as alaces agora
entregaBa-os ao capelo& aos maueiros e elimente ue a
otograNa demasiado peuena& demasiado turBa& nem aproCimando a
orelha se entendiam os canhFes sem recuo& a otograNa em silVncio&
nada salBo os murmJrios do cacimbo ou do %eo mas o ue era o %eo
em 3rica seno umas canoas& umas erBas& a espingarda de
chumbinhos na arrecada@o& coisas sem importWncia alguma
Qe por no terem importWncia alguma as recordo to bemS
como por eCemplo a minha me uando o mKdico lhe deBolBeu
as radiograNas e chamou outro doente
- PoruV=
a censurar as canas de pesca e a chuBa em lugar do meu pai no
ponto& tudo isso passado com estranhos& sem me dier respeito& o
ue me diia respeito era o Biinho a matar-me e eu tentando
permanecer no retrato& tirei a muina otogrNca ao colega mal eleum cartuchito de penas ue a rBore do muro do uartel dissolBeu& o
tenente ou o dono dos legumes para mim
- Ests a roub-lo tu=
pronto a disparar a espingarda de chumbinhos na minha
direc@o ou na direc@o da mata isto K legumes enormes crescendo
de pWntanos& no os prKdios do >eato& cubatas ue ardiam& pessoas
uase nuas de oelhos& uma cabra a empinar-se& mais cubatas ue se
aundaBam na gua& a minha me descal@a comigo ao colo& o senhor9uerubim Qou um sargentoS
- *egure o pimpolho madame
e nem seuer um tiro& um instante de magnKsio e ual de nós
dois caiu primeiro& ual de nós dois de olhos abertos
- PoruV=
num telo ue representaBa soldados& galinhas esparBoadas&
labaredas& gritos& o palcio da >ela Adormecida uma casa negra de
eCplosFes& sem telhas& em cua ausVncia de portas uma cabra assoma
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a balir& as lWmpadas da Photo oIal Lda mudando todo o tempo de
posi@o na loa& acendiam-se e apagaBam-se derrubando gente&
palhotas& a minha me ue tornaBa a leBantar-se e cuos cotoBelos
moles desistiam de se apoiar num Balado& os dedos dela& pretos&
amarrotaram um Wngulo de pano& soltaram-no& um cabo a ue altaBa
metade do peito a sorrir& o senhor 9uerubim aproBando
- Aumente esse sorriso um minutinho nosso cabo
eu debru@ado para a minha me a aud-la embora no sei
poruV no me respondesse& no Bisse& o tenente
- +arrega no lan@a-chamas estJpido
e o palcio da >ela Adormecida a tingir-se de Bermelho tiolo a
tiolo& dJias de pssaros sem cabe@a
*empre 9ueridos
incapaes de estragarem as alaces& a marK principiou a descer
e no aui& na ;uinK
Qna ;uinK ou aui=S
os passageiros do hidroaBio enrodilhados na areia& as noiBas
ou a tropa
ou as Belhas do >eatoa despirem-nos aos puCFes entre bicadas& unhas& procurando
eCplosiBos& mapas& armas& enuanto a cabra continuaBa a manuear
com um grumo de saliBa baloi@ando no ueiCo& se eu pudesse
leBantar o nari como os bebKs da montra e grasnar embora esta
otograNa demasiado peuena& demasiado turBa pata ue alguKm
desse K
QUs Bees na primaBera os comboios de *anta Apolónia
chegaBam atK nós U noiteSse Boltar a pgina do lbum nenhuma tropa& nenhuma aldeia&
esueci mesmo ue os comboios de *anta Apolónia
Qou um rebocador em outubro& de palma na cintura& a ueiCar-se
das costasS
me ueiram lembrar& ainda me acontece pensar no >eato& no
pensar na ;uinK& e o >eato
Qcomo ser hoe em dia=S
mais remoto ue 3rica& a cabra Binha sem pressa de pata
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doente no ar atK esregar-se em mim& o tenente
- $o gastes balas com a cabra
o animal os olhos da rapariga ue trabalhaBa na modista
Qno a gorda& a aprendiaS
U anela& a pata da cabra a tremelicar& a garupa a tremelicar&
claridades de magnKsio mas sem importWncia& inocentes isto K o
senhor 9uerubim atrs da muina a garantir
- Estamos uase no Nm
a pedir
Qcomponham os uniormes& untem-se maisS
- ,m aspectoinho descontraRdo se me aem aBor
os Jltimos passageiros do hidroaBio de bru@os na picada& ao
irmo-nos embora a cabra a balir& BiJBa& nos torresmos das palhotas
coCeando para nós conorme no dia seguinte U partida do meu pai eu
a trope@ar no ponto& nenhum chapKu lhe pertencia& nenhuma cana
de pesca era a sua& na camioneta de regresso a >issau deu-me ideia
ue gaiBotas e andorinhas do mar em Be de morcegos de mangueira
em mangueira e dos insectos da tarde& restos de poBoa@Fes& misKria&
mais cabras ou sea as raparigas da modista& a gorda e a aprendiaQora do estabelecimento menos Bistosas& mais eiasS
rindo-se de mim a caminho do elKctrico
- ,m magala
se o tenente me deiCasse gastar balas com elas ao demorarem-
se U hora do almo@o no telheiro dos barcos as raparigas dois
cartuchitos de penas ensanguentadas& sem cabe@a& o urriel a pis-
las
- #oste tu=o oitaBo a contar da esuerda diante do uartel de >issau neste
retrato demasiado peueno& demasiado turBo& sem letras
caprichadas& em releBo
Photo oIal Lda
no canto& percebia-se por um uadrado mais plido e os
BestRgios da cola a otograNa maior ue tirei a caniBete do lbum e
no eram as palmeiras da ;uinK nem um eriado com as minhas
Nlhas na praia
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Qeu magro& com cabeloS
nem a minha mulher na Kpoca em ue nos conhecemos
Q- Perdeste o retrato ue te dei no oi=S
as palmeiras da ;uinK ao Bento e nós cabras ue mancaBam& nós
balindo& se o primo +asimiro comigo
- Ests a rir-te de uV=
ele ue no ria nunca a pedir esmola U minha me com os olhos&
talBe eu no uma cabra a mancar& eu em Portugal a salBo& no no
>eato nem no ardim +onstantino& no uarto ue aluguei na >aiCa& a
mala com a roupa no Bo e a porta a bater contra a cama& no se Bia
o %eo& Biam-se esttuas de loi@a
QlRuen nas órbitas Baadas pingandoS
as plantas e as Torinhas amarelas& sem nome& ue crescem nos
telhados& a minha mulher a enteada da senhoria& comia U mesa com
elas& escolhia-me a pescada& cheiros de ornais antigos& móBeis
espessos recusando o sol& o abaur cuas borlas se emaranhaBam
trocando-se logo ue uma Bisita subia os degraus& a enteada deiCaBa-
me um bombom no traBesseiro& no $atal os botFes de punho do pai
aposto ue achados por acaso na cómoda do corredorQ- H uanto tempo estaBam BocVs na cómoda digam-me=S
a otograNa dela
- Perdeste o retrato ue te dei no oi=S
num enBelope de estrelinhas prateadas& no papel a cobrir a
otograNa no conte U minha madrasta pela sua saJde& uma ocasio
encontrei-a a beiar uma camisa minha na maruise com um ladrilho
solto& o ladrilho
- +uidado ue eles dois aui dona +Kua cara do primo +asimiro na cara dela
Q- *e a minha madrasta sonhasseS
a amarrotar-se de aTi@o& a manuear& a balir& o grumo de
saliBa& a perna doente e nisto& no apenas na maruise& casa ora&
restos de poBoa@Fes& misKria& as metralhadoras de sJbito& as pessoas
a ugirem& a deiCarem de ugir& a ugirem de noBo& o senhor
9uerubim girando lentes a aer-nos sinais
- <oltem a disparar por aBor
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tantos cartuchitos de penas ensanguentadas& sem cabe@a e no
era a otograNa dela no lbum antes deste retrato demasiado
peueno& demasiado turBo& a madrasta poisaBa-se a si mesma nos
patamares untamente com as compras& um saco& dois sacos& ela&
tudo bambo& sem Bida& demoraBa sKculos a reconciliar-se com a asma
atK Boltar a apanhar-se& uma das mos pegaBa no próprio corpo e a
outra nos sacos
- <amos l
no se sabia se um pVssego ou o cora@o da madrasta a rolar
nos degraus& ia l baiCo apanh-lo
- O seu cora@o ou o seu pVssego tome
o pVssego ue pulsaBa& o cora@o com uma penugem roCa&
impedir a enteada de o descascar U sobremesa
- Aten@o
a madrasta negociando com os pulmFes incapa de palaBras
conorme a gente no dia em ue cercmos uma poBoa@o e nos
surgiu da mata aos arrancos& sem acertar com a picada& o ipe com
uma pedra no acelerador e o nosso coronel morto a dan@aricar no
assento ultrapassando-nos ao ultrapassar um riacho& Bacilante&teimoso& atK um tronco o impedir e as rodas a trabalharem em Bo& o
coronel um Jnico oriRcio de reBólBer no pesco@o ue o colarinho
escondia& ao desligarmos o motor as palmeiras ao Bento& a enteada
largou o pVssego ensurdecida pela chuBa da ;uinK
- Perdo=
os sacos das compras cora@Fes e cora@Fes amontoados na
despensa& a certea ue o coronel entre eles sem ue eu adiBinhasse
ual era& eCaminaBa-os um a um buscando ecos de minas& tiros& um ipe ue emudecia& cabras
- $o K este
o pai da enteada uma cigarreira& um alNnete de graBata& uma
escoBa e a partir da cigarreira& do alNnete& da escoBa eu a compor
um homem Us pancadinhas na lWmpada do abaur uando o soalho
oscilaBa
- "ecides-te ou no=
ao apagar-se Lisboa imensa l ora e o uinto andar ineCistente&
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haBia as nossas Boes& no haBRamos nós& as lues de outros prKdios&
nKons& escutBamos os taipais da pastelaria distante ue o
empregado colocaBa a dois metros de mim& a lWmpada de regresso e
o uinto andar somente& nem pastelaria nem nKons& o pai da enteada
nenhuma pancadinha& nenhum
- "ecides-te ou no=
Us escuras no meu uarto sentia-o a BeriNcar o trinco& a echar
melhor as torneiras& o meu cora@o um pVssego a rolar por mim
mesmo& o coronel sentado no ipe sem ue ninguKm lhe tocasse& tiBe
medo ue outro ipe Bagaroso& de aróis nos mCimos e comigo
dentro a nascer da mata& a sombra da rBore no meu lugar no muro&
a otograNa demasiado peuena& demasiado turBa& deserta& sentia as
molas da cama da enteada atraBKs do tabiue& se ao menos remasse
num baruinho& de la@arote no cabelo& no telo do >eato& a madrasta
pulmFes ue sugaBam e eCpeliam a casa retraindo ou abaulando
paredes& pretos ue aoelhaBam diante das metralhadoras sem tempo
de pedirem o ue uer ue osse& as chaminKs da >aiCa na anela ou
as palmeiras de 3rica
Qno estou certoSa minha Bida alteraBa-se consoante o ruRdo de um cano& uma
placa de cali@a no soalho ou a muina de laBar ue pulaBa de
surpresa
- Estou BiBa
e aliBiada por estar BiBa se incluRa nas treBas& o mKdico no
deBia ter entregue a radiograNa U minha me& deBia tV-la deiCado a
balir& manca& entre cubatas a arder cuidando ue eram o hidroaBio
ou o petroleiro persa em chamas e no consultas& tratamentos inJteisna esperan@a ue o meu pai
- %rambolho
se o comboio de Paris e o chapKu no beco ao nosso encontro& o
primo +asimiro
- Peuena
seue a chuBa do bigode primo +asimiro& deiCe-se de mariuices
enuanto inBenta optimismos& procura a garraa no aparador e se
calhar isso o amor no K& essa aTi@o& esse medo& esse beicinho ue
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tenta combater a chuBa engolindo-a
- A tua me pimpolho
ainda bem ue BocV na AmKrica senhor sem nos incomodar com
acanhamentos e cócegas& no diga nada& pegue na bagagem e
desapare@a-nos da Bista& no prometa
- ,m dia Bolto pimpolho
a espreitar o ponto no receio ue o meu pai onde detritos&
limos& no o uero aui uando o ipe sair do uarto aos arrancos
com a minha me a dan@aricar no assento& a ultrapassar o tapete&
continuando na direc@o da coinha atK o baJ o impedir de aBan@ar e
os pneus a girarem em Bo neste cheiro de 3rica& uma crian@a a
Ntar-nos
Qeu=S
com o pVssego do cora@o ou uma rai de mandioca na palma&
acocorada na lama e as noiBas do >eato em torno& esses grasnidos de
criaturas humanas meu "eus& essas grinaldas& essa alsa pa nas
molduras& o senhor 9uerubim a compor-lhes o BKu de craBo no
casaco& a serBir-se no da nossa garraa& do espumante ue lhe
daBam no portal da igrea- %rato-te por menina ou por madame agora=
mas no oi o retrato da minha me ue tirei com o caniBete do
bum nem as palmeiras da ;uinK nem agosto com as minhas Nlhas
na praia em %aBira
Qa mais Belha de cotoBelo em gessoS
e eu magro& com cabelo
Qtorne as ondas mais nRtidas senhor 9uerubim& desenhe a ponte
romana como deBe ser& acrescente-lhe cor-de-rosa e aul& unte-lhesereias gorduchas a tocarem harpa& peiCes de boca aberta& gulososS
nem o retrato da minha mulher na Kpoca em ue nos
conhecemos& a minha Nlha mais noBa inBeosa do gesso
- 9uero um aparelho nos dentes
desliguei o motor da cama da minha me e nem um pVssego
rolou nos degraus para amostra& ulguei Ber o meu pai no cemitKrio e
mentira& um caBalheiro de Bassourinha a espanear uma campa&
uando me aproCimei no
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- %rambolho
a Bassourinha diante do peito no medo ue eu Biesse roub-lo& o
dRstico da lpide
*empre 9uerida
embora nenhum piano& rBores dierentes do ardim
+onstantino& cheguei a pensar ue a muina de costura e aNnal
guindastes num ediRcio em constru@o& o muro no o muro do
uartel& no sombras& tirei o retrato do lbum para ue no
- Esta uem K=
o caBalheiro da Bassourinha a assoar-se
- <enho aui todas as seCtas-eiras
as ei@Fes passaram-lhe da cara para o len@o& Ncou uma espKcie
de sorriso
- %odas as seCtas-eiras
orgulhoso ou a desculpar-se& no se entendia bem& nessa tarde
Bisitei o >eato& haBiam remoBido o petroleiro da margem e pergunto
em ue sRtio as senhoras idosas escutaro o seu ter@o e os bebKs de
nari no ar a trepidarem de ome& Biinhos ue no sonhaBa uem
eram& a igrea sem uartos de hora& muda& o caBalheiro arrumou a Bassourinha na Pasta onde me pareceu ue a marmita do almo@o&
suponho ue se se acomodaBa num desnRBel a mastigar um ranguito&
eu
- $o pergunta U deunta se K serBida=
Qaposto ue o primo +asimiro& to cuidadoso& no altaria a esse
respeito com a minha me
- Xs serBida=S
o caBalheiro a limpar-se no len@o e ao limpar-se no len@o nem osorriso & eCplicar U minha mulher echando o lbum
- ,m retrato da ;uinK ninguKm
e no estaBa a mentir& o uartel Baio tirando a sombra da
rBore& tudo demasiado peueno& demasiado turBo& sempre uma
nKBoa nos pWntanos& manchas
nós no camuTados& no armas& manchas& eu na praia com as
minhas Nlhas uma mancha& ual magro& ual com cabelo& uma
mancha& eu uma mancha& elas nRtidas& uma senhora dois toldos
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adiante mais nRtida ainda& a senhora sim& nRtida& a cara& as mos&
Bestida como no retrato ue tirei do lbum com o caniBete e ao tir-
la do lbum pessoa alguma
- ,ma dessas paisagens da ;uinK pessoa alguma
a senhora no sanatório em +oimbra onde no me deiCaram
entrar& as cartas sem resposta ao princRpio e deBolBidas depois
Qmais carimbos& mais selosS
pessoa alguma& pinheiros e pessoa alguma& um parue e pessoa
alguma& o ardineiro ue nem seuer me respondeu a aparar buCos
num escadote& as anelas echadas& deu-me ideia ue me espiaBam
mas um reTeCo de cortinas& pessoa alguma& portanto uma otograNa
da ;uinK& o muro do uartel deserto tirando a sombra da rBore&
tudo demasiado peueno& demasiado turBo& o rolo ue se oCidou
durante meses na muina& ao entregarem-mo na loa soldados de
ue no se percebiam as caras& eu o oitaBo a contar da esuerda
numa Nla de pessoas algumas ou sea charcos& aldeias destruRdas&
pretos diRceis de separar das raRes ue trotaBam para nós ao
cuidarem escapar& uantas Bees olhos ue me obrigaBam a echar os
meus& no se daBa por gente& daBa-se por olhos& uma ocasio embranco com eles& no portuguVs& mais alto& estrangeiro& dobraBa-se a
cada bala sem cair& o senhor 9uerubim mudou a muina de posi@o
para enuadr-lo no cenrio das ibóias& das ebras& a sugerir o rei
como eCemplo
- Mostre-lhes ue no tem medo no caia
o estrangeiro a endireitar-se& a apoiar-se num ramo e a mirar-
nos do ramo& no caiu todo& caRram os bra@os& as costas& uma das
pernas sustentaBa o resto e o resto a cair por seu turno& umcamuTado melhor ue os nossos& botas mais caras& postais& no bluso
dele& da *uKcia& por um instante ulguei ue no o estrangeiro& o
primo +asimiro
- Ests a rir-te de uV=
apesar do primo +asimiro na AmKrica& se calhar rico& de anKis&
sem se lembrar de mim& o indicador da madrinha da minha me a
libertar-se do Caile Basculhando sombras
- O +asimiro escreBeu=
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e a ausentar-se desanimado para alKm do casti@al& da terrina& se
ao menos a muina de costura nos pregasse uns aos outros
abolindo o tempo& nos cosesse contra o reposteiro& o piano& o papel
de parede conorme o retrato da ;uinK nos coseu contra o muro&
postais da *uKcia& uma pata de coelho ue no lhe deu sorte Biu& no
audou em nada& um sueco a beber gua choca e a comer grilos com
os pretos& o depósito de gasóleo dos carros e um ósoro em cima
para o ueimar com os amigos& uma crian@a ergueu um dos pKs e
calou-se
Qpreg-la com a muina de costura tambKmS
o caBalheiro do cemitKrio echou a pasta& emendou uma arra&
estudou o eeito& emendou-a de noBo& Boltou-se uma ou duas Bees
enuanto se ia embora
Qos passos dele to cómicosS
seis arras& trVs U direita e trVs U esuerda& cada ual com a sua
Tor a embaciar-se dentro& nós uma arra apenas onde o primo
+asimiro entalaBa as notas de modo ue a trouCe U campa da minha
me na Bisita seguinte& um obecto l de casa& uma companhia
meinha- #ica mais conortBel na terra=
o sueco igual aos colegas 9uando o gasóleo acabou& negro& o
tenente a espalhar ossos& cina
- $unca houBe um branco aui compreendem=
conorme nunca houBe outro retrato no lbum& ual retrato& a
senhora no de ato de banho& Bestida& mais nRtida ue as minhas
Nlhas& ue eu& todos os BerFes dois toldos adiante em %aBira& no se
incomodaBa connosco& no nos alaBa& a minha Nlha mais Belha aeCibir-lhe o gesso
- Parti o cotoBelo sabia=
e ela assustada
Qno se descal@aBa seuerS
a apressar o crochet& uma proBinciana& uma estranha& pessoa
alguma da mesma orma ue o sueco e o primo +asimiro pessoas
algumas& uns ossos escurecidos& um pauete para a AmKrica ue as
noiBas desistiram de acompanhar a partir da o& as cegonhas do
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Ateneu imóBeis& mais de uma ocasio& no Nm de agosto& ao regressar
a Lisboa& BRamo-la no banco da paragem do autocarro a esconder-se
da gente piscando os olhos ao sol& a minha mulher
- A proBinciana do toldo coitada
U noite encontrBamo-la no caK& no meio dos ingleses&
embeBecida com as lanternas do mar conorme talBe no sanatório
em +oimbra se entretinha com o ardineiro a aparar buCos em
tesouradas ue me doRam a mim& as lanternas do mar de %aBira uma
constela@o de 3rica de ue no sabia o nome
Qno uero saber o nomeS
crescendo para me aborrecer de lembran@as na gua do
AlgarBe& a minha mulher
- $o ests aui pois no=
e eu sem poder responder-lhe dado ue BiaaBa na estrada de
>issau a caminho da mata& terra gren& mandioca& no bem uma
inuieta@o& outra coisa& o peito rio& gelado& rio e uente e gelado&
as minhas pernas geladas& as minhas mos geladas& palpaBa o
cora@o e no tinha& eu uma coisa dierente& tudo dierente& conhe@o
e no conhe@o este silVncio& algo ue no terminaBa de tombar& euQ- Eu=S
sentado nos len@óis
- <ou morrer
no
- <ou morrer
sentado nos len@óis
- Morri
U medida ue a terra gren dos dois lados da estrada& BiBendascoloniais a ue altaBam paredes com a roupa colorida a secar numas
guitas& a Bo do primo +asimiro um martelo no andar de baiCo e eu
morto sem sentir as cólicas do mogno& os pregos& a seguir U estrada
de alcatro uma estrada no capim& erramentas abandonadas unto a
um caldeiro de britar& a minha me
- Ests a chorar poruV=
altaBam-lhe ganchos no cabelo& os botFes da blusa
desacertados& a cara esuisita& o primo +asimiro atrs& esuisito
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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tambKm& a graBata na nuca como sempre ue uma só pupila& o
oelho& o pK& ao largarmos de >issau as coisas despediam-se da
gente& atK o mastro da bandeira& os emblemas dos batalhFes em
gesso ue iam perdendo pintura& a pena das coisas to óbBias
-<ais morrer
do mesmo modo ue se alguKm desaparece os seus pertences
maiores& uma dignidade e uma importWncia ue ignorBamos terem&
os pertences o deunto mas seBero& oendido
- $o te custa no Ber-me=
atK a roupa garanto& abre-se uma gaBeta e as camisas acusam-
nos& uanto mais bem dobradas mais hostis connosco& um cheiro
angado de perume a repelir-nos
- <ai-te embora
no sei o uV de pele BiBa ue permanece no uarto& o primo
+asimiro
- $o Bais morrer pimpolho
a palma uase na minha cabe@a sem me tocar
Qa metade do meu pai ue achaBa em mim impedia-oS
os aróis da camioneta no trilho e logo arbustos monstruosos& oneBoeiro de gotas suspensas do primeiro rio& um gancho de cabelo
da minha me escorregou para a manta sem ue ela desse conta no
eCacto momento em ue as metralhadoras come@aram& deitei-me na
cama antes ue apagassem a lu& o primo +asimiro puCou-me o
len@ol para cima& uis pedir-lhe
- Espere
- ,m momento
- "eiCem-me Ncar um bocadinho com BocVs por aBore emudecido& aceitando& seguro ue no ponto um rolo de
cordas e o meu pai
- %rambolho
o chapKu no direito& de banda& a tro@ar-me& morri
as lanternas do mar de %aBira NCas e no entanto seguindo-me&
pescadores diem eles& traineiras encandeando os cardumes& partiam
ao Nm da tarde a chocalhar bielas& a pergunta da minha mulher
traia-me de Bolta da noite do >eato onde o primo +asimiro& no
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corpo& no pupila& só o paBioinho da Bo
- <ais Ncar a pensar nele toda a Bida peuena=
e sentaBa-me ao seu lado no caK de %aBira
- $o estas aui pois no=
o retrato da proBinciana da paragem do autocarro no lbum& no
Photo oIal Lda nem assinatura nenhuma& a imagem de uma menina
em roupa de comunho solene& o cruciNCo& as mos postas& sem
cenrio por trs
Qo senhor 9uerubim com despreo
- $em seuer telo pimpolho no haBia de dar uma noiBa
decenteS
uma mesa de pK-de-galo com uma bailarina no tampo& a
ustiNca@o aTita
- $o tenho outra desculpe
a mesa de pK-de-galo de ue engomaBam a toalha o melhor
móBel ue haBia& eu a imaginar a casa u o ue osse numa aldeia a
one uilómetros de Arganil com ones em torno& Bespas no tanue& o
ogo
Qtal como no >eatoSem ue só um dos bicos acendia& bonecos de pano nas camas
Quma adista& um maruoS
a mesa de pK-de-galo importantRssima& no eCacto centro da sala&
daBa-se corda U bailarina
Q- Podia dar-se corda U bailarina sabia=S
e ela a rodopiar empenada detendo-se no primeiro ressalto& com
um toueinho na base estremecia num pulo& entortaBa-se mais&
continuaBa a girar& tinha a certea ue se a criatura carregasse napelRcula a bailarina Us Boltas como tinha a certea ue o mecanismo&
com o tempo& um engasgo enerruado& o pai
Qou o tio ou o irmo mais BelhoS
uma gota de aeite a disar@ar e a bailarina um cambaleio& um
impulso& o aeite ue alastraBa na toalha& a me dela
Qou a tia ou a irm mais BelhaS
a designar a nódoa
- E agora=
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de orma ue BoltaBam a nódoa na direc@o da parede
Qa bailarina de perNlS
a Nm de ue a desgra@a escondida
Qum sorriso medroso de desagradar-me
no desagradas
de embara@o
- O meu pai
ou o meu tio ou o meu irmo mais Belho
manchou-aS
e no sei uem com uma muina& ia urar ue antiga& barata
Qno o pai nem o tio nem o irmo mais Belho o padrinho talBeS
comprada aos espanhóis do contrabando
Q- aponesa muI caraS
o padrinho a mirar o aparelho
- !sto carrega-se onde=
uma alaBancainha em lugar de boto& um rectWngulo de Bidro&
espreitar pelo rectWngulo
- +hega-te mais U mesa
Qna anela os montes Berdes durante a tarde& eno& eucaliptosSe ela a chegar-se mais U mesa& a inuietar-se comigo
- $o gosta=
o retrato ue antes de me casar substituR pelo muro do uartel
em >issau demasiado peueno& demasiado turBo& a sombra de uma
rBore
Qno palmeiraS
a aumentar e a apagar-nos& se ao menos tiBesse conseguido
apagar a cola do lbum& a bailarina e o Bestido de comunho soleneue rasguei sem olhar e ento a Bertigem ue me impedia de
adormecer em crian@a& sentado nos len@óis
- <ou morrer
consoante ulguei ue morreste no sanatório em +oimbra dado
ue as cartas sem resposta de inRcio e a seguir deBolBidas& mais
carimbos& mais selos& o ardineiro a aparar os buCos no escadote& a
reira ue me abriu a porta misturando chaBes no cinto
Qno abriu a porta& uma corrente na porta e para alKm da
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corrente cheiros de remKdios& um eco longo de igrea
- <-se embora senhorS
e porue o poBo de uma aldeia a dois ou trVs uilómetros do
alcatro& ainda antes da mata& se amontoou na igrea mais as
galinhas e os ces
Qnenhuma cabra desta eitaS
isto K um barraco de madeira l deles a imitar uma igrea& uma
sineta num sonito rachado ue nem sineta era& uma lata com um
badalo de pau& o tenente mandou ue incendissemos o capim nas
traseiras obrigando-os a sair e a gente a disparar contra o umo de
modo ue dJias de bailarinas sem necessidade de um pinguinho de
aeite a girarem tossindo
Q- Pode darse corda sabia=S
e estreme@Fes& impulsos& Ngurinhas tortas& uma mulher
abra@ada a uma santa de gesso
- Patro
Qse eCistissem palmeiras estalaBam tanto no BentoS
aer de conta ue na barriga dela uma cruinha a tinta
Qdois BincosSe apontar U cruinha& deriBado U Bertigem o primo +asimiro
audou-me a deitar ou sea e men@o de deitar-me& decerto ue o
chapKu por ali Bisto ue ele
- $o te toco descansa
o primo +asimiro
- #oi um sonho pimpolho ual capela uais tiros no morreste
percebes=
rasgar a otograNa& incendi-la no capim& BV-la arder no cineiro&uma labareda aguda no Bestido branco& na cara
- Patro
o papel cor de pe& o papel cinento& um cisco de pelRcula
Qou uma galinha ou um co ou um padre mulatoS
esBoa@ou na secretria& desapareceu na alcatia& o tenente a
eCigir
- +alca-a
o tenente no eCigiu& no disse nada& caluei-a e no uma
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ueiCa& uma pergunta ue se dobraBa em si mesma& um
murmurioito tRmido
- Achou-me ridRcula oi=
no uma igrea ue ideia& uma cabana& o ue h na ;uinK seno
cabanas senhores& pretos calados se nos dirigRamos a eles& se no
tiBesse o retrato nem me lembraBa de >issau& passou-se h muitos
anos& esueci& o ue K >issau contem l& talBe um dos telFes da
Photo oIal Lda& auele do primo +asimiro com buracos de enNar a
cabe@a e gorilas e ibóias e ebras
Quma das ebras rasgadaS
o primo +asimiro a ca@ar uma on@a
Qum leoS
o primo +asimiro a ca@ar um leo com dentes de coelho e
ocinho de coelho& o empregado de mos roRdas dos cidos
- Mostra ue no tens medo sorri
a cara no acertando com o chapKu e o corpo& a ;uinK uma
loeca no >eato de molduras de gaiBotas na montra& grinaldas&
almoadas de cetim& bocas de aguarela cor-de-rosa ou aul& descem-
se trVs degraus e mais gaiBotas na parede& mais crias& um guarda-Nscal& um bombeiro de medalha e atrs $oBa !orue isto K um
cenrio de arranha-cKus e discos Boadores no ual o senhor
9uerubim& de *uper-Homem& entre planetas& estrelas
- %ambKm gostaBas de ser o *uper-Homem pimpolho=
Boares de capa encarnada
Q- H-de haBer aR tinta encarnada eu desenho-te a capaS
sobre a ;uinK& sobre %aBira& na direc@o de uma bailarina
Q- Pode dar-me corda sabia=Sue ia girando a custo com montes Berdes em torno& eno&
eucaliptos& cercas de pedra
Qalgumas delas caRdasS
ue separaBam uintas
vim de Arganil para Lisboa primeiro de camioneta e depois de
comboio sozinha aos dezasseis anos antes da camioneta nem sequer
nos despedimos porque não havia muita coisa a dizer
(dizer o quê?
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o meu pai a vinte metros da minha mãe e de mim e a minha mãe
calada e partes da gente ao sol e partes nas mimosas e assim que a
camioneta chegou
(não a camioneta ainda longe lá em cima
o meu pai !oi"se embora e a minha mãe demorou"se um minuto
ou dois a não dizer nada e não me abra#ou abra#ou a minha mala e
apesar de ser a mala que abra#ava encolhi"me para que não me
apertasse muito es!reguei logo o bra#o a retirar os seus dedos e se
tive de retirar os dedos $ claro que me abra#ou a mim ambas
sentimos que me abra#ou a mim e mau grado largar a mala depressa
arrependemo"nos de me haver abra#ado
- %ambKm gostaBas de ser o *uper-Homem pimpolho=
de uma maneira di!erente das mimosas ao espiolharem nas
partes escurecidas uqe temos aquelas que me pareciam de terra e
chamavam sem que ningu$m ouvisse con!orme as ovelhas chamavam
e os chocalhos partes escurecidas que me dava medo serem minhas
e as quais a%an#ava
" &ocês não e'istem
elas concordando um momento e chamando depois e e'igênciase pedidos ao tomar banho %ngia não sentir e no entanto as minhas
pernas e a minha barriga pronunciando o meu nome o!erecendo o
meu nome contra a minha vontade ao assobio do empregado do meu
pai lá !ora o assobio que me percebia
(o empregado gra#as a eus não percebia
mais agudo mais !orte mesmo que !ugisse dele a en'ada a cavar
e a cavar
(consigo e'plicar"me?não as minhas tripas outras coisas minhas que não eram tripas
nem m)sculos nem carne * vista de todos e eu esquarte+ada e'posta
as minhas pernas e'postas a minha barriga e'posta o empregado e o
meu pai cegos continuando a cavar de modo que pude sem que me
vissem
(nunca contei isto a ningu$m nem ao pimpolho a quem o!ereci o
retrato da comunhão solene depois
ocultar"me na cama apertar a almo!ada na boca e a!undar"me no
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colchão da +anela da camioneta notava a minha mãe cravada na
paragem
o chapKu do meu pai craBado no ponto apesar do Bento e em
>issau as palmeiras ue estalaBam
enquanto os montes esses sim deslocando"se o !eno os
eucaliptos eu aos dezasseis anos na casa da antiga patroa da minha
mãe a %m de tomar conta dela !azer"lhe o comer ler"lhe o +ornal lavá"
la e ningu$m que as minhas partes escurecidas chamassem silêncio
mesmo quando conheci o pimpolho silêncio passava diante do pr$dio
demorava"se a olhar e silêncio apenas meses depois na altura em
que
uando regressei ao >eato uase nenhuma gaiBota no petroleiro
persa& todas na montra a Ntarem-me sacudindo as asas U espera&
desci os dois degraus da Photo oIal Lda e o senhor 9uerubim agora
de óculos alongando o pesco@o& no me reconhecendo& mudando a
posi@o das hastes
- Pimpolho=
no uma aNrma@o& uma pergunta porue uase nenhuma lu
eCcepto a claridade do %eo ue eu traia comigo consoante se trario e chuBa no inBerno
- Pimpolho=
os óculos a detalharem-me& a espantarem-se& no
- +resceu tanto este ano
como a madrinha da minha me no segundo andar do ardim
+onstantino
Qe por um instante o casti@al do piano& a terrinaS
a adicionar sombras Us mantas e aos Cailes e a reugiar-se nelas&o senhor 9uerubim rodeou o balco& mais lento& mais curBo& com
uma diNculdade nas articula@Fes acho eu
Qainda ter um sauinho com restos de polBo& perseguira os
gatos=S
- Pimpolho
um dos bebKs ergueu o bico e come@ou a agitar-se& um albatro
Qno o hidroaBioS
atraBessou a imagem do bombeiro de medalha e planou sobre os
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lados de Alcochete onde pombos braBos& uma locomotiBa ue
mergulhaBa na gua& o senhor 9uerubim a necessitar de um pingo de
aeite designando-me os telFes
- 9ual preeres pimpolho=
o muro do uartel de >issau demasiado peueno& demasiado
turBo& o circo& o castelo da >ela Adormecida com a princesa a remar
num baruinho& almoadas de cetim para os oBos das noiBas& os
discos Boadores de $oBa !orue e o senhor 9uerubim
- Ainda gostaBas de ser o *uper-Homem pimpolho=
entre planetas com o nome por cima& $eptuno& <Knus& +rRpton&
isto na aBenida de +hicago em ue o primo +asimiro rico& sem se
importar connosco
- Esto a rir-se de uV=
Qa minha mulher a sacudir-me o cotoBelo
a minha Nlha mais noBa adormecida ao meu colo& a minha Nlha
mais Belha
- $o ests aui pois no=S
Boar atraBKs de 3rica& de %aBira& ao encontro de uma bailarina
Bestida de comunho soleneQ- Pode dar-me corda sabia=S
girando numa mesa de pK-de-galo com uma toalha engomada e
na toalha malmeueres bordados& uma nódoa ue encostaBam U
parede a disar@ar deeitos
- E agora=
a me& sem a abra@ar& a real@ar uma manga tuada& uma renda&
melhorando a Ntinha da Bela& o senhor 9uerubim a preparar as
muinas- Muito bem muito bem
a Photo oIal Lda& outrora grande& acanhada& modesta& a
cadeira onde me instalaram em crian@a despreada a um canto&
cortinas desbotadas pelas lues e eu acima de 3rica& de %aBira&
cruando a <ia Lctea a caminho de Arganil
- Es o *uper-Homem pimpolho
montes Berdes& eucaliptos& elimente nenhuma cabra da ;uinK&
no tiros& ulguei ue um muro de uartel& soldados ue a guerra ia
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dissolBendo um a um& um homem de chapKu a doer-me num beco e
mentira porue
Q- $o tenho pai sou soinhoS
por sorte minha nenhum rio por ali& nenhuns uartos de horas
de igrea& apenas poeira de cometas& cinas de acaso& astros mortos e
nisto alguKm
QpalaBraS
ue de inRcio me custou perceber deriBado aos ocos do senhor
ue se preocupaBa comigo& disse
- Pimpolho
e ento o primo +asimiro com o ato dos domingos a subir as
escadas mais o pacote de broas& a enralar dinheiro na arra a pegar-
me ao colo& a largar-me espantado
- Ests a rir-te de uV=
no& no
- Ests a rir-te de uV=
o primo +asimiro
- +uidado
porue o dono de um dos uintais do bairro a estudar a horta& aangar-se& a traer a espingarda de chumbinhos
Qou a metralhadora diante das palhotas& gente ue corria para
nós em lugar de ugir& o tenente
- "isparaS
o dono de um dos uintais do bairro a traer a espingarda de
chumbinhos& a apontar aos legumes& a erguer do cho um cartuchito
de penas ensanguentadas& sem cabe@a
Qeu=S- no me estragas as alaces malBado
a entregar-me ao capelo& aos maueiros e por sorte o retrato
do lbum demasiado peueno& demasiado turBo& nem aproCimando a
orelha se entendiam as minas& o retrato deserto salBo os murmJrios
do cacimbo ou do %eo mas o ue era o %eo em 3rica seno lama&
barca@as& o ue ulguei um homem a umar
- %rambolhos
no seu rolo de cordas& o homem em #ran@a sem uerer saber da
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gente caminhando noutro ponto unto as marKs de outro rio Qnunca
Boltou de #ran@aS coisas antigas sem importWncia alguma& o senhor
9uerubim
- Aten@o
e na claridade de magnKsio de um tiro isolado eu a olhar sem
me Ber
- Morri
enuanto a bailarina a cinco ou seis mesas da nossa no caK de
%aBira no me Bendo tambKm
Qnunca nos olhaBmos na praia nem na esplanada a seguir ao
antarS
dado ue na pelRcula apenas uma cru a tinta na barriga do
oitaBo soldado a contar da esuerda
no& do seCto
no& do terceiro
no& do segundo
no& do Jnico soldado do lbum
no& de nada no lbum eCcepto uma rBore
Qa copa de uma rBoreSnada no lbum eCcepto a copa de uma rBore e a minha Nlha
mais Belha a mostrar-ma
- O ue K isto=
sem notar uma cabra a balir soinha entre torresmos de palhota
coCeando para ela a pedir
- Auda-me.
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QUARTA FOTOGRAFIA
%iBe de pYr aui a otograNa de nós dois a cortarmos o bolo de
casamento com a minha mo sobre a sua na aca porue a minha
mulher gosta& enternece-se& olha para alKm do retrato
ou leBanta a cabe@a e olha para alKm de mim& a sorrir
acariciando a pelRcula com a ponta do dedo& ualuer coisa só dela
de ue no a@o parte e a ue no tenho acesso ao compreender ue
o sorriso me eCclui& Us Bees U noite sorria assim uando acabBamos
e Bia-a to longe na outra almoada ue apagaBa a lu para Ncar
soinho a sKrio& uer dier eCistia um corpo ao meu lado mas sem
pessoa dentro& eCistia o sorriso& percebia-se pelo estore ue o sorriso
de perNl& percebia-se o dedo a acariciar a almoada& o sorriso e o
dedo& BestRgios de uma ausVncia& desaparecendo atK ue ninguKmderiBado U minha mulher noutro sRtio& leBantaBa-me a Nm de
procurar o piama& beber gua& sentir ue BiBia e a coinha surgia U
minha roda conorme o tubo do tecto ia e Binha antes de resolBer
Q- Acendo-meS
isto K chegaBa por um segundo a bancada com o laBa-loi@as e os
pratos do antar e sumia-se& chegaBam os chinelos de tratar da casa&
um losango de ladrilhos e adeus& um relWmpago de armrios
Qum deles de porta sempre abertaalta-lhe a mola
o dos copos& copos de pK& copos normais& clices& as canecas das
minhas Nlhas com os nomes estampados ue elas riscam com a unha
ou melhor cada uma risca a caneca da outra
- $o moras c os pais só me tVm a mimS
e eBaporaBam-se os armrios& chegaBa a bancada de noBo& desta
eita acompanhada pelo rigorRNco e o peda@o de parede com a ilha
de Madagscar de humidade ue pintei por cima
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Qa ilha mais atenuada mas presenteS
tudo a interrogar-se& a Bacilar& a comunicar-me
- %alBe Nue talBe no
a desmaiar& a recompor-se traendo a mesa com a tigela de
laranas para as constipa@Fes& metade da tigela primeiro e a outra
metade a untar-se-lhe num pulo
Q- + estouS
o tubo pereito& sem umbir& normal& a coinha inteira
anunciando
- Pronto ests contente=
os meus pKs descal@os l em baiCo duas raRes torcidas& se a
minha mulher comigo em lugar do sorriso
- Enuanto no apanhares uma pneumonia no descansas pois
no=
eu surpreendido ue a coinha tanta coisa ue serenaBa a
brilhar& torneiras Basos potes& o rasco de detergente com a tampa
leBantada
- ,sa-me
abrir o rigorRNco e uma claridade brancaQmargarina& Nambre& pacotes de leiteS
ue se derramaBa no cho aumentando-me os pKs
- Apetece-te mesmo adoecer no K=
os prKdios Rmpares& Belhos inimigos no lado oposto da rua&
aperei@oados a lpis num cuidado de desenho U Bista& a chaminK ue
se interrompia no caiCilho e continuaBa depois& desBiada um
milRmetro& na Bidra@a seguinte com um hotel por trs a acentuar-lhe
o deeito& a Jltima olha de uma rBore ue se eu respirasse comor@a estremecia de certea& o nosso andar& todo presente no escuro&
a poisar-me no ombro uma cabe@a de sono& o uarto das minhas
Nlhas& o outro de ue tinham medo a ue chamBamos escritório o
ue signiNca ornais& uma trela sem co& a sorBeteira aBariada& eu de
repente com medo do escritório tambKm
Qum gatuno escondido& um cadBer a caminhar para mim
- Anda cS
e portanto de regresso U cama a desBiar a cara de ladrFes e de
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mortos Nngindo ue no me importaBa
- Posso bem com BocVs
o interruptor eCtinguiu a coinha de golpe mais o aparelho das
tostas e a panela elKctrica ue rebentaBa os usRBeis e os meus pKs
leBaram logo sumi@o& um senhor ue lia no 75-> Boltou-se para mim&
no sei o uV na minha ideia porue eu
-Pai
e no era o meu pai& o meu pai da minha idade
Qno& mais noBo ue eu agora e no lia liBros& pescaBaS
permaneceu a chaminK desaustada por culpa do caiCilho& a
olha da copa ue a alta de chinelos& auleos e bancada digniNcaBa
tornando-a o umbigo do mundo& se me aproCimasse o resto da
rBore& a rBore seguinte& uma terceira rBore em ue se pressentia
o Bento guardado l no undo U espera da manh& moBendo os bra@os
a assustar os ramos
Qe se calhar um gatuno e um cadBer tambKmS
no espelho do laBabo eu adulto ue sorte& capa de entrar no
escritório enrentando de mos nos bolsos
- *e pensam ue as receei enganam-sea sorBeteira e a trela& o sorriso da minha mulher apagou-se da
almoada& ela de Bolta sem mistKrio& a dormir& abandonando-me para
se Birar de costas a arrastar os len@óis& um dos meus oelhos rio& o
outro a ocupar a tua coBa numa guinada de ciJme
- Onde estiBeste tu=
o ombro ue me no responde& se torna agudo& me repele& h
uantos anos nenhum bombom& nenhum enBelope de estrelinhas e a
enteada a espiar-me de longe Apreciou=
a enteada
- $o se Bai rir de mim=
aperei@oando o aBental& nenhum sorriso& nenhuma gaiBota a
lembrar-me o ue no uero lembrar& o saco da madrasta tombando
no so cheio de pVssegos ue se tornaBam oles ciciando& unindo& a
pulsarem da asma& nunca Bi pupilas to estagnadas& narinas to
redondasPreciso de respirar audem-me
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a enteada sem acreditar em mim
- Eu casar-me consigo=
no apenas as narinas redondas& a coCa a espalhar-se no
assento& lRuida& uma gotinha da testa encontrou a auda de uma
ruga e seguiu pela ruga& uando a ruga acabou a gotinha parada&
daui a pouco endurecia e uma noBa gotinha ue no chega a
ormar-se endurecida tambKm& seria ue algum pVssego no saco a
contrair-se ainda& um arrepio de pestanas em ue o sangue Bibrasse
no só as gotas paradas& os tornoelos coisas& a pergunta da
enteada suspensa na sala
Qa pergunta uma gotaS
- !sso de casar comigo K a sKrio=
atK o pesco@o ou o cora@o da madrasta pulsar outra Be& dois
batimentos& uma pausa& as narinas menores& os ponteiros ganhando
conBic@o nos relógios a aproCimarem-se de amanh numa pressa
cruel
Qo amanh uase ontemS
deseando ue a gente enBelhe@a& o saco a inormar no diB
- passoua reconhecer os obectos& a alterar-lhes o sRtio a Nm de se
conBencer ue era capa de alterar-lhes o sRtio& a congratular-se
Estou bem
sapatos a caminho do corredor no como os nossos& diRceis&
conscientes de sim mesmos& a madrasta ue pensaBa
- MeCo este B l tento meCer auele
transportando as toneladas do saco& a Bo colocaBa as palaBras
em medita@Fes de dominó no intuito de no desarranar nem umasRlaba
- <o-se casar BocVs=
a no@o de casamento agitou as noiBas no >eato& a Photo oIal
Lda um renesim de asas& a bailarina rodopiou acusando-me& tentei
eCplicar
- $o me deiCaram entrar no sanatório ulguei ue tinhas
alecido
contornaBa o parue pelo lado de ora das grades e daBa com
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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uma cadeira de inBlido ue parecia acompanhar-me tombada& onde
uer ue estiBesse a cadeira& para onde uer ue olhasse a cadeira&
a cadeira para mim usando o alento das aias& os cochichos sem Bo
ue atraBKs delas me chegam& segredos ue a gente unta e ao untar
entende
- #aleceu Bai-te embora
ninguKm nas Barandas& nenhuma lu U porta eCcepto o brilho
dos troncos ou uma garraa esuecida& ao tornar U esta@o dos
comboios um aruipKlago de ces sei l onde
Qno pinhal=S
horrios encaiCilhados numa claridade de insónia& um homem
num ardo ou num rolo de cordas
Q- PaiinhoS
e reparando melhor no um homem& uma balan@a antiga
Qa minha me pesaBa-me na balan@a da armcia com um ginete
empalhado a espreitar dos Caropes
Carope disto& Carope dauilo& Carope de rai de beterraba
o armacVutico tomaBa nota no caderninho& procuraBa o meu
nome Birando as pginas com um polegar de cuspo& animaBa-se aoachar-me
- Aui est
echaBa o caderninho num Bagar pomposo
- Engordou seiscentas gramas o atreBido
oerecia-me um uadrado de penso para imitar um lanho
- PFe-te a andar pimpolho
e l ora o petroleiro persa muito mais gordo ue eu
- 9uanto pesa o petroleiro senhor ;omes=o senhor ;omes a emergir do caderninho& ero
- LeBas um puCo de orelhas malandro
eu sem compreender& magoadoS
a carruagem partia da esta@o cercada de ces comigo a
lembrar--me da esposa do senhor ;omes anunciando da porta com
Laboratório
escrito
- A sopa est a Ncar ria ouBiste=
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o armacVutico a meter o caderninho na algibeira
Q- O ue ser eito de si senhor ;omes=S
diga-me o ue ser eito de si& uanto peso agora& uantas
seiscentas gramas engordei& aposto ue me reconhecia ainda Qno
reconhecia senhor ;omes=S
- O pimpolho
no haBia de ordenar
- espeita a tua me meu corrKcio
o corrKcio a eCibir o adesiBo na escola
- $o posso pegar no gi dona >eta aleiei-me
os meus colegas solidrios& graBes& a dona >eta a arrancar-me o
uadrado
[*eu palha@o
o palha@o conBencido ue morreste dado ue as aias Qsegredos
ue a gente unta e entendeS
- #aleceu
a madrasta poisaBa-se de patamar em patamar aeitando o
pVssego para o interior das costelas a designar a enteada
Q- !sso de casar comigo K a sKrio=Sa designar-me a mim& arrependido& nerBoso
- A minha enteada tem noiBo
Quanto pesaria a madrasta na sua balan@a senhor ;omes=S
de modo ue trVs ou uatro meses depois a cortarmos o bolo
com a minha mo sobre a sua& no segundo andar do ardim
+onstantino onde nem se suspeitaBa do %eo
Qde tempos a tempos uma andorinha do mar transBiada& em
noBembroSa Nlha da madrinha da minha me
Q- EscreBeu o peso dela no caderninho senhor ;omes=S
a austar-me o casaco ue o meu pai despreou aproBeitando
entretelas
- #ica uieto pimpolho
a terrina desagradada
- $o acredito ue tu
o casti@al do piano
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QestaBa capa de garantirS
uase com pena de mim& eu sem ninguKm ue me deitasse um
pingo de aeite nos ossos para eBadir-me dali com o Bestido da
comunho solene e a bailarina na ideia
Q- A bailarina no pesaBa nada senhor ;omesS
enuanto um comboio a meio da noite no paraBa de arribar de
+oimbra enCotando pinhais& perseguido por ces inBisRBeis ue
desistiam
Qsó latidos& passinhosS
o sorriso da minha mulher na almoada em lugar do bombom& se
o senhor ;omes o pesasse na armcia o ponteiro no se deslocaBa
um risco& ele no acreditando
- E esta=
o laboratório no uma coinha& balFes& pin@as& cpsulas& a
esposa a impacientar-se de almoari ao lume
- Agora pesas sorrisos=
o sorriso na otograNa de nós dois com a minha mo sobre a
dela incapa de a sentir& escutaBa as aias no sanatório desproBidas
de garganta- Ai pimpolho
um pssaro num Boo molhado entre uma copa e outra e
relmente& pensando melhor& uanto pesa um sorriso senhor ;omes
conte-me& uanto pesa uma bailarina ue no pra de me girar na
memória& a madrasta comoBida a esculpir gotinhas com o len@o&
bebKs de nari ao alto reclamando comida e as mes a enNarem-lhes
crouetes sacudidos na goela& um Belho perseguia-me com a amea@a
de um rissol num palito- ,ma esta catita uma esta catita
distraRdo do rumor do %eo ue ia crescendo& crescendo& ao lado
da minha mulher& com o rio a aogar-me& ligaBa o abaur da cabeceira
e o uarto de imediato ali& no no gKnero da coinha ue eCiste por
ragmentos antes de eCistir toda& o uarto inteiro ali& os móBeis do
pai dela arrogantes& hostis& em cada armrio no uma ueiCa de
carBalho& uma Jria
- 9uem K este c em casa=
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e a casa& por respeito aos armrios& uriosa tambKm& Nna ue
no emigrou para a AmKrica e empreste-me a garraa do aparador
primo +asimiro& essa de ue bebia para ganhar coragem& deBo ser
mais alto ue BocV e portanto deiCe-se de patetices& no me a@a
cócegas& no me pegue ao colo& diga ue me desculpa& por estranho
ue pare@a no imagina as ocasiFes em ue me lembro de si& se
tiBesse sido a Photo oIal Lda a ocupar-se do casamento entraBa na
loa& ordenaBa
- Pinte-a de cor-de-rosa se lhe der na gana mas tire-lhe o sorriso
senhor 9uerubim a@a-me o obsKuio
e a minha mulher sKria como em %aBira em agosto& ora
obserBando a criatura dois toldos adiante& sempre Bestida& sem nos
cumprimentar& sem olhar-nos& ora obserBando-me a mim
- !a apostar ue se conhecem
conorme poderia ter dito ia apostar ue no só conheces a
penso onde Nca& l em cima& antes da pra@a& uma tbua escrita a
tinta de caiCotes
ooms +hambres Habitaciones
e cubRculos no oara o mar K claro& para um ptio desertoQerBitas& ungos& salsa em copinhosS
as ooms +hambres Habitaciones ue ela no te deiCaBa pagar
recusando-te a carteira& as notas
- $o preciso do seu dinheiro
Ou
- $o K pelo seu dinheiro ue Benho K por si
como ia apostar ue a conheceste antes de morares na minha
madrasta e me conheceres a mim& o sanatório em +oimbra& o ardineiro a interromper as aias& a descer do escadote& a apontar-te
a esta@o dos comboios com a tesoura
- X melhor para si ue se B embora amigo
de modo ue eche a boca da minha mulher senhor 9uerubim
com um risco de tinta& a@a dela uma noiBa aguardando as ragatas
na Baranda do engenheiro& a minha mulher auele bico alaranado&
auelas penas ba@as& patas no corredor& um crocito a arrancar-me da
sala
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durante uase cinuenta anos dois toldos a seguir
- !a apostar ue a conheces
apesar de no se distrair do crochet os gestos dela dierentes ao
chegarmos U praia& aperei@oaBa o cabelo& desamarrotaBa o Bestido&
no nos NtaBa nunca& uando a minha Nlha partiu o cotoBelo e lhe
estendeu o bra@o
- %enho gesso repare
em Rmpetos de bailarina a criatura uma tenta@o de dar-lhe
corda primeiro& um embara@o depois
- "esculpe
e ainda ue o meu marido parado o corpo a recuar no interior
do corpo& as mos a chamarem a nossa Nlha permanecendo inertes& a
garganta apesar de calada
- +hega aui
a nossa Nlha a girar e a girar numa espKcie de dan@a e a
criatura a proteger-se com a palma& a garganta do meu marido no
calada
- +hega aui
uase um grito- +hega aui
o meu marido a pegar-lhe ao colo ao pegar-lhe ao colo& B l
saber-se o motiBo
- Ests a rir-te de uV=
e pensando em casamentos sempre me intrigou ue no lbum
apenas a otograNa de nós dois a cortarmos o bolo& nenhum retrato
de mim com o BKu e a grinalda como nas montras das loas& a minha
madrasta por eCemplo substituiu a minha me& se K ue podiachamar-se me a ei@Fes impossRBeis de adiBinhar entre borrFes&
palidees& pela sua cara intacta na moldura& o meu pai a concordar
em silVncio porue talBe para ele a minha me borrFes e palidees
igualmente e portanto uma tarde& de Bolta da escola& dei com ele U
minha espera na rua sem conessar ue me esperaBa e a minha
madrasta& ue no Bira nunca& a caminhar para nós com o aBental
ue nem ele nem eu dependurBamos do prego& a encontrar de
imediato o sRtio das coisas moBendo-se ao longo da bancada numa
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seguran@a tranuila& manobrando os caprichos das tampas das
geleias e a calha da segunda gaBeta& lembro-me de pensar
Qno pensar& sentirS
uase agradada& eli
- ANnal a minha me no so só aueles borrFes no Bidro a
minha me chegou hoe
a saber os lugares de cada um de nós& a escolher-me o prato ue
eu gostaBa& o do rebordo de peiCinhos& a colocar-me de rente para a
anela em ue as rBores
Qno amoreiras nem carBalhos& tipuanasS
diante da basRlica iluminada& ora castanhas ora amarelas ora
esbranui@adas consoante as nuBens e o Bento& e o castanho& o
amarelo& o esbranui@ado iluminando-me as mos
- epare nas minhas mos senhora
por diNculdade em dier e com Bontade de dier
- epare nas minhas mos me
o meu pai ulgo ue com a otograNa da ue chamaBa minha
me na ideia no entendendo ue a minha me esta ue me despiu&
me deitou& apagou a lu como se deBe apagar a lu& no como o meupai apagaBa& a errar o boto& a esmag-lo& a embater na ombreira&
demasiado cheio de rases para conseguir eCprimir-se& esta ue se oi
embora como deBia ir-se embora& no esmagando o boto& no
embatendo na ombreira& no um saco ainda e apesar de eu na cama
a casa BiBa ue sorte& sons& Boes
Qno Boes nossas& a delaS
a tbua do sobrado ue costumaBa protestar com o meu pai&
protestar comigo& aborrecida& aeda& a insistir connosco- $o K assim
no protestou com ela& mesmo depois de doente no protestou
com ela& Boltou a protestar com o meu marido conorme o meu corpo
protestou& uer dier o meu corpo no uma tbua de sobrado& um
sorriso& o meu marido para um sueito de mos roRdas pelos cidos&
oculto sob muinas antigas entre telFes e ocos
- $o consegue tirar o sorriso U minha esposa senhor 9uerubim=
o sorriso da minha esposa do retrato de casamento& da
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almoada& do segundo andar do ardim +onstantino depois ue eu
para a Nlha da madrinha da minha me interrompendo-lhe a costura
no cubRculo do undo
- "ou-lhe atK ao Nm do mVs para sair de c
Bisto ue eu o responsBel& o tutor& e portanto eu o dono&
designando no apenas o cubRculo mas os dois uartos& a sala& o
reposteiro ue aastei e apesar de aast-lo as mesmas sombras& os
mesmos Cailes e as mesmas mantas na poltrona deserta
- "ou-lhe atK ao Nm do mVs para sair de c
a Nlha da madrinha da minha me
Qa madrinha da minha me&
- "esde peuena uma rauea do cKrebro coitadaS
ue em cinuenta e noBe anos de Lisboa no conhecera outro
bairro& outra casa dado ue a me no lhe consentira conhecer outro
bairro& outra casa& a me ue lhe inBentou a rauea do cKrebro
Q- "esde peuena uma rauea do cKrebro coitadaS
para ue no se apercebessem
Qe entendia agora as cortinas& a ausVncia de Bisitas& o escuroS
ue ela sua Nlha& o pecado de uma Nlha semQ- $o minha Nlha uma hóspedeS
marido& a graBide disar@ada& a Binda de noite para a cidade
Q- Para a cidade tu=S
a Nlha a uem permitia ue trabalhasse de costura
no permitia& ordenaBa ue trabalhasse de costura a Nm de
conseguirem BiBer ocultando no só a Nlha
- $o Nlha hóspede
como a misKria do andar cercando-o de saneas& descendo aspersianas& aogando-se a si mesma sob mantas e Cailes& recebendo o
dinheiro
Q- $o Nlha hóspedeS
como uem recebe um aluguer& aceitando a minha me e o
primo +asimiro porue a minha me uma mulher soinha igualmente
e o primo +asimiro
- O +asimiro K assim
to ineli uanto ela& a secar a chuBa do bigode imagine-se
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- Ests a rir-te de uV=
e a comprar pacotes de broas ue NcaBa a deBer na leitaria& a
proBa ue no uma Nlha& uma hóspede& estaBa em ue eu o
responsBel& o tutor& eu o dono
- AtK ao Nm do mVs para sair de c
a madrinha da minha me na esperan@a ue eu& depois ue ela
morresseAtK ao Nm do mVs para sair de c
e ao ordenar
- AtK ao Nm do mVs para sair de c
Nlha alguma& no tiBe Nlha alguma& no ligue a alsidades& eu
solteira senhor& ue maldade uma Nlha& a Nlha com as suas roupas de
luto
QporuV& por uem=S
com as suas roupas de luto por si mesma& obediente& humilde
- $o sou Nlha sou hóspede
para a ual a madrinha da minha me se calhar
- %rambolho
Qno só eu o trambolhoS
para a ual a madrinha da minha me- +ontinuas aR tu=
de orma ue ao eCplicar-lhe
- AtK ao Nm do mVs para sair de c
concordando& aceitando& roupas de luto ue as reguesas por
pena
- %oma
pareceu-me ue os parentes da camilha
*empre 9ueridosa despreaBam ou no daBam por ela
a senhora da bengala& uma rapariga de tran@as& um grupo de
casais numas termas com os nomes
Ponciano Esther Alberto
oblRuos no peito procurando preBenir-me do ue no me
apetecia escutar& no como dantes
- O ue aemos com ele=
- Metemo-lo num saco=
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- oubamo-lo=
no indignados comigo& mais desocados& benKBolos& a senhora
da bengala
- Pimpolho
e no um cumprimento nem uma censura& um aBiso& pode ser
ue se lhe tiBesse perguntado me eCplicasse& ue chegando-me U
camilha ela ou a rapariga das tran@as ou os casais das termas me
audassem a compreender impedindo-me& ao Boltar na semana
seguinte& de achar ualuer coisa de estranho no ardim
+onstantino& um desassossego& atra@o um "esses ue rolaBa no
interior de mim& ue desatou a rolar cada Be mais depressa&
tombando e tombando U medida ue me aBiinhaBa da casa& tiBe a
certea ue o primo +asimiro inuieto comigo
- Ai pimpolho
no& ue a proessora da escola a retirar-me o adesiBo do dedo
- Palha@o
tambKm no& ue a minha me a desBiar a Bista uando chamei
por ela -Me a eBitar responder
- Estou auia no uerer responder
- Estou aui
e em lugar onde
- Estou aui
a censurar-me
- PoruV=
eu ue no era o meu pai me& no a abandonei& audei-a a
procur-lo no beco& na +al@ada do ;rilo& na esta@o dos comboios enunca ele entre a bagagem& o chapKu& o cigarro& as canas de pesca&
agora ue BocV deBia estar comigo eu a empurrar a porta soinho e a
muina de costura calada& nem um brilho de terrina nem o casti@al
do piano e no entanto a terrina e o casti@al ali& a poltrona no lugar do
costume& as molduras
*empre 9uerido
ento sim
- Pimpolho
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apesar de eu o responsBel& o tutor& eu o dono& a ausVncia da
muina de costura a tornar a casa sem Nm& tiBe a certea ue os
melros contra o postigo do compartimento do undo ou ento o meu
receio ue os melros ou ento a chuBa mas como chuBa se ulho ou
ento os meus dentes ou ento o sangue na minha cabe@a& em mim
todo& se a bicicleta ao menos
- A bicicleta senhor 9uerubim por aBor
mas o >eato to longe& o senhor 9uerubim alecido& a Photo
oIal Lda uma sapataria& um escritório& eu a chamar e ninguKm
no& eu sem coragem de chamar& ao longo do corredor como nos
camarotes do petroleiro persa em ue os ecos se combinaBam com os
grasnidos das noiBas e a inuieta@o dos bebKs& os seus naries ao
alto& a sua gula de peiCe& eu a cruar o uarto da madrinha da minha
me& um outro uarto& a coinha& tudo limpo& arrumado& esperando-
me
- #a@a aBor a@a aBor
nem um tacho ou uma colher por arrumar no escoadouro& as
toalhas engomadas& o soalho esregado& uma Tor noBa na arra& esse
cheiro de cera com ue se recebe as Bisitas& tudo como a Nlha damadrinha da minha me imaginaBa ue eu ueria
Qela submissa& humildeS
de orma a ue pudesse mudar-me& habitar ali& ocupar-lhe o
andar& tudo eCcepto o ue de inRcio se me aNgurou um Bestido
pendurado no Baro do reposteiro por um arame de estendal e
nenhuma nuBem& nenhum peda@o de cKu& nenhum pssaro& um par
de biueiras ue no ro@aBam o cho& o Bestido aNnal no Baio&
osse o ue osse dentro mas sem espessura de corpo& o Bestido- Ai pimpolho
no estou a eCagerar& o Bestido
- Ai pimpolho
no momento em ue lhe tocaBa e ao tocar sim& um corpo& tiBe a
certea ue um corpo no interior do algodo& o pesco@o apertado no
arame dobrando-se do colarinho sem ue eu notasse as ei@Fes&
aastar o cabelo consoante aastaBa em crian@a o cabelo da minha
me na cama topando um ueiCo ue embora dela no lhe pertencia&
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Bolumoso& inerte& sem respirar
Quase sem respirarS
sem respirar& uma boca a imitar a sua e no entanto diBersa&
dentes ue amea@aBam morder-me e eu com a imensidade do >eato
em torno e as primeiras andorinhas do amr& as primeiras gaiBotas& o
ue supus o comboio de #ran@a e era uma corBeta no rio ou a
garraa de Bolta ao aparador ou os suspiros da muralha se uma onda
mais orte& eu a subir para a cama aastando cabelos
- Me
eu o responsBel& o tutor& eu o dono& o ue cresceu tanto este
ano& o ue haBeria de crescer ano após ano atK poisar a mo na mo
da minha mulher na otograNa do lbum& eu continuando a crescer
no segundo andar do ardim +onstantino cuas rBores se
engelhaBam& dobraBam& daBam a impresso de torcer-se no cubRculo
do undo unto U muina de costura em repouso& eu em busca de
uma tesoura para cortar o arame do estendal& em busca de um
colcho onde deitar o Bestido e nisto o teleone
Qno sei ondeS
uma campainha no orte& diminuta& uase um balido de cabra amancar na ;uinK& uase o terror de uma crian@a
- Me
uase um solu@o de um bebK com ome
Qe eu sem peiCe para dar-lheS
ue principiaBa a tocar& ue continuou a tocar durante horas&
minutos& sKculos& ue segue tocando Us Bees sem ue as minhas
Nlhas o oi@am& elas surpreendidas comigo
- O ue oi=eu a leBantar-me& a sentar-me& a pedir-lhes
- ,m momento
a aNnar a orelha na direc@o de nada& a minha Nlha mais Belha
- Pimpolho
no
- Pimpolho
eBidentemente ue no
Pimpolho
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Qnunca soube do primo +asimiro nem da minha Bida no >eatoS
a minha Nlha mais Belha
Qagora sim& est correctoS
- Pai
a minha Nlha mais Belha
- Pai
ulgando-me demasiado idoso& com as ilusFes& os caprichos& as
patetices dos idosos& a Ntar a minha mulher& a perguntar-lhe em
segredo
- %em ido ao mKdico ele=
a perguntar& com o bico do lbio& U irm
- reparaste no pai=
e elas a conBersarem entre si ue eu bem as entendia apesar de
mudas& a minha Nlha mais Belha tem setenta anos o pobre& setenta e
um uase& a minha Nlha mais noBa& de mo diante da cara& setenta&
a setenta e um em ulho e portanto o raciocRnio& a memória& as
artKrias& tudo auilo ue deriBado ao tempo se estraga& repara como
anda& como se interrompe a meio do caminho a ouBir no sei uV&
garante ele ue o teleone e o teleone moita& na semana passada uraBa ue a muina de costura
- $o sentem a muina de costura=
e muina de costura uma oBa& um dia destes endireitou-se a
meio do antar& uase oendido
Qou no oendido& admiradoS
a responder no sei a uem& muito sKrio
- $o estou a rir-me de nada
e agoraQpor ue rao meu "eus=S
atento ao uarto do undo& a atraBessar o corredor& a olhar a
porta& a demorar-se& de mos nos bolsos& para nós
- Bou
a tornar U sala murmurando
- O arame do estendal
Murmurando
- O Baro
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e ue arame de estendal& ue Baro se no uarto do undo o liCo
ue desde eu peuena oram empurrando para l& uma poltrona
esNada& Cailes& mantas& o ue em certas ocasiFes se assemelha a um
gato& a gente
- +omo diabo K ue um gato=
e apenas uma cintila@o de terrina& ue tonta& o piano a ue
altaBa um casti@al& a pagela do rei& otograNas numa camilha
*empre 9uerido
ue nenhum de nós descobre uem eram& uma senhora de
bengala& uma rapariga de tran@as& um grupo de casais nas termas& a
gente a mostrar-lhos
- Pai
e ele
- $o est aR
dado ue a Nlha da madrinha da minha me sumida dos
retratos& a Nlha da madrinha da minha me o ue de inRcio se me
aNgurou um Bestido Baio e no interior do Bestido os ossinhos de um
bra@o& um pesco@o tombado impedindo-me de notar as ei@Fes&
aastar-lhe o cabelo consoante aastaBa o cabelo da minha me no>eato& eu aTito a sacudi-la
- Me
eu no cubRculo do undo tocando um ueiCo demasiado inerte&
sJbitos incisiBos ue amea@aBam morder-me& eu abra@ando uma
nuca
- <ocV
no abra@ando uma nuca& abra@ando um Bestido de luto ue as
clientes lhe deram por esmola- %oma
e ela humilde& submissa& concordando& aceitando
Q- "esde peuena uma rauea no cKrebro coitadaS
e nisto o teleone no sei onde& uma campainha no orte&
diminuta& uase um balido de cabra a mancar na ;uinK& uase o
terror de uma crian@a& uase o solu@o de um bebK com ome
empinando a goela
Qe eu sem peiCe para dar-lheS
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ue principiaBa a chamar& continuou a chamar durante horas&
minutos& sKculos& segue chamando sem ue a minha mulher ou as
minhas Nlhas o oi@am& elas espantadas comigo
- O ue oi=
sem repararem ue deito o Bestido no cho& me demoro a Nt-lo&
tento cobri-lo com um pano e elas ento sim
- O ue K isso pai=
isso setenta anos ue ueres& setenta e um em ulho e uma
pessoa tontinha& K natural& repara ue um dos olhos& o esuerdo&
uase echado& sem Ber& em certas alturas as ei@Fes rRgidas desse
lado& os Bincos mais undos& a plpebra ue demora a moBer-se&
lembras-te
- O ue est a aer pai=
lembras-te de uando nos leBaBa& ainda antes de ter carro& ao
outro eCtremo de Lisboa ue nos parecia nos antRpodas& nem
esttuas nem pra@as& predioitos de dois andares& BiBendas de
telhado de ardósia a imitar rancesas& ninhos de cegonhas no ue ele
diia
- O Ateneuonde cobras ue ulgBamos Benenosas& um lagarto num tanue
seco e ele eli
- ,m lagarto
como se o Ateneu lhe pertencesse& isto K uma moradia sem
reboco de anelas deseitas& ele inantil& to contente
- A +al@ada do ;rilo
ele orgulhoso
- O rioou sea relentos de esgoto& barcos ue no prestaBam& urados
Qe ele garantindo ue prestaBamS
uma espKcie de sóto abandonado& uma lata de gerWnios e o
nosso pai diante dos gerWnios ue o bao do %eo ueimaBa& a gente a
ungarmos de tro@a e o nosso pai muito sKrio
- Morei ali sabiam=
como se osse possRBel morar numa sacada e numa lata ue no
interessaBa Us gaiBotas sem alar nos restos de um petroleiro ue a
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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marK dispersaBa& num ponto com um rolo de cordas onde um
homem de chapKu a umar Bigiando duas canas de pesca& ele a
correr para o homem
Qual a correr o pateta& ele pensando ue corria para o homemS
ele a correr para o homem a perder o Ylego& a garantir
- $o K nada
setenta anos& setenta e um em ulho& as pernas ue amolecem& o
cansa@o& os pulmFes& a tornar a garantir& no a nós& a si mesmo& a
conBencer-se a si mesmo sem se conBencer a si mesmo
- $o K nada
o homem do chapKu caminhando ao comprido do %eo na
direc@o dos comboios no momento em ue o senhor 9uerubim
surgiu da Photo oIal Lda com um sauinho de restos de polBo
destinados aos gatos
Qnenhuma Photo oIal Lda& l est o ue eu aNrmo& as artKrias&
setenta e um anos ue horror& uma oNcina ou uma loa de móBeis
mas uase de eira& mas pobres& mais buracos ue oNcinas ou loasS
no momento em ue o senhor 9uerubim a reconhecer-me& a
alegrar-se- Pimpolho
o deseo de entrar no ue o senhor 9uerubim apelidaBa de
estJdio
- Entra aui no estJdio pimpolho
a muina e os trVs ocos apontando um telo acabadinho de
armar& no o da ca@ada em 3rica ou do palcio da >ela Adormecida
com a princesa de la@arote no cabelo a remar num baruinho& um
telo com buracos de enNar a cabe@a ue representaBa um casal denoiBos a cortarem um bolo
Qe as gaiBotas agora& calem as gaiBotas agoraS
de mos por cima uma da outra na aca& um Belhote com um
rissol num palito
- ,ma esta catita uma esta catita
e eu a obedecer& a subir para um caiCote& a ouBir no& sem ouBir
as minhas Nlhas
Q- O ue K isso=
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- O ue est a aer=
- "es@a daR antes ue caia senhorS
porue ninguKm haBeria de impedir-me de introduir a cabe@a
no buraco ue o senhor 9uerubim indicaBa e de surgir no retrato ao
lado de um sorriso
Qto distanteS
ue escarnecia de mim.
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QUINTA FOTOGRAFIA
O uinto retrato no oi tirado num estJdio dado perceber-se
ue as rBores do undo Berdadeiras& no pintadas& se ossem
pintadas eram peuenas& com Tores e todas untas e estas grandes&
separadas e sem Tores nenhumas& nota-se ao longe uma senhora
mais um co& o ue parece uma senhora mais o ue parece um co
mas pode muito bem ser um caBalheiro com um saco de compras ou
um empregado a Barrer olhas para um balde& obserBando melhor
apanha-se inclusiBe o moBimento das copas dado ue um bocadinho
turBas como sempre acontece Us otograNas no caso de uma das suas
partes meCer& apanha-se a Bida deriBado U
QeCactamente como na BidaS
nitide diminuir e cada olha Brias olhas sobrepostas eimprecisas& portanto
Qdiia euS
arBores& um lago com um trito de olhos ocos no meio
Qnunca pensei ue os olhos ocos to circulares& ocupando uase
a pelRcula inteiraS
bancos de parue desertos& um deles com uma casca de
tangerina
Qacho ue tangerinaSe uma garraa de cerBea esuecidas& uma esplanada onde se
distinguem pessoas& um criado de aBental e bandea de rente para a
muina& o criado da amRlia do trito uma Be ue os olhos dele ocos
tambKm& logo um retrato no de estJdio nem de uem entendesse de
enuadramentos Bisto ue a gente no direitos& oblRuos& para alKm
de ue me alta metade da cabe@a& a saia da minha Nlha mais noBa e
as pernas da boneca dela decepadas& deBo ter dito Us duas
- "eiCem-se estar
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a Nm de eCplicar o aparelho U minha mulher ue lhe pegaBa a
medo aastando de si auele rato deunto& segura-se desta maneira&
espreita-se por este lado& carrega-se aui& sosseguei-a
- $o K um rato deunto descansa
recomendei
- $o te meCas
Boltei a trote para o canteiro& alisei as tVmporas e colouei-me
de oelhos entre as minhas Nlhas& um preto de sapatos sem
atacadores e barrete de l atrs da minha mulher a Ntar-nos& um
soldado disparou sobre ele na ;uinK e uma cubata incendiou-se
numa chama instantWnea& reparei numa crian@a numa Bala& o preto
oi-se embora a estalar os calcanhares no cascalho e crian@a
nenhuma ue alRBio& a minha mulher ue no reparou na ;uinK
anunciando da muina
- <ou come@ar
e a crian@a de noBo com um peda@o de mandioca abra@ado no
peito& aastei 3rica com as costas da mo antes ue as minhas Nlhas
tombassem& o trito& de concha ao ombro& Bertia gua no lago& receei
ue ele nu conorme os mandmos despir ao ocuparmos a aldeia maspor sorte o escultor cobrira-lhe as Bergonhas com uma espKcie de
toalha& o preto a mendigar um cigarro nas bombas de gasolina ao
uncionrio ue Bai molh-lo de petróleo& Bai chegar-lhe um ósoro e
em lugar de uma labareda e uma camioneta a derrubar palhotas o
preto agradecido
Q- $o est mortom ue penaS
a umar& a minha mulher carregou ali& em Be de tiro um
estalido& o rolo a deslocar-se no interior do aparelho& nenhuma Ntade metralhadora posto ue nós intactos& a esplanada intacta& o trito
ocupado com a bilha& aNguraBa-se-me ue no lago moBimentos
rpidos de catanas
Qde peiCesS
estacando de sJbito na Bibra@o das lWminas& um salgueiro cheio
de dedos reTectido na gua& dedos& bra@os magros ue no
protestaBam& desistiam& TutuaBam um bocadinho poisados na erBa&
manchas cinentas
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Qde sangue=S
manchas cinentas de nuBens& suidade& terra& um pato uase de
brinuedo a remar aNan@ando-me ue estou em Lisboa& estou BiBo&
rBores como deBe ser& auelas a ue me habituei e entre as uais
cresci& a minha mulher desapareceu na espingarda
Qna muinaS
- Para o caso da outra ter Ncado mal aoelha-te mais
aoelha-te preto& cala-te e aoelha-te& os automóBeis na aBenida
de imediato unimogues& camionetas& ipes& os passageiros na
paragem do autocarro Belhas descal@as U espera& alisar as tVmporas&
BeriNcar a camisa& propor U minha Nlha mais noBa ue enNaBa a mo
entre o colarinho e o pesco@o
Q- ,ma ormigaS
e eu a puCar-lhe o pulso enuanto a tropa ia rodeando as
palhotas e um trio de reormados baralhaBa dominós numa tbua
- $o te esregues agora
os automóBeis na aBenida automóBeis a sKrio& ue estupide
estas lembran@as& estes medos idiotas& o indicador da minha mulher
no botoQno gatilhoS
o estalido& o rolo a deslocar-se
- Pronto
eu a limpar as cal@as desse pó dos canteiros& a minha mulher
com um Bestido ue me recordo ainda
QlilsS
- !mportas-te de dar um eito no colchete de cima=
encontraBa sardas& um tra@o de unha& sinais& respirar-lhe ocheiro da pele ao enganchar os arames& o cabelo da nuca mais
Rntimo& mais hJmido& a minha lRngua ali
Qporue no a minha lRngua ali=S
os caninos onde o releBo de um osso& uma palma sobre o ombro
a procurar-me Us cegas
- #aes-me cócegas pra
ela um esticar de cabe@a reerindo-se ao aspirador na sala ue a
adiBinhar pelas mastiga@Fes turbulentas engolia cadeiras&
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reposteiros& bules& uma das minhas Nlhas a desaparecer tubo dentro&
o abanar de cabe@a
- *e a empregada entra pensaste=
a empregada alongaBa o pK e o aspirador calaBa-se meneando o
estYmago numa espiral de sacFes& com o tempo o Bestido lils no
canto do guarda-ato& despreado& a empregada recebendo-o sem
entusiasmo
- Obrigadinha senhora
e por baiCo do
- Obrigadinha senhora
- O ue a@o com isto=
o marido ue se amanhe com os colchetes no buraco onde
moram& Binha busc-la de bonK ue permanecia na cabe@a mesmo ao
guard-lo na mo& uedaBa-se no capacho a trope@ar timidees de
bochecha arrepanhada por uma ueimadura& um peda@o de ósoro
BiaaBa boca ora lutando por eCprimir-se e nisto o ósoro num
pulinho
- A Augusta=
por conseguinte a ;uinK uma Nga& o ardim +onstantino& pormais ue enCotemos as recorda@Fes elas connosco& tenaes& a
Bergonha ue a madrinha da minha me me designasse de repente
- +resceu tanto este ano.
e a minha mulher Ntando a poltrona deserta
- Perdo
de tempos a tempos as narinas da madrasta da minha mulher e
o pVssego no topo a meditar
- +aio ou no caio=escorregando um centRmetro& euilibrando-se a custo& nós
- *ente-se mal senhora=
as sobrancelhas a responderem por ela Bisto ue a garganta
ocupada com as resistVncias do ar& as minhas Nlhas especadas diante
da madrasta da minha mulher abrindo a boca tambKm& a mais noBa
com a boneca suspensa pelo tornoelo desalecendo no cho&
interessadas no pVssego ue se contraRa& oscilaBa& o retrato
Qas rBores do undo Berdadeiras& no pintadasS
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com demasiada lu no canteiro onde demoraBa a reconhecer-me
numa nKBoa parda
- *ou eu=
ao passo ue a casca da tangerina e a garraa de cerBea no
banco pereitas& deciraBa-se o rótulo& a marca& se a bailarina de
corda no tiBesse alecido no sanatório em +oimbra eCibia-lhe a
nKBoa no dia em ue me deiCassem entrar& o porto aberto& o
ardineiro a descer do escadote
- Essa porta aR em cima
senhoras de touca& Belhotes ue tossiam em camas muito
antigas& essas lues sem destino dos chalKs abandonados a
esperarem ignoro o uV de nós e de sJbito& unto a uma mesa de pK-
de-galo& tu de comunho solene aguardando-me& esconder a alian@a&
esconder as minhas Nlhas cortando os lados do retrato& aproCimar-
me
- *ou eu
ou mandaBa a otograNa pelo correio e por baiCo no
*empre 9uerido
por baiCo& numa letra ue me demorou a desenhar para ueNcas bonita
- Lembra-se de mim=
no
- Lembra-se de mim=
no tinha conNan@a para
- Lembras-te de mim=
o ue eu passaBa& U espera de encontr-la
Qe se por acaso a encontraBa desBiaBa a cabe@a Nngindo no BerSno no >eato& no na +al@ada do ;rilo& no na Madre de "eus&
para l na direc@o do centro& deBes ter demorado semanas a dar-te
conta e dei conta ue te deste conta dado ue corria a escapar-me de
ti& se a bailarina de corda no tiBesse alecido no sanatório em
+oimbra eCibia-lhe a nKBoa
- *ou eu
com a mo esuerda no bolso tentando retirar a alian@a com os
outros dedos e deBo ter engordado
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Qengordei& a minha mulher di ue engordei
- Engordaste sabias=S
porue a alian@a presa& se no tiBesses alecido tu ue me
trataBas por BocV& por senhor& por
- Olhe
a alongares-te no retrato& cerimoniosa& atenta& comigo a calcular
- Mesmo ue tire a alian@a Nca a marca estou eito
mantendo todo o tempo a mo no bolso& impedindo-te de me de
BolBer a otograNa
- X para ti
no& nessa Kpoca
- X para si
consciente dos pinheiros e do aruipKlago de ces ue daui a
pouco U noite& antes ue eu
- Posso Boltar para a semana menina=
ou sea a reunir coragem na esperan@a de conseguir
- Posso Boltar para a semana menina=
sem reparar nos apeadeiros e nas passagens de nRBel& eu de
testa no Bidro enuanto a bailarina ia rodando& antes ue eu- Posso Boltar para a semana menina=
uma campainha& ondula@Fes de goma& a religiosa de aBental
- A hora da Bisita acabou
de modo ue no lbum a otograNa a ue dobrei os lados& o da
minha Nlha mais noBa a esregar-se& o da minha Nlha mais Belha a
eBitar o sol com o bra@o& se por acaso tu interessada
Qse por acaso a menina interessadaS
mentir- $o so minhas Nlhas
e portanto eu no canteiro soinho apesar da sombra da minha
mulher na relBa& uebrada na cercadura de tiolos e continuando a
dirigir-se a mim
- $o K a minha mulher K um desses pretos ue no altam em
Lisboa a pedir cigarros nas bombas
ou um estranho a uem eCpliuei como o aparelho uncionaBa
- *egura-se assim carrega-se neste boto assim
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na Photo oIal Lda no botFes& maniBelas& cada impulso de
maniBela uma noiBa na Baranda do engenheiro& um bebK a trepidar
eCigindo o seu peiCe& se mostrasse o >eato U minha mulher ela a
aastar os pssaros com a carteira procurando penas nos ombros
- <inhas aui tu=
enuanto dentro de mim& depois ue o primo +asimiro enCugou
o bigode no len@o& se moBimentaBam !odos de encontro U muralha& o
Jnico retrato com as minhas Nlhas ue tenho& era sempre a minha
mulher com elas& cada Be maiores& nas otograNas& uando muito a
minha sombra nos canteiros a untar-se Us sombras da minha me e
da madrinha da minha me no ardim +onstantino& a muina de
costura trabalhando unicamente para mim ao undo e na Bolta do
emprego eu calado& eu gordo& a aumentar nas almoadas
- O ue tem o pai me=
tenho ue o pVssego Bai cair-me do peito conorme o hidroaBio
no cessa de tombar no rio& tenho ue toda a semana& a seguir ao
ano em ue Boltei a encontrar-te
- Em ue Boltei a encontr-la menina
a pensar nas uartas-eiras na hospedaria da ;ra@a mais altaue o miradoiro e na anela uma trepadeira de ue nunca soube o
nome da mesma orma ue esue@o os Bossos nomes Nlhas& tento
lembrar-me e no consigo& uma ruga no nari ue no consegue
tambKm
QtiBe esperan@a ue a ruga se lembrasse e enganei-meS
- *etenta anos setenta e um anos em ulho
oito de ulho& acho eu
Qou noBe=Sno mVs em ue a trepadeira umas petalainhas claras& uase
nem pKtalas& uns pontitos alegres& desde h uanto tempo nós Us
uartas--eiras aui& se as minhas Nlhas
QK um suporS
me perguntassem demoraBa-me U procura& as minhas Nlhas ue
nunca sonharam& no haBeriam de sonhar& se por acaso sonhassem
eu
- 9ual hospedaria da ;ra@a ue inBen@o mais palerma uma
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reunio na empresa
ao Nm de um mVs a dona ue alaBa por um tubo na garganta só
ditongos& só BRrgulas a oerecer-me a chaBe
- O uartinho do costume senhor
mais alto ue o miradoiro& as noiBas& um sRtio em ue a minha
me no poderia atormentar-me de corpo inclinado para diante a
BeriNcar o beco
- PoruV=
por Bees a meio da noite um comboio de *anta Apolónia mais
orte ue os barcos& a hospedaria da ;ra@a o Bentinho apenas
mudando a trepadeira de lugar& escreBi-te pelo menos trinta cartas
para o sanatório e por no me responderes
Qagora sim& por tuS
tiBe a certea ue tinhas alecido& a chaBe& os nJmeros das
portas
- Esta
e eu to nerBoso ue no conseguia abrir& a trepadeira sem
Tores porue noBembro& ao acender a lu tudo puRdo& eio& pensei
- Arrano um preteCto ualuer e saRmos daui a alian@a no porta-moedas& o retrato das minhas Nlhas na
carteira& digo-lhe ue me casei& no lhe digo ue me casei& ueria
casar contigo
Q- O ue tem o pai me=S
palaBra de honra ue ueria casar contigo mas passaram tantos
anos percebes& se eu imaginasse ue estaBas BiBa uro-te ue nunca a
minha mo num bolo& nunca uma coinha ora aui ora ali a eCistir
aos peda@os& nunca as minhas Nlhas& dobrei os lados da otograNamas no ui capa de mentir-te
- *o estas
Q- Arrano um preteCto ualuer saio daui no BoltoS
a lWmpada do tecto entristecia o uarto& gente no corredor& uma
mulher
Qulgo ue uma mulherS
a rir-se& a dona do tubo na garganta sopraBa uma palaBra hoe&
uma palaBra passados sKculos e as palaBras iguais Us da minha me a
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Basculhar ausVncias
- PoruV=
a chuBa embaciando tudo a humedecer-me por dentro& com esta
chuBa assim no consigo& deBia estar no emprego ou em casa ou no
>eato ou onde uer ue osse desde ue longe daui& sobretudo no
estar aui& uro ue no Bolto aui& no pensar em ir-me embora& ir-
me embora de acto e ao decidir ir-me embora pedir senta-te ao pK
de mim para te contar as coisas como deBe ser& no tenhas medo&
uro ue no te toco& cruo os bra@os olha& no consigo tocar-te com
os bra@os cruados& se ao menos um candeeiro na mesa de
cabeceira& se auele galho no insistisse nos caiCilhos& se a mulher
Quma mulher& simS
deiCasse de se rir l ora e depois estes pregos onde dantes
estampas& a ronha cerida& o senhor 9uerubim
Q- $o reparesS
a sugerir-me ue te Bista de noiBa& o BKu& a grinalda
- $o a@a uma cara to assustada menina
traias um No com uma cruinha ao pesco@o desses ue nos
colocam em crian@aQuma crian@a com um peda@o de mandioca abra@ado no peitoS
e a cruinha comoBeu-me& a crian@a um ou dois passos para nós
sem consciVncia de caminhar para nós& se permitisses ue meCesse
na cruinha era eu ue me sentaBa a esconder-me nas palmas
mesmo ue o aleres
- LeBanta-te
eu uieto mesmo ue me dessem corda e um pingo de aeite nas
untas& mesmo ue uma metralhadora a obrigar-me a dan@ar norodopiaBa& NcaBa-me& miraBa os oriRcios das balas como se um
arranho no dedo& só me preocupou ue uma arra se despenhasse
num uarto Biinho e cada ragmento um estilha@o de morteiro a
doer-me& no apenas a cruinha no peito& os teus sapatos a ue
altaBa graCa comoBendo-me tambKm& se te echasse uma nota na
mo oendias-te& as minhas Nlhas como se eu no pudesse ouBi-las o
pai no tem setenta anos& ue setenta& oitenta e dois em ulho& o
Rgado ue desiste& a anlise do a@Jcar& o mKdico de indicador no
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processo oitenta anos no so oitenta meses amigo& a gente
sossegados e nisto uma ma@ada& um problema uando o Jnico
problema era aastar as madeiCas da minha me sem lhe encontrar a
cara ou tu leBantando-te da cama
Qe o senhor 9uerubim agradado
- Aguente essa eCpresso menina essa atitude dos bra@osS
tu encostada U parede em ue do outro lado Boes& a cruinha
sumida na blusa a reaparecer
- $o
uma cicatri num tornoelo ue me comoBeu tambKm&
aproCimei-te o pesco@o e o pesco@o a recusar-me
- $o
isto K a bailarina girando para onde era impossRBel impedi-la de
continuar a dan@ar& a tua Bo como se um tubo na garganta
igualmente& palaBras uase só ditongos& BRrgulas e enuanto as
palaBras a cara impassRBel& os lbios cerrados
- $o deBia ter Bindo
portanto no eras tu uem alaBa conorme no era a dona da
hospedaria& em BocVs sem rela@o com BocVs& o das bonecas poreCemplo& uma coisa automtica a trepidar
- O seu uartinho senhor
e os olhos noutro sRtio& o pensamento noutro sRtio& no era
- $o
o ue tu uerias dier& no podia ser
- $o
e a proBa ue no podia ser
- $oestaBa em ue a cruinha do pesco@o consentindo ue lhe
meCesse& isto K tu
- $o
e a cruinha& independente de ti& a concordar comigo& o riso da
mulher mais orte e o riso de um homem com ela& a dona da
hospedaria sempre sKria
- *enhor
ao meCer na cruinha eu para mim
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- #uo daui Bou-me embora
inBento uma desculpa& uma mentira sobretudo agora ue te
sentaste na cama& ue no
- $o
o ueiCo no peito& as palmas nos oelhos& tu escondida no cabelo
conorme a minha me ao dormir& arredar-te as madeiCas e
- Me
arredar-te as madeiCas e pingos de aeite& no lgrimas& no a
cara impassRBel& no os lbios cerrados& as ei@Fes da comunho
solene ou sea uma miJda de oito ou noBe anos cuas bochechas
estremeciam
- $o abuse de mim
no por tu& por BocV& uma gotinha ue preeri no Ber no Wngulo
da plpebra& a demorar-se no rebordo& a no cair& no chores& por
aBor no chores
- $o abuse de mim
no Bou aer-te mal& no chores& sou parecido contigo& BVs
auele homem no ponto sobre um rolo de cordas& BVs um garoto
BVs-me a mima correr para ele& BVs um sueito a secar o bigode no cais& sou da
tua idade no chores& uase todos os sbados eu no comboio de
+oimbra& escreBi-te dJias de cartas com as rases& por Bees
Qapesar do meu cuidadoS
a ultrapassarem as linhas e nas cartas
Menina
*into a sua alta menina
uando te pedi namoro num bilhete com uma cercadura decasais de rolas com Ntas no bico
no noiBas& no peda@os de peiCe& rolas de cauda em leue com
Ntas no bico& disse se no aceita ter namoro comigo eche a anela e
tiBe medo de ir Ber& decidi no Bou Ber& eu na Madre de "eus& no
Ateneu& na +al@ada do ;rilo
- $o Bou Ber
dia oito de agosto
- $o Bou Ber
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eu a chegar aos prKdios antes da igrea com tantos auleos e
tantos nardos no altar& eu na esuina para a aBenida do rio seguro
ue no ia Ber& posso espreitar as achadas mas no o rKs-do-cho do
nJmero Binte e seis e ao aNrmar
- $o Bou Ber
a anela aberta& a anela aberta& aanelaaberta& ninguKm no
peitoril& uns palmos de tecto& um canrio de eltro numa gaiola
cromada& tentei descobrir a mesa de pK-de-galo& a bailarina& uando
a chuBa parou na hospedaria da ;ra@a a trepadeira calou-se& os
ramos suspenderam-se U escuta& tu no
- $o
isto K& eu no
- $o
a consentir ue o empregado do meu pai me sachasse por
dentro da terra& me abrisse sulcos para a batata& o cebolo& parasse a
BeriNcar o cair e o meu oai sem se dar conta& no estaBa com o
senhor na ;ra@a
- O seu uartinho
estaBa em Arganil perto do pomar& da Binha& deu-me ideia ueuma mulher a rir-se no uarto ao lado& passou-me pela cabe@a
- X a chuBa ue Boltou
apesar dos galhos da trepadeira uietos e aNnal a respira@o do
senhor& a cara como se me odiasse
- Odeia-me=
e no ódio uma espKcie de sorimento arredando-me o cabelo da
cara& espreitando sob o cabelo
- Meuma pressa ue me e pena
- Para uV tanta pressa=
e por me aer pena a minha mo na cara dele
- Para uV tanta pressa=
eu ensinando-o ue os sulcos no se abrem dessa maneira
senhor& alongam-se um após outro& direitos& no enCugue no o sei
uV na manga& no se inuiete com o hidroaBio& as gaiBotas&
ninguKm para si
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- %rambolho
eu no disse
- %rambolho
no o mandei embora& estou aui& hei-de Boltar todas as
uartas--eiras consigo& Beo o retrato das suas Nlhas& oi@o-o
no sanatório& em +oimbra& os pinheiros toda a noite a alarem
comigo prosas ue no entendia e o senhor& tendo estudos& haBia de
entender
entende
no me deiCaBa adormecer para ue o aruipKlago de ces no
me espalhasse os ossos& a tesoura do ardineiro ia-me cortando os
pulmFes& uando alguKm morria atraBessaBa o corredor num len@ol&
um ombro a baloi@ar ora da maca& unhas ue continuaBam a crescer&
dedos de gi& da Jnica ocasio em ue o meu pai em +oimbra trouCe-
me cenouras& uma galinha de patas atadas num cordel
- "o-te de comer rapariga=
as asas da galinha espaneaBam em torno& o corpo do meu pai
para trs e para diante& embara@ado& medindo-me as raueas
esuecido do bicho- Ao menos do-te de comer rapariga=
uma graBata ue no lhe pertencia
- 9uem lhe emprestou a graBata=
a escorrer do colarinho
Qa minha me contaBa ue no Bero um irmo dela enorcado
antes de eu nascer Binha beber-nos a gua do po@o assimS
o casaco ue parecia ao mesmo tempo altar-lhe e sobear-lhe&
olhos ue se escapaBam& lbios perguntando ao tecto- %ens a certea ue te do de comer=
o enorcado Binha beber-nos a gua do po@o assim& a minha aBó
a apont-lo U minha me& em segredo
- O aime
elas as duas num cachoinho de espanto& o corpo do enorcado
para trs e para diante& a graBata ue outro deunto lhe deu
Qa minha aBó
- $unca teBe auela graBata Nlha usam a roupa dos colegasS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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demoraBa-se um momento a aBaliar os limoeiros& ia embora sem
Bontade& no dia seguinte sinais de botas nos coentros& a ma@aroca de
pano de alarmar os pssaros uebrada& o empregado do meu pai U
espreita com a naBalha e ninguKm& ao cruar-se comigo a mulher
dele punha as ei@Fes no cho e murmuraBa& aNguraBa-se-me ue a
esposa do senhor em %aBira murmuraBa tambKm& a Nlha do cotoBelo
em gesso
- Parti o bra@o olhe
o senhor a remeCer-se& eu a entrar crochet dentro& a me logo
- Anda c
pouco antes de morarmos em Lisboa o empregado a emagrecer
de repente& umas Bertebrainhas& umas arripas& uns tornoelos de
nada& uma crian@a uase& de mos cruadas no ue tinha sido a
barriga& U entrada de casa& com o guarda-chuBa aberto a deendV-lo
do sol& o meu pai
- Hermano
o empregado uma espKcie de gesto ou antes nem um gesto& a
mo
a erguer-seQparte da mo a erguer-seS
e a desistir deBagar& a mulher audaBa-o a sumir-se arrastando
sandlias no buraco da casa e isto com a terra do meu corpo pronta&
angada com ele a eCigir aos gritos
Qe eu a cal-laS
a batata& o cebolo& uem me arranca estas erBas& uem caBa os
sulcos agora& eu de boca na almoada e o colcho a indignar-se por
mim ue eu bem escutaBa a minha Bo& todas as minhas Boes norecheio dele& eu U mesa com Bergonha ue adiBinhassem& soubessem&
a minha aBó de colher no ar
- Perdeste o apetite=
e ualuer coisa nela a adiBinhar& a saber& a espreitar o
empregado antes de me espreitar a mim isto K uns pauitos de ossos&
umas BRsceras bambas& a seguir ao uneral a mulher Beio despedir-se
da gente e cuspiu no cho ao Ber-me& nessa noite o enorcado
demorou mais tempo no po@o sem se interessar pelos limoeiros
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Ntando-me a mim& ao achar-me de manh no espelho achaBa-o
tambKm& a cara dele e a do senhor na hospedaria da ;ra@a a odiar-
me
- Odeia-me=
e no ódio& uma espKcie de sorimento arredando-me o cabelo
da cara& espreitando sob o cabelo
- Por aBor no sorrias
ele de oelhos como no retrato com as Nlhas a pedir
- $o sorrias
as crian@as na ;uinK no sorriam& no se assustaBam seuer&
acocoraBam-se unto aos cadBeres U espera& NcBamos numa aldeia
trVs dias e ao terceiro dia a mesma garota unto U mesma criatura
deitada a reder& partilhando moscas& lagartas& esses urubus ue
poisam nos Nnados sem se ralarem com a gente puCando pela carne
e nós no os augentando seuer& ao irmo-nos embora continuou ali&
o urriel entregou-lhe uma lata de conserBa e no tocou na lata& h
alturas em ue me pergunto se uma aldeia realmente ou um cenrio
de aldeia& cubatas pintadas& labaredas de guache& cada soldado um
tra@o de carBo& o ipe ue a mina eCplodiu uns noBelos de riscos& euacocorada unto dele na hospedaria onde um operrio a martelar um
cano& a martelar-me num uarto de repente próCimo como os ces
por eCemplo& de sJbito Biinhos ao ladrarem ao longe ou certas Boes
ou a mangueira de rega ou os sinos do meio-dia em outubro
Qos sinos no Biinhos& no interior de mimS
o operrio a martelar o meu corpo ou ento o bater do meu
sangue ou ento a lembran@a do empregado do meu pai
Qsei lSue se pegaBa no sacho eu sentia-o& acocorada& U espreita&
sentia os meus sulcos e torrFes e pedras e as raRes da nespereira
ue apodreceu dos bichos e o meu pai cortou& ao cortarem-na o
tronco
ia dier ue o tronco a gemer mas no gemeu& outra coisa& um
som proundo de guas Bisto ue deBe haBer guas no interior de
tudo conorme sei ue guas em mim& da primeira Be ue eu mulher
a minha aBó a designar-me U minha me
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- As guas da menina
e eu um liuidoinho roCo igual ao da nespereira& as cartilagens
dela& os tendFes& na hospedaria da ;ra@a no topo da cidade& mais
alta ue os paBFes do castelo& telhados& pombais& a trepadeira ue eu
no tinha coragem de perguntar o nome no caso de haBer nome para
ela& se calhar só trepadeira& mais nada
- +hama-se trepadeira apenas
o senhor aastaBa-me o cabelo da cara& os dedos dele to
nerBosos e eu
- Para uV tanta pressa=
eu
- "eiCe-me aud-lo espere
como audei o aleres aue mandou parar a camioneta e me
ordenou acaba com a garota antes ue se ponha a crescer e acabe
connosco
Qa lata de conserBa apertada na moS
coloue Nos de trope@ar na picada& armadilhe o capim& lhes
conte onde estamos& desconhecem a gratido& piores ue os ces&
esses ao menos ladram e os pretos calados& se a gente a empurr-losou a bater-lhes
- $o sei
os ces ogem& eles no& para ali empoleirados como o meu pai
no seu rolo de cordas a detestar-nos
- %rambolhos
o aleres para o condutor
- Espera
as outras camionetas a seguir a nós& o cabo U procura do uartelno mostrador do rdio& acaba com a garota percebes antes ue se
ponha a crescer e acabe connosco ou desate a parir os ue acabaro
connosco& eu sem descer
Qpara uV descer=S
apontar no a ela& U lata de conserBa& Uuele brilho de metal e a
garota habituada Us larBas& Us moscas& aposto ue a aproBar-me& ela
unto ao cadBer& uieta& ou sea primeiro uieta sentada e uieta de
bru@os depois& uma perna alongou-se um bocadinho e pronto& o
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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aleres para o condutor& mirando-me de uma orma esuisita
- Acelera acelera
apertou a mo dos outros& no apertou a minha ao chegarmos& a
ue seguraBa a minha Nlha mais Belha no retrato do parue e eu com
medo ue ela abra@ada a uma lata de conserBa uando a minha
mulher disparou
- *egura-se na espingarda assim aperta-se aui carrega-se assim
eu a BeriNcar se tu uma lata de conserBa apertada no peito Nlha&
se descal@a& se uma blusinha sua& a minha mulher oendida
- *ua de uV= 9ual sua=
enuanto eu sempre a limp-la
Qpode ser ue lama& pode ser ue ormigasS
a muina Boltada para nós e eu
- Espera por amor de "eus espera
a colocar-me entre a muina e ela& o aleres enoado de mim
- <ai-te embora
a lata de conserBa nem seuer e ruRdo no cho& continuou a
brilhar& um de nós pensou em apanh-la
- no lhe serBe de nadae o aleres de dentes ao lKu urioso com a gente todos
- Acelera acelera
rBores Berdadeiras& no pintadas& se ossem pintadas seriam
peuenas e com Tores& todas untas e estas grandes& separadas& sem
Tores& obserBando melhor notaBa-se o moBimento das copas dado
ue desocadas como sucede Us otograNas no caso de alguma coisa
meCer& cada olha Brias olhas sobrepostas ou sea a mesma olha
cinco ou seis olhas simultWneas& no a preto e branco& cinentas eportanto rBores no de telo& a sKrio& a minha mulher a aproCimar-
se um passo
- <ou disparar
no& a minha mulher na camioneta acompanhando o aleres& o
oelho nas minhas costas& o cano a pesar-me no ombro& acabar com a
minha Nlha antes ue se ponha a crescer e acabe connosco& ela a
espantar-se U mesa& a cobrir a pergunta com a mo
- O ue tem o pai me=
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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tenho ue no setenta anos nem setenta e um em ulho& oitenta&
onde Bai ele Us uartas-eiras senhora& onde Bai ele na primaBera aos
domingos& o mKdico no mandou ue repousasse& no Nesse
esor@os& no saRsse de casa& lhe Bigiassem o pulso& no respeitou a
dieta& bebeu um clice de Binho& repare ue d trVs passos e cansa-
se& encosta-se U parede a Nngir-se distraRdo& a disar@ar os pulmFes&
se lhe diemos alguma coisa aceita por alheamento& concorda por
cansa@o& o tempo ue ele demora a serBir-se& a comer e depois esse
cuidado a pentear-se& o perume& o lencinho& ual almo@o com os
colegas senhora& uais colegas& ao despedirmo-nos no regresso da
;uinK& em Lisboa& o aleres
- +hega-te para l no me ales
- $o me ales
tu no uartinho do senhor
- O seu uartinho senhor
na hospedaria da ;ra@a sob a chuBa
- "esculpa a chuBa
no& ainda por BocV& por menina
Q <ou busc-la longe da sua casa onde uer ue B busc-la=S- "esculpe a chuBa
a hospedaria da ;ra@a em ue no uerias entrar e por causa do
teu pai ou dos Biinhos ou de uma prima ue continuaBa a tomar
conta de ti ui buscar-te ao >eato& no ueria alar no >eato& esueci-
o h ue tempos& oste tu uem
- +onhece a igrea do >eato senhor=
nas imedia@Fes do Ateneu e da +al@ada do ;rilo& loas onde Us
Bees a tua prima& tu e eu- *abe onde Nca o ponto h-de haBer um rolo de cordas no
ponto
as noiBas da Photo oIal Lda nos caiCilhos da montra sem ue o
senhor 9uerubim
- Pimpolho
uma traineira& um pauete& o petroleiro persa ue remoBeram
h sKculos e com ele as senhoras idosas ue escutaBam o ter@o nos
camarotes aundados& os uintais substituRdos por prKdios de
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habita@o& garagens& uma ou duas oliBeiras com as suas borboletas e
os seus pssaros de proBRncia& eu para ti
Qno por tu& por meninaS
- *abe onde Nca o ponto h-de haBer um rolo de cordas no
ponto
esperando como continuo a esperar& como hei-de continuar U
espera de um chapKu a umar& de duas canas de pesca
Qa minha Nlha mais noBa a desculpar-me
- A idade dele meS
e ao aproCimar-me tu
- %rambolho
a sacudires-me com um gesto
Q- +hega-te para l no me alesS
tu
- *enhor
eu
- *enhor
Bisto ue o sacho de regresso destruindo erBas& caBando&
abrindo sulcos na terra& eu- *enhor
e as guas do meu corpo a subirem& subirem
portanto inelimente tu no
Qno
- %u noS
a menina no
- %rambolho
consoante no o Bestido de comunho solene& um Bestido demulher& nenhuma Bela com uma Nta& uma carteira de pessoa
crescida& sapatos de mulher& no sapatos de bailarina a girarem& o
comboio de *anta Apolónia comigo na carruagem a partir para
+oimbra& eu no idoso& com trinta anos& menos idoso ue BocVs hoe
em dia a decidir
- <ou-me embora
subo para o caiCote
- " licen@a senhor 9uerubim=
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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tomo cuidado com os pregos para no aleiar o pesco@o& enNo a
cabe@a no telo da bicicleta Bermelha ue deBe estar na caBe
Qest de certea na caBeS
entre rascos de reBelador& baldes& Bou-me embora a pedalar e
adeus pensando ue no caso de aceitar uma lata de conserBa e a
apertar contra o peito alguKm numa camioneta
Qum soldado ue um aleres despreouS
me h-de audar a Bir& eu pela primeira Be na hospedaria da
;ra@a& a dona alaBa "or um tubo na garganta ainda no minha
amiga& ainda no
- O seu uartinho senhor
a eCigir-nos dinheiro adiantado desconNada de nós& as portas
numeradas& a suspeita ue em cada porta o primo +asimiro para a
minha me com receio ue eu entrasse
- <ais Ncar a pensar nele toda a Bida peuena=
a chuBa na anela a desolar a tarde& uma pessoa ue chamaBa
- %adeu
pareceu-me ue rolas mas como rolas no inBerno& a pessoa ue
chamaBa uma oitaBa acima- E para hoe %adeu=
e no >eato a Baante a pingar mgoas de lodo& a muralha a
descoberto& o ponto mais comprido& homens da minha idade& ue
surpresa& eles ue sempre tinham sido maiores& um deles
antigamente
- Pimpolho
e desta eita no
- Pimpolhocomo se no me conhecesse& de cal@as pelos oelhos a recolher
detritos& Alcochete mais Basto ou ento o Montio a brandir lues&
no lues& reTeCos de telhados& de chaminKs ou isso& uando tinha
uine anos uma mulher num arco mais adulta ue a minha me&
mais orte
- %raes dinheiro rapa=
se eu osse o primo +asimiro um pacote de broas& a pressa de
agradar& sorrisos& a segunda pupila a untar-se U primeira
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- Ests a rir-te de uV=
e a mulher
- Perdo=
ests a rir-te de mim na hospedaria da ;ra@a uando a chuBa
parou e a trepadeira calada& a rir-te da mo na minha cara& na nuca
- PoruV tanta pressa=
a audar-me eCplicando ue os sulcos no se abrem dessa
maneira senhor& segura-se desta orma na enCada e alongam-se
direitos ao longo do corpo& no enCugue no sei uV na manga& no
se inuiete com o hidroBio& as gaiBotas& ninguKm para si
- %rambolho
eu no disse
- %rambolho
no o mandei embora& estou aui& hei-de Boltar todas as uartas-
eiras consigo& Beo o retrato das suas Nlhas& Beo-o& no acho ue
setenta anos& setenta e um anos em ulho e as artKrias& a memória
ue alha& ulga ue uma garota na ;uinK com uma lata de conserBa
apertada no peito& ulga ue uma espingarda& um tiro e no houBe
tiros garanto-lhe como no houBe o aleres- +hega-te para l no me ales
h o senhor& h nós dois& pode ser ue uma mulher num arco
- %raes dinheiro tu=
e ue importa a mulher& BocV
Qposso trat-lo por BocV senhor=S
BocV de punho redondo no bolso a mentir como se no casaco
notas& moedas e o bolso Baio
- %rago dinheiro uer Ber= BocV sem barba ainda& com tanta inWncia na cara& a acompanh-
la a um resto de muro a seguir aos uintais onde a mulher
- Aui
ou sea uma panela numas pedras e trapos no cho& ou sea um
peda@o de lona em ue deBia dormir& ou sea a mulher
- %ens um cigarro ao menos=
e um comboio de sJbito& de Paris ou +oimbra& a mulher uma
bailarina ue principia a girar atK ao Nm da corda& no Nm da corda
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- O dinheiro=
ela mais orte ue o senhor Qmais orte ue BocVS
- O dinheiro=
e no pode ugir no K& ugir para ue lado& no adianta ugir&
ainda percebe o rio& a marK& ainda percebe o caniBete
- O dinheiro=
ainda percebe a sua Nlha mais noBa
- Pai
a sua Nlha mais noBa
- O ue aconteceu pai=
e BocV a amparar-se U mesa com essa coisa no estYmago
QsupFe ue no estYmagoS
ue o impede de respirar& de moBer-se& a responder
Qto surpreendidoS
- $o sei.
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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SEXTA FOTOGRAFIA
E aui est o meu sogro penteadinho& graBe& todo catita
Qpercebe-se ue e a barba com mais cuidado& passa as costas
da mo na bochecha& a minha sogra com as minJcias habituais ue
no sei como o pobre aguentaBa
- Espera
a endireitar-lhe o casaco& a limpar com a ponta do len@o o ue
no estaBa suo na cara& a recuar obserBando-o só boca ranida& só
plpebras& a inBentar um tra@o ue ninguKm notou
- *aiu-me na ria uma crian@a grande meu "eus
a molhar a ponta do len@o na lRngua e a esregar o tra@o& a
reparar nos sapatos
- H uma coisa na gaBeta ue se chama graCa e outra coisa uese chama escoBa sabias=
embora os sapatos normalRssimos& limpos& por Bontade dela
engraCaBa a sola tambKmS
portanto aui est o meu sogro obediente& gorducho& depois de
o melhorarem com a coisa a ue se chama graCa e a coisa a ue se
chma escoBa
Q- $o Bais meter a perninha em cima da cadeira para me
estragares o estoo pois no=Sno dia em ue o promoBeram na empresa& sempre ue passamos
por esta otograNa a minha mulher costuma contar pela milKsima Be
e por no ser pessoa de se repetir muito suponho ue o acto a
enternece& no caso de cair na asneira de perguntar
- Enternece-te=
um soslaio de anga
- Xs to parBo
de modo ue por prudVncia eu calado a Nngir interessar-me
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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enuanto a minha mulher igual U meinha
Qa Belha história dos genesS
ela ue embirra com a me& salBa o retrato de um gro de
poeira ue mais ninguKm percebe
Qsó lhe alta molhar a ponta do len@o na lRnguaS
a contar-me ue o pai
Qno me conta a mim& conta-se a si mesma& no K comigo ue
ala& sirBo-lhe para se escutar& claro ue se eu
- *ó sirBo para te escutares
um soslaio de noBo
- nasceste assim tonto=
e um Nnal de dia
mais a manh seguinte
de respostas tortas& amuosS
conseuentemente e abreBiando para eBitar o lbum echado de
estalo e partes gagas& cenas& sempre ue passamos por esta
otograNa a minha mulher a demorar-se numa espKcie de sorriso
Boltado na direc@o da inWncia
Qno de mimSue se enche de sJbito de episódios aos uais no tenho acesso
e ue uma lgrima une
Qcontinua a surpreender-me o nJmero de recorda@Fes ue se
podem pendurar lado a lado no No de uma lgrimaS
o indicador a sair do sorriso e a insistir na pelRcula um dois trVs
toues& ao terceiro toue o sorriso a desalecer e os olhos dela em
mim
Qno olhos& duas lgrimas com os olhos dentro ue desaleciamtambKmS
- $unca entendi porue K ue o meu pai uis tirar o retrato
numa loeca to reles
ou sea uma caBe na outra ponta da cidade unto aos edores do
rio ue eu nem sonho onde Nca& a minha sogra no automóBel
- A ue misKria nos leBas meu "eus=
a minha mulher e a irm
Qsaiu-me uma boa pe@a a irmS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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a discutirem a propriedade de uma blusa
Qainda hoe discutem a propriedade da blusa ue acabou h
sKculos no liCoS
gritando-se amea@as no banco de trs& a minha mulher e a irm
catitas como o meu sogro& penteadinhas& engraCadas& no sugiro ue
gorduchas para ue
Qinesperadamente de acordoS
se no engalNnhem em mim& a minha sogra a Bigi-las no
retroBisor ue o meu sogro inclinou para si conorme U noite
negociaBam com certea& centRmetro a centRmetro& o cobertor da
cama
- Pela Bossa saJde no desengomem os Bestidos meninas
U medida ue Lisboa
Qcidade estranhaS
se transormaBa em subJrbios& uarteirFes encaBalitados&
restaurantes U beira da estrada com mais cachorros ue clientes& eu
de testa no lbum a imitar curiosidade e o No de lgrimas da minha
mulher carregando auilo tudo& os uarteirFes& os restaurantes etc
com o dedo do sorriso a insistir na pelRcula ou sea no sorriso& sódedo& um dos olhos uase a descer a bochecha& eu a lembrar-me da
minha primeira esposa ue me Bencia uando os olhos lhe chegaBam
ao nari e os ungaBa
- "eiCa-te de pieguices e empurra o olho para cima
Qao ue me consta continua por aR a ung-los com um cretino
ualuerS
elimente o olho
Qpouco Nrme K BerdadeSaguentou-se mais ou menos na plpebra& regressou ao lugar e a
minha mulher a repetir para ela& no para mim ue sou um Berbo de
encher
- $unca entendi porue K ue o meu pai uis tirar o retrato
numa loeca to reles
e a proBa ue sou um Berbo de encher consiste em ue se
iniciasse uma rase e a enCotasse com o desdKm de um suspiro
- %u no percebes isto
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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a coitada da rase a amarrotar-se para aR& logo gasta& amarela&
uma cina de ideia enuanto o meu Nlho
Qum 3tila em boto ue nos h-de destruir a ambos mais cedo
ue se pensaS
martelaBa um brinuedo& as lues ao acenderem-se na rua
destin-gem para mim& eu essa palide dos telhados& esse roCo das
rBores& esses sons mais tKnues ue por um motiBo ue me escapa
me doem& a Bo da prima diBorciada de regresso como nas tardes de
gripe
- Pedrito
eu ue no esperaBa uma destas a empurrar o olho para cima U
socapa& a empurr-la a ela
- %enha paciVncia prima "ina no me leBe a mal no tenho
tempo agora
e com pena ue se osse& palaBra& apetecia-me estar consigo&
espregui@ar-me ao seu colo& sentir-lhe as molas da carne& adormecer
nos seus cheiros& os meus pais recebiam a contragosto o amigo
espanhol
- ,m pianista "ina=alaBam consigo a ignor-lo& estendiam uma colher de a@Jcar
para o ch com dois groitos no undo
- !sto ou menos=
O pianista ensaiaBa uma aruela nos oelhos& embara@ado& os
gestos da prima ue costumaBam contrariar o crepJsculo desistiam
Bencidos& eu a melancolia da rua& sons ue doRam& doRam& a
argumentar com o prato
- $o me apetece antara gua no num arro& num rasco acetado em ue as lWmpadas
do lustre mudaBam de cor& a prima um sinal sobre o lbio com um
pVlo espetado
Qo ue eu gostei do sinal e do pVloS
um dente um bocadinho ora do sRtio
Qno& doisS
ue ainda hoe acho lindo
Qdois ou um=S
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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desde ento as gripes uma ma@ada solitria sem perumes nem
colos& pules incompletos& reBistas a ue altaBam pginas& o liCo
ue a minha me retiraBa da prateleira das doen@as onde tambKm
um ano da >ranca de $eBe maneta e um apito ue se reorma de
apitar& sopraBa-se e cuspo& eu a amontoar-me de raiBa nos
cobertores$o uero
esperaBa ue
- Pedrito
e em lugar de
- Pedrito
o silVncio da casa& a minha me sacudia o termómetro e eu a
pensar& pela BeemVncia do gesto
- $o pode ser o termómetro K um penso rpido ue se lhe colou
U pele
aloaBa-mo no soBaco& apertaBa-me o bra@o contra as costelas a
contar uatro minutos no relógio de pulso
- 9uieto
com a sombra das pestanas a aumentar-lhe a ace& uase a
prima diBorciada gra@as ao abaur cor-de-rosa& sonhos conusos emue o pianista espanhol me arrancaBa acordes de tosse dos pulmFes&
a minha Binha do auarto dela meio a andar meio a tropre@ar&
aeitando al@as e apertando o roupo
Qa pele sem Bi@o& moleS
deitaBa-se comigo mas altaBa-lhe o sinal sobre o lbio e eram os
cheiros do meu pai& a desodoriante e a cerBea& ue lhe encontraBa
no corpo
Qse o meu pK ro@aBa os seus oelhos de certea ue no iriaalecerS
a minha mulher contemplando uma rana torta no tapete ue
no sei poruV se lhe aNguraBa decisiBa& mantendo o dedo na
otograNa
- $unca entendi porue K ue uis tirar o retrato numa
espeluncato reles
e por baiCo do meu sogro& gorducho& catita& todo importante&
sKrio& Photo oIal Lda a letras caprichadas& em releBo& a ue altaBa
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o doirado& isto na outra ponta da cidade& longe da o do %eo na
ual& entre cani@os e charcos& Bo morrer os naBios& o meu sogro ao
longo de muros de tiolo& colmeias Baias& uma oliBeira uase deunta
a pular de um baldio
- +omo isto mudou
se calhar uma dJia de recorda@Fes penduradas num No de
lgrima igualmente
Qa Belha história dos genesS
episódios a uem a gente agradece por continuarem connosco
mesmo desbotados& Bagos& amontoando-se numa caiCinha de ue
cerramos a tampa com medo ue se eBaporem& Bisitamo-los em
segredo protegendo-os com a mo
- $o me roubem o ue ui
missas do ;alo& patins& rebu@ados a ue o papel se colaBa& o
sinal sobre o lbio ue me persegue
- Pedrito
no chichi a meio da noite uando horas improBBeis
Qse eu acordado no eCistem& eCistem horas a sKrio ue podemos
contarSno relógio da sala& no uma e meia nem sete nem uatro& trinta
e oito da madrugada& duentas e one da manh e uma escurido
inNnita& tudo to misterioso& to grande& o próprio ruRdo do chichi um
arame de gotas a Berrumar o silVncio& a claridade do uarto de
banho irreal& um sueito de cabelo no ar ue me encara do espelho a
co@ar a cabe@a
Qele canhotoS
com os botFes do piama nas casas erradas espantado comigo eeu com ele& o sueito a Boltar para a cama
- <olta para a cama sueito no preciso de ti
dado ue talBe a prima diBorciada U minha espera na sala e eu
a espregui@ar-me ao seu colo& a adormecer nos seus cheiros& mora
em *alamanca
Qdisseram-meS
e se soubesse o endere@o& palaBra de honra& escreBia-lhe& ainda
tenho gripes sabia& dores nos ossos& momentos em ue por assim
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dier necessito de si& deriBado aos candeeiros da rua eu telhados& eu
rBores& esses sons mais tKnues ue mesmo hoe& no calcula&
magoam& a minha mulher a Ntar os candeeiros& a Ntar-me
- 9ue tolice
uando tenho a certea ue a magoam tambKm& se a gente
aceitasse o colo um do outro& nos pendurssemos lado a lado como
as recorda@Fes de uma lgrima e em lugar disso& para no dar parte
raca& o dedo a narrar ue o meu sogro na outra ponta da cidade& um
lugar de mendigos a ue chamaBa >eato onde a roupa a secar
enCugaBa desgostos com a auda do Bento& o meu sogro pisando um
regador amolgado nas pedras
Qa prima diBorciada sem ligar ao regador ou a mimS
- Era por aui acho eu
ou sea o rio de sJbito& passarada& no a habitual em Lisboa ue
no oende ninguKm& esses maiores ue se a gente no se acautela
BVm Por aR abaiCo e nos comem& armaKns& isto K uns barracos
inclinados para a gua se pode chamar-se gua a um peda@o de
concertina a bater na muralha& um oonto de pescadores com um
rolo de cordas e chegados a este capRtulo da história o dedo daminha mulher
Qcomo sempre prima "ina& como sempreS
a abandonar o retrato& a compor o olho& em acabando de compor
o olho
- AdiBinha o ue o meu pai oi aer ao ponto=
Qprocurei *alamanca no globo do escritório mas na Espanha&
Berde
Espanha Berde& a #ran@a aul& Portugal amarelosó uma circunerVncia com uma bolinha ao centro e Madrid&
*alamanca mentira& mentiram-me& porue me mentiu me&
*alamanca no eCiste pois no=S
e o ue o pai da minha mulher oi aer ao ponto podia tirar-lho
da sua lgrima ou de tanto a escutar incluR-lo na minha& narr-lo de
cor ou sea um conBKs de petroleiro& ragatas sem motor& os tais
pssaros& a minha sogra
- <ais sair do automóBel tu=
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e o catita& o gorducho a trotar no ponto a caminho do rolo de
cordas& a minha mulher no Bagar dos sonhos& com a bolhinha de uma
rase a escapar-se da boca e a subir U tona
- Parecia-lhe ue um homem de chapKu a umar
o meu sogro a chegar-se e nem suspeita de homem K claro& a
minha sogra para a minha mulher e para a prenda da minha
cunhada& esuecidas da blusa
- #icou totó no est bem
enuanto ele a passar a mo pelas cordas& a regressar ao
automóBel& a instalar-se ao Bolante& decepcionado
- !a urar ue o meu pai
e tambKm um No de lgrima com remorsos pendurados& uem
podia supor imagine-se& o dedo da minha mulher a ascender do
retrato a Nm de mostrar Paris localiado num ponto algures entre o
reposteiro e uma graBura moderna@a com uma pVra Us pintinhas
- O meu aBY pescaBa nauele rolo de cordas antes de emigrar
para #ran@a
isto K o homem do chaoKu "rimeiro a umar no comboio e depois
num desses cemitKrios estrangeiros em ue os deuntos transidosporue o inBerno no pra& a minha mulher por reTeCo a encolher-se
no Bestido& o meu sogro abismado no ardim +onstantino NCando
Bidra@as& daBa-me ideia ue a olhar as copas e a enternecer-se
Qa Belha história dos genesS
no a@o a menor ideia com uV& a angar-se de se enternecer
receando ue o houBKssemos acompanhado sei l onde e desBendado
sei l ue segredos& a tornar& batendo asitas& num saltinho de ganso&
a minha sogra a espi-lo- Onde K ue estaBas tu=
e o meu sogro a comer mais depressa& a ocultar-se no prato
como se o prato Bertical& a escondV-lo& ao limpar a boca limpou a
cara toda na mira de limpar da cara o ue eu ia urar
Qno destrin@aBa bemS
ser um galho de trepadeira ou assim
- EstaBa aui
para a direita e para a esuerda segundo a chuBa de outubro e
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uase garantia
Qsem poder urarS
ue uma mulher com ele& o meu sogro a aastar-se do ponto
ue a enchente ia leBando bloco a bloco conorme leBaBa o >eato
inteiro no sentido da o& demorou-se nos ediRcios de um beco ue
uma distrac@o da graBidade ia mantendo de pK& Barandas& anelicos&
um sueito com um pacote de broas a espantar-se para um garoto
inBisRBel
- Ests a rir-te de uV=
ou a minha mulher para mim& desconNada& alerta& a compor-me
o casaco& a transerir para o cineiro uma linha ou um cabelo Qa tal
história dos genesS o ue ela deseaBa uma linha& um cabelo
- Ests a rir-te de uV=
logo adiante na bainha da margem& espremidos por capelistas&
escadinhas& caBes& dois degraus ue a aBaliar pela espessura das
treBas deBiam conduir ao centro do uniBerso& o letreiro
Photo oIal Lda
numa caligraNa idVntica U do retrato do meu sogro mas
enBelhecida& riscada& como uerubim K maricas
a carBo por cima& com
elisa adora beto
a gi sobre o carBo& um pKnis suponho ue das grutas de
Altamira ue talBe pertencesse ao beto e a enBolBer a elisa& o
letreiro no horiontal& de BiKs porue um dos pregos caiu
QproBaBelmente o despeito do beto ue no teBe ocasio de
aperei@oar o trabalhoSo meu sogro para a minha sogra& para a minha mulher& para a
pe@a da minha cunhada a largar o automóBel
- +hegmos
contra rebotalhos de tapetes& cadeiras& o liCo ue o dia descobre
nos passeios sem lhe conhecer a origem e me e sempre sonhar
QUs Bees um auleo com cercadura de erro orado e a
argolinha do parauso
a minha casa K o meu mundo
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eu conBicto ue a prima diBorciada
- Pedrito
as molas da carne& o colo e a minha gripe eli& uando a Bida K
diRcil palpo o sinal do lbio& sinto a companhia do pVlo
o pVlo basta-me
repito-lhe o nome no mais priBado de mim& elimino com o ciJme
do ueiCo
- *ome-te
o pianista espanhol& aNan@o-lhe
- <ossemecV no eCiste
e sossego& a minha mulher
- O ue ests a aer com o ueiCo
eu a recuar o ueiCo temendo ue o pianista de Bolta& a roubar-
ma
- $ada
se pudesse leBar para casa o auleo& os tapetes& mobilar-me de
prima dona diBorciada& reaBV-la& suportaBa o roCo das rBores ue
me obriga a empurrar U socapa o olho para cima e continuar a BiBerS
com a emo@o deste paleioQh coisas ue so undasS
perdi-me& acho ue Ramos no carta e no elisa adora beto
no& Ramos no momento em ue o meu sogro largou o automóBel
contra o liCo do dia
Q"ina& prima "inaS
anunciou
- +hegmos
e as escadinhas& as casas& os tais degraus ue conduiam aocentro do uniBerso
Q*alamanca onde Nca=S
a aBaliar pela espessura das treBas& o letreiro Photo oIal Lda
Qcomo se Biaa a *alamanca& de aBio& de comboio=S
de BiKs porue um dos pregos caiu
Qde carro senhores& hei-de ir de carro um diaS
uma montra de noiBas e bebKs nas prateleiras poeirentas&
ualuer coisa de gaiBota nas noiBas e de crias nos bebKs e agora
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imagine-se por um momento tudo auilo a remeCer-se& a erBer& a
Boar& a minha sogra de cotoBelo ao alto
- %ens a certea ue no h perigo tu=
inuieta com a passarada de pesco@o esticado ue planaBa no
rio& albatroes& patos braBos& andorinhas do mar& um sueito nos
degraus para o meu sogro
- Pimpolho
e a minha mulher
Q- Pimpolho ue engra@adoS
balan@ando entre o uerubim ue era maricas e o beto da elisa&
toais molduras de talha& mais noiBas e mais crias& entre as noiBas um
toagala& um padre& amRlias dispostas por tamanhos ue estudaBam a
gente e em cada uma Photo oIal Lda na caligraNa em releBo com a
Jltima letra a sublinhar as restantes num arabesco pomposo& o
uerubim ou o beto com um ato no gKnero do meu aBY !smael aos
domingos a orgulhar-se da aenda& nenhuma elisa e por conseguinte
o uerubim
Qno o betoS
com um sauito de restos de polBo e uma espKcie de moca- O ue temos pimpolho=
a minha sogra a ecoar
- Pimpolho=
desconNada da higiene das Bitrines eCperimentando-as com o
mindinho indeciso& perscrutando o mindinho e deiCando-o no ar
enuanto a minha mulher e a prenda da irm a suarem-se por ali
ro@ando no balco& o uerubim ue tinha a chaBe de acesso ao
passadoQ"ina& prima "ina& "ina "inaS
a adular o meu sogro
- A tua me uma mrtir pimpolho
por aar nenhum No de lgrima em ue pendurar memórias de
modo ue a prima diBorciada teria ido e Bindo U Bontade no me
apertando no colo
Q- Adeus sinal adeus cheirosS
no compartimento depois de uma cortina meia dJia de
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muinas& ocos& um laBatório de manchas castanhas com uma tampa
de pipa de Binho e um pente gorduroso de embelear melenas& a
minha sogra alarmada
- Aastem-se do pente
a minha mulher numa Bo de crian@a Binda estou para saber de
onde e ue me e sonhar
Q- Pode ser ue a gente os dois ainda sea possRBelS
transormando o indicador num leue eCtasiado
- %antos telFes a um canto
no apenas a Bo& a atitude do corpo& osse o ue osse de bicho
despreBenido& peueno no modo como a cabe@a dan@aricou pelos
ombros& eu uase um beio sabias& uase a mo no teu bra@o&
*alamanca esuecida& crepJsculos habitBeis& o ue me interessa o
- Pedrito
mais os pules dele& os liBros das gripes& de capa Bermelha& ue
aumentaBam a ebre& moBe o cabelo outra Be tem paciVncia& deiCa-
me arear o teu cheiro& sentir as molas da carne& esses telFes de
eira ridRculos por muito ue o teu pai goste deles& um palerma o teu
pai& um pobre diabo do >eato e ue pepineira o >eato& um gorduchocatita no horror do ardim +onstantino& no te incomodaBa esse
Belho& no te aborrecia o saloio& to graBe& to banana& to escraBo
da tua me& to pronto a aceitar tudo& encantado com buracos de
enNar a cabe@a& pra@as de toiros& bicicletas& circos& tu igual a ele
Qa Belha história dos genesS
nas preerVncias& nos gostos& tu uma pobre tambKm
Qcompreendes=S
a espreitares dos buracos eli de ser toureira& ciclista&ca@adora& a tua irm ao menos
- $o uero
conorme no me uis a mim
Quma boa pe@a& uma prendaS
mal o meu oelho no seu abriu a porta da rua
- <ai-te embora
Ncou unto U porta de beicinho a pular com os olhos echados
- $o me apare@as mais
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antes ue o eleBador chegasse a echadura trVs Boltas& o ue me
pareceu um copo a uebrar-se no cho& o meu receio ue te Nesse
ueiCa& ela ao teleone
- O Pedro
e no e ueiCa K óbBio& uem acredita numa pega sem marido&
numa mulher soinha& se a cumprimento por educa@o em casa dos
teus pais um silVncio enerBado& o pesco@o grossRssimo& a minha sogra
sem entender ora em mim ora nela& a tua irm
- EnCaueca
tu a debru@ares-te para a alcoa preocupada com o miJdo
Qh alturas ue me pergunto se preocupada com o miJdoS
a tua cara l dentro e
QeCagero meu& sem dJBida& eCagero meuS
a respira@o mais depressa& um mJsculo nas costas a contrair-
se& a contrair-se& ao tornares a pegar no garo a tua cara morta mas
regressando ao ue interessa e deiCando a prenda da minha cunhada
em pa no outro eCtremo da cidade& a Photo oIal Lda e os seus
telFes pintalgados& um deles mais gasto& sem buraco& um castelo e
uma menina de la@arote a remar& o catita do meu sogro redondinho&graBe
- X este
a desencant-lo entre tripKs aBariados& latas de tinta& escadotes&
a medir o compartimento BeriNcando distWncias& repetindo uma
cerimónia encontrada numa lgrima
Qno No de uma lgrimaS
limpando a lgrima para Ber melhor e
Qtendo BistoSa desembara@ar uma parede de rascos e cacos& a encostar-lhe o
telo& a anunciar
- 9uero aui
traendo uma cadeira de Beludo a ue altaBa um dos bra@os
Qpodia tV-la descoberto na manh de um passeio untamente
com unis& panelas& um auleo com uma BiBendinha
a minha casa K o meu mundo
e a argola de pendurar o meu mundo na salaS
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a uem ele e o uerubim depois de lhe aplicarem uma
Bassourinha destinada aos cadBeres de insectos ue permaneceram
no damasco
Qmais damasco ue BeludoS
escoraram uma das pernas com a lista teleónica& o meu sogro
para o uerubim
- $ota-se a lista=
o uerubim
Qlógico ue uerubim& no beto& sem idade para elisasS
a preparar os ocos& a mudar uma lente
- $em um bocadinho pimpolho
esuecendo a minha sogra de mindinho no ar& ambos num tempo
dierente em ue se adiBinhaBa
Qou sou eu ue imagino ou o ulgando
ue deBo imaginar a Nm de ue o romance melhoreS
em ue se adiBinhaBa uma rapariga com um garoto ao colo ou
no com um garoto ao colo& na escada para um beco QK desta
maneira ue est certo& na escada para um becoS a rapariga
- PoruV=e o
- PoruV=
dirigido a um chapKu e um cigarro longe dela& nos carris do
elKctrico& o uerubim para o meu sogro ue se agrupou na cadeira
- Ests pronto=
os dois alegres porue um petroleiro persa e o ter@o no rdio&
um concerto de sapos em cani@os de pWntano& o uerubim
Qsenhor 9uerubimSo senhor 9uerubim de mos roRdas dos cidos
- +omo na Kpoca de dantes um sorriso pimpolho
e a Photo oIal Lda de sJbito noBa& as molduras pereitas& o
balco enBerniado& as noiBas a alisarem os tules com o bico na
Baranda do engenheiro aguardando a marK& as almoadas desertas
dado ue os bebKs numa coBa da muralha a piarem de gula& uma
garraa ue no sei uem poisaBa num aparador
- <ais Ncar a pensar nele toda a Bida peuena=
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o meu sogro a melhorar-se na cadeira
- Este sorriso serBe=
competente& direito& mais digno ue o magala& o padre& as
amRlias& a espingarda
ou o aparelho
apontado ao cora@o
- Aponte-me ao cora@o senhor 9uerubim
e eBidentemente no um tiro
Qual o motiBo de palaBras destas me saRrem sem mais nem
menos da boca& uantas Bees sem dar por isso te chamo pelo nome
da prenda da tua irm e l Bem a decep@o da tua cara morta& o
mJsculo das costas a contrair-se& a contrair-seS
no um tiro& um claro de magnKsio e o meu sogro congelado no
lbum com a menina a remar atrs dele& o uerubim
o senhor 9uerubim a compor-lhe as ei@Fes com um pincelito
de tinta da +hina
- Ainda no acabmos pimpolho
a traer os guaches de uma gaBeta de desperdRcios& a corrigir as
bochechas a cor-de-rosa& a aardinar-lhe a calBRcie- "s ares do teu pai pimpolho
e um moBimento do meu sogro na direc@o do ponto em ue as
gaiBotas gritaBam& dJias de gaiBotas no rolo de cordas& dJias de
penas ue tombaBam na loa& tantas ue no se distinguiam o
Montio& Alcochete& as chaminKs das bricas contra o branco do cKu&
distinguia-se o senhor 9uerubim a embalsamar o meu sogro
diminuindo-lhe a barriga ao mesmo tempo ue as noiBas
principiaBam a inuietar-se na montra tuando os Bestidos& o magalae o padre desraldaBam-se como os albatroes em ganas de partir& a
Photo oIal Lda um charco onde a passarada erBia& amRlias
dispostas por tamanhos empurrando-se& escapando-se& o meu sogro
sem atentar nos bichos a esperan@ar-se para o senhor 9uerubim
- "ou mesmo ares do meu pai a sKrio=
como se um chapKu e um cigarro& como se duas canas de pesca&
uma palma a eBit-lo
- %rambolho
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uma malita entre hortas& uintais& escutaBam-se os sapatos& no
se escutaBam os sapatos& percebeu-se
- %rambolho
e no silVncio a seguir a minha me
minha me uma oBa. a minha me uma senhora& no Bestida
dessa maneira& no arranada assim& a me dele
- PoruV=
ou sea eCactamente a pergunta ue espero da minha mulher
durante os almo@os de domingo no paBor sombrio do ardim +onstan-
tino uando a pe@a da minha cunhada o corpo todo rRgido& os olhos
echados& a bochecha ue se urta ao meu beio& a pergunta ue a
minha mulher nunca a debru@ada para a alcoa do miJdo a compor
o ue no necessita de arrano& um Wngulo de len@ol& a coberta&
guios cretinos ue tilintam& ao surgir da alcoa no
- PoruV=
calada consoante a me do meu sogro calada na primeira
otograNa do lbum igualmente com o castelo e a menina a remar&
penso ue o meu sogro conBencido atK ao Nm ue um castelo e uma
menina a sKrio& a me na cadeira em ue o meu sogro agora& oempregado de mos roRdas dos cidos
- +opia a tua me pimpolho
U medida ue as gaiBotas se multiplicaBam a solu@ar na loa
embatendo nos cenrios& nas cortinas& no tecto& andorinhas do mar&
patos braBos& uns compridos& escarlates com uma penugem no alto
Qno um pVlo no sinal sobre o lbio& uma penugem no altoS
e cuo nome no sei
Q- "ina=So senhor 9uerubim a uem as gaiBotas no incomodaBam
entalou a otograNa numa prensa
Qhoe ue sou grande posso trat-la no por prima "ina& por
"ina& por tuS
premiu o carimbo e Photo oIal Lda na margem do retrato&
passaBa-se o polegar e sentiam-se as letras& o senhor 9uerubim para
a minha sogra
- Passe o polegar madame ue atK um cego as lV
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o polegar para a direita e para a esuerda
Qnunca na minha nuca dessa maneira& nunca na minha orelhaS
lento& sedoso e eu a crescer em mim. se a prima "ina chegasse
de *alamanca
Qe o riso dela meu "eus& o riso dela na entradaS
- >oa tarde
auele colo& aueles cheiros& as sobrancelhas depiladas e eu a
apostar ue autVnticas& pedia-lhe
- ECperimente a marca prima "ina ue atK um cego a lV
polegares lentos& sedosos e dado ue eu um espRrito sensRBel
ue reage aos estRmulos as minhas pernas mais duras& o meu Bentre
maior& a minha mulher e a prima diBorciada uma de cada lado no
so a preteCto do lbum& o senhor 9uerubim inclinaBa o retrato a
BeriNcar os guaches& embrulhaBa-o em papel de seda num enBelope
em ue Photo oIal Lda igualmente mas sem releBo& normal&
entregaBa-o ao meu sogro
- Ora aR tens pimpolho
diRcil de ouBir deriBado Us gaiBotas& a um motor de arrasto& a
ualuer coisa ue insistia na muralha l oraQeu a tocar U campainha da prenda da minha cunhada& ela a
empurrar a porta e eu
- %ens coragem de me deiCar aui=S
ualuer coisa na muralha l ora& o meu corpo talBe& de bra@os
abertos& ue a marK traia e leBaBa& tentei chamar a prima
diBorciada e a garganta altou-me& ela cumprimentando os meus pais
sem
- Pedritonessas conBersas sem Nm dos adultos& esmagar uma loi@a um
cristal& para ue desperte& me Bea& o senhor 9uerubim surpreendido
com o meu sogro
- *o tuas Nlhas pimpolho=
como se o meu sogro uma crian@a
Qo meu sogro para ele uma crian@aS
a loa a encolher de tamanho e no loa& uma espKcie de poro
com um reTeCo do %eo& um brilho de guas densas a correr tecto
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ora& a seguir ao beco um uintal de uma só couBe& um borrego num
interBalo de prKdios& eu ue podia ter casado na amRlia de um
doutor& um aruitecto& a acompanhar-te no a um bairro decente& ao
ardim +onstantino& ediRcios baratuchos& uns arbustos sem gra@a& a
minha rnulher designando uma Baranda com uns Basos nas grades
no de barro& pretensiosos& de cobre
- Moro ali
em cada lance de escadas ampolaitas racas porue temos de
poupar no K& bilhas de gs nos capachos& nenhum sol santo "eus&
tudo eio& modesto& um cachorro a lamentar-se numa maruise ou
num ptio& a tua mo tacteando a minha e eu a tirar a mo& se os
meus pais Bissem isto& se os meus pais me Bissem& te Bissem
- Onde arranaste esta Pedrito=
se lhes entrasses na sala a tua blusa percebes
Qno percebesS
os teus anKis& os teus brincos& os modos& eu a alcan@ar-te no
segundo andar do ardim +onstantino
Belhas de perna ao lKu a secarem maleitas& uma camioneta de
barris de cerBea atraBessada na rua& tu de chaBe na porta e eu aaBisar-te calado
Qcom os olhos dos meus pais nos meus olhos Bia melhor uem tu
eras& ue parBoRce a minha& ue estJpidoS
- *e ulgas ue me caso contigo tira daR o sentido
sons de coisas arrumadas U pressa& esses renesins do poBo
sempre pronto ao eCagero& ao barulho
- O noiBo da tua irm auelinha
e a minha sogra no BestRbuloQcomo se pudesse no reparar na casaS
Us Boltas com o echo do colar& móBeis por aui e por ali ue o
mar abandonou meio enterrados na areia do cho& uma estampa do
rei o piano um candelabro ue emergiu a lamentar-me
- Pedrito
como se pudesse no reparar na casa& papel de parede sobre
papel de parede& o lustre pingando lgrimas ue choraBam por mim&
como *e pudesse no reparar no meu sogro todo pinoca a ascender
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do seu canto e a minha sogra
- Espera
a minha sogra
- <ais receber o senhor engenheiro nessa Ngura tu=
a corrigir-lhe o casaco& a retirar o len@o da manga& a limpar o
ue no estaBa suo na cara& a inBentar um tra@o ue ninguKm Bia
- ,ma crian@a grande meu "eus o senhor engenheiro perdoe
a molhar o len@o na lRngua e a esregar o tra@o& a atentar nos
sapatos
- H uma coisa na gaBeta ue se chama graCa e outra coisa ue
se chama escoBa sabias=
e o senhor engenheiro no reparaBa minha senhora& o senhor
engenheiro perdoa minha senhora& o senhor engenheiro a aBan@ar
um passo ao acaso& outro passo& a estacar& o senhor engenheiro
Q- O ue K ue eu a@o agora=S
com um ramo de Tores na mo esuerda e uma garraa de
espumante na outra
Qelimente o senhor engenheiro compreendeu ue no Balia a
pena champanhe& um espumante ualuerSaperei@oando um sorriso ue custaBa a ormar-se
Qa boca resistiaS
a conseguir no bem um sorriso& uma careta amBel& a oerecer-
te a careta
- %oma
por cima da ual os meus olhos procurando um al@apo& um baJ
onde pudesse esconder-me dado ue a minha sogra me impedia o
caminho para a rua com a sua gratido agitada- Mas ue Tores to bonitas ue Tores to bonitas
ualuer coisa tua& de ue preeri no dar conta& principiaBa a
descer cara abaiCo e nisto o ue me interessaBam o al@apo& o baJ
uma Be ue a tua irm no limiar do corredor& no gorducha como
BocVs& elegante& a tua irm
Quma rica prenda caramba.
- <ai-te embora depressa
só ue na Kpoca eu crKdulo& um aninhoS
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a tua irm ia apostar ue de sinal sobre o lbio com um pVlo
espetado a chamar-me
- Pedrito
o seu colo& os seus cheiros& as suas molas de carne& um dente
um bocadinho ora do sRtio
Qno& doisS
ue ainda hoe acho lindo a proteger-me dos meus sogros& do
ardim +onstantino& de ti conorme em crian@a me protegia dos
telhados& das rBores e dos candeeiros do crepJsculo ue doRam&
doRam.
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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SÉTIMA FOTOGRAFIA
Eis agora um retrato de Photomaton e eu arremelgado&
assimKtrico& to pouco parecido ue demoro a compreender ue sou
eu& mandaram-me sentar no interior de uma caiCa& giraram o banco
rotatiBo atK ue o meu nari U altura da cWmara& echaram a cortina
de modo ue apenas Bia os sapatos do empregado
- #iCe a cruinha e no pisue os olhos amigo
enuanto um claro dois clarFes trVs clarFes me iluminaBam no
o corpo& o esueleto a ogar-se contra as paredes metlicas
Q- Esto a assassinar-me auiS
a cada claro eu cego a lutar com a cruinha
Q- $o pisue os olhos amigoS
ossos osorescentes& auis& com um casaco por cima ue se iamtransormando em cina& ao uarto claro um silVncio& um sossego&
uma penumbra de tJmulo& a cruinha apagada
Q- MorriS
os sapatos do empregado& um deles com o atacador a uebrar-
se& encolhendo a cortina
- Pode sair comigo
Boltar a construir-me pe@a a pe@a reunindo tronco& BRsceras&
nerBosQ- *erei capa de me leBantar do banco& de andar=S
os sapatos do empregado l em baiCo sem lhe pertencerem& ele
um antasma ue me amparaBa o ombro eBitando ue eu tombasse
de mim mesmo nos meus ossinhos auis
- *ente-se bem amigo=
c ora& no mundo a ue tornaBa a pertencer deBagar& uma
rapariga escutaBa um cliente& uma crian@a desistia de dar
cambalhotas na loa para se interessar por mim entendendo ue eu
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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deunto sem se aperceber ue entendia& esuecendo-se de entender
para dar cambalhotas de noBo
- Xs capa de aer isto tambKm=
uando a minha especialidade consistia em assobiar com as
alangetas na boca& no mundo c ora uma senhora de idade a
instalar-se no banco& uis preBeni-la
- Aten@o
mas antes ue eu
- Aten@o
echaram logo a cortina proibindo-me de a audar& coladas na
caiCa tiras de otograNas de cadBeres inclinadas em diBersas
direc@Fes
Qpresumo ue dispersas pela muinaS
num mostrador de Bidro& inchados& disormes& mais um minuto e
eu no meio deles& a senhora de idade com a sua roupita barata no
meio deles igualmente& o empregado ue daBa a sensa@o de
desconNar de mim pronto a amea@ar-me& a eCpulsar-me
- #iCe a cruinha e no pisue os olhos madame
uma pausa horrRBel na caiCa sem um arrepio na cortina emboraeu com a certea ue a senhora de idade alongando o bra@o para
mim
- Aude-me
a rapariga distraRda do cliente a Ntar-me& a boca dela
- $o interrompa
a crian@a despeitada
- Ento assobia l para eu Ber:
no momento em ue introdui as alangetas na boca um clarodois clarFes e dli a nada
Quem duBida=S
o corpo da senhora de idade desistindo de lutar com a cruinha
Q- $o pisue os olhos madameS
no cho& na mala aberta um rasco de comprimidos& chaBes& no
reparaBam nela& no se incomodaBam com ela& Nngiam no a Ber& a
minha mulher no ardim +onstantino desconhecendo ue eu morto& a
crian@a a preparar uma cambalhota Nnal despreando-me
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- $o assobias nem meia
Qem dJias de ocasiFes assobiei para o meu pai na esperan@a
ue ele escutasse& numa das tardes da hospedaria da ;ra@a em ue
nem seuer nos despRamos& NcBamos para ali diante da trepadeira&
da cidade& assobiei e tu Baidosa de mim com uma pinta de sol no
sorriso& tu bonita
- Parece mesmo um cachopo
tu bonita& a gente os dois radiantes& o meu pai connoscoS e
apesar disso a crian@a na Photomaton a acelerar as cambalhotas
reduindo-me a um aselha& um inJtil
- $o assobias nem meia no Ks capa
comigo a oender-me porue ninguKm assobia como eu& sou
capa só ue no estou para aR Birado meu parBo& o empregado
retirou uma tira da caiCa e uatro eus em Nla& arremelgados&
assimKtricos& entregou--os U rapariga ue os cortou com uma tesoura
QusaBa anel no polegarS
a minha Bontade de perguntar-lhe
- Estou muito morto no estou=
e contiBe-me& usaBa anel no polegar e ualuer coisa na Bistaesuerda& uma nKBoa& se calhar deunta tambKm QBontade de
perguntar
- "esculpe o atreBimento mas est deunta tambKm=S
a estender-me as otograNas numa bolsa de papel com um
espa@o rectangular em ue um dos eus de bochecha mais acima e os
lbios pendentes& um dos soldados da ;uinK com terra no cahelo& na
arda& ue a gente
Quer dier um a segurar as pernas e um a segurar os soBacosSRamos despeando nas urnas
Qno ueria Ber& no os Bia& despeaBa-os apenasS
o anel do polegar uma cobra de prata com uma pedrinha
amarela a aer as Bees da lRngua& talBe deriBado U cobra o polegar
imenso& a articula@o& a unha& tudo auilo a meCer
Q- *e eu no aceitar a bolsa dos retratos o polegar Bai matar-me
menina=S
pensei em pedir-lhe
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- Aude-me a entornar a senhora de idade na urna
dado ue a caiCa sem clarFes& a cortina cerrada& uma mude de
mau agoiro dentro& um cigano tocaBa acordeo na paragem do
autocarro com um macauinho sobre o instrumento segurando o
copo das esmolas na boca& a mJsica a remeCer melancolias ue eu
ulgaBa seguras& acontecimentos ue regressaBam sem aBiso e de
ue me custa alar& a minha aBó doente em +ondeiCa
Q- >ela manh pimpolhoS
a BeriNcar ei@Fes ue se conundiam com a almoada no se
achando nelas
- >ela manh menina
a cortina aberta& o banco rotatiBo U espera& a cruinha com uma
aparVncia inocente& o cigano cocou para mim num idioma ue
ninguKm eCcepto nós dois traduia& onde ter aprendido a minha
Bida& onde soube da hospedaria da ;ra@a& dos BerFes em %aBira& dos
passeios na primaBera em *intra
Qa minha mulher
- %rabalhar aos eriados ue estranhoS
uando as accias Toriam& apanhaBa-te nos pltanos da esta@odos comboios para ue no dessem por nós& o macaco muito uieto
sobre o instrumento& com o copo das esmolas Baio& a narrar Us
pessoas na paragem do autocarro
- ApanhaBa-os nos pltanos da esta@o dos comboios para ue
no dessem por eles
a dentadura posti@a maior ue as gengiBas& no a encontro com
mau aspecto senhora oi a sua Bo ue mudou& uma desistVncia entre
suspiros& uma interroga@o lenta e a crian@a Us cambalhotas sobre si&sobre mim& a calcar-nos& a minha me com uma pVra coida e ela a
recusar o garo ou sea a minha aBó submersa& só ronha& a ronha a
recusar o garo
- "eiCa-me dormir pode ser=
na tal Bo ue me intrigaBa Binda de uma ona ue prosseguia
ainda misturada com a Binha ou o solu@o da tarde no meloal
- >ela manh pimpolho
no a minha aBó em +ondeiCa& eu a pagar U rapariga do polegar
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imenso ue me entregaBa os eus deuntos e a impresso ue a
senhora de idade ora da caiCa& BiBa
no bem nos pltanos& num banco unto a um muro& tu no
mesmo banco durante cinuenta anos de crochet nos oelhos& de
repente to rgil
Qe o acordeo a eCplicar ue to rgilS
oculta pelo pudor das olhas& obrigar o cigano a sentar-se na
Pho-tomaton& correr a cortina& um dois trVs clarFes e mat-lo& o bicho
sem um protesto aguardando ue uma moeda por Nm& eu de bolso
em bolso atK descobrir o dinheiro
- %oma a esmola palerma
no a minha aBó a noite inteira a gemer& as plantas ao rKs da
terra uando a lua entre duas rBores antes de se esconder na casa&
no era BocV aBó& BocV curada& um pouco magra mas curada& eram
rabanetes& coentros& as calhas da rega& eCaminei-a com aten@o e
eram as calhas da rega a seguir U anela sem ue eu compreendesse
o motiBo de as calhas no se leBantarem da cama& trabalharem na
coinha& pedirem U minha me ue as audasse na copa& disse
-ABóe nada nos len@óis& BocV no no colcho& BocV distante& no
colcho uma criatura ue por no saber uem era me recusei a olhar.
- >eia a tua aBó pimpolho
no tinham o direito de me obrigar a beiar uma durea ria& a
minha aBó no se arrana assim& no se Beste de noiBa com uns
arrapos no brancos& amarelos& ue retiraram entre bentinhos e
ornais da arca& uma grinalda ue no lograBam austar e ainda ue
austassem se entortaBa de noBo& umas Tores secas nos dedos& asTores o mesmo ruRdo ue o limoeiro do po@o reTectido na gua
Qno os galhos BerdadeirosS
a aproCimar-se da gente& o empregado da Photomaton ue o
acordeo uase me impedia de ouBir apertando-me a bolsa de papel
nos dedos
- $o gostou dos retratinhos amigo=
e a minha aBó a recuar de imediato& inoensiBa& acenei para ela
- >ela manh senhora
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sem ue o meu aceno
Q estaBa U esperaS
alcan@asse +ondeiCa& o cigano do acordeo leBou-a Us costas&
unto com o instrumento& atK ao clube recreatiBo onde ignoraBam
uem a minha aBó era& uando muito
- >ela manh pimpolho
mas um cochicho to sumido ue ninguKm daBa K ou se dessem
tomariam pelas rases sem neCo ue a regio do cKrebro& desperta
nos sonhos inBenta recombinando a memória& a gente perpleCos
Q- Onde ui buscar isto=S
a admirarmo-nos com o tamanho da Bida& os retratos da
Photomaton destinados ao passaporte de ir a #ran@a procurar o meu
pai& Paris um ponto como no >eato& rolos de cordas& gaiBotas& uma
casa igual U nossa só ue muito mais casas& Brios petroleiros persas
oblRuos no lodo e uantos homens
Qpergunto euS
de chapKu e canas de pesca a rumarem em baiCo& a minha
mulher para mim
- Ao estrangeiro=eu para o meu marido
- Ao estrangeiro=
na anela a cerca do hospital e um ediRcio ue no acabaBam de
construir
Qno acabariam de construir ulgo euS
com gruas e andaimes& a Jnica coisa ue o meu marido disse oi
- $o se BV o %eo senhora=
Qno menina& senhora- $o se BV o %eo senhora=S
alongando o pesco@o a Nm de espreitar sobre as casas sem um
olhar U cama& U colcha noBa& ao reposteiro& desiludido porue no
pssaros suos ue gritam& no Baantes e enchentes a perturbarem
a noite
Que para isso as rBores do hospital me bastaBam a insistirem
comigo
- Xs to eia
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- Xs solteira
- $unca te hs-de casarS
eu
- Ao estrangeiro=
e o meu marido a dobrar uns nos outros os cordKis dos dedos
dando-lhes nós e desaendo nós como no dia em ue alugou o
uarto U minha madrinha e a mim& auilo ue o ouBi perguntar ao
aliBiar-se da bagagem
Qdois sacos
no& uma espKcie de arca e um sacoS
no oi
- 9uanto K=
nem
- Posso usar a banheira=
a Jnica coisa ue o ouBi perguntar esmiu@ando o prKdio em
rente
Qo da unta em ue Us Bees uma oruestra& bailes& homens a
beberem cerBea U entrada
- $unca te hs-de casarS$enhum relento de gasóleo entrando por aui a enoar-nos
Qeu para as rBores
- +alem-seS
a Jnica coisa ue o ouBi perguntar oi
- $o se BV o %eo senhora=
a dobrar uns nos outros os cordKis dos dedos em nós ue no
iria conseguir desla@ar alando-me do rio& eu para as rBores depois
de me certiNcar ue a minha madrinha alinhando geleias nadespensa
- X melhor calarem-se ue nem seuer Bos compreendo
percebem=
e um riso de galhos a escarnecer de mim apontando-me rugas
na opinio deles& eu no espelho
- 9ue rugas=
cabelos brancos onde cabelos brancos o tanas& os galhos
- #ieste Binte e sete anos em mar@o no oi=
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enganaram-se& no mar@o& ual mar@o& deanoBe de abril& os
cordKis dos meus dedos uns nos outros em nós ue no iria
conseguir desla@ar& a minha madrasta pelo BKrtice da boca a poupar
na asma
- +asares-te com o hóspede=
o espanto na testa somente a Nm de ue o pVssego
permanecesse tem-te no caias no saco& o resto das ei@Fes
concentradas em si mesmas a procurarem BiBer& o peito ascendeu na
direc@o do tecto porue o ar menos espesso& mais cil
- Estou melhor
com outras ei@Fes a admirarem-se para alKm da testa& as
orelhas por eCemplo& uma cicatriinha da plpebra
- !sso de casares com o hóspede oi a brincar no oi=
e no era a brincar madrinha eram as rugas& as articula@Fes
Qsobretudo o oelho esuerdoS
ue antes da chuBa um desconorto& um peso
- $o admira Binte e tantos em mar@o
e o meu marido sem encontrar o %eo no bairro& sentia-o
leBantar--se U nnire numa iluso de ondas& esnreitar& desistir& uasedeseaBa por ele ueum albatro ou um pato braBo no telhado da
unta com um peda@o de lodo a pingar-lhe do bico& estendia-se ao
meu lado sonhando naBios& esses mugidos sem origem dos Bitelos
aogados e os olhos dos Bitelos
Q- %omem conta da genteS
ue o neBoeiro dissolBe& uando das Jltimas cheias na terra da
minha madrasta Bi bichos mortos assim& uma mulher ue moraBa no
arrabalde e a corrente leBou& as coCas sem Bestido a embaterem namargem
Quma delas sangraBaS
imobiliando-se um instante& continuando a ir& no dia do
casamento as minhas coCas iguais& apesar de conhecer o andar
Qsempre morei auiS
neBoeiro a toda a roda impedindo-me de escutar o meu marido
ora perto ora longe& um ombro dele& nenhum ombro
- "esculpa
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eu sem entender
- "esculpa=
sem entender poruV
- "esculpa
desculpa de uV se ninguKm culpado desta chuBa& esta lama&
sangue na minha coCa& os olhos
- %omem conta da gente
eu sem rela@o com os meus olhos a pensar
- X isto
a pensar
- $o K mais do ue isto
a pensar uando a enchente parou
- Acabou-se
limpando-me com o len@ol da chuBa e da lama a compreender o
ue signiNca soinha& a palaBra soinha& o horror de soinha& mesmo
depois das minhas Nlhas eu soinha& embora soinha o meu marido
cuidando-se comigo a perguntar pelo %eo e a arrepender-se do %eo&
o meu marido no uma traineira& o meu marido
- "esculpaele ue no sangra& no choBe& nenhum lodo para amostra
- "esculpa
as rBores do hospital
Que remKdioS
serenas dado ue o meu corpo parado na margem
Qo meu corpo soinho& eu soinhaS
no
- Xs solteirano
- $unca hs-de casar
serenas& olmos pltanos tileiras um salgueiro a crescer& eu
soinha& apercebia-me das minhas Nlhas em mim& moBendo-se&
aumentando& repetindo o meu nome
- Me
comigo a pensar
- 9uem sou eu=
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atentBamos nela& eu para o meu marido
- Ao estrangeiro=
a minha mulher para mim uando lhe mostrei o retrato da
Photo-maton arremelgado& assimKtrico& to pouco parecido ue
demoro a reconhecer ue sou eu
Qeu deuntoS
a minha mulher ignorando ue o meu pai em Paris U minha
espera num >eato maior& com mais hortas& mais oliBeiras& mais becos
- Ao estrangeiro=
um carBalho branco
Qcomo pude esuecer o carBalho& ue coisaS
antes da colina& uma ocasio tentei escreBer o meu nome na
casca conseguir ue a lWmina& ou sea a lWmina romba e nem um
entalhe& um BestRgio& eCperimentei com um caco de garraa& um
prego e nome algum& no eCisto& no eu morto& no K esse o
problema& no cheguei a eCistir& no ui a Paris porue tu na
hospedaria da ;ra@a ou no banco de *intra
Qna hospedaria da ;ra@aS
- %enho de alar consigoconundida com o ramo da anela para a direita e para a
esuerda em outubro de orma ue no posso aNrmar se tu ou o
ramo
- %enho de alar consigo
sempre cerimoniosa& por BocV& por senhor Us Bees& osse o ue
osse em ue preeri no reparar& em ue reparei e
- $o chores
eu uase a transtornar-me- ProRbo-te de te pores a chorar
e no apenas os olhos& osse o ue osse na garganta ue no
paraBa de engolir e eu no pWnico ue ao engolires desaparecesses de
mim
- $o engulas
tu ue sim com a cabe@a& no se transtorne comigo& no me
ralhe e eu a pedir sem diV-lo
- $o desapare@as de mim
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com Bontade de gritar-te e incapa de gritar ou a gritar
- Acaba de abrir e echar a mala ue gaita
porue me enerBa o estalinho& porue me enerBas tu& essa cara&
esses modos& a orma de segredar como se pedisses desculpa
- %enho de alar consigo
sabendo ue no iria desculpar-te ou tendo receio ue no te
desculpasse& sob o
- %enho de alar consigo
outro cochicho& outro segredo
- <ai-me desculpar no Bai=
ninguKm no corredor da hospedaria da ;ra@a& a trepadeira
apenas& uma cegonha cruciNcada entre dois Bentos
Quando era miJdi os bicos delas
ts ts
em +ondeiCa& a minha aBó
- $o K Vmea as Vmeas no
e o resto da rase os castanheiros comeram
- $o K Vmea as Vmeas no
um ouri@o a tombar& um segundo ouri@o a tombar& se eu tiBesseuma pedra esmagaBa-osS
ninguKm nas escadas& nos uartos& nenhum som de torneiras&
uma cJpula de mosteiro& outra cegonha uieta
Qcomo K ue o Bento as segura=S
na altura do euinócio as accias de *intra iam perdendo as
Tores& uma ocasio em aneiro saRmos U procura& no encontrmos
nenhuma e nisto a tua mo no meu bra@o
Qa Jnica Be ue a tua mo no meu bra@oS- "eBemos estar Belhos no K=
eu sem coragem de pYr a minha mo nos teus dedos a entender
de repente ue um dia destes
h alturas em ue alo demais& ponhamos
Qe K tudoS
ue eu sem coragem de pYr a minha mo nos teus dedos e os
dedos a irem-se embora de mim& nenhuma Tor em *intra& as
esplanadas desertas& os arbustos do inBerno a aumentarem na tarde&
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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na tua pele pintas castanhas& sardas de modo ue deBemos estar
Belhos de acto& pintas castanhas na minha memória igualmente
apagando acontecimentos& pessoas& o primo +asimiro
Qpor eCemploS
largaBa-me no cho
- Ests a rir-te de uV=
mas no consigo lembr-lo& lembro a garraa no aparador& no
ele& lembro a manga ue seguraBa a garraa& no me lembro da cara&
pacotes de broas
-<ais Ncar a pensar ne
e a seguir um espa@o em branco e a seguir
le a Bida inteira peuena=
lembro-me do primo +asimiro secar a chuBa do bigode em
AlcWntara& da trepadeira na hospedaria da ;ra@a e tu no sentada na
cama Qse eu ordenasse
- *enta-te
sentaBas-te sem largar a malinha& no me audaBas a tirar-te o
casaco& a desabotoar-te o BestidoS
tu no sentada na cama& conundida com os ramos- %enho de alar consigo
ou
- %enho de alar consigo senhor
K diRcil passados tantos anos
Q- ,m dia destes nósS
esclarecer neste momento& esclare@o ue os estalinhos do echo&
a garganta ue no deiCaBa de engolir& de engolir-se& recordo-me de
um brocheitoQum bJio& acho euS
com uns eneites Berdes& tu no em Bo alta& em segredo como
se me pedisses desculpa
Qpedias desculpa& repetias baiCinho porue pedias desculpaS
- %enho de alar consigo senhor
e deriBado U hospedaria da ;ra@a em silVncio a tua Bo to orte&
um dos enchuma@os deslocado do sRtio& a gola no sei de ue tecido&
com brilho
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Qao princRpio uando tentei dar-te dinheiro a Bo mais baiCo
ainda& as pupilas oendidas dois ces ue no ladraBam eBitando-me&
recuando a babar-se
- 9uer oender-me poruV=S
a palma do Bento euilibraBa as cegonhas na cJpula do
mosteiro& os ninhos delas em +ondeiCa carrapitos de arame na
chaminK do adBogado
Q- >ela manh pimpolhoS
tu no conundida com a trepadeira& tu a trepadeira ao desligar-
se de mim
- $o
tu no comigo& na parede l ora& um cansa@o nas bochechas& na
boca& tu no alarme da minha mulher ao dar-se conta ue nós
ue ela
ao dar-se conta ue a minha Nlha nela porue nenhum sangue&
nenhumas coCas nuas a embaterem na margem& somente o corpo a
crescer
de modo ue eu sentado na cama U alta de um rolo de cordas&
um ponto- %rambolho
e osse o ue osse em ue tentei no reparar& em ue reparei e
- $o chores
no uase urioso& urioso
- ProRbo-te de te pores a chorar
embora tu no lgrimas& mos ue abriam e cerraBam a mala& o
peito para diante e para trs& eu
- %rambolhoe arrependido do
- %rambolho
eu
- Perdoa
nenhuma Tor nas accias de *intra& a tua mo ue procuraBa o
meu bra@o sem apertar o meu bra@o& o bJio do brocheito ue deBo
ter arrancado porue o brocheito no cho& porue o meu sapato a
esmag-lo
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- $o o apanhes
no consinto ue o apanhes porue o meu sapato de noBo e no
era o broche ue eu esmagaBa& sabias ue no era o broche ue eu
esmagaBa& sabias uem eu esmagaBa ao calcar os eneites& o metal
- EngraBidaste como a minha mulher tu=
osse o ue osse nos olhos em ue tentei
QpreeriS
no reparar e nesse instante sim& onos a girarem& troteinhos
rpidos& a dona da hospedaria
- Mais respeito
passos& uma gargalhada de mulher no corredor
- Edmundo
um homem ue or@aBa uma ma@aneta& ordenaBa
- <em c
no eu para ti& eu a segurar-te o Bestido& a desaboto-lo sem dar
K ue desabotoaBa& eu
- EngraBidaste tu=
eu apenas
- EngraBidaste tu=no o homem ue ordenaBa U gargalhada da mulher
- <em c
outros passos& outros risos& a dona da hospedaria
- Mais respeito
eu a sentar-me na cama de noBo
- <arre o broche depressa
tu de oelhos no soalho a engolires-te e gra@as a "eus ue a
trepadeira da anela me impedia de Bergra@as a "eus ue a trepadeira da anela impedia o senhor de
Ber o meu corpo ue laBraram& plantaram
Qa batata& o ceboloS
daui a nada uma olhita a erguer-se da terra e no oi o
empregado do meu pai& no oi o sacho l ora& a minha boca na
almoada no a protestar nem a pedir& apenas
- %enho de alar consigo
apenas
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- *e uiser mande caBar em mim e arranue-me a batata o
cebolo antes ue a tal olha e o meu pai sua cabra e o primeiro
murro o primeiro encontro antes ue a mulher do senhor e as suas
Nlhas
tu sem te engolires a ti mesma com o Bestido desabotoado e os
pedacitos ue restaBam do broche na palma
Qa trepadeira diminuRa na anela& as cegonhas cruciNcadas&
tranuilasS
- $o Bou preudicar a sua mulher e as suas Nlhas senhor Nco
consigo aude-me
Qas cegonhas cruciNcadas& tranuilasS
o echo da mala pendente& nunca eCigiste ue BiBesse contigo&
nunca aceitaste dinheiro
- $o me oenda
NcaBas dois toldos adiante em %aBira sem um protesto& um
pedido& sem anunciar
- Estou aui
dado ue no precisaBas de anunciar
- Estou auidado ue
- $o pe@o nada no o incomodo pois no=
tu em *intra U minha espera nos pltanos tu
- *enhor
enuanto eu pedia com a minha mo nos teus dedos sem ue a
minha mo nos teus dedos
- $o me deiCes nas accias soinho
nenhuma accia na praceta ora de Lisboa em cuo rKs-do-chome proibiram de entrar
Q- Aguente um instantinho l oraS
no prKdios& um morro
Qdois morrosS
de BiBendinhas baratas construRdas com restos de BiBendas
caras completadas com sobeos de andaime& olhas de inco&
papelFes& ualuer coisa do >eato mas sem gaiBotas nem gua& gatos
ue o senhor 9uerubim no perseguia de pau atrs das costas com o
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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saco de polBo
- <enham c Benham c
o rKs-do-cho em ue me proibiram de entrar
- Aguente um instantinho l ora
um rumor nos teus olhos ue no uis perceber e a garganta a
engolir de noBo& iuleuei aue o meu nome
Qoi a Jnica altura em ue ulguei ouBir-te o meu nomeS
no uma Bo de mulher& uma Bo de crian@a& a seguir U Bo de
crian@a K ue a Bo de mulher
- "esculpe
os olhos aNnal secos& a garganta Nrme& o echo da mala cerrado
e por conseguinte se calhar nunca disseste o meu nome& supus&
inBentei& proBaBelmente no alaste seuer& eCprimiam-se por ti& por
eCemplo o sueito da boina basca ue grelhaBa peiCe c ora e eu
para os olhos do peiCe
- $o chorem
uase a angar-me
Qa angar-meS
- ProRbo-Bos de chorar entenderam=olhos brancos& com medo& a suspeita ue os meus olhos
idVnticos aos dele& brancos& com medo& a gola do Bestido de onde te
arranuei o broche amarrotada& rasgada& os teus olhos no de peiCe&
tranuilos
Qaposto ue a trepadeira tranuila igualmente na hospedaria da
;ra@a& nem um raminho a aTigir-se& tudo imóBel& eternoS
o sueito de boina basca ou a criatura ue resolBia o problema a
abrir-nos a porta e ao abrir-nos a porta metade de uma mesa de BiBenda cara com uma *anta de gesso& a criatura ue resolBia o
problema a espiar-te& a espiar-me
Qmais a aBaliar-nos ue a espiar e nisto dei conta de uma
palmeira direita ao cKu num Rmpeto entre uma ainhaga e um taludeS
o sueito de boina basca ou a criatura& no sei ual ao certo
Qno a *anta da mesa& o ue lhe importaBa& U *antaS
- Aguente l ora um instantinho
a@a de conta ue est em *intra& passeie& distraia-se& BeriNue
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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por aR na ainhaga& no talude& no ue lhe parece o >eato& onde lhe
der na gana compadre
Qno senhor& compadreS
se primaBera& se maio& se as accias em Tor& distraia-se da gente
e omite a rararias. se nela a si mesmo
- PrRbo-o de se engolir a si mesmo
no sinta isso& no chore e agora a trepadeira
Qou o meu sangueS
a oscilar uando a porta se echou& eu encostado U porta& um
sino em ualuer ponto urando ue meio-dia
QdeBia urar ue meio-dia Us one horas da noiteS
mulheres surgindo das anelas em Beniaitas de cucos& o umo
do peiCe
Qse assim me posso eCprimirS
o umo do peiCe ou a gordura do peiCe ou os olhos do peiCe
Qno a chorarem& secosS
ou as aJlhas do carBo pegaBam-se-me U cara& escorriam-me da
cara
Qno lgrimas- ProRbo-te ue chores
no lgrimasS
e ao esregar-me com o bra@o no lgrimas& eBidentemente ue
no lgrimas& eBidentemente ue nada& a minha cara limpa U medida
ue a palmeira continuaBa a subir& um tordo
Qacho ue um tordoS
surgiu de um telhado num cRrculo rpido e aundou-se nas
sardinheiras alKm& em *intra no sardinheiras& pltanos& etos&accias claro& centenas de rBores de ue no aprendi o nome sem
contar os arbustos& as trepadeiras
Qno a da hospedaria da ;ra@a ue nunca Bi outra no gKnero& de
corolas to recortadas& to bonitasS
eu em *intra sem ti porue tu no rKs-do-cho da praceta
tu
Qsuponho euS
deiCando-te despir& tu nua& inerte
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Qno bem inerte mas K diRcil eCplicarS
conorme se eu te despia tu com outro homem noutra cama
noutro lugar noutro tempo
eu em casa do meu pai com medo ue o meu pai se apercebesse
enuanto o sacho do empregado ia caBando a terra para a batata& o
cebolo e o almo@o por aer& o rango no alguidar& a minha me a
chamar-me e no escutaBa a minha me
Qeu sem lugar para a minha me no meu corpoS
escutaBa o ue dentro de mim tomaBa orma e crescia& antes de
entrar no rKs-do-cho notei uma palmeira direita ao cKu entre a
ainhaga e o talude& osse o ue osse nos olhos do senhor e o senhor
- $o chores
apesar de no ser eu uem choraBa
Qo meu pai morreu e no chorei& a minha me morreu e no
chorei& se penso nisso acho ue no sei chorar& sei ue um suor como
lgrimas e no lgrimas nunca& mesmo ue Nesse or@a no
lgrimas nunca& na tarde em ue me eri com a naBalha designei a
palma ao meu pai
- Auie no lgrimas nuncaS
o senhor angado por chorar
- ProRbo-te ue chores
o senhor uando eu na hospedaria da ;ra@a
- %enho de alar consigo
porue no posso dier
- %u
poderia dier- %u
ao empregado do meu pai se o empregado do meu pai comigo e
se o empregado do meu pai comigo eu
- *im
no a pedir& a comandar
- *im
ele com receio do meu pai a espreitar em torno sem coragem&
parado& no era eu& era a terra em mim
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- "epressa
antes ue a terra seca& morta e ele parado& ele
- $o uero problemas menina
e parado& se eu tiBesse a Bergasta da carro@a erguia a Bergasta&
obrigaBa-o& o senhor na hospedaria da ;ra@a no alto da cidade onde
me enBergonhaBa ir porue uem uer ue leBantasse a cabe@a em
Lisboa daBa por mim e toda a gente sabia ainda ue eBitando a
anela ou reugiada na parede& o senhor mal eu
- %enho de alar consigo
igual ao retrato da Photomaton no lbum& arremelgado&
assimKtrico& to pouco parecido ue demorei a reconhecer ue era
ele& mais baiCo ue eu& mais gordo& com as mos melhor tratadas&
uase como os sobrinhos do droguista ue se riam de mim& a partir
de eu aer tree anos deiCaram de se rir& suspendiam-se a olhar-me
curiosos& amBeis& entregaBam-me papelinhos na missa&
acotoBelaBam-se& cochichaBam-se sKrios
- $unca supus
o meu pai aia men@o de lhes largar os ces& o droguista para
o meu pai- O ue K isso=
e o meu pai
QlogicamenteS
a pedir desculpa porue o droguista nos alugaBa a courela e
deriBado a no termos dinheiro o meu pai atrasaBa a presta@o& o
droguista para o meu pai a demorar-se em mim& a apontar-me o
ornal
- Atrasaste a presta@ode modo ue no Nm do mVs a minha me me passou a erro a
blusa& me estendeu a escoBa
- Penteia-te
e mandaram-me ao estabelecimento com um caba de
damascos& o meu pai di ue entrega o dinheiro no dia uine sem
alta senhor e o droguista acabando de aBiar uma reguesa a
designar-me com o ueiCo U medida ue Bertia uma garraa para um
rasuinho comprido
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- A Nlha de um rendeiro meu
rolhaBa o rasuinho sem me dar aten@o
- Espera
e eu U espera enuanto ele a aer contas num papel
- X tanto
o lpis a escorregar um bocadinho obrigando-o a enganar-se
- Esta aritmKtica
a corrigir a soma& a cliente torcia a cabe@a para a corrigir com
ele estudando cada parcela antes de se ir embora& eu a aperceber-me
de uma ueimadura de erro na blusa e disar@ando a ueimadura& o
droguista estendeu-me ao acaso um dos damascos
- %oma
desceu a persiana da montra sempre sem me dar aten@o só ue
os gestos sacudidos& rpidos& o bigode dele amarelo& mais idoso ue
o meu pai& mais grisalho& do tempo do meu aBY penso eu Bisto ue
sob o ueiCo uma espKcie de pele ue oscilaBa& daBa ideia de encher-
se como a goela dos pssaros& se crispaBa Bermelha& colocou na
ma@aneta da loa um carto
Encerradoe o carto a dan@ar& no me apetecia o damasco& no Bou comer
o damasco& o droguista do tempo do meu aBY& a perna esuerda mais
lenta& a garraa com ue entornaBa o lRuido no rasuinho comprido
cheiraBa a terebintina& nas traseiras ardos& Bolumes& um postigo
para a igrea e uma Jnica camioneta Baia& o droguista a respirar-me
no pesco@o e eu
- $o me estrague a blusa senhor
no momento em ue o teleone principiou a tocar e durante todoo tempo& mesmo ao deiCar de Ber a igrea e de tombar um Bolume o
teleone a tocar& to orte ue se o droguista
- Espera
no poderia entendV-lo conorme no entendia o meu corpo
preocupada em segurar o damasco& se a minha me comigo aposto
ue a chocalhar-me
- Agradece o damasco idiota
de maneira nenhuma& eu com o cheiro da terebintina no nari e
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OITAVA FOTOGRAFIA
!sto no K uma otograNa como as outras K um desses postais de
pacotilha a preto e branco ue se compram em *intra com o Palcio
da <ila ou Monserrate ou o +astelo
Qno caso a estrada de *eteais e umas accias num muroS
ue o meu pai no sei poruV meteu no lbum ue me
emprestou num domingo em ue ui ao ardim +onstantino para
eBitar ue a minha me continuasse a sarrainar-me o uRo ao
teleone na choradeira habitual& no ueres saber de nós& no nos
Bisitas& no nos ligas nenhuma& eu a suspirar de nari no tecto com o
aparelho aastado do ouBido& a estender o bra@o o mais longe ue
podia
Qao menos a@o eCercRcioSe mesmo assim continuando a escut-la& eu uando te calars
minha chata e uma pausa nos lamentos& a minha me intrigada& o
anol de uma pergunta ue no mordi
Qconhe@o-te as manhas de cor espertinhaS
- "isseste alguma coisa tu=
eu ue tenho o rabo pelado e ando a pau com armadilhas a
aproCimar o aparelho& a apagar o cigarro e a soprar uma resposta
untamente com o umo- "eBe ser o noticirio no disse nada senhora
o
- "eBe ser o noticirio no disse nada senhora
a enrolar-se em Bolutas& a estirar-se num boceo& a desaparecer
no ar& um solu@o ou uma ungadela eCagerados
Qtopo-te U lKgua percebes=S
na outra ponta do No ou sea a minha me iniciando a todo o
Bapor o seu amoso nJmero da desditosa com os ingredientes
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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completos& a Belhice& os achaues& o abandono das Nlhas e nem isso K
Berdade senhora& ue teatro& ue drama& h-de lembrar-me para lhe
dar um prKmio& tem sempre a guarda de honra da minha irm com o
crian@o e o parBalho do marido ue h coisa de um ano& cheio de
salamaleues e dedos& me e uma parte gaga aui em casa& a
arrulhar descendo a manga do so para as minhas costas
- +unhadinha
enuanto o oelho me ia entrando em retóricas com a perna
Qa ausVncia de subtilea dos homens h-de desapontar-me
sempre& to imbecis& to primrios& denguices de carneiro mal morto
ue só U boetada& piadas de pano encharcado nas trombas a ue
ninguKm salBo eles acha gra@a& carRcias
carRcias uma oBa
ue aem cócegas em lugar de eCcitarem& o soslaio aos
compinchas
- %enho a gaa no bolsoS
e eu ue me artei de dar para esse peditório no tempo em ue
acreditaBa ue os meninos Binham de Paris na cegonha e hoe em dia
no ando neste mundo por Ber andar os tCis& a auCili-lo a tomarnota dos aimutes do capacho no patamar
- #ora
as denguices de carneiro mal morto substituRdas por um sorriso
uase heróico ue lhe deBia pesar arrobas na cara.
Qpercebia-se a ginstica dos lbios a aguentarem-no a custoS
as carRcias ue aem cócegas suspensas
Q- Olha ue te cai a mo no tapete apanha a mo ue se parteS
o oelho actiBo mas a perder energia& a amolecer& a murchar e aminha perna liBre& o arrulho engrenando sem transi@o
protestoinhos magoados
- #ora=
ele indigna@Fes& surpresas& capa de Bencer& ou pelo menos dar
rKplica& U minha me nos teatros
Qtiro-lhe o chapKu por issoS
ela nas lgrimas a tactear len@osApanho uma trombose e tu nem
ds por nada
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ele atestadinho de inocVncia a aer-se de lucas
- #ora=
uando em lugar de
- #ora=
Qe eu a BV-lo poisarS uma oscila@o de medo
Qto cobardes os homensS
- $o me Bais estragar a Bida cunhadinha no Bais contar U tua
irm pois no=
a amRlia de sJbito importante& a letra do carro& a Bidinha& se
osse capa de ter pena teria pena dele mas com auilo ue os anos
me oram dando resseui-me por dentro& areia& pedras& cacos de
emo@Fes& nada inteiro a meCer& nem uma olha BiBa para amostra e
as pessoas no reparam& no sonho ou sonho restos de sonhos&
ragmentos ue me inuietam& alguKm ue no distingo
Qtento distinguir& no distingo e no distinguir aTige-meS
a inclinar-se para mim
- auelinha
e a ir-se embora antes ue eu
- Espere- %enha paciVncia espere
- "eiCe-me BV-lo um momento
e no espera& no tem paciVncia& no me deiCa BV-lo um
momento
Quem ser=S
isto no propriamente uando durmo& a partir da meia-noite ao
dar-me a rauea na sala& esses instantes em ue o corpo ora no
eCiste ora eCiste& eu sem membros& sem cabe@a& a beCiga a pesaraNrmando
- *ou eu
uma tosse ue me no pertence e ao sobressaltar-me K minha& o
corpo a ormar-se de noBo a partir dos disparos dos brYnuios& de um
molar em desacordo com o dentista e no bem dor& a resBalar para a
dor e a uedar-se U bordinha sem a atingir realmente& apenas
- Eis-me aui
a beCiga e o molar
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- Eis-nos aui
e com o molar a lRngua
Qtenho lRnguaS
contrariando as minhas ordens sem cessar de eCplor-lo
Qo chumbo& uma arestaS
e a seguir tenho pKs& tenho rabo
Qdi-me o so ue tenho rabo& ossos no rabo a necessitarem de
mudar de posi@o& cansadosS
olhos cegos ue esbarram numa parede tornada uadros&
mobRlia& o saCoone num prego
Qpor ue carga de gua o comprei=S
ue ulgaBa diBertido e no me diBerte mais& muito maior ue
ele mesmo acol a ma@ar-me& a nusea dos obectos& o gato na
mesinha marrouina& aspirando a bibelot& ue desperta em unRssono
com o molar& o gato a estirar-se no soalho e o molar ueiCo ora& as
unhas Uo molar a magoarem-me a carne& as do gato no parue&
ambos parados Ntando-me
- auelinha
e aNnal o- auelinha
no era uma pessoa a salBar-me& a leBar-me consigo no importa
para onde desde ue me leBasse& eram eles& o bicho e o dnete as
Jnicas coisas BiBas desta casa e lateando-me as duas& enadando-se
de mim& adormecendo de tKdio& deiCei de ter boca& ceguei outra Be&
o gs da caldeira& deeituoso& assobiaBa na maruise e a auelinha&
sem Bi@o
Q- A minha Nlha mais noBa sempre to respondona to rebeldeno h marido ue se interesse por uma mulher assimS
desistindo de esperar
Qesperar o uV=S
- %enham pena de mim
sem ue& reo eu& o parBalho do meu cunhado topasse& a
auelinha to respondona& to rebelde& a comer com os pais ao
domingo num segundo andar escurRssimo& a casa a cair de Belha de
ue nunca gostou e em ue os móBeis se assemelhaBam a despoos
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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de cerco
- Olha o ue parece um louceiro o ue parece uma cómoda
nem o destro@o de um piano altaBa& carregaBa-se numa tecla e
silVncio& carregaBa-se numa segunda tecla e um gemido humano
- Aleiaste-me
como se o martelo do dentista a bater no molar& rBores
aparentadas com o piano a ue altaBam gemidos ou com gemidos a
mais se o Bento& por desastio& se distraRa nelas antes de passar uma
palma rpida no estendal da Baranda um brilho de terrina ou uma
poltrona deserta onde se me aNguraBa ue um indicador
- +resceu tanto este ano
a eCibir-me num Jbilo Bacilante Us otograNas da camilha& uma
senhora de bengala& uma rapariga de tran@as& um grupo ue
almo@aBa
QgarraFes& charutosS
numa orla de pinhal com automóBeis de Nlme antigo na clareira
ao lado& nomes a apagarem-se da pelRcula e um
*empre 9uerido
inapagBel em letras de metal& a auelinha a aborrecer-seentre os mortos no mencionando a humidade do papel de parede
Qdois papKis de parede a descolarem-se um por cima do outroS
desbotando para mim o seu mau gosto e o seu bolor apesar dele&
tudo mais suportBeis ue o beato& onde o meu pai morou entre
relentos de marK& e ue omos obrigadas a Bisitar uando o
promoBeram na empresa a Nm de ue ele posasse diante de um telo
de eira com umas pinturices uaisuer& U altura do papel de parede&
para um cria-turo emocionado pela sua presen@aQh gente para tudoS
ue tresandaBa a polBo maneando ocos inseguros a alar-lhe no
pai dele& a chamar-lhe pimpolho e o meu pai& para no Ncar em
dRBida& a emocionar-se tambKm Ntando um rolo de cordas num
ponto& Ntando as gaiBotas& a mostrar-nos umas escadas com Basos
de begónias ue o ar do %eo comeu
- Morei ali sabiam=
caiCilhos sem Bidra@as& um abandono suo& ele saudoso dos
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caiCilhos
Qh gente para tudoS
percebia-se pela eCpresso ue a entrar l dentro
QU procura de uV=S
sem subir as escadas e aposto ue um aparador com tampo de
oleado e uma garraa em cima& o meu pai com cinco ou seis anos&
indeciso& gordo& nisto uma Bo a amedront-lo
- Ests a rir-te de uV=
um Bulto to plido como os *empre 9ueridos& ugido da
camilha a secar promessas no bigode
- ,m dia destes Bolto pimpolho
e o >eato um telo de eira tambKm& cani@os de aguarela& barcos
desenhados& uma ilhota com andorinhas do mar e tudo esborratado&
miserBel& mais as lues de uma Bilória sem nome duplicando o
horionte
Qse enNssemos a cabe@a num dos buracos do cenrio BoBamos
como as andorinhas do marS
a minha me a admoestar cachorros leBantando a sombrinha& a
minha irm U procura de cobras nuns calhaus com erBas& o meu pai aregressar sem nunca ter saRdo e eu a compreender ue Boltou
Q no era da minha idade adultoS
porue os olhos se alteraram& o criaturo emocionado endireitaBa
uma tabuleta com as mos ue os cidos dissolBiam
- Agora ue Ks importante nunca ulguei ue te recordasses de
nós
o meu pai
Qh alturas em ue dou por mim a pensar incrKdula- Este K o meu pai ue improBBel
este K o meu pai& esta K a minha me& esta K a minha amRlia
imagine-se& h uantos anos no digo
- Me
no digo
- Pai
digo
- <ocV
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digo
- Olhe
no por rancor& por aborrecimento& eu oca& oca& no culpa de
nenhum homem
ue homem=
no culpa de ninguKm& K o meu eitio& sou eu& um dia destes tiro
o saCoone da parede& ogo-o no contentor& ao og-lo no contentor K
a minha Bida ue deito ora e pronto& passa bem auelinhaS
o meu pai podia no se lembrar mas no Bou esuecer a gua na
muralha ora acima ora abaiCo& repare-se na uantidade de liCo ue
se nos pega U memória sem ue a gente dV conta& andei sKculos por
eCemplo com a imagem de um homem a embalar um carrinho de
bebK sem bebK algum no ardim +onstantino e a pedir silVncio aos
Biinhos& no propriamente a imagem do homem& a aTi@o dele se
barulho& o dedo na boca
- +aluda
um sapato castanho& o outro sapato branco& de repente a cara
sem palaBras
- #a@am de conta ue acreditam em mimcontinua a suceder-me comparar os olhos dele com os meus& a
humildade& a esperan@a
- #a@am de conta ue acreditam em mim
um dia sumiu-se do ardim +onstantino mas U cautela& se me
aproCimaBa do banco& alaBa sempre mais baiCo& disseram-me na
capelista ue uma urgoneta atropelou o carrito& uma das rodas
soltou-se e continuou soinha& muito direita& atK ao Nm do passeio& eu
a interessar-me pelo bebK inBentado- #aleceu=
o dono da capelista supondo ue eu brincaBa com ele
- Ensinaram-te na escola a brincar com as pessoas crescidas
palerma=
atK me reparar nos punhos duros& nas lgrimas& a capelista
desocada ou sea metade do balco imenso& a metade ue sobraBa
encolhida& o dono a meio de um gesto
- Palerma
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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no a aNrmar& a perguntar
- Palerma=
e eu a correr para casa com a mochila dos liBros ue me
esporeaBa ao bater-me nas costas
- Mais depressa
Qnunca usei rabo de caBalo& a minha me no deiCaBa& apertaBa-
me a toalha de banho ao pesco@o& surgia com a tesoura
- abo de caBalo nem sonhes
e o meu cabelo na toalha& pegaBa-lhe e desaia-se-me nos
dedos& sem peso& por essas e por outras no gosto de si meS
correr para casa onde agora só Bou
Qe o menos ue possoS
para ue no me moa os ouBidos& pelo menos deiCei crescer o
cabelo& mudo-lhe a cor& pinto-o& a@o-lhe o ue me apetece& puCo-o
daui& puCo-o dali& o mVs passado uma tran@a e a denguice do
parBalho do meu cunhado a crescer ue eu bem o notaBa a aagar a
graBata& a minha irm arrebitando as antenas com as de unhas de
ora& a minha me
Q- Estou a aNrmar-lhe ue no gosto de si me no percebe=Sa reproBar-me sem ralhos Qera o ue me altaBa ralhosS de
labioinho ranido
- 9ue tal o meu penteado senhora=
e ainda ue o lbio mais ranido
Q- "iga o ue pensa B no se atreBe a dier=S
a tesoura em pa na gaBeta dos papKis de embrulho& das bolas e
das luinhas de cor da rBore de $atal ue se acendem e apagam
Quatro ou cinco desligadas da sua tarea de alegrarem a gente&aplica-se uma pancadinha e ressuscitamS
palpitando grinalda ora numa pressa cardRaca& o carneiro mal
morto ue só U boetada a estender-me um rasco insigniNcante
numa caiCa enorme
Qo rasco representaBa uma mulher nua& sem cabe@a como o
parBalho as aprecia& no lugar da cabe@a o pulBeriador prateado&
eCperimentei-o no pulso& sacudi o pulso e um edor de tombarS
- ,m perume uente para uma mulher uente só te alta um
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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sinalinho com um pVlo
uase pegado a mim a uerer cheirar-me o pulso& o meu pai ue
no reparaBa
Qno reparaBa em nada& nunca reparou em nada& se ao menos
ele
no Bou entrar por aRS
a minha irm ue depois do parto engordou da cintura para
baiCo e se desespera em nata@Fes& massagens
- Pedro
no alto& uma sJplica erida e no interior da sJplica a Bergonha
da celulite& dos tornoelos papudos
- Engordei tanto no oi=
a inBea de mim a alastrar como um cancro& o lbio da minha
me a culpar-me o cabelo
Qessa tran@a& essa tran@aS
- Ests a Ber=
e as luinhas& as mesmas desde eu miJda& a enganarem-me no
ritmo implorando
- ,ma pancadinha senhorao bacalhau triste& o espumante triste& a meia-noite tristRssima& o
meu pai noutro sRtio& se ao menos ele
Qno Bou entrar por aRS
chamBamo-lo e BoltaBa a trote& sem necessidade de moBer-se&
numa espKcie de despertar surpreendido
- Perdo=
o meu pai se calhar no >eato& saudoso dos caiCilhos sem
Bidra@as e dos Basos de begónias ue o %eo comeu& compreendendoue aNnal no perto do rio& no ardim +onstantino e deu-me ideia
ue a cumprimentar& cerimonioso& a poltrona Baia& Bontade de estar
com ele a sós
Qnunca estiBemos a sósS
perguntar-lhe como K a sua Bida senhor e no entanto conorme
ainda agora disse no Bou entrar por aR& como K a sua Bida& o ue
gostaria& o ue uer& semanas antes da história do cora@o ou o ue
oi& e sea o ue tenha sido o carneiro mal morto a dier-me& isto K
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contando os actos por ordem& ainda no saRra do eleBador e a
malBada da campainha do teleone a chamar aos guinchos& meter-lhe
uma chupeta como ao Nlho da minha irm para aceitar calar-se& se
calhar cólicas& a ralda molhada& o primeiro incisiBo a romper& o
teleone uma boca desmedida& solitria& ue gritaBa& tossia& gritaBa&
eu U procura das chaBes ue todas as tardes se escondem debaiCo de
óculos escuros baton-pastilha elstica etc a mangarem comigo& o
teleone no na sala& nas minhas orelhas& eu surda& pFe a chupeta no
teu Nlho& pFe a chupeta no teleone mana& obriga-o a adormecer&
pega-lhe ao colo& impede ue o teu marido pomposo& solene& com a
Bo das desgra@as& isto K uma pausa& nem
-Ol
nem
- Ora BiBa
a pausa a aumentar& na pausa uma respira@o de catstroe
- *ou o Pedro
e pausa de noBo& se a minha me assistisse roRa-se de inBea
Q- O seu genro K melhor actor ue BocVS
atK ue por Nm& uma oitaBa abaiCo& cada sRlaba precisa& eCacta&e em cada uma delas a imita@o pereita do desgosto& do luto
Q- <ocV e ele me ue parelhaS
- O cora@o do teu pai auelinha
a minha casa
Qno K curioso=S igual& eu igual a pensar
- O ue K ue sinto=
a sentir ue um dedo do pK desconortBel no sapato e o
desconorto do dedo to presente& to BiBo& a minha casa um cenriocomo o do >eato onde se eu enNasse a cabe@a o meu pai
- %ambKm habitas por c=
o meu pai coitado a indicar unto ao rio os seus Basos& os seus
caiCilhos& satiseito& gorducho
- Morei ali
e nisto o cora@o e no morou ali& no mora em parte alguma
eCcepto numa caiCa& de atinho engomado& com um pano na cara& a
minha irm ao lado da minha me na capela& dois ou trVs colegas do
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emprego& arrastando bocados& aueles com uem depois da
reorma se encontraBa Us uartas-eiras& a cumprimentarem o
carneiro mal morto
- $inguKm c Nca doutor
o carneiro mal morto& to amigo dos contactos& desta eita
Qa incongruVncia das pessoasS
a acenar ue sim tentando soltar a mo a espreitar-me e por um
momento as pestanas compungidas a darem com a urna& a decidirem
esuadrinhando-me
- 9uando o enterro acabar
Belas ue cheiraBam a Tores& solinhas noBas num ruRdo de
gonos& uma penumbra ue me daBa sono& o segundo andar do
ardim +onstantino com crepes nos espelhos& a caneta dos problemas
de damas do meu pai
Qas brancas ogam e ganhamS
assente no ornal& parecia-me ue alguma coisa de BocV a
continuar na caneta& pegaBa na caneta para pegar em si e uma
caneta somente& um bocado de plstico& perdi-o senhor& no lhe
sobra nem isto e no K ue me a@a dieren@a& no me a dieren@a&intriga-me& semanas antes da história do cora@o o meu pai ue
nunca alaBa comigo
- Anda c
uma mo traBessa menos alto ue eu de orma ue lhe notaBa a
alta de cabelo em cima ue ele disar@aBa mudando o lugar da risca
ano após ano a aproCimar-se da tVmpora
Qa risca na tVmporaS
um truue ue me aTigia por signiNcar para mim a Biinhan@ada morte e B-se l entender a rao
Qtanto mais ue no ue di respeito a aecto entre nós estamos
conBersadosS
a morte do meu pai perturbaBa-me
QleBou-me ao circo em peuena& ainda me lembro hoeS
proBaBelmente porue a minha a seguir e dessa sim tenho medo&
como ser& uando ser& de ue orma& uma doen@a comprida& uma
coisa de repente& eu assim muito tranuila a coinhar ou a ler ou a
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decidir abrir a porta ao parBalho do meu cunhado porue de tempos
a tempos& para no entrar em parauso& tenho de abrir a porta a
alguKm e pumba& nem seuer uma tontura& uma trabuanada
instantWnea& acabou-se& o parBalho
- auelinha
e para uV
- auelinha
se o meu pai no enBelhecesse& e sempre achei ue a culpa de
enBelhecer era dele& a mesma distrac@o& a mesma alta de amor
Quanto ao amor entre nós estamos conBersadosS
se o meu pai no enBelhecesse eu no morria nunca& a minha
me K como o outro& uma trombose ue a limpe e chauinho& agora
ele& no sei poruV. macaBa-me. leBou-me ao circo em peuena&
ainda me lembro hoe e trVs ou uatro Nlhos adiante& por
coincidVncia& a senhora
Qmais mulherita ue senhoraS
ue costumaBa estar soinha perto de nós em %aBira& por um
segundo deu-me ideia ue entre ela e o meu pai
Qnunca os apanhei a olharem-seSum entendimento ue me escapaBa
e
QclaroS
no podia ser& antasia minha& os pais das minhas amigas talBe&
no o meu pai& ue raio de suspeita o meu pai& na Kpoca haBia em
mim a certea
Qcusta-me coness-lo e no entanto continua a haBer em mim a
certeaSue o meu pai era meu& K meu& se ao menos ele
Qse por um milagre eleS
- auelinha
eu to contente
Qe isso irrita-meS
ue daria uma trabalheira echar as glWndulas a cadeado para
no me desaer em lgrimas& leBou-me ao circo& agarrei-lhe a mo
com medo dos palha@os e o meu pai no retirou a mo& apertou-ma
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trVs Bees e eu apertei-a trVs Bees& apertou-ma cinco Bees e eu
apertei-a cinco Bees& apertou-ma Binte& no& Binte e uma Bees
Binte e uma Bees
e eu apertei-a& a cont-las& Binte e uma Bees tambKm&
apertmos a mo um do outro Binte e noBe Bees ao todo e U
mulherita de %aBira
Qno só U mulherita de %aBira& a nenhuma mulherita do
mundoS
no lhe passou pela cabe@a ue a gente Binte e noBe Bees ao
todo atK os palha@os acabarem e eu me distrair com os caBalos& se
por hipótese
Qsenti isso com tanta intensidade palaBra& continuo a sentirS
se por hipótese o homem dos caBalos& melhor ue o meu pai&
mais elegante& mais magro& me tentasse apertar a mo uma Be ue
osse
Qual uma Be& meia Be osseS
eu no ueria& ueria a sua paiinho
QaNnal herdei da minha me a Boca@o das cenas trgicas& dos
grandes lances& do teatroSue estupide
- 9ueria a sua paiinho
ue aldrabice& o ue me interessaBa a sua& papuda& redonda& eu
mentirosa como o meu cunhado& um pantomineiro& um also& deBo
estar pRrulas& ando pRrulas de certea& a auelinha to
independente& to sem ligar a ninguKm& toda imbecil& toda pieguices
- 9ueria a sua paiinho
ela ue nunca- Paiinho
ue tonteira& ue tratamento imbecil
- Paiinho
no tonteira& pura estupide
- Paiinho
a auelinha ue eu conhe@o& a normal& a Boltar costas ao
careca& ao Belho& ao gorducho
- < U merda paiinho
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esuecida das mos apertadas& dos palha@os& do circo& teleonar
ao meu cunhado& permitir-lhe ue Benha& ele desconNado
- A sKrio=
cuidando ue uma dessas armadilhas da rica prenda da tua irm
ue no K Tor ue se cheire& auele nari empinado& auele
despreo& uma alta completa de amiade por ti& notaste-lhe a
indieren@a uando o Bosso pai aleceu& deste por alguma lgrima&
algum sinal de desgosto& disse uma Jnica rase
- Pare com as cenas me
e sentou-se a um canto com o ornal do Bosso pai
Qo Bosso pai nem seuer rio no caiCoS
distraRda de tudo& sem mgoa nenhuma& a acabar de resolBer o
problema das damas como se o problema das damas a coisa mais
importante do mundo& como se o teu pai lhe houBesse pedido
- Acaba-me o problema auelinha as brancas ogam e ganham
e a presun@osa da tua irm conBencida ue ganhaBa por ele& ue o
teu pai lhe agradecia& ue auilo ue o teu pai mais precisaBa
nauele momento& esticado como um bacalhau& era ue as brancas
ganhassem& se as brancas ganhassem ele ganhaBa tambKm& as Bisitasa acompanharem a gente e a tua irm sem dar por elas a
eCperimentar este lance& auele& no respondendo& no alando& as
pessoas a cumprimentarem-na por educa@o e a rica prenda de
palmainha no ar
- ,m momento
entretida com as damas por uem nunca se interessou& as
damas o Jnico assunto importante da Bida
- "escanse ue eu acabo-lhe o problema paiinhoas Bisitas oram-se embora e a tua irm nem um aceno ali as
Boltas com o ogo& lembras-te da tua me a contar ue a malcriada só
dobrou o ornal depois das trVs da manh& pYs-lhe a caneta em cima&
anunciou para ninguKm U rente dela salBo os móBeis& o piano& as
rBores ue me bolem com os nerBos a repetirem-nos o nome
Que pretendem elas de nós=S
e a tua irm& Bitoriosa& a arrumar as pedras na caiCa& a arrumar
a caiCa no armrio& a aproCimar-se da anela como se o teu pai o
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Bento nas rBores& o teu pai
- auelinha
e a tua irm supondo ue o teu pai nas copas ela ue detestaBa
o pai& nos detestaBa a todos& nem um pingo de sangue a correr-lhe
por dentro& só rochas& cimento& desdKm& ela
- Acabei o problema no Biu=
e acabado o problema teleonar ao meu cunhado& permitir-lhe
ue Benha
- X o ue te apetece a partir da altura em ue come@aste a
namorar a minha irm no K=
desde ue no me aperte a mo e nem palha@os nem caBalos
nem a mulherita umas Nlas U esuerda& ordenar-lhe logo de entrada&
a desabotoar-me
- *erBe-te
isto K o parBalho de Tores em riste no capacho& as denguices de
carneiro mal morto& o bra@o pronto a descair como por acaso do so
para os meus ombros& a apert-los& um polegar ansioso por me aer
cócegas ao comprido da nuca& o soslaio para os compinchas ue no
haBia- %enho a gaa no bolso
e eu a cortar-lhe os cochichos& as cócegas& de pK no meio da sala
a acilitar-lhe o trabalho& poupando incómodos de echos e elsticos&
nua
- $o percas tempo serBe-te
as Tores a descerem coitadas ao comprido do ato& to rosas U
altura do peito& to legumes ao alcan@arem os oelhos& um passo no
para mim& para o lado& no era só o ramo ue descia& era a caratambKm& uer dier olhos& boca& uma parte do ueiCo& outro passo
para o lado
Qe as Tores de roo no cho sem ue ele se apercebesse& sem ue
eu
- Olha as Tores de roo no choS
a procurar o uRsue e eu a impedir-lhe o uRsue no com um
gesto& imóBel
- $o Ks capa de te serBir cunhado=
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as Tores coitadas a Barrerem o parue& a Berdura ue
acompanhaBa as Tores a desliar soltando-se& umas olhas& uns la@os&
no me perdoo ter-me distraRdo com os caBalos e as mudan@as de
lues e retirado a mo pai& diante da minha casa no rBores como
no ardim +onstantino& prKdios noBos& Barandas& cada Baranda um
compincha do meu cunhado a espiar-nos
- tens a gaa no bolso=
os caBalos de penacho colorido ue galopaBam U roda& o chicote
do artista de arda de alamares estalando compridRssimo e o carneiro
mal morto a deter-se& a mudar de direc@o& a galopar de noBo& o
branco do olho apaBorado& uma espKcie de baba no reio& a certea
ue a mo do meu pai U espera na plateia e eu
- Aguente um bocadinho senhor enuanto acabo este nJmero
ou sea o abaur aceso
Qpor sinal com um buraco de ueimadoS
o carneiro mal morto a limpar a baba do reio sem despir o
casaco& deseando de casacos diNcRlimos de despir a protegerem-no
de mim& as Tores no cho e ele a calc-las sem notar ue as calcaBa&
um bilhete com um cora@oinho impresso agraado ao la@arote e elea calcar o bilhete
Q- Est uase pai daui a nada aperto os seus dedosS
patinhando a suar& o abaur iluminaBa-lhe as narinas& a crina& o
meu cunhado no
- auelinha
uando lhe perguntei
- $o te despes tu=
Qnem um minuto pai& menos de um minuto& isto K o Nm donJmeroS
o carneiro mal morto no uma resposta& um relincho
- +abrona
a caminhar para trs buscando a ma@aneta& a achar o louceiro e
suponho ue a aleiar as costelas na esuina& a achar a parede e eu
- ;alopa
ele sem compreender
- Perdo=
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e a ma@aneta por Nm ue no giraBa& ue girou& o capacho e o
pontinho do boto do eleBador alternando o Bermelho com o plido
enuanto um som de erros e cabos se aBiinhaBa a assobiar em
meneios& suspiros& eu no capacho com o carneiro mal morto
- Ests certo ue no te apetece cunhado=
e mais cara ue descia& mais branco do olho& mais baba& ele
uase um boneco a rebentar em peda@os por um eCcesso de corda&
ue me lembre o meu pai nunca me Biu nua& nunca assistiu ao meu
banho& perguntaBa ualuer coisa U minha me do corredor& no se
atreBia a entrar& por ue motiBo no era BocV a tirar-me o sabo dos
olhos senhor& a esregar-me com a toalha& a enCugar-me& acha ue
apertar a mo no circo uma tarde h trinta anos bastou& ue
emprestar um lbum de otograNas
- %oma
a BeriNcar em torno ue nem a minha me nem a minha irm
Biram bastou& uma deena de retratos e um postaleco de *intra&
desses ue se compram nos mostradores das capelistas por de rKis
de mel coado e nem seuer o Palcio da <ila& Monserrate& o castelo&
um postaleco com umas accias num muro e BocV orgulhoso dasaccias como se as tiBesse eito a designar umas BRrgulas mais claras
- Esto em Tor auelinha
esto em Tor auelinha& gostas de accias auelinha& da
primaBera em *intra auelinha e para mim *intra uma canseira de
Beredas todas iguais suocadas de plantas onde a gente se perde&
sobem e descem mas para mim sempre a subir& a matarem-me& de
Be em uando no meio do neBoeiro a esmola de um solito
acanhado& apressamo-nos para o sol e ao chegarmos l no eCistesubstituRdo por um chuBisco Bago& eu para o meu pai
- O ue a aui o postal=
o meu pai com receio da minha me e da minha irm a chegar-
se ao piano como se o piano um lugar U proBa de som ou assim& um
conessionrio& um abrigo
- As accias
sem me tocar& K eBidente& sem me apertar a mo QtambKm para
ue ueria eu ue me apertasse a mo& ando parBaS a desear ue
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percebesse o ue no podia perceber& o ue no percebi
Qno K Berdade& agora perceboS
- As accias
com o dedo nas copas e nas BRrgulas mais claras& aueles dedos
redondos ue gra@as a "eus no herdei
- As accias
isto K os pltanos unto U esta@o dos comboios& um banco meio
oculto na pedra& o meu pai a apear-se do comboio puCando os
cabelos sobre o crWnio um a um& a compor-se
Qto engra@adoS
na camisa& a aBan@ar para o banco e no entanto para mim
apenas
- As accias
e o dedinho redondo com a unha mal cortada porue os gestos
lhe escapam& enBelheceu senhor& o cora@o& os diabetes e eu
enBelhe@o consigo& enBelhe@a BocV& mate-se U Bontade& estenda-se no
colcho ue l ho-de estar a minha me e a minha irm para lhe
botarem crisWntemos em cima e deiCe-me em pa& sossegada& o
dedinho redondo a acertar por NmQ no era sem tempoS
com o postaleco enuanto eu pensaBa nunca me alou em
*intra& nunca me disse nada de *intra& no me recordo de irmos a
*intra enuanto morei consigo& Ramos a +ascais ou ao Estoril ou U
outra banda no naBio da carreira& os pssaros a grasnarem sobre nós
atormentando-me agora *intra nKpia uanto mais as accias& se a
minha me porBentura
- PodRamos passear em *intra nas Kriaso problema das damas& de sJbito complicado& a chup-lo para o
interior do ornal& um musculoito ue no sabia ue tinha a pin@ar-
lhe a narina
Qaperte-me noBe Bees a moS
e Bai na Bolta ia a *intra clandestino& soinho& sem me conBidar&
compraBa postais& passeaBa mas como se no saRa de casa ouBindo o
rdio sem ouBir o rdio& de olhos echados& no a dormir ue eu bem
Bia& a minha me
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- $o a@am barulho ue o Bosso pai est a descansar
e descansar uma oBa dado ue uma rinchinha nas plpebras& a
boca a mastigar pensamentos& ideias& a rinchinha em mim
Qno na minha irm& em mimS
ia urar ue a sua mo a apertar-me duas Bees& seis Bees& one
Bees sem pedir a minha e contudo mesmo aastada de si eu sentia-o
compreende& sentia-o& gordo& penteadinho& miJdo& nem seuer bonito
senhor comparado com o homem dos caBalos& os russos do trapKio&
o ue atiraBa ao ar uatro bolas e nenhuma caRa& uatro chapKus&
uatro pratos& com uma audante loira de Bestido de baile cuo
trabalho& ue se me aNguraBa sublime& consistia em passear atrs
dele e sorrir e contudo
Qto imbecil no K=S
no consigo descobrir a rao
Qno rao& idioteira minhaS
mas no os trocaBa por si& de ue modo os postais de *intra
Qinterrogo-me euS
se no saRa de casa atento Us rBores no ardim +onstantino e as
rBores- +resceu tanto este ano
Qreerindo-se a uem=S
eCcepto em certas semanas ao domingo
Qdomingo ou sbado=S
para almo@ar com os colegas& uma raseinha casual ao sero
sem olhar para a gente
- Almo@o com os colegas domingo
Qsbado=Sa aBaliar-nos U socapa U medida ue o casti@al do piano BogaBa
por ali& ue o brilho da terrina se apagaBa& ue um som como de
muina de costura a embainhar no sei uV& talBe a minha Bontade
de ser adulta depressa& ir-me embora& em certas noites na cama& ao
resBalar para o sono& Binha-me um estico as pernas& alegraBa-me
- *ou grande
acendia o candeeiro para me BeriNcar no espelho e igual& one
anos sempre e os arbustos a goarem U minha custa
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- One anos
isto durante a noite& durante o dia arbustos somente para onde
as pessoas atiraBam latas& papKis
Qe eles aguentando com paciVnciaS
de mVs a mVs a um ardineiro com uma tesoura e um balde
aparaBa-os& mal escurecia deiCaBam de se armar em coisas e logo
- One anos
a minha irm
- O ue oi=
e eu
- Os arbustos
a minha irm parecida com o meu pai& as Bacila@Fes& a
gorduchice& a cara& o carneiro mal morto esperaBa-a na rua& Bia-se o
automóBel do tio dele da Baranda& um cotoBelo no rebordo da anela
ou a pressa das unhas a rasparem a chapa enuanto a minha irm
espalhaBa Bestidos na colcha
- O das aplica@Fes auelinha=
diBidida entre o das aplica@Fes e o de l& colocaBa-os diante do
corpo& desiludia-se& remeCia cabides& traia do armrio uma blusaamarela
- Esta blusa=
o carneiro mal morto a acelerar o automóBel& a buinar& a
desligar o motor& a lig-lo de noBo& a buinar outra Be
- O das aplica@Fes=
o dos eneites mas o echo a meio das costas recusando subir de
orma ue o de l com um boto inseguro
- "-se um eito com a agulhao de l ue pertenceu U minha me& cheio de mariuices&
doirados
Quma pinderiueira pegadaS
e ue a apertaBa no rabo& os sapatos com um salto assim assim
ue era preciso cuidado& descia as escadas a consertar a rana& a
colocar os brincos lutando com a rosca& o cotoBelo do carneiro mal
morto desaparecia ao abrir-lhe a porta sem sair do carro e contudo
parecia-me ue as unhas continuaBam a tocar piano na chapa& o
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automóBel come@ou a andar com uma perna da minha irm de ora& o
das aplica@Fes e a blusa amarela abandonados na colcha Neram
Qsei l poruV& elucidem-meS
sentir-me ór dela& peguei no Bestido a Ber se melhoraBa e
nada& a orandade idVntica& as rBores do ardim +onstantino
dilatando-se em unRssono no escuro& os passos do meu pai no
corredor ue daBa a impresso de no acabar nunca& o inuilino de
cima a arrastar ualuer coisa pesada
Qo rigorRNco=S
ue estremecia o prKdio& uns sinaiitos de Bida
Qcoinhas acesas& um homem de piama na maruise ao ladoS
ue me no diiam respeito& os passos do meu pai a uilómetros
de mim e no entanto próCimos& continuando a aastar-se para o outro
lado do mundo e eu deste a cont-los& cento e one& cento e tree&
aagando um Bestido Baio
Qcento e deoitoS
o meu pai ue principiaBa a perder
Q- O cora@o auelinhaS
dirigindo-se& ulgo& na direc@o das accias porue no o Binuma caiCa& no o Bi na capela& no est no cemitKrio& o meu pai no
K esse magro& de bochechas caBadas com um dos olhos a abrir-se
Qno uma rinchinha& a abrir-seS
o meu pai K o ue me aperta a mo e a uem aperto a mo oito
Bees& catore Bees& cinuenta Bees se nos apetecer& ao meu lado
no circo e nem a senhora
ou sea nem a mulherita de %aBira d K consoante a minha me
e a minha irm no do K& o meu pai caminha no interior de umpostal
Qcento e uarenta e um passosS
passando o dedo no Berni a mostrar-me os ramos sobre os
muros& as Tores
- $ascem com a primaBera auelinha
e se alguKm na companhia dele no K uma mulher sou eu&
esperei--o com esta blusa amarela& o Bestido das aplica@Fes& o colar
de pacotilha rabe ue roubei U minha irm sob os pltanos da
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esta@o dos comboios& no Beio no primeiro& no Beio no segundo e
eu ue em matKria de teatro tambKm no ando mal
- $o me morra paiinho.
como se ele osse morrer& como se pudesse morrer
Qeu artinha de estar segura ue no morria& no morreS
e a proBa ue no morre
Qcento e deanoBe passosS
K ue o meu pai no terceiro comboio& no untamente com os
restantes passageiros& depois& a demorar-se perto dos tCis atK ue
ninguKm& a certiNcar-se ue ninguKm dado ue as pessoas se sabe
meCericos& conBersas& de modo ue uando ninguKm no largo o meu
pai no sentido dos pltanos e eu no no banco& eu
Qoito& noBe& de passosS
a trotar para ele
no trote algum& ual trote& eu digna& compassada a ir-me
chegando ao meu pai& no preciso de lhe resolBer os problemas das
damas
Qas brancas ogam e ganhamS
ou de gastar a noite na igrea a assistir ao carneiro mal morto aencarregar-se dos pVsames& a perseguir o meu peito& as minhas
pernas& one
QdoeS
doe saltos e estou consigo uer dier estamos untos neste
postal baratucho a preto e branco no lbum
Q*pring in *intraS
ue se compra por de rKis de mel coado em ualuer loa do
centro& estou consigo nesta traBessa perto de *eteais penso eu& BocVpara mim
- As TorRnhas auel
o menos alto de nós dois& o gorducho& o contente& o ue
apontaBa uns caiCilhos no >eato
- Morei ali
e as ondas na muralha& as gaiBotas& um sueito a surgir de uma
caBe com um sauito de polBo a demorar-se em si& a reconhecV-lo& a
pasmar
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- Ora BiBa pimpolho
e o meu pai para ele& andando sempre Qduentos e setenta e sete
passosS
- "esculpe senhor 9uerubim no me interrompa ue passeio a
minha Nlha nas accias agora
a mo ue me apertaBa a mo uma Be e eu apertaBa uma Be&
me apertaBa seis Bees e eu apertaBa seis Bees& me apertaBa tree
Bees e eu apertaBa tree Bees& a mo ue no cessaBa de apertar a
minha& as Tores sobre o muro uase ro@aBam em nós e pode Bir o
homem dos caBalos& podem Bir os russos do trapKio& pode Bir o
caBalheiro ue tira pombos e echarpes e a bandeira nacional de uma
pgina de reBista ue antes nos mostrou dos dois lados& Bagaroso&
didctico& anunciando
- <aia
ue eu no lhe largo a mo& inBento mais accias
- Mais accias ali
e a gente
Qseiscentos e deasseis passosS
sumindo-nos no lbum dado ue acabamos de alcan@ar o outrolado do mundo.
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NONA FOTOGRAFIA
Este retrato de %aBira& a praia& toldos& o homem dos bolos de
biBaue
senhor Alredo
a caminhar para nós com o cesto
oi a minha Nlha mais Belha ue tirou: no ueria emprestar-lhe
a muina dado ue por princRpio no empresto coisas Baliosas a
crian@as ue no descansam enuanto no as estragam& piam a
parte elKctrica com gua ou deiCam entrar areia l dentro& ela a
pegar nauilo ao contrrio
Qo ue se espera de uma catraia de sete anos=S
- Prometo ue só uma pai
Qno se trata de uma uesto de preerVncia& K Berdade& a irm
com cinco metia-a num chineloSe o resultado aR est& apare@o de costas ou nem seuer de
costas& o angulo de um ombro e um bocadinho de nuca ue tanto
podem ser meus como de outro homem ualuer& nota-se ue sou eu
apesar do eCcesso de lu porue a minha mulher a discutir comigo
Qpresumo ue a deender a miJda
- *ó uma ue mal tem=
sempre pronta a deender a miJdaS
a minha mulher sim& nRtida no anel ue usaBa unto U alian@a&inclusiBe na cicatri da Bacina no bra@o e se colei a otograNa no
lbum no K por nenhum de nós nem pelo senhor Alredo todo torto
deBido ao peso dos bolos mas porue tu de perNl& sumindo-te no
crochet com uma madeiCa no ar dois toldos adiante
Qa tua madeiCa a Jnica coisa BiBa no lbumS
na cadeirinha de lona ue traias da penso e gosto de olhar-te
percebes& gosto de olhar-te& mal come@o a passar da poltrona para a
anela no ardim +onstantino abro a gaBeta da escriBaninha&
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encontro a madeiCa& tranuilio-me imaginando ue continuas
comigo& tocas& num interBalo do crochet& o colar ue te dei e daui a
pouco gra@as a "eus uarta-eira& ao pedir-lhe a muina a minha
Nlha mais Belha echou-a nos bra@os
- $o dou
enuanto ia apertando o boto
pic pic pic
atK ao Nm do rolo& no AlgarBe no eCistem ces como no >eato&
preocupados& de cabe@a baiCa& a alarem soinhos& na ;uinK Binham
depois de nós arear os mortos& mesmo dentro dos caiCFes eles de
ocinho contra a madeira na atitude de uem recebe mensagens& se
me aproCimaBa a escutar os deuntos calaBam-se ao darem por mim&
uando muito uma desculpa
- Eu no ui
Qa partir do terceiro dia& U hora do calor& borbulhaBam de ebre
conBersando uns com os outros do ue tinham passado
- *ucedeu isto sucedeu auiloS
assim ue o Jltimo pie a minha Nlha ogou o aparelho no cho
- $o me apanhase desatou a ugir& acho ue nunca
Q- Mesmo depois de trinta anos o meu pai nunca me perdoou
auela história do rolo
acho ue nunca lhe perdoei auela história do rolo& cada pic a
indignar-me e a seguir a cada pie um solu@o& um trrr de uem engole
imagens& o aparelho recomposto& a conBid-la proBocando-me a mim
- Aperta o boto outra Be
de modo ue acho ue nunca lhes perdoei a ambos& se Bemalmo@ar c a casa com o marido e a alcoa a@o de conta ue no
sinto nada mas sinto& ela aposto ue esuecida
- Pai
de boca na minha bochecha e eu rRgido& pensando em como
estas coisas se pegam a um homem& teimam& Ncam tal como o
passado continua a acontecer em simultWneo com o presente& a
minha Nlha mais Belha
- Pai
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e na Berdade ela no grande& no casada& no
- Pai
com sete anos e pata-choca& sem gra@a& a escapar-se
- $o me apanhas
o marido ue de oelho tra@ado ocupa espa@o ue se arta a Nt-
la e a Ntar a irm no seu lugar da mesa acol& a irm com uma
tanguinha Berde buscando bJios na areia e o oelho tra@ado a
demorar-se-lhe na perna
- +unhadinha
ue se aasta ao mesmo tempo em %aBira e no ardim
+onstantino& a minha Nlha mais noBa por uem eu
de uem eu
Q- *empre a preeriu a mim diga a Berdade paiS
talBe por me recordar a minha me
Qtanto uanto recordo a minha meS
em certas atitudes& certos gestos ou no modo de olhar& a minha
me BiBa na minha Nlha ue igualmente& embora no me perguntasse
nada& no se ralasse comigo& no se interessasse por mim me
sopraBa- PoruV=
sem ue ninguKm desse isso& sem ue ela desse por isso& a
impacientar-se connosco& a aborrecder-se da gente e contudo& sob o
aborrecimento e a impaciVncia& a sua Bo to antiga& no para mim
ou para um homem a umar ue caminhaBa num beco& para nós
todos& para si mesma
- PoruV=
ela no retrato de %aBira- PoruV=
e tu ao undo& no muito noBa& de perNl a espessar-se
Qos teus lbios dierentes& o teu pesco@o dierenteS
numa cadeirinha de lona no muito noBa tambKm& ao tentar
dar-te dinheiro na hospedaria da ;ra@a
QdeBia ser deembro atendendo a ue a trepadeira sem olhas&
um Bisco de humidade a escurecer os len@óisS
para uma cadeira decente& as notas
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Qo Bento atraBessaBa os caiCilhos rendilhando-me os ossosS
sobre a cama cuo espaldar para c e para l na parede do
uarto Biinho após um sapato
Qum Jnico sapatoS
ter caRdo no soalho de mistura com arrancos& suspiros& um
segundo sapato e a cama mais orte& uma espKcie de tosse& o
espaldar muito depressa& um sueito
- Meu "eus
Qa impresso ue o meu genro e claro ue no o meu genroS
e o espaldar tranuilo& a impresso ue com o meu genro a
minha
Nlha mais noBa& os sapatos dela no cho
Qomos ao circo uma tarde e acho ue nem uma rase para
amostra
entre nós& agarrou-me nos dedos com medo dos palha@os e ulgo
ue
para a acalmar
- Por ue outro motiBo=
no retirei os meus& K possRBel ue lhe tenha correspondidoapertando-os mas no acredito bem nisso& no seiS
a trepadeira sem olhas uns ramitos no Bidro e óbBio ue no os
sapatos da minha Nlha mais noBa nem o meu genro ali& pessoas ue
no tinham nada a Ber connosco
QclaroS
portas ue saltaBam& gritos& a dona da hospedaria Bogais
indignadas no tubo
- Est c o senhor respeitinhoum ulano
Qno o meu genro& este moreno& de óculosS a aconchegar a
graBata
- Perdo
a minha Nlha mais noBa gra@as a "eus no ali& nenhum receio
dos palha@os& nenhuns dedos& cabelos pintados mas no seus& ela a
aer um buraco na areia para cobrir os pKs
- $o tenho pKs Biu=
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os pKs de outras mulheres& a da cama cuo espaldar para c e
para l na parede ao passo ue a minha Nlha mais noBa uma crian@a
a apertar-se na toalha& uando chegarem os palha@os ela assustada
audem-na& no diBertida& a chegar-se a mim numa aTi@o de paBor&
tu a Barreres as notas da colcha
- "esculpe mas este dinheiro no me pertence no K meu
e a mesma cadeira de lona sempre& uase o mesmo Bestido
- #ico consigo se no me der nada
moraBas com o teu pai e a irm do teu pai& o teu pai na Baranda
de piama e um dia destes eu idVntico& de barba mal semeada& no
ardim +onstantino& Bestirem-me& empilharem-me no banco&
ordenarem-me
- *egure as urinas senhor
e eu trocando gestos& remoendo nadas& plpebras ue
engordaBam de gua sem ue a gua caRsse& a minha Nlha mais noBa
uma intrusa ue me chamaBa na orelha
- Pai
e eu a pensar
- +onhe@o-teou sea ulgo ue te conheci& di-me o teu nome& auCilia-me& uma
das plpebras a dobrar-se& Bermelha& a calcar coisa a inchar-me na
gargant& a tornar-se palaBra e eu no o teu nome& eu
- Pai
a cansar-me de reTectir& a esuecer-me& numa ona brumosa da
minha cabe@a %aBira& uma senhora a chegar U praia com uma cadeira
de lona& a desembrulhar o crochet sem me dar aten@o& eu angado
com a senhora- %u
e no sei uem& ue me costuma abotoar& alegrando-se para a
minha Nlha mais Belha
- Olha para ele a rir coitado conheceu-te
a praia& toldos& o homem dos bolos& de biBaue
Qsenhor Alredo& ia urar ue senhor AlredoS
a caminhar para nós com o cesto& chamar o homem e uem me
costuma abotoar
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Qa roupa dantes apertada e agora largaS a segurar-me as
costelas
- Obriga-o a Ncar sentado ue uer ele=
o senhor Alredo
QAlredo=S
um cesto coberto por um pano& tiraBa os bolos com a pin@a& a
minha Nlha mais Belha ue no sabe seno pedir
- +hegue-me uma moeda pai
uem me abotoaBa ou sea uma criatura da minha idade
eternamente a ueiCar-se para onde eu no Bia
- $o ueres saber de nós auelinha no Bisitas a gente
Qauelinha=S
a aproCimar-se enerBada
- O ue se passa com ele=
e a intrusa ue me chamaBa na orelha a adiantar
- Parece ue pediu uma moeda ou assim parece ue chegue-me
uma moeda pai
madeiCas oCigenadas& a boca escarlate& anKis& os dedos no circo
sem anel algum e por conseguinte a auelinha no& uma pessoadierente& empresti-lhe o meu lbum
- $o mostres isto U tua me toma
os olhos do meu genro dois bichos moles ue se lhe enrolaBam
nas coCas diNcultando o andar& os anKis direitinhos ao retrato ue a
minha Nlha mais Belha tirou
- +onhece esta=
e elimente o casti@al do piano a saar-me respondendo por
mim& como sempre nessas ocasiFes eu escondido no >eato atK asgaiBotas me ensurdecerem porue um naBio passou& atK no poder
alar porue os albatroes gritaBam& o casti@al do piano ou a terrina
por mim
- *alBo erro K a mulherita da cadeira de lona dois toldos
adiante
e os anKis& sem me acreditarem& desBiando-se do lbum& no a
mulherita dois toldos adiante pai& a sua amante pai& a ue encontrou
antes da minha me nessa ponta da cidade onde BocV moraBa& um
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logradouro de pobres pai
Qe o seu pai a umar
- %rambolho
o seu pai
- Pai
ue no paraBa de umar nas tintas para siS
oliBeiras ue no serBiam para nada senhor& petroleiros deuntos
com o ter@o no rdio& patos braBos ue o %eo reunia e dispersaBa e
reunia de noBo& a sua amante
pai
no bem na ponta da cidade& mais para c& menos longe& num
rKs do cho depois da igrea duentos ou treentos metros
QuinhentosS
a seguir U +al@ada do ;rilo& ao Ateneu& U palmeira& uns prKdios
ue BocV consideraBa noBos e no eram senhor& barbeiros&
merceariainhas& pardais& no gaiBotas e no entanto o rio próCimo&
um som de pranchas ue abanam& cuida-se ue pranchas& Bai-se Ber
e o rio& sobrados a deslocarem-se& copos uns nos outros na
cristaleira& nós intrigados o ue ter dado aos copos& Bai-se Ber e orio& nos prKdios& BocV achaBa noBos a mulehrita de %aBira& a sua
amante pai& no ainda sua amante& sua amante depois& na hospedaria
da ;ra@a ue no eCiste no lbum e de onde o carneiro mal morto
acabou por traV-lo dado ue o cora@o& os diabetes& a sua idade
senhor& a sua amante nessa Kpoca um retrato de comunho solene de
proBRncia& uma mesa de pK-de-galo& uma bailarina& uma Bela& BocV a
espreitar o rKs-do-cho U distWncia com Binte ou Binte e um anos
senhor& uma primeira carta& uma segunda carta& o sanatório de+oimbra mal ela respondeu U sua terceira carta e depois carta
nenhuma& ela Nnada& pinheiros ue U noite se diria um apenas& o
comboio de Lisboa na esta@o e ento a minha me& o casamento& a
minha irm mais Belha& o ardim +onstantino a partir da altura em
ue eCpulsou a Nlha da madrinha da sua me ue a madrinha da sua
me escondia no por ser doente mas por no ter pai& nunca se
perguntou por eCemplo
pai
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olhar-se& ela descanse ue Nco consigo senhor& no lhe pe@o nada&
ninguKm d por nada& %aBira sim& *intra sim& as uartas-eiras na
hospedaria sim& o pai dela e outra parente idosa
Qno a meS
de uem tomaBa conta& para o mVs de agosto no AlgarBe tinha
de contratar uma pessoa& pagar-lhe mas no com o seu dinheiro
- $o me oenda senhor
auele com ue BocV tentaBa desculpar o acto de no ser um
homem pai& a minha me por meias palaBras& pausas& as meias
palaBras
- O teu pai
eu como se no percebesse
- $o uero saber
eu
- +ale-se
e no entanto
- O teu pai
- O teu pai
- O teu paia incomodar-me& a mulherita em %aBira a aer-se de lucas
igualmente& Bontade de perguntar-lhe
- $o tem ninguKm Us escondidas BocV=
uma tarde segui atK U penso a sua amante da cadeira de lona e
do embrulho de crochet e homem algum& soinha& dali a pouco um
Wngulo de primeiro andar aceso& uma dessas lWmpadas de tecto
penduradas de um No ue no iluminam as coisas& as empalidecem
apenas e como podia acontecer ue um homemQeu a imaginar
- 9ue homem=S
chegado antes dela U sua espera no uarto
Qda idade do meu pai& mais noBo& mais Belho=S
atraBessei um cubRculo de auleos em ue um alguidar de
erBilhas& um aBental num prego e nem um resto de sol no mar& ondas
roCas incapaes de moBerem-se idVnticas aos penedos e a estes
pssaros ue nunca dei com eles noutro lado& no gaiBotas& mais
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peuenos& no sei dier o nome& aendo ninho na ponte
QtambKm me sucede no saber dier o meu nome e nisto uma
descoberta& auel& sou auel& ue neCo entre auel e eu& se
teimo
- auel
O
- auel
no um nome& um som e ue estamos em neCo ue neCo entre
esse som e eu=S
pssaros ue nunca dei com eles noutro lado e deBem aer
ninho na ponte& suponho-os escondidos nos buracos dos pilares& os
pssaros
- auel
e o som pegado a mim para sempre& auel& auelinha& dona
auel
Qdona auel no emprego& as pessoas& U sKria
- "ona auelS
de modo ue agora sim& aperte-me a mo deanoBe Bees pai&
atraBessei o cubRculo de auleos a escutar os tacFes da auel nocho e continuei a escut-los aNrmando a cada passo dona auel
dona auel dona auel& proclamando aui Bai a dona auel meus
senhores& trabalha numa companhia de seguros& mora soinha& toma
um comprimido a Nm de suportar a noite
Qe mesmo assim sabe "eusS
est Nnalmente disposta a receber o cunhado
Qo carneiro mal mortoS
porue a auda do comprimido no chega& se ele no patamar- +unhadinha
a dona auel ao contrrio do ue se calculaBa a mudar os
brincos& a erguer o penteado&
- Entra
no
- ua
no
- *erBe-te
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a dona auel sem desaNo algum
- Entra
mas por enuanto no& por enuanto em %aBira a subir as
escadas menos suas ue eu ulgaBa ou pelo menos no to suas
uanto eu ulgaBa& um candeeiro no primeiro andar ue era um
cWntaro com a ampola no interior a aBermelhar portas e presumi ue
a do undo porue na rua o Wngulo do primeiro andar aceso e Bou
encontrar a sua amante com um homem pai& no um homem como
BocV senhor& um homem a sKrio capa de ser homem com ela
Qa minha me meias palaBras& pausas
- *e conseguisse contar-te ue o teu pai
enuanto eu apertaBa deanoBe Bees nenhuma mo a no ser a
minha& eu a apertar a minha mo direita com a minha mo esuerda
com tanta or@a
no calalculaBa ue tiBesse tanta or@a
- +ale-seS
e no hesitei& no esperei& no bati U porta para eBitar ue a
amante do meu pai e o homem separados& girei a ma@aneta e a
ma@aneta oendida comigoQcom as angas das ma@anetas posso eu bemS
- "ona auel
a procurar impedir-me ou talBe nem a procurar impedir-me& um
suspiro de escWndalo
- "ona auel
o meu chee sem tirar nem pYr uando lhe respondi ue no
antaBa com ele e a indigna@o& o despeito
- "ona auelpor conseuVncia girei a ma@aneta e uma cama barata mais
estreita ue a minha em crian@a& a mala aberta no cho e uase nada
na mala& um retrato de Photomaton ue demorei a descobrir ser de
BocV pai
QBocV ora da nossa casa ue inesperado& acho ue ciJmes
no ciJmes& para eCistirem ciJmes seria necessrio ue eu e eu
no& o ue me rala a sua Bida pai& BocV no um homem& o carneiro
mal morto apesar de tudo e contra o ue eu esperaBa& depois de
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algum encoraamento da minha parte ue tambKm ali estaBa para
isso& aproCimadamente um homemS
como ia diendo a cama mais estreita ue a minha em crian@a& a
mala aberta no cho e uase nada na mala& a sua amante na cadeira
de lona ue ocupaBa na praia
Qum dos pssaros da ponte passou rente U penso
ou pode ser ue uma corua
e adeusS
a comer uma banana ou uma pVra& eu a segurar a ma@aneta
Qapertar deanoBe Bees a ma@aneta e talBe a ma@aneta
respondaS
- "esculpe
e a mulherita a olhar-me sobre a banana ou a pVra& de palma
horiontal sob o ueiCo amparando migalhas& uantas noites eu na
coinha assim& encostada ao laBa-loi@as corada uma bolacha ou isso&
surtida\\ a migera trabalhaBa a dias deiCou sobre o rigorRNco a
interrogar-me
- !sto K meu=
na esperan@a ue a bolacha me aperte a mo& me serene& aamante do meu pai igual a mim& a atitude& os olhos
Qse o carneiro mal morto uma hora por semana ao menosS e eu
para a amante do meu pai& eu para nós
- "esculpe
ela na cadeira de lona a obserBar-me apenas& no me conBidou a
Ncar& no me mandou embora& a palma horiontal sob o ueiCo& o
embrulhito do crochet no colo& um cabide onde um casaco morto
Qno baloi@ando& mortoSe eu a pensar no meu pai e em mim
- PoruV isto=
os palha@os Nlha chegaBam a seguir aos leFes& ainda no tinham
desarmado as grades uando a oruestra isto K uatro ou cinco pino-
cas num estrado& uase todos Belhos eCcepto um garoto magrinho no
tambor
Qum ruiBo com sardas& os ruiBos cheiram a leite coalhadoS
principiou a tocar e atrs de uma cortina passos
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Qestrondos de passosS
boetadas& gritos& a cortina ranida de repente& um grupo
desses monstros ue nos atormentam nos sonhos& nos perseguem&
nos leBam& a gente
- $o
eles sem sentimentos& eroes& a minha Nlha mais noBa
- Pai
e eu sem poder Baler-lhe dado ue botas enormes Us
cambalhotas na pista esbarrando umas nas outras a cumprimentar a
assistVncia
- Meninos meninos
ela apertando-me a mo a sossegar-me uma duas trVs Bees& a
minha Nlha a tomar conta de mim
- $o se assuste
e os dedos seis Bees& os palha@os aNnal no
- Meninos meninos
os palha@os
- Estea uieto senhor
de bata U minha Bolta& diRceis de entender deriBado U oruestraQuase só o tambor agoraS
mais cambalhotas& mais pinos e eu sentado com a minha Nlha&
eu deitado& a mo dela one Bees
- Estou aui pai
enuanto um dos palha@os me eCperimentaBa o pulso& me
aplicaBa uma espKcie de a@aime
- $o K a@aime K oCigKnio pai
comigo a calcular ue se conseguisse erguer-meQme deiCassem erguer-meS
alcan@aBa o >eato num instante e no >eato eu a salBo& conhe@o
um armaKm antes das hortas em ue se guardam coisas sem
prKstimo do mar
Qbóias de corti@a& barricas& cabosS
e onde posso ocultar-me sem ue dVem por mim& uma ocasio
um albatro no armaKm& os olhos amarelos& as penas amarelas& as
asas amarelas mas de algas& de lodo& se eu agitar os bra@os como ele
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para cima e para baiCo no conseguem pegar-me& um dos palha@os
prendeu-me os cotoBelos
- 9ue K isso=
o Bento ao rodar para norte augentaBa os pssaros&
espaneaBam-se na igrea& alinhaBam-se antes da chuBa na crista dos
telhados& a minha mulher ue eu bem a ouBia gritar
a minha mulher baiCinho
Qenganei-me& trinta e duas Bees& uarenta e trVs Bees& um dos
anKis da minha Nlha a beliscar-me ela ue no circo no usaBa anKisS
- "esmaiou=
no cortinas& um biombo e paredes ue no terminaBam nunca&
uma anela em cuos caiCilhos nem cKu uanto mais rBores& nada e
no nada uma Bo
- Os diabetes minha senhora a gente isso resolBe
eu para eles o ue uer dier diabetes& o ue uer dier minha
senhora
- O ue uer dier minha senhora=
eu untamente com as andorinhas do mar& muito alto& espiolhan-
do os barcos& segurem-me nos cotoBelos se uiserem e digo seuiserem porue no me apanham
Qa minha Nlha mais Belha em %aBira
o ue uer dier Nlha=
- $o me apanhamS
no me apanham& eu Boo& lembro-me pereitamente deste
retrato de %aBira& a praia& toldos& o homem dos bolos& de bonK
- *enhor orge
no orge& senhor Alredo- *enhor Alredo
a aBan@ar para nós com o cesto& nunca lhe aias sinal& nunca
comias bolos& traias uma garraNta de gua& ualuer coisa num
papel& limpaBas-te no a um guardanapo& ao teu len@o& o senhor
orge
senhor Alredo
o senhor Alredo no te cumprimentaBa seuer& mal te Bia
Qmal te Bia=S
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tinhas de recuar a cadeira uando ele passaBa com o cesto
Qaia de propósito& Bia-teS
a minha Nlha mais Belha
- Ela no tem dinheiro no K=
e a minha mulher com dó de ti
- +ala-te
a minha mulher a espreitar-te e uma garraNta de gua& ualuer
coisa num papel& tu em %aBira porue te disse& U procura da carteira
no casaco
- 9uero ue tu em %aBira
no
- ;osto de ti
no
- %enho saudades tuas
e o ue signiNca
- ;osto de ti
o ue signiNca
- %enho saudades tuas
o palha@o ue mandaBa nos outros- Est a Boltar a ele
e eu sem ue a minha Nlha me apertasse os dedos
- <oltar a ele o ue K=
U procura da carteira no casaco
- 9uero ue tu em %aBira
as paredes normais& o biombo pouco maior ue uma pessoa& tu a
recusares-me a carteira e um Binco na tua bochecha em ue no
atentara& um dente mais escuro em ue tambKm no e por insólitoue pare@a apreciei esse dente
QhaBia uma traBessa na ;ra@a sempre& osse a ue horas osse&
metade ao sol e metade U sombra& em ue nunca encontrei tanto
gatoS
- $o preciso da sua auda senhor
e mentira ue eu bem notaBa nas sandlias& na roupa e apesar
de mentira
QdJias de gatos& um deles de cauda branca e o resto listradoS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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no aceitaBas ue eu& no admitias ue eu& recusaBas-me a
carteira sem um gesto& com os olhos
- $o preciso do seu apoio senhor
se tiBesse adiBinhado ue no morreste em +oimbra eu contigo
garanto-te& apertaBa-te a mo uma duas trVs Bees& deitaBa um pingo
de aeite na bailarina e ela a girar& a girar
Q- epara na bailarina a girarS
morBamos no no ardim +onstantino& no teu rKs-do-cho
uase unto aos comboios e pode ser ue o meu pai no ue Binha de
Paris& Belho K claro mas aposto ue decidido a uma tarde no ponto U
pesca em %aBira nem em *intra& a assistirmos aos pombos da esta@o
ue o rpido de Madrid esparBoaBa& a nossa Nlha mais Belha
dierente da minha Nlha mais Belha& a nossa Nlha mais noBa igual U
minha Nlha mais noBa uase a chamar-me ue lhe percebo os modos
e eu homem contigo& palaBra de honra ue eu homem contigo& no
NcaBa na borda da cama a baloi@ar uma peJga ao ritmo da
trepadeira& no precisaBas de ter pena de mim& consolar-me
- 9uer ue dV corda U bailarina outra Be=
o palha@o Us cambalhotas na pista& eCagerado& ero& deundilhos pendentes a cumprimentar-me
- Menino menino
no& no
- Menino menino
o mKdico para mim
- Podemos melhor-lo se controlarmos os diabetes
a bailarina torta ue rodaBa aos solu@os& o Bago de Paris e o
meu pai a desdenhar-me- %rambolho
a bailarina imobiliaBa-se com os cotoBelos erguidos& de lado
para mim& tu igualmente de lado para mim a mentires-me
- $o me Bou embora no chore
e no estou a chorar ue patetice& estou bem& a minha mulher U
mesa no ardim +onstantino
- $o te apetece comer=
a minha Nlha mais Belha com a alcoa& o meu genro a alastrar no
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canapK& a minha Nlha mais noBa
Qno sei poruVS
a Ntar a irm& a eBit-lo& a esuecer-se da irm e a deiCar de
eBit-lo& pela atitude dos corpos estaBa capa de sugerir ue um
oelho& uma perna& o grupo da camilha a sorrir-me
- $o nos Bamos embora no chores
de repente inuietos prestando-me aten@o& um dia destes
uando menos espere dou por mim no retrato com eles a dissolBer-
me& a apagar-me& as minha roupas a tornarem-se cómicas& as minhaa
ei@Fes
Q- "escansa ue no choroS
um sorriso perpKtuo& mesmo ue se diluam h-de Ncar o sorriso
*empre 9uerido
e olhos plidos ue me no pertencem& de outro& continuando a
olhar& aueles com ue eu para a minha mulher& a dobrar o
guardanapo na argola
- +hega aui
o uarto da madrinha da minha me no para o ardim
+onstantino& para uma rua de loas de tecidos& pneus& chinesices&cedros& no tipuanas& cedros& tantos anos sem me ter apercebido ue
uma rua de cedros& a minha mulher ue no dobraBa o guardanapo
na argola& o traia consigo
- O ue oi=
e eu a echar a porta
Qa Ber-me echar a portaS
a caminhar para ela
Qa Ber-me caminhar para elaS- $o sou homem eu=
a segurar-lhe a cintura e ualuer coisa a rasgar-se"i-me na
cara se no sou homem eu=
tal como gostaria de perguntar ao meu pai"iga-me na cara se
no sou homem eu=
de uem nem as canas de pesca conserBei& deiCei-as no >eato&
esueci-me& as canas de pesca& o cesto dos robalos& a garraa do
aparador ue agora me aia eito conorme aia eito ao primo
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+asimiro
- <ais Ncar a pensar nele toda a Bida peuena=
e o bigode para cima e para baiCo& o primo +asimiro um bigode
ue insistia
- <ais Ncar a pensar nele toda a Bida peuena=
cedros no uarto do ardim +onstantino& a mobRlia cedros& o
reposteiro cedros& o cruciNCo cedros& eu para a minha mulher& para ti
- "i-me na cara se no sou homem=
apanhar-lhes o cabelo& mago-las& obrig-las a alarem-me
comigo& a minha Nlha mais noBa no corredor
- Pai
Qe o ue K
- Pai
o ue signiNca
- Pai
o ue me interessa
- Pai
se me apertares a mo uma duas trVs Bees eu no aperto a tua&
Nca sabendo ue no aperto a tua& a seguir aos palha@os BVm oscaBalos& deiCa-meS
a minha Nlha mais noBa contra a porta em silVncio com medo do
circo& perdoa no te pegar ao colo auelinha
Qsaiu-me o teu nome Biste=S
no sou pessoa de conBersas& de colos& no dou troco a BocVs&
resolBo os problemas de damas do ornal
Qas brancas ogam e ganhamS
arrumo-me a um canto& Nco mudo na sala& se porBentura aminha irm
- $o d aten@o ao seu neto pai=
o ue ele supunha interesse& o ue ele supunha um sorriso& o
meu pai nas otograNas da camilha& no no so connosco& olhos
plidos ue no lhe pertenciam& de outro& continuando a olhar para
nós& onde oi
- Onde oi buscar esses olhos senhor=
aueles com ue esbarro neste retrato de %aBira& a praia& toldos&
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o homem dos bolos
Qno estou certa mas senhor Hugo parece-meS
de camisa branca e cal@as brancas para a gente pensarmos
Qacho ue no senhor Hugo& senhor 3lBaroS
ue a higiene dos bolos& no micróbios& cuidado e assim& no
apenas camisa branca e cal@as brancas& uma espKcie de biBaue
branco tambKm e depois os dedos suos e a barba remanchada& a
bolsa do dinheiro a tiracolo ue lhe enodoaBa a cintura
Qsenhor AnRbal& senhor Aonso& no& senhor Alredo& de repente
lembrei-meS
e no era o meu pai ue o chamaBa& era a minha me
- +hegue aui
a leBantar o pano e a espreitar para dentro& mais noBa ue eu
agora e na minha opinio BelhRssima& trinta anos para aR
Qou cinuenta ou sessenta porue cinuenta ou sessenta a
mesma coisa ue trinta& eu a pensar
- "urou tanto tempo ue no deBia estar BiBa ue horrorS
um dos dedos do pK
Qo peueninoSa ue altaBa a unha& a enBelhecV-la mais& mudaBa-nos a roupa e
nós enBergonhadas& nuas& toda a praia ia reparar ue nós nuas
- Olha auela
Quanto mais parecia ue no mais as pessoas reparaBam como
uando a minha me
- $o se repara nos coCos
e a gente a reparar U socapa come@ando por ela ue se BoltaBa
na rua- %o coCo meu "eusS
nós a colocarmos dJias de cotoBelos e oelhos U rente& nós pior
ue coCas& ue cegas& enroladas na toalha& a minha me
marimbando-se para a Bergonha
- $o te meCas ue chata
e só nessas alturas me daBa ideia
Qno posso aNrm-loS
ue o meu pai a espreitar a mulherita dois toldos adiante e a
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mulherita
QdaBa-me ideia tambKmS
a espreit-lo a ele e digo daBa-me ideia porue a acontecer uma
coisa rpida& uma uesto de segundos& sentia os corpos de ambos
mais tensos& uma mudan@a na eCpresso ue no seria capa de
deNnir e no estou segura de ser capa hoe em dia& a minha me
acabaBa de mudar-nos e enuanto o senhor 3lB
o senhor Alredo tornaBa a passar com os bolos& o senhor
Alredo ue me aprendeu o nome
Qse calhar a praia inteira aprendeu-me o nome U custa de me Ber
nua todos os diasS
- auelinha
eu a apanhar uma ponta de cigarro da areia para ue me
cumprimentasse com respeito
Q- Perdoe se ui indelicado senhora dona auelS
ao perceber ue eu crescida& a umar& a minha me
- Larga imediatamente isso
e a senhora dona auel ue remKdio
Qno me deu outra alternatiBa me& sinto muitoSa apontar-lhe a pistola do indicador e a mat-la& a minha me
apesar de morta ou ignorando ue morrera
- $o te mandei largar isso=
Qos ue ignoram estar mortos so os piores de aturarS e o
resultado oi o senhor Alredo& num primeiro tempo admiratiBo ue
se lhe notaBa na eCpresso
Q- ANnal enganei-me K to crescida ue umaS
a mudar o cesto de bra@oQduas gaiBotasS
e a desconsiderar-me
- ,ma ponta de cigarro ue porcaria auelinha
duas gaiBotas no parapeito do restaurante a obserBarem com
inBea um alguidar de marisco& uma nuBenita redonda encalhou
num telhado e Ncou a aguardar ue uma alma caridosa decidisse
tir-la& eu para eBitar conBersas
Q- Auda-me
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e tal e coisa ue bem lhes topo o eitioS
alertando a nuBem a ue ninguKm daBa aten@o
- +omigo no contes
U medida ue as gaiBotas se iam chegando ao marisco& ue
estamos a nas gaiBotas sempre gostaBa ue me eCplicasse como se
distinguem as gaiBotas-rapaes das gaiBotas-raparigas
- 9ual a dieren@a entre uma gaiBota-rapa e uma gaiBota-
rapariga me=
eu de cigarro nos dentes disposta a deiCar de umar em troca de
esclarecimentos U sKria& a mulherita dois toldos adiante& ue
continuaBa a arrepender-me no a ter morto com o dedo tambKm&
aundando-se no crochet& o empregado do restaurante em Be de
elucidar-me
- As gaiBotas-raparigas
pegou numa Bassoura& eCpulsou-as e o resultado oi o cachorro
de uma cliente horas a No a ladrar-lhe eito parBo atK descreBer uma
curBa sobre si mesmo
Qual a rao da curBa sobre si mesmo=S
antes de se deitaruantas ocasiFes& U noite& continuo a pensar nisto& cheguei ao
ponto
palaBra
de descreBer uma curBa para compreender& o carneiro mal
morto estendido na minha cama
Q- %enho a gaa no bolsoS
- O ue ests a aer cunhadinha=
no preocupado com as horas porue atK Us sete podia- A tua irm oi com o crian@o ao mKdico Bem c ao patro
maroteca
e o mindinho em gancho a encolher e a esticar& dobraBa tudo
pelos Bincos num cuidado lento
- Aguenta aR no me abraces
nunca descal@aBa as meias& U saRda procuraBa cabelos no
casaco& esticaBa o peitilho& beliscaBa-me a bochecha abanando-a
- %anto tempo a aeres-te de cara para uV cunhadinha=
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se o meu dedo ainda uma pistola ele de bru@os no cho mas com
o tempo essas Birtudes perdem-se& aponta-se& dobra-se o gatilho do
mKdio e nem pólBora molhada seuer& o dedo sem prKstimo
QdeiCmos crescer as unhas& K a nossa asneira& e desaparece o
reBólBerS
de orma ue o carneiro mal morto& BiBo da costa
- Anda c
como se calhar o meu pai em %aBira& como se calhar nesse
domingo no ardim +onstantino
Q"eus sabe o ue detesto o ardim +onstantino& auele
rectWngulo sem gra@a& auelas rBoresS
uando dobrou o guardanapo na argola a ordenar U minha me
- +hega aui
uase a trat-la mal& a minha me acompanhando-o a estranhar
- O ue oi=
uma Bolta de chaBe na porta do uarto& um silVncio e no silVncio
- O ue oi=
o Bento a mudar de leste para norte arrastando o sol consigo& o
ardim +onstantino& sem sol& da cor da insónia e da angina& assombras no interior da casa aumentando a sombra l ora& os cedros
das traseiras a escurecerem o uarto& ualuer coisa
Qum rasco& um solitrioS
ue tombou a rolar& uma das molas da cama& outra mola& a
minha me no
- $o te meCas ue coisa
no
- $o te mandei largar isso=calada& eu
- Pai
ulgo ue eu
- Pai
sem entender porue eu
- Pai
eu apenas
- Pai
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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aTita como uando os palha@os no circo e a mJsica aos gritos&
eu ao seu colo sem estar ao seu colo& uieta no meu lugar mas com a
certea de BocV entender ue eu ao seu colo senhor& eu no
- Pai eu
- Paiinho
e logo ue eu
- Paiinho
a gaiBota-rapa e a gaiBota-rapariga Boltaram ao restaurante
com uma gaiBota-rapariga com elas& mais eminina& mais dócil no
sei se por causa do marisco se por causa da gente e digo gaiBota-
rapariga porue se aparentaBa a mim& a orma de caminhar& o cabelo
pintado& o modo de pedir
- Pai
as gaiBotas-raparigas do >eato paiinho por cima de BocV no
ponto& um senhor a umar& de chapKu& num rolo de cordas& um
petroleiro ue atK hoe nunca Bira a adornar nos cani@os& a gaiBota-
rapariga contra a porta do uarto no ardim +onstantino
Qas sobrancelhas a lpis& o cabelo pintadoS
enuanto rascos e solitrios a rolarem no cho e BocVQacho ue BocV& uma gaiBota-rapaS
- "i-me na cara se no sou homem eu
uma gaiBota-rapa mas diRcil de perceber dado ue de costas no
retrato ue a minha irm tirou
Q- Prometo ue só umaS
e no retrato um Wngulo de ombro e um bocadinho de nuca ue
tanto podia ser dele como de outra gaiBota ualuer& uma otograNa
de praia de muina barata ou sea areia& toldos& as ondas nem simnem no& antes concebidas ue Bistas como nos telFes do >eato
QaltaBa-lhes a menina a remarS
acinentando-se ao undo& o senhor Hugo
o senhor 3lBaro
o senhor Alredo a caminhar para nós com o cesto dos bolos& a
caminhar para nós uma or@a de eCpresso porue eu uma gaiBota-
rapariga ue no Ncou na pelRcula& alis no bem uma gaiBota-
rapariga& uma gaiBota menina
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Qcinco anos no mCimoS
a abrir uma coBa atK ao centro do mundo na ual coubessem o
ardim +onstantino& a minha me& a minha irm& o carneiro mal
morto& o crian@o& a mulherita ue aia crochet sem olhar para a
gente& se alguKm crescido perguntasse
- O ue ests a aer=
respondia logo
- Estou a abrir uma coBa atK ao centro do mundo
e podem rir-se U Bontade ue no me perturba& eu sei& sei ue
todos na coBa atK ao centro do mundo& sobrBamos c em cima o
meu Belhote e eu e no preciso de lhe apertar a mo uine nem sete
nem uma Be seuer dado ue os palha@os acabaram& esto a chegar
os caBalos e eu sem medo nenhum& sem necessitar de BocV& eu
soinha no meu lugar em pa& eu serena& U medida ue os penachos
passaBam por mim num galope eli.
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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DÉCIMA FOTOGRAFIA
Esta K a otograNa num restaurante da >aiCa dos cinuenta anos
de casados dos meus pais: tem seis meses se tanto e l estamos nós U
mesa& a minha me e o meu pai de sJbito to Belhos ue me custa
reconhecV-los
Qapesar de tudo uando se meCem repara-se menos na idade&
eCiste alguma Bida dentroS
o meu pai de colher na mo& a minha me& consciente do retrato&
a endireitar a gola
Qdedos dierentes dos seus& magros& torcidos e ue no entanto
lhe pertencem
a alian@a dela& o anel dela
apesar da diNculdade em achar o BestidoS
a minha me e o meu pai sentados e nós de pK U Bolta& a minhairm& eu& o meu marido& o meu Nlho& o empregado com a traBessa U
espera& um uadro ue se distingue mal
Qo mar=S
ui eu ue trouCe a muina& a estendi ao gerente& pedi-lhe
- $o se importa=
Qem miJda roubaBa a do meu pai em %aBira e ugia a apont-la
Us ondas& aos Biinhos de toldo& ao homem dos bolos
senhor Alredoue de de em de metros poisaBa o cesto a descansar& lembro-
me das costelas muito depressa e ue U noite& sem cal@as brancas
nem camisa branca& com uma roupa como a nossa em mais usado& o
encontrBamos no balco da esplanada& de narinas eroes& a beber
aguardente com o mindinho em argola
se calhar teBe estudos
consoante me lembro de tentar compreender o ue aria no
inBernoS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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a boca do gerente sob a muina
Qa cara do gerente apenas bocaS
- Apertem-se para no Ncar ninguKm de ora
o meu pai a perder sopa pela colher inclinada& a minha me ue
no entendera e ulgaBa ue a censuraBam
- %enha termos
o meu marido& cuo cabelo diminuRa& contra a minha irm&
ultimamente o Rgado
Qou pelo menos ele
- ,ltimamente o Rgado
e a palma na barriga a seguir a comer& cautelosa& eCplorandoS
ultimamente o Rgado amolecia-o no cadeiro onde se escutaBa a
si mesmo contando e recontando as BRsceras em silVncio
Qos lbios
- 9uatro cinco seisS
no pWnico de altar alguma& se suspeitaBa ue eu iria alar-lhe
guardaBa as ue tinha separado
$o me interrompas
e recome@aBa a soma a partir da BesRcula ou do ba@oQ- "e one doeS
deiCndo o cora@o para o Nnal conrome com os oBos estrelados
cortaBa a clara em Bolta e terminaBa na gema& acabando de contar
metia tudo no corpo& alinhaBa um rim ou a aorta na aten@o com ue
se corrigem molduras& acompanhaBa o trabalho das glWndulas& do
sangue& da medula dos ossos a acertar-se pelos ponteiros de relógio
em punho& sentia-o de olhos abertos na cama porue o pWncreas
Qa tiróide=So chamaBam e ele ue nunca se debru@ou para o Nlho debru@ado
para o pWncreas
Qa tiróide=S
- O ue h=
ele um co de rebanho conduindo auelas oBelhas esponosas
ao comprido dos dias& um homem sem nome substituiu o senhor
Alredo na indJstria dos bolos atK um bar na praia o substituir por
seu turno& os Biinhos de toldo mudaram eCcepto a mulherita ue
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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chegaBa de camioneta na tarde em ue chegBamos& enNada mais as
agulhas no interior do crochet& nunca pensei ue um naperon
peueno escondesse uma pessoa inteira e escondia& a minha irm
no Binha connosco& o meu marido NcaBa a somar duodenos em
Lisboa e a aumentar as plpebras no espelho da barba calculando
anemias enuanto eu& Binda do sono em pe@as separadas sem
nenhum papelinho a eCplicar& aparausaBa articula@Fes& trocaBa
cotoBelos e BKrtebras diRceis de encaiCar no len@ol da manh
Q- Este pK em ue sRtio este oelho onde Nca=S
a impresso ue me altaBam polegares e sobeaBam tRbias ao
caminhar no uarto& a cabe@a a deseuilibrar-se porue me enganei
num mJsculo& a rótula tomada por engano
Qse calhar do meu maridoS
obrigando-me a mancar& ele e a minha irm untos na otograNa&
o meu Nlho e eu do lado da minha me e o empregado da traBessa
entre nós& no a NCar a obectiBa mas osse o ue osse nas costas da
minha irm& eCactamente a curBa de uando a minha me lhe
acariciaBa a nuca a apresent-la Us Bisitas
- A minha Nlha mais noBae ela a desBiar-se
- " comicho largue-me
ao passo ue no caso do meu pai embora no me recorde do
meu pai nos beiar uanto mais& tinha a certea ue ela obediente&
deiCando& portanto Bisto ue a minha me sentada e o meu pai a
entornar a colher restaBam o empregado e o meu marido para lhe
acariciarem a nuca& o empregado no deriBado U traBessa e U
surpresa na cara de modo ue o meu marido um dedinhoQou a palma inteiraS
deBagar na pele dela& o meu Nlho
Qum espeBitado de deoito anos ue o tempo passa na mecha&
ainda h segundos outubro e outubro outra BeS
a aer-me cornichos de tro@a& o Bestido na primaBera largo e no
outono no& o dedinho
ual dedinho& a palma na cintura da minha irm& no rabo& o
pesco@o mais curBo& ela a desBiar-se
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- " comicho largue-me
e also& erro meu& a consentir& uando comecei a namorar olhaBa
o prKdio da rua e a minha irm na cortina a cocar-nos& despeaBa o
meu perume& escondia-me o baton& se me ueiCaBa U minha me e a
minha me lhe ralhaBa o meu pai a interromper os ralhos
- chega
ele ue nunca interrompia nada& nem seuer daBa por nós& se
lhe abria a porta na Bolta do emprego eu em bicos de pKs
- Pai
e uma bochecha ue se ia embora antes de conseguir alcan@-la&
eu a insistir
- Pai
e palaBra alguma& silVncio& se a minha irm lhe abria a porta a
bochecha ia-se embora tambKm& silVncio tambKm e contudo achaBa-
me pronta a aNan@ar ue um entendimento entre eles apesar da
minha irm a eBit-lo& durante as otites por eCemplo
- $o o uero aui
e todaBia escindido no
- $o o uero auia anga de gostar do meu pai e a detest-lo por isso& um No de
Bo ue comandaBa
- ProRbo-o de entrar no uarto senhor
e ele para meu espanto caminhando na direc@o da sala a
submeter-se U Boinha& a errar a solu@o do problema das damas
Qas brancas ogam e ganhamS
a regressar se ela dormia para a acompanhar de longe no
preteCto de um obecto ualuer de ue no precisaBa no armrio douarto& o meu pai de caneta ou chaBe de endas ou manipulo de
torneira na mo e a caneta& a chaBe de endas& o manipulo de
torneira eram a minha irm ue eu bem Bia pela maneira de pegar-
lhes& de os manter na palma demorando-se neles& de aer de conta
ue os esuecia continuando a segur-los& a minha me a agarrar na
caneta
Qou na chaBe de endas ou no manipulo de torneiraS
- O ue a isto aui=
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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e o meu pai a deendV-los de repente eri@ado& abrigando-os com
o bra@o
- "eiCa estar
atraBessaBa a casa iluminada pelos candeeiros do ardim
+onstantino ou sea escamainhas plidas ao comprido do tecto para
a Ber dormir& de punhos nos bolsos a impedi-los de saltarem do
casaco e se ocuparem dela& no daBa pela minha cama mais próCima
ue a da minha irm e eu no$o o uero aui
eu calada ou sea
- <enha
o meu pai sem atentar em mim Qno eCisto pois no=S
no eCisto para si consoante no eCisto para o meu Nlho& para o
meu marido
QeCisto para alguKm=S
o meu marido
- ,ltimamente o Rgado
e no eCisto ou eCisto para ninguKm& dissolBo-me nos trastes&
sou uma coisa a um canto& as Bees descobrem-me na sala a
consertar roupa ou assim& botFes uase soltos& meias& o meu marido- Ests aR=
a enNar-se no escritório& no uma pergunta& um enado& do
nosso apartamento o +asino U noite& as peónias do Estoril& uma
nesga de mar& o cheiro das peónias comigo o tempo inteiro& to
presente ue uase uma pessoa BiBa pronta a receber-me& U espera
Qas peónias um homem ue no se desgosta de mim& no se
aborrece se eu alar& me aceita U sua beiraS
uis morar neste sRtio pelo cheiro apenas& to intenso depois dachuBa& a descobrir-me& eu deitada para ue o cheiro descubra em
mim o ue o meu marido no sabe por no lhe interessar saber e o
ue eu no sabia ue sabia& os meus dedos o cheiro& a minha mo o
cheiro& um cheiro no de homem& de mulher
Qse conhecesse uma mulherS
os dedos dessa mulher o cheiro& as suas mos o cheiro& a
proessora de geograNa do liceu esse cheiro& mais Belha ue a minha
me& sem pintura& os olhos dela a medirem-me& olhos de proessora e
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de repente outros olhos& Bontade ue me medisse aendo-me
distraRda& nessa Kpoca o cheiro dos acarands& no das peónias& a
minha irm
- O ue ests a aer=
e eu no
- Estou com o cheiro dos acarands
como eCplicar-lhe
- Estou com o cheiro dos acarands=
eu
- $ada
o ue ulgaBa outros olhos olhos de proessora aNnal& no me
medindo& desprendidos de mim& uando muito
- $o se pode dar seno uma negatiBa no teste
e acarand algum& o marido alecido na guerra diiam& nunca
outros olhos& olhos de proessora somente& os acarands enganaram-
se& a minha irm
- Ests a chorar poruV=
e ainda ue uisesse responder no conseguia& se lhe contasse
das rBores- Os acarands
no acreditaBa em mim& ria-se
- +horar por meia dJia de rBores onde se Biu=
essas Torinhas delas ue hoe detesto& amarrot-las& rasg-las
- Enganaram-me
no tinham o direito de me enganar e enganaram-me& o marido
ue aleceu em 3rica& a proessora de geograNa no se incomodaBa
comigo- $o te posso dar seno uma negatiBa no teste
topei-a uma ou duas Bees a sair do cinema com um senhor de
orma ue se passaBa por um acarand no lhe sentia o cheiro& os
acarands no eCistiam conorme eu no eCisto& o meu marido a
enNar-se no escritório
- Ests aR=
surpreendido& a esuecer-me& eu a consertar roupa ou assim
QbotFes uase soltos& meiasS
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elimente ue as peónias em baiCo embora no acredite ue se
inuietem comigo& to mentirosas uanto os acarands& em
come@ando a anoitecer a nesga de mar transparente& risonha
Qos das caraBelas& l no tempo deles& uma Bida de santosS
ganas de teleonar U minha me e ela surda
- O ue K=
atK descobrir ue sou eu e come@ar com os lamentos& nem
- +omo ests Nlha=
nem
- O ue se passa Nlha=
ueiCinhas& a tua irm no se lembra de nós e no sei onde
mora& o teu pai sem poder com uma gata pelo rabo ue insiste Us
uartas-eiras em almo@ar com os colegas& elimente ue tu o teu
marido& o teu Nlho& sem imaginar ue eu nem marido nem Nlho& o
consolo das peónias e K tudo& se me deito o cheiro& ue possui uma
pele
Quma pele mesmoS
a ro@ar-me na pele& dedos ue guiam os meus
- Por aui por auichegando primeiro a mim mesma e audando-me a chegar
- Por aui
depois da chuBa mais lentos& mais certeiros& o seu cuidado
comigo& as suas aten@Fes
- Por aui
demoram-se nas ancas U minha espera& leBam-me consigo&
encontram-me& tenho-as neste prKdio& no prKdio a seguir& na
primaBera passada nos canteiros do +asinoQse conhecesse uma mulherS
se agora& aos uarenta e oito anos& conhecesse uma mulher ue
ao enNar-se no escritório no uma pergunta& um enado
- Ests aR=
cuos olhos se transormassem noutros olhos ou em partes suas
ue no ossem olhos e no entanto me compreendessem e por
conseguinte me Bissem reconciliando-me com os acarands da Pra@a
da Alegria& do ardim >otWnico& dauele sRtio de Lisboa ue no
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recordo o nome
Qseria +ampolide=
+ampolide no me pareceS
e de ue lembro os ediRcios& as ruas& o prKdio em ue a
proessora de geograNa moraBa porue a Bigiei Us escondidas& NcaBa
no BestRbulo a abrir a caiCa do correio e eu c ora senhora& com o
teste a ue no podia dar seno uma negatiBa no era
Qenganei-me nos usos horrios& nas ilhas dos A@oresS
enganei-me de propósito dado ue tinha a certea ue com uma
em mim. eu c ora enuanto BocV em lugar de reparar em mim ia
obserBando uma a uma& sem suspeitar ue eu acol& sem pressa& a
publicidade& as cartas& passaBa a da rente para trs e continuaBa a
estud-las sem as riscar com a caneta como riscaBa o ue eu escreBo
e na margem
!ncompleto
na margem
Errado
uando
!ncompletopor amor e
Errado
por amor& repare em mim& no presto& consoante o meu pai
reparaBa na minha irm ue no prestaBa tambKm
- $o o uero aui
e ele NcaBa& a proessora de geograNa sentada no degrau a ler
uma das cartas& a mir-la do outro lado& a tornar a ler e se calhar
!ncompletose calhar
Errado
eu com pena de si uase a atraBessar o passeio para o caso de
lhe agradar um consolo& uma auda
- $o puderam dar-lhe seno uma negatiBa senhora=
BocV a abanar a cabe@a sem dar por mim
Que deseitaS
a separar a carta& a subir as escadas mais deBagar ue o
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costume& a erguer& aos arrancos& o estore do primeiro andar
QBocV com óculos agoraS
a permanecer contra o Bidro sacudindo o enBelope batendo-lhe
com as chaBes e eu numa aTi@o& comoBida& se hoe no Estoril lhe
mostrasse as peónias talBe se distraRsse da carta& colaborasse com
os botFes& as meias
Q- #a assim a assadoS
me ensinasse os actores de eroso
Qaos uarenta e oito anos os actores de eroso compreende& aos
uarenta e oito anos só actores de erosoS
os rios de !tlia& o mistKrio dos Bentos& a nesga de mar enegrecia
sem lues& a insRgnia do +asino ia aulando a sala& o meu marido sem
dar por si
- $o ligas o candeeiro=
e no ligaBa o candeeiro Bisto ue se ligasse o candeeiro o
cheiro das peónias eBaporado& a ugir-me
Qa ugir-nosS
e BocV a ugir-me igualmente da memória& acho ue o cabelo
castanho ou pretoQpreto talBeS
no me recordo das ei@Fes& recordo-me da maneira de colher o
gi& anunciar
Qum cRrculo sobre cada palaBra no uadro& a ponta do gi a
teimar pac pac& a roupa ue nunca se lhe austou Tutuando nas
ndegas
- $o sou m em costura eu audo-a
e ela sem me ouBir- Ora c temos os actores de erosoS
uando os actores de eroso so o corpo ue no pra de
espessar--se& os artelhos ue engrossam& eu incapa de correr em
%aBira
- $o me apanham
e por conseuVncia eu numa cadeirita de lona como a Biinha
dois toldos adiante& os actores de eroso so o meu marido& ue no
me procura h um ano& no eCtremo oposto da cama enuanto eu Us
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Boltas com as peónias ue mesmo sem chuBa se dilatam& me meCem&
me conduem a mo& eu prestes a pedir-lhe auda
- Pedro
para ue me deenda das Tores& acho ue acredito em "eus
QdeBo acreditar em "eusS
mas no me Bale nunca& as plantas uma espKcie de ebre& o
colcho inNnito e o meu marido perdi-o& uer dier se eu ora da
cama notaBa ue o colcho peueno& se l dentro no acabaBa
palaBra& uilómetros e uilómetros para encontrar uma respira@o&
um bra@o ao passo ue o resto do apartamento& muito menor ue a
cama& as dimensFes de sempre& as peónias tornaram tudo to
incompreensRBel& diRcil& estes dedos l em baiCo ue deiCam de ser
meus& os meus no to Nrmes& to agudos& a desencantarem uma
saliVncia& a insistirem na saliVncia& eu
- Acredito em "eus acredito em "eus
e deriBado U saliVncia eu do tamanho da cama& maior ue a
cama e& mal o nerBo da saliVncia me abandona& a cama a caber no
Estoril primeiro e no apartamento depois& "eus resolBeu interessar-
se e nenhuns dedos& nenhum nerBoQno
- Acho ue acredito
acredito& tiBe uma medalhinha de $ossa *enhora em miJda& um
dia no a senti no pesco@o& espero ue "eus no se angueS
na nesga de mar uma claridade cinenta& por um instante o
calcanhar do meu marido e a proessora de geograNa esuecida&
nunca ui ao +asino& escutaBa a mJsica& os carros& Bia as pessoas na
entrada& procurei a medalhinha no traBesseiro& no choQ$ossa *enhora de LurdesS
e em Be da medalhinha ganchos de cabelo& um alNnete& uma
moeda onde no lugar da santinha epJblica Portuguesa e um homem
de perNl& o meu pai uase de perNl no retrato dos cinuenta anos de
casado a escorregar untamente com a sopa do interior da colher& a
cada Bisita ao lbum tem uma idade dierente& ontem por eCemplo a
idade em ue leBou a minha irm ao circo& no diia o meu nome mas
em duas ou trVs ocasiFes escutei-o
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- auelinha
no aectuoso& tentando ue o
- auelinha
uma palaBra sem importWncia a tombar-lhe da lRngua por
descuido& a minha me
- $o leBas a outra=
e o
- $o leBas a outra=
"espreado sem ue ninguKm o apanhasse& no dia seguinte
ainda o achei na sala
Qno achei a medalha mas achei a pergunta
- $o leBas a outra=S
suspenso de um espaldar& altaBam-lhe letras
- $o as trago
O ponto de interroga@o& o til& uando a pergunta intacta
- $o leBas a outra=
o meu pai a despedi-la com a mo
Qno o bra@o inteiro& a mo& a pergunta uma moscaS
no sentido da Baranda& por sorte o casti@al do piano onde Ncouenredada impediu-a de sair de orma ue o
- $o leBas a outra=
uma chamainha de Bela& o meu pai para a minha irm num tom
de ralho& angado
Qas rBores do ardim +onstantino no cheiraBam a nadaS
mandando-a traer o casaco
- <ais ao circo percebes=
Qpassado um bocadinho uma corrente de ar e a perguntaeCtinguiu-seS
as rBores do ardim +onstantino nem a rBores cheiram&
uando muito cheiro de cola& papel de seda de olhas& cartolina de
galhos ue uma tesoura canhota recorta ao acaso& um som de
enciclopKdia nas copas com o rioinho da tarde& reTectindo melhor
sei l se acredito em "eus& ulgo ue no acredito& no caso de me
encostarem U parede
- Acreditas em "eus=
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e me obrigarem a ser sincera eu calada& suspeito ue se estiBer
com otite acredito mas a otite d-me sono& interpFe um encolher de
ombros entre mim e o resto& o aspirador da empregada& uma oitaBa
mais graBe& engole o apartamento de mistura com "eus& deBe ter
comido as peónias porue no dou por elas& no Nm do antar o meu
pai estudaBa na sala dobrado sobre o tampo de cotoBelos em cima&
sem maneiras embora no um garo& lapiseira& leBaBa a lapiseira U
boca com a gramtica inglesa e mastigaBa a gramtica& se um Berbo
o aleiaBa ia com a unha e titaBa-o& limpaBa o Berbo Us cal@as
Q- Acredita em "eus pai=S
ou sublinhaBa as olhas das rBores do ardim +onstantino ue
cheiraBam a liBro a tomar nota delas em cadernos e as rBores em
outubro& daBa-me conta dos dentes
Qdois dentes& uma alha no meioS
uando as repetia em silVncio& ao Ncar doutor leBou-nos U outra
ponta da cidade a tirar o retrato& umas hortas unto ao rio ue a
minha irm achaBa eio e eu bonito
Q- A sKrio ue bonito paiS
- Morei aliQum dia destes mando-o buscar o casaco e leBo-o ao circo
comigo& eu angada a ralhar-lhe isto K a aogar coisas no interior de
mim ue preNro no reBiBer& ue disar@o
- <ai ao circo comigoS
BocV
- Morei ali
um degrau& uma anela sem Bidro& um ponto com um rolo de
cordas ao undo& BocV- O ponto
no ponto um homem de chapKu a umar preparando canas de
pesca& a minha me para o meu pai
- 9ual homem=
ue incompreensRBel a minha me no Ber& a gente BRamos pai&
BocV a aproCimar-se dele a dar K ue eu notaBa& a estacar ma@ado
comigo por lhe impedir o homem
Q- 9uem K o homem paiinho=S
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e ento uma caBe com ocos& telFes& cenrios de meter a cabe@a
de ue os !odos da Baante iam roendo a pintura& o %eo a acotoBelar
as paredes e um sueito a nascer de uma muina e a Balsar-nos em
torno com um sauito de polBo
- Pimpolho
designando uma cadeira de Beludo ue ia limpando com a
escoBa e apesar de limp-la continuaBa sua& o meu pai e ele& por
raFes obscuras& considerando-a importante
- *enta-te aR onde a tua me contigo ao colo pimpolho
QaNnal no obscurasS
U medida ue os ocos se acendiam a custo reBelando
inutilidades& ornais Belhos& mais poeira
Qse me encostassem U parede
- Acreditas em "eus=
respondia
- Acredito
pelo sim pelo no preNro acreditar em "eus& no me a mal
nenhum& a gente di
- Acreditoe "eus& ue remKdio& aceita ue acreditamos e ocupa-se dos
*eus negócios ue na minha perspectiBa deBem ser uma lua-lua
pegada com toda a gente a interrompV-lo o tempo inteiro coitado e a
pedir-Lhe milagres& só doentes nos hospitais no K& apaBorados com
a morte& a importunrem-no. as dJiasS
ornais Belhos& mais poeira& um sapato sem atacadores& ao
contrrio
Qoi o rio ue deiCou=Sdetritos de naurgio ue o tempo abandonaBa& a minha aBó& ue
no conheci& na cadeira
Qa minha me e a minha irm no perceberamS
a agitar-se
- PoruV=
e o meu pai para mim ao notar ue eu escutara a pergunta& no
em Bo alta& a Nngir-se calado
Qe para a minha me e a minha irm caladoS
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- $o lhes contes
se caRsse na asneira
Qno caio na asneiraS
de lhe alar na me atiraBa-me logo
- $o tiBe me sou soinho
eCigindoue me contentasse com a resposta e contento-me com
a resposta pai& como BocV uiser& como lhe der na gana& se decidir
ue soinho K como acreditar em "eus& no me apetecem discussFes&
aceito& no teBe me& K soinho e estamos conBersados pai& parece-
lhe ue andorinhas do mar e andorinhas do mar& seam andorinhas
do mar& no comento& ao ponto a ue chegmos concordo com tudo&
no teBe me& K soinho& o sueito da Photo oIal Lda
- A tua me contigo ao colo pimpolho
e no alou em me nem em pimpolho descanse& mania minha&
inBentei& morou ali& na anela sem Bidros& soinho& uma barraca
semelhante a esta caBe ue se inclina ao aundar-se no %eo& um telo
com uma menina a remar& as cotoBeladas das ondas& o sueito a
emocionar-se
- Olha onde tu chegaste pimpolho Ks doutorcomo se o meu pai osse doutor por ele igualmente ou pelo
bairro inteiro e bem Bistas as coisas se calhar era mais lógico ue
no pimpolho me& o meu pai no um bebK de montra como esses aR&
um adulto
Qem %aBira a mulherita dois toldos adiante
haBia alturas
no tenho a certeaS
a Ntar o sueito ue aperei@oaBa os ocos no como umpimpolho K óbBio& um caBalheiro& um doutor
- Endireita-te como os doutores pimpolho a uma cara de gente
haBia alturas
Qno tenho a certeaS
haBia alturas& no me perguntem como& em ue me daBa o
pressentimento ue a mulherita e o meu pai uma intimidade entre
eles& no se cumprimentaBam& no ligaBam um ao outro e no entanto
ia urar mesmo no tendo a certea
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Qeu mais segura disso& salBo sea& ue da eCistVncia de "eusS
ue um no sei como se eCprimia entre eles do tipo da
proessora de geograNa
- $o posso dar-te seno uma negatiBa no teste
e os olhos a medirem-me& olhos de proessora e de repente
outros olhos& estou certa agora& aos uarenta e oito anos& ue se
demoraBa de propósito no BestRbulo a eCaminar o correio e eCaminar
o correio era a sua orma de chamar-me
- Anda c
ao aparecer U anela com a carta insistia
- Moro no andar assim assim anda c
se tocasse nem uma pergunta nauelas ranhuras abaiCo das
campainhas nas uais as Boes nos interrogam ordenando entre
estalos
- 9uem K=
portanto se tocasse
Quarenta e oito anos para aprender isto& ue idiotaS o echo
elKctrico logo aberto
QplicSe eu para mim
- #oste to estJpida tu
plic ou sea
- Entra
a porta ue desanda antes de se chegar ao capacho e eu
surpreendida com a casa& uem me d negatiBas nos testes no pode
morar entre móBeis mais escuros ue os do ardim +onstantino&
consolas& escriBaninhas& arrFes& deBia ter um apartamento cheio deglobos terrestres& mapas
Qo sueito da caBe a regular a muina
- LeBanta-me esse ueiCo pimpolho
e só ento reparei ue as noiBas daBam ar de gaiBotas& uatro
ou cinco de grinalda desraldando os seus BKus a espadanar no
pontoS
e nem globos terrestres nem mapas& cómodas como nós& uma
criatura de idade com um rasco de detergente ue a trataBa por
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menina& um homem numa moldura
Qo marido da guerraS
comportando-se com ela U maneira do meu pai com a mulherita
de %aBira& no a cumprimentaBa& no daBa mostras de conhecV-lo e
Bai na Bolta eu a entender
s
QeCactamente dessa maneira& s& no entendemos mas
entendem& Bendo bem era isto e tudo a articular-se& episódios ue
no aiam sentido to ceis agoraS
a proessora mais idosa ue a minha me& sem pintura& os olhos
a medirem-me& antes ue outros olhos a moldura do homem e outros
olhos nenhuns& o cheiro dos acarands a eBaporar-se de sJbito e
adeus Torinhas brancas
Qno ardim da Estrela penso ue h e contudo o ue me Ncou do
ardim da Estrela era o rapa ue se aproCimaBa& abria a gabardina
- %omem
tornaBa a ech-la a solu@ar palaBrFes e desaparecia a correrS os
olhos da proessora nunca outros olhos& BacilaBa& apercebia-se da
criatura de idade com o detergente- Menina
e acho ue deriBado U criatura de idade& no ao homem da
moldura& um soslaio U criatura& um soslaio ao homem& o soslaio a
regressar U criatura& no era a mim ue media era a ela atK ue um
sopro cansado
- X melhor ires-te embora
uando a proessora daBa aulas o nari moBia-se-lhe& a minha
colega de carteira o mesmo com as orelhas& concentraBa-se& NCaBa ouadro preto
- epara
e as orelhas aastando-se e untando-se ao passo ue o nari a
alargar-se e a aNlar-se sem a proessora atentar& de tempos a tempos
a meio da aula a intui@o ue me obserBaBa& um cheiro ue eu no
sabia o ue era e hoe sei& peónias& as peónias depois da chuBa& to
presentes uanto uma pessoa BiBa& U espera de me receberem
consoante a mulherita dois toldos adiante
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Qperdoe dier isto meS
U espera de receber o meu pai& a minha mo ue principiaBa a
prender as minhas pernas& a minha barriga e eu espantada com a
mo& a proessora recome@aBa a aula e a minha mo suspensa& penso
ue errei uase tudo no Jltimo teste e no entanto a proessora a
inclinar-se para mim
- $o K uma negatiBa descansa
no a Bo do liceu& um suspiro rpido& a colega das orelhas
- O ue se passa com ela=
no precisamente um suspiro rpido& esses guinchos de prKdio
- 9uem K=
só ue em lugar de
- 9uem K=
um segredo entre silBos a urar-me o ouBido
- $o K uma negatiBa descansa
a proessora a dirigir-se U secretria dela
Qse eu conhecesse uma mulherS
isto no Nm do Jltimo perRodo e no ano seguinte um cretino
dissertando no estrado sobre a deriBa dos continentes e a origem dasmon@Fes& no prKdio da proessora ninguKm& a caiCa do correio
lacrada& a anela Baia& touei e o echo elKctrico mudo& a porteira
ue Barria os degraus
- E uma das aNlhadas dela BocV=
e eu a trotar para casa& no me apetecia respirar& no me
apetecia comer& a minha me
- O ue oi=
a minha irm peBa& passou-me pela cabe@a ue tinha adiBinhadoe odiei-a
- Odeio-te
o acto de no alar deu-me a certea ue adiBinhaBa& sabia& as
rBores do ardim +onstantino
- *abemos
prontas a contarem U minha me& eu antes ue lhes Biessem
ideias
- $o sabem nada BocVs
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só reencontrei a proessora no Estoril com o cheiro das peónias
se as rBores do ardim +onstantino sincerasS
- *ó te posso dar uma negatiBa no teste
os canteiros to presentes ue uma pessoa BiBa a conBersar
comigo& sobretudo depois da chuBa eu em casa da proessora outra
Be& arcas de cWnora& louceiros& coisas ue se herdam dos parentes e
os parentes a anunciarem sem ei@Fes& sem corpo& dos interBalos das
tbuas ou do empenado de um gono
- ulgaBas ue alecemos no era=
os parentes um alNnete de graBata na cristaleira& um selo com a
rainha& um peda@o de Nta
- $o alecemos garanto-te
e no entanto se nós
- <enham c
retraRam-se& tornaBam-se esses climas lilases ue continuam a
desprender-se das caiCinhas de costura e dos boiFes de brilhantina
Baios& a proessora de geograNa nem caiCinhas nem boiFes& peónias&
os meus dedos parados na barriga& ansiosos
Q"eus K um ser omnipotente criador do +Ku e da %erra& acreditonele.& uro pelo meu Nlho ue acredito neleS
e a cama sem aumentar& o meu corpo echado& a minha me
soinha desde noBembro no ardim +onstantino& surgia-me na cabe@a
ue apesar da poltrona sem ninguKm a ualuer momento o meu pai
com o problema das damas
Qas brancas ogam e ganhamS
no& o meu pai antes de sumir-se de noBo& desatento do
problema das damas- #i o ue pude Nlha
pela primeira Be
- #ilha
o meu pai nunca
- #ilha
no Bou garantir mas pode ser ue para a minha irm
- #ilha
comigo no e todaBia agora& unto ao piano& sem ue a minha
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me reparasse& de ornal a escapar-se-lhe do colo uando ele se
leBantou& se dirigiu ao corredor e os passos cada Be mais leBes dado
ue de sJbito o corredor compridRssimo& portas de um lado e outro e
abrindo as portas os nossos uartos primeiro e depois os parentes de
uem herdmos a mobRlia e deiCmos sem nada& Us Bees aTige-me
ue os deuntos to pobres& procurar uma nota na carteira e
entregar-lhes
- %omem
os parentes ue no entendiam o dinheiro moderno a
mostrarem--na uns aos outros duBidando de mim& se abrRssemos as
portas do corredor l estaBam eles
Qcamaeus de porcelana& raues& sombrinhasS
anunciando por intermKdio dos interBalos das tbuas ou do
empenado de um gono
- ulgaste ue alecemos no oi=
e na realidade ainda ali estaBam& de polainas& pince-ne& cabelo
diBidido ao meio
Qos boiFes de brilhantina BaiosS
aeitando os craBos da botoeira& eu curiosa- O ue comem BocVs=
cabaes de piueniue& um serBi@o antigo& rachado
Qpratos com monograma& desenhos& canecas sem asa ue
perderam o Berni do rebordo& BV-se o barro por baiCo
- X por aui ue bebem=
num undo de armrio descobri luBas& carimbos roCos de loa
QAlmeida ] Lima& PharmaciaS
ue no carimbaBam& os tristes& porue a tinta secou& aplicaBam-se num papel e o Almeida somente& o Lima e o Pharmacia um
borroito rosado& eu a inorm-los
- Acabou-se o negócio
e apesar de acabado o negócio os parentes com acanhamento de
aceitarem a nota& l Binham por Nm uns dedos em cuos anKis& no
lugar& a miniatura libra os ganchinhos ue a prendiam ao aro&
relógios de colete ingleses
Hinghins Manchester
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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sem ponteiros nem Bidro& de mostrador de esmalte Qacredito na
essurrei@o da +arne& na +omunica@o dos *antos& na <ida Eterna&
AmenS
os passos do meu pai ue por Nm terminaram
- #i o ue pude Nlha
a proessora de geograNa a par dos paRses todos& das cidades&
dos golos
Qa par do >eato=S
h-de ensinar-me onde ele est& oi o meu marido ue teleonou
- O teu pai
o cora@o parece& numa dessas uartas-eiras em ue ele e os
colegas
Qum caK ou issoS
embora nenhum colega no Belório connosco& a minha irm sem
ocupar o banco da capela unto U minha me e a mim& encostada U
parede de mos sumidas no casaco com o lbio nos dentes e nisto&
sem motiBo algum& Beio-me U lembran@a o postal do lbum de
otograNas com as accias de *intra num muro enuanto a minha
cabe@a tentaBa entender& Us Boltas e Us Boltas& o poruV das accias&uma ocasio& num desses sbados em ue se reunia com os amigos
QUs Bees aos sbados& na primaBera& reunia-se com os amigosS
trouCe ueiadas para a minha irm& uer dier ao cruar-se com
ela deiCou-lhe o pacote na mo como se no desse por isso& nem
- ,ma prenda
nem
- *o para ti
deiCou-lho na mo& sKrio& aborrecido com ela& e unindo as pontassoltas a no@o de ue principio a entender& uem aBisou o meu
marido ue o meu pai
- 9uem te aBisou ue o meu pai=
Quando tiBe a certea ue no podiam notar-me leBei o lbum
para a maruise& desprendi o postal e por trs as iniciais dele& uma
data& outras iniciais numa caligraNa dierente e ento
- #i o ue pude Nlha
entendiS
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acredito nos !nimigos do Homem& Mundo& "emónio e +arne& nas
Almas do Purgatório e na Misericórdia !nNnita& trouCe a cola da
secretria& apliuei uma gota em cada canto& guardei o lbum na
estante e dei com a minha irm a encarar-me de lbio nos dentes& o
lbio mudo
- $o contes U me
acho ue oi a Jnica conBersa ue tiBemos na Bida& de mistura
com os arbustos do ardim +onstantino e o meu Nlho
QEste K o meu #ilho em uem pus toda a Minha complacVnciaS
na alcoa a chorar& apetecia-me
Q- #i o ue pude NlhaS
acreditar com toda a or@a em "eus& acreditar ue um dos
colegas das uartas-eiras no escritório do meu marido
- O seu sogro coitado
e no entanto as accias de *intra& as iniciais& a data& a
mulherita dois toldos adiante com uem o homem dos bolos
Qsenhor AlredoS
no só no perdia tempo como no a cumprimentaBa seuer&
oculta no naperon de crochet& Bontade de me chegar a ela& agarrar-lhe no ombro
- *o as suas iniciais conesse l=
e contudo a minha irm
- $o contes U me
contudo o meu marido ue ignoraBa os colegas do meu pai
- ,m colega do teu pai no escritório a inormar-me
no retrato dos cinuenta anos de casados l estamos nós a meio
do antar& o meu pai de colher na mo& a minha me a endireitar agola sem acabar o gesto& nas alturas em ue o meu marido mente K
uando deiCa de Ntar-me continuando a Ntar-me
Q- ,m colega do teu pai no escritórioS
em busca de uma desculpa ue se lhe percebe na cara& ao
chegar tarde da minha irm por eCemplo
- +hatices com um cliente
e eu
Que posso aer=S
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aceitando
- +hatices com um cliente
a pensar nas peónias& digo
- "ói-me a cabe@a
digo
- $o dormi nada esta noite
digo
- Estou eCausta desculpa
e na cama uma nesga de mar& o +asino& os canteiros e com a lu
apagada as peónias o tempo todo comigo& to presentes ue uase
uma pessoa BiBa pronta a receber-me& as peónias um homem
ou antes as peónias uma mulher ue se no desgosta de mim&
no se aborrece se me estender ao seu lado& no se espanta
- Ests aR=
no me aconselha
- E melhor ires-te embora
o cheiro das peónias nRtido depois da chuBa& se por acaso o meu
marido
Qembora no haa perigo ue o meu maridoS- O ue ests a aer=
eu para ele no
- Estou com o cheiro das peónias
Qcomo aer-lhe BerEstou com o cheiro das peóniasS
eu
- $ada
e a minha mo o cheiro no pesco@o& na barriga& nas pernas& to
certeira& to sbia& a desencantar uma saliVncia& a insistir nasaliVncia& eu a lutar com o nerBo
- Acredito em "eus acredito em "eus
e U medida ue o cheiro me abandona nenhuma mo& nenhum
nerBo& a sensa@o ue o meu pai a endireitar-me o cobertor e a sair
do uarto caminhando l nauele sRtio onde morou
Qe eu
- Adeus pimpolhoS
direitinho ao rio.
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"ois As consultas
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PRIMEIRA CONSULTA
"oente de 7 anos& seCo (& idade aparente coincidindo com a
real. Orientada no tempo e no espa@o& alo e heteropsiuicamente&
memória conserBada de acordo com os parWmetros etrios& contacto
adeuado& sintónico embora retraRdo& com diNculdade em Berbaliar
o motiBo da consulta
Q^no sei porue Bim& se calhar no sou capa de dier nada&
etcS
ao responder-lhe ue isto K um hospital& no uma clRnica priBada
e tenho outros pacientes U espera
Qsempre gostaBa de saber o motiBo de me transormarem em
burro de cargaS
olha na direc@o da porta e a men@o de leBantar-se. AlKm dacarteira acompanha-a um sauito de crochet e a enermeira conta
ue passou o tempo na sala de espera sem comunicar com uem
uer ue osse a aperei@oar um naperon. Lembra-me no sei ue
pessoa h lustros e lustros& na Kpoca em ue ui crian@a
Qou adolescente& no consigo precisarS
e a recorda@o& a alisar de conusa& aTóra-se-me agradBel mau
grado no ser capa de locali-la
Qsorrisos& cheiro de sabonete& uma palma na minha cara& coisasdessasS
de modo ue lhe sugiro ue torne a sentar-se
Qna anela do gabinete uma ambulWncia& um internado com
princRpios a abrir uma larana e a guardar as cascas no bolso& regra
elementar ue por eCemplo o pessoal no cumpre& suam tudo& deBia
apresentar-lhes o internado como modelo
- %omem notaS
e por respeito aos tais sorrisos& ao tal cheiro de sabonete& U tal
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palma pe@o-lhe ue me desNe as suas ueiCas enuanto desenho uma
estrela paciente no bloco de receitas& a seguir U estrela um uarto
minguante& a seguir ao uarto minguante uma casinha com uma
chaminK a deitar umo& a meio da espiral de umo percebo ue a
doente& mesmo no olhando para ela& est a interessar-se pela
casinha e a imaginar Barandas& porta& cortinas o ue me leBa a Boltar
o bloco ao contrrio& articula
Qnunca este Berbo oi to bem empregueS
uma rase ue no entendo
QeCtraordinria designa@o& articular& se aplicada U Bo& ue
espertalha@o a inBentou conessem-me& articular palaBras como se os
ditongos dobradi@as& gonos& um boneco articulado aceita-se& um
bra@o articulado B l& agora articular palaBras
encaiC-las umas nas outras& dobr-las
santo "eusS
a doente a uem priBei da casinha
Qe agora do uarto minguante& da estrelaS
um murmJrio de noBo& coloco a tampa na caneta para impedir o
bico de deBaneios plsticos& mudo o calendrio de posi@oQesses calendrios de argolas em ue cada olhinha um dia&
acaba o dia& e passa-se a olha nos anKis cromados
- $o hsde regressarS
Binde a horas a menos ue gaita& uantos milhares de olhas
Boltei nestes anos& numa delas& longRnua& acho ue um sauito de
crochet tambKm& irrecuperBel& a doer-me& mudo o calendrio de
lugar distanciando-o de mim
Qsome-te da minha rente com os teus dias passados& ineliSinterrogo a doente
- Perdo=
sem me atreBer a obserB-la porue eCistem assuntos ue
mesmo ue no se ueira Bo meCendo com a gente& episódios ue
erem& a minha primeira mulher
Qpara mencionar só umS
uma bela tarde& sem mais nem menos& chego do consultório e
ela no me dando seuer tempo de poisar a pasta
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- "eiCei de gostar de ti
eCactamente desta maneira& no acrescento nem tiro& deiCei de
gostar de ti& e eu com a argola das chaBes a baloi@ar do indicador& eu
parBo& a Bo do costume& a entoa@o do costume& tudo igual& a
perninha cruada& o cigarro& só ue em Be de ol
- "eiCei de gostar de ti
e a mala em cima da cama U espera& o secador desaparecido da
casa de banho& eCceptuando o secador no altaBa nada e no entanto
se desse um passo o soalho abria-se atK ao centro da terra e engolia-
me& as chaBes& mais leBes ue eu& a baloi@arem atrs de mim no
Baio& eu caindo& caindo& a urar os apartamentos sob o nosso&
dKcimo primeiro& dKcimo& nono& onde os Biinhos comiam sem ue
nenhum se preocupasse& nem um adeus ao menos& uma curiosidade&
um espanto
- Olha auele
uma amostra de dó
- L Bai o mKdico do dKcimo segundo coitado
a ambulWncia oi-se embora na anela mas o internado da larana
enNaBa as grainhas no bolso tambKmQum parouiano e pVras meus irmos em +risto& se mandasse
metia-o numa Bitrine a educar os portuguesesS
enuanto eu tentaBa identiNcar uem seria a pessoa ue a
doente me lembra& ue sorrisos& ue cheiro de sabonete& se ao menos
a palma& ualuer ue osse a dona& me Bisitasse aui
Qh momentos em ue a gente por muito orte ue seaS
o monte dos dias passados maior ue o dos dias uturos no
calendrio da secretria e o ue N desses dias& como consenti uepartissem& uantos altam ainda& de repente no meio deles
Qum dia igual aos outros e poruV esse dia=S
acabou-se& depressa
Qou sea a dar por isso e a cessar de dar por isso no instante em
ue daBa por issoS
ou deBagar com tratamentos e seringas e dores& acabou-se e por
se ter acabado os sorrisos por aBor& a palma depressinha& o cheiro
de sabonete
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Qem +astelo >ranco=S
e eu eli
- +heiro de sabonete obrigado
Qem +astelo >ranco no& ou antes ou depoisS
porue no cheiro um conorto& uma pa& eucaliptos sim& as bagas
dos eucaliptos& um triciclo com um guiador cor de pKrola& um terra@o
e aonde& o internado contaBa as grainhas com o indicador minucioso&
o terra@o em Almada& uma muralha de granito& a delicadea de um
gato uase no tocando na pedra& cada pata uma alange de pianista
em cuidados sem peso& tomando aten@o percebiam-se as notas&
peueni-ninhas& lentas
QAlmada ou EiBas em ue muralha ao certo=S
a doente de 7 anos& seCo (& idade aparente coincidindo com a
real a dar um nó no sauito do crochet prendendo o polegar ue
passou a aer parte do nó
Qas asneiras ue nos impingem na #aculdade& o ue K idade
real=S
- $o durmo senhor doutor
uase nunca dormem& sempre a mesma cantiga& deBem ulgarue eu durmo& o senhor doutor estende-se no colcho& Bira-se de
barriga para baiCo& desea
- AtK amanh.
para o lado e uca& adormece e se K assim Nuem sabendo ue o
senhor doutor acordado a medir os batimentos do pulso
Q- <ai alhar Bai alharS
com ganas de acender a lu porue de candeeiro aceso& na
companhia da mobRliaQa mobRlia protege e K a obriga@o dela& comprmo-la& trouCemo-
la da loa& pusemos-lhe porcarias em cima& conBertemo-la em parte
da casa& audmo-laS
na companhia da mobRlia ue est ali para isso os paBores
diminuem& receito aos doentes comprimidos ue no tomo porue se
os tomar o cora@o sei l& tenho de permanecer desperto a Bigiar-lhe
o ritmo& a impedir-lhe os caprichos& a tomar conta dele e mesmo
tomando conta dele atrai@oa-me& dispara& cala-se e o meu arrano de
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tomos no de piama& esticadinho& de graBata& sobre a colcha& a
doente orientada no tempo e no espa@o
Qoutra asneira da #aculdade& ue tempo e ue espa@o& orientada
no tempo em rela@o a ue tempo
o dos relógios& o da inWncia=
e orientada no espa@o ue ninguKm elucida em ue consiste&
mudando constantemente de eitio e sentidoS
contacto adeuado& sintónico embora retraRdo& com diNculdade
em eCprimir-se& saou o polegar do nó& uedou-se a mir-lo& eu a
perceber ue ela hesitando
Q- #ar parte do nó ou ar parte de mim=S
a resolBer ue o polegar aia parte de si porue o encolhe e
estica& a articular
Ql Boltamos ao mesmoS
- E depois a tristea
uando
- E depois a tristea
no se articula& di-se& Bontade de Boltar U casinha e ao umo&
cobrir a estrela com uma nuBem& transormar o uarto minguante emrBore& acrescentar o sol com uma segunda nuBem ao lado& ue raio
de sina a minha& escutar aR para onde entrei a mesma lengalenga& a
tristea& se a cada manh giressem uma olha de calendrio nas
argolas e dessem K do ue perderam& do ue perco& no Binham&
contentRssimos& aborrecer-me com tristeas& ontem& por eCemplo&
Binte e noBe de maio e adeus Binte e noBe de maio& no te recupero
mais& em crian@a punha-me a olhar o relógio de parede um minuto
inteiro sentado no tapete- ANnal um minuto K isto
surpreendido por um minuto ser isto& um espacinho& um Bcuo&
o ponteiro no tra@o seguinte e o minuto ue K dele& a minha dJBida
acerca de se o recuperaria ou no no caso de andar com o ponteiro
para trs& uantas Bees seria preciso andar para trs de maneira a
chegar antes de ter nascido e ao chegar antes de ter nascido o ue
sucederia ao dedo ue empurra o ponteiro& tentei eCpor estas
elucubra@Fes U minha me& ela entre portas& com um cesto de roupa
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- %enho mais ue aer
e todaBia passado um bocado& isto K passados uns tracinhos& no
muitos& dei com o cesto de roupa no cho e ela a rodar o ponteiro
com um dedo diligente& ulgo ue na esperan@a de liBrar-se dos meus
irmos e de mim& ela solteira& noBa& uase da minha idade e eu aTito
com uma me mais insigniNcante ue eu& incapa de coinhar& de
engomar& o cesto abandonado& a gente só com camisas suas
- Me
a minha me no aui& em +astelo >ranco com a me dela& trVs
assoalhadas minJsculas& o limoeiro& no inBerno& toda a santa noite a
ueiCar-se
- Os meus oelhos senhores
Qo limoeiro ou o meu aBY=S
e os doentes com a lata de me contarem tristeas& no consigo
trabalhar senhor doutor& choro por tudo e por nada& trago um calhau
no peito& noBelos na garganta& uma coisa c dentro& o ue eu deBia
propor-lhes& em lugar de medicamentos& era ue andassem com os
ponteiros para trs atK aos limoeiros deles e agora recomecem sem
aer as <iagens& lhes anunciem de pernonah cruada& de orma aocuparem o Bosso lugar no diB
"eiCei de gostar de ti K só isso
e U medida ue BocVs tombam de andar em andar um Biinho
para a Nlha& pegando-lhe no bra@o e obrigando-a a acenar-Bos
- L Bai o mKdico do dKcimo segundo coitado a caBar-nos um
buraco no estuue di-lhe adeus >eatri
ue simplicidade
- X só issoa eCistVncia inteira no matKria importante& só isso& a minha
primeira mulher de repente considerBel& a perninha cruada no diB
gigantesca& o dedo no ponteiro a alcan@ar a tarde na ual ela& a
desligar o teleone ao sentir-me
- $o te esperaBa to cedo
isto K a largar o auscultador no no descanso& no cineiro& os
gestos demorando a achar as ei@Fes& a distribuRrem-nas pelos
lugares ue lhe competem na cara uase pedindo
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- +hega-me essa aR
os mJsculos necessrios para compor um amuo
- Assustaste-me
a bochecha a desBiar-se num beio desbotado& o ombro a mirrar-
me na mo& colocar o ponteiro em seis meses antes& oito meses e
contudo h oito meses o beio desbotado& o ombro a mirrar& se
tornasse a encontr-la
Qnunca nos encontramosS
perguntar-lhe por desastio apenas
Qual desastio& mal desse por mim l estaBa eu a cair e di
adeus ao mKdico com a tua mo >eatriS
- O K só isso come@ou em ue altura=
portanto no me Benham com tristeas& insónias& calhaus no
peito& lerias& no so mais ue eu& aguentem-se soinhos conorme c
o rapa se aguenta& uase daBa pelo perume das cascas de larana
do internado do banco a co@ar-se no piama& uando alguKm se co@a
pega-me logo a comicho em lugares a ue as unhas no chegam&
encolho-me& dobro-me& ricciono-me no espaldar e a comicho
continua& se ao menos na anela& no sRtio do internado& uma casinhacom a chaminK a deitar umo& ignoro se a minha actual mulher
deiCou de gostar de mim mas ao menos calada& pelo sim pelo no
tento no balan@ar as chaBes ao entrar-lhe na sala& Us Bees ao
antar& durante a sopa& se uma sobrancelha num lugar dierente da
testa tenho medo ue a colher uieta& a sobrancelha a NCar-me
"eiCei de gostar de ti
mas no doe andares& acautelei-me& escolhi um rKs-do-cho
alto& no uro seno a caBe da porteira ao cair e depois da caBe e dasgaragens estou no centro da terra entre Nos elKctricos& canos& o
entulho de colunas ue os romanos deiCaram& Bolta no Bolta a
+Wmara pFe c ora uns peda@os de mrmore sem utilidade alguma&
arruma-os em cRrculo por ordem de tamanho e enBaidece-se deles& se
a minha actual mulher
"eiCei de gostar de ti
nem uma menina a acenar-me& K nessas alturas ue se
compreende a alta ue nos a um adeus& a gente um membro para
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cada lado e a misericórdia de uma rase a acompanhar-nos& no bem
misericórdia& o orgulho de mostrar ue a menina aprendeu& K capa
-$o cumprimentas o mKdico >eatri=
a >eatri a pasmar para o buraco no parue
- Era o doutor rapariga
a doente de 7 anos& seCo (& idade aparente coincidindo com a
real& debru@ada para o buraco mais a insónia e a tristea& segurando
o sauito do crochet
Qpara alKm do crochet a reBista de bordados de onde copiaBa o
na-peronS
Bestida de luto& eneitada por um medalho de esmalte com o
retrato de um homem& mal cheguei aos Nos elKctricos& aos canos e ao
entulho do undo ela antes ue me limpasse da poeira
- $o podia ir ao Belório nem ao uneral percebe=
a minha primeira mulher
- $o te incomodes tem rodas
a puCar a mala na direc@o do eleBador& a proBa ue tinha rodas
estaBa no acto de imprimir na alcatia um rastro de borracha ue
me caberia a mimQa empregada de Krias atK one de ulhoS
esregar com detergente e uma espona& Bontade de perguntar-
lhe mostrando o detergente
- $o Nca uma aurKola espero=
U medida ue a mala
Quma das rodas chiaBaS
a sumir-se no eleBador& unto com a mala uma mochila de
companhia de aBia@o ue eu supunha no serBir para nada e serBiapara se pYr ao resco& alKm da mochila a promessa
- *eCta-eira uando estiBeres no hospital Benho buscar o resto
e ento compreendi ue eCistia outro centro da terra sob o
centro da terra e me cabia em sorte despenhar-me mais& a cunhada
da minha aBó apanhaBa-me no uintal& pegaBa-me ao colo& beiaBa os
arranhFes
- +om um beiinho meu no pode doer
porKm a cunhada da minha aBó h ue sKculos nas olhas do
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lado esuerdo da agenda e com milhFes de olhas em cima& uma
campa de cemitKrio& uma gaBeta de erro no meio de gaBetas de
erro em ue nenhum beio cabia& talBe uns limos de ossinhos
Qno me Benham com tristeas& desamparem-me a loaS
e por conseuVncia garanto ue os arranhFes doem& gastei um
ter@o do detergente a apagar a borracha e com ue detergente se
apaga o detergente ensinem-me& nódoas cada Be maiores& a alcatia
careca& em +astelo >ranco a minha me a rir-se& o ue tenho mais
presente& para alKm das bagas dos eucaliptos numa caeteira e a
gente a aspirar o Bapor K a minha me a rir-se& sempre ue ela se ria
os calendrios uietos& o cinco de agosto ou o Binte e trVs de outubro
ou o deoito de aneiro congelados& o meu pai para ela a angar-se
- $o cresces.
e mesmo ue ele angado
- Assim no consigo cala-te
Qno consigo o uV=S
ela a rir-se no uarto& pedia
- $o seas tonto anda c
sons do meu pai penso ue no enCergo e ela a rir-se de noBo&cessou de rir em Almada& depois de imensos ponteiros& na Kpoca em
ue a minha irm adoeceu& NcaBa num banuinho no escuro& perto
dos rascos de Carope& a tomar nota da ebre num papel& durante
mais de uma hora no permitiu ue lha tirassem para a Bestirem
como deBe ser& a cal@arem& a leBarem numa caiCa& e ento no era o
riso ue me surpreendia& eram os olhos dela amarelos& perguntem-
me
- 9ue cor tinham os olhos da tua me=e eu depois de esclarecer
- +astanhos
demoro-me um bocado no assunto& emendo
- "urante uma semana amarelos
uando o meu pai a obrigou a largar a minha irm a minha me&
uriosa com toda a gente& bateu-lhe& uma boetada no meu pai& uma
segunda boetada e ugiu a correr& abra@ou-se ao limoeiro& na tarde
do uneral ela abra@ada ao limoeiro& o meu pai oi cham-la
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Qos olhos do meu pai castanhos& perguntem-me
- 9ue cor tinham os olhos do teu pai=
e eu depois a esclarecer
- +astanhos
demoro-me um bocado no assunto& emendo
- "urante trVs ou uatro dias metiam medo amarelosS
acabado o uneral o meu pai oi cham-la& tocou-lhe nas costas e
ela para o limoeiro
Qos olhos do limoeiro amarelos tambKmS
- "esculpa
o meu pai um limoeiro& o meu pai uma rBore& o meu pai de
graBata& ela para o meu pai
- "esculpa
de palma na cara dele e aNnal o ue me lembra a doente de 7
anos& seCo (& idade aparente coincidindo com a real K a palma da
minha me na cara dele
- "esculpa
no uma lembran@a ue no consigo precisar& tudo claro
- "esculpae o sorriso e o cheiro de sabonete depois& assim ue ela
- "esculpa
os olhos do meu pai no amarelos& castanhos Qno trocem de
mim& a minha primeira mulher tro@aBa de mim& das minhas manias&
de lhe contar ue os olhos do meu pai amarelos
- $inguKm tem olhos amarelos palerma
e sei ue tem& eu Bi& de maneira ue por aBor no trocem de
mimSos olhos da minha me castanhos& os do meu pai castanhos&
ponham a palma na minha cara durante um tra@o de ponteiro ue
no lhes pe@o mais prometo& assisti ao leBantarem a tampa& U minha
irm na caiCa& ao echarem a tampa& assisti U terra na caiCa e os
meus olhos nunca amarelos& castanhos
Q- $inguKm tem olhos amarelos palermaS
no me abracei a nada& ia espiar a minha irm e só choupos&
abetos& pardais a trocarem de lpide& o meu pai tirou o ber@o dela do
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uarto
Quma chaminK com umo& um uarto minguante& uma estrelaS
transportou-o atK ao Wngulo do uintal em ue no se cortaBam
as erBas e haBia sapos e isso& uebrou as tbuas com o martelo&
rasgou os panos& abriu uma coBa& escondeu-o& no trocem do meu pai
ue era magro& moreno& adoeceu do pWncreas& ui Bisit-lo na
,nidade e ele mudo& dedos
Qesses sim amarelosS
ue no cumprimentaBam ninguKm& deiCem a gente em pa& no
hospital no pardais& o internado da larana a conBersar soinho& o
condutor de uma urgoneta lendo o ornal ao Bolante enuanto
retiraBam grades de garraas da parte de trs& os ponteiros
continuaram a moBer-se depois da morte do meu pai e creio ue
continuaro a moBer-se a seguir U minha& se no tomasse cuidado e
no a segurasse a caneta& mesmo sem eu dar ordens& recome@aBa a
desenhar ainda ue no Ncasse parecido
Qe no NcaBa parecidoS
uma crian@a& um ber@o& a >eatri a acenar-me U medida ue
caio& em lugar do desenho escreBer& debaiCo do nome& morada&Nlia@o
QNlia@o pior ue articular raios parta& ue enómeno
desencantou estes termos=S
doente orientada no tempo e no espa@o& memória conserBada
atendendo ao grupo etrio e U dierencia@o cultural& contacto
sintóni-co& adeuado embora retraRdo& diNculdade em eCprimir o
motiBo da consulta& após uns engolires pensatiBos& essa orma ue os
Belhos tVm de raciocinar com a bocaQa lRngua a passear ideias de gengiBa em gengiBaS
adiantou o medalho com o retrato de um homem
- $o podia ir ao Belório nem ao uneral percebe=
e a lRngua a prosseguir o seu trabalho na bolsinha dos lbios&
acabam de alar para nós e continuam a conBersar para eles mesmos
dedu@Fes de saliBa& o ueiCo alonga-se& encurta-se& as plpebras no
cor--de-rosa como as nossas& eCibindo o orro& Bermelhas
Qplpebras ou algibeiras gastas=S
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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tudo mostra o orro nos Belhos& se choram no so lgrimas de
agora& so guas suas& antigas& desgostos ue permaneceram
esuecidos e Boltam U tona por uma uesto de leis da Rsica& no de
sentimento algum& os sentimentos arrapinhos sem neCo num espa@o
rareeito& o bra@o tenta unt-los
- O ue ser isto=
Qum regador& um co doente& os Belhos nem curiosos& pasmados
- O ue ser isto=S
e perdem-nos
QNlia@o& calcule-seS
se lhes mencionasse& K um supor& o problema dos ponteiros& a
lRngua repetia
- Os ponteiros
e a cabe@a ausente Bagueando entre o regador e o co& repetiam
- Os ponteiros
e mal repetiam
- Os ponteiros
animaBam-se
- O co=ou sea um bicho de h centenas de calendrios e por
conseguinte nem bicho& erBaitas& raRes& ue de tempos a tempos&
anónimo& de ocinho U procura& galopaBa na memória l deles& sumia-
se na esuina do tanue& no o percebiam mais
- <iste o co=
dentro de Binte anos no mCimo eu assim& a minha actual
mulher a dier-me sea o ue or e as palaBras arrapinhos sem neCo
ue se untam a outros arrapinhos sem neCoQo meu pai na ,nidade& o episódio do ber@o& um Biinho
- L Bai o mKdico do dKcimo segundo a caminho do centro da
terra >eatriS
para Bogarem& dispersos& num espa@o rareeito& a minha cabe@a
ue os encontra e ue treme& eu
- H=
e lgrimas antigas& suas& ue deBia ter chorado h sKculos e
como de costume
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- Agora no tenho tempo choro isto outro dia
colocando de lado& adiando untamente com outros desgostos
numa pasta ualuer& a ma@ada das lgrimas a importunar-me
uando no deBia& eu descansado& de Krias no estrangeiro ou num
prKdio dos arredores de Lisboa& a cem metros do mercado
Qa minha otograNa no almo@o do *erBi@o a embelear a cómodaS
com uma enermeira
QU minha esuerda na otograNa& de penteado trabalhosoS
ue uraBa ter engraBidado de mim& a gente a argumentar um
com o outro& ela a agarrar-me na lapela
Qse ao menos substituRsse os abaures
menos rendas& menos olhos
se ao menos no aueles caBalos a galope obrigando-me a
galopar tambKm e a perder o Ylego e a cansar-me na moldura da
sala& dJias de caBalos esgaeados& sem or@asS
e as lgrimas a despropósito
- Ento e nós=
comigo a enCot-las
- $o me aborre@am sumam-sea enermeira a reparar nelas& a apiedar-se de mim& a aeitar-me
o casaco
Qdetesto ue me aeitem o casacoS
aproBeitando os estreme@Fes de um autocarro na estrada& ue
me chocalhaBam contra ela& para passar da anga U ternura& NCaBa-
me nos olhos e nas rendas a Nm de me impedir de tocar-lhe mas o
galope dos caBalos
QcaBalos inumerBeis& pardos& brancos& alguns pretos& malhadosSobrigaBa-me a correr ultrapassando Beda@Fes numa desordem
de crinas& eu de brYnuios nas amRgdalas incapa de deter-me
- Onde arranaste este uadro=
uma reprodu@o numa esuadria a imitar talha com um dos
BKrtices rachado e sem Berni deBido U pressa dos cascos& um so de
almoadas de tricot por baiCo do uadro& mesas de bambu&
prateleiras de bambu
Quma sucursal de PeuimS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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um pierrot com carinha de loi@a a amolecer entre potes& as
lgrimas postas de lado& sem a no@o das conBeniVncias& a picarem-
me& a doerem-me
- Ento e nós=
um camio ue no partiu& se demorou em manobras
desengon@ando os bambus e esuarteando o pierrot& eu conBencido
ue disrtaRa as lgrimas e abrandaBa os caBalos
Qa espuma no reio no era deles& era minhaS
- Onde arranaste este uadro=
a seguir ao prKdio um recreio de escola com um campo de
basuete e no campo de basuete um papel Us cambalhotas com ue
o Bento brincaBa& a enermeira de roupo
Q- Em casa gosto de andar U BontadeS
e uma madeiCa oblRua a atraBessar-lhe o nari& ao alar a
madeiCa ganhaBa Bida& desenrolaBa-se& era a madeiCa ue gritaBa
comigo
- Eu em tiras com o problema do teu Nlho e Bens-me com caBalos
caramba=
um dos bambus perBerso& bicudo& do partido dela& a lacerar-mea ndega& a cama de bambu tambKm& por este andar o toucador de
bambu um bJalo abanando a papada no arroal da sala& o Bento
aborreceu-se do papel& preeriu moitas ue saracoteaBam
discordando de mim e as cambalhotas cessaram mas o galope
continuou e eu com ele& saltei uma barreira& uma sebe& um arbusto&
enruguei o tapete& entortei o rdio& uase tombei um banuinho& a
enermeira a proteger o banuinho& de madeiCa a regressar-lhe ao
nari- $o Ks capa de estar uieto=
o roupo desla@ou-se e um peda@o de barriga ue BibraBa&
tremia& ela a echar o roupo num meneio apressado
Qela a galope tambKmS
- $o tens emenda tu
estaBa a pagar o apartamento& o automóBel& a muina de laBar&
só no estaBa a pagar o anel ue lhe dei comprado a uma uncionria
da secretaria ue Bendia oiros para amaciar o ordenado& a
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enermeira a obserB-lo no espelho& de mo no peito& aBan@ando ora
a metade esuerda ora a metade direita para ue a pedra brilhasse
- ,ma saNra no K=
no seria saNra mas possuRa ambi@Fes de saNra e nos arredores
de Lisboa isso basta& no se discutem miudeas& a primeira Be ue a
conBidei para almo@ar apareceu-me sem bata e& desproBida do
encanto do uniorme& uma criatura modesta& com demasiado baton
num dos cantos da boca& uma blusa ue a mina primeira mulher
Bisse
- 9ue horror
e a enermeira toda alanges redondas a debicar talheres& óculos
escuros puCados para cima segurando o cabelo& os caro@os das
aeitonas depositados na lWmina da aca aBan@ando o pesco@o numa
espKcie de beiinho& eu arrependido
- Meto-me em cada uma
eu
- E agora=
a planear retiradas& uma desculpa& um preteCto
- %enho o consultório mais cedo Bergonha dos colegas no restaurante a notarem a blusa& o
gerente tratando-a com uma reproBa@o benKBola& as mulheres das
outras mesas sem alanges redondas& porue no a loira com uma
amiga gorducha ue lhe daBa a ler um teleone na agenda
Q- oubei-o ao +risóstomoS
e o baton pereito& a blusa discreta& as unhas tratadas e nisto&
obrigando-me a olh-la& a pergunta da enermeira amortecida pelo
ueio na boca& o turbilho de uma migalha ue me aterrou no prato- Ao menos no K casado doutor=
eu tentando separar a migalha com os prKstimos do garo e a
migalha a esconder-se nas batatas& nos brócolos& minto-lhe& no lhe
minto& se lhe minto perco-a& se no lhe minto descobre e acusa@Fes e
cenas& uso a estratKgia ue acabo de aprender com a migalha
escapando-me& iludindo& um desses gestos Bagos com ue se adiam
as crises mas eu a galope sem me dar conta& de dentes ao lKu a
sacudir as crinas& a come@ar a entender
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- $unca mais paro agora
no Bou a tempo de parar& acabou-se& a primeira barreira& a
primeira sebe& o primeiro arbusto& ultrapassa-os& salta& continua a
correr& pedir ao cheiro de sabonete e U palma na minha cara ue me
audem e no audam nem meia
Qem ue olha do calendrio Bos deiCei a BocVs=S
- precisaBa de Brios almo@os para responder a isso
as alanges redondas em guarda& o deeito do baton atento& o
caro@o& em euilRbrio na lWmina& a eCaminar-me& a estudar-me& a
agrupar--se com os anteriores na beirinha do prato& os óculos
escuros& ue seguraBam o cabelo& apontando o candeeiro do tecto
ue era uma lanterna de alpendre& nas paredes rodas de carro@as&
anelicos de aenhas& uma mó de moer comigo a pensar nada disto K
Berdade& elimente ue nada disto K Berdade& a enermeira& o
almo@o& tranuilia--te& sossega& ests no interior de um
documentrio sobre a Bida no campo& Bo aparecer um a@ude& um
pelourinho& beerros& daui a pouco os sinos
Qtranuilia-teS
as BindimasQsossegaS
uma dan@a de tamancos no adro da igrea com acordeFes&
pandeiretas& a procisso da *enhora da ;lória& um uneral de aninho
ou sea a minha irm numa caiCa& pardais a mudarem de lpide& a
minha me no uintal& de olhos amarelos
Qos rutos do limoeiro insigniNcantes& BerdesS
o meu pai comigo pela mo a Ber echarem a tampa& a Ber a
terra na caiCa& a enermeira muito ao longe A minha pergunta incomodou-o doutor=
a alongar-se na direc@o da aca
Qo pesco@o dela um telescópio& ue horrorS
e um beiinho& um caro@o& se lhe ro@ar o oelho& se uando pegar
no copo os meus dedos no seu bra@o
Qo relógio com dois mostradores para uV=S
espero ue a minha irm no me aTia& estas lgrimas suas&
antigas& regressem U inWncia e no me embrulhem as pestanas& se
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galopar depressa& me desBiar dos choupos& dos bambus& do roupo
- Eu em tiras com o problema do teu Nlho e tu Bens-me com
caBalos ue K isto=
e encurtando a história no uma graBide& um atarso& um
glWndula distraRda ue Ncou para trs sem ue ela
- <em c
e a uem custou lembrar-se& o mKdico de amRlia ao ual as hor-
monas obedeciam
- Ento=
e a glWndula a bater a mo na testa& a tornar ao trabalho& a
apressar os oBrios
- "esculpe
por um instante o galope adiado& o ponteiro uieto& o Binte e trVs
de ulho eterno& basta BeriNcar a olhinha& o pierrot uase aceitBel&
os bambus agradBeis& os olhos dos meus pais castanhos& a minha
me a rir
Qo som das gargalhadas cristaiinhos coloridos e tudo a arranar-
se senhores& o ber@o inteiro& a graBata de luto no mostrador da loa&
ual morrer& ual BelórioS- ia outra Be me
comprei uma pulseira com um cora@o suspenso U uncionria
dos oiros& a enermeira& apaiguada& a mostr-la Us colegas
- E esta=
obrigando-as a estudarem a perei@o da corrente& a
conNrmarem o peso& um soslaio agradecido para mim e eu a recuar o
colarinho deriBado ao baton& deenas de caBalos a galope ue me
atropelaBam& pisaBam- %o uerido
o roupo pendurado num cabide de bambu
Qde ue K ue haBia de ser=S
a cicatri da apendicite a alegrar-me porue a enermeira um
passado
Qum regador& um coS
lgrimas como as minhas ue Us Bees
- +ontinuamos U espera
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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tentaBam assomar& recolhiam numa careta& se resignaBam ao
undo amortecidas mais nRtidas& se nos inclinssemos dBamos com o
brilhoinho ue oscila
- Operaram-me em >ragan@a aos seis anos
e o brilhoinho mais próCimo
- +omo eras tu aos seis anos=
uma gaBeta de cómoda ue demorou a puCar& ela a indignar-se
com a gaBeta
Q- X sempre a mesma coisaS
porue no Bero um incha@o da madeira ou ueando& um
enBelope de otograNas entre ligas e cintos& a enermeira mais
barriga ue eu supunha& as primeiras estrias& só uns risuinhos por
enuanto porKm Bo crescer& Bo crescer& porue no te apaiConas
por um interno& um maueiro& um parente& no me dies
- "eiCei de gostar de ti
e eu aceito& eu mais leBe& as estrias no risuinhos& sulcos& a
glWndula ue se distraiu para meu aar cheia de escrJpulos&
demasiado empenhada& em Be de
- "eiCei de gostar de tia tua mo na minha perna& a minha perna a pedir
- Larga-me
dado ue a barriga a amanteigar-se& um oanete impreBisto& a
cintura mais grossa& tu a esconderes os retratos
- %enho Bergonha
numa eCpresso Binda do lugar onde se ocultam as lgrimas e
ue me e esuecer por um instante as cortinas transparentes com
la@arotes de gae miudeas prontas a uebrarem-seQeleanteinhos& gatinhosS
um galhardete de #amalico num mastro cromado& eu a
interrogar em silVncio
- *entes-te menos soinha com esta tralha aui=
antes ue as lgrimas se moBessem& a cunhada da minha aBó a
arrumar-me no colo e eu uma diNculdade em alar& o teu retrato de
adolescente magrinha apoiada a uma Belha hostil de narinas inelies
- A prima $RBea coitada
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ue desatou a rosnar-me& um magala embiocado ue uma
mancha de gordura atenuaBa
- O meu pai na tropa em Abrantes
e em ue descobri& surpreendido& o teu ueiCo& tu no meio de
cem alunas de enermagem& na penJltima Nla
Ql estaBa o ueiCo do soldadoS
embiocada tambKm& no se distinguiam a espingarda e as
polainas porue as restantes tapaBam& tu a acenares adeus na praia
com um chapKu de palha ue engolia as ei@Fes de magala& um rapa
contigo
Qna minha opinio demasiado próCimoS
ue cumprimentaBa igualmente e a otograNa da praia
desapareceu de imediato& uma outra com o mesmo rapa no ue se
me aNgurou um baile
Quns manericos& uns balFes& *ociedade ecreatiBa&S
e ue
- Esta no interessaS
leBou sumi@o tambKm& se calhar o mesmo rapa com uem a
minha primeira mulher a desligar o teleone ao sentir-me- $o te esperaBa to cedo
isto K a largar o auscultador no no descanso& no cineiro& os
gestos a demorarem a acertar nas ei@Fes& distribuindo-as pelos
lugares ue lhes competiam na cara& ela a coleccionar os nerBos
necessrios para abricar um sorriso
+hega-me esse tendo aR
e o sorriso diRcil
Assustaste-mea cara a desBiar-se num beio desbotado& o ombro a mirrar-se na
palma& pensaBa ue tinha caRdo tudo uanto tinha a cair e aNnal l
Bou eu
- "i adeus ao mKdico com a tua mo >eatri
neste prKdio sem eleBador dos arredores de Lisboa
QautomóBeis baratos& pracetas sem canteirosS
com um papel Us cambalhotas no campo de basuete da escola&
o Bento a trocar& aborrecido dele& por uns cartaes& uns buCos& no
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apenas a minha primeira mulher um sorriso diRcil& eu um sorriso
diRcil U medida ue as otograNas na gaBeta e a gaBeta demorando a
echar& encalhou& aBan@ou empenada
- X sempre a mesma coisa
eu de olhos amarelos a leBantar-me da cama dando conta ue a
nude tira dignidade ao ciJme& a procurar a roupa sem achar uma
das meias
Qto cómico o doutor& >eatri& a Basculhar nos len@óisS
a encontrar a meia& a Bestir-me aos arrepelos& o doutor
embara@ado nos atacadores& nos botFes de punho& na braguilha&
enuanto caminhaBa Bigiando o sobrado como se no sobrado um
buraco e o centro da terra amea@ando leB-lo
QNos elKctricos& canos& inscri@Fes em latimS
a enermeira no patamar& descal@a& a boca como se uma
aeitona e no aeitona& um suspiro
- Porue K ue ests angado comigo=
lgrimas suas ue no chegam a Bir& estagnam atrs dos olhos
embaciando as escadas& apoiar-me U parede tacteando os degraus&
no procurei a Baranda para no dar com a enermeira l em cima eela no lgrimas suas& lgrimas noBas& limpas& no tiBeste uma irm&
no te enterraram um ber@o& no gastaste tantos calendrios ao
comprido dos anos& tanta olha da direita para a esuerda& Binte e
sete de outubro& trinta e um de maio
QdJias de Binte e setes de outubro& de trinta e uns de maioS
no me sobra um centRmetro no cora@o onde no haa uma
erida& atinar com a auto-estrada entre ruas inacabadas& sem saRda&
restos de uintas& andaimes& chegar a casa& deitar-me& a minhaactual mulher a ascender do traBesseiro& preocupada comigo
- A reunio correu bem=
um piama descosido na aCila com a noiBa do rato Mic_eI
estampada a arregalar-se para mim mas a rao
Qno me mintasS
do teleone do escritório U cabeceira da cama
Qdisse ue no me sobra um centRmetro no cora@o onde no
haa uma eridaS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- 9ual o motiBo do teleone do escritório aui=
doente de 7 anos& seCo (& idade aparente coincidindo com a
real
Qo ue K idade& o ue K real=S
apresentando-se de luto& orientada no tempo e no espa@o
Qmesma conBersaS
memórias recente e remota conserBadas nos parWmetros
normais
Qmesma conBersaS
raciocRnio adeuado a uma inteligVncia mKdia
QdesistoS
contacto retraRdo com diNculdade em eCprimir o motiBo da
consulta& ueiCas de depresso sem irritabilidade nem seuelas
psicomotoras ue atribui ao alecimento de uma pessoa chegada
ocorrido h trVs meses& em companhia da paciente& num hotel
numa penso
numa hospedaria de Lisboa cuo nome e localia@o no reere&
relacionando o dito alecimento com o inRcio dos sintomas no
apenas pela morte em si mas pelo acto de no haBer podidoparticipar& como era seu deseo e por raFes ue no adu& no Belório
e no enterro& limitando-se a assistir Us cerimónias Jnebres
distanciada da amRlia como se Bisitasse outra campa ualuer
Qolhos amarelos& no castanhosS
e apesar de outra campa ualuer& mais campas& aigos&
pardais a mudarem de lpide e uma chuBita sem peso Biu echarem a
tampa da caiCa& Biu a terra na caiCa& no uma cru ainda& um
nJmero& de orma ue talBe& nesse lugar do cemitKrio& ninguKm eportanto olhos no amarelos& castanhos& gra@as a "eus um engano&
nós BiBos& eu para a minha actual mulher
- %rouCeste o teleone do escritório para o uarto para alares
com ue pessoa=
a doente a alegrar-se
- $ós BiBos
enuanto uma estrela& um uarto minguante ue transormei em
nuBem e chilreaBam para mim conorme ocultaBam o meu pai ue
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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era magro& moreno& aleceu de pWncreas
Qno trocem da genteS
o sauito do crochet no rebordo da secretria e a doente a
mastigar ideias& plpebras no cor-de-rosa como as nossas
mostrando o orro& Bermelhas
Qtudo mostra o orro nos BelhosS
seCo (& 7 anos& idade aparente coincidindo com a real& a lRngua
de gengiBa em gengiBa
- O senhor doutor compreende=
perdi o internado da larana e o condutor da urgoneta lendo o
ornal ao Bolante
Qdois sueitos retiraBam grades de garraas pela parte de trsS
e l Bai o mKdico do dKcimo segundo& >eatri& a galope num
uadro mais os restantes caBalos nos arredores de Lisboa& o crochet
a animar-se
- #icaBa ao lado da amRlia dele em %aBira senhor doutor nunca
trocmos uma palaBra nunca nos cumprimentmos se me achassem
no cemitKrio o ue iriam pensar=
alando comigo como se eu pudesse escutar e no escutaBaconorme no escutaBa o limoeiro ramalhando toda a noite no
inBerno& nem o meu pai a uebrar tbuas
Qde uV=S
com o martelo& a escondV-las no cho
- Onde arranou essas tbuas paiinho=
Qas tbuas do ber@o a ue rasgou os panosS
no a escutaBa deriBado U minha actual mulher a pretender
enganar-me- A reunio correu bem=
de piama descosido na aCila com a noiBa do rato Mic_eI
estampada a arregalar-se para mim& argumentando ue o teleone do
escritório porue a me dela doente uando estaBa na cara ue um
amante& um homem& o dos retratos da enermeira& o ue anos antes
da enermeira me obrigou a cair& >eatri
Q- X o mKdico do dKcimo segundo coitado no lhe dies deus=S
a minha actual mulher
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- O ue K isto=
a deender-se com os oelhos& o bra@o& a minguar na cama
- <ais bater-me=
e a gente& a doente e eu
Q7 ano& seCo (& idade aparente coincidindo com a realS
continuBamos a alar de %aBira& de um sanatório em +oimbra&
de uartas-eiras num hotel
numa penso
numa hospedaria de Lisboa e ento desliguei o teleone l em
casa& cortei o No& abracei-me ao limoeiro dado ue os sinos de
+astelo >ranco mais ortes
Qos sinos to ortesS
dado ue o meu pai& alecido do pWncreas& enorme nesse tempo
QBocV no era enorme& paiS
a apertar-me o cotoBelo uando tudo acabou e mais ninguKm
connosco a no ser os pardais.
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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SEGUNDA CONSULTA
A doente ue continua de luto com o retrato do homem no
medalho reere ue os sintomas se mantVm
Qadoram sorer os camelosS
- A tristea no esmorece
e l esto eles com a tristea& a mania da tristea& a elicidade
da tristea& depois da morte do meu pai a minha me um medalho
idVntico& a mesma otograNa ue na mesinha da sala& sempre com
Tores ao pK& enuanto da minha irm nem otograNas nem Tores& ao
enterrarem-lhe o ber@o nunca houBe irm no passado& Ncou o
limoeiro alguns anos mas os limoeiros esuecem e num outono
ualuer a molKstia da rBore& a princRpio no se daBa por nada&
passaBa-se-lhe pela sombra sem notar ue mais diusa& mais rala&nesses momentos depois da chuBa em ue as coisas nos surgem tais
uais so& laBadas
Q- ANnal era isto=S
percebia-lhe o sorimento no por contor@Fes nem por ueiCas
Qsempre digno& o limoeiroS
pela molea dos ramos
Qo meu pai dessa orma ao adoecer& o meu aBY idem& no se
lamentaBam& desistiam& olhaBam de uilómetros& mesmo chegados anós& com eCpressFes to antigas& ausentesS
se por um capricho de unho o Bento nas olhas escutaBa um
son-inho de musgo em lugar da Bo da minha me com ue
aprendeu a alar& o riso por eCemplo& a admira@o
- Ainda agora nasceste e uase adulto meu "eus
Qdurante muito tempo a minha me no ineli& contenteS
U noite a rBore tingia o uintal com o seu silVncio& deduia-se
pela cor do silVncio ue renunciara a aguardar a manh& os dias
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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tinham deiCado de importar-lhe& um Jnico limo& ue no nos soube
a nada& amadurecendo por hbito a despedir-se de nós& no sumo&
uns pinguitos aguados& a minha me deitou o limo no balde e com o
estalo a minha irm a alecer outra Be& no me recordo de a ouBir
chorar& recordo-me dos cabelos ue se agarraBam U testa& da cara
ue me aTigia por no acusar ninguKm& pegaBa-se-lhe no pulso e o
pulso
Qela toda o pulsoS
tombaBa& a solenidade do armacVutico
- %Vm de preparar-se
e o nó do papillon dele apertaBa-me a mim& nunca pensei ue um
nó me suocasse tanto& as cartilagens bem tentaBam resistir coitadas&
o meu pai
- Ai sim=
a alargar o colarinho com o dedo& U or@a de sermos comuns
ninguKm se assemelhaBa U gente e pela primeira Be na Bida uma
certea de naurgio& guas Bindas no sei de onde
Qisto em +astelo >ranco& cidade a ue o mar no chegaBaS
cerrando-se num atrito de al@apo sobre a minha cabe@a e noera a minha irm ue deNnhaBa& era eu& a minha irm uma boneca no
cho& se lhe perguntBamos osse o ue osse& de boca unto ao
traBesseiro& o meu aBY estagnado& h alturas em ue continuo a
ensinar-lhe
- espire comigo aBY
e nada& um pulmo a despertar& um halitoinho
Que banalidade tudo istoS
esperaBa ue o meu nome no hlito e nome algum& ele ocoQsaberia uem somos=S
- *abe uem somos BocV=
algo ue concordaBa& no concordaBa& uma cortesia
Qoi sempre um homem educado& leBantaBa o chapKu Us
nogueiras& o prior apontaBa-o como eCemplo na missaS
dirigida a outra pessoa inBisRBel para nós& com uma oice& a
mesma ue procurou o meu pai na ,nidade ao tirarem-lhe os tubos
da garganta& da beCiga& do soro
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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e de ambas as Bees& no instante em ue a pessoa os leBou& uro
ue a boneca da minha irm no cho& de madeiCas no loiras&
grisalhas& unhas comidas pelos anos& rugas& uando chegar a minha
altura oguem-na pela anela& no a deiCem aui& a propósito de
anela na anela do hospital uma empregada de touca subindo a
ladeira com o carrinho do almo@o em ue tilintaBam panelas
Qno me agradaria ue tiBessem notado a boneca& +astelo
>ranco& cheiros de mato ue me embalsamaBam de amorasS
a empregada curBada na ladeira& a doente
Q7 anos& mais cinco meses e 4& com ue K ue uma criatura de
4 anos se preocupa& contem-me=S
a destapar um Wngulo do medalho
- Encontrei-o aos deassete senhor doutor
encontrou-o aos deassete porue lhe patrulhaBa a porta a Bigi-
la
Quer dier um relance& o passinho apressado e eu a Nngir ue
ouBia acrescentando uma espiral de umo Us espirais de umo da
casa& a aperei@oar a estrela com um dos bicos romboS
peueno& tRmido& redondo e a doente enternecida com aredonde
- ;orducho
isto num lugar onde os pWntanos do rio& no mencionou gaiBotas
talBe porue gaiBotas K o ue no alta em Lisboa& o homem do
medalho moraBa no >eato& calculo ue um desses bairros
Qgra@as U caneta o uarto minguante daBa lugar ao limoeiroS
nos uais os barcos ue Bo partir nos ensurdecem ao passo ue
no sRtio onde moro o mais ue pode ensurdecer-me so asambulWncias U noite no desistindo de transportar o meu pai para
uma clRnica entre rKsias e no posso Baler-lhe& a doente Bestida de
comunho solene a apoiar-se na mesita sobre a ual uma bailarina
empenada
Quns pingos de aeite para soltar o mecanismoS
ia girando& girando& o carrinho do almo@o sumiu-se na esuina
do balnerio carregando consigo o ruRdo das panelas ue me
lembraBa a tropa em ElBas& o aueduto& os diBersos cheiros de
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agosto& U noite teleonaBa U minha primeira mulher do uartel e a
sua Bo um Noinho reticente com a tosse do irmo
Qdo irmo=S
por trs
Qnunca diia ue gostaBa de mimS
enuanto na messe de oNciais se percebiam os candeeiros de
Espanha& a mania& mesmo aui na consulta& ue se leBantar o
auscultador a tosse e a Bo l dentro& para tirar peneiras leBanto o
auscultador e nada ou ento& da +entral
- "iga doutor
e o doutor desiludido& nunca Boltei a ElBas onde a geada de
noBembro ardia nos caiCilhos
Qcristais Bioletas& auisS
o homem do medalho uma carta& outra carta& eu a cocar de
esguelha o teleone na esperan@a ue me chame e no chama ou se
chamar K a enermeira a medo
- Podes alar agora=
e os bambus ormando no gabinete prateleiras& mesas& tento
eBitar o uadro dos caBalos embora sinta em mim um inRcio degalope& a doente ocupada com a resposta U segunda carta lutando
com o alabeto
Qtantas letrasS
de mo desaeitada& sem ler palaBras me desobedeceriam U
caneta& monstruosas& disormes& o homem do >eato
Qcomo ser o >eato=S
Bontade de perguntar U doente enuanto o meu aBY sorria e o
sorriso dele me assustaBaQ- Pela sua saJde acabe com isso aBYS
- O >eato como K=
talBe a enermeira conhe@a& talBe ao Bir para a cidade com a
auda dos pais& ue Benderam uma terra ou uns beerros& haa
morado num uarto de aluguer num sRtio do gKnero mais o rio na
muralha e naBios podres e tal& os pais ue de Be em uando lhe
mandam chouricitos& oBos& batatas& a preocupa@o deles
- %ens dinheiro Nlhinha=
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a me esteBe c o ano passado e eCtasiou-se com o gosto da
casa& os cortinados& as borlas& os anitos de madeira pintada sobre a
cama
Qasas de Berni& bocas Bermelhas& o pK ue lhes altaBaS
- %o lindos
uma camponesa ue achou a enermeira caBada nas bochechas&
bateu armrios sobre o laBa-loi@as
- <ou aer-te uma gemada Nlhinha
na otograNa do uarto dois saloios chapados& a enermeira
orgulhosa
- $o so simpticos di l=
iguais aos inelies ue esperam horas na consulta Bestindo-se
para o mKdico em luCos de baptismo& uma garraa de uRsue no $atal
a agradecer a indieren@a
- "esculpe a modKstia da lembran@a senhor doutor
uando olho o retrato dos pais da enermeira
Q- Os teus brYnuios sempre oram racos NlhinhaS
tenho remorsos de lhe mentir& no gostar dela& a sua aTi@o para
agradar-me- ECplica-me como te apetece ue me arrane como ueres o
cabelo
os teus pais orgulhosos de ti e eu a escolher mesas discretas nos
restaurantes sem coragem de pedir
- $o te penteies dessa maneira no Bistas isso ue eio
no so apenas as aeitonas na aca& o po no molho em
moBimentos de uem desinecta um lanho com tintura de iodo& a
batuta de maestro do garo ao conBersares& coisas ue me recordamo ue de +astelo >ranco preeria esuecer& na altura do pWncreas
trataBam o meu pai por tu na ,nidade e indignaBa-me
Qno indignaBa a minha me& para a minha me natural& os
mKdicos pessoas importantes& ricas& ela com o seu uRsue em papel
de seda
- "esculpe a modKstia da lembran@a senhor doutor
o senhor doutor colocaBa o uRsue numa prateleira secundria&
eu urioso com ela e com o mKdico
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- Hei-de Bing-la me
e no Binguei& no prestoS
a doente de 7 anos& seCo (& idade aparente etc etc
Qas tretas do costume& para uV escreBer isto=S
e o homem do medalho um namoro de cartas entre o >eato ue
a enermeira aNnal& na Jltima ocasio ue a gente os dois nos
bambus
- $o sei bem onde Nca
a esta@o dos comboios para o estrangeiro ue essa sim& no h
uem no diga o lugar& cheia de altialantes& pressas& nódoas de
chuBa
Quem me eCplica poruV=S
mesmo durante o Bero
Qse calhar no nódoas de chuBa& óleo& os horrios das partidas a
insistirem
- X tarde
e as nódoas de chuBa a traerem-me U ideia o recreio da escolaS
a doente Bestida de luto ue h-de oerecer-me tambKm
- "esculpe a modKstia da lembran@ao seu uisuiinho de $atal se a cisma das tristeas e das
insónias lhe durar atK l& para alKm do sauito do crochet o sauito
da garraa& o homem do medalho ue eu pensaBa mais ou menos
como ela Bai na Bolta com escutos& no estudos uando se
conehceram& nessa Kpoca trabalhaBa numa oNcina& um escritório
Qeu ue no N mal a ninguKm a aturar o relato destas Bidas
minJsculasS
estudos depois& a doente libertou duas ou trVs andorinhas domar e uma palmeira ao reerir-se ao bairro em ue o homem
habitaBa& encheu-me o gabinete de uintalecos& hortas& sobeos ue
nos miram na insistVncia do remorso& o meu pai a despertar-me
tocando-me no bra@o
- *ou o teu pai
e eu a tentar recordar-me enuanto ele se esumaBa
- Em ue K ue o desiludi pai=
apesar de esumado o cheiro dos cigarros& Bontade de
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tranuili-lo U medida ue acordo& me descubro adulto e ainda ue
adulto& com uarenta e um anos
- +omo preere ue eu sea senhor=
o meu pai no com o ato das semanas& o das riscas de ue a
minha me se orgulhaBa& ela de mo U rente da boca
- Para uarenta e um anos no est mal pois no=
Qnós dois com uarenta e um anos reparou senhor=S
a minha primeira mulher um resmungo na almoada
- 9ue conBersas so essas=
colocando uma por@o de tempo impossRBel de transpor entre o
meu pai e eu e detestei-a por isso dado haBer contas a resolBer pela
gente& mal entendidos& mentiras& a minha primeira mulher
- #alas soinho agora=
a minha actual mulher sem coragem de desagradar-me&
aceitando& calando& a enermeira ue por estranho ue pare@a me
daBa Bergonha enBergonhar-me dela& a certea ue das trVs a ue o
meu pai preeriria se o pWncreas consentisse& nunca passou de Nscal
da +Wmara o pateta tRnhamos o limoeiro& a casa ue no Balia de
rKis de mel coado e o cachorro a adiBinhar-nos antes de nosadiBinharmos a nós mesmos& no morreu como a minha irm& areou
um horionte de perdies& empinou-se& teBe a certea ue sim& oi-se
embora& a minha me ue assobiaBa melhor ue nós e se osse
preciso atirar pedras acertaBa sempre imaginou-o durante semanas
em todos os raeiros
Qteria preerido a enermeira igualmente=S
chamaBa-o
Qpor ue rao pergunto& sei pereitamente ue simSe aNnal um bicho manco ou de pVlo comprido ou mais escuro&
esse ao menos no me Bisita U noite
- *ou o co
deiCa-me em pa& deBe caminhar pela serra inBestigando buCos&
abri a anela do gabinete e enCotei as andorinhas do mar& uanto U
palmeira as empregadas da limpea ue a Barram uando a doente
Qo ue me interessa isto& mais insónias& mais tristeasS
saRa U rua escoltada pelos alarmes de uma tia
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Qo ue me interessa realmente isto=S
e o homem do medalho atrs& se estacaBam BoltaBa-se de
costas tentando dissolBer-se numa montra& o reTeCo no Bidro& ue
espreitaBa U socapa& recome@aBa a andar obrigando o homem a
apanh-lo e a ser um de noBo& palaBras ue lutaBam umas com as
outras cartas ora inBentando promessas respeitosas& de tempos a
tempos a enermeira depositaBa-me um enBelope no bolso
- $o leias agora
pKtalas autVnticas dentro& ondinhas a tinta aul em ue um
cora@o escarlate de baton
Qo baton ultrapassaBa os contornosS
nauragaBa& no lhe respondia Us perguntas& desabotoaBa-a
pressa
Q- %enho duas horasS
embora ela
- Espera
pedia-me um Nm-de-semana& uma noite& um eriado& ao cabo de
alguns meses no pedia nada& um dia destes sem ue eu espere
- "eiCei de gostar de tie ualuer coisa empurrada pela delicadea do anular a Nm de
ue a plpebra se no manchasse& despedir-me dos bambus& dos
caBalos& do tamborete com aspecto Belho apesar de noBo traido das
Krias em Marrocos com uma amiga antiptica sempre agreste
comigo
Q- Esse doutorS
Marrocos diapositiBos de chapKu de palha diante de ediRcios
suos ou sea isto aui em mais descal@o& mais conuso& maismiserBel e mal o
- "eiCei de gostar de ti
comichFes esuisitas na barriga& no peito
Q- <ai dar-me alguma coisa=S
um peso com o ual no contaBa a obrigar-me a aoelhar& as
lgrimas adiadas
- $o precisas de nós=
remeCendo-se no lugar onde escondia a minha irm& o meu pai&
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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eu para a enermeira
- *e acabaste de consertar a plpebra empresta-me o anular
agora
a Biinha com uem esperaBa casar durante a instru@o primria
e a meningite roubou& eu surpreendido de a Ber depois de tanto
tempo& com um bibeito de Cadre& a mostrar o gato ue lhe deram
nos anos
- $o esperaBa ue continuasses comigo !sabel
o ue Bamos untando sem reparar santo "eus& atK um bibe
Qlembro-me to bem dos botFeinhos nacaradosS
a !sabel ueria ser pianista
- <ou ser pianista
de maneira ue suponho nascer dela essa toada nas erBas U
noite& a proessora um discurso acerca da precariedade da eCistVncia
ue nenhum de nós calculaBa o ue osse& apontou-nos o lugar na
aula& colocou-lhe uma Tor
Qacho engra@ado o nome miosótisS
endireitou a plpebra tambKm& o andar nos arredores de Lisboa
a apeuenar-se na direc@o do passado& impedir a enermeira de seunir ao sorriso do meu aBY& ao cachorro& a tantos acontecimentos
ue lateaBam doendo
- $o a@as isso
no a@as isso ue te dou um Nm-de-semana prometo& uma noite&
um eriado conorme te dei o anel e a pulseira e gostaste do anel e da
pulseira no oi& aceito as aeitonas na aca& no eBito mostrar-te nos
restaurantes ue eCagero& a sKrio ue tenho orgulho em ti& gestos
ue me irritaBam pensando melhor comoBentes& a tua cara& aodespedir-se& to desamparada& to só& o trinco da porta enterraBa-se-
me no estYmago ao echar-se& a cada Bolta mais impiedoso& ero&
no deiCaste de gostar de mim conessa& deiCa-se de gostar
deBagarinho& de desiluso em desiluso& no assim& na anela do
hospital nada salBo umas rBores claro& a mania das rBores& a
chatice das rBores& oNcinas& as ambulWncias na garagem sem
desenrolarem as sereias do pWnico& a doente o sanatório em +oimbra
deriBado aos pulmFes& a tia a despedir-se U porta e a conBic@o de
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- <ais morrer
no seu beio& tudo a insistir
- <ais morrer
balan@as de pesar ossos sob a pele porue no eCistiam
mJsculos nem tendFes& ossos B l e no de osso& de barro& nenhuma
lgrima ue no cabem lgrimas no medo& o espanto ocupa o mundo
com as suas botias de oCigKnio& os seus algodFes& os seus pensos& o
corpo a transormar-se noutra coisa& a me da !sabel pegaBa-lhe nas
mos& alinhaBa-as sobre a mesa eCibindo eBidVncias
- "edos de pianista no se nota=
e de acto desde a meningite as erBas& se tomarmos aten@o&
uma Balsinha contente& pegar na mo da enermeira como se a mo
da enermeira a mo da !sabel e a garantia de ir pensar no diBórcio
Qno penso no diBórcio& no K uma uesto de amor& habituei-
meS
a doente contacto adeuado& sintónico& alguma reticVncia no
ue concerne a sua Bida pessoal& dois anos em +oimbra& noites
demasiado Bastas em ue um empregado do pai lhe sachaBa no o
Bentre& as costelas impedindo-a de respirar& a desconNan@a ue ohomem do medalho
Qgordo& baiCinhoS
a BigiaBa das portas& a bailarina girando aos trope@os mas to
longe& a mo da enermeira a consentir& uase lRuida& a proessora
da Tor eCaltando-se comigo
- Prometeste ue te diBorciaBas no oi=
Qno me censure dona Luia nunca aldrabou BocV=S
e no caminho da escola para casa o celeiro onde a gente ia Usescondidas com duas mulheres l dentro& a surda-muda e a prima& a
sur-da-muda percebia-nos pela Bibra@o das tbuas e Binha ao nosso
encontro numa espKcie de gritos& a prima para a gente
- Os caramelos dela=
e a surda-muda nuns ardos& tranuila& a mastigar& a prima
disciplinaBa os clientes de machadita em riste
- %u aR mais depressa
QBi o meu pai sair de l uma tarde& uer dier no tiBe a certea
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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ue o meu pai& inBestiguei-lhe o casaco e um caramelo aindaS
os ue tinham acabado de uma banda& a darem conta dos grilos
Q- $o ds conta dos grilos=S
a prima enrolaBa o dinheiro num plstico& dobraBa-se para o
cho
- $o olhem agora
sumia-o nos barrotes& NCaBa-se num de nós ao acaso a amea@ar
- %u Biste
e a machadita para cima e para baiCo a crescer& Nuei a olhar o
caramelo no bolso do meu pai detestando-o& uis deitar ogo ao
celeiro com ornais Belhos& palha mas os ósoros ue prometiam
arder espirraBam uma chamainha& apagaBam-se& um lagarto ou
ualuer bicho da terra assustou-me& ulguei ue o meu aBY Bindo do
cemitKrio com um len@o na cara a acusar-me& as ei@Fes dele um
buraco
- $o me aborre@a aBY sacuda essas raRes do ato essas olhas
Qcomo se sentiria com a chuBa no inBerno=S
a enermeira enuanto lhe procuraBa o echo Kclair do Bestido
aNnal no nas costas& de ladoQo ue as modistas inBentamS
- epete ue te diBorcias ento
subi echos U minha me& U minha primeira mulher& U minha
actual mulher& todas de costas para mim& uma delas
Qual delas=S
um sinalito no ombro& outra uma Berruga peuena
- Auda-nos com o echo anda
no Bos posso beiar porue uma de BocVs& tu ou tu& a minhame
e se o meu pai sonhasse mataBa-me& a minha primeira mulher de
nari demasiado próCimo
Qoi sem uerer meS
- Paraste de repente o ue se passa contigo=
o corpo da minha me& o Bentre& as aCilas
- $o se passa nada uma dor
no oi culpa minha me& oi culpa do meu pai& se no osse ele
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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no me atreBia uro& nem me surgia na ideia ue horror& sou seu
Nlho& mas uando estiBe com a surda-muda& depois do caramelo no
casaco& oi consigo ue estiBe& os seus modos& a sua maneira de olhar
- Aconteceu alguma coisa tens ebre=
a sua boca no meu pesco@o& os calcanhares no meu rabo
apertando e largando
Qno tarda nada "eus Bem por aR abaiCo e mata-meS
o meu pai chegado do cemitKrio tambKm a retirar o len@o da
cara& ulguei ue uma censura e silVncio& raRes e olhas penduradas
do ato& no angado comigo& angue-se comigo ao menos para ue
eu& a cal@ar as meias U pressa
- "esculpe l o mau eito paiinho
a minha primeira mulher a abanar-me interrogando o tecto
- A sKrio ue eu no gosto de brincadeiras o ue se passa
contigo=
por sorte no pensaBa na minha me& pensaBa nas amigas& a
sócia
da loa casada com um Belho& a das saias apertadas ue se
diBorciou em outubro& só uando a minha primeira mulher no uartode banho entre torneiras raiBosas o meu pai se ia embora a sacudir-
se de liCos& comigo a pau no receio ue o Bissem
- $o o tratam bem no cKu paiinho=
eu a Bestir-me nos arredores de Lisboa pesuisando tra@os de
creme e o lpis dos olhos ue recusa sair& os Biinhos a eCistirem
todos ao mesmo tempo porue a constru@o barata& discussFes&
correrias& um perurador ue se interrompia e come@aBa de noBo&
diBorcio-meQo tanas& diBorcio-me agoraS
mas inelimente as coisas no se aem como nos apetece&
partilhas& dinheiro& adBogados brandindo códigos ue no se
entendem& demoram& o apartamento em +ascais& a uinta de +astelo
>ranco
Qno haBia apartamentos& no haBia uinta algumaS
na amRlia h ue sKculos e os pais da minha actual mulher& no
tanto a minha actual mulher& os pais
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Qa dona Eduarda e o senhor Medeiros ue no aem mal a uma
mosca com as orelhas a arderS
sem direito algum eCigem
- *enhor Medeiros perdoe
o carro deles um caco de ue o senhor Medeiros se enBaidece e
onde a dona Eduarda mal cabe& suspiram por um neto e U conta do
neto serBem-me primeiro ue a Nlha& o cachimbo do senhor Medeiros
e a dona Eduarda a arear-me com o leue
- $o o incomoda o tabaco=
portanto os diBórcios complicadRssimos BVs& papelada& uies&
e depois o teu corpo& seamos obectiBos
Qa crian@a do piso de cima auda U obectiBidade& no h melhor
ue uns peinhos no tecto para ue eu me torne impiedosoS
mais um ano e piou ue essa pele no engana
Qno se apouente dona Eduarda hei-de continuar a ir U sua casa
as seCtas-eirasS
da Baranda deste prKdio só prKdios& os auleos da coinha
cestos de ruta impressos& de cinco em cinco uadrados um aiso a
olhar-me& por trs dos prKdios tipuanas ue no lograram Bingar& unscauleitos sem cor onde nem os ces urinam& tu com orgulho
imagine-se
- A minha casa
comigo a pensar na doente de 7 anos& seCo (& os dedos dela
no de pianista& inchados& o naperon no sauito& como seria BocV
uando eu miJdo& Belhota& as cartilagens dos ombros contra o
Bestido de luto
Qno um bibe de Cadre- $o sabia ue continuaBas comigo !sabel
aendo BKnias no uintal para uma assistVncia inBisRBel
- Obrigada obrigadaS
ainda direita& digna
Qoutra palaBra ue me diBerteS
o sanatório em +oimbra entre pinheiros& as grades da cerca
altRssimas e a seguir Us grades talBe os choupos da minha irm& do
meu pai& no só choupos& ciprestes& de regresso a Lisboa o homem do
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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medalho no se desdobraBa nas Bitrines& no a seguia na rua& ulgou
BV-lo no >eato& teBe a certea ue ele& aproCimou-se e no ele& um
desconhecido& uma sombra& acontece-me com a minha me tantas
Bees& eu muito sossegado no automóBel por eCemplo ou a ler e a
minha me
Qno a minha primeira mulher& no outras mulheres& a minha
meS
pedindo-me ue a auCilie com o echo& de costas para mim& a
Berruga peuena& o sinal
- "esencraBa-me isto garoto
o cotoBelo da enermeira no meu estYmago admirada
- +hamaste-me me tu=
na anela do hospital uma ambulWncia de >ea de pra-choues
uase a arrastar no cho ue consertaram com guitas& a doente no
>eato& no >airro da Madre de "eus& na palmeira do Ateneu& em
MarBila& no mencionando as gaiBotas
Qnunca me alou de pssarosS
um otógrao surgiu de uma caBe com retratos de noiBas
Q- "Jias de bebKs e de noiBas senhor doutorScom as mos deseitas dos cidos
- +onheceu o pimpolho=
e a doente& conusa
- O pimpolho=
Qem Be de transormar o uarto minguante em rBore Bou
escreBendo ao acaso U medida ue a ambulWncia de >ea se dirige ao
paBilho nJmero sete no o do meu pai outrora& o do meu pai to
longe e a percoSo otógrao a mostrar-lhe pelRculas e o homem numa delas ao
colo de uma mulher embeerrada de timide& a mo dos cidos
espalmou-se-lhe em cima
- O pimpolho
o ponto onde o otógrao lhe contou ue o pai do homem
umaBa antes de embarcar para #ran@a& a me sem entender
- PoruV=
a impresso ue o %eo se retiraBa do mundo conorme aem os
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galos antes da chegada da noite& uietinhos na capoeira a pensar na
manh& de uando em uando moBia uma anca de rebocador e
serenaBa outra Be& os bambus da enermeira acalmaBam-se no
escuro& os caBalos paraBam& despedia-se de mim sem uma ueiCa&
uma prega na boca ue me no censuraBa& entendia& se conseguisse
dier amo-te
- Amo-te
sentar-me no banuito em ue deiCas a roupa
Qno te estrago a roupa descansaS
beiar-te a testa preparando-te o sono dado ue o perurador
mudo& o trote da crian@a cessou e a amargura
Qtristea& lamentam-se elesS
a impregnar os obectos& podia morar contigo em instantes
assim atK ue um estreme@o na parede& um ralo a sorBer espumas e
o Bento de *intra& a tua cabe@a no peitoril ao ir-me embora
QJnica cabe@a BiBa no bairroS
o bracinho ue se unta U cabe@a para dier adeus e no acaba o
adeus& demora-se na plpebra a amparar decep@Fes& se adiBinhasses
o ue K cair doe andares como eu caR h anos e a >eatri a Ber-mesem se ma@ar comigo& o corpo continua a doer em partes ue
ninguKm d por elas e K em nome da dor
Qora aui tens a BerdadeS
ue no Nco& no posso Ncar e contudo no aborre@o as pessoas
com tristeas& insónias& aguento conorme hei-de aguentar a alglia&
o tubo no estYmago& o soro& aprendi com o meu pai
- +omo se acha pai=
e ele um olho na gente& um olho no biombo& mais olho no biomboue na gente e calado& a minha me com um po-de-ló numa caiCa
Q- $o eCperimentas ao menos=S
ganas de perguntar
- "aBa-lhe arrano o limoeiro me=
no corredor U saRda tentou pegar-me no pulso e recusei-lhe o
pulso antes ue o olho na gente
- $o me toue
comemos o po-de-ló do meu pai U sobremesa& a minha me a
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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necessitar do limoeiro de acto
- ;ostaBa tanto do bolo
aposto ue a boneca da minha irm acol mas no uis BV-la&
ugi& eu mKdico nessa Kpoca a aturar pessoas como esta de idade
aparente coincidindo com a real& lJcida& calma& aspecto cuidado&
aten@o mantida& discurso coerente& ue trope@ou no pimpolho de
anos depois
- H cinuenta e trVs senhor doutor
e por conseguinte boa capacidade mnKsica& numa pra@a da
>aiCa& ele casado& mais gorducho& mais calBo e a propósito de
calBRcie a uantidade de cabelo ue me Nca no laBatório& no pente& o
barbeiro sugeriu-me ampolas& colocou um segundo espelho e uma
aurKola de santidade na moleirinha& o barbeiro& compassiBo
- "isar@o=
e a partir de ento os encontros Us uartas-eiras numa
residencial numa pensoita
numa hospedaria da ;ra@a& um espasmo no saco do crochet&
uma pausa& o crochet a hesitar
- Era Birgem senhor doutorno deu com a surda-muda& desconhecia o celeiro& era Birgem& o
ue eu poderia dissertar sobre a Birgindade meninos& a etimologia& o
sentido& portanto a hospedaria no alto da ;ra@a Us uartas-eiras& um
galho de trepadeira para c e para l& um caBalheiro sempre
- Henriueta
a pensar ue deBia ser a Henriueta
- L Bai
e eu senhor doutor to aTitaQaTi@Fes& tristeas& insónias& um suoco aui& Bo U aBaS
a hospedaria da ;ra@a Us uartas-eiras& *intra na primaBera
uando as accias Toriam& %aBira dois toldos adiante
- OlhaBa para ele chegaBa-me
recusaBa-lhe o dinheiro porue o amaBa senhor doutor& 7 anos&
seCo (& ra@a caucasiana& instru@o rudimentar& escolaridade uase
nula& estado ciBil solteira& antes do homem do medalho o audante
do pai a sachar
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- Menina
e a lata da doente igual aos outros doentes ue só sabem mentir&
eu ue lhes ature os caprichos
- Era Birgem senhor doutor
enuanto o do sacho cada Be mais largo& mais undo& lhe diBidia
o corpo abrindo sulcos& regos& pelo menos uanto a Birgindades a
enermeira sincera& Ncmos conBersados& um bancrio cuo nome
esueci
Qno esueciS
e a uem um separador de auto-estrada
Qobrigado separadorS
pYs dois tra@os por cima
Qtenho a certea ue o retrato dele numa gaBeta aRS
na cauda do bancrio e isto contado meses depois a seguir a
Brios
- %enho acanhamento em dier
a Brios
- Promete ue no te angas comigo
de reBista U rente da cara- $o olhes para mim seno no tenho coragem
a aastar a reBista
- Acho ue no Bou dier no sou capa de dier.
Eu de inRcio diBertido a impacientar-me agora& igualinho ao
pirrot na estante a desliar do bambu& espreitei as horas e
tardRssimo& a uma EnciclopKdia de Mulheres #amosas com oana
dZArc e uma actri americana ue estou arto de conhecer e no me
lembra o nome na capa& se no osse a meningite a !sabel ali& a meseparando-lhe os dedos a comandar
- *epara mais os dedos songamonga
apontando U minha me dedos BulgarRssimos& curtos
- "e pianista no so=
e se calhar eram porue as erBas da campa& no caso da gente
atentos& um estudo& um prelJdio& a enermeira muito depressa
- Após o Marcelo
QMarcelo=S
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tentando parar mas era diRcil parar& a conNsso apesar dela
- Após o Marcelo um mulato
e eu& K natural& a Bacilar com o mulato& dVem-me doe andares
para cair de noBo atK ao centro da terra& Nos elKctricos& canos&
pedregulhos latinos& o meu pai a Bogar nas redondeas& a surda-
muda e os seus assopros de ganso uando alguKm mais coraoso ue
eu
Qa minha me=S
incendiou o celeiro& Bi a minha me sair do uintal com ornais&
uma bra@ada de palha& o meu aBY a dar corda ao relógio do armrio
- $o ales disto Us pessoas
eu& nos arredores de Lisboa& dKcimo primeiro& dKcimo& nono&
procurei a >eatri sem achar a >eatri
Q- $em um boa Biagem >eatri=S
eu soinho
- ,m mulato=
os arredores de Lisboa to eios& to porcos
Q- %u eia porca um mulatoS
a reBista a aBan@ar para mim embara@ada- Eu bem tinha a certea ue no deBia contar
com o Bento de *intra os caBalos iniciaram o seu galope na
moldura. Ha sala e eu neles. no locraBa moBer-me
Qto complicado moBer-meS
e no entanto eu com eles& a minha me mais palha& mais ornais&
um ósoro& eu a designar o teu prKdio
- Este sRtio aui me
e agora se uiseres tenta abrir a porta& escapar-te& nem seuercalcei as meias& guardei-as no bolso& no lacei os sapatos& um dos
oelhos contra o barinho ue gaita& a enermeira a recuar no diB
- >em tinha a certea ue no deBia contar-te
o trinco automtico da porta da rua ue se negaBa a saltar& a
minha me curBou-se com os ornais e a palha& eu a correr em
+astelo >ranco a caminho de casa& o meu aBY suspendendo o relógio
- $o ardeu celeiro algum ual celeiro=
a minha me na coinha a cortar cenouras& lombardo& a enCotar-
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me com a aca
- $o me empates garoto
e portanto a enermeira BiBa& a surda-muda BiBa& eu BiBo& posso
cal@ar as meias& la@ar os sapatos& descer o Bidro do automóBel para a
cara l em cima a endireitar a plpebra ue diminuiu aos poucos&
desBaneceu-se no ar
Qse eu
- Amo-te
tu agradecida apesar de no acreditares em mimS e regressando
U consulta doente de 7 anos& seCo (& ra@a caucasiana& educa@o
rudimentar& escolaridade uase nula& estado ciBil solteira& durante
cinuenta e dois anos senhor doutor Us uartas-eiras na hospedaria
da ;ra@a& agosto em %aBira& reere ue ele ueria-me perto de si& ue
um mVs de ausVncia um do outro era muito tempo percebe& discurso
coerente embora repetitiBo& idea@o pobre& personalidade submissa&
contentaBa-se com as accias de *intra
- As accias de *intra senhor doutor em maio
eu ue desconhe@o o ue seam Tores nas accias& dois Belhos
na esta@o dos comboios em horrios dierentes& ela primeiro& aaguard-lo num banco& o pimpolho mais tarde& peuenote
Qmais baiCo ue a doenteS
atento ao cora@o& aos diabetes& Us artKrias do cKrebro&
dirigindo-se no sentido de Monserrate a eCaminarem as copas& a
instalarem-se num caeinho& a enermeira e eu uma primaBera
destas em *intra tambKm& eu para a enermeira
- As accias
ela eCultante- As accias
eCplicar U minha actual mulher ue uma urgVncia no hospital&
um problema na +lRnica& o pedido de um colega
- A esposa dele ue ma@ada
o meu cora@o& os meus diabetes& as minhas artKrias do cKrebro
e mau grado o cora@o& os diabetes& as artKrias do cKrebro& muito
remoto Qde ou doe uilómetrosS adiBinhaBa-se o mar& a gente
hesitando a obserBarmos um ardim
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- *ero accias isto=
sem o mulato na lembran@a dado ue no rodar do tempo ui
esuecendo o mulato consoante esueci a minha me& o meu pai& a
minha primeira mulher& esta doente de luto mais o crochet e a
tristea& dado ue no rodar do tempo a Jnica coisa de ue me
apercebo so o limoeiro do uintal& a minha irm no ber@o& o
cachorro ue perdemos& o peso do compadre do meu pai no meu
ombro a propósito de uma caiCa
Qual caiCa=S
e da terra na caiCa
- %ens de preparar-te garoto
no precisa de recomendar ue me prepare senhor >arbosa& eu
a postos& no oi@o os sinos BV& o discurso do padre& adiBinho o mar
Qde ou doe uilómetrosS para alKm das accias& se a minha actual
mulher
- 9ue tal oi=
amontoo-me na poltrona eu ue costumo sentar-me& inclino a
cabe@a para o apoio da almoada
- #oi bemou antes no lhe respondo
- #oi bem
adorme@o enuanto o mar se aproCima da gente& no K a minha
actual mulher& K o mar ue se aproCima de mim& tra uma manta
para os oelhos& Bai-me cobrindo com a manta& segreda sea o ue or
para si mesmo e eu ento
- #oi bem
ulgo ueQno estou seguroS
- #oi bem
suponho ue eu
- #oi bem
dado ue o mar& aliBiado& descansado comigo& retira o crochet
do sauito para continuar o naperon.
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TERCEIRA CONSULTA
E aui estamos nós outra Be ue seca& eu numa cadeira de
bra@os deste lado da secretria e a senhora numa cadeira de bra@os&
mais peuena& do outro& na ual de tempos a tempos me apetece
sentar para alar comigo& o eu preocupado dirigindo-se ao eu ue
mal o escuta& Nnge ue o escuta& no o escuta de acto& arruma
papKis& torna a arrum-los& muda de sRtio um carimbo& a caneca das
eserogrNcas sem tampa
QporuV sem tampa sempre=S
BeriNca uma alha da parede na desiluso de um cabelo branco
QatK os hospitais enBelhecem senhoresS
a chicotada de um pombo na anela assusta-o& recorda-lhe outras
anelas& outros medos& outras chicotadas no de pombos nem depenas& mais undas& ue gostaBa de contar e no K capa de contar e
o eu ue mal o escuta distrai-se consoante me distraio de si& no me
leBanto nem estendo a mo uando chega& designo com a caneta a
cadeira sem bra@os no a olhando seuer enuanto termino a Ncha
do sueito anterior& um homem triste tambKm& com insónias tambKm
Qno Beo outra coisa na BidaS
parecido com o eu preocupado diante de mim& tilintando
recorda@Fes no bolso da memória sem coragem de mas oerecerQno o limoeiro& no a minha irm& outras coisas mais secretas&
mais intensasS
ou sea doente de 87 anos& seCo O& idade aparente
Qai de mimS
superior U real& uma idade se assim me posso eCprimir de acarK
ou tartaruga& dando ideia ue orientado no tempo e no espa@o ou
sea& como os mKdicos aNrmam& alo e heteropsiuicamente e contudo
no orientado no tempo e no espa@o& U deriBa entre +astelo >ranco e
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Lisboa e caindo& percebe& para alKm de todos os centros da terra& atK
um lugar em ue nem ele se encontra& no gKnero da adega sem lu
onde acompanhaBa a criada e o corpo da criada& respirando no
escuro& desumano consoante acontece uando alguKm ue no
Bemos respira ao nosso lado
Qto perturbador uma pessoa BiBa no acha& cada BRscera a
eCistir soinha& roupa ue murmura mal um gesto e no interior da
roupa uma Bo ue nos conhece o nome a chamar-nosS
eu na cadeira de bra@os deste lado da secretria a designar a
cadeira sem bra@os com a caneta e apesar de uieto tombando& mal
dando conta ue BocV de luto
Q- <ai usar luto atK ue altura=S
com o sauito do crochet& as suas ueiCas& a sua história e ue
Nnalmente uase me olha
Que Nnalmente me olhaS
e ao olhar-me no K a si ue Beo& K a criada a entregar-me
garraas antes de descermos U adega& o primeiro degrau ainda claro&
os seguintes inBisRBeis e a minha me l em cima onde as pessoas
continuam a ser& se pudesse tocar-lhe no medalho para me sentiracompanhado e a certea ue se aBan@asse a manga BocV recuaBa
conorme recuou sem palaBras ou com demasiadas palaBras e
portanto sem palaBras na primeira tarde da hospedaria na ;ra@a&
amedrontada pela boca do homem
Qo resto das ei@Fes no lhe aia impresso mas a amea@a da
bocaS
Bontade de pedir-lhe
- $o respire senhorsea uma pedra& no respire& no tussa& Nue sossegadinho aR& o
empregado com o sacho a assobiar l ora e eles os dois& o
empregado e o homem& Bo esuartear-lhe os ossos& abrir-lhe regos
no corpo& a sua me assim certas noites& o seu pai na coinha depois
e se BocV entrasse no uarto
- Me
ela deitada como as Bitelas amolecidas no estbulo mal os bois
se aastaBam
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- 9ue oi=
no bem a sua me por enuanto& uma criatura ue se ia
aparentando U sua me& uma espdua sob o len@ol
- 9ue oi=
aNnal a espdua dela com a omoplata ue o mKdico operou a
agu@ar-se na pele& a sua me igualinha U criada na adega a deiCar
de ser ela& a ser ela de noBo& ao no ser ela cada BRscera a eCistir
soinha& um suspiro ue atraBessaBa grutas e grutas antes de o
acharmos no ar& BocV para o homem& na esperan@a ue a trepadeira
Qa trepadeira sim& o chicote de um ramoS
a protegesse
Qou o laBatório& ou o cabideS
- Espere um bocadinho senhor
do mesmo modo ue hesitaBa em contar-me& discurso adeuado
embora reticente& demoras& circunlóuios& eBasiBas& l entendi ue
durante cinuenta e trVs anos as uartas-eiras U tarde& ^das duas Us
cinco e meia& eu saRa primeiro
QtranscreBer& sempre ue possRBel& o discurso do pacienteS
e de tempos a tempos& da parte dele& no da minha& silVncios&enados& no se despia seuer& tomaBa os comprimidos do cora@o&
dos diabetes& miraBa a rua do uarto& animaBa-se no caso de uma
gaiBota
- $o Biste
e esuecia-se& miraBa em torno a custo a enrugar-se
- $o sei
e BocV do outro lado da secretria& na cadeira sem bra@os&
suponho ue igualmente- $o sei
um desconorto idVntico de silVncios& enados& no seu lugar ue
me diria a mim& ue se diria a si mesma& ainda antes do pWncreas o
meu pai em silVncio& oi com ele ue aprendi o caminho da adega& dei
K ue no apenas eu porue demasiados passos& uma tbua de
caiCote a aBisar-me
- O teu pai o teu pai
um gargalo a rolar& nessa Kpoca um postigo rente aos canteiros&
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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eu aoelhado U escuta e no postigo duas respira@Fes desumanas& se
acordo a meio da noite a minha actual mulher dessa maneira
Qestou deitado com uem=S
acendo a lu e a minha casa& os meus móBeis& no a adega&
nenhum postigo& eu crescido& a minha actual mulher um solu@o
QconBersa com uem& pensa em uem=S
e continua a dormir& ela na adega com o meu pai pisando tbuas
de caiCote& desalinhando garraas& pergunto-lhe ao ouBido
- Era com o meu pai ue tu estaBas=
e pKs a despontarem na coberta ao undo& a doente mais o
medalho e o luto na cadeira sem bra@os
- $o entendi senhor doutor
ou na hospedaria da ;ra@a com o empregado do pai& no com o
homem& BocV no em Lisboa& num cubRculo de proBRncia da mesma
orma ue no uma trepadeira nos caiCilhos& o pomar& a Binha& se a
criada da adega continuar BiBa a sua idade acho eu& tinha Nlhos
crescidos& o marido na Alemanha& umas cabras& aproCimaBa-me da
cancela e logo as cabras a rirem& no me trataBa por menino nem por
senhor& o meu pai por senhor& com respeito& a mim por tu& diBertida&a doente a endireitar o medalho
- $o estaBa a rir senhor doutor tenho alma para risos
cinuenta e trVs anos U espera das uartas-eiras U tarde& dos
domingos em *intra& de %aBira em agosto ao passo ue eu teria ido a
sua casa
Qum uadro de caBalos tambKm& os bambus& o pierrotS
demoraBa-me consigo& oerecia-lhe uma pulseira& mentia-lhe&
uando o meu pai adoeceu desci U adega por ele& a criada a mangarcomigo
- Achas ue tens idade tu=
mais noBo ue os Nlhos& uase neto& eu cego& podia BV-la se
descobrisse o postigo ou acendesse a lu e no entanto cego& os meus
gestos cegos
- Espere
a Bo cega tambKm ue tacteaBa
- Espere
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achando uma ndega& o pesco@o& uma gargalhada de bicho
Qas cabrasS
consentindo& apiedando-se& no me mandando embora
- +heiras a leite tu
o meu pai na ,nidade alheado de nós& a minha me entregou na
recep@o
Q- X melhor ir traendo a roupa dele compreende=S
enBoltos na toalha da mesa
Q Porue no um ornal me=S
os sapatos
Qos sapatos num ornal para ue a graCa no enodoasse a
camisaS
o ato& a graBata& por causa dos sapatos& do ato& da graBata eu a
tactear
- Espere
apercebendo-me ue tacteaBa e detestando-me pelo meu pai&
pela minha me& pelo ato ue aguardaBa
Qum dia& uma semana& duas semanas ainda=S
o momento de o Bestirem lutando com a resistVncia dosmembros
- $o uer Ncar bonito o palerma
pela criada ue se no ralaBa com o meu pai& brincaBa U minha
custa
- +heiras a leite tu
sem perceber ue era a Jnica orma de o manter BiBo& ue
talBe o meu pai a agradecer-me por isso
- #ilhoa aceitar a gua ue lhe serBiam no num copo& com um len@o
molhado
Q- +hupe o len@oS
e escorria do ueiCo& era o senhor ue eu no ueria encarar
pai& no a criada& os olhos mortos& o nari morto& no bem uma
distWncia da gente& se tentaBa alcan@-lo BocV impedia-me& o pulso
magrRssimo abandonado na colcha& a cabe@a ignoro onde ou cabe@a
nenhuma sabendo ue os sapatos& a graBata e o ato& to largo agora&
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na ,nidade U espera com os Bincos no lugar& os botFes apertados e
eu em busca da criada& entre garraas& para impedir ue lhe
cal@assem os sapatos sem peJgas& os tornoelos demasiado plidos a
pedirem-me auda e eu
- +alcem as peJgas do meu pai por aBor
U cata na toalha sem as achar& a camisola interior sim& os cal@Fes
sim& sacudir a criada atK os dentes dela& as cartilagens dela& garraas
ue tiniam e os dentes de noBo
- *e o meu pai morrer mato-te
eu a sacudir a criada sacudindo a minha me
- 9ue K das peJgas do pai me=
proRbo-a ue o meu pai descal@o& o meu pai no Bai descal@o
ouBiu& a criada no
- +heiras a leite tu
uma Belha da idade da doente e a doente uma resposta a medo a
certiNcar-se do medalho como se o medalho a deendesse de mim
- As peJgas do seu pai senhor doutor=
percebia-se o Bento de +astelo >ranco em outubro& os ramos do
limoeiro& o uadrado de terra em ue a minha me balsaminas e umraminho a augentar os pssaros. obserBaBa-as U tarde sorrindo-se a
si mesma
- As minhas Tores
como se as Tores rostos elies& amigos& a minha irm com a
gente& a minha me noBa e assim& irritaBa-se com os pssaros
Qarmei aos tentilhFes tantas BeesS
perseguindo-os pelas balsaminas& a criada um cani@o de trapos&
o trapo da blusa& o trapo da saia& o trapo de uma segunda saia& acriada um espantalho& a doente um espantalho& eu a interromper o
desenho no bloco
- "iga-me ue cheiro a leite atreBa-se
rasgar os trapos& rompV-los& um caba na adega& um alambiue
antiuado& a mo encontrou a cara dela& uma orelha
- "iga-me ue cheiro a leite B
uma coCa a desBiar-se de mim& a segunda coCa& cabelo
inesperado entre ambas
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Quma ocasio& tempos antes& tinha-me parecido ue a minha me
igualmente& no uis acreditar e era Berdade me& no imaginaBa
ue as mulheresS
e N isto para ue amanh ou depois BocV apresentBel& cal@ado&
na nossa sala pai& com os panos negros& os casti@ais& os lRrios& sem
enBergonhar a gente diante das Bisitas& as palmas da criada na
minha cintura& nas costas dado ue eu
- PFe as mos na minha cintura nas costas
no por BocV& por tu& eu U criada por tu& pelo ruRdo dos insectos
esregando naBalhinhas l ora adiBinhaBa-se a noite& costumaBa ter
medo da noite e no tenho percebe& no tenho& trato-a por tu notou&
trate-me BocV por senhor& a minha primeira mulher
- %ratar-te por senhor ests doido=
a libertar-se de mim
- +uidadinho com o Bestido no rasgues
a endireitar-se a tremer
- O ue K isto=
<isitaBa a criada a enCotar-lhe as cabras ue mancaBam de
saltos altos no uintal e ela nunca mais- Achas ue tens idade tu=
respeitosa& a motoriada do marido decompunha-se no tanue& o
ogo demasiado grande ue o meu pai lhe oereceu
Qse calhar a doente um ogo demasiado grande ue o homem
lhe oereceuS
uns trastes& uns baJs& a roldana do po@o& isto ora da cidade e na
cidade hoe em dia& uma brica& bairros& a minha primeira mulher
- $o me sacudas ue coisa deiCa-me a gola em pae apesar dos meus esor@os o mKdico do meu pai no corredor&
no na ,nidade
- Pronto
escusaBa de ter dito
- Pronto
Bisto ue a eCpresso dele
- Pronto
nós parados e
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- Pronto
as peJgas na algibeira do casaco aNnal& um arrano nas lapelas&
a graBata pereita& o eCcesso do casaco e das cal@as disar@ado com
Tores& BocV ue no pYde disar@ar o homem do medalho& ocupar-se
do Belório& despedir-se dele uando h uns sete meses
Qseis ou seteS
a trepadeira suspensa na anela ou pelo menos BocV a lembr-la
suspensa& sem olhas deriBado ao inBerno e na sua ideia olhas& um
ramo insigniNcante e BocV capa de garantir ue grande& pensaBa
ue silVncio na hospedaria e no entanto
Qcomo supor de outra orma=S
o ruRdo dos clientes& no apenas homens com mulheres& homens
com homens& homens com rapaes& mais esuiBos& mais aTitos&
escondendo-se de BocVs& acreditaBa ue silVncio e ual silVncio&
respira@Fes desumanas& o prKdio inteiro acossando-me tambKm a
mim ue a escuto& eu sem desenhar o ue uer ue or no bloco&
todo agrupado na cadeira a ouBi-la esuecido da minha irm coitada&
do meu pai coitado& de mim coitado& tal como BocV eu a dar com a
trepadeira ue batia no Bidro ainda ue na realidade no batesse no Bidro& com a cama& o cabide& as duas estampaitas na parede& numa
delas um casal de rades a beberem& na segunda uma menina nua
abra@ada a um coelhinho e ambas gastas& riscadas& com legendas em
rancVs ue BocV no percebia e eu percebo mal
Qtanta consoante escusada e a impresso deeituosaS
no mencionando o reTeCo do Bidro ue untando-se ao pó
diNcultaBa a leitura& por conseuVncia& e regressando ao mobilirio&
a cama& o cabide& as estampas e respira@Fes desumanas& nosilVncio& a doente e o homem do medalho chegados uma hora antes
Quma hora e Binte minutos antesS
por um instante lembrou-se de *intra e do ue ele designaBa de
accias e BocV a emendar dentro de si
- Mimosas
por um instante lembrou-se de accias ou mimosas ou o ue
osse em *intra sobre pedras escuras
Qsempre pedras escuras recorda-se=S
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e esueceu-se de *intra porue ualuer coisa com o homem&
uma espKcie de sacudidela& de aBiso& o seu nome ele ue nunca
pronunciaBa o seu nome e o nome no baiCinho& numa Bo clara&
espa@ada& BocV surpreendida por ter nome& h dJias de anos ue
ninguKm o seu nome
Q- 9ue esuisito o meu nomeS
BocV curiosa do nome
Q- ANnal tenho nomeS
a aBali-lo& a medi-lo
Q- O meu nomeS
o empregado do seu pai
- Menina
o Jnico ue
- Menina
o seu pai e a sua me uma alma me barria num tampo ou num
pigarro ou
- Aui
nunca o nome& as palaBras desnecessrias& sem sentido e nisto&
na hospedaria da ;ra@a& o seu nome e com o nome a madrinha& umatia& um passeio a Lamego por Bia de uma promessa e a doente
enoada na camioneta a rear ABe Marias com medo de morrer
enuanto no sei uV por dentro remeCia torcendo-se da mesma
orma ue aldeias tortas no caminho& campanrios tortos& carro@as
tortas& bicicletas tortas unto de uma armcia tortRssima e no só a
paisagem torta& as cores mal pintadas ultrapassando os obectos& no
o medo de morrer& a certea de morrer& a cara da tia dois naries
- $o desmaiesU medida ue a doente se eCpulsaBa de si mesma e no um
Bómito& memórias& cheiro de eno em abril& missas das almas& a perna
de metal da aBó encostada U muina de costura& a madrinha a
tapar-lhe a boca com o len@o
- $o nos enBergonhes aui
o som da perna de metal dierente da outra& no caminhaBa& ia
esmagando o soalho em estrondos repetidos& o corpo rodaBa ao
moBV-la ogando-a para diante e a doente pasmada
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- Ande mais um bocadinho aBó
a inBea de poder deslocar-se pela casa numa autoridade de
gigante& respeitada& admirada
- *ente-se bem senhora dona maruesa=
atK os ces se aastaBam em cRrculos dierentes U medida ue o
metal trucidaBa o passeio& uando a aBó aleceu a perna ao lado da
urna& o empregado da agVncia a desenganar a amRlia
- $o se leBam pernas para a terra
de modo ue se colocou um sapato sem nada unto ao sapato
com pK& deBolBemos a prótese U muina de costura atK Ber mas
trope@aBa-se nela e conorme o desgosto se diluRa
- <endemos esta coisa no Bendemos o ue se a a isto=
onde uer ue se colocasse a perna l estaBa ela a empatar& o
óCido ue surgia do Berni cor-de-rosa sempre U Bista de nós& ao cabo
de duas semanas a minha me
- %ira-me isso da rente
e a perna no saRa da rente& tena& a estorBar-nos& o meu tio
acabou por deiC-la na capoeira com os rangos& ao construRrem a
capoeira maior oi na carro@a de mistura com as estacas& os poleiros&a rede& Ncaram as marcas no sobrado ue nem esregando com cera
nem aagando a madeira& o eco dos estrondos atenuou-se&
desapareceu e depois do eco nada embora proBaBelmente auelas
guinadas de setembro ossem ela de Bolta& os pobres dos deuntos
to ocupados a esuecerem a morte
- ;ostBamos de BiBer como BocVs ue aar
deseosos de audar& enCugar loi@a& leBantarem a mesa& a gente a
senti-los de um lado para o outro pelo Bentinho ue aem&obstinados& actiBos& em contrapartida o homem na hospedaria da
;ra@a Bentinho nenhum& a doente e ele cada Be mais& Us uartas-
eiras& silVncio& horas de silVncio diante da trepadeira& das estampas
e sem atentarem na trepadeira& nas estampas& num espaldar contra a
parede& num rapa ue choraBa& nisto o homem uma espKcie de
sacudidela& de aBiso& no Nm da sacudidela o seu nome& h dJias de
anos ue ninguKm o seu nome
Q- 9ue esuisito o meu nomeS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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BocV curiosa do nome
Q- ANnal tenho nomeS
satiseita do nome& a aBali-lo& a medi-lo
- O meu nome
a compreendV-lo melhor ao notar ue o homem sem moBer-se&
no propriamente uieto& no diria uieto& de noBo por um instante
Quase nem um instanteS
*intra& pedras escuras
Qaccias& esttuas de lago no brancas& BerdesS
arbustos& etos& o homem do medalho uma perna artiNcial
tombando deBagar& aNgurou-se-lhe ue o seu nome ainda& a alegria
de ter nome
- %enho nome
responder reconhecida& contente& uase a pegar-lhe no bra@o
- *enhor
e ninguKm& BocV soinha no uarto embora acompanhada por
ualuer coisa de sobretudo e bonK& no uma pessoa K eBidente& as
pessoas no assim& ualuer coisa incómoda por enuanto no em
busca de carrinhos de linha& tesouras& deseoso de audar& tentandoeCplicar-lhe ue podia aer isto e auilo& se ocupaBa do ue osse
preciso
- ;osto tanto de BiBer como tu
por enuanto no insatiseito de estar morto& a eCaminar-se
- $o entendo o ue aconteceu o ue oi=
sem dar K ue BocV a olhar o cho dado ue o homem no cho
- Estou no cho=
e ento sim& no antes& ento sim o silVncio& ninguKm a subir oua descer a escada& nenhum rapa ue choraBa pedindo
- %enha paciVncia senhor
a dona da hospedaria a entrar& uer dier no a entrar& a
demorar-se U entrada
- Estamos eitos
um ulano& outro ulano& o gordo em mangas de camisa ue se
ocupaBa dos uartos de modo ue aui estamos nós outra Be ue
seca& nós BiBos
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Qo gordo
senhor Onore
de ósoro na boca mudando-o de lugar com a lRnguaS
eu na cadeira de bra@os deste lado da secretria e a doente a
escutar-me na cadeira sem bra@os& mais peuena& do outro&
conorme escutou o homem em *intra& conorme assistiu na praia U
esposa dele& as Nlhas& conorme na Jltima tarde na hospedaria da
;ra@a escutaBa no os regueses mas os pinheiros do sanatório em
+oimbra ou as ondas na penso do AlgarBe a alisarem a areia no
modo ue as mos dos Belhos nos parues Bo alisando os oelhos e
em ualuer ponto de %aBira& numa penso igualmente só ue mais
cara& mais próCima do mar& na ual palmas maiores em oelhos
maiores& o homem e a amRlia do homem& as duas Nlhas& o genro& o
seu pai assim& no Bero& ao deiCarem-no na latada depois de ter
cegado& apontando l em baiCo
Q- $o sentes=S
o esueleto da mula ue ia surgindo da terra e a doente a
escutar o >eato& uer dier no as casas
Qto poucas casas meu "eus& hoe prKdios no sRtio onde hortas&uintinhas& restos de pombais desertosS
no a igrea& o %eo& um desconhecido no eCtremo do ponto
recusando um miJdo com o despreo da manga
- %rambolho
o otógrao ue assomou de uma caBe a hesitar
- Pimpolho=
a compreender ue BocV no a esposa U medida ue o homem
teimaBa ue a doente numa espKcie de trono diante de um telo comum castelo e uma menina de la@arote a remar num baruinho& a
acender ele mesmo os ocos de um compartimentoito em ue mais
telFes pelos cantos
Quma bicicleta& uma ca@ada em 3rica& uma cena de circoS
e cortinas& rascos de reBelador& poeira& sobretudo poeira& o %eo
contra a muralha e poeira& proBaBelmente andorinhas do mar&
gaiBotas de ue BocV no me ala e poeira& nunca se reere a
pssaros
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Qnota ao *erBi@o de Psicologia +lRnica: como interpretar o
desinteresse por pssaros=S
os restos do ue se presumia um petroleiro e poeira
Quma chaminK& um depósitoS
sobrando entre panos ue boiaBam& detritos& o homem de bru@os
antes de o estenderem na cama com o desenho do seu nome
Q- ANnal tenho nomeS
na boca& cada sRlaba do seu nome e os dentes mordendo-as& os
do seu aBY tambKm ao apontar o esueleto da mula no termo da
uinta
- $o sentes=
lembran@as a somarem-se ao esueleto da mula& banhos na
selha& o senhor <irgRlio a urinar nas tamargueiras de sorriso
dan@anco de uma orelha U outra untamente com a roupa a secar
entre a arrecada@o e o poste& o seu nome e BocV agradada com o
nome
- %odos sabem uem sou
o homem a habituar-se U morte sem um resmungo seuer& a
esuecerQK uma uesto de tempoS
o caminho da Bolta& no procurando uma chaBe de parausos&
uma lWmpada ue substituRsse a lWmpada undida& limitando-se a
calcular a própria ausVncia& BocV intimidada no >eato com os telFes&
os ocos& a suspeita ue o rio& em mudando a marK& os aogaria a
ambos& o ue teria acontecido U bailarina ue giraBa& giraBa& na
hospedaria da ;ra@a o galho da trepadeira imóBel& tudo imóBel& nem
uma respira@o para amostra& o rapa ue choraBa calado& a dona dahospedaria com receio da polRcia
- Estamos eitos
o senhor 9uerubim emergiu das lentes para corrigir a pose&
rodou as lentes de noBo
- ,m instantinho madame
QBocV no a esposa dele& a amante e o senhor 9uerubim
escandaliadoS
o homem ao lado do senhor 9uerubim
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- Pareces a minha me
e o escWndalo do senhor 9uerubim a crescer
- As pessoas no se comparam pimpolho
preocupado ue a me do homem aborrecida com eles& a
muina um estalinho e o mundo& liberto do senhor 9uerubim&
principiou a andar& nunca trouCeram a otograNa do >eato
Qse calhar permanece& a desditosa& l na tina dos cidosS
na ual BocV sem crian@a ao colo de mos apertadas esperando&
consoante nos agostos de %aBira esperaBa o homem ue no Beio
nunca& Binha o empregado do seu pai mais o sacho e principiaBa a
caBar. lanternas de arrastóes numa constela@o misteriosa& no se
assistia U partida das tarineiras& a noite colocaBa-as no horionte sem
ue se desse K e a claridade ue antecede a manh estendia o bra@o
e retiraBa-as& se pudesse contar ao homem as Bees ue o
empregado do seu pai consigo consoante eu com a minha primeira
mulher& no com as outras e aos Nns-de-semana o buraco no soalho&
doe andares e adeus& eBito o bairro& acho ue consigo no localiar
onde Nca& um uarteiro recente com boutiues& esplanadas&
Biinhos ue nem sonho uem seam passeando ces e euQ se sabeS
dKcimo primeiro& dKcimo& nono& ninguKm ue me puCe para
cima& me aude& a >eatri& empoleirada numa cadeira para atingir a
mesa& entretida com a cópia da escola& o pai ue se me habituou Us
passagens nem um soslaio compassiBo& a criada na adega a recusar-
me auCRlio
- asgaste-me o aBental aleiaste-me
o meu pai a adiar o pWncreas num impulso de recusa cada Bemenos orte& a doente para mim
- "epois dele morrer ainda ui ao >eato procurar o otógrao
mas deiCara de eCistir a caBe& ruas dierentes& garagens& no
mencionou os pssaros
Qno ue se reere ao problema dos pssaros o *erBi@o de
Psicologia +lRnica propFe testes de personalidade e aBalia@o globalS
mencionou ue desapareceram o ponto& os ragmentos de
petroleiro& o desconhecido a umar e enuanto a doente alaBa
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Qcontacto menos reticenteS
eu& apesar de aperei@oar a casa no bloco& caindo& caindo&
soinho na pensoita em %aBira& na praia dois toldos adiante& no
comboio de *intra a espreitar as accias& eu Us uartas-eiras na
hospedaria da ;ra@a
Quma cama& um cabideS
sem olhar a cidade& a enermeira magoada comigo
- Encontramo-nos numa hospedaria como se eu osse uma
ualuer K isso=
e to diRcil eCplicar ue no uma ualuer& sou eu ue sou um
ualuer& to diRcil eCplicar ue as coisas no esto em ti& esto em
mim& por eCemplo um teleone ue no acerta com o descanso& uma
perna cruada& uma Boinha tranuila
- "eiCei de gostar de ti K só isso
a trepadeira nos Bidros sem ue eu repare na trepadeira como
no reparo num reguVs descal@o ue abre uma porta de repente a
subir os suspensórios e alguKm nu
Qum rapa=S
a espreitar-lhe do ombro& no bem homens& homens Bestidos demulher com cabeleira posti@a& a enermeira a diminuir no colcho
- "esagrada-te a minha casa conessa
e os bambus a cercarem-me
Quma lgrima nas pestanas do pierrotS
um barinho de espelhos onde o uadro dos caBalos&
multiplicado por cinco& sacode as crinas& galopa& o retrato do pai& o
retrato da me
- %ratam-te como deBe ser Nlhinha=um primo ue morreu em 3ricaAos Binte e trVs anos
num acidente de ca@a e cuo relógio guardaste& ao mostrares-me
o relógio
- O relógio do meu primo coitado
o primo no na moldura& connosco& B l ue no hostil&
compreensiBo& a minha dJBida
- ,m primo=
a comparar malares& o ormato da testa& mas a otograNa pouco
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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nRtida& as ei@Fes diluRdas& o primo deBolBido U prateleira& um sorriso
ao relógio e o relógio num armarioito chinVs nacional em ue
bibelots& lbuns& um embrulho com uma Nta
- X a tua prenda de anos no olhes
e como o embrulho comprido uma lapiseira ou uma caneta acho
eu& ualuer coisa ue possa usar
Q- Pensaste nisso no oi=
sem perigo de interrogatórios& ciJmes& declarar aos pais ue a
Nlha pensou nisso a espertinha& o ue deBe ter custado pensar nisso
U espertinha& uma camisola no& um cinto no& no graBar o nome na
lapiseira& no untar bilhetes com Techas e ursinhos
Qo urso-macho de graBata& o urso-Vmea com batonS
a enermeira a espanear decep@Fes
- Meu ursinho
e o
- Meu ursinho
no alegre& no esperan@oso& uma arsa ue se destinaBa U
otograNa dos pais& ao primo cua espingarda
- #e-lhe um buraco de um palmo ao eCplodirse desentendeu com ele e o primo& embora pouco nRtido& a
conNrmar na estante
- "esentendeu-se comigo
um turbilho de olhas ergueu-se da terra e deBorou-lhe a
barriga U medida ue eu& inteiro& Bou descendo& descendo
Qnono& oitaBo& sKtimoS
se a surda-muda ao menos e a surda-muda a reugiar-se entre
assopros num Wngulo do celeiro& a prima para mim- 9uiseste aer-nos mal tu
de maneira ue seCto& uinto& uarto& no uarto o ginecologista
casado com uma bailarina& os moBimentos dela no eleBador sempre
longos& de metros& metros para pegar no saco& achar as chaBes na
mala& arranar o cabelo e o ueiCo altiBo& U procura& a distWncia entre
as caiCas do correio e a porta& ue ulgBamos curta& inNnita& dedos
ue desapareciam numa espKcie de Boo sobre as nossas cabe@as&
alcan@aBam o tecto& regressaBam U mo& eu pasmado& sem coragem
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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de pedir
- Outra Be
e o ginecologista de olhinho duro em mim& uma Nlha de tran@as
espetadas carregando nos botFes todos& determinada& ero& com o
olhinho duro do pai& o eleBador a desconuntar-se& a parar e ela um
pulo a pKs untos para ora e um pulo para dentro estremecendo o
prKdio& a gente a Nngir ue achaBa piada e por dentro da piada uma
garra ue ignorBamos ter a sair da manga& terrRBel& peluda&
podRamos desculpa ao ginecologista
- $o K minha aNan@o-lhe ue no K minha
e a garra a echar-se no pesco@o da Nlha e a suocar as tran@as&
duas órbitas untaBam-se atK ue uma só órbita aguada& os bra@os
patas de rango ue pendiam e acabaram-se os botFes e o prKdio a
oscilar& chegando ao uarto piso a bailarina desenrolaBa um bra@o de
Binte ardas& espiralaBa sobre si mesma
Qa cara ora perNl ora rente& ora perNl ora rente& ora perNl ora
renteS
e transportaBa o cadBer mais o saco das compras& o homem
sobre a cama a habituar-se U morte sem repetir o nome da doente&dando ideia ue a BV-la por um Wngulo de plpebras& o mesmo com
ue eCaminaBa as accias em *intra ou aperei@oaBa a risca antes de
se ir embora& a enermeira um pulYBer h alguns $atais& por sinal
menos eio ue eu temia& antecipando-se ao meu embara@o
- X para usares aui
enuanto eu pensaBa no relógio do primo paralisado nas seis
horas da tarde& em chegando a minha altura os ponteiros nem uma
aten@o ho-de ter& para mais estes relógios modernos ue no sedetVm nunca& na Kpoca dos meus pais haBia um na sala a ue era
preciso dar corda com uma chaBe de despenseiro ue se enganchaBa
num anol nas traseiras da caiCa& um mecanismo de cora@o precrio
atrasando-se constantemente um ou dois passos em rela@o U Bida&
tudo se antecipaBa a ele& almo@os& galos& crepJsculos& a minha ome
anunciando
- Meio-dia
e o relógio num troteito de gordo& com o pVndulo a oscilar
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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ndegas culpadas
- Meio-dia menos de no consigo perdoa
o meu pai aperei@oou parausos com uma turuVs& comparou
com o pulso& aperei@oou mais& desistiu
- Ele bem ueria e no pode o ineli
de orma ue aui estamos nós minha senhora ue seca& eu
numa cadeira de bra@os deste lado da secretria& BocV numa cadeira
sem bra@os& mais peuena& do outro& na ual h ocasiFes em ue me
apetece sentar para alar comigo& o eu preocupado
Que monótono o eu preocupado& a tristea& a insóniaS
dirigindo-se ao eu indierente ue mal o escuta& Nnge escut-lo&
no o escuta de acto& acena a cabe@a a pensar noutra coisa
- $o me dies adeus >eatri=
arruma papKis& torna a arrum-los& muda um bloco de receitas
Qo da casa e da espiral de umoS
BeriNca uma alha da parede na desiluso de um cabelo branco
inesperado
QatK os hospitais enBelhecem& as casuarinas da entrada
grisalhasSa chicotada de um pombo na parede ue o assusta& lhe recorda
outros medos& outras chicotadas no de asas nem de penas& mais
undas
Qto undasS
ue gostaBa de contar& no K capa de contar e o eu indierente
a seguir-nos U medida ue caminhamos& BocV e eu porue eu
consigo& a cair e todaBia consigo& em *intra& em %aBira& na ;ra@a
Qem %aBira no& em %aBira encontrBamo-nos na praia uandochegBamos ao toldo e a minha Nlha mais Belha a tentar roubar-me a
muina
- $o me apanhaS
tu dois toldos adiante com o teu naperon de crochet ue no
terminaBa nunca& a agulha prosseguia e o naperon igual
Qcomo K possRBel ue o naperon igual=S
sem me Beres
Qsei agora ue sem me Beres realmente& era o empregado do teu
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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pai uem Bias a aastar-se de ti& a aastar-te
- Menina
com receio da tua amRlia& da esposa dele& do co ue ladraBa
sem se aproCimar e todaBia mais pertoS
nós na hospedaria da ;ra@a no untos& separados
Qda mesma orma ue em *intra no untos& separados para o
caso de algum colega de emprego& algum parenteS
e a enermeira
- Por ue motiBo no haBemos de ir um com o outro para casa
no tens orgulho em mim=
eu U tua espera no uarto& a cama& as estampas& o cabide& a
pensar Qno bem pensar mas K diRcil dier de outro modoS ue a
minha obriga@o era Boltar ao sanatório& procurar-te& casar contigo
em lugar desta trepadeira na anela& da minha Nlha mais noBa ue
no me responde& da minha Nlha mais Belha a embalar o crian@o& nós
dois no >eato compreendes e talBe um comboio de #ran@a& o meu
pai a acender um cigarro no ponto
- %rambolho
e apesar do- %rambolho
eu bem disposto& a enermeira a or@ar-me a olh-la
- Ests doente=
eu no nos arredores de Lisboa entre bambus Qe o pierrot a
entender-me acho eu
no K uma uesto de achar& percebia-se na cara ue a
entender-me
- Obrigado pierrotSeu no nos arredores de Lisboa nem deste lado da secretria no
gabinete do hospital a acrescentar um limoeiro U casinha do bloco&
eu na hospedaria da ;ra@a onde num uarto próCimo um rapa
choraBa& onde um reguVs no corredor& onde uma criatura maior ue
eu& de cabeleira posti@a& passa por mim com uma carteira de Berni
- <elhote
onde tu agora ao meu lado& sem medalho& sem luto& doente de
7 anos& seCo (& idade aparente coincidindo com a real& lJcida&
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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orientada no tempo e no espa@o& personalidade reticente& contacto
reserBado& eu sem responder U enermeira
- Ests doente=
dado ue inJtil responder& no estou doente& no saR daui pois
no& um dia destes diBorcio-me& trago a mala& Nco
Qe no me diBorcio& no trago a mala& no NcoS
eu sem responder U enermeira Bisto ue o cora@o& os diabetes&
uma artKria do cKrebro& o mKdico para a minha mulher
- As artKrias do cKrebro
me impediam de alar& isto K
Qembora no estea bem certoS
ulgo ue disse o teu nome
Qnunca diia o teu nomeS
e com o nome a madrinha& uma tia& o passeio a Lamego deriBado
a uma promessa& tu enoada na camioneta& com medo de morrer& a
rear enuanto no sei o uV dentro de ti erBia& torcia-se& aldeias
tortas no caminho& campanrios tortos& carro@as tortas& bicicletas
tortas unto a uma armcia tortRssima& no só a paisagem torta& as
cores mal pintadas ultrapassando os obectos& no o medo de morrer&a certea de morrer& a cara da tua tia
- $o desmaies
U medida ue escorregaBas no no banco& no interior de ti
mesma& eu de noBo o teu nome& a enermeira ue no lograBa ouBir
- $o me chamo assim
aNan@o ue tentei ouBir e no lograBa ouBir conorme tentei
ouBir a empregada da consulta
- *enhor doutorlocaliar a sua Bo entre tantas Boes na hospedaria da ;ra@a&
os clientes& o gordo& uma criatura de roupo& a empregada da
consulta
- %em seis pessoas U espera
a abeirar-se de mim
- H aar senhor doutor=
uase a sacudir-me o ombro& a tocar-me nas costas e eu de
bru@os no soalho a ser capa do teu nome& talBe ue nenhum som e
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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no entanto o teu nome& proBaBelmente no completei o teu nome
Q- +ompletei o teu nome=S
o teu nome ou o nome da minha Nlha mais noBa& a ue receaBa
os palha@os& a ue me apertaBa os dedos cinco& sete& de Bees e a
uem eu apertaBa os dedos cinco& sete& de Bees e contudo os teus
dedos
- *enhor
endireitando o medalho no Bestido de luto a conBersar com o
mKdico de tristeas& insónias
Qa doente reere ue tristeas& insóniasS
e no importaBa ue eu tiBesse alecido& chamassem o meu
genro
Qa minha Nlha mais noBa
- O palerma do meu cunhadoS
para ue a minha amRlia ulgasse ue morri com os colegas do
emprego
Q- Esto artas de saber como ele K eCagerou no Binho no
respeitou a dietaS
no importaBa ue eu no ardim +onstantino ou na capela entreTores
Qbalsaminas=S
no importaBa porue a gente em *intra
Qa enermeira
- E tu a dares-lhe com *intraS
a gente em *intra na primaBera onde as copas
QdJias de copas deitando sobre um muroS
nos protegiam& nos escondiam dos outros& nós uase de modada
Qde mo dada& pela primeira Be de mo dadaS
nós de mo dada nas tintas para o ue pudessem dier& dois
Belhos de mo dada como nos casamentos Berdadeiros caminhando
ainhaga acima num turbilho de accias.
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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QUARTA CONSULTA
"e manh encontrei o meu marido sentado U mesa da coinha
diante da torrada intacta& no Bestido& descal@o& de piama& com uma
nódoa de barba mais grisalha ue eu supunha amarrotando as
bochechas e os olhos& grisalhos tambKm& na anela& no obserBando
nada& apenas pegados ao Bidro despeda@ando o prKdio em rente
numa espKcie de raiBa& perguntei-lhe se estaBa com gripe
- Ests com gripe=
e respondeu-me com o dedo ue no enuanto ia arrancando
aos Biinhos& num ódio minucioso& algeroes& Barandas& perguntei-lhe
se ia aer a consulta do hospital e ele calado& mais um algero& uma
Baranda& no óculo da muina de laBar camisas suas Us Boltas&
percebia-se ue palpaBa um dente porue a cara toda do ladoesuerdo concentrada no ueiCo& percebia-se ue continuaBa a
eCamin-lo uma Be ue as sobrancelhas
Quma direita e a outra oblRuaS
apontadas Us gengiBas U medida ue desenhaBa& na pgina de
caderno em ue eu escreBia as instru@Fes U empregada& uma casa
com circuloitos de umo a saRrem da chaminK e uma mulher
abra@ada a uma rBore& anulou a rBore& a mulher e principiou o mar&
Bagainhas& baruinhos& duas barracas de praia com listras& naprimeira barraca aranhi@os de criaturas disputando um aparelho
otogrNco& na segunda barraca um Jnico aranhi@o numa cadeira de
lona com um naperon de crochet num sauito& o meu marido
interrompeu-se para leBar as sobrancelhas ao dente& de olhos a
regressarem ao lugar distraRdos do prKdio enuanto ia engolindo a
lagartiCa do mindinho ue se remeCia a desolhar molares& uis
aBis-lo
- <ais Ncar sem mindinho e depois=
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mas as camisas estacaram no óculo da muina& soprando
espuma& a alarem por ele& engra@ado como este apartamento
conBersa& a cantoneira ue pertenceu ao meu aBY& por eCemplo& a
enternecer-se comigo
- Minha cadela negra
a ulgar ue continuamos nos A@ores obserBando as ondas a
seguir aos antJrios& tinha a <irgem do PerpKtuo *ocorro U cabeceira
numa esuadria de pano
- Minha cadela negra
o meu aBY sem me aagar& me beiar
Qno aagaBa nem beiaBa ninguKmS
chorou uando me Bim embora& nunca sonho com ele& sonho
com os antJrios& os antJrios
- epara nas ondas a seguir a nós
isto nas alturas em ue menos me conBKm& eu longe de <ila
#ranca do +ampo& da ilha& esuecida das gaiolas dos pssaros& dos
morangueiros pasmados& das gardKnias e Bai na Bolta os sinos ue
nos mandam rear& eu em Lisboa na rua& no emprego e pumba& o
aruipKlago& me sucedeu inclusiBe na cama com o meu marido eento seco-me de propósito enchendo a garganta de calhaus e areia&
torno-me cardos& rodeio-me U pressa de uma coroa de escarpas
- $o ulguem ue me comoBo diante de ninguKm
e embora eu aBise um perumeinho de charuto& depois do
perumeinho de charuto
- Minha cadela negra
e antJrios e ondas& o meu marido a suspender-se& de pesco@o
empinado- $o sentes o cheiro=
a mo para c e para l& sem dar com o interruptor& na ideia de
acender a lu para BV-lo& perguntar ao cheiro o ue uer& eu com
medo ue me pe@a eCplica@Fes dos antJrios
- Onde arranaste essas Tores=
e elimente antJrios nenhuns nem charuto nem ondas& +arcaBe-
los& a minha cadela negra no com de& com trinta e cinco anos e
ancas ue Bo desistindo de modo ue por este andar daui a uns
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tempos no uma cadela& uma coisa& o meu irmo padre no +anad a
echar o sacrrio sumindo a chaBe na batina& a minha irm ;oretti no
LuCemburgo onde choBe o ano inteiro sem alciFes nem milhares&
deBe restar uma cinaita de tabaco na ilha deserta incapa de
- Minha cadela negra
a desaer-se na terra& eu apesar dos meus pais to soinha
aui& no K bem o meu aBY ue me alta& nem seuer me despedi dele
Qpara uV se tinha um retrato meu pegado U <irgem do PerpKtuo
*ocorro=S
so assuntos ue eu c sei e Bou guardando Us escondidas& a
lagoa K claro& posso mencionar a lagoa& o resto no ue me
transormo em cardo& ao meu marido oi a primeira esposa& acho eu&
ue lhe secou a alma& acompanhei U consulta a minha me ue
pingaBa suspiros no ogo& arrastaBa nos tapetes tristeas& insónias e
o mKdico do outro lado da secretria& numa cadeira de bra@os maior
ue as nossas sem bra@os& a escapar-se para os caiCilhos do gabinete
onde uma ambulWncia ou um internado ue descascaBa laranas& a
certa altura escapou-se na minha direc@o de olhos pegados a mim e
eu nua& por sorte a minha me ocupada a retirar o len@o da carteiraa Nm de enCugar tristeas ue se aloaBam em narinas sucessiBas
Qcontei cincoS
após a Jltima narina o mKdico trocou-me pela minha me de
orma ue apanhei a roupa da secretria
Qsem contar uma palaBra desliou para o choS
e multipliuei logo os botFes e os echos& antes de assinar a
receita os olhos dele a insistirem mas segurei a blusa a mos ambas&
a impresso ue desta eita a minha me entendeu& eCibiu o meuretrato em crian@a entre o bilhete de identidade e o carto do metro&
as narinas diminuRram
Qsó duasS
e o len@o por ali perdido sem consolar ninguKm& a mo do
mKdico na minha garganta a preteCto da medalhinha da <irgem do
PerpKtuo *ocorro ue se aproCimou para Ber& a outra mo na minha
mo
Qpor sinal morta no oelhoS
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ao Birar a medalha ao contrrio
- E deste lado=
deste lado a pombinha do EspRrito *anto e a marca dos meus
dentes& o meu aBY a oerecer-me a medalha
- Minha cadela negra
a cadela negra submissa dado ue o polegar na minha palma
para diante e para trs& o mKdico& sem secretria& um homeninho
ualuer& eu a tranuiliar o meu aBY por se me aNgurar ue o
charuto indignado comigo& os antJrios indignados& uma onda no
ilhKu indignada igualmente
- X um homeninho ualuer
no retrato ue a minha me eCibiu a medalhinha enorme&
reparando melhor uase se nota o mar& a minha irm ;oretti cua
otograNa a minha me traia debaiCo da minha por Bergonha dos
óculos com uma lente tapada& as pessoas curiosas da lente e a minha
me a agoniar de embara@o
- O estrabismo
a minha irm ;oretti angada com a <irgem deriBado ao deeito&
perdeu a medalha dela no LuCemburgo& na otograNa uma ramada deginas bicadas pelos pssaros e durante o antar
Qo primeiro antarS
o mKdico brusco tambKm a bicar-me a orelha& aleiou-me no
brinco`em em amRlia. reBistas de insónias e tristeas e uma
embalagem de iogurte com a colher espetada& anos e anos de óculos
com a lente coberta no corrigiram estrabismo nenhum& o meu aBY
para mim
- Minha cadela negrae para ela
- +egueta
Qlembraste-te do aBY e deitaste a medalha ora ;oretti& no a
perdeste pois no=S
a noite inteira no apartamento do mKdico a pensar no
estrabismo& a pensar no iogurte& o meu aBY a designar-me as ondas
- O +anad por ali
um sRtio de ue chegaBam primos no $atal com nomes absurdos
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a alarem inglVs& bonecas de toilettes mais caras ue a minha
gagueando solu@os estrangeiros e das uais por no as perceber no
podia ser me& no lhes pegaBa ao colo no receio ue ordenassem
"eslarga-me
o mKdico adormeceu primeiro e eu a massaar a orelha& acabei
por me leBantar& Bir U sala& comer o resto do iogurte a assistir aos
aróis na auto-estrada segura ue a <irgem do PerpKtuo *ocorro&
com uma aurKola de estrelinhas& a decepcionar-se comigo& o meu
irmo padre aastou as reBistas para se instalar no cadeiro
- Pecado
o apartamento assim no escuro ruRnas& h dois anos nos A@ores
uis mostrar a casa ao meu marido e ruRnas& o uintal ruRnas& um
mar Belho& sem gra@a& ulguei ue uma das bonecas canadianas Us
gargalhadas na erBa e aNnal o Bento num cano& uase o som dos
aróis na auto-estrada isto K um assobioinho e adeus& a cadela negra
trotando daui para ali U procura na ilha& o meu aBY guardaBa os
charutos no arro& nas bolachas& na copa do mKdico apenas um ter@o
de um pacote de caK& echado com uma mola de roupa& um dos
primos tentou encontrar-me no interior da sala e ugi& o mKdicoapertou-me os bra@os e nódoas brancas de dedos
- 9uantos homens antes de mim& conta l=
o ,rbano de ue nunca mais me lembrei
Qnunca mais me lembrei=S
passou por mim sem me Ber e sem ue o mKdico o Bisse& eu a
mentir
- $enhum
o ,rbano a Nngir ue no me conhecia e por conseguintenenhum& a minha irm ;oretti tiraBa os óculos e sem óculos uma
intrusa& Beio de onde& como se chama& porue K ue mora connosco
- 9uem Ks tu=
colocaBa os óculos& o olho desBiado sumia-se na pala e a minha
irm de noBo& só se relacionaBa com a metade direita do mundo pelos
Bistos auela em ue o ,rbano eCistia dado ue os achei uma tarde
onde os alciFes punham oBos e de inRcio no era a ;oretti& era a
intrusa sem óculos& ue asneira tV-los posto& se os no tiBesses posto
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no me angaBa contigo& a minha me a enrugar-se
- $o se alam BocVs=
o ,rbano a eCplicar aos meus pais ue um emprego no
LuCemburgo e eu na despensa a escut-los& abri a torneira com or@a
e as bocas nem pio
Q- $o so noiBos ue a torneira no deiCaS
apesar da torneira a igrea& a palma do meu aBY na minha nuca
- Xs a minha cadela negra no ligues
e por no ligar estiBe o casamento inteiro calada& no sei se com
o ,rbano a minha irm ou a intrusa porue os óculos somente para
cortar o bolo& atK a Bo mudaBa ao despir-se das lentes& gestos ue
gastaBam tempo a aceitar com as coisas e ao acertar demorando a
aprender-lhes o uso& por no poder garantir se era a minha irm ue
ia morar no LuCemburgo no ui ao aBio despedir-me& o ,rbano a
entrar no tCi
- *omos cunhados no K=
o charuto do meu aBY aumentou de sJbito& arrependeu-se&
encolheu& reparei ue a ponta toda mordida& os lbios amarelos&
restos de tabaco no ueiCo& seu eu osse homem- "eiCe-me morder o charuto um bocadinho aBY
e U alta de charuto permaneci nos antJrios atK contar trinta
ondas& uebrei os oBos dos alciFes com uma pedra& um pescador
numa arriba& sessenta e sete ondas
no& setenta e a ideia ue o pescador me Bia& a urgoneta
abandonada com uma espKcie de algodo a sair dos estoos no lugar
em ue o ,rbano e eu& oereceu-me a carrapeta da alaBanca das
mudan@as e eu comoBida com a prenda- Obrigada
tinha-a na gaBeta untamente com Ntas de cabelo& bJios&
postais& nos bJios um halitoinho salgado& Us cento e cinuenta ou
Us duentas ondas Bertiginosas gaBeta inteira no caiCote dos sobeos&
a carrapeta de esuema das Belocidades graBado tombou primeiro no
undo
- Adeus ,rbano
se no tiBessem roubado os pneus U urgoneta cortaBa-os com
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um prego e U alta de pneus risuei-lhe mais a pintura& ainda hoe se
topo uma urgoneta arrependo-me de no traer pregos na mala& a
minha irm ;oretti dois Nlhos& eu nada
Q 9uantos homens antes de mim conta l=S
isto na manh de sbado no apartamento do mKdico& no aróis
na auto-estrada& carros autVnticos
Qnenhuma urgonetaS
a caminho da praia& ao erguer os estores uma desarruma@o
maior& a embalagem de iogurte deBido ao sol espeBit-la
- >om dia
as pernas do mKdico ue no imaginaBa to magras& gestos
iguais aos da minha irm sem óculos eCperimentando& tacteando&
embaciados de sono& pKs sem orma de pKs ue aprendiam a andar e
ento dedos& unhas& canelas& ele a transormar-se em pessoa& pensei
- OCal o roupo no se abra
no interior do roupo o ue no me apetecia encontrar& a
urgoneta sem pneus no meio dos carros& ela ue nunca se moBeu
nos A@ores& com o ,rbano ao Bolante a caminho da praia& o ilhKu Beio
e oi-se& oitocentas e doe ondas& nemhum oBo de alcio intacto& ocaBalo coCo
Qo Jnico de <ila #rancaS
do Biinho ue morou na AmKrica e punha a bandeira deles U
entrada da casa leBantaBa o ocinho da aBeia obserBando-me& eu a
desculpar-me logo
- $o N nada
Qno tiBe coragem de uebrar os óculos da minha irm ;oretti
porue a <irgem do PerpKtuo *ocorro- Aten@o ao inernoS
o mKdico sem uma palaBra de ol em busca de comida nos
armrios no meio de chBenas& copos& um tubo com um desenho de
um insecto no rótulo
Qmanter ora do alcance das crian@asS
em ue se apertaBa a tampa& saRa um uminho e os mosuitos
grelhados& eu uase com pena dele
- *erBimo-nos de um bocado de uminho senhor doutor=
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- Eu em Lisboa esto doidos=
de modo ue ele antJrios agora& uma recorda@o de charuto ue
me acompanha um momento& uase uma palma na minha nuca& tento
prendV-la e esBai-se& um apartamento maior em +arcaBelos isto K
ondas mas no alciFes& no oBos& cuidei ue o ilhKu e gra@as a "eus
no ilhKu& um arol& ue alRBio& um castelito com uma luinha
encarnada a tilintar U noite& o meu marido para o gerente da
imobiliria ao mesmo tempo ue os nossos passos enormes nos
compartimentos Baios ue os móBeis encolheram e acabaram os
ecos
- $o uero um andar muito alto
e logo ue
- $o uero um andar muito alto
o meu marido para mim
- $o insistas em tratar-me por senhor doutor ue mania
U medida ue perguntaBa ao gerente
Qe a testa do gerente a preguear-se de pasmoS
se no prKdio uma rapariga ue Bia pessoas caRrem do tecto&
rentinho ao lustre& e se chamaBa >eatri- "Kcimo segundo dKcimo primeiro dKcimo
um oriRcio nas tbuas atK ao centro do mundo& estiBe o meu
casamento inteiro na esperan@a ue o meu aBY
- Xs a minha cadela negra no ligues
e uando muito um arrepio de goiBos na igrea em lugar dos
antJrios& um milhare
Qou um seraNm=S
Bogando no retbulo de um altar lateral embrulhado numroupo como deBe ser ue no se abria nunca& no sei se oi o
mKdico ou o ,rbano a colocar-me a alian@a& as mos do ,rbano
desabotoando-me num instante
Qoitocentas e uarenta e noBe ondasS
sem repuCarem o brinco& BeriNuei melhor e o mKdico no lugar
do ,rbano
Q- 9uantos homens antes de mim=
- $enhum
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a <irgem do PerpKtuo *ocorro h-de perdoar ulgo euS
empurrando-me o anel pelo dedo& o paBor ue o roupo a imitar um
ato se desla@asse e no desla@ou elimente& no Biamos numa
urgoneta sem Bidros a partir de uma escarpa e mil e cinco ondas&
um Bentinho de chuBa a desorientar as grainas& eu no no banco de
trs a compor-me& ao lado do senhor doutor com os antJrios
Qcom os goiBos no colo chamando-lhe antJrios em segredoS
- AntJrios
no apartamento de +arcaBelos o arol daBa ares do ilhKu& l
estaBam as Bacas de *o Miguel mugindo na humidade& o meu irmo
padre a abra@ar-me na sacristia& a cumprimentar o senhor doutor&
muito sKrio
- #elicidades
nunca sorriu a nenhum de nós& ia inundando a casa de gaiolas
de pssaros& dJias de gaiolas& a minha me diante daueles bichos
todos& atK uma codorni& atK poupas
- $o ser luCJria Nlho=
l estaBa o caminho para casa sempre oculto nas erBas& o meu
pai de colete a eCaminar sementes& eu para o meu marido- $o N de propósito saiu-me senhor doutor perdoa
o gerente da imobiliria a contemplar o tecto sem buracos U
medida ue rubricaBa papKis
- Este primeiro andar serBe=
e para mim serBia porue no se daBa pelo ilhKu& pelas ondas&
uando o senhor doutor
uando o meu marido no consultório os meus pais de Bisita& no
terminaBam de esregar as solas no capacho& cerimoniosos& a medo- $o ueremos incomodar no te incomodes no incomodamos
pois no=
contemplaBam com erBor um boneco de bata e estetoscópio ue
se empurraBa com o dedo e baloi@aBa a barriga num BaiBKm
importante& um comboio U distWncia ou uma corrente de ar
estimulaBam-lhe as opiniFes
- Engula inteiro no mastigue com meio pJcaro de leite morno a
seguir ao antar
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os meus pais daBa ideia ue percebiam o
- Meio pJcaro de leite morno a seguir ao antar
porue graBes& de acordo& o ,rbano doente no LuCemburgo&
uma coisa no Rgado& biópsias& dietas& na carta da minha irm ;oretti
uma gota no nome& outra gota na segunda pgina Bisto ue a rase
manchada
- EstaBas com sede ao escreBeres=
se no tomamos cuidado acontece& um pingo por descuido a
apagar as notRcias de modo ue no decirei a palaBra graBe nem a
parte em ue diia no garantem nada antes da opera@o& esses dois
bocados impossRBeis de ler& tentei uma por@o de Bees& cuidei ue
leBe
ue
traBe
Quem pensaria ue
graBe
no K=S
a desistir como ualuer um desistia& a linha da opera@o
Qno garantem nada antes da opera@oSproibida tambKm& claro ue rasguei a carta por Bia dos pingos&
respondi
cumprimentos ao ,rbano
acrescentei
continua@o de boa saJde K o ue Bos deseo
sem me passar pela cabe@a eBidentemente ue lgrimas& no
descobri motiBo para lgrimas& os dois com emprego& os dois bem& se
o senhor douse o meu marido e eu de Krias no LuCemburgo
Qno Bamos ao LuCemburgo& no me apanham no LuCemburgo
por nada desta Bida& ue raio de tretas eCistem no LuCemburgo ue
possam interessar-me=S
no se esue@am de nos Bisitar no hotel ue depois mando-lhes
a morada& saudades& abra@os& a partir da carta mal a pergunta
- 9uantos homens antes de mim=
declaro de consciVncia tranuila sem indignar a <irgem do
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PerpKtuo *ocorro
- $enhum
se o meu aBY desiludido comigo
- Minha cadela negra
nem oi@o& BocV morreu aBY& no K nada& a cina do seu charuto
ao "eus dar nos A@ores sem ninguKm se ralar& no me mace&
passeie atK U praia soinho se lhe der na gana
Qonda nJmero trVs mil uatrocentos e noBenta e trVsS
diBirta-se com os alciFes& uem uer saber de si& tire-me a pata
do ombro& tome o partido da ;oretti& ue dieren@a me a& ainda
outro da a minha me enCograda comigo
- %ens alguma coisa contra o meu pai tu=
isto na casa deles& um par de assoalhadas na ua da Palmeira
onde os Biinhos só pretos e a dona +idlia a unir com as artrites&
na minha no se atreBem por temor do boneco para a rente e para
trs ordenando
- Engula inteiro no mastigue com meio pJcaro de leite morno a
seguir ao antar
a minha me ue apanha os sentimentos na atmosera& ela sim acadela& no eu
- %ens alguma coisa contra o meu pai tu=
no tenho nada& aleceu& por mim unte os deuntos todos
senhora& os seus pais& os seus cunhados& a tropa andanga ue BocV
colecciona
Qlembro-me de um ue tocaBa na Nlarmónica& Agnelo ou Angelo&
casado com uma ruiBa toda a arder de sinaisS
regale-se com eles& impina-os Us Bisitas- Este K o Agnelo casado com a Laurinda toda a arder de sinais
empanine-se de recorda@Fes& no os uero& o meu pai
incomodado
- #ilha
eu ue no suportaBa a ideia do ,rbano doente e eles
mesureiros com o meu marido& cheios de bicos de pKs& de noBe horas
Q- $o uero o seu pai me no os uero a BocVsS
gratos pelo meu casamento& a tralha ue Bisto& o dinheiro& no
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sonhando& os pobres& ue se o roupo se desla@a um pssaro a bicar
e eu de cara na parede a pensar nos antJrios& deiCem-me os antJrios
a mim ue no preciso de mais& eCperimentei-os num Baso mas
reguei-os sem lgrimas ou do-se mal com o clima& saudosos das
escarpas& come@aBa por arrancar olhas& esta olha& essa olha& U
or@a de arrancar olhas depenaBa tudo& destruRa caules& raRes&
Bontade de os enrolar num trapo& entreg-los na ua da Palmeira&
tomem& Nuem tambKm com os antJrios ue eu Bou-me consolando a
mirar o arol& U noite iluminaBam a praia e eu cinco mil ondas esta
semana palaBra& daBam-me eito uns alciFes& uns milhares& umas
Bacas unto ao mar a moerem sossego& a urgonetainha sem motor
com o recheio dos estoos U Bela& daBa-me eito o ,rbano mesmo com
o Rgado em iscas& no me perguntou uantos homens& no me
perguntaBa nada& U terceira Be a porta da urgoneta aberta& uma
chuBinha branda& eu soinha& se escreBesse nesse dia a alguKm& por
alta de cuidado& pingaBa gua na carta
Qa gente uando est com sede distrai-seS
ainda a semana passada o meu marido com medo dos buracos
no soalho- E nos A@ores conta l=
e nos A@ores eu U espera& o meu aBY
Q- %ome o seu pai me leBe este empecilho dauiS
oi a Jnica criatura ue Beio& no dei por ele ao longe& apanhei-
lhe a cabe@a& com dó de mim& na porta aberta& a chuBa presa nas
sobrancelhas antes de tombar no nari
Q- EscreBeu uma carta como a gente aBY=S
o charuto ue rodaBa nos dentes& eu minJscula contra o Bolantecom gotas de gua na blusa e ele apesar de eu minJscula a segurar-
me o bra@o& no aleiando-me& manso
- Anda comigo atK ao mar cadela negra no Bale a pena Ncares
o mar da cor do umo do charuto& das gotas de gua na blusa&
no sei como dier-te mana mas o caminho& embora no inclinado&
to diRcil de andar& o meu aBY
Q- Pegue l o seu pai meS
a audar-me& percebia-lhe a aten@o& o cuidado e irritaBam-me a
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aten@o& o cuidado& os olhos dele gotas igualmente mas presumo ue
tabaco& nunca mostrou ternura comigo& me agarrou& deu um beio& se
eu alaBa distraRa-se& no meio da distrac@o
- +adela negra pateta
e se calhar
- +adela negra pateta
o beio ue ele imaginaBa dar-me& pegue l o seu pai me&
misture-o com o Agnelo
QAgnelo ou ngelo=S
desampare-me dele& uantos milhares de ondas& deenas de
milhares de ondas& centenas& e no chegam para me proteger dos
alciFes U minha roda aos gritos& a ;oretti e o ,rbano tiBeram dois
Nlhos parece-me
Qno parece-me& sei& a <irgem do PerpKtuo *ocorro ue no
brincaBa em serBi@o& implacBel
- A mentira K pecado mortalS
dois Nlhos& come@aram o primeiro na urgoneta ue me
pertencia Qdois Nlhos& eu nenhum& o mais Belho de óculos com uma
pala igualmente& a Jnica órbita& aumentada pelas dioptrias& em mim&a casa em <ila #ranca ruRnas& os canteiros ruRnas& a hortainha
ruRnas& mesmo as nuBens de *o Miguel no inteiras& ragmentos&
peda@os& tentei unt-las e nadaS
era minha porue oi ali ue o meu sangue& o meu corpo
diBidido a echar-se de noBo& pensei ue os meus pais notassem
Qeu notaBa& no acredito ue Ponta "elgada em peso no
notasseS e os meus pais no notaram& eu a uerer mostrar-lhes
uriosa com eles- Esto parBos=
o meu aBY notaBa e silVncio& o charuto a apontar-me em silVncio&
no interior do meu embara@o uma espKcie de orgulho Qoutro pecado
mortalS ue me enerBaBa no Berem& eu a desaN-los
- 9ue saloios no Berem
no Berem o nadinha de sangue nos estoos ue limpei com um
trapo& eu com deassete anos e mulher& atentem em mim ue eu
mulher& ual o motiBo de o charuto em silVncio
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- $o me di nada aBY=
e o charuto a apagar-se& o charuto apagado& os olhos dele
apagados& os dentes no uriosos& amargos& ue mordiam& mordiam&
a minha irm ;oretti a surgir com a traBessa& o mesmo desaNo nela
Que coincidVnciaS
- Esto parBos=
a mesma orma de andar de pessoa importante e os dentes& mais
rpidos& continuando a morder& o meu aBY para o ,rbano
- *ome-te da minha rente malBado
no um grito& um cochicho
- MalBado
e durante uma hora os dentes ue tremiam& o bigode a respirar
perdigotos
Qo meu aBY uma ocaS
a minha me a encar-lo e o bigode
- $o K nada
os dedos ue tremiam U procura do relógio no bolso em ue no
haBia relógio& para a minha me nem um pio& para mim a mo uase
na minha nuca e mo alguma& um soslaio aos antJrios& um soslaio aoilhKu& o bigode de regresso ao ilhKu
- +adela negra pateta
dois Nlhos no LuCemburgo& eu nenhum& o mais Belho de óculos
com uma pala igualmente& a Jnica órbita& aumentada pelas dioptrias&
em mim& a casa de <ila #ranca ruRnas& os canteiros ruRnas& a
hortaita ruRnas& mesmo as nuBens de *o Miguel no inteiras&
peda@os& tentei unt-las e nada& o cKu desmantelado
- ECiste alguKm por aR ue me componha este cKu=metade da carripana mas sem bancos& Bolante& umas erBas&
umas corolas peludas no lugar do motor& eu para o meu marido
- $enhum homem antes de ti descansa
e no mentia garanto& neste momento mais de Binte e duas mil
ondas desde ue comecei a contar& as ondas de *o Miguel e as de
;arcaBelos a seguir U Baranda& na muina de laBar as camisas U
roda em cotoBeladas de adeus ogando espuma no óculo& cada camisa
dJias de mangas& o meu marido um polBo& alguns bra@os num Bagar
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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de aurio aleiando-me o brinco& tudo o ue em mim no era brinco
conundido com os naBios no penedo do arol e uase os A@ores& *o
Miguel& o sRtio onde com o meu aBY o mar& o meu pai a chegar de
motoriada& a minha irm ;oretti a perguntar-me do espelho onde se
arremelgaBa de banda
- Est menos torcido o olho no est=
e talBe no torcido& mais acima ue o outro& as metades da cara
ue no sei uem separou austadas U pressa& o meu aBY no
- +adela negra
se necessitaBa de cham-la
- Menina
a cadela negra era eu ue trotaBa a arear& me suaBa de terra&
sentaBa nos degraus sem atender aos meus pais& audaBa o meu
irmo padre
Qoo oo oo oo ooS
a mudar as tacinhas de barro nas gaiolas& a Berter a comida de
um cartuchinho de sementes ue no sabiam a nada tal como o
casamento no sabia a nada isto K conBersaBa com a empregada&
ma@aBa-me& U primeira corrente de ar ou guinada do estore o bonecoineBitBel& pomposo& a badalar a barriga
- Meio pJcaro de leite morno a seguir ao antar
demorando a calar-se& sempre ue passaBa por ele a empregada
estendia o dedinho e a bata de imediato
- Engula inteiro no mastigue
nas suas BKnias enKrgicas& uma mude eCcessiBa na mobRlia& nos
uadros& ue o assobio do eleBador ao interromper-se aumentaBa& o
teleone agachado pronto a um salto de campainha e campainhaalguma& uma espessura de obecto& marcaBa o nJmero das horas
para me sentir acompanhada e uma mulher monótona a cortar o
tempo em segundos& o meu marido desconNado Bigiando o soalho
- 9uem era=
comigo a hesitar entre o senhor doutor e o tu& ele sem acreditar
ue era o tempo cortado em segundos& a opera@o no LuCemburgo os
BentrRculos ue alharam& cogulos& muinas a substituRrem a gente&
um tracinho horiontal no mostrador do aparelho e ao ler isto o ue
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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sobraBa da urgoneta& ue alguKm empurrou da escarpa& a desaer-
se na praia& a perder chapas& a auietar-se aguardando a enchente e
por conseuVncia o ,rbano morto embora essa palaBra com um
pingo em cima dado ue a minha irm no se preocupaBa com as
garraas& pingos tambKm ao mencionar o uneral no estrangeiro e
portanto se calhar no cogulos& no uneral& no LuCemburgo&
percebi tudo ao contrrio& enganei-me& o ,rbano com ela& o charuto
do meu aBY ue rodaBa nos dentes
- $o Bale a pena aTigires-te
só no entendia por ue motiBo a urgoneta na praia a Bogar
com as marKs& girou sobre si mesma& pareceu regressar e antes de
aundar-se um alcio pesou nela um momento& em <ila #ranca o mar
no deBolBe aogados& em crian@a apanhei uns murmJrios acerca de
uma parente da minha me e de uma boina na areia mas ao animar a
conBersa a <irgem do PerpKtuo *ocorro preBeniu-os e os murmJrios
cessaram& oguei a carta no balde porue um eCagero& um engano&
oi o olho da minha irm ;oretti sem ue ela desse K
Qgosto tanto de antJriosS
ue alterou as palaBrasQhei-de pedir U minha me ue me aude com os BasosS
o comboio do Estoril uase sem ruRdo& o sobrinho da BiJBa
Qdona ;lóriaS
umaBa Us escondidas na arrecada@o do prKdio& as rBores
desassossegadas como em toda a parte
Qual a rao=S
com a chegada da noite
Qpenso ue tVm medo conorme& apesar de neg-lo& tenho medodo escuroS
o meu marido
Qno disse senhor doutorS
a largar as chaBes na mesinha de laca sem aten@o ao Berni& o
desassossego das rBores na Bo dele& um agitar de olhas& a mesma
angJstia nos ramos
- $o conheces %aBira=
ou sea um uartel& uma ponte romana e uma praia onde nunca
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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estiBemos
QBi num desdobrBel de turismo& num carta parece-meS
o meu marido mais idoso& mais curBo& com um ato antiuado
ue o meu aBY usaria
Q- Minha cadela negraS
eu na iluso ue as marKs trariam a urgoneta dos A@ores a
+arcaBelos
Qao menos um pra-choues& o manipulo& o pedal da
embraiagemS e nada salBo algas& alcatro& uma alorreca ue tomei
por um antJrio& um seiCoRnho rosado& se eu
- ,rbano
um brilhoito de areia& nada salBo o meu pai a Boltar do trabalho
e a minha irm ;oretti na cancela& audaBa a minha me com os
coelhos& uma pancada e pronto& um pingo
Qno de gua& BermelhoS
nos ocinhos lilases& o meu aBY para uma sombra ue ugia
- "eBia matar-te malBado
e a sombra campo ora
Qse me proBassem ue era o ,rbano no acreditaBaSa desaparecer no pomar& desde ue o meu aBY uma luita de
isueiro ao acaso na ilha no h uma pessoa ue se preocupe com a
cadela negra& se interesse& a cadela& igual U cina& de ocinho rente
ao cho por aR nos antJrios& buscando& sem dar com ele& um Noito
de cheiro& uma presen@a& uma Bo uando a Jnica Bo ue chegaBa
era a do boneco de loi@a
- Engula inteiro no mastigue com meio pJcaro de leite morno a
seguir ao antarno o meu aBY& no o ,rbano& no a <irgem do PerpKtuo *ocorro
- Pecado pecado
o pateta do mKdico meneando a barriga a insistir
- Leite morno
no o meu irmo padre ue introduia alace nas gaiolas de
regresso da areia. um milhare a NCar-me na amendoeira do notrio&
tudo perdido& disperso& a cadela negra& coitada& reugiando-se num
muro
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- Adeus cadela negra acabou-se
a cauda um segundo e depois da cauda ero e Bai daR& na
Baranda& em lugar de +arcaBelos e da lanterna do arol ue se
repetia no mar um rectWngulo de rBores& prKdios antigos& o senhor
doutor
Qno o meu marido& o senhor doutorS
a indicar-me a Baranda
- O ardim +onstantino
pensei ue
- Engulia sem mastigar com meio pJcaro
e no& o senhor doutor
- O ardim +onstantino
isto K uma tabacaria& um armaKm& um mendigo aos sobeos e l
dentro uma camilha& um piano& uma terrina na sombra& o meu irmo
padre& o Jnico ue me sobraBa& a eCpulsar-me das gaiolas
- $o preciso de auda
onde os pssaros andam de poleiro em poleiro& esses bichos de
eltro a ue se d corda e um trinado sem alma
Qumas palhetas ue eu BiSinterrompendo-se de sJbito& os pssaros espantados
Q- #ui eu ue cantei=S
no carecem de alace nem de sementes& imóBeis como eu
imóBel agora enuanto o meu marido
- O ardim +onstantino
telhados& sótos& mais telhados& mais sótos& gente
desconhecida na atitude dos deuntos nos retratos antigos& o senhor
doutor no outro lado da secretria numa cadeira de bra@os& a minhame e eu em cadeiras mais peuenas& sem bra@os& nos caiCilhos um
sueito ue descascaBa laranas& ambulWncias& um ediNcioito
#armcia
com um alpendre de ripas em ue uma planta de ue no sabia
o nome ia deitando gaBinhas& o meu marido da cadeira de bra@os& ou
antes da cadeira de bra@os& de uma cama com uma colcha sua
- A hospedaria da ;ra@a
cabides& rapaes de cabeleira posti@a& alguKm
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Que no era euS
a chorar& nem na tarde em ue a minha irm ;oretti casou um
pingo de gua& uma lgrima& sou um cardo& uma pedra& uma cadela
negra& no choro& dedos ue me aleiaBam
- 9uantos homens antes de mim conta l=
a <irgem do PerpKtuo *ocorro a eCaltar-se
- $o mintas
e Bisto ue o ,rbano aleceu no LuCemburgo eu sem medo de
ninguKm& sentada na cama ao lado do senhor doutor
- $enhum
talBe o primo estrangeiro ue tentou encontrar-me no interior
da saia e ugi& por lhe ter ugido nenhum& K o senhor doutor o
primeiro
Q- $o rode o charuto aBYS
a casa de <ila #ranca do +ampo ruRnas com uma nuBem eita de
propósito em cima& o uintal ruRnas& o mar ruRnas& ulguei ue uma
das bonecas canadianas Us gargalhadas na erBa e aNnal o Bento num
cano& o atrito das piteiras ue alongaBam a cerca& os sinos daBam as
horas e osse o mVs ue osse um noBembro longo nos sinos& o >eatono limite da cidade a embu@ar-se no rio& o meu marido
- O ponto
ou sea um corredor de cimento paralelo U margem& um ou dois
barcos& gasóleo& eu a ladrar para as ondas
Quarenta e sete mil ondasS
Bilórias onde se percebiam cais de embarue& o ue supunha
uma brica& a cadela negra
Q- Minha cadela negraS- $o aes a consulta hoe=
e o meu marido
Qcontinua a sair-me senhor doutor Us BeesS
na mesa da coinha diante da torrada intacta& no Bestido& de
piama& com uma nódoa de barba mais grisalha ue eu pensaBa
amarrotando as bochechas e os olhos grisalhos amarrotados
tambKm& pegados U anela& adiante do corpo
Qo meu aBY
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- Minha cadela negra minha cadelinha negraS
despeda@ando o prKdio em rente numa espKcie de raiBa&
perguntei-lhe se estaBa com gripe
- Ests com gripe=
e respondeu-me com o dedo ue no enuanto ia arrancando
algeroes& Barandas& umas plantas em Basos
Qno antJrios& ainda bem ue no antJrios& haBer antJrios em
*o Miguel hoe em dia=S
perguntei-lhe se ia aer a consulta do hospital e ele mais um
algero& umas plantas& um Wngulo de empena& no óculo da muina
de laBar camisas suas as Boltas& percebia-se ue palpaBa um dente
porue a cara toda do lado esuerdo concentrada no ueiCo&
percebia-se ue continuaBa a eCaminar o dente uma Be ue as
sobrancelhas
Quma direita e a outra oblRuaS
apontadas Us gengiBas U medida ue desenhaBa& na pgina de
caderno em ue eu escreBia as instru@Fes U empregada& uma casa
com cRrculos de umo e uma mulher abra@ada a uma rBore& anulou a
rBore e a mulher com dJias de riscos e principiou o marQuantas ondas& digam-me uantas ondas ue lhe perdi a contaS
ou sea duas barracas de praia& numa das barracas aranhi@os de
criaturas disputando um aparelho otogrNco& na segunda barraca
um aranhi@o com um naperon de crochet num sauito& o meu marido
interrompendo-se para se concentrar no dente& de olhos a
regressarem ao lugar distraRdos do prKdio& o meu marido para mim
- Engula inteiro no mastigue com meio pJcaro de leite morno a
seguir ao antarno instante em ue as camisas se interromperam no óculo&
soprando espuma& a responderem por mim& engra@ado como apesar
dos anos o apartamento continua a alar& a cantoneira ue pertenceu
ao meu aBY& por eCemplo& a enternecer-se comigo
- Minha cadela negra.
como se continussemos nos A@ores espreitando o ilhKu de
modo ue disse ao senhor doutor
Qao meu maridoS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- Anda c
eu ue nunca com o ,rbano
- Anda c
esperaBa na urgoneta onde o ,rbano e eu& com a carrapeta da
alaBanca das mudan@as na mo& sentia os grilos& as erBas& de uando
em uando uma lebre& esses suspiros da terra& eu para o meu marido
- $enhum homem aNan@o-te
para o meu marido
- uro pela <irgem do PerpKtuo *ocorro ue antes de ti nenhum
homem
audando-o a esuecer %aBira& a hospedaria da ;ra@a& o >eato&
eu uma cadela negra ue lhe lambia as mos& o seguia como as
cadelas nos seguem e lhe lambia as mos& podes magoar-me no
brinco& apertar-me nos bra@os
- Aperta-me nos bra@os
eCigir-me eCplica@Fes dos antJrios
- Onde arranaste estas Tores to esuisitas=
podes adormecer ue no consinto ue um buraco no soalho&
no consinto ue caias& estou contigo percebes& uase gosto de ti&podes abrir o roupo& aproCimar-te& ordenar
- Anda c
e nem um corpo estendido na cama de graBata e casaco& tu a
respirares& tu BiBo ue uma cadela negra
Qposso garantir-teS
no lambe as mos a um morto.
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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QUINTA CONSULTA
+omo acabarei de dier isto antes de me calar para sempre&
como eCplicar o ue se passou nas consultas da doente de 7 anos&
seCo (& idade aparente coincidindo com a real agora ue me K diRcil
alar porue tombei atK ao centro do mundo& mais abaiCo ue os
cabos elKctricos& os esgotos& os destro@os romanos em ue leio
mensagens de ue no entendo o sentido
Que pretendem dier-me=S
uem l em cima onde BocVs eCistem entre dKcimos segundos
andares com um buraco no soalho& mulheres ue garantem
- "eiCei de gostar de ti K só isso
meninas ue nos BVem cair sem se preocupar connosco e um
limoeiro ao ual nenhuma me se abra@a& uem l em cima&pergunto eu destas raRes ue me bebem e esuecem& alar de mim
a um pierrot numa prateleira de bambu ou a uma cadela negra
areando antJrios nos A@ores& ambos sem me acharem na memória
- 9ual mKdico
e ual mKdico de acto se o gabinete do hospital deserto& na
metade de cacio ue eu ocupaBa cabides apenas& o pierrot uando
muito
- %enho uma ideia delepara ue o deiCem em pa e sem ideia nenhuma& a cadela negra
perseguindo cinas e ondas& eu a pedir
- >usuem-me em *intra
e talBe dVem por mim numa ladeira ualuer
Qem maio& no era=S
a medir as Tores nas accias& caminhando com cautela deriBado
ao cora@o& aos diabetes& a uma Beia do cKrebro ue ao secar leBou
dois ter@os das lembran@as consigo& a doente
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- *enhor
ao meu lado& a minha actual mulher
- *enhor=
ela ue no deu pelo buraco no soalho e talBe continue U minha
procura em casa& no aTita com a minha ausVncia& intrigada&
proBaBelmente repetindo o meu nome& ao pronunci-lo daBa-me ideia
ue um nome dierente& de um camponVs l das ilhas ue no
adiBinho uem sea& casmo-nos h cinco ou seis anos
Qseis anos uase& estranha coisa o tempo& a parte esuerda do
calendrio cheia de pginas ue gastei no sei como& dias de ue no
recordo nada ou se limitam a episódios ue pertencem a outro Bisto
ue eu assistindo sem emo@o alguma a +astelo >ranco& U minha
irm& ao granio no limoeiro& surpreendido ue o outro chorasse uma
rBore deunta& eu pouco atreito Us lgrimas
- +horas por uma rBore tu=
e a cara dele a minha& ou antes a ue aNan@am ser a minha
numa moldura nos arredores de Lisboa e decerto no minha
conorme o limoeiro no meu& o granio uebrou-nos dois Bidros
atraBKs dos uais o Bento nas cortinas molhadas& uase seis anos decasado e uantos homens antes de mim conta l& no me mintas&
aui ou num apartamento ualuer& Us escondidas& U tarde& tu
agradecida& contente& a trotares para elesS
a cadela negra U minha procura e eu no centro do mundo
incapa de responder-lhe& ela a tocar na Ngurinha de bata r óculos
uen dan@arica a barriga para ue a Ngurinha
- Meio pJcaro de leite morno a seguir ao antar
ela sentindo-se acompanhada- EstaBas c aNnal
uando a alar Berdade ignoro onde estou& se na cadeira de
bra@os deste lado da secretria& com uma nuBem nos caiCilhos
Qduas nuBensS
e a tripula@o das nuBens
Qsubindo cordas& descendo cordasS
a gui-las para leste& uma ambulWncia no de >ea& de #aro& ue
no se destrin@a bem se chega ou se parte& a doente acol na cadeira
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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sem bra@os no me reerindo tristeas nem insónias& a mirar nas
minhas costas o ue era um deeito da parede e ela
Qessas coisas das pessoasS
ulgando ue um ramo de trepadeira numa hospedaria da ;ra@a
atK ue nem gabinete nem eu nem o ruRdo dos pacientes& a
trepadeira apenas& a minha actual mulher
- O ue h aR na Baranda ue te interessa tanto=
uns Basos com antJrios ue no cresceram nunca& a praia de
+arcaBelos& o arol ou sea nada& eu a assistir sem tristea nem
insónia Us pginas ue se acumulam no lado esuerdo das argolas
distraRdo da doente
- Perdo=
sem me dar conta ue retiraBa o naperon do sauito
- Perdoe a modKstia da oerta senhor doutor K para si
e portanto
Qaudem-meS
como acabarei de dier isto antes de me calar para sempre&
como eCplicar o ue se passou nas consultas agora ue tombei atK ao
centro do mundo& mais abaiCo ue os cabos elKctricos& os esgotos& osdestro@os romanos em ue leio mensagens de ue no entendo o
sentido& a doente
- Estou menos triste senhor doutor durmo
no de luto& de cinento& conBencida ue eu lhe aceitaBa o
naperon& nem
- +om licen@a
da porta uando toda a gente um compasso de espera
- " licen@a=e eu a Nt-los sem reparar neles antes de acenar ue sim
conorme os gatos aem olhando para nós a pensar na sua Bida& toda
a gente
- " licen@a=
e eu com Bontade de saltar da secretria& ir-me embora
Qeu um gatoS
deiCando-os ali& o gato ue tRnhamos em +astelo >ranco
desapareceu uma semana inteira a seguir ao uneral do meu pai& a
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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minha me
- O gato=
tal como os doentes para a empregada da consulta
- O senhor doutor menina=
a minha me chamando-o em barulhinhos de boca& a inuietar-
se
- Onde se ter metido o idiota do bicho=
uando deBeria perguntar
- Onde se ter metido o teu pai=
a esuecer-se do meu pai& a no contar com ele para o almo@o& a
sorrir& uma tarde encontrei-a a pentear-se no espelho procurando o
rasuinho de perume
Qo Jnico ue haBiaS
- $o Nm de contas tenho só uarenta e trVs anos sabes=
Us Bees a porta do uarto echada& percebia-se ue eles dois l
dentro no por passos ou Boes ou gorgoleos de mobRlia& unicamente
porue a casa mudaBa& a casa para mim
- Os teus pais
e eu oendido com a casa& um indicador em cada orelha emesmo assim ouBia& eu no pomar e o perume alcan@aBa-me& eu para
o pomar& para a casa
Qprincipalmente para a casaS
- $o me interessa escut-los.
e palaBra de honra ue no me interessaBa escut-los
Q- $o me interessa escut-losS
oendido com a casa e oendido com eles& o meu pai a abotoar-se
- O ue ests a aer nesse banco=e o cheiro da minha me nele& ao acabar de abotoar-se no
sentia o perume mas endireite o cabelo pai& desamarrote a camisa&
gestos
Qonde oi buscar esses gestos=S
ue demoraBam a tornarem-se seus& BocV com a surda-muda ou
a criada na adega& no insinue ue a minha me& no acredito& Nue
com a surda-muda ou a criada se lhe apetecer& tire-me as patas de
cima& no simpatio consigo& o meu pai a segurar-me os pulsos e ao
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segurar-me os pulsos mais perume& deu-me ideia ue a minha me a
cantar na despensa ou ento o rdio& loi@a& a Bassoura nos ladrilhos&
a minha me no canta& o ue K ue BocV lhe e& o meu pai
- 9ueres bater-me garoto=
a erguer a mo para mim& a desistir& a ir-se embora& a perguntar
no corredor onde gra@as a "eus o perume se dissolBia na anela
aberta
- *ucedeu alguma coisa ao teu Nlho=
a doente no de luto& de cinento& conBencida ue eu lhe
aceitaBa o naperon& sentando-se sem esperar ue lhe indicasse a
cadeira
Qodeio ue se sentem sem esperar ue lhes indiue a cadeiraS
- Estou menos triste senhor doutor durmo
consoante a minha me meses depois do uneral do meu pai e
uando escreBo meses uais meses& cinco ou seis semanas se tanto e
o perume de Bolta& as palmas sobre um Bestido cor-de-rosa
Q- 9ue K eito desse luto meinha=S
a aBaliarem a cintura& os olhos desaNando-me
- %enho uarenta e trVs anos sabias=parecida com a surda-muda e a criada na adega& para uem K
ue BocV se peruma conesse& o gancho na nuca& as rodelas de pó
nas bochechas& os oelhos cruados
Q- "escrue os oelhos senhoraS
o gato de noBo na sala NCando-a sem a Ber conorme as pessoas
dos retratos no atentando na gente& se por eCemplo eu para a
imagem do meu pai
- Lembra-se de mim pai=no se lembra porue apesar de obserBar-me no eCisto& no
sou& a doente
- Perdoe a modKstia da prenda senhor doutor K para si
igual U minha me dado ue se lhe acabou o luto& a tristea&
%aBira& *intra& a hospedaria da ;ra@a
Q- $o Nm de contas tenho só oitenta e dois anos sabia=S ue se
lhe acabou a insónia& se o homeninho Boltasse
- "eiCei de gostar de si K só isso
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sem culpabilidade nem dó& ou sea no me importo ue caia doe
andares& ue o pai de uma menina
- $o cumprimentas o senhor doutor >eatri=
de orma ue talBe por esse motiBo o meu pai calado na
,nidade& no nos saudaBa& no se despedia da gente& os dedos
compunham o len@ol em lugar de agarrar-nos e pregueaBam-no mais&
as bolachas na cabeceira untamente com os sumos& passada uma
semana o mKdico
- X melhor leBarem isso daui
a sua boca aberta pai e eu a dar-me conta ue lhe altaBam
dentes& BocV no mais ue boca senhor& a minha me a aBan@ar sobre
a cama
- Perdo=
comigo a pensar se K ue pode chamar-se pensar a um
ressentimento antigo
- $o aproBeita para se trancar no uarto com ela no a
desabotoa poruV=
com a alta do meu pai o porto ue no echaBa& o uintal por
tratar& a gente com receio dos gatunos U noite& a minha me encostoua ca@adeira U cómoda mas em ue parte se metem os cartuchos Nlho&
como se dispara isto& morBamos onde a cidade acabaBa& para a
banda da serra na ual as chuBas tinham inRcio em noBembro&
histórias de relWmpagos ue mataBam pessoas
Qossos eitos carBoS
mas se o meu pai connosco as troBoadas no amea@aBam
ninguKm& mesmo hoe em dia& se choBe& +astelo >ranco Bolta e com
ele um rapa a espreitar a gua das cortinas& a assistir aos sulcos noscanteiros ue arrastaBam olhinhas& a desliar com as olhinhas aos
trope@os& rodando& a enermeira
- Pareces comoBido tu
se tiBesse coragem de contar ser ue a doente entendia& eu ue
peguei no naperon& o abandonei na secretria& tornei a pegar-lhe e
nisto ela U espera das uartas-eiras num rKs-do-cho ue no sei
onde Nca& perto da esta@o dos comboios& presumo& uando as
carruagens se imobiliam a Bida mais depressa ue uando se
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deslocam& pessoas atK ento paradas num renesim repentino&
bagagens ue principiam a andar& a clarabóia do tecto a empardecer
de cegonhas& um rKs-do-cho a cem ou duentos metros da esta@o
dos comboios& Bibra@Fes de gonos ue interrompiam o sono& Us
uartas-eiras o homem na hospedaria& de tempos a tempos o corpo e
detestaBa ter corpo& a maior parte das ocasiFes o homem Bestido& o
corpo elimente tranuilo& silVncio& os rapaes de cabeleira posti@a&
ainda ue Biinhos& longRssimo& o empregado do pai longRssimo
tambKm sem lacerar a terra onde ela estaBa aguardando-o& deiCando
de aguardar e uma espKcie de pa
Quma bailarina de corda girou um instantinho e parouS
horas de sino U tarde& uma debandada de rolas e eu no centro do
mundo a aperceber-me das asas& a minha primeira mulher mirando-
me centRmetro a centRmetro comigo a pensar
- Andas arta de mim
em +astelo >ranco no respondia U minha me& a cara dela
como se me ouBisse& encontraBa uma rai no uintal& apontaBa a rai
- 9ue rBore oi esta=
e a minha me abra@ada ao limoeiro durante o uneral da minhairm aendo parte do tronco& as rBores do hospital pltanos a ue
ninguKm se abra@a
QBergonha de me abra@ar a um pltano e U medida ue a
Bergonha aumentaBa percebia as Boes na sala de espera& um rdio&
o teleoneS
a minha primeira mulher curiosa& a impresso ue ao cabo de
tantos meses era a primeira Be ue lhe sucediam Ber-me
- $o imaginaBa ue tinhas tido uma irmmas poder chamar-se irm a uma crian@a num ber@o& o
galinheiro sem galinhas ue se encostaBa ao alpendre& a cali@a onde
dantes rangos arrepelando a tarde& engolindo-a& uando a minha
irm aleceu o meu pai Bestiu-a com roupa por estrear ainda
embalada na arca& eri@ada de alNnetes ue no podiam doer-lhe e
no doeram dado ue a minha irm serena& entalou-a numa cadeira&
chamou o otógrao
- %ire o retrato
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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o otógrao inuieto
- $o ser pecado=
a enganar-se no tripK& a minha me aos cRrculos no uintal
encerrada no interior de si mesma pela chaBe de um desespero sem
lgrimas& a cabe@a Us Bees na anela entre a capoeira e o tanue&
regressando& partindo
Qa minha me uma cadela negra entoS
o meu pai para o otógrao
- Espere
a colocar Tores unto U cadeira
Qdiospiros& acho ue se chamam diospirosS
a minha primeira mulher inclinada para o aparador onde a
minha irm de olhos abertos& de inRcio sem acreditar em mim e
depois de mo na boca& com medo& o meu pai mandou-me abrir o
reposteiro a Nm de aumentar a lu e na lu a minha me ue pegaBa
numa pedra& a ogaBa contra a capoeira deserta e a rede a amolgar-
se& rangos ue no eCistiam a esBoa@arem ugindo& o meu pai para o
otógrao num remoinho de poeira& de penas
- %ire o retrato agorade modo ue estando a minha irm de olhos abertos no tenho a
certea se no a enterraram com Bida& a minha primeira mulher
- +ala-te
a detestar o meu pai e a detestar-me a mim& se lhe pegaBa no
bra@o o bra@o desaparecia a astar-se& a minha me enCotando-me
- $o achas ue Ks grande demais para Ncares no meu colo=
e no entanto a enermeira aceita-me& a proBa ue me aceita est
em ue as ei@Fes se alongam& uando me Bou embora& os obectosdescem um degrau inBisRBel& mais baratos& mais eios& os pais da
enermeira
- %ens a certea ue te tratam como deBe ser Nlhinha=
e eu para eles
- "esculpem
porue a Nlha soinha entre bambus& acenando-me do peitoril
sem ue eu tomasse conta dela& me preocupasse com correntes de
ar& problemas de dinheiro& a obrigasse a engordar
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- $o consintas ue no te tratem como deBe ser Nlhinha
assegurasse aos pais
- %rato-a como deBe ser descansem
a enermeira aceita-me& a minha actual mulher aceita-me
embora me dV ideia de no ter saRdo da ilha& auieta-se na Baranda
escutando um outro mar& descobrindo presen@as ue no Beo& a cara
de sJbito redonda
- $o sentes o umo do charuto=
e eu palpando e no sinto& sinto a cera da empregada& o
detergente na coinha& Beo a marca de um pK no sobrado
Qde uem=S
demoro-me na marca& uem esteBe aui& uem Beio& nunca
pensei ue as minhas mos to grandes prendendo um enchuma@o
de blusa
- 9uantos homens antes de mim conta l=
a seguir ao meu pai a minha me
- %enho só uarenta e trVs anos sabes=
e o perume de Bolta& a mobRlia mudada de lugar
- Pega nesse lado da mesa e auda-me a traV-la para auiuma toalha do enCoBal retirada pela primeira Be do armrio& a
minha me aos cRrculos como na tarde do limoeiro com a dieren@a
ue no ogaBa pedras a ninguKm do mesmo modo ue no
desesperada& risonha& alando alto demais uma Be demais com uma
Bo ue parecia uebrar-se nas arestas das rases& um senhor da
+oBilh uma ou duas noites por mVs e a minha irm ento sim&
deunta& no lhe Balia de nada abrir os olhos nos retratos
Q- Para uV mana=Sdado ue o senhor da +oBilh mais importante ue a morte&
enCotando-a com o bra@o do cigarro para o caiCote das inutilidades
esuecidas onde o meu pai e eu a aguardBamos de mistura com
uma embalagem de pregos& pontinhas de lpis& um porta-moedas
rasgado& a minha me soinha com o senhor da +oBilh& nós no
somos& eu no caiCote a indignar-me com o riso dela
- A sKrio=
compreendia ue CRcaras& a tampa ue no pertencia ao bule a
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oscilar-lhe por cima& som de lRuido nas CRcaras& no interior do
lRuido a Bo da minha me
- A sKrio=
e no
- A sKrio=
a minha me ue se aproCimaBa do senhor da +oBilh
aperei@oando os caracóis U medida ue o perume se eCpandia
Qnunca aperei@oou os caracóis para nósS
- $o Nm de contas tenho só uarenta e trVs anos sabe=
era de certea com ele ue a minha primeira mulher ao teleone
- A sKrio=
e a minha actual mulher antes de mim nos A@ores
Q- +onta lS
o senhor da +oBilh de guardanapo na graBata e mo espalmada
no guardanapo a beber com cuidado& os oelhos unidos por educa@o&
respeito& a enermeira impressionada
- ,m caBalheiro no K=
um caBalheiro ue a trataria como deBe ser& no se ia embora Us
sete& a minha actual mulher- O meu aBY chamaBa-me cadela negra
e os ces
Qera atalS
perseguindo-a& uantos ces antes de mim conta l& tu a trotares
nos A@ores de cabe@a baiCa& consentindo& e um rastro de cachorros
detendo-se para urinar e acuando-te de noBo& o senhor da +oBilh um
latido ue borbulhaBa mais abaiCo ue a boca& na garganta& a minha
me desta eita no- A sKrio=
uma pausa de cadela ue no oge& se curBa num canteiro&
aceita& a ueiCada pendente& as patas ue Bacilam& o senhor da
+oBilh de garupa arrepiada apoiando-se nela& o meu pai para o
otógrao sem coragem de olhar a minha irm& desmontando a
muina
- 9uero o retrato
uma rola no telhado da capoeira Baia& a minha actual mulher de
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lombo na minha direc@o& U espera& a minha primeira mulher
obserBando o tecto onde nenhuma rola& no um rasco de perume e
colares e anKis
- $o estou para aR Birada
um cotoBelo sobre a cara& o outro ao comprido do corpo sem
pertencer a ninguKm lembrando-me o meu pai na ,nidade& a mo
ue aleceu antes dele& auela com ue martelaBa& consertaBa
echaduras& comia& um obecto agora& carne a Nngir carne& unhas a
Nngirem unhas& ossos de cartolina no ossos& as minhas mos hoe
assim na cadeira deste lado da secretria e acol a doente& no
triste& no com insónias& a estender-me o uadradinho de crochet
ue os meus dedos alsos no conseguiam reter
- Perdoe a modKstia da prenda senhor doutor
eu tentando desenhar uma casa& uma rBore& uma campainha a
chamar no sei uem e mesmo ue me chamasse no me diia
respeito a enermeira e a minha actual mulher no me diem
respeito Bisto ue tombei atK ao centro do mundo& mais abaiCo ue
as unda@Fes dos prKdios& os cabos elKctricos& os destro@os romanos
Qcolunas& um arco& BestRgios de uma espKcie de sala mas sembambus nem pierrotsS
em ue leio mensagens ue se me destinam
Qa uem mais se eu soinho=S
e de ue no entendo o sentido
Qo ue procuram contar-me=S
e portanto em saindo do hospital depois de escreBer
9uinta +onsulta: Alta
na Ncha da doente de 7 anos& idade aparente coincidindo com areal& apresenta@o cuidada
Qou relatiBamente cuidada=S
orientada no tempo e no espa@o& contacto sintónico se bem ue
reserBado
QreserBado ou reticente=S
contacto sintónico se bem ue reticente& sem altera@Fes
signiNcatiBas da memória nem actiBidade delirante& em saindo do
hospital e sem ue me dV conta eu na hospedaria da ;ra@a de ue
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no conhe@o a morada& sei ue uma trepadeira na anela& rapaes de
cabeleira posti@a Bestidos de mulher& um Jltimo piso
Qum sóto=S
em cuas escadas discussFes& amea@as& osse o ue osse
Quma garraa& um copoS
pelos degraus abaiCo& uma parente nossa neste bairro
Qtia <ioletaS
recebendo-nos de pKs num alguidar de borato& cantou ópera em
noBa de modo ue Bestidos de escraBa egRpcia num gancho& discos de
maniBela e um paBioito de gritos U beira de eCtinguir-se& apoiaBa-se
em trombones e recome@aBa a tremer o seu aeite comoBido ue no
ligaBa com o borato& a tia <ioleta
- *ou eu
isto K uma agulha de gramoone a saltar nas espiras
mergulhando na rase palaBras adiante& nomes italianos de maestros&
tenores& aogados trgicos lan@ados U praia no Nnal de um acto com
o pJblico aplaudindo os cadBeres ensopados de mis& o marido
Tautista ue a corrente de uma ria entrela@ou com uma soprano
rancesaQuma emo@o nos antJrios& o ue me deu ideia de uma urgoneta
empoleirada sobre o mar e alciFes e milhares& um Belhote de
charuto
- $o te apouentes
eu a acotoBelar o Belhote ue buscaBa o relógio no bolso sem
relógio
- Ela uantos homens antes de mim conte l
e uma rapariga com uma pala na lente esuerda dos óculos amentir-me
- $enhumS
o marido da tia <ioleta depositado pela ria num teatro em
>ordKus& sobraram uns trapitos de roupa ue se entrega sempre U
amRlia a atestarem-lhe a morte conorme eu morto& soinho& aui no
centro do mundo
Qcomo acabarei de dier isto antes de me calar para sempre=S
aceitando o naperon sem me despedir da doente
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Qno cumprimento os doentesS
deiCei-o Ncar na secretria entre blocos de receitas e a agenda
onde as pginas dos dias passados
Qnum ualuer deles o otógrao a entregar o retrato da minha
irm ao meu pai e na anela aberta a capoeira& o muroS
cresciam U esuerda das argolas
Qh sKculos ue no eCiste o muro& +astelo >ranco aumentouS
sair do hospital& encontrar-me com as ambulWncias e o carrinho
do almo@o no ptio das traseiras
Qbancos de pedra& arbustosS
pouco antes do pWncreas o meu pai come@ou a construir um
pombal& Bieram-lhe as dores
Qo espanto dele
- O ue K isto=S
eCperimentou a barriga
Q- $unca tiBe isto o ue K isto=S
enuanto as erramentas no cho& ualuer coisa a apertar-se
de terror em mim ao olh-lo
- Paie a pele morena& branca o no acreditar& a surpresa& a dor ue
deBia ter mudado de posi@o porue os dedos nas costas
Qele to solitrio com a dorS
a cara em mim na ideia ue NCando-me completaria o pombal&
agarrei numa tbua& tentei martel-la mas sem cuidado& U pressa& o
meu pai sobre a caiCa das erramentas aberta
Qo niBelador& o serroteS
a notar ue a tbua torta& o serrote& mais ue os dentes dele- $o Ncou bem a tbua
leBei um mVs a mentir-lhe na ,nidade
- l tem o pombal
enuanto a caiCa das erramentas U chuBa& o rasco de perume
rolhado& nenhum cheiro na casa& a minha actual mulher a cirandar
nos A@ores& a enermeira com o primo da ca@a sei l onde& duas
cadelas sem goBerno ue se no ralaBam comigo& abre-se um buraco
no soalho& a gente buraco adiante e nem BVem& NcaBa-me a criada na
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adega a perguntar entre degraus
- $o descemos senhor=
ou sea outra cadela de cabe@a baiCa& aceitando& no caso da
minha primeira mulher& para no ter de enrent-la& apagaBa a lu a
Nm de lhe apagar a eCistVncia& ao apagar-lhe a eCistVncia o perume
Qno o da minha meS
apagaBa-se igualmente& eu um latido ue borbulhaBa mais
abaiCo ue a boca& na garganta& no estYmago& de garupa arrepiada
apoiando-me nela& eCpulsar a minha me ue perguntaBa
- A sKrio=
no me aborre@a me& B-se embora& o latido ue se engasgaBa
trope@ando de pressa a ordenar no te meCas cadela& e o corpo
obediente& as patas ue Bacilam
- "isse no te meCas no disse=
alKm do perume um cheiro uase spero& mais denso& mais
BiBo& tento pronunciar o teu nome e arrancos sem neCo& uma aTi@o
conusa& morder-te os uadris& as orelhas& a cauda ue me escapa
- $o te meCas.
!mpulsos desordenados& partes minhas ue escorregam& o corpoa alhar o Biinho
- $o ueres dier adeus ao senhor doutor >eatri=
enuanto atraBesso o estuue& a mobRlia& o sobrado e no K a
>eatri ue me acena& K a cadela da minha primeira mulher no
dKcimo segundo
- ;ood-bIe
ou a cadela ue procurei na hospedaria da ;ra@a de ue no
sabia a morada& sabia a trepadeira e os rapaes de cabeleira posti@a&o serrote ou os dentes do meu pai
- $o Ncou bem a tbua
o pombal desarticulou-se aos poucos com as ebres do inBerno
uando a encosta lan@aBa pinheiros e amoras braBas para cima de
nós& o inBerno ou o homeninho da doente
- Por aBor
a minha me a uem os pinheiros assustaBam encolhia-se na
coinha
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- Meu "eus
o meu pai sob a terra& a minha irm no retrato& os olhos iguais
aos das cadelas uando a gente
- $o te meCas
e elas submissas& U espera& no
- "eiCei de gostar de ti K só isso
U espera& eu para os pais da enermeira to ansiosos na moldura
- <eam a cadela da Bossa Nlha U espera
Beam as minhas unhas a agarrarem-lhe a cintura& a minha
barriga a pesar-lhe nas costas& eu o inBerno de +astelo >ranco& eu
pinheiros ue chicoteaBam a casa& a minha me escondendo-se nas
mangas
- Meu "eus
eu para os pais da enermeira preocupados com o rio& as
bronuites& a nossa Nlhinha sem ninguKm em Lisboa& mandamos-lhe
oBos& cebolas& enchidos& algum dinheiro Us Bees& enBelopes com
os selos e a morada e no escreBe& no teleona& promete Bisitar-nos
no $atal& porue no uma carta& eu para os pais da enermeira no
percebem a minha boca no seu ombro& aleiando-a& Beam a cadela da Bossa Nlha com um homem casado ue no deiCa a cadela da mulher&
uma cadela negra dos A@ores a ladrar para as ondas
- 9uantos homens antes de mim conta l=
e a cadela negra a mentir porue as cadelas mentem& todas
BocVs mentem
- $enhum
e talBe porue a cadela negra
- $enhuma sorer no por um homem casado& por um co tombando andar
a andar sem ue os Biinhos se importem dado ue ninguKm se
importa com um bicho
ele
Qo coS
a sair do hospital areando as esuinas da ;ra@a& perguntando&
insistindo& uma hospedaria com uma trepadeira se no se importa
menina& uma penso barata
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Qtenho a certea ue barataS
onde se alugam uartos por uma hora ou duas senhor& um co
bem Bestido& no um raeiro& um mKdico& a inormar as pessoas
- *ou mKdico
num latido ue borbulhaBa mais abaiCo ue a boca& na garganta&
no estYmago& com um Jnico dia U direita no calendrio de argolas&
one de ulho& seCta-eira& hoe& a ue horas
QperguntoS
o hoe do lado esuerdo tambKm e Nm do calendrio& eu sob as
unda@Fes dos prKdios& os cabos elKctricos& os destro@os romanos
onde as mensagens ue se me destinaBam apagadas por Nm& se ao
menos um limoeiro no uintal
- "eiCe-me abra@ar o limoeiro me
a mo do meu pai uase a alcan@ar-me& haBia momentos em ue
me parecia ue ele& ue eu& ue a gente os dois e enganei-me& no
conseguimos& nunca conseguimos& conseguimos com a surda-muda
do armaKm& com a criada na adega& tenho a certea ue BocV ciente
ue eu na adega com ela& de Bentre a arrepiar-se& desaeitado& a
tentar& tenho a certea ue lhe diia- meu Nlho
me apontaBa
- meu Nlho
e ela comigo porue BocV mandaBa senhor& Nngia no dar conta
para ue eu pensasse ue me BingaBa& o derrotaBa e o meu pai a
designar-lhe a adega& a designar-me
- O meu Nlho
a estender para mim uma coberta nas laes enuanto a cadelanegra atraBessando escarpas nos A@ores a caminho de uma
urgoneta sem rodas& o ue lembro dos A@ores so neBoeiros& pedras
de pssaros ue tombaBam na gua& umas Tores monstruosas a ue
a minha actual mulher chama antJrios& ondas a cobrirem os degraus
de uma igrea& ela mostrando um camponVs com um charuto
- O meu aBY
e camponVs nenhum
- 9ual camponVs=
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camponVs nenhum& esses umos do cho& eCperimenta-se com a
palma e cinas a moBerem-se& torrFes escuros& Bapores& a hospedaria
da ;ra@a no mais ue um sóto antigo unto ao miradoiro& um
largoito& telhados& a dona com um tubo no pesco@o ue lhe
transormaBa a alma num silBoinho ineli
- X da polRcia BocV=
e uma trepadeira de acto& no mentiu a doente
Quns ramos& umas olhas& umas gaBinhas plidasS
eu mais baiCo& mais gordo& mais Belho
Qo cora@o& os diabetesS
no& eu como no tempo da surda-muda na esperan@a ue no se
percebesse ue nem traia dinheiro& a dona da hospedaria a
procurar alKm de mim no largoito& nos telados
Q- "espede-te do senhor doutor do dKcimo segundo >atri
e a >eatri um gesto contrariado regressando de imediato U
cópia da escolaS
a dona da hospedaria
- $o tra uma mulher ou um homem ao menos=
U medida ue eu lhe eCplicaBaQno eCplicaBa& um latido borbulhando mais abaiCo ue a boca&
na garganta& no estYmagoS
lhe eCplicaBa ue uma doente de 7 anos& idade aparente
coincidindo com a real& orientada no tempo e no espa@o& discurso
adeuado embora reticente U minha espera no uarto dado ue o
meu pai& cua mo no chegou a alcan@ar-me& a indicar-lhe
- O meu Nlho
Qa mo no hospital um obecto de cali@a e arame ue no toueitambKm por medo ue eu de cali@a e arame igualmente
- Morra BocV pai no me leBe consigoS
uma Baranda& uartos& nenhum rapa de cabeleira posti@a& deu-
me ideia ue o perume da minha me mas se calhar enganei-me&
isto K aposto ue me enganei& +astelo >ranco to distante e nenhum
rasco de perume h ue tempos& um dia completo o pombal me
prometo& sento-me na sala consigo& NCo-lhe auela porta ue
bamboleia no gono e encontro-a amanh a pendurar roupa nos
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moBimentos de sempre& BocV sem reparar em mim& em bicos de pKs e
de bra@os erguidos& prendendo camisas e toalhas nas molas& a minha
irm no ber@o& o meu pai a encontrar uma ma@ na coinha e tudo
isto em silVncio palaBra& em silVncio& se penso na minha inWncia
QK curiosoS
ulgo sempre ue ruRdo e Bai na Bolta silVncio& nenhum insecto&
nenhum atrito de passos& uma lentido ue me no parecia estranha
nas coisas& todas as pginas no lado direito do calendrio& milhares
de pginas porue no ia morrer& ninguKm morria& ue história K
essa de morte& aguardando ue as usasse uma a uma e no Nm da
agenda& a ue agora cheguei& esta hospedaria& esta cama& a
estampainha dos ardes& a da menina nua
- +umprimenta o senhor doutor enuanto ele cai >eatri
e a menina nua
- Adeus senhor doutor
U medida ue eu nono& oitaBo& sKtimo& U medida ue eu para ela
- Adeus
a enermeira no peitoril l em cima
Qe o pierrot& os bambusSconorme entro no carro& des@o o Bidro& Nno ue lhe mando um
beio e so apenas dedos
Qum beio ue toliceS
a imitar um beio& aV-la supor ue um beio eu ue eBito beiar&
no beio cadelas
- 9uantos homens antes de mim conta l=
eu dia one de ulho& seCta-eira& de pK ao lado da cama em ue
no interior da coberta de damasco ou a imitar damascoQa imitar damascoS
len@óis ue no mudaram& uma almoada com cabelos da cadela
anterior e o silVncio ue aumenta& o da trepadeira no caiCilho& o dos
compartimentos Biinhos& o das escadas desertas& cuidei por um
instante ue um relento de Binagre e a criada a chamar-me da adega
porue o meu pai
- O meu Nlho
Qagrade@o-lhe sinceramente pai& no estou a brincar& agrade@o-
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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lheS ou a minha actual mulher a regressar dos A@ores enganando-me&
cercada de antJrios e ondas a aNrmar
- $enhum
como se
- $enhum
me importasse consoante no me importa o trabalho no hospital
nem a doente de 7 anos& idade aparente etc& nem a minha primeira
mulher& nem ue terceiro segundo primeiro rKs-do-cho& nem a
Jltima pgina do calendrio& dia one de ulho& onde uma pessoa ue
desconhe@o uem sea escreBeu a tinta na olha a hora em ue
estamos& como se alguma coisa me pudesse amedrontar com a minha
me l ora a estender roupa e este sossego& esta pa& o meu pai a
acabar a ma@a no degrau calculando se chuBa pela origem das
nuBens e sei ue pouco a pouco eu no centro do mundo
Qeu o centro do mundoS
no ual eCiste um limoeiro a ue posso abra@ar-me& Binhas
acol& a capoeira Baia& a minha me ue regressa do estendal com o
cesto& me obserBa da porta e nem seuer necessito de comprimidos
para a tristea e a insónia& basta-me esta garraaQamarela com um rótulo aulS
ue entorno no clice ao mesmo tempo ue as cadelas se
aBiinham& me procuram& me lambem& de patas a tremer& agachadas&
submissas& aastando-se a contragosto& ciciando despeitos& uando a
criada me Bier acordar.
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%rVs As Bisitas
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PRIMEIRA VISITA
$o sei h uanto tempo o pimpolho me mandou embora do
segundo andar do ardim +onstantino& Binte& Binte e cinco anos&
trinta& nem o ue uerem dier Binte& Binte e cinco anos ou trinta
para mim ue desconhe@o os ue tenho. *e por acaso pensar na
minha idade o mais antigo ue lembro so caBalos aogados unto U
casa rodopiando na gua& o %eo ultrapassaBa os campos e chegaBa
ao uintal& notaBam-se Bimieiros l em baiCo girando tambKm& um boi
contra um choupo uebrando as patas no tronco e os caBalos to
gordos& o mais antigo ue lembro K o meu tio para a minha me
- $o te ueremos aui
e a insónia dos caBalos deuntos toda a noite a aTigir-me
Quem lhes ouBia o galope=Sos barcos dos bombeiros desciam a rua de lanternas acesas& as
mulheres e os ces choraBam no corredor& tinha a certea ue a gua
ia ultrapassar os móBeis da coinha& apagar o ogo e leBar-nos
consigo& recordo-me de imaginar
- *e apagarem o ogo a casa morre-lhe.
como lhe sucede morrer se os relógios se calam Bisto ue no
caso de alguKm impedir os moBimentos do pVndulo nenhum de nós
respira& os insectos aumentam na parede atK no se Ber seno cali@ae ormigas& as costelas bem tentam continuar a eCistir e o ar a ugir-
nos& os sapatos& ue ulgBamos nossos& deiCam de nos pertencer&
subitamente dignos& unidos& bicudos na eCtremidade da colcha em
ue nos deitam& se derem corda aos ponteiros sentamo-nos na cama
admirados da roupa noBa e do len@o no ueiCo& sabRamos ue
chegaBa aneiro no pela pressa das nuBens sem atenderem aos
choupos mas pela inuieta@o dos caBalos ue o rio amedrontaBa e
os candeeiros da cidade apagados ao longe& sabRamos ue chegaBa
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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aneiro porue as oliBeiras& despidas de raRes& partiam uma a uma
de mistura com esueletos de oBelha na direc@o de Lisboa& passos
correndo aos gritos nos uartos a trancarem cadeados enuanto as
Binhas recuaBam mugindo para o interior da sala e rangos sem
pesco@o& ue nenhuma aca degolara& bicaBam os caiCilhos
procurando entrar
Qnunca supus ue em cada um deles tantas asasS U medida ue
os toiros craBados na terra nos seguiam imóBeis& ensurdecidos pelo
nerBosismo dos grilos& o mais antigo ue lembro K um gato numa
chaminK ue o lodo derrubaBa& um dos relógios a recordar-se de uma
hora ualuer de um dia muito Belho& a compreender
- Enganei-me perdoem
e a emudecer de noBo& nunca entendi por ue motiBo os dias de
antes de eu nascer Bolta e meia regressam& ainda ontem& por
eCemplo& eram as cinco e doe da Kpoca dos meus aBós no reeitório
de modo ue senhoras de touca e um caBalheiro com um anel de
sinete em cada gesto educado& mos ue Toriam em dedos
- >oa tarde mademoiselles
a empregada acotoBelando-o sem dar por ele ao entregar-me asopa
- +ome
e o caBalheiro& ue remKdio coitado& procurando o len@o numa
tosseita oendida& a sumir-se por Nm na direc@o da copa desiludido
com a gente& todo delicadeas& espantos& metade do len@o
Qpercebia-se se o monogramaS
pendurado da algibeira sem me dar ocasio de perguntar-lhe
uem era- Pertence U minha amRlia BocV=
ou sea aueles ue o %eo ao subir transormou em caBalos& de
tal modo ue mesmo hoe lhes sinto o cheiro das crinas ao acordar
de manh mais os dentes enormes e as narinas redondas& eu
- Pertencem U minha amRlia BocVs=
porue a minha amRlia& reTectida no po@o igual Us nespereiras
entre o ptio e o celeiro& se deiCasse cair uma pedra as caras deles
estilha@aBam-se de orma ue puCando o balde nem um nome me
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Binha& apenas campos em ue o rio imprimia caligraNas de lama& as
Bacas lentas da tarde e rolinhas de algero& o mais antigo ue lembro
so os sapos durante a lua noBa amea@ando a gente e a minha me
- #echa a porta depressa
ainda no sombras nem um piano de casti@ais no segundo andar
do ardim +onstantino& eu no cubRculo do undo sem recordar os
sapos nem o ouriBes a comer pVssegos U entrada da loa& o tubo ue
engastaBa na órbita para eCaminar Nligranas subido contra a testa&
os óculos dele
- Xs serBida=
e a minha me a puCar-me o bra@o arredando-me do pVssego&
em certas tardes de agosto mandaBa-me sentar numa pedra depois
das aponeiras
- $o saias daR
e no era a minha me nem o ouriBes ue eu escutaBa alKm de
um pedacinho de muralha& eram as Bespas num charco uriosas
comigo& o ouriBes surgia das aponeiras a esregar pVssegos na
manga
- Xs serBida=ualuer coisa nos óculos ue se descuidaBa& parecia comoBer-
se e endurecia logo& arrependida& o Nlho do ouriBes lan@aBa-nos
pedras
- <o-se embora malBadas
uma das pedras aleiou a minha me no tornoelo& a sandlia
esuerda mais lenta ue a direita
- $o oi nada
por um instante deu-me ideia ue os salgueiros coCeaBamconnosco e enganei-me& era o modo como o sol atraBessaBa as olhas
entretidas a ogar Cadre com o Bento& o rio tranuilo& peueno& um
caBalo contra os uncos sacudindo melenas& o meu tio acompanhou-
nos U esta@o
- $o te ueremos aui
e os parentes leBantaram as cabe@as U uma& desgostosos&
homens ue regressaBam para antar traendo a lua as costas
embrulhada em Ngueiras antes de a prenderem num arame a
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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eneitar a latada& lembro-me na esta@o das carruagens de gado
numa linha entre as erBas ao longo da ual os abetos iam untando os
ungos de silVncio necessrios U noite& se nesst momento me
interrogassem
- O ue se passa contigo=
eu nada& conorme eu nada uando a minha me e eu no banco
do apeadeiro separadas pela mala& ia urar ue o ouriBes a espreitar-
nos do balco onde se compraBam bilhetes& os óculos no na minha
me& em mim& tremendo mais ue os pingos das telhas& de tubo de
comproBar Nligranas atarraCado U testa& se a minha me permitisse
no me ralaBa de lhe estender a mo Bisto ue a dele macia ao
enCotar as Bespas e eu a recordar-lhe a palma no comboio de Lisboa&
com a mala sempre a separar-me da minha me embora na anela&
durante os tJneis& o meu perNl nascesse do seu perNl e nos bastasse
um olho para espreitar o caminho& no bois& no toiros& no gua&
aldeias& carro@as& igreas ue as pedras do Nlho do ouriBes no
alcan@ariam nunca& o mais antigo ue lembro so as mos do ouriBes
Bacilando nos óculos ao endireitar a arma@o
- +omo se chamaBa o ouriBes senhora=e as mos da minha me Bacilando igualmente sem acharem a
saia& apesar de no eCistir nenhum pVndulo uieto ela incapa de
respirar& no sei o uV no nari
Qse eu osse tonta ulgaria ue do tamanho de lgrimas e no
ulgoS
ue nenhuma manga aliBiaBa& o ouriBes ue nunca oi
importante para mim
Qporue haBeria de ser diga-me c=SeBaporou-se-me da memória atK hoe
- Xs serBida=
conorme se eBaporaram as cabe@as dos parentes leBantadas U
uma& desgostosas& uase do tamanho das cabe@as dos bois ue o
sogro do meu primo empalhaBa no escritório e nisto nem aldeias nem
carro@as nem igreas& bricas& casas de costas para a gente& eu ulgo
ue adormecida a assistir as cegonhas no chalK de *antarKm onde o
proBedor moraBa& a minha me
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- Lisboa
comigo a tentar imaginar o ue buscam as galinhas uando
caBam na capoeira com as patas& pela primeira Be o ardim
+onstantino& arBoreinhas& arbustos& no ibateo a Kgua do laBrador
a escapar-se ao almocreBe pisando os morangueiros& se a minha me
me segurasse assim deiCaBa de saltar& acalmaBa os desesperos e
untaBa-me a ela enuanto no ardim +onstantino um inBlido de
muleta a conBocar os pombos com um cartuchinho de gros
Qmilho acho euS
mormos ali muitos anos as duas& eu diante da muina de
costura no cubRculo do undo e a minha me na saleta U medida ue
os retratos de no sei uem aumentaBam na camilha
*empre 9ueridos
isto K os parentes ue leBantaBam as cabe@as desgostosos de
nós& Us Bees a lama deiCaBa-nos um ou outro uando depois do
rodopio dos Bimieiros o %eo ia embora e as copas despontaBam na
gua& eram os ces ue nos aBisaBam sem se atreBer a mordV-los& de
ocinho estendido
- Olha acol um nuragoeCperimentaBam com uma pata prudente& desistiam&
espirraBam& daBam a sensa@o de recuar e contudo mais próCimos&
no escuro mesmo inBisRBeis em uintas distantes uase uraBa ue
me ro@aBam a cama& isto antes do ardim +onstantino K eBidente& no
ardim +onstantino nenhum Bimieiro& nenhum toiro& o mar ou o ue
lhe a as Bees a uarteirFes daui& nem seuer uma nesga entre
dois prKdios& esses interBalos das esuinas em ue as tipuanas se
arredondam na iluso de crescerem com a mudan@a da lu& aNgura-se-nos ue uma espKcie de aBenida& Bai-se a Ber e pombos& loas&
nunca achei o ouriBes na camilha& se me interessasse por ele a minha
me
- +ala-te
apagando as aponeiras com o bra@o conorme eu apagaBa
Qapago aindaS
um nome de homem ue escreBia nos Bidros& o pimpolho ue
BocV di ser seu pai BisitaBa-nos na Pscoa& escutBamos a me dele
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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no patamar
- <V l como te portas
no& antes do patamar porue o Jltimo degrau depois& auele da
tbua descolada ue ninguKm conserta& a gente surpreendidas dado
ue o degrau um protesto de pessoa BiBa ue se eCalta& lamenta& o
pimpolho contemplando as próprias solas a tentar entender uem se
eCaltaBa& lamentaBa& o pimpolho
- Os meus pKs
a me do pimpolho a recordar-lhe com as sobrancelhas
- <V l como te portas
cumprimentando a minha me ue enBelheceu e perdera o
ouriBes embora ninguKm me diga ue no permanecia nela
- Xs serBida=
tal como o homem de ue escreBo o nome nos Bidros permanece
em mim& desenho as letras com o dedo e ele BiBo nas letras no
adiBinhando seuer ue lhe conhecia o nome& se necessitaBa de
linhas de costura procuraBa entre as caiCas da prateleira& entornaBa-
as num cartuchinho e Bendia-mas sem dar por mim& esuecia-me de
propósito do troco para ue ele- O seu troco
e eu eli ue ele
- O seu troco
a recolher as moedas enuanto o homem a atender outro cliente
ou a obserBar o ardim +onstantino da montra& uer dier no
obserBaBa o ardim +onstantino& obserBaBa osse o ue osse dentro
dele
Qacho ue dentro dele no sei& coisas remotas& um ptio desardinheiras& um irmo com sarampoS
no atendendo aos arbustos nem Us rBores& o pimpolho no nos
obserBaBa tambKm& limitaBa-se a esperar encostado a uma cadeira
ue lhe pusessem o bonK
- X tardRssimo
como se a culpa de as horas passarem osse sua& no caso de lhe
entregarmos um lbum no mudaBa a pgina& olhando
Qtraineiras& o pimpolho traineirasS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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o ue no eCistia para a gente e ento Beio-me U cabe@a o rio a
ultrapassar os campos numa pernada rpida e a chegar ao uintal&
só dei K ue diia
- *e apagarem o ogo a casa morre
ao sentir medo ue a lama aogasse os móBeis e nos leBasse
consigo& a me do pimpolho espreitando uma escada ue ignoro onde
Nca
Qas escadas ocultas das pessoasS
na esperan@a de alguKm ao seu encontro ue no ia Boltar& a
me do pimpolho
- PoruV=
e durante um momento o ouriBes a eCibir o pVssego
- *o serBidas=
sem ue elimente o notassem conorme no notaram as
aponeiras& as Bespas& um restinho de muralha deriBado Us sombras e
ao Wngulo do piano& o barco dos bombeiros com o meu tio entre eles
a descer a rua de lanternas acesas& a minha me receosa ue eu me
aproCimasse do ouriBes a procurar-me o bra@o& obrigando-me a
correr ao seu lado na banda dos choupos ela ue na Kpoca dopimpolho deiCara de se moBer da poltrona salBo U noite uando a
audaBa a deitar-se
Q- Auda-me a deitar-meS
no sóto as rolas& no os grilos de *antarKm& a proibirem o sono
medida ue para l das portas ue no me atreBia a abrir no sei o
ue me esperaBa& caBalos aogados penso eu& guios de oBelhas&
besouros inuieta@Fes minJsculas ue coalham o silVncio& a minha
me da cama- AtK amanh
porue continuaBa a acreditar nos amanhs& a pobre
Qh uem acredite nos amanhs e inBeo-lhes a KS
nos Bimieiros primeiro oscos e depois nRtidos unto U margem
do rio& nas galinhas enerBadas com o mundo a trabalhar em
solaBancos de muina durante muito tempo parada& tudo Bagaroso
de inRcio& os minutos& as recorda@Fes& as pessoas& os borregos l se
decidem a trotar no uintal onde uma olhinha de cenoura se desa
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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em tremuras& a minha prima abre a anela inaugurando os campos&
um dos relógios
Qpor sinal o da cómodaS
aborrecido com a lentido do tempo& adianta-se aos restantes
ampliando o dia& no estabelecimento do ouriBes
QBamos suporS
sete e de e os colegas de imediato sete e de tambKm no
instinto dos rebanhos seguindo o primeiro bicho ue decide deslocar-
se deste talude para auele& a mesma coisa com as perdies de
ainheira em ainheira ou os gansos do merceeiro ue no se
libertam do bando& l Bo eles de pesco@o ao alto a buinar& no
ardim +onstantino& antes de o pimpolho me mandar embora& eram
as tipuanas a inclinarem-se U uma apesar de nem chuBa nem Bento& a
minha me a chamar-me& eu conBencida ue ela noBa& com as botas e
o aBental de trabalhar na terra e ao erguer o estore& em Lisboa& uma
senhora de idade cuidando ue aponeiras e uma manta entre os
troncos porue Bi o meu tio entrar na coinha a mostrar-lha no
numa Jria& em Bo baiCa
Qe portanto numa Jria compreendo-o agoraS- O ue K isto=
cortando a manta com a aca e tombando numa cadeira a seguir&
a manta
Qo ue sobraBa da mantaS
ue a minha me trouCe consigo para o ardim +onstantino e
depois da sua morte encontrei numa arca mais um anel ue nunca
lhe Bi no dedo
QtiBe pena de no serBir no meu& as articula@Fes dela mais NnasSe um peda@o de brinco embrulhados num ornal em ue tambKm
um boto de colete e um rasuito Baio& sem ualuer cheiro dentro
tirando o lcool da essVncia mas enrauecido& tKnue& como
*antarKm enrauecida& tKnue& uma iluso de castelo& a esposa do
meu tio debru@ada para o tanue& um derradeiro caBalo a Ntar-me e
a partir daR Lisboa& o pimpolho de inRcio acompanhando a me e nas
Jltimas Bisitas soinho& crescido& impaciente& a muina de costura a
ensurdecer o andar com a agulha
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Qtic& tic& ticS
imitando os relógios& o pimpolho U entrada do cubRculo& nos
interBalos da agulha
- %em atK ao Nm do mVs para sair de c
o ue no me preocupou dado ue o homem de ue escreBia o
nome sempre ausente da loa& a senhora dele& to solitria uanto eu&
a suspirar ao balco pedindo desculpa de se enganar nas linhas& a
procurar nas algibeiras o len@o ue traia nos dedos& a sorrir-me ao
descobrir o len@o numa alegria desditosa& eCactamente o sorriso
Qpresumo euS
ue acharia na minha me se lhe eCibisse a manta& o ue ser
eito dos choupos& dos grilos& do cemitKrio antigo cercado de
mimosas& aui onde habito d-me impresso ue o mar& ondas ue
no consigo Ber mas cuo som adiBinho& esteBas rasteiras& chorFes& o
ue talBe seam penedos a seguir a um muro& a me do pimpolho
entraBa na saleta e os retratos da camilha
- Esta uem K=
uma descendente& uma Biinha& a neta de um empregado nosso&
o arrieiro& o cortador& o ue se ocupaBa dos porcos ou ento uma órdo pensionato das reiras& uma antiga aluna da cateuese na igrea&
umamulher sem marido porue no usa alian@a& percebia-se ue se
penteaBa e mudaBa a roupa na iluso de agradar-nos& ue penteaBa e
mudaBa a roupa ao pimpolho& a minha me
- ,m biscoito=
a ordenar-me
- +hega aR a lata
e o pimpolho& proibido pela me de aceitar& diBidido entre a gulae o receio& a me do pimpolho antes ue a gula Bencesse
- Ele no tem ome madrinha
e a lata echada a regressar ao armrio com o pimpolho& ainda
ue parado& saindo de si mesmo a acompanhar-lhe o traecto&
lembro-me dele uando o meu corpo acompanha as marKs para alKm
das esteBas& dos chorFes& dos penedos& lembro-me da insónia dos
caBalos toda a noite a Ntar-me e no me lembro h uanto tempo o
pimpolho me mandou embora do ardim +onstantino& Binte& Binte e
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cinco anos& trinta nem o ue uerem dier Binte& Binte e cinco anos
ou trinta para mim ue desconhe@o os ue tenho se pensar na minha
idade& suponho ue setenta ou oitenta na tarde em ue o pimpolho
Qporue era tarde& era Bero& recordo-me das nuBens& no
muitas& duas ou trVs de leste para oeste no sentido da gua& o
pimpolho desinteressado das nuBens e eu uase sem escut-lo
deriBado a ue uma delas de bordos rosados& no a Bia desde
*antarKm& no ano em ue o solicitador aleceuS
- %em atK ao Nm do mVs para sair de c
enuanto continuaBa& como desde crian@a& a eCaminar o armrio
onde echBamos os biscoitos sem coragem de proB-los& ele a alar
comigo e eu a pensar ue deBia pegar-lhe ao colo& brincar com ele&
distraR-lo& perguntar-lheApetece-te os biscoitos=
no& perguntar-lhe
- +ontinua a apetecer-te=
#aV-lo sentir-se menos U beira de morrer como uando
regressaBa com a me ao sRtio onde moraBam e o pimpolho diante de
um rolo de cordas num ponto sob as gaiBotas na mira ue o pai um
dia destes ali& aNan@ar-lhe- O teu Belho Bai chegar
sem me ralar ue ele
- %em atK ao Nm do mVs para sair de c
porue no era este segundo andar do ardim +onstantino ue
ele ueria& era um comboio Boltando de #ran@a& um gesto nem ue
osse a enCot-lo
- %rambolho
e o pimpolho ue BocV di ser seu pai contente& sossegado& atrotar na direc@o do capacho uando alguKm se aproCima& toma um
biscoito da lata& aproBeita& mastiga& a me dele no
- <V l como te portas
Bisto ue ele adulto& sem me& barcos ue no me incomodaBam
h sKculos principiaram a descer a rua de lanternas acesas& a minha
dJBida sobre se eram os ces ou as mulheres ue choraBam&
reTectindo melhor nem ces nem mulheres& os arbustos do ardim
+onstantino na chuBinha de outubro& um Bendedor de hortali@a&
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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apeteceu-me escreBer o nome do homem nos Bidros ou erguer a
tampa do piano e eCperimentar uma nota
Qaguda& graBe& ue me ralaBa a mimS
para ue ualuer coisa connosco& uma nota ecoando muito
tempo atK se aparentar Us ondas ue suspeito eCistirem para alKm
das esteBas& hoe por eCemplo antes de BocV chegar uma arBKloa& ue
K sinal de gua& empoleirada nauele cacto
Qo Jnico ue eCisteS
com a Torinha aul& neBoeiros& baRas e tudo isto& se assim me
posso eCprimir& na arBKloa poisada no cacto com uma Tor aul& h
alturas em ue espero a semana inteira por ela& chego a ueiCar-me
U minha colega de uarto& apontando-lhe a Tor deste lado do muro
Qh outras por aRS
- Passa-se sKculos e a arBKola nada
embora me pare@a
Qno me atreBo a ur-loS
ue mais arBKloas a seguir ao rebordo de pedra& a minha colega
trocou os óculos de perto pelos óculos de longe
Qe por um instante os óculos do ouriBes a comer o pVssego& uminstante mais uga ue em geral os instantes leBando-me a admitir
ue inclusiBe as recorda@Fes nos Bo abandonando uma a uma&
pergunto-me o ue Ncar uando todas se tiBerem idoS
a minha colega com os óculos de longe e serBindo-se dos óculos
de perto a Nm de designar o cacto
- ArBKloa=
no acreditando ue alguma Be as ondas a uatrocentos ou
uinhentos metros de nós& amarelas& brancas& Bermelhas& cor delama uando aogaBam caBalos& giraBam& Bimieiros e um boi
abra@ado a um tronco ue protestaBa no Bento& a minha colega ue
no sabe nada de barcos
Qo ue Ncar uando todas as recorda@Fes se orem& atK o nome
do homem ue Bou escreBendo com o dedo& em momentos de
desWnimo penso ue o nome errado& comparo o nome escrito com o
nome ue lembro e decido aperei@oar uma Bogal como se
aperei@oando uma Bogal auele nome de actoS
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a minha colega ue no sabe nada de barcos& ignora os sapos& as
cheias& os rangos ue bicaBam os caiCilhos procurando entrar& a
substituir os óculos de longe pelos óculos de perto e com os óculos
de perto
Ql est o ouriBes de noBo& no tenho culpa& K assimS
os olhos dela enormes& Beiainhas& saliVncias mas nenhuma
lanterna ue descesse a rua& um uarteiro ualuer de Lisboa
Qno o ardim +onstantino& esse conhe@o-o bemS
onde prKdios de auleo& Barandas antigas
Quase *antarKm palaBra& onde uer ue BiBamos pouco muda
no K=S
um tapume a esconder os restos do ue antigamente uma casa e
hoe calhaus& barrotes& a chaminK ue teimaBa& a minha colega ue
se me meteu na ideia ter morado ali antes da cama mesmo ao lado
da minha& aos domingos passeios com a amRlia na praia
Qporue h-de haBer uma praia& areia& desperdRcios& um sRtio
onde as arBKloas ninhosS
aposto ue um almo@o na esplanada
Qo ue eu no daBa por um almo@o na esplanadaSe ela eli com os reTeCos& as cores& essas coisas no gKnero
Qpauetes por eCemploS
ue no consigo Ber reduida a um cacto com uma Torinha aul
e U arBKloa ue ultimamente tem andado arredada& em certas
alturas& de manh sobretudo& uando a coluna me incomoda menos&
se calha demorar-me U anela inormo a minha colega
- <oltou
reerindo-me ao pssaro& atendendo Us circunstWncias a uepoderia reerir-me& eu segura ue a arBKloa
- <oltou
nós duas como namoradas de cabecinhas unidas e Bai na Bolta
um galho de aBelaneira ue nunca Bi com aBels& promessas de
botFes ue desistem& se esarelam e pronto& um papelito ou uma
olha a dan@aricar sem descanso entre a anela e o cacto& pe@o
desculpa U minha colega
- Enganei-me dona Oelinha toda a gente se engana
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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a minha colega desiludida porue um pssaro& sea ual or& K
uma noBidade na monotonia em ue estamos& peueno almo@o&
uarto& almo@o& uarto& missa& uarto& antar& uarto& conNsso U
seCta-eira e arro-doce ao domingo& a minha colega Bolta a
substituir os óculos de longe pelos óculos de perto e eis os olhos
enormes& o tapume escondendo os restos do ue antigamente uma
casa& as tais pedras& os tais barrotes& a tal chaminK ue teimaBa
- Habitou aR dona Oelinha=
canos ao lKu& erBas ruins& um alguidar ao contrrio& uem me
garante ue o ardim +onstantino no uma misKria tambKm oculta
pela piedade das rBores& gra@as a "eus tenho o cacto para consolar-
me& ideia da arBKola
Qmesmo ue no arBKloa& um papelito& uma olhaS
ue tra consigo a ideia do mar& barcos com lanternas rua
abaiCo& uma mulher abra@ada aos Bimieiros num grito parado& h
ocasiFes em ue acordo de noite& dou conta do silVncio U minha roda&
do meu tio
- +ala-te
e imagino ue esse grito o meu grito& o meu tio- +ala-te
enuanto no sei o uV acontece e logo a empregada
- 9ueres assustar as outras Belhas tu=
empurrando-me contra o colcho como o meu tio me empurraBa&
o mesmo aBiso na minha orelha
- +ala-te
o mesmo ueiCo no meu pesco@o
- +ala-teo mesmo corpo no meu ue doRa& ulgaBa ue ia chorar e no
lgrimas& um co a morder-me a barriga& deiCaBa de doer e aNnal eu
inteira& doRa de noBo porue o co& porue dedos& no mandRbulas&
dedos
- +ala-te
Qdurante o dia nenhum co& o meu tio
- *ai daR
e no
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- *ai daR
uma pressa idVntica ao
- +ala-te
eu sem entender
- <ocV K um cachorro ou uma pessoa senhor=
comia como eu& alaBa& ao piorar do sangue a eCpresso dele to
ansiosa
- $o Bou morrer Mariana=
e portanto BocV uma pessoa senhorS
o grito desBanecia-se em mim& nenhuma mulher abra@ada aos
Bimieiros& a minha me sem coragem de ralhar com o co& medrosa
dele
- O teu tio
o ouriBes um anel ou o peda@o de um brinco& o meu tio
- *ai daR
a empregada a soltar-me
- Estou arta de Bos aturar carca@as
doe ou uine carca@as de caBalos aogadas na sala de estar&
demasiadas bochechas& demasiadas orelhas de sJbito alertaescutando o ue no h& mandRbulas ue no cessam de insistir em
perguntas sem Bo& uma delas amarrada U cadeira por tiras de len@ol
e a empregada
- A proessora de rancVs
ue de uando em uando anuncia por uma rac@o da boca
Qdo ue ter sido a bocaS
- e crois en "ieu
alguns ueiCais& a lRnguaQno bem a lRngua mas uma lRnguaS
e se aunda de noBo& a proessora de rancVs moendo Berbos&
pronomes atK ue um mJsculo ou um tendo no pesco@o se cansaBa
e calaBa-se& no amRlia como a minha colega& uma irm ue se
plantaBa U sua rente arrastando um tripK
- $o me conheces AdKlia=
numa decep@o angada& eCibia-lhe um retrato Qparentes ue
leBantaBam as cabe@as desgostososS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- "i-me uem K este AdKlia=
o nari da proessora de rancVs desBiaBa-se para longe&
aborrecido& uma melena decidia eCistir de repente na testa morta e
escapaBa-se do gancho& a melena enKrgica e a proessora de rancVs&
com os seus Berbos e os seus pronomes& insigniNcante ao lado& a
irm tomando-nos por testemunhas
- $em o paiinho lhe importa
num ressentimento sem Nm& se me mostrassem o retrato do
ouriBes.
Q- Xs serBida=S
o ue respondia& pouco depois de morarmos no ardim
+onstantino uma carta dele para mim ue a minha me rasgou&
tentei unir os peda@os e em lugar de palaBras dinheiro& duas notas
numa pgina em branco& ulgo ue no Bou esuecer a minha me a
Ntar-me& a insónia dos caBalos deuntos ue me olhaBam& olhaBam
Quase lhes escutaBa o galopeS
os caBalos to gordos girando
- Me
uis agarr-la- Me
e ela a urtar-se
- Larga-me
dando ideia ue o ouriBes em mim& eu ue no tinha um
pVssego& no lho estendi
- X serBida=
eu catore anos se tanto& nunca passeei nas aponeiras consigo
senhora& nunca estendi uma manta no cho& lhe ordenei- +ala-te
conorme suponho ue os homens& corpos to pesados ue
susto& ces ue mordiam& mordiam& arrancaBam peda@os e dor&
depois no dor& depois dor& no mandRbulas& dedos separando&
rasgando& o aBiso na orelha
- +ala-te
repare ue no K o ouriBes me& K a sua Nlha& sou eu& o pimpolho
a trotar para um rolo de cordas no ponto na esperan@a ue um
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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sueito de chapKu a umar enuanto eu ue no espero nada a no
ser o mar numa arBKloa aui& no com auele cuo nome escreBo nos
caiCilhos& aui& a ocupar-me de BocV& a aer-lhe o comer& a limpar-
lhe o andar& a aud-la senhora& um dia destes Biaamos a *antarKm
prometo e espreitamos a casa& as oliBeiras partindo uma a uma& de
mistura com as ondas& na direc@o de Lisboa& os toiros ue nos
seguiam imóBeis& deitados na erBa& com auela cara deles ue
conBersa connosco sem aedumes& sem ódio& sem sangue por
enuanto nem bandarilhas nem mJsica
- <o matar-nos no K=
Bo matar-Bos depois da corrida nas palhas urinadas dos
chiueiros& onde BocVs os no BVem& com um martelo e um espigo
na nuca consoante o pimpolho me matou& o piano acho ue com pena
de mim
Quem Bai matar o piano=S
- +uidado
logo ue a echadura ac ac& a porta a abrir-se soinha& a
muina de costura suspensa
Qulgo ue menos preocupada ue o pianoSo brilho da terrina ora no so ora na cómoda ora na camilha dos
Nnados& eu
Que idiotaS
deBia ter percebido& adiBinhado& opor-me a ue entrasse&
chamado em meu socorro os parentes das molduras
*empre 9ueridos
a Nm de ue eCpulsassem o pimpolho na direc@o do capacho
mas no por tu& por Bossa eCcelVncia& na Kpoca deles respeitos&educa@Fes& cerimónias
- *e nos permite a opinio no deseamos a presen@a de Bossa
eCcelVncia a importunar-nos por c
e o pimpolho& ue remKdio& a obedecer a@udado por bigodes&
bengalas& sobrecasacas solenes mas inelimente para mim os
parentes calados& a porta abrindo-se soinha e os colarinhos com
goma indierentes& a nota do piano& intimidada por eles& a calar-se
- $o era nada enganei-me
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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a terrina em sossego aendo ue no Bia& a serenar-me& a
mentir
- $o K nada descansa
e o pimpolho unto U poltrona como se a me a acompanh-lo e
ele dois ou trVs anos diante do telo ue representaBa a princesa do
la@arote no cabelo a remar num baruinho& a me do pimpolho
- Ele no tem ome madrinha
a lata de biscoitos ue o proibiam de comer echada noa rmrio&
os retratos da camilha com o ranir do nari
- Este uem K=
um descendente& um Biinho& o Nlho de um empregado nosso e
ue empregados senhores& o arrieiro& o cortador& o ue se ocupaBa
dos porcos
Quma aca no pesco@o e eles suspensos no alguidar a sangrarem
gemidosS
um óro do pensionato& um antigo aluno da cateuese na igrea
Q*o Mateus& *o Marcos& *o Lucas& *o ooS
em todo o caso Nlho de uma mulher sem marido porue no tra
alian@a& percebia-se ue se penteaBa e mudaBa de roupa na ideia deagradar-nos e no nos agradaBa& uma pobre
- $o nos agradas Ks pobre
nós terra& gado& cria@o& nós caBalos ainda ue inchados de gua
e com os artelhos no ar& a insónia deles toda a noite a espiar-nos
QouBia-se-lhes o galope na lama dos campos& isso ue escutas
no so Bimieiros& no entendes nada de bichos& so os caBalos ue
BoltamS
podia pegar no pimpolho ao colo& brincar com ele& distraR-lo&perguntar-lhe mostrando os biscoitos
- Apetece-te=
mesmo agora ue ele o dono do segundo andar no ardim
+onstantino e eu a inuilina& a hóspede
- +ontinua a apetecer-te rapa=
aud-lo a no se aTigir com um rolo de cordas no ponto sob as
gaiBotas na esperan@a ue o pai um dia destes no >eato
- O teu Belho Bai chegar
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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no me aborrecendo ue ele
- %em atK ao Nm do mVs para sair de c
porue no era este apartamento ue ele ueria& a noite desde
as trVs horas no inBerno& este bairro& estes trastes
Quem pode uerer estes trastes=S
era um comboio Boltando de #ran@a e um cotoBelo a enCot-lo
- %rambolho
porue K o comboio ue te apetece no K& so as canas de pesca&
o ponto& no a minha mala na escada& os teus dedos no meu bra@o&
o cego do primeiro andar calculando o capacho
- >oa tarde
os passos do pimpolho& os meus passos& eu
- ,m biscoitinho& menino=
de orma ue no tenhas pressa& aproBeita& mastiga& a tua me
no
- <V l como te portas
uma Be ue a partir de certa altura as mes desistem ou
perdem-se algures& tanto a& e continuamos soinhos& na loa do
homem de ue escreBia o nomeQse calhar no o nome dele& o nome do ouriBes& desculpe
senhora& no N por mal& oi sem uerer& saiu-me o nome do ouriBesS
na loa do homem de ue escreBia o nome o homem a olhar-me
Qnunca me olhara antesS
eu a entrar para a ambulWncia
- +omo te chamas tu=
eu
- "i-me o teu nome depressa ue esueci como te chamaseu
- 9uero escreBV-lo como deBe ser como te chamas depressa
o homem continuou a olhar-me ao echarem a ambulWncia& o
pimpolho ao lado do choer& um sueito de bata branca comigo e isto
h Binte& Binte e cinco anos& trinta& contem-me o ue signiNcam Binte&
Binte e cinco anos& trinta eu ue ignoro os ue tenho& o mais antigo
ue lembro so Bimieiros a rodopiarem na gua& um boi uebrando
as patas num tronco& olhas na boca& cani@os
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Q- +omo te chamas tu=S
o rio ue ultrapassaBa a Binha numa pernada e alcan@aBa o
uintal& no sei se eram os ces ou as mulheres ou eu uem choraBa
no corredor
Qeu no& nunca choroS
a certea ue a gua ia cobrir os móBeis da coinha& apagar o
ogo e leBar-me consigo& se apagarem o ogo a casa morre
conorme na ambulWncia o segundo andar do ardim +onstantino
morreu e conorme nos sucede morrer se os relógios se calam Bisto
ue se alguKm impedir o moBimento de um pVndulo nenhum de nós
respira& as costelas bem tentam e o ar a ugir-nos& o sueito de bata
branca
- X para seu bem madame
no
- +ala-te
no um aBiso na minha orelha& um gestoito ma@ado
- X para seu bem madame
e um porto& uma rampa& narcisos& o pimpolho para a
empregada- Aui est a sua prenda
no aponeiras& no Bespas& no metade de um pVssego
- Xs serBida=
aui est a sua prenda apenas e a empregada a receber-me a
bagagem
Qpode chamar-se bagagem=S
a certea ue o mar pelo cheiro do Bento& eu para o pimpolho&
eu com esperan@a- X o mar=
dado ue só podia ser o mar& as ondas acol depois do cacto no
muro& os gansos do merceeiro de pesco@o buinando& a proessora de
rancVs
- e crois en "ieu
e a desaparecer em si mesma& no me incomodaBa a proessora&
no me incomodaBam as colegas& no me incomodaBa a empregada&
o uarto& as duas camas& o sueito de bata branca
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- X para seu bem madame
no me incomodaBa o arro-doce dos domingos com as iniciais
em canela& as ue escreBo no Bidro e so o nome do homem da loa
ue no me doeu nunca& no reparaBa em mim e no entanto eu para
o pimpolho& eu com esperan@a
- X o mar=
e de certea o mar deriBado a ue unto ao mar as arBKloas&
aem ninho nos penedos& chocam os oBos numa coBa& no cantam&
h Binte& Binte e cinco anos& trinta
Qno interessaS
ue a arBKloa ali& eu ali& o pimpolho a conBersar com a
empregada& a empregada impaciente comigo
- $o morres=
e no morremos nunca nós ue o %eo ao subir no transormou
em caBalos& aui est o cheiro das minhas crinas ao acordar de
manh& os meus dentes compridos& as minhas narinas redondas& hei-
de reconhecer os aneiros
QdJias de aneiros prometoS
pela pressa das nuBens& chegue comigo U anela& dV-se conta&perceba& se tiBesse uma lata de biscoitos estendia-lha
- X serBida=
o seu pai haBia de gostar ue eu para si
- X serBida=
embora nunca me ale das Nlhas& ala-me de *intra& de %aBira& de
uma hospedaria na ;ra@a& por Bees a cara dele mudada
- $o a pus aui por mal acredite
e um embara@o& um aceno ao acaso- $o a pus aui por mal teBe de ser compreende=
o pimpolho coitado no ardim +onstantino mais a esposa e a sua
irm e BocV& ultimamente no sei onde pra& no me Bisita& esueceu-
se& no aleceu& era o ue altaBa& deBe estar no ponto em ue um
petroleiro persa& albatroes& inelimente para ele no o mar dado
ue o mar um cacto com uma Tor aulinha& uma arBKloa& o mar no
mais ue um cacto& uma Tor aulinha e uma Jnica arBKloa
Quma arBKloa bastaS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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o mar a seguir ao muro e um dia destes o pimpolho e eu
sentados na praia sem necessitar de conNdVncias& conBersas& sem
necessitar de mais nada seno permanecermos os dois& se Yssemos
mais noBos eu da areia a cham-lo e ele& como na Kpoca da minha
me& unto ao piano
Qunto a uma rocha a Ber-me
- +umprimenta esta senhora rapaS
tentando um sorriso& conseguindo um sorriso e escondendo-o&
de imediato& na timide da manga.
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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SEGUNDA VISITA
agora& e se K mesmo seu pai& por ue motiBo o pimpolho
deiCou de repente de me Bisitar diga l= $em uma carta& uma
eCplica@o& uma palaBra& o banco ue traia do corredor para
conBersar comigo& esse onde BocV se senta& Baio& por mais ue o
olhe Baio& decido Nngir ue me distraio& obserBo o cacto& oi@o o mar&
no dou pelo pimpolho ue entretanto abriu a porta& aBan@a em bicos
de pKs como se eu a dormir
Qpara me aer uma surpresa coitadoS
espera em silVncio& uietinho
Qporue ele uma crian@a& to tRmidoS
ue eu repare na sua chegada
Qnós ao mesmo tempo aui e no ardim +onstantinoSreparo
Qcom pena de no haBer uma lata de biscoitos& tomaS
para lhe aer a Bontade
Q- <ieste h muito tempo pimpolho=S
e ninguKm& a porta echada& eu soinha& as ondas se calhar
ondas nenhumas& só o Bento numa copa& nada& os retratos da camilha
- O amr no eCiste
dado ue me detestam conorme detestaram a minha me- $as aponeiras com o ouriBes ue horror
no me uerem eli
"eiCaste-nos Ncar mal desiludiste-nos
Qno ardim +onstantino o ruRdo da muina de costura uase
imitaBa a gua a retirar-se e a crescer& o assobio dos penedosS
Us Bees ao entrar no uarto penso em ocupar o lugar do
pimpolho& dier-me
- >oa tarde
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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para sentir ue nós dois untos na sala& a me dele e a minha
Q*empre 9ueridasS
alando no sei de uV sem atentarem na gente& o pimpolho um
catraio
Q- <V l como te portasS
e eu ue a minha me preeria esuecer desculpando-se aos
parentes
- Minha Nlha essa=
na ideia de conBencV-los
- ,ma hóspede
os deuntos a leBantarem em silVncio as cabe@as desgostosas& a
minha me
- PrecisaBa de uma empregada ue me audasse na casa
e as cabe@as censurando-a& a otograNa de um senhor de
panam enriuecido no >rasil& procissFes de ue se percebiam
aninhos& andores e o resto uma mancha cinenta& o pimpolho e eu
neste uarto aguardando ue a arBKloa& anunciaBa-lhe
- "aui a pouco uma arBKloa
e BocV ue no se preocupa com pssaros a uem eu igualmente- "aui a pouco uma arBKloa
a recusar a arBKloa com o enado dos ombros& BocV no parecida
com ele& no preocupada connosco
- +onte-me do meu pai
preocupada comigo
- +onte-me de uma crian@a
a trotar sem destino sob a pressa das gaiBotas num bairro de
hortainhas& traineiras& eu com Bontade de perguntar-lhe& de costaspara a anela& uase de costas para si
- $unca lhe alou de nós o pimpolho=
e calada& no na mira de uma arBKloa e ondas& sem esperar sea
o ue or e aendo de conta& atK para mim mesma& ue espero&
sabendo ue um dia destes eu uma moldura na camilha& peuena&
atrs das outras& a Jnica sem nenhum
*empre 9uerido
por baiCo& em rela@o U ual ninguKm
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- E essa aR uem era=
e portanto o segundo andar do ardim +onstantino deiCando de
eCistir ainda ue habitem nele
Qhabitaro nele=S
os móBeis outros móBeis& os auleos da coinha mudados& as
cortinas dierentes e no o segundo andar do ardim +onstantino&
uma casa ue no conhe@o e me no conhece& outros arbustos&
outras rBores& nenhum caBalo morto a Ntar-nos& nenhuns telhados
submersos& BocV
- +onte-me do meu pai
para ue lhe ale de si& BocV como se no soubesse
- +onte-me da mulher com uem o meu pai se encontraBa
para conseguir entender uem so os homens ue encontra& ou
sea o marido da sua irm
- +unhadinha
sea o economista do emprego a uem BocV
- $o me leBas ao circo a assistir aos palha@os=
e o economista deiCando de Bestir-se& surpreendido
- Ao circo=por no poder dar conta ue o pimpolho de nari escarlate e
cabeleira ruiBa entre eles& sempre o Jltimo da Nla& o mais apagado& o
mais tRmido& BocV indignada com a timide
- Pai
ue talBe só eu e a mulher com uem se encontraBa
aceitssemos conorme aceitBamos o comboio de #ran@a e o
pimpolho na esta@o continuando connosco& aceitBamos ue
espiolhasse as carruagens& sem tempo para nós& mesmo nahospedaria da ;ra@a ou em %aBira ou em *intra& receando ue o pai
dele
- %rambolho
conorme BocV sem palaBras nos almo@os de domingo
- %rambolho
e o seu pai a escut-la dado ue apesar de no escutar a sua
irm a escutaBa a BocV& o pimpolho de caneta no ornal
Qas brancas ogam e ganhamS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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lembrando-se& ao ritmo de uma muina de costura ue no
trabalhaBa & de uma lata de biscoitos& lembrando-se de mim a uem
a empregada auda U tarde a instalar-se na cadeira
- Agora Ncas aR
e o cacto e o muro e o homem de ue escreBia o nome
Qainda ue tiBesse esuecido de como se chamaBa& ainda ue
com letras erradas era o nome certo ue eu escreBiaS
pela primeira Be& agora ue estaBa morto& a acenar-me da loa&
uma tarde em ue nenhum cliente ele
- Espere
Qou eu
- Espere=S
uma tarde em ue nenhum cliente no estou certa se o homem
se eu& acho ue eu
- Espere
uando se aastou do balco eu Qestou certa ue euS
- Espere
e o homem
- Perdo=um inBerno uase sem chuBa de orma ue em *antarKm
QsuponhoS
o %eo l em baiCo& guios de oBelhas U saRda da Bila& cheiros ue
se demoraBam nas coisas ao demorarem-se em mim& o armaKm da
loa no a seguir ao balco& ao lado do ue deBeria ser a casa onde
Bapores de ritos e a esposa dele& eu ue nunca tiBe or@as para
mandar osse em uem osse& continuo a obedecer U empregada& Us
empregadas- LeBanta-te
- *enta-te
- +ome
e leBanto-me& sento-me& como& eu a apontar-lhe o armaKm isto K
uma espKcie de arrecada@o na ual Bolumes& acturas& eu para o
homem
- Acol
Qesse pssaro no muro no uma arBKloa& um estorninho& a
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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arBKloa mais tarde& antes da noite& uando as sombras da parede
aumentarem deste lado com a sombra de um abeto a oscilar em
cimaS
o homem sem moBer-se& cansado
- Esueceu uma moeda do troco senhora
QdJias de estorninhos e no distingo a rBore em ue moram&
um carBalho& uma olaia& diem-me ue uma dJia de olaias ue so
sinal de marS
a moeda do troco no balco e eu a desprear a moeda& a
ordenar-lhe
- Acol
consoante o seu pai
consoante o pimpolho para a mulher na hospedaria da ;ra@a
Qno K isto ue lhe interessa& saber ue o seu pai a preeria=S
- Acol
no seu caso nunca
- Acol
a mo ue no se atreBia a pegar-lhe a come@ar o moBimento& a
desistir e ele a impedir-se ue um sorriso& um conBite& a impedir-se oseu nome
- auel
era isto conesse& o pimpolho para a mulher
- Acol
e acol uma colcha torta& a trepadeira nos caiCilhos a aumentar
com o Bento& no um hotel& no uma penso& uma hospedaria barata
no alto da cidade e no se Bia o castelo nem o rio& Biam-se
larguinhos& escadas& o seu pai Us uartas-eiras a hesitar& a esconder-se
Qdurante cinuenta e dois anos a hesitar& a esconder-seS
e mal BocV distraRda a entrar& a mulher ue ele conheceu antes
de conhecer a sua me& ulgou ter morrido no sanatório em +oimbra
Qo pimpolho ora do gradeamento
- X auiS
onde o no deiCaBam entrar& uma reira no topo dos degraus
- <-se embora
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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chamando um maueiro e o maueiro
- 9uer adoecer amigo=
a reira ou o antasma de uma reira
Qo ter@o U cintura& o cruciNCoS
uma campainha algures a conBocar os mortos
*empre 9ueridos
obrigando-os a sair de uma dJia de camilhas e a caminhar
corredor ora erguendo as cabe@as desgostosas& todos eles com os
meus olhos& o meu tio& o ouriBes& crian@as de Bestido antigo com
sorrisos uase intactos de Belhos
Quando aleciam em *antarKm a idade delas mudaBa traendo a
lama das cheias no pesco@o& na bocaS
de tempos a tempos um cordeiro U deriBa& uma oliBeira sem
raRes na direc@o de Lisboa& senhoras de gola de renda
surpreendidas com o pimpolho
- *abes o nome deste +lotilde=
a pressa mole das Bacas& guas de sombra percorridas por
barcos de lanternas acesas enCotando o seu pai.
- 9uer adoecer comigo=para a esta@o de +oimbra
- <-se embora depressa
eu na cadeira perto da anela e ele nesse banco onde BocV se
senta Bendo-os passar um a um& o ue nos pareceu a mulher da
hospedaria da ;ra@a com eles
Qainda no da hospedaria da ;ra@a nem de %aBira nem das
accias de *intra& uma rapariga ou nem uma rapariga& uma menina
de Bestido de comunho solene encostada U mesa de pK-de-galo emue uma bailarina de corda giraBaS
e o pimpolho neste mesmo uarto
- Ela no
o pimpolho
Qno uma ordem& o seu pai a pedir-lheS
- $o te separes de mim
e por conseuVncia a mulher com pena dele
Qo seu pai achaBa ue com pena deleS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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todos os agostos dois toldos a seguir ao Bosso em %aBira
conorme duas ou trVs mesas
Qou uatro& ou cincoS
a seguir U Bossa na esplanada U tarde& as ondas do AlgarBe
menos speras& mais claras& no as minhas ondas em ue BocV no
acredita dado ue este bairro
Qna sua opinioS
demasiado longe do mar& o mar no outro eCtremo da cidade e
no bem o mar& o rio& ou sea o conBKs de um petroleiro a Bibrar ecos
e ecos& bebKs abrindo as goelas de ome
QdVem-lhes peiCe cru e assimS
as pedras e a terra
Qno areia& terraS
protegendo os esgotos& o mar eBidentemente ue no um cacto
nem uma Torinha aul com uma arBKloa em cima& o mar untas de
bois na praia& marinheiros parecidos com a dama de espadas alando
um latim de lpides de igrea a ue altaBam letras e o rei U espera
deles num palanue& o mar o primo +asimiro a limpar a chBa da cara
arrastando a mala no cais - Ests a rir-te de uV=
uando ninguKm se ria de nada
- Ests a rir-te de uV=
e a secar-se na manga& a chuBa apenas na cara dele& no em nós&
o barco aastaBa-se a tossir e o primo +asimiro l em cima entre
dJias de primos +asimiros secando-se na manga
- Ests a rir-te de uV=
uando eram eles ue se riam& no com a boca& a boca sKria- <ais Ncar a pensar nele a Bida inteira peuena=
os dentes rindo soinhos& dentes de caBalo de uando o %eo
subia& o meu tio
- +ala-te
e dor& depois no dor& depois dor& esse cheiro de abrirem a goela
do porco eito de berros& tigelas de sangue& peda@os ue tombaBam
na selha& eu Bestida desse cheiro& eu esse cheiro e como eu esse
cheiro eu para o homem de ue escreBia o nome nos caiCilhos
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
http://slidepdf.com/reader/full/antonio-lobo-antunes-eu-hei-de-amar-uma-pedra 360/568
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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desculpaBa-se para mim aastando o ar com a moinha
- 9ue tolice perdoe
aturaBa-lhe as antasias& interessaBa-se por ela e a internada
- Pimpolho
como se ele um parente& um aNlhado& um sobrinho e se calhar
um aNlhado ou um sobrinho dado ue a internada lhe conhecera a
me& lhe estaBa a par da inWncia& se preocupaBa
- $o Boltaste ao >eato=
mencionando otograNas de noiBas numa loeca ualuer& noiBas
ou gaiBotas ue surgiam da montra& num bando de grinaldas& aos
cRrculos no tal >eato& remeCendo na margem a enodoar os Bestidos& o
sueito paciente como se concordasse com ela
Qembora atento Us carruagens
9ue tolice perdoeS
- X Berdade
aceitando ue desde crian@a num segundo andar do ardim
+onstantino onde a internada moraBa
Qmoraria=S
e l Binham um piano& terrinas& a me dela numa poltrona entreCailes abismada com o sueito
- +resceu tanto este ano
l Binha o ibateo
Qela ue eu apostaBa ter nascido em LisboaS
sob a orma de uma aldeia perto de *antarKm onde os sinos a
preBenirem das cheias atK a gua os calar& Bimieiros em ue se
empoleiraBam cabrinhas& soalhos baloi@ando& o tio dela
Qoutra inBen@o& tudo inBentado garanto-lheS- +ala-te
a empurr-la contra o traBesseiro conorme BocV deBeria aer
Qconorme eu a@oS
espa@ando-lhe no ouBido
Qto surda com a idadeS
- +ala-te
U medida ue a arBKloa em ue nunca acreditei no Nm de contas
ali& na Tor aul do cacto& proBaBelmente coincidVncia
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
http://slidepdf.com/reader/full/antonio-lobo-antunes-eu-hei-de-amar-uma-pedra 362/568
QcoincidVncia de certeaS
mas a arBKloa ali& no me encare dessa maneira dando a
entender ue no nota olhe ue a arBKloa ali& no me diga ue um
papel ou uma olha dado ue nem papel nem olha& a arBKloa ali& o
resto mentira mas o idiota do pssaro a sKrio& cinento ou castanho
repare& com uma caudainha espetada
Qa arBKloa aliS
tudo o resto imaginado K eBidente porKm a arBKloa ali& imaginou
a Bida dela e a Bida do sueito& a esposa& as duas Nlhas& o ardim
+onstantino& o homem ue escreBia o nome nos Bidros
Qela ue escreBe um nome ue no se entende& eito de letras ao
acaso& com a teimosia do dedoS
inBentou a mulher com uem o sueito Us uartas-eiras numa
hospedaria da gra@a igualmente inBentada& untou-lhe sabe-se l
poruV
Qa cabe@a to estranhaS
accias numa ainhaga de *intra e um toldo em %aBira& o sueito
sem a contrariar& por educa@o ou por dó
- X Berdadeeu para ue me deiCe em pa ue tenho a proessora de rancVs
U espera e "eus do lado dela& desconNado de mim
- X Berdade
a ouBi-la& ao aastar-me& continuando a sua história para a
colega do uarto
Qa arBKloa mudou-se para o muro numa espKcie de pulinho&
ainda ue no haa o mar a arBKloa autVnticaS
de orma ue no acredite& no lhe dV aten@o& a@a o seutrabalho de assistente social& B-se embora antes ue as guas
principiem a subir& lhe alcancem os oelhos& a cintura& os ombros&
BocV a mudar de uarto e as guas perseguindo-a& a esconder-se na
coinha e na coinha um ouriBes com um pVssego na mo
- Xs serBida=
Qno bancadas& no loi@as& aponeirasS
BocV cuo pai aleceu h dois ou trVs meses
Qo marido da sua irm ao teleone no
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- +unhadinha
no
- Esta tarde passo por aR cunhadinha
no uase a tro@-la& solene e BocV
- O ue se passar contigo=
o marido da sua irm
- O teu paiS
BocV no gostaBa dele& suportaBa-o porue a gente no K&
porue a Bida no K& porue em certas alturas
Qdetestamos coness-loS
suportamos ualuer coisa tanto a& BocV demorando a
perceber
- +omo=
E ao perceber recusando perceber
- $o BocV
- Est a Bingar-se de mim K mentira
da sua indieren@a& da sua irrita@o& do modo como se despedia
de cara na parede
- *ome-teenoada do marido da sua irm e de si& enoada de si& do mKdico
a insistir em radiograNas& eCames& acompanhando-a U porta
- $o Bale a pena assustarmo-nos antes dos resultados tudo o
ue lhe posso dar so hipóteses
e a cólica de tempos a tempos& nem seuer uma cólica& mais
impresso ue cólica& BocV a dormir e a impresso
- Ol
pensaBa- ,ma cólica
acordaBa e cólica alguma& BocV desperta no escuro procurando
com a palma
- A minha cólica=
e moita& mais um mal estar ue uma nusea& um sabor aedo&
um langor& BocV para o marido da sua irm
- *ome-te
Q- Antes dos resultadosS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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e as pernas sem lhe pertencerem& uma incomodidade na espinha
e logo a seguir incomodidade alguma& para uV as amea@as do
mKdico& uma biópsia insiste ele& se estou bem& somente as digestFes
um bocadinho
Qdisse um bocadinhoS
mais lentas& desde ue me conhe@o os intestinos de uando em
uando ou a BesRcula ou o Rgado& onas nossas ue protestam sem
motiBo
QcaprichosS
se arrependeu& Boltam a trabalhar obedientes& nada ue me
perturbe portanto& Ncar um minuto a aBaliar-me e esou bem& o meu
pai o cora@o& os diabetes& ignoro o uV nas artKrias& eu bem e no
interior do sono uma inuieta@o& uma agonia& sentar-me na sala Us
escuras& Bigiando-me
- Estou bem
os ruRdos da rua ue me do medo& passos
Q- ,m gatuno=S
onde no passos ue alRBio& no me Bo roubar& eu de oelhos na
boca moBendo os dedos dos pKs& eu de dedos ue aem o ue ueromesmo o peueno ue a calista trataBa& colocou-lhe um adesiBo
porue uma eridinha& arranco o adesiBo e a eridinha sarou& o mal
estar desBaneceu-se& o mKdico desBaneceu-se& au reBoir mKdico no
necessito ue me trates& estou bem& digo ao marido da minha irm
ue sim dado ue em determinadas alturas& no sempre& em
determinadas alturas
Qodeio coness-loS
sea o ue or a agarrar-me o pesco@o& a suspender-me no arconsoante a coinheira suspendia um pato ou um rango& a abanar-
me o corpo morto& a largar o trapo em ue me tornei no so e
tirando essas alturas eu trapo algum& eu bem& o baton disar@a& a
mauilhagem disar@a& a blusa noBa disar@a& ao mudar de roupa o
corpo muda igualmente& altar U consulta& para uV a consulta se eu
bem& traer um copo de gua& aproBeitar& distrair-me& pegar numa
reBista& numa segunda reBista& aborrecer-me das reBistas& ligar a
mJsica e a mJsica entristece& Nco ba@a& turBa& houBe uma Kpoca em
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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ue me alegraBa e agora entristece-me& mais ba@a& mais turBa& o ue
eCistir na mJsica ue me entristece& memórias ue destingem para
dentro& a preto e branco& me custam& desligar a mJsica& eu bem& sei
l por ue carga de gua a mJsica a traer a Bo do cretino do
marido da minha irm& no diBertido& solene
- O teu pai
eu a chegar do trabalho e uma espessura na Bo dele& um
eCagero de teatro& uma indulgVncia comigo
- O teu pai
conorme o mKdico daui a uns tempos uma espessura& um
eCagero de teatro& uma indulgVncia comigo& a alian@a no meu bra@o
- ,m problemainho desagradBel parece-me
e caBalos aogados e oBelhas e bois& dJias de ces a ladrarem l
ora atK me dar conta ue so os meus nerBos ue ladram
- <o-se embora cachorros
e os olhos dos ces comoBidos comigo
- A ineli da auel
no& os olhos deles preocupados comigo& tentando decirar as
indulgVncias do mKdico- O ue tens tu auel=
esses olhos compreensiBos& com pena
- A ineli da auel
o marido da minha irm para a minha irm num eCagero de
teatro
- A auel
$o
- O teu paiue o meu pai acabou-se& o meu pai torrFes& liCo& dado ue o
cora@o& os diabetes& uma Beia do cKrebro& o marido da minha irm
- A auel
e no pelo teleone ue no teleonaBa para casa Qos lbios dele
no meu ombro& o peito nos meus rins& o cigarro a alhar o cineiro& o
marido da minha irm
- $unca teleono para casa cunhadinha no habituo mal a tua
manaS
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durante as notRcias da teleBiso a minha irm inuieta
- Aconteceu-te alguma coisa=
e o marido da minha irm a soltar os talheres& a procurar o
guardanapo& a preparar-se porue o apartamento um palco e por
conseguinte cuidado com a entoa@o& o ritmo& o marido da minha
irm
- A auel
Q- A ineli da auelS
eu distraindo-me deles a pensar numa arBKloa e pensando numa
arBKloa logicamente o mar& o meu pai a esuecer o problema das
damas ele ue no esuecia o problema das damas
Qas brancas ogam e ganhamS
o meu pai BiBo e a proBa ue BiBo consiste em ue o meu pai
- auelinha
o meu pai ue amais
- auelinha
desta eita
- auelinha
comigo no circo& os caBalos de penacho na cabe@a a galoparemna pista& no os caBalos de *antarKm a girarem no lodo& com olhas e
raminhos e terra nas crinas mas caBalos amestrados ue estacaBam&
mudaBam de direc@o& galopaBam de noBo& aude com os seus dedos
pai& aperte one Bees os meus& se apertar one Bees os meus o
mKdico
- $enhum problemainho desagradBel parabKns tire umas
Krias descanse
de maneira ue dispenso a arBKloa- Podem Ncar com a arBKloa
cesso de ouBir a internada a alar do pimpolho na hospedaria da
;ra@a& nas accias de *intra& em %aBira embora a sua Bida me
intrigue senhor& poruV uma mulher e ual mulher e onde& o marido
da minha irm a Bingar-se de mim porue lhe urtei o oelho e lhe
disse ue no apesar da gente por Bees& o marido da minha irm
dias depois do uneral& numa espKcie de desdKm
Qa gua de colónia dele meu "eus& o suor dele meu "eus& o
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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pWnico ue eu grBida dado ue me atrasei dois dias& uma Bertigem
ao leBantar-me& a cintura a incharS
- O teu pai no morreu no escritório nem num almo@o de amigos
procurando a camisa& a graBata e a minha garganta logo
- Espera
um
- Espera
mais rpido ue eu& eu ainda a pensar e a garganta
- Espera
atK ue o resto do corpo alcan@asse a garganta e ao alcan@ar a
garganta eu a prender-lhe o pulso& eu mais baiCo
- O meu pai morreu como=
demasiado baiCo ou to baiCo ue o marido da minha irm uase
arrependido
- H=
os lbios no meu ombro outra Be& o peito nos meus rins& o
marido da minha irm a molhar o indicador na lRngua para retirar a
cina do len@ol e os eleBadores do prKdio estalando Us guinadas& a
cortina da Baranda a engordar com o Bento& o pó na mesa decabeceira ue a empregada no BV& no candeeiro& no abaur& pó em
mim
Q- Espanee-me HelenaS
um pó to suo em mim& no apenas da rua& outro pó muito
antigo
Q- %em de laBar-me Helena de maneira ue saiaS
os lbios do marido da minha irm a teimarem-me no ombro e
nisto as pernas para cima e para baiCo& ualuer coisa num dos pKsue arranhaBa& insistia& aasto-o com o calcanhar& no o aasto com o
calcanhar& no o aasto com o calcanhar porue eu to esuisita de
sJbito& preciso ue me digas
- Era mentira no ligues
o marido da minha irm num Noinho
- Era mentira no ligues
e o pó a crescer em mim& o pó to suo em mim& pó de h
imensos anos& desde peuena no ardim +onstantino a pensar em
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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ugir& a no responder aos meus pais& a esconder-me na copa& a porta
deles echada& a minha me a sorer ue eu bem a entendia pelas
lamenta@Fes do espaldar numa cadVncia de relógio em ue o pVndulo
tac tac na inten@o de enurecer-me& o pVndulo tac tac de propósito
atK ue a minha me
- E se as miJdas percebem=
e mal a minha me
- E se as miJdas percebem=
um atrito de roupa& a minha me
- Aten@o
e os passos do meu pai deBagarinho no soalho
Qpensando melhor no me importo ue o marido da minha irm
- O teu paiS
a minha me escandaliada
- $o Bestes o piama ao menos=
passando hesitante& a medir-me& com uma toalha na mo& de
cabelo molhado nas orelhas& na testa& um BestRgio de incisiBos no
pesco@o
- +onseguiu morder-se a si mesma no pesco@o me=e a eCpresso dela ora da cara& em mim& desconNada ou
medrosa Qno seiS
a eCpresso em mim& se me deiCassem leBantaBa a tampa do
piano e uma nota& outra nota& cada nota
- PoruV=
o piano a deender-me e mal se aperceberam ue o piano a
deender-me trVs homens agarraram nele e leBaram-no& o piano
indignado- $o uero
ao baterem-lhe a tampa numa esuina& deBem tV-lo morto com
uma aca& um garrote& uma seringa& o Beterinrio mataBa os gatos
doentes com uma inec@o na barriga de orma ue o piano& atado a
uma mesa& estremeceu e pronto& o audante do Beterinrio pegou-lhe
por um dos casti@ais& V-lo oscilar um momento e entornou-o no balde
- %inham mesmo ue entregar o piano ao Beterinrio me=
o piano com um banuinho
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Qo Nlho deleS
cuo assento rodaBa& empoleiraBa-me no banuinho& daBa
impulso com o bico dos sapatos e andaBa U Bolta& U Bolta& eu um
caBalo de circo a correr na pista com a minha tran@a a serBir de
penacho& aposto ue o Beterinrio uma inec@o no banuinho
tambKm e se carregasse em ualuer tecla K eBidente ue nada&
haBia uns rapaes no ardim +onstantino ue atormentaBam os
bichos e os nossos móBeis coitados& cheios de roupa e de loi@a
embrulhada em ornais mal podiam correr& se eu para as otograNas
da camilha
- "e uem herdmos BocVs=
os parentes embara@ados& mesmo os militares ue se habituam
ao eCagero dos tiros eBitando responder& NtaBam-se de moldura em
moldura
Q*empre 9ueridosS
lembro-me de uma menina da minha idade& muito sKria com um
arco
QpodRamos ter sido amigas& untarmo-nos contra os meus paisS
- "iemos-lhe=uma Belhota de aBental e saias compridas decidia ue no dado
ue o ueiCo dela a moBer-se e os militares a contragosto& porue
deseaBam audar-me
- "esaortunadamente so ordens
a menina tentou eCplicar-me pelo cantinho da boca sem ue os
outros percebessem mas nos lbios dela& apagados& iam altando
palaBras& uer dier umas rases sim outras no e as rases sim
conusas& o nome na margem da pelRcula Adelaide
ou sea para a minha uerida
Qe um espa@oS
com um beiinho grato da Adelaide& os algarismos da data
impossRBeis de reconstruir& apeteceu-me ue
para a minha uerida auel com um beiinho grato da Adelaide
muitos la@os& muitos olhos& um penteado em canudos& uma
pulseira ue se me aNgurou a ue a minha me usaBa e eu a inBear
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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a minha me
"s-me a pulseira Adelaide=
A minha me ue se calhar a conehceu idosa& sem canudos&
demorando sKculos a ir daui para ali& a minha me sem atentar nas
rendas& nos la@os& sobretudo sem atentar no arco e tudo estaBa no
arco& bastaBa dar com o arco e entendia-se& a minha me a uem
essas coisas escapam& por eCemplo nunca compreendeu ue com
sete anos eu grande
- "eiCe-me aud-la dona Adelaide espere um bocadinho cuidado
e a Adelaide
Qno dona AdelaideS
a recus-la& a Adelaide para mim
- A tua me no muda
e K Berdade& no muda& por mais ue me esorce no muda& aR
est a porta dos meus pais echada de noBo& ela esuecida ue tinha
sorido a sorer outra Be
Qh pessoas ue no aprendem e prontoS
as lamenta@Fes do espaldar numa cadVncia de relógio
Qtac tac& tac tacSno intuito de me aer perder a paciVncia e indignar-me com ela&
o
tac tac
de propósito& o meu pai a tossir& a minha me desiludida
- Acabaste=
e o
tac tac
outra Be& com menos Rmpeto& a perder-se& a minha me a acus-lo
- Acabaste
o atrito do piama& os passos do meu pai numa lentido de
derrota& uma desculpa humilde
- $o me sinto bem hoe
cabides no armrio& mais passos& o alRBio do colcho de uando a
minha me se erguia& o primeiro chinelo& o segundo chinelo ue
demoraBa a descobrir
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- Est para nascer o dia em ue te sintas bem tu
se ao menos se sentisse bem Us uartas-eiras pai na hospedaria
da ;ra@a& se ao menos a mulher
- $o se enerBe eu audo
um galho de trepadeira inormou-me a internada& rapaes de
cabeleira posti@a& a dona da hospedaria a comunicar por um tubinho
hlitos diRceis em ue boiaBam ordens& a mulher para o meu pai&
nunca por tu& por senhor& num cochicho compassiBo
Qlembro-me dela em %aBiraS
- Aguentamos uns minutos e Bai ser capa acredite
Qas brancas ogam e ganhamS
o meu pai a assoar-se e no momento de assoar-se se tiBesse uma
arBKloa daBa-lha& lembro-me da mulher em %aBira numa cadeira de
lona dois toldos a seguir ao nosso& ao Nm de alguns anos
cumprimentaBa a minha me num acenoinho modesto e esuecia-se
de nós
Q- Aguentamos uns minutos e Bai ser capa acrediteS
desembrulhando o crochet& um naperon acho ue Berde& no me
recordo bem& ue no acabaBa nunca& perguntar U internada- +onhece-a=
e a internada a escreBer um nome na anela impossRBel de ler
- Por ue motiBo o pimpolho deiCou de me Bisitar diga l=
a enermeira endireitando-a a arredar-lhe o cabelo da testa
- A partir de certa idade inBentam tudo no ligue
consoante eu inBento esta cólica nem seuer uma cólica& mais
impresso ue cólica& eu a dormir e ela no interior do meu sono&
decidia- <ou acordar
moBia os bra@os para cima onde eCistia o escuro& a lWmpada
acesa a transormar a minha aTi@o em uarto& nenhuma cólica
aNnal& procuraBa com a palma
- A minha cólica=
e a cólica perdida num ponto ualuer onde a minha me& noBa&
e a minha irm& peuena& continuam a BiBer num tempo ue oi e
no ual BiBo com elas& um segundo andar no ardim +onstantino ue
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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e esperar em silVncio
Qele uma crian@a& to tRmidoS
ue a internada repare& o chame& lhe estenda um biscoito
porue h-de haBer biscoitos por aR& sempre tiBemos biscoitos& o ue
no alta nesta casa gra@as a "eus so biscoitos e apesar da me
dele
- <V l como te portas
a internada e o meu pai na esperan@a ue a arBKloa
Qa internada
- "aui a pouco uma arBKloaS
e com a arBKloa o mar ou sea no bem ondas& no bem penedos&
no bem pauetes& uma mudan@a de Bento ou nem Bento& ual Bento&
uma altera@o da lu& uma agita@o distante& a internada para mim
- O mar
e deBia ser o mar& era or@osamente o mar Bisto ue uma mulher
Q- +omo se chama a mulher diga-me o nome dela Bim aui para
ue me dissesse o seu nomeS
uma mulher de ue me no di o nome dois toldos a seguir ao
nosso numa cadeira de lonaQuma cadeira barata& no tem Bergonha ue a sua amante numa
cadeira barata pai=S
a retirar o crochet de um sauinho
Qa agulha& o naperon& o noBeloS
sem olhar para nós& entretida no com as gaiBotas& as ondas& o
Bendedor de bolos
Qsenhor uV=S
entretidaQno estou a mentir& K assimS
com uma Torinha aul& uma insigniNcWncia& uma pKtala uase
inBisRBel ue
QB-se l adiBinhar poruVS
estremecia num muro.
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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TERCEIRA VISITA
Por culpa da empregada e das histórias ue lhe deBe ter
impingido a meu respeito atK a ue se diia Nlha do pimpolho deiCou
de Bisitar--me de modo ue uase nada sobea nesta casa para alKm
do uarto& das duas camas& da minha colega ue desistiu de
responder-me uando a chamo a preteCto de ualuer coisa aR ora
Q me esueci do marS
e ela Nnge ue no me escuta& no Bem& por Bees ala soinha
numa Bo de mimo& com o gato ue a proibiram de traer para c e
no entanto se lhe dobra nas pernas& um lombo ue a minha colega
ulga acariciar a contrapelo ao acariciar o nada& K a sua mo ue
modela o bicho e ao model-lo sinto ue o animal me espreita&
desconNado& hostil& conorme o meu tio ao aastar-se de mim depoisdo
- +ala-te
e da mo na minha boca
- *e contares a alguKm arrependes-te
cada gesto seu& a maneira de comer por eCemplo& insistindo
- Arrependes-te
o meu tio mesmo hoe& de tempos a tempos& U noite& dado ue o
cheiro dele nos len@óis de mistura com cheiros mais recentes& o damudan@a das esta@Fes& o da Nlha do pimpolho ue apesar da anela
aberta continua no ar agarrando-se Us coisas& o da urina do gato a
uem a minha colega chamaBa a companhia de uma Bida o ue se me
aNgura um eCagero porue os gatos duram menos tempo ue
ualuer pessoa& de& doe anos
QB lS
e aR esto os achaues& a companhia de uma Bida uase sem
ossos& o caiCote da serradura seco& a tigela da comida inteira&
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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sepultam-nos no esclarecendo bem se deuntos se BiBos& uma coBa
Qmais buraco do ue coBa& dois ou trVs golpes de enCadaS
e adeus gato sem ossos& na minha amRlia os buracos em torno
da nespereira ue se alisaBam com os pKs e uma por@o de gatos no
undo& em abril o restolho no tom ue era o deles U Kpoca em ue as
companhias de uma Bida cirandaBam por c& a suspeita de garras
aproCimando-se da superRcie a eCperimentarem o mundo com
prudVncia& cada pata um dedito ue BeriNca a temperatura do banho&
se caRsse na asneira de alertar a minha me designando-lhe o cho
- Olhe os gatos mam
mostraBa logo as olhas da nespereira e respondia
Quanto Bale a aposta=S
ue gato nenhum& o Bento ue eu associaBa Us aponeiras nas
alturas em ue a minha me se escapaBa comigo pela cancela
mentindo-me
- <amos ao baldio Us oBelhas
e em lugar de baldio um ragmento de muralha& uns troncos& o
ouriBes oendido& de nari no relógio
- no temos tempo atrasaste-tedando conta de mim e a Ntar-me como o meu tio me NtaBa antes
do
- +ala-te
uer dier o bei@o a Bibrar
- <em c
o ouriBes mais idoso ue eu ulgaBa& percebia-se ue imensos
anos
QduentosSpelos tendFes das mos& o modo como o relógio alhaBa a
algibeira antes de engordar nela& auilo ue a minha me
denominaBa Bento
Qpois sim& BentoS
traia-me motores de camioneta na estrada& o malho de um
Biinho a corrigir a cerca& presen@as insigniNcantes
Qde insectos=S
as presen@as insigniNcantes dos gatos nas suas coBas
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Q- Olhe os gatos mamS
solas deslocando-se pela casa& gente& ao passo ue neste uarto
nem o som do mar hoe em dia
Qter acabado& o mar=S
substituRram o cacto por plantas de ue desconhe@o o nome e
desistiram depressa enredando-se no muro& aendo parte dele de tal
orma ue nem sombra possuem ou no caso de a manterem
inclinando para a terra os cauleitos plidos& em momentos de
desWnimo
Qter acabado& o mar=S
interrogo-me se o mar ter acabado e se tiBer acabado acaba
toda a esperan@a ue pus nele outrora& ue continuaria a pYr& ainda
ue insensata& se o soubesse comigo& eu de inRcio surpreendida por
tanta liberdade& tanto sol e depois a correr na areia& de chapKu de
palha com cereas de eltro& estacando para eCaminar um
desperdRcio& um seiCo& ondas só minhas& a espuma ue crepita e se
eBapora& o tesouro de um peda@o de corda e uma caiCinha Baia&
guardar a caiCa e a corda num rochedo e esuecer-me delas
distraRda pela Baidade do chapKu de palha ou a preocupa@o uealguma cerea se desprenda& lembrar-me da caiCa e do peda@o de
corda amanh& ao acordar numa conBic@o de alta sem perceber o
ue alta& remeCer episódios em Bo& caBalos aogados& Bimieiros e
nisto o milagre de um postigo a abrir-se na memória
- A minha corda e a minha caiCa senhores=
consoante me acontece
- O pimpolhoe amulher das uartas-eiras senhores=
Acabados igualmente tal como o mar acabou& ondeQisto K a ue parte minhaS
terei ido busc-los para me sentir menos só& a minha me e o
segundo andar do ardim +onstantino esses eCistiram& no precisei
de cri-los& o piano& a terrina& etc& tudo Berdadeiro& limitei-me a
acrescentar umas sombras e a lata de biscoitos dado ue U minha
me lhe proibiram os doces& transormei o alaiate em ouriBes
Qo alaiate oendido& de nari no relógio
- no temos tempo atrasaste-teS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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nem seuer casado& BiJBo& com esse cheiro dos BiJBos eito de
muitos cheiros melancólicos acumulados numa inNnidade de serFes&
a mesma camisa Brios dias& o desleiCo da barba& nenhum Nlho ue
nos ogasse pedras& uma Nlha penso eu& de ue no tenho ideia mas a
minha me recordaBa
- Era gorda
e ao eCplicar
- Era gorda
as bochechas redondas& os bra@os aastados& uma Nlha emigrada
na >Klgica
Qporue no a >Klgica se me agrada o nome=S
portanto emigrada na >Klgica
QAlemanha=S
emigrada na >Klgica e pouco reconhecida ao pai Bisto ue o
alaiate para nós
- $em me manda um postal dona AdKlia
Qpara nós K como uem di& para a minha me& eu de oraS
numa tarde em ue nos crumos unto Us aponeiras& a minha
me e eu de regresso do baldio das oBelhas& ele com uma almoadade alNnetes e agulhas na lapela
QaNrmei ue na >Klgica& parem de insistir com a Alemanha no
me conundam maisS
a eCibir-nos um embrulho de ornal
- O ato do senhor tenente dona AdKlia
enBergonahdo por o surpreendermos
Qacharmos parece melhorS
o acharmos ora do seu cubRculo de alinhaBos e entretelas ondetantas Bees o alaiate no a trabalhar& num tamborete ou isso&
acrescentando o cheiro de mais um sero melancólico ao seu
conunto de cheiros e a ueiCar-se em silVncio
Qpor no haBer uma companhia a uem pudesse ueiCar-se em
Bo altaS
ia dier ue abanando a cabe@a mas no caio num lugar-comum
to grosseiro& a ueiCar-se em silVncio& de cabe@a bem Nrme& da
ingratido da Nlha& no na Alemanha
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Que teimosiaS
ue desgaste para mim obrigarem-me a repetir ue na >Klgica&
ue esor@o idiota& e no em >ruCelas nem em >ruges
Qto pouco caio nessaS
em ;and& ue isso contaram ao alaiate
Qcom a história de lhe terem contado resolBo a uestoS
ele no seu tamborete de sero melancólico
- ;and=
agora sim a abanar a cabe@a por lhe sugerir mais um estampido
ue um nome
Qter de acto acabado o mar& conesso ue Bolta e meia& por
motiBos ue me impe@o de adiantar& desconNo ue noS
transormei o alaiate em ouriBes e acrescento ue o Berdadeiro
ouriBes doente desde h anos
Qesse casado& com um Nlho engenheiro ue moraBa em Lisboa
no& uma BiBenda em AlbarraueS
e o estabelecimento echado& no Bero& a conselho do doutor& a
esposa traia-o para a anela a Nm de aproBeitar os milagres de
agosto e l estaBa ele& só olhos seBeros& Baios& tanto uanto KpossRBel a olhos Baios tornarem-se seBeros ou ento seBeros porue
Baios
Qpara mim d igualS
sea como or enormes
Qasseguro ue no ponta de eCagero nistoS
e mal as copas do largo principiaBam a tornar-se mais densas a
esposa remoBia o ouriBes para os undos da casa onde continuaBa
uase seguramente a oscilar nas treBas garantindo da suaseBeridade& do seu Baio
- +ompletei setenta e cinco em noBembro
transormei o alaiate em ouriBes& N-lo encontrar-se com a minha
me nas aponeiras& de nari no relógio& aborrecido com os atrasos e
a oerecer-me pVssegos& ele ue nunca me oereceu osse o ue osse
- Xs serBida=
Qtinha posto
nunca me oereceu osse o ue osse na Bida mas tirei o na Bida
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para impedir as rimas& nunca me oereceu osse o ue osse na
Bida Ks serBida& como K diRcil contarS
incluR o meu tio e o
- +ala-te
por dois motiBos& primeiro por eCistir nesse episódio
Qmais ue um episódio& BriosS
uma rac@o de probabilidade e segundo por a BiolVncia e o
pecado constituRrem
Qapesar das aparVnciasS
o essencial da minha naturea& ho-de comproB-lo no ue alta
do liBro uando a estima ue entre nós Bai crescendo
Qcrescendo ou aumentando: nenhuma das ormas me satisa&
talBe sura uma terceira a salBar-me& acreditemos em milagresS
uando a estima ue entre nós Bai me permitir
Qe h-de permitirS
reBelar
Qno me agrada tambKmS
o carcter perBerso com ue me rechearam debaiCo desta pele&
uanto U rac@o de probabilidade do episódio com o meu tioQuatro ou cinco episódiosS
consistia em beios porBentura demasiado insistentes e
acompanhados de carRcias porBentura demasiado demoradas
incluindo ocasionalmente um dedinho
Qa propósito de dedos nunca Bi os dedos do ouriBes& só os olhosS
- !sto o ue K minha Nlha=
cua resposta eu no sabia mas me leBaBa a sorrir com agrado
por uma espKcie de praer conuso ue o tempo e outros dedos QnoeCcluindo os meusS
oram aperei@oando& atK o praer se eCtinguir nesta misKria em
ue ualuer arBKloa
Qpor alar em arBKloas nem uma para amostraS me contenta e
alegra de uma eCpectatiBa nunca realiada Qpargrao aceitBel&
haBer uem pense o contrrio& continuaS de ondas& a lembran@a do
meu tio aplicado& sKrio& a inBestigar-me
- !sto o ue K minha Nlha=
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e eu apertada nos oelhos dele& ao pensar na inWncia o meu tio&
o gosto de alisar pratas de chocolate e o chapKu de palha com
cereas de eltro
Qse descontarmos o medo de o perder e o elstico ue me
beliscaBa o ueiCoS
so os actores ue me encoraam a suportar a doen@a
Qestarei num uarto de hospital& num asilo& numa clRnica e
agora por ue motiBo a empregada ue se ocupa de mim usa touca=S
entendendo por doen@a esta diNculdade nos membros& o
problema dos rins& o ue ui e me escapa& o ue sou e duBido& a
minha me na BKspera de morrer
- O ue se passa comigo=
encucada com as horas
- 9ue horas so menina=
arregalando-se para o mostrador
- +inco e de dies tu=
poisaBa a cabe@a de ei@Fes descansadas ao comprido da cara
Qem ue sRtio andar o meu chapKu de palha=S
agitaBa-se de noBo- 9uantos minutos passaram=
Qno segundo andar do ardim +onstantino& no bengaleiro do
dentista& nos esgotos do %eo como tudo o ue enBelheceS
eu respondia
- +inco
ou
- %rVs
ou- ,m
na mira de a tranuiliar& dentro em breBe serei eu para a
empregada sem ue ela me dV a mo como N com a minha me U
ual os
- +inco
ou
- %rVs
ou
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uma cidade estrangeira& traBessas incompreensRBeis num noBelo
de esuinas& umarada de passarinhos ritos& uma lu de corBos&
branca e preta& U tardeS
trouCe o >eato para aui& presenteei-o com um ponto
Qno o presenteei& tinha ideia de um ponto naueles ladosS
e um petroleiro persa ue me custou a imaginar& comecei com
um naBio grego& mudei-o para a %uruia& para o
Qa Nlha do alaiate na >Klgica& Alemanha nem sonhem& apetece-
me conceber reTeCos a tremerem na chuBa& cores lRuidas ue se
sobrepFem& se derramam& se aastamS
para o Panam atK ue a PKrsia me diBertiu
Qpode chamar-se diBertimento a isto=S
gosto da palaBra& desaNei-me a mim mesma
- Porue no persa=
e meti-o no ponto com as suas cordas enroladas e o seu
homeinho a umar& oi a partir do homeninho das canas de pesca
Qpersonagem ue no me entusiasmou desenBolBer nem me
interessou por aR alKmS
ue o pimpolho surgiuQno o contrrioS
mais as noiBas da montra& o primo +asimiro& a me dele& tudo
isso ue aperei@oei sempre a Boltar ao inRcio
Q;andS
os telFes por eCemplo& a cena de ca@a& a bicicleta Bermelha& o
senhor 9uerubim e o seu saco de polBos& recordo-me de Bacilar
- O senhor 9uerubim solteiro=
de resolBer ue o senhor 9uerubim no era mais ue eu comuem ninguKm casou& apareceram um ou dois pretendentes ugaes&
Bagas propostas& beios numa escada
Qnem lhes chamaria beios de to nerBosos& to rpidosS
meia dJia de cartas& uma delas em Berso& escrita a tinta sobre
linhas a lpis ue uma rKgua escorou e com pKtalas dentro& o
interesse
Qpareceu-meS
de um Biinho do ardim +onstantino ue me cumprimentaBa a
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medo
Qse me encontrasse nas escadas beios nerBosos& rpidos=S
Bia-o auecer o leite ao antar& sem tirar o casaco& no ogo da
maruise atK ue uma noite& meses depois& um pote de acintos na
mesa& cortininhas de Cadre& uma senhora a auecer o leite por ele& o
Biinho em mangas de camisa U espera& os cumprimentos cessaram e
oi ento ue lhe dei um nome ualuer
Qa ele& no ao dono da loaS
e principiei a desenh-lo no Bidro unindo letras ao acaso&
apagaBa--as com o cotoBelo& eCperimentaBa outras letras
Qbeios nerBosos& rpidos na escada: nem isso seuerS
tal como a partir do homeninho ue umaBa ui compondo o
pimpolho& entreguei-lhe uma esposa& duas Nlhas& o ornal ue o
Biinho lia ao auecer o leite para o problema das damas
Qas brancas ogam e ganhamS
em ue o meu tio se ocupaBa inNnidades a torcer o lbio com o
indicador e o polegar& espreitando a solu@o Bencido& na pgina dos
anJncios a cuidar ue eu no notaBa& uer dier torcia-se U socapa
porue a solu@o ao contrrio e ele a Nngir ue se co@aBa oumassaaBa o pesco@o& emergia do problema anunciando
- est
numa Bo ue supunha Bitoriosa uando na realidade a
indeciso
- *erei estJpido=
tentando o
Qas brancas do mate em cinco lancesS
de Cadre para enchuma@ar o amor-próprio mas como na pginados anJncios a solu@o do Cadre da BKspera e a promessa
solu@o do problema de hoe no próCimo nJmero
Qsaberiam dos truues do meu tio=S
a eBidVncia ue era estJpido amarrotaBa-lhe a alma por mais
ue a minha tia
- $o te atormentes no Ks
nesse tom de piedade alsa
QachaBa eleS
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com ue se consolam moribundos
Qa Nlha do alaiate em >ruCelas& perdo& em ;and& detesto ter de
Boltar ao assuntoS
e com ue a empregada me consola a mim traendo almoadas
para a coluna
Q- #icamos melhor no Ncamos=S
e aumentando o mal estar& para alKm de impedir o trabalho dos
glóbulos ue bem os sinto parados& nenhuma Bibra@o& nenhum
atrito& o mecanismo dos órgos NKis ue no me abandonaram
QdeBerei sentir-me grata=S
e uncionam aos trope@os ainda& peueno nJmero de soldados
ue Bo desertando um a um& presumo ue me resta uma parte do
cKrebro
Qcalculo euS
o cora@o
Quma aurRcula& duas aurRculas=S
alguns mJsculos
Qsatisaia-me com um BentrRculoS
subsidirios e lentos prosseguindo por hbito& entreguei aopimpolho uma esposa& duas Nlhas
Qa sua irm e BocVS
o segundo andar do ardim +onstantino onde moro ou antes
onde morei com a minha me e a seguir sem a minha me antes de
me traerem para aui& unto ao mar ue teima em esconder-se mas
continua próCimo como próCima a rapariga de chapKu de palha com
cereas de eltro segurando a copa com a luBa
Quma luBaScomo próCimos os meus tesouros
Qo peda@o de corda e a caiCinhaS
encoraando-me no seu rochedo& hei-de ter ocasio de chamar a
minha colega de uarto
- O mar Boltou
e nós a escutarmos as ondas& mesmo ue a empregada
- E uma camioneta senhoras
a escutarmos as ondas& um som parecido com o dos pinheiros
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uando no eCistem brisas& delicado& tranuilo& com um pouco de
sorte escamainhas ue surgem e desaparecem no tecto& o sio de
um penedo& arBKloas
Qdisse arBKloas no disse uma arBKloa& BriasS
entreguei ao pimpolho o meu segundo andar no ardim
+onstantino onde cada gaBeta um gemido dierente
Qno mencionando as echaduras dos armrios e os trincos das
BarandasS
ao ponto de as reconhecer pelo som& se alguKm abrisse uma
delas adiBinhaBa de olhos echados
- #oi a de cima da cómoda
ou
- #oi a dos talheres no aparador
Querida casa perdoa se em algum destes anos ui inusta
contigoS
e o pimpolho desobedecendo-me com ingratido a enBelhecer
em silVncio& a calBRcie& os diabetes& a enganar-se nas datas
Qno tanto como eu por enuanto mas l ir& l irS
deseando ue o paiQa asneira de permitir por ingenuidade ue o homeninho das
canas de pesca seu paiS
se apeasse de um comboio de #ran@a
Qno da >Klgica nem da Alemanha& da #ran@aS
em ue no tinha pensado
Qpara uV um comboio=S
e recusando-o de noBo consoante o recusaBa em crian@a
- %rambolhoo ue me aia sorer dado ue com o tempo me acostumei a ele
e mantinha
Qcontinuo a manter& o ue me Nca se o perco=S
uma amigBel cumplicidade
QNca-me o corpo destro@ado ue medem& retalham& maltratam&
um corpo ue tenho de aceitar como meu e detestoS
mantinha uma amigBel cumplicidade& uma ponta de ternura& o
desBelo natural para com auilo ue construR no intuito de me audar
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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nos interBalos da ebre e ele atento aos comboios& empurrado nas
plataormas
Qual a rao de serem sempre cinentas& as gares=S
por Biaantes& bagagens& uncionrios de uniorme
- "esande
e todaBia teimando com o ponto na ideia
- O meu pai
Querida casa ue me receberia como uma intrusa hoe em dia&
uerido soalho ue esueceu os meus passos& deeitos da parede ue
sabia de cor e aos uais a amRlia do pimpolho oi acrescentando
outros& & uerido auleo uebrado da coinha& uerida gota espa@ada
no laBatório a cantar para mim& ueridos cheiros& meus Rntimos& o
ue direi de Bós& o da minha me suspenso& os das minhas diBersas
idades ue reconhe@o e me saJdam mostrando a uantidade de
pessoas ue ui sendo no percurso da Bida& as simpticas& as de ue
mal me lembro& as ue preeria no recordar nunca& tirando o
mKdico e o cobrador do gs nenhum homem na casa a no ser um
primo idoso com um pacotinho de broas ue me aia cócegas
- Ests a rir-te de uV=eu ue ui eita para o casamento& a dedica@o& a alegria todos
os dias renoBada de uma tosse conugal no capacho& entregar a outro
os melhores bocados de rosbie& contentar-me
generosa e satiseita da minha generosidade& pensando
- $o K isto o amor=
com a parte pior assada& a mais dura& uerida casa perdida
abandonada ao pó& aos gatunos& aos insectos ue prolieram no baNo
dos espa@os cerrados& na suidade e no recato& poders perdoar-me=So pimpolho& desobedecendo-me& em busca do pai ue ele tinha
receio ue no Biria nunca e no entanto detendo-se& mesmo longe de
Lisboa& se uma suspeita de carruagens ou uma locomotiBa a chamar&
gritos de Bapor ao crepJsculo ue nos do saudades
Qdessas U beira das lgrimasS
ignoramos de uV& carris inBadidos pelo capim desde o tempo da
inWncia& apeadeiros secundrios ue deiCaram de serBir& a iminVncia
de partida comum ao cais e Us malas gastas& sim& regoiar-me-ia
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com a parte pior assada da carne se um marido& um amigo& alguKm
ue por dó calasse os gritos de Bapor ao crepJsculo& os meus gritos
ue nem eu mesma oi@o e todaBia presentes& os da alma ue
protesta& aterrada& pede socorro& se cala& recome@a a pedir& se
conorma& sem or@as& com a iluso do mar
Q>Klgica& em especial ;and& perto ou longe do mar=S
apertando os próprios dedos& comprimindo as gengiBas& lutando
por um sorriso
Qto pobres os sorrisosS
sentindo-o surgir& hesitar& apagar-se& uando era noBa sorri com
a boca inteira algumas Bees& acreditei
Que inantilS
ou N men@o de acreditar& ulgo ue acreditei porue apesar de
tudo o tempo cheio de amanhs nessa Kpoca& tinha planos& diia
- $o ano ue Bem
diia
- Em chegando a primaBera
diia
- $o próCimo $atale tudo isso ao meu alcance sem esta diNculdade nos membros&
estas nódoas na pele& nenhuma guinada salBo um dente manso l
atrs e as glWndulas a uncionarem& percebo isso hoe ue a comida
custa& mudo-a de bochecha para bochecha sem coragem de engolir
Qia urar& e no sou pessoa de uras& ue o comboio de Paris na
esta@o& Biaantes& abra@osS
enuanto o pimpolho no meu segundo andar retirando a caneta
do bolso& a desenroscar-lhe a tampa para o problema das damas ueobserBaBa desde h minutos sem tocar na caneta pelo ue o acto de
desenroscar a tampa leBou a esposa e as Nlhas
Qduas no so e a terceira de pK arrumando CRcaras no louceiroS
a imaginarem ue descobrira a solu@o& uma das Nlhas casada& a
outra solteira ue nem sempre BisitaBa o ardim +onstantino aos
domingos
Qapesar de preerida pelo pimpolho eBitaBa Bisitar o ardim
+onstantino aos domingos& arredia& bruscaS
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e preocupaBa a me& uanto a preocupar o pai só podemos intuir
dado ue o pimpolho no comunicaBa& preeria recordar-se de ir com
a Nlha ao circo& dos caBalos com um penacho branco& dos palha@os
ue a assustaBam mais os naries redondos& as bocas pintadas sobre
as bocas autVnticas& plidas& os sapatos sem Nm
Querida casa abandonada ao pó& aos gatunos e aos insectos ue
prolieram na suidade e no silVncio poders realmente& no mais
secreto de ti& perdoar-me=S
o pimpolho preeria recordar-me ue ao saRrem do circo era
noite e choBia& as ruas sem lanteoulas nem ocos aNguraBam-se
turBas ou sea um cenrio deserto depois de uma representa@o sem
sucesso& ediRcios de cartolina& arBoreinhas de tbuas& olhas de
papel de seda a desprenderem-se murchas& a suspeita do pimpolho
ue a Bida dele assim& a suspeita do pimpolho& com a Nlha pela mo&
ue a Bida ue o esperaBa dentro da Bida dele assim& os sapatos de
ambos sapatos de palha@os pelo eco ue produiam no tal cenrio
deserto& algumas montras acesas onde os maneuins os seguiam na
atitude da $ossa *enhora da mesa de cabeceira do lado da esposa&
osorescente nalgumas pregas do manto e compelindo-o a apagar ocandeeiro para um abra@o rpido sob as chispas auladas da <irgem
Qser coincidVncia ue a Tor do cacto aul=S abra@o cuos
estremecimentos sem ruRdo diminuRam de reuVncia com os anos&
um calor plido& um saco de traBagem& uma espKcie de desgosto&
ligaBa o candeeiro incomodado pelas chispas auladas ue me
traiam U memória os gatos unto U nespereira transormando-se em
restolho& o montinho da esposa U sua esuerda apenas com uma das
mos e o cabelo de ora& apressaBa-se a apagar o candeeiro ue oimeu& de abaur cor-de-rosa
Qdeu-me mais problemas do ue ulgaBa escolher o tecidoS
amedrontado pela magrea da mo e embora no a Bisse
QBia as chispas auladas e uma manchinha de gua Bertical&
sempre mudando de lugar& ue concluiu ser o espelhoS
o medo ue a mo a aproCimar-se dele& a Nlar-lhe o cacha@o& a
condui-lo para a gruta ue os len@óis disar@aBam e U ual a esposa
pertencia & actiBa mas deunta& arrastando-o com ela& o seu rosto
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oriRcios na mancha de gua do espelho a suplicarem
- *alBa-nos
U medida ue os caBalos de penacho na cabe@a
Qos castanhos& os brancos& um deles preto& maiorS
giraBam no circo e pergunto-me se alo dele ou de mim& a
arBKloa ue
Qdeseo-o sinceramenteS
h-de Bir despedir-se antes de eu echar a anela& uma apari@o
de segundos& um cRrculo sobre o muro bastam-me& no tenho
coragem de lhe pedir ue poise& no me atreBo a tanto e depois echo
a anela e deito-me alheada do mar
Querida casa& uerido marS
ue me audou mais do ue ele sonha estes meses& digo U
empregada
- 9uero o meu chapKu de palha com cereas
e acho ue se depreende de eltro& poruV especiNcar& no de
plstico ue no haBia plstico uando era noBa& de eltro& em todo o
caso a Nm de ue me no apresente o chapKu errado acrescento
- O das cereas uma delas meio solta da abacoloco-o na cabe@a& seguro a copa com a palma e se os meus
pulmFes corresponderem
Qno lhes pe@o mais esor@os& prometoS
após inspirar uns segundos& a tomar balan@o& desato
imediatamente a correr& as articula@Fes obedientes tanto uanto a
minha idade permite& os artelhos soltando-se sem diNculdade da
areia eBitando essas pranchas uase submersas em ue pregos
cruKis& no pranchas de naBio& domKsticas& de cadeiras& de telhados&sulcadas de irregularidades& endas
QoCal no me canse nos primeiros metros& no me deseuilibre&
no tombe& "eus $osso *enhor auCilia-meS
correr no por mim& ue me interessa correr& pelo pimpolho
coitado a uem imaginei agradar entregando-lhe a mulher& uma
mulher dedicada& sub
Qia dier submissa mas no submissa& seria um erro& no
submissa como eu a uem o sueito da bata ao ual a empregada
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obedece
- <ire-se para a esuerda
e eu Biro-me para a esuerda
- "e costas para lhe palpar o apVndice
e entrego-lhe o apVndice embora os dedos ue me pesuisam a
barriga me arripiem& ou ento
hipótese ue no encaro
o apVndice congestionado& sensRBelS
uma mulher dedicada& uase uma menina& Bestida de comunho
solene& apoiando-se numa mesa de pK-de-galo em ue uma bailarina
de corda desistiu de dan@ar& esteBe doente num sanatório em
+oimbra
Qespero ue sanatórios em +oimbra
no ;and& ;and em >ruCelas& capital >Klgica& ue parBoRce&
;and na >Klgica& capital >ruCelas& deiCem-me em pa um momentoS
esteBe doente num sanatório em +oimbra& cidade ue me
inormaram considerBel e portanto& como em ualuer sanatório
Qoi para isso ue os NeramS
conheceu de perto& na própria carne e na alheiaQengra@ada eCpressoS
a Bia sacra do sorimento& da dissolu@o& da morte& torturaram-
na com agulhas& pneumotóraCes& drenos& rasgaram-lhe duas
cicatries do lado onde oi a chaga de esus e assim a deBolBeram ao
mundo& uma mulher dedicada pimpolho& prometo ue te h-de
acompanhar Us uartas-eiras numa hospedaria da ;ra@a
Qualuer outra pessoa diria oi o ue se pYde arranar&
decididamente esta lRngua diBerte-meSue os clientes
Qsenhoras e caBalheiros& no eCcluindo rapaes acompanhados
por caBalheiros tambKm& alguns Bestidos de rapaes mas uma
percentagem raoBel
ou no negligenciBel
de cabeleira posti@a& mauilhados& com saiaS
ue pessoas to dignas como tu
QBou ter mo nisso descansaS
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reuentaBam U hora& isto K uma cama& um cabide& duas pagelas&
um galho de trepadeira nos caiCilhos para te distrair& embalar& se eu
tiBesse um galho de trepadeira em Be do muro e narcisos
Qcreio haBer mencionado ue no o cacto& narcisosS
os momentos de ebre mais suportBeis acho eu
Qual acho& aNrmoS
os momentos de ebre mais suportBeis& mais ceis& tu
Qrepara na dieren@aS
um galho de trepadeira& eu um muro a esarelar-se na
eCtremidade de um ptio ou sea o mesmo ue nada& recapitulando
ue estas coisas uerem-se por ordem e sempre ui amiga da
arruma@o& atK as otograNas dos ue aleceram antes do meu
nascimento e aos uais pouco deBo dispostas na camilha segundo os
respectiBos tamanhos& sem olhar a protestos& o sargento l atrs& o
bebK no seu caiCo por muito ue me impressione adiante&
recapitulando toma a hospedaria da ;ra@a& toma um toldo em %aBira&
toma as accias de *intra na primaBera aos domingos& toma uma
espKcie de amor no gKnero dauele ue senti aos trinta ou uarenta
anosQno me d Bontade de mentir& aos uarenta e seis anosS
pelo Biinho do leite e ue mesmo depois de acompanhado& e atK
aui onde estou& continuei a oerecer-lhe& inuebrantBel& a pensar
nele& a desenhar-lhe o nome ue no sabia no Bidro e era o seu& era o
seu& a minha colega de uarto ue para me contrariar conBersaBa
comigo
- +omo K ue aNrma ue K dele=
e todaBia aNrmo e continuarei a aNrmar ue embora apague edesenhe um nome dierente K sem dJBida o seu& o Biinho h-de
enBiuBar& separar-se& retirar as cortinas& o pote& auecer soinho o
seu leite& e mesmo ue cada ual no seu andar
Qcada ual no seu andar& K a BidaS
nenhum obstculo entre nós& beios nerBosos& rpidos& na minha
escada um dia e eu apoiada no corrimo segurando os beios com a
palma& eu um cheiro a untar-se aos demais na minha panóplia de
cheiros& no de perume nem de lo@o para a barba& o ue nasce no
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interior de mim& alastra& me agrada
Qa perspectiBa de um Nlho no me contrariaS
uma coisa minha ue cresce e me auda a correr
Q- O meu chapKu de palha depressaS
na direc@o do peda@o de corda e da caiCinha Baia ue
permanecem no rochedo intocadas& minhas e abra@arei contra mim
embalando-as de leBe& tratando-as por diminutiBos carinhosos&
traendo-as para aui e deiCando de sentir& como atK agora& a
ausVncia das ondas& da arBKloa& dessas lanternas ora descendo ora
subindo consoante as marKs& no sei se me percebe BocV& a Nlha do
pimpolho& uase a esmagar-me o cotoBelo
+onte-me do meu pai
como se o seu pai lhe Balesse& no Bale& tire daR o sentido& no
Bale& tem de atraBessar por si& sem ninguKm ue a ampare& de mos
estendidas e pernas cautelosas& o ue lhe alta andar& se eu possuRsse
um segundo chapKu& e no possuo& emprestaBa-lho para as suas
noites na sala& de oelhos na boca& na eCpectatiBa ue a manh a
deenda uando as manhs tVm mais ue aer
Qe muito Neram elasSue deender a gente& protegemo-nos nós se ormos capaes&
aguardamos ue alguKm na escada connosco& isto K no bem na
escada connosco& alguKm oculto num dos patamares ue nos beia e
nos oge e K isto a eCistVncia compreende& alguKm ue U primeira
Bista no reconhecemos
Qou no reconhecemos nuncaS
ue nos beia e nos oge deiCando-nos na treBa atK subirmos os
degraus a custo& Bacilando& pensando& regressarmos a casa e a chaBeue no entra na echadura porue nos enganmos& usmos a da
porta de entrada& no a da porta de cima& a outra ue no entra
tambKm& a do correio& U terceira chaBe o BestRbulo e nós sem energia&
de ndega contra um móBel& a coinha demasiado longe& o marido da
sua irm a alegrar-se no so
- +unhadinha
e no era ele pois no& para uV ele& to imbecil& era o pimpolho
Qno imagina a trabalheira ue o seu pai me deu& a trabalheira
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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ue BocV me deuS
ue BocV ueria e ainda me alta a mulher& a história da mulher
ue adiBinho comprida e eu cansada palaBra& destranue um
bocadinho a anela no pelo mar ue desisti do mar& acabaram-se os
sonhos& acabou-se& pela tarde somente
Qcontento-me com a tardeS
U tarde& neste mVs& um Bentinho uase agradBel antes da
chegada da noite& uma Jltima nuBem aproCimadamente Bermelha& a
sombra da rBore ue nunca Beo a dobrar-se no muro antes da ebre
aumentar& uma harmonia& um socego
Qa minha me& "eus a tenha& escreBeria socegoS
e K assim
socego
no sossego
ue eu digo& digo ue U tarde& antes da ebre aumentar& uma
harmonia& um socego
Qreparou no socego& entendeu=S
e a mulher da hospedaria da ;ra@a dentro de mim& uase
inteira& no lhe conto do seu pai e do pimpolho atraBKs delaQBai desculpar-me K assimS
e no entanto uma história alegre tranuilie-se& um romance de
amor& gostaria de prometer-lhe ue um Nnal eli e garanto-lhe
esor@ar-me para ue um Nnal eli no apenas por si& por mim& no
calcula como preciso
Qto cansadaS
de um Nnal eli U medida ue a claridade declina sem peso no
muro acol& a copa da rBore aumenta& auilo ue resistia no meucorpo
Quma por@o de cKrebro& uma aurRcula& alguns mJsculosS
amolece& desiste
Qno supunha ue desistisse to cedo e todaBia desisteS
e to diRceis as palaBras& to lentas& gostaria de prometer-lhe
um Nnal eli& garanto-lhe esor@ar-me para ue um Nnal eli& heide
conseguir& embora a Bontade me escape& um Nnal eli enuanto a
copa da rBore
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Qa minha me socego& ue ueridaS
no cessa de aumentar e com ela a harmonia& o socego
Qno acha uerido& BocV=S
unte-me este pulso ao outro desculpe& se o colarinho estiBer
desabotoado abotoe& se me der um eito no cabelo agrade@o& gostaria
QescreBer socego K bonitoS
ue retiBesse de mim a imagem de uma senhora composta antes
ue a copa da rBore suba o ptio& a anela& se dilate no soalho a
desliar para a cama anulando no seu traecto a botia de oCigKnio
Qa botia de oCigKnio ou um arro de Macau=S
os remKdios nesse tampo
Qno remKdios& as otograNas da camilhaS
anulando a camilha
Qseamos precisosS
o piano& a terrina& a poltrona& os armrios& o meu segundo andar
no ardim +onstantino a ue Nnalmente Boltei
Q- #a@a o aBor de entrarS
antes ue a copa da rBore ue no sei como se chama
Qno sei como se chama o Biinho& no sei como se chama arBoreS
antes ue a copa da rBore ue no sei como se chama
Qbeios nerBosos& rpidosS
inBada a coberta& me engula e na maruise em rente
Qno bem em rente& uaseS
a caneca de leite a auecer no ogo& no o Biinho& no a
senhora ue o acompanha& no BocV
Qsobretudo no BocVSna maruise em rente no mais ue a caneca de leite ue
ignoro uem colocou& no me interessa uem colocou& ninguKm
colocou& a auecer no ogo e na minha ebre ue aumenta uma
harmonia& um sossego
corrio: e na minha ebre ue aumenta uma harmonia& um
sossego
Qui capa& aplauda-meS
uma
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QeCprimo-me correctamente=S
serenidade& a caneca de leite ue h-de embaciar os caiCilhos
nos uais um dedo sem pessoa
Qo seu dedo espero eu& prometa-me ue o seu dedoS
alinhar o meu nome.
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9uatro As $arratiBas
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PRIMEIRA NARRATIVA
+om o tempo a gente ue trabalhamos aui acaba por se
conhecer mais ou menos todos uns aos outros& uer tenhamos um
uarto alugado ao mVs uer Nuemos com os clientes nos cubRculos
de baiCo destinados aos assuntos mais rpidos& Us Bees a aguardar
de pK no corredor& calados
Qo ue K ue haBRamos de dier=S
ue alguKm chegado antes acabe o serBi@o& a gente a ouBi-los e
a calcular o tempo uase encostados Us portas
Qbem podiam dar umas cadeiras ou uns assentos ao menosS
a colega l dentro respondendo com a sua tosse a eCplicar os
minutos ue altaBam enuanto ia apressando o contrato com uns
elogios& uns carinhos& nada de agita@Fes nem gritos porue conormedi a patroa isto no K o dentista& após os carinhos uma pausa para o
cliente esBaiar a alma& percebe-se a colega a retocar o baton no
espelhinho da mala porue as palaBras dela sem lbios& os elKctricos
da ;ra@a& as rolas& uns tacFes rpidos
Qangados=S
ue se nos craBam um a um na barriga& percebe-se o espelhinho
a echar-se num estalido de lata depois de os lbios see
eCperimentarem mutuamente aNlando-se e engrossando& ummindinho ou um canto de len@ol a remoBer uma pinta do incisiBo&
uma conBersa arrulhada acerca de goretas& a mo da colega a
impacientar-se na ma@aneta da porta
- Pensas ue o mundo acaba hoe tu=
o condutor do elKctrico traBando na descida& o cliente da colega
de cabe@a baiCa& com um dos sapatos desla@ado
Q- Pensas ue o mundo acaba hoe tu=S
a eBitar-nos& a colega ue Nnge no dar por nós a compor as
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roscas dos brincos& cheia de dedos& o irmo da patroa& de casaco
sobre o casaco do piama& Boltando com um gargalo da despensa&
desde ue deiCou a pesca do bacalhau passa os dias alinhando
garraas no balco da entrada& a partir do segundo ou terceiro litro a
hospedaria torna-se um conBKs diRcil e l Bai ele ao comprido do
naBio trope@ando nos clientes& trope@ando na gente& encauando-se
no uintal onde a tangerineira o aguarda a baloi@ar constela@Fes de
rutinhos minJsculos& arruma o caiCote contra o tronco e adormece
de barriga ao lKu cercado de ormigas e moscas& como com o tempo
a gente acaba por se conhecer mais ou menos todos uns aos outros&
tirando os rapaes sempre a mudarem de roupa e cabeleira& Bia-se o
irmo da patroa a coer no uintal
QUs Bees daBa ideia ue mortoS
e passaBa-se U rente& sucedeu-me uma ou duas ocasiFes U noite&
ao leBantar-me a meio do oRcio para echar a anela& dar primeiro
com o brilho das dlias& o brilho das garraas e a seguir com ele& uns
metros adiante& a estremecer a rBore no escuro& se o cliente&
receoso da polRcia& estendia o bra@o aTito na direc@o da carteira
- O ue oi=elucidaBa-o
- X o Jltimo elKctrico
uando o Jltimo elKctrico h sKculos& a minha Nlha soinha e eu
para ela& de to longe
- $o acendas o gs
tranuilia-o
- *o os galhos da trepadeira descansa
aBolumaBa o cabelo& compunha-me na cama- <amos l
a roupa do cliente no cabide
Qporue dobram a roupaS
a dar-me por momentos uma iluso de matrimónio& de lar& um
homem de manh ao meu lado& no me ralaBa a identidade do
homem desde ue um ualuer de manh ao meu lado& passos
dierentes dos meus& uma respira@o dierente& gestos para alKm dos
ue a@o& a mobRlia& ue o pai da minha Nlha leBou& de regresso& a
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otograNa da gente no rasgada e no cho& na cabeceira de noBo& ao
untar-lhe os peda@os& e apesar da otograNa inteira& a cara dele
altaBa de modo ue eu de Bestido branco e bra@o dado com
ninguKm& a camioneta da +Wmara ue recolhia contentores rente U
hospedaria da ;ra@a transportou-o consigo& os ocos do teadilho
iluminaBam a roupa no cabide ao iluminarem o uarto& a roupa no
cabide a do meu marido
Qno a do clienteS
as ei@Fes dele ue no Beo h tantos anos intactas acol&
abracei o cliente e o cliente ue no tiraBa as meias a escorregar no
colcho
- acabei boneca
uma Bo ue no sei a uem pertence& a Biinhan@a de um
estranho& a minha Nlha connosco a subir para a coberta
- 9uem K este=
uando a minha Nlha soinha& a meia hora de tCi QBinte e cinco&
Binte e oito minutosS
distraRda com o gs& eu a abrir a torneira sem lhe chegar
nenhum ósoro e uma molea& um cansa@o& o cliente a abotoar-se- Adormeceste boneca=
eu a echar a torneira sem ue ele desse por isso palpando o ar
Us ungadelas
- AtK parece ue um ogo aui
U medida ue a trepadeira a uerer contar-lhe e eu
- +ala-te
no o meu marido& um ulano com uma alian@a ue no era
nossa e no entanto eu& ue nunca os beiaBa& a aceitar um beio&dedos no meu pesco@o& patetices assim& um chupa-chupa para a
minha Nlha
- Pegue-lhe ao colo amigo
pegue em nós ao colo um bocadinho ue sea& um chupa-chupa
de morango
Qdos peuenos& no K preciso ser caroS
ue tire este gosto suo da boca& nasci em XBora& depois da
minha me alecer trouCeram-me para a +oBa da Piedade e a minha
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tia criou--me& aos deassete anos casei& uando o meu pai adoeceu
mudaram--lhe a cama para a sala& perguntaram-lhe se ueria ue eu
o Bisitasse e ele de barriga dilatada& aproCimando o nari da parede
- $o Bale a pena
o cliente Bestido
Qo cabide desertoS
em busca do meu pai no uarto sem o achar& a intrigar-se
- Perdo=
hesitando em acrescentar uma goreta& aBaliando-me sentada na
cama as Boltas com o soutien de ue um dos colchetes rasgado& no
acrescentando a goreta
Qestarei Belha=S
nem um chupa-chupa de morango& nem dedos no meu pesco@o&
somente
Qtal como o meu maridoS
a pressa de ir-se embora e eu a puCar o echo Kclair da saia
atras dele enuanto a trepadeira& embora sem Bento& mais alto ue o
meu pai
- $o Bale a penae os ocos da camioneta da +Wmara& ue giraBam no largo&
transormando os prKdios num rodopio de esuinas& percebia-se uma
cJpula de igrea ue bailaBa tambKm& o miradoiro& rBores ue as
lues dispersaBam ogando-as para *apadores& alcan@ar o bar onde
trabalho antes ue ua igualmente
Qpedir-lhe
- Espera por mimS
e no ual o caBalheiro rico- $etinha
impedia-me de me despir& no se deitaBa comigo& ralhaBa-me ao
ouBido
- Menina m menina m
uando o meu aBY Binha de XBora ao mKdico por causa do
aparelho no cora@o NcaBa connosco na +oBa da Piedade e Bia-o& da
anela& no banco da pra@a com o guarda-chuBa aberto& antaBa sem
conBersar com ninguKm& a minha tia
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- O ue disse o doutor pai=
ele calado de bonK na cabe@a& o marido da minha tia
- A sua Nlha est a alar consigo senhor #eBrónio
e os olhos do meu aBY no marido da minha tia atK o marido da
minha tia desistir& lembro-me dos unuilhos da entrada e de ter
Bergonha de morar ali& em noBo o meu aBY oi soldado de caBalaria
em +haBes& mal as consultas terminaBam o autocarro para XBora&
demoraBa-se no primeiro degrau a ganhar Ylego impedindo os
passageiros de entrarem& aastaBa-nos com o guarda-chuBa se
tentBamos aud-lo a subir& a minha tia a abrir os bra@os para as
pessoas ue esperaBam
- Ele K assim desculpem
o meu aBY U anela nem um adeus& indierente& ao Boltarmos a
casa o cartuchinho dos doces ue a minha tia gostaBa em cima da
mesa com uma Nta aul& o marido da minha tia a apontar os doces
- O teu pai
a cara da minha tia igual U cara do meu aBY& se tiBesse um
guarda--chuBa picaBa-nos com a ponteira
- $o lhes touemechaBa-se& mais o cartucho& no uarto
Q $o uero aui ninguKmS
e percebia-se ue corria as cortinas& remeCia gaBetas& ao mudar-
lhe os len@Fis descobri o retrato peuenino de um soldado de
caBalaria e escrito na margem
O meu pai
meia dJia de cartuchos ue nunca encetou ocultos sob a roupa&
se dissesse U minha tia os olhos dela em mim atK eu desistir& ocaBalheiro a ralhar-me ao ouBido
- $etinha
de maneira ue empreste-me o guarda-chuBa do aBY tia para
enCotar este Belho ue mancha tudo com palaBras& estraga tudo
Biu& a minha Nlha no necessitaBa de alar comigo& bastaBa estar ali&
enten-dRamo-nos& o marido da minha tia a regar os unuilhos
Ntando-nos de banda como se a gente marcianos
- <ocVs
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se um pssaro ue no pesa nada na nogueira o ramo a oscilar&
abandonaBa-o e o ramo para baiCo e para cima ue tempos& a minha
tia um prato a mais ao almo@o& notaBa o engano& tiraBa logo o prato&
se eu a aud-la angaBa-se comigo a enNar o prato no armrio
- $o me posso distrair=
so coisas assim ue a camioneta da +Wmara& ao Bir U noite& me
rouba& Nca o galho da nogueira a baloi@ar sem ninguKm& untem-lhe
as tran@as ue me cortaram ao chegar do Alenteo& o cabeleireiro
embalou num pano e me pareciam BiBas& eu para o cabeleireiro&
desconNada
- $o deitam sangue=
untem Us minhas tran@as BiBas
Qnodoainhas Bermelhas no panoS
a +oBa da Piedade em aneiro com as grinaldas do $atal
apagadas& uns Nos& umas ampolas& uns ornatos torcidos
Qhomens no topo de escadotes& com uma alaBanca& a
uebrarem--nosS
tudo to perto do rio e nem um sinalinho de gua& se a minha
Nlha eCistisse nessa Kpoca e abrisse o gs eu deiCaBa& conormeagora& no caso do irmo da patroa me oerecer da garraa
- ,m golinho boneca=
aceitaBa& bebia& no me importa ue
- Menina m menina m
bebia& o meu marido uma tarde no bar com uma colega minha&
só dei por ele ao oerecer-me espumante
- ,ma ta@a para auela
ao erguer o copo no o meu marido ue alRBio& este uma graBataue no lhe comprei& o nari maior& altaBa um dente de lado e o
dente ue no haBia odiando-me
- ? tua saJde sua puta
e talBe abrisse eu mesma& sem auda& a torneira do gs& talBe
Bedasse as rinchas com toalhas& ornais& a minha tia a desculpar-me
enuanto as grinaldas do $atal iam tombando no cho& amontoaBam
as lWmpadas numa caiCa& enrolaBam os Nos
- Empregou-se num restaurante no a maces
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a minha tia a meditar
Qum soldado de caBalaria em +haBes com capacete de gala ou
antes nenhum capacete& uma espKcie de gorro ulgo eu& o meu aBY
com deanoBe anos distante& mudoS
- X Berdade=
a minha colega para o meu marido
- "eiCa-a
o No ao pesco@o com a cruinha do aBesso& o lbio encolhido
sobre o lugar do dente
Q- O ue sucedeu ao teu dente=S
continuando a encolher e gengiBas& molares& como se descreBe a
cartilagem da garganta a correr sob a pele& minto& dando ideia de se
atormentar sob a pele& como se descreBe& auCiliem-me& a tremura de
um ueiCo& a lRngua engolida e entre os lbios de noBo
Qo marido da minha tia cortando os unuilhos um a um& a minha
tia a meditar
- E Berdade=
as grinaldas do $atal ue esueceram no choS
- "a próCima Be K a ti ue pago descansacomo se descreBe eu Us cinco da manh espreitando a minha
Nlha a dormir
Qse lhe colocasse um dedo na palma a mo dela apertaBa-meS
no abrir a torneira& no matar-me& no uero& chegar um ósoro
ao gs e auecer a sopa& tenho Binte e sete anos& Binte e oito em
abril&
ordenaBam ao meu pai
- Pinte-me essa parede a imitar madeirae ele aia& ou
- Pinte-me essa parede a imitar mrmore
e ele aia& só eCperimentando com a unha se entendia ue no
madeira& no mrmore& pinte-me tran@as pai& pinte-me a gente
noBos& no pinte a me a tossir& no pinte a minha tia
- $um restaurante a sKrio=
nem pinte o marido da minha tia a retirar o ue de mim num
armrio& uma gabardina& umas saias& a encaNiar nelas o macauito
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de loi@a ue lhes oereci pela Pscoa
- $o ueremos nada teu
nem lbios encolhidos sobre o lugar de um dente nem tremuras
de ueiCo nem cartilagens a correrem na pele& se me emprestassem
o guarda-chuBa do meu aBY abria-o dentro de casa& mesmo ue desse
m sorte& apesar das Baretas soltas a urarem o pano& o macauito de
loi@a Us cinco da manh nesta cómoda e a minha Nlha a dormir
Qpinte a minha Nlha a dormirS
enuanto apanho a roupa da corda& me demoro na coinha a
comer e nenhum cheiro a gs& nenhuma Bertigem& estou BiBa& o ue
recordo da minha me& ora a magrea e a tosse& K um len@o na boca&
mandaBam-me Ncar unto U porta
Qsentia a presen@a das rBores sem lhes escutar as olhas&
loureiros ulgo eu& um pltano& um salgueiroS
designaBam-me U minha me& uma espKcie de bra@o nascia da
almoada e o len@o
- #ilha
pessoas debru@adas para ela& uma mulher com um termómetro&
mais tosse& ela uma rBora uase& galhos nus a abamarem& h mesesperguntei a um cliente
Qno ueria perguntar& saiu-meS
- +heiro a rBore no cheiro=
o cliente a meio da camisa
- +omo=
Bestindo-se de noBo a estranhar-me a mim ou U minha me ue
parou de tossir com as minhas tran@as
Qo ue podia ser mais=Sa sangrarem no len@o& a mulher do termómetro agitou a mo
- <ai-te embora
e eu no ptio com as rBores& os loureiros& o pltano& o
salgueiro& creio ue um arbusto de incenso em ualuer ponto
próCimo porue recordo o perume
Qna +oBa da Piedade um arbusto de incenso& depois de o
cortarem o perume permaneceu ue tempos no bairro& ainda hoe se
l osse daBa por ele na ruaS
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conorme me lembro
QestacaBa de repente numa traBessainha& eu com de& one
anos& no Binte e sete& no Binte e oito
- O incensoS
conorme me lembro da minha me com um corpete da minha
tia& um penteado ue no era o seu e um dos olhos aberto& a minha
Nlha a dormir assim e antes ue tosse e len@os e um bra@o acabar a
sopa Us cinco da manh detestando ue a minha me de Bolta e eu de
branco entre gente de luto& no triste& aborrecida& eu com ome& eu a
auecer mais sopa& eu os primeiros carros na aBenida& eu a tocar as
plpebras da minha Nlha& a sacudir-lhe o ombro& a agarr-la
Qno sacudi a minha me& no a agarrei dado ue no a minha
me& uma estranhaS
eu para a minha Nlha
Qpergunto-me se a minha Nlha no uma estranha& eu para a
minha Nlha
- 9uem Ks tu=S
eu para a minha Nlha ue principiaBa a chorar& eu
Qe o perume do incenso de BoltaS eu- Acorda
tal como h duas ou trVs semanas
Qa uarta-eira ue Bem trVs semanasS
eu para o senhor na hospedaria da ;ra@a
- Acorde
no um cliente com uma colega minha& no o irmo da patroa&
um senhor com a mesma senhora h mais de cinuenta anos todas as
semanas aui& a porta echaBa-se e nem um estalo de tbuas& umruRdo de conBersa& a trepadeira contra a anela& silVncio& Us Bees a
ideia ue gaiBotas num ponto sei l onde ou um comboio a chegar
do estrangeiro
Qa locomotiBa& os traBFes das carruagensS
e engano meu claro& os comboios demasiado distantes e nem
com a chuBa as gaiBotas por c& uando muito rolas& os pardais ue
atK na +oBa da Piedade sobraBam& uma cegonha entre duas nuBens
em maio& na ;ra@a nada de arbustos de incenso& Bendedores de
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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bugigangas& ma-cauitos de loi@a iguais ao nosso
Q- $o ueremos nada teuS
ciganos& o caBalheiro
- Menina m menina m
e eu
- +ale-se
atenta ao uarto Biinho como outrora atenta aos meus tios e no
entanto somente os desconortos da casa& essa orma de eCistir dos
obectos ue alam de nós& oocam& para alKm da casa as outras
casas
- %emos pena de ti rapariga
a +oBa da Piedade aumentando no escuro& uma rac@o do
uintal iluminada logo ue o marido da minha tia acendia o
interruptor da coinha e o bairro aNnal de contas peueno& o lustre
de lato& o roupeiro& o interruptor da coinha apagaBa-se& o bairro
enorme outra Be e de sJbito
Qo ue nunca tinha acontecido& no Boltaria a acontecerS
uase unto a mim& trKmulo& agudo& de Almada& de +acilhas& de
um lugar do %eo e no entanto perto& dando-me a certea ue podiaalcan@-lo
Qe no estaBa adormecida& e alcancei-oS
o apelo de um barco& o marido da minha tia de piama
- +om licen@a
no corredor onde uma colega e um cliente U espera& o arbusto
de incenso Bisitou-me um instante
Qesarelando-se as sementes o perume aumentaBaS
e dissolBeu-se no uartoQno o meu uarto& uma cama& um cabide& duas estampainhas
em ue nunca repareiS
eu preocupada com a senhora do sauito de crochet& com o
senhor ue demoraBa a subir as escadas& Bia-o num arco a eCaminar
o largo& o olho aberto da minha me a seguir-me& ainda ue lhe
Boltasse as costas o olho
- Estou a Ber-te
Q- Largue-me da mo senhoraS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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mesmo atrs de uma cortina o olho daBa comigo
- #ilha
cadeiras no em torno da mesa& ao longo das paredes& a minha
tia& engrossada pelas lgrimas& com uma bandea de clices& a
trope@ar no caBalheiro
- Acabou-se-te a ternura netinha=
Qas minhas tran@as sangraBam& uma rana castanha& no loira
como agoraS
um rapa arredondando no patamar a cabeleira posti@a
- #icou bem=
no loira nem castanha& ruiBa& a patroa de tubo na garganta um
gargareo de brinuedo& uma declara@o conusa
- !sto K uma penso decente
sem ue os lbios se moBessem a minha me
- Estou a Ber-te
o olho no angado& a perseguir-me apenas& nunca se irritou
comigo& entornaBa-se num banco a tossir& mais noBa do ue sou
agora
- $o te chegues a mimo senhor a ganhar coragem nos degraus& os olhos dele e o olho
da minha me só ue no perseguindo-me& U espreita& no uarto dos
meus tios um relento de ls antigas e alaema seca& em noBembro
com o come@o do rio a minha tia ulgaBa sempre ue a cadela ora&
imaginaBa um raspar de unhas a insistir no capacho& enerBaBa-se
- "eiCem entrar o animal santo "eus
e ninguKm salBo a chuBa no alpendre& os unuilhos dobrados&
olhas Bindas da igrea a escurecerem o ptio& o senhor tentaBa umdegrau na hospedaria da ;ra@a& outro degrau& um dos rapaes de
cabeleira posti@a para o cliente& a endireitar-lhe a graBata
- Maroto
a minha tia leBantando-se na esperan@a ue a cadela no
alpendre& em XBora ladraBam por baiCo da anela em ue estBamos&
adiBinhaBam& pressentiam& depois da Kpoca da ca@a matilhas a
trotarem de ome nos becos ataanando carri@as& o ue recordo de
XBora no K a minha me nem o meu pai& so latidos no inBerno& o
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sacristo de opa Bermelha a desaerrolhar a capela& as espanholas da
traBessa& oruRdeas& o senhor Nnalmente no uarto e nem um estalo
de tbuas nem um ruRdo de conBersa& a trepadeira contra a anela&
silVncio e no entanto gaiBotas num ponto sei l onde
Qapetecia-me correr na praia de chapKu de palha com cereas de
eltroS
um comboio a chegar do estrangeiro e os traBFes das
carruagens& uando or Belha eu com as espanholas na traBessa
depenando rangos
Qacho ue roubadosS
mais elas& um sauito de crochet& eu soinha ou com os outros
cachorros em XBora desinteressada das carri@as& apenas trotando de
ome nos becos de ocinho a pingar o caBalheiro
- $etinha
no& o caBalheiro
- Mais uanto dies tu=
no& o caBalheiro
- +asar-mo-nos=
ou sea alguKm ue abrisse a porta se eu raspar as unhas nocapacho
- "eiCa entrar o animal santo "eus
Qcorrer na praia de chapKu de palha com cereas de eltro na
direc@o de um rochedo onde um peda@o de corda& uma caiCinha
BaiaS
ou ento& antes de come@ar o rio& deitem uma posta de carne
para o uintal e enBenenem-me
Qno imagino de onde Bem esta ideia de um peda@o de corda euma caiCinha Baia& a patetice de correr na praia de chapKu de palha
com cereas de eltro& talBe a minha tia& no meio dos seus trapos&
guarde um chapKu de palha na arcaS
no meCa na alian@a& no me ale da sua esposa& no repita
- +asarmo-nos=
incomodado com renesins diusos ue se transormam em
gaiBotas ao poisarem num ponto ganhando bicos& garras& uma
maldade enKrgica& ou com os traBFes das carruagens no uarto
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Biinho
Qapenas comboio ao parar acocorado em si mesmo& declarando
- *ou um comboioS
ou ento com a trepadeira ue imitaBa gaiBotas e comboios a
untar um galho a outro galho ao subir para o telhado onde eu
supunha ue Tores dado ue por Bees um cacho a baloi@ar pedindo-
me ue o Bisse
- Eis-me
ao passo ue os unuilhos da +oBa da Piedade nunca
- Eis-me
acanhados de alarem& portanto as trepadeiras nos caiCilhos& os
rapaes de cabeleira posti@a& os clientes e ainda no as cinco da
manh& a Nlha a dormir& a torneira do gs& uma uarta-eira U tarde
como todas as uartas-eiras em ue o caBalheiro U minha espera na
entrada
- Menina m menina m
um sabonete& uma gua de colónia ue me echaBa na mo
- $o me agrade@as netinha
mais idoso ue a senhora e o senhor& mais bem Bestido& maisrico& podia ter impedido ue me cortassem as tran@as& ue a minha
me morresse& me deiCassem crescer& ele no sentado l ora de
guarda--chuBa aberto& a inuietar-se por mim
- Ests mais gorda ests mais magra
a preocupar-se comigo
- $o adoeceste netinha=
a prometer
- ,m dia passa-me uma coisa pela cabe@a e arranco-te dauiesuecido do
- +asarmo-nos=
sincero& uase comoBido& orgulhoso da minha pessoa
Arranco-te daui
a arrepender-se& a emendar
- *e pudesse arrancar-te daui
com pena de mim no capacho ou rondando as anelas a ladrar
sob a chuBa
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- "eiCem entrar o animal santo "eus
e o arbusto de incenso a embalsamar-nos de perumes Qdepois
de o cortarem as raRes come@aram a cheirar sob a terraS nenhum
olho aberto a seguir-me& uando oi do desmancho alarmou-se&
esperneou mangas
- Menina m menina m
Qe eu a dar-me conta ue to inJtil& to gasto& se chamar l de
ora abro-lhe a porta sossegue& no o deiCo em XBora de ocinho a
pingar& ossos pontudos sob a pele aguardando ue o corpo alecesse
tambKm& NcaBa a Bo a balir
- Menina m menina m
entre os papelinhos dos lbiosS
acompanhou-me U parteira ue nem o Bia seuer ou o eCplusou
para a rua
Q- $o lhe a@a mal no o eCpulse para a rua senhoraS
- H um caK l em baiCo
e o caBalheiro num pulinho de garupa
Qdaui a uns anos eu assim& Binte e oito em abril& mal chegue a
casa palaBra abro a torneira do gsSa recuar& a escapar-se em aNrma@Fes Bagas
- ,ma sobrinha minha
Qacabou-se a neta& uma sobrinha minhaS
obediente& apagado& uma das patas mais raca e ele a disar@ar a
pata obrigando-a a segurar o corpo& a continuar
- *into-me bem estou óptimo
no interior do
- *into-me bem estou óptimoo caBalheiro anunciando
- Prometo ser um co como deBe ser no te aborre@as comigo
e l estaBa ele no caK a apanhar com o cuspo do dedo as
migalhas da mesa
Qas espanholas de XBora depenaBam rangos na traBessa& nus& só
cabe@a e crista e as cabe@as uriosas& alerta& enuanto elas brandiam
um idioma de arrapos coloridos ue se meneaBa& BibraBaS
o caBalheiro um incha@o na coluna& uma das orelhas pulguenta&
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a mudar de perNl
- #ala-me deste lado netinha
Qacabou-se a sobrinha& sua neta de noBoS
a dobrar-me notas na carteira sem acertar com o echo&
adeando U minha roda sobrancelhas incertas
- $o te Neram mal pois no=
no me Neram mal nenhum& no me doeu descanse& uma
gaiBota do >eato& no a parteira& a parteira
- Est uase
encontrou um desperdRcio para mim e Beio bic-lo aos puCFes&
as restantes gaiBotas a gritarem com ela& deu pelas ondas senhor& Biu
como os albatroes do teo a espiarem-me& o marido da minha tia a
retirar o ue continuaBa de mim no armrio& uma gabardina& umas
saias& entregando-me o macauito de loi@a ue lhes oereci pela
Pscoa
- $o ueremos nada teu
e a gaiBota engoliu& no um Nlho entre algodFes num balde&
eBidentemente ue no um Nlho& uma coisa ue no terei de acordar&
de Bestir& de ma@ar-me com ela& sea um co como deBe ser senhorcale-se& no me pe@a ue lhe ale deste lado& no me toue na
carteira& no me entregue dinheiro& tantas ruas para arear por aR
reparou& tantos postes de ilumina@o& tantos troncos& tantos colegas
seus a desBentrarem pombos& deiCe-me em pa comigo a medir o ue
me alta
Qme tiraramS
me alta& o ue recordo de XBora no K a minha me atrs de um
len@o com as minhas tran@as l dentro& K ter ome percebe e o uerecordo da parteira no so as ondas ogando-me contra a muralha&
so as gaiBotas uma após outra a engolirem-me as tran@as& a
abandonarem--me na Baante dado ue eu oca& entende& e a
esuecerem-se de mim& eu um peda@o de corda& uma caiCinha Baia&
por muito ue me aNancem do contrrio ninguKm corre na areia de
chapKu de palha com cereas de eltro
QsalBo uma Belhota a obserBar um cacto num muro
- A trabalheira ue me deste peuena
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eu ue no a conhe@o
- 9uem K BocV senhora=S
correr de chapKu de palha& na areia& por um peda@o de corda e
uma caiCinha Baia& a parteira a esconder o balde Qo meu desperdRcio
num baldeS
- LeBanta-te
uma crian@a descal@a
Qparente dela=S
a seguir-me com um coelho de brinuedo
Qou um rango nuS
nas mos& um dos membros a oscilar tambKm& eCperimentar
deBagarinho um passo& outro passo eBitando os algodFes
Qdado ue penas& algodFes& mais nadaS
no balde& o caBalheiro& desolado
- ? direita no oi@o netinha
e em XBora tudo branco mesmo no outono& as casas& os
canteiros& o cKu aul branco& os campos brancos& as magnólias
branuRssimas& o meu pai branco na cama
QaproCimaBam-no da porta para se distrair com a alamedaSum dos irmos dele trabalhaBa de porteiro num cinema em
Lisboa& conBersaBa com o Nscal e o irmo do meu pai um sinalinho
disar@ado
- Podes entrar rapariga
eu de pK& unto U cortina& uma lanterna subia entre Nlas de
cadeiras& achaBa-me no escuro& demoraBa-se a cegar-me& a lanterna
uma gaiBota ue me bicaBa aos repelFes& no as minhas coCas& a
minha cara& a minha blusa- $o tens bilhete tu=
U medida ue a parteira se esuecia de mim embora o coelho me
estudasse a baloi@ar& o caBalheiro eli de eu estar BiBa
Qmais tardes descanse atK abrir o gs& dJias de tardes aindaS
dedos Bindos do nada ue demoraBam a austar-se-me ao ombro
Q- *e ao menos eu pudesse arrancar-te dauiS
se embara@aBam ue os Bissem& desapareciam no bolso polidos
pelo uso& Nninhos
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- Menina m menina m
dJias de tardes ainda no cubRculo a seguir aos senhores ou sea
nenhuma trepadeira& metade de uma anela de rKs-do-cho entaipada
Qumas ripas de caiCote& uns pregosS
na outra metade um ptio em ue desperdRcios& uma muina de
costura ue a noite parecia entregar-me tornando-a Rntima& minha&
de orma ue no deitada na cama consoante o caBalheiro ulgaBa& eu
a passaar na muina sem dar por ele& eu Bestida& ele de oelhos no
soalho ao meu lado a bicar-me aos puCFes como a gaiBota da
parteira& as unhas dela ue me arrancaBam de mim& o caBalheiro a
insistir
- Por aBor di-me ue ests a gostar netinha
e eu com diNculdade em responder deriBado U minha aten@o na
agulha ue por Bees no obedecia ao pedal& U roda ue tinha de
audar com a mo& a um gato ue pulou na direc@o de um buCo
Qno de incenso& um arbusto sem nome& uns espinhosS
- $o posso entortar a bainha desculpe
ou a correr na areia para longe dele
Qa Bo de no sei uem a ordenar-me- +onta ue de chapKu de palha com cereas de eltroS
eu a correr na areia de chapKu de palha com cereas de eltro&
nunca tiBe um chapKu de palha com cereas de eltro na Bida mas a
obedecer ue remKdio& isto pouco antes da Nlha do caBalheiro eCigir
U patroa no balco da entrada onde se penduraBam as chaBes com
uma rBore aponesa num Baso
- O meu pai
na primaBera& uando deBia haBer rolas& escutaBam-se rolas etodaBia nenhum pssaro ali& um ou dois corBos se tanto& lembro-me
de uma colega minha
- Os corBos
e eles trVs prKdios adiante& de peito dilatado& a mangarem
connosco& as penas negras& o bico negro& o papo negro& Bestiram-me
dessa orma uando o meu aBY aleceu& a minha tia a procurar lutos
no armrio
- O teu aBY aleceu
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e o guarda-chuBa echado& sem maestade alguma& no bengaleiro
da entrada onde os dois bonKs do marido da minha tia& o cinento e o
castanho& na sala da parteira uma rapariga de uine ou deasseis
anos numa cadeira de Bime ue aNrmaBa
- %rrrrr trrrr
lembro-me do cabelo molhado de medo na testa& do nari a
estremecer& a estremecer& das oBelhas dessa maneira no Alenteo se
por acaso cuidaBam
- <o matar-nos
e sem escaparem da gente& resignando-se& apenas o nari a
estremecer& a estremecer& martelBamos um prego entre as BKrtebras
logo abaiCo do crWnio& uando a rapariga deu por mim leBantou-se da
cadeira de Bime e a cadeira
- %rrrrr trrrr
no para ugir& para se chegar ao prego& a rapariga uma oBelha
com um estooito de sara& de mandRbula no a mastigar& para a
direita e para a esuerda aplainando palaBras
- %rrrrr trrrr
e a uem a parteira- ,m momento
enuanto o ocinho do coelho se despedia de mim& isto no na
;ra@a nem no Po@o dos $egros nem em +ampolide nem nos OliBais&
num bairro a seguir Us Olaias
Qno& na +al@ada da Picheleira antes das Olaias para uem
Biesse de baiCoS
prKdios de dois andares& alguns com andaimes e pedreiros
pretosQuma cidade de pretos a nossaS
num interBalo de paredes& sem ue se esperasse& o %eo& o ue
parecia uma ilha
Quma ilha=S
e era uma mancha de algas ou uma sombra de nuBens
Quma sombra de nuBensS
a proBa ue o mundo to grande apesar de um carrinho de
hortali@a no passeio
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Qum triciclo a motorS
a estreit-lo& ciganos
Quma cidade de ciganos a nossaS
com roupa sobre peda@os de lona estreitando-o mais ainda& um
cego a calcular obstculos com a pressa da Barinha
Quma cidade de cegos a nossaS
antes da gaiBota a bicar no sei uem. A aleiar no sei uem& a
Barinha alheada de mim porue no era a minah pessoa ue ali
estaBa de modo ue eu alheada tambKm& eu a correr na praia de
chapKu de palha com cereas de eltro sem entender a rao do
chapKu de palha com cereas de eltro e como no era eu ue ali
estaBa
Qeu a dar de comer U minha NlhaS
no me diia respeito a parteira l em cima
Qou a gaiBotaS
a dier no sei a uem
- Este no uer sair o parBo
e uma inec@o no em mim Bisto ue eu unto a um rochedo
encontrando um peda@o de corda e uma caiCinha Baia& no balco dahospedaria da ;ra@a uma rBore aponesa num Baso& igual Us rBores
grandes& a Nlha do caBalheiro sem atender a um rapa de cabeleira
posti@a nem ao tubinho da patroa nunca Nemos mal ao senhor
proessor minha senhora& nunca lhe altmos ao respeito& nunca lhe
roubmos nada& a Nlha do caBalheiro ue no me podia enCergar
Qo chapKu de palha escondia-meS
- $o tem uRo pai=
dedos polidos pelo uso& Nninhos& sumindo-se no bolso®ressando do bolso& a apanharem com uma gotita de cuspo gros
de pó no balco& as sobrancelhas ue procuraBam entender
Qnada mais nele entendiaS
a lRngua ue Binha e ia nos papelinhos dos lbios& se eu osse U
Nlha deiCaBa-o Ncar comigo
Q- "i-me ue ests a gostar netinhaS
em Be de um cobertor nos oelhos& o solinho na Baranda
- AproBeite ue K de borla
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amarrar-lhe a cintura a Nm de no andar pela casa a meCericar
nas gaBetas& insistente& tontinho& a procurar o porta-moedas sem
achar o porta-moedas& notas estrangeiras
Qde onde=S
documentos ora do prao& o retrato da esposa ue de Be em
uando conundia comigo
- "i-me uem est a gostar ;eninha
o caBalheiro um cachorro no uintal U chuBa ladrando-nos de
todas as anelas com esse instinto dos bichos& a inteligVncia ue eles
tVm e no lhes serBe de nada porue a gente no ouBe& pressentem
os terramotos& as doen@as& a morte& enNam-se sob os móBeis
recusando a comida& chamamos e no BVm& se lhes encurtamos a
coleira procuram logo morder& o caBalheiro um cachorro no uintal U
chuBa& de noite& raspando o capacho com as unhas
- $o h ninguKm nesta casa ue abra a porta ao animal por
amor de "eus=
ue o deiCe& sem se encostar Us pessoas nem nos lamber as
mos& apeuenar-se no tapete a Ntar a gente& ressentido& dando K de
um barulho na coinha& urinando de pWnico& se osse Nlha deleentregaBa-lhe as chaBes
- <ea l como se porta eu conNei em si
audaBa-o a Bestir-se& a cortar o empado& a tomar cuidado com
as nódoas& metia-lhe na algibeira um carto com a morada& para o
caso de no se lembrar senhor BocV Bai& mostra o carto
Qo ue est do outro lado no interessa& o canaliador& o
dentista& letras impressas& no ligue pus-lhe uma cru em cima& o
ue interessa K o ue escreBi U mo& espere aR ue eu sublinho& setiBer dJBidas com a morada tire-o da algibeira
esta algibeira& NCou esta algibeira=
pergunte sea a uem or ue o ensinamS
e Nm dos problemas& pronto& de modo ue o caBalheiro na
hospedaria da ;ra@a comigo& unhas ue me tentaBam encontrar&
perdiam& a cara dele no contente& nerBosRssima
- Por aBor di-me ue gostas netinha
Us Bees na cabe@a o seu passado todo& a Bida inteira to clara&
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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*etJbal& o Berni das sempre-noiBas ue regaBam de resco& no sei
uV na terra ue o alegraBa& uase o aia cantar
Q- $o sou um co nunca serei um coS
a esttua do ardim a ue altaBa um bra@o& o outro bra@o
erguendo um bJio de acintos& a irm a alisar a saia no meio dsos
pneus Baios da garagem e o namorado a alisar o cabelo
- Posso contar com a sua discri@o ao menos=
a amiga da aBó
Q- 9uero dier-te um segredo edelhoS
ue o encontraBa nos cal@Fes& o perdia
- Por aBor di-me ue gostas de mim netinho
isto numa BiBenda uase na estrada de Palmeia com um *o
oue no alpendre& colchas de cetim sobre os móBeis& a empregada a
rir--se& a Bida inteira to clara
- "i-me ue gostas netinho
de modo ue no preciso do carto& a BiBenda uase na estrada
de Palmeia& simplicRssimo& o marido da amiga da aBó agrimensor na
Rndia& cartas ue demoraBam a chegar e ela deciraBa em Bo alta& de
pin-ce-ne ampliando-lhe a ala& a enganar-se nas linhas& a abandonaro pince-ne e a carta
- %anto a
para o perder e achar
- Menino mau menino mau
enuanto o caBalheiro obserBaBa uma gota nas endas do tecto a
aumentar sem cair& pensaBa
- <ai cair
e a gota diminuindo no interior do estuue para aumentar denoBo
Qa Bida inteira to clara& o emprego em Mo@ambiue& o sócio
inglVs ue se enorcou no hotel enuanto as ps do Bentilador
giraBam e o charuto aceso ia ueimando o tapete& as ps do
Bentilador
disso lembraBa-se
aiam rodar as solas dos sapatos noBos
disso lembraBa-se tambKm
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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e nisto as recorda@Fes a misturarem-se& onde Nca Palmeia& o ue
K *etJbal digam-meS
ele na hospedaria da ;ra@a a caminhar para mim
- $etinha
na tarde em ue as gaiBotas num ponto ou um comboio a
chegar& eu atenta ao uarto Biinho como dantes atenta ao uarto
dos meus tios e nem um estalo de tbuas& um ruRdo de conBersa& a
trepadeira na anela& silVncio& daBa-me ideia ue um comboio a
chegar do estrangeiro
Qa locomotiBa& os traBFes das carruagensS
e engano meu& os comboios demasiado aastados e nem com a
chuBa as gaiBotas por c& uando muito rolas& os pardais ue atK na
+oBa da Piedade apesar de pobre haBia& uma cegonha entre duas
nuBens em maio& eu para o caBalheiro
- +ale-se
Qentreguem-me depressa o meu chapKu de palha com cereas de
eltro& no me impe@am de correr agoraS um homeninho a umar no
ponto
- %rambolhoou as pessoas ue aguardaBam o comboio ao mesmo tempo ue
o senhor caRa& eu para o caBalheiro
- +ale-se
dado ue o senhor caRa& a senhora ue alaBa com ele
Qou eram as minhas colegas U espera=S
repetindo o seu nome acho eu
Qou a Bo sobre as nossas cabe@as ue anunciaBa as partidas da
esta@o=Se os gritos dos pssaros ue um sueito com uma muina
otogrNca numa caBe do >eato
- Pimpolho
me impedia de entender
Qisto Us seis e Binte& seis e Binte e um da tardeS
a porta do uarto Biinho aberta& a minha tia
- AlguKm por amor de "eus abra a porta ue coisa e deiCe entrar
esse co
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a porta do uarto Biinho aberta e ao princRpio no Bi o senhor&
Bi a senhora a olhar-me& as espanholas em XBora a depenarem
rangos& o meu pai
- $o Bale a pena
porue o senhor de costas no cho e para alKm das gaiBotas
albatroes& rapaes de cabeleira posti@a& andorinhas do mar& dJias
de comboios ao mesmo tempo& umo& bagagem& tanta gente a
empurrar-me& a acotoBelar-me& a aastar-me da senhora
- Aguenta l ora tu
Qa minha me a tossir& um sinal acho euS
cinuenta e dois anos Us uartas-eiras na hospedaria da ;ra@a
onde com o tempo a gente ue trabalhamos aui acaba por se
conhecer uns aos outros& o sauito do crochet na cama& o naperon
uase completo& o noBelo no Nm& o genro do senhor
- +unhadinha
no& o genro do senhor ue Nngia no dar pela senhora
- ,m momento
o genro do senhor a dar por mim
- ,m momentoe talBe& se ele der por mim& no necessite da torneira do gs&
eu no em XBora com os restantes cachorros& trotando de ome nos
becos& desaparecendo& Boltando& eu ue nunca os beiaBa pronta a
aceitar um beio& dedos no meu pesco@o& patetices assim& um chupa-
chupa para a minha Nlha
- Pegue-lhe ao colo amigo
pegue em nós duas ao colo um bocadinho ue sea& um chupa--
chupa de morango ou limo ou laranaQno K preciso ser caroS
ue me tire o gosto do len@o da minha me na boca& se no lhe
escutasse a tosse& se tiBesse tido seis
Qsete anosS
no hospital de XBora
Qnem sete nem seis& trVs anos& a minha tia criou-meS
percebia& com seis ou sete anos limpaBa a casa& aia os recados&
laBaBa a roupa no tanue& comia no com eles& na coinha& no
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regaBa os unuilhos porue o marido da minha tia
- %u no sabes
uma ocasio Bedei os espa@os com trapos& toalhas& ornais& abri a
torneira do gs mas senti o arbusto de incenso
Qno sei poruV o arbusto de incensoS
e tiBe medo& echei-a& a minha tia ao dar com os trapos& as
toalhas& os ornais
- O ue K isto=
de ou one anos ulgo eu uando ela
- O ue K isto=
uns sueitos num carro leBaram o senhor pelas traseiras da
hospedaria da ;ra@a& o genro do senhor a dar por mim outra Be
- <ocVs nunca o Biram est bem=
a umar na eCtremidade do ponto das gaiBotas onde as minhas
colegas bicaBam nos cani@os& nos barcos& eu Bestida de noiBa na
montra do otógrao& o genro do senhor para os meus tios
- Esto a rir-se de uV=
e os meus tios respeitosos
- *enhor engenheirode modo ue hei-de dar-lhes um retrato em ue o genro do
senhor e eu diante do telo ue representa o palcio da >ela
Adormecida com a princesa de la@arote no cabelo a remar no lago&
uma muina de laBar em condi@Fes& um rigorRNco grande& leB-los
um dia destes atK unto das ondas para me Berem correr na areia de
chapKu de palha com cereas de eltro ou debru@arem-se comigo de
uma anela para um muro onde daui a nada
QK uma uesto de minutosS Bai poisar uma arBKloa ue K a maneira ue elas tVm
QespertRssimasS
de anunciar o mar.
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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brutos a maltrat-las sem rao& pistolas& algemas& amea@as
- PapKis papers uietinhos
aproBeitando-se da minha diNculdade em protegV-las deriBado
ao tubo na garganta& tento alar e por mais ue me esorce onde se
esperam palaBras
Qonde ulgo ue palaBrasS
umas bolhas& uns silBos& o doutor ue me operou
- +arregue o sobrolho deiCe l ue uem se lhe puser U rente
compreende
e pela primeira Be dei-me conta do ue sore a trepadeira l
ora tentando conBersar connosco e em lugar dos problemas dela o
ue escutamos so olhas& ramos ue procuram libertar-se dos
apoios de arame& um galho pensando ue o nosso nome e aNnal
- "ddd
contra os Bidros& a trepadeira sem acreditar
- $o pode ser
e
- "ddd
de noBo& mesmo com a auda do Bento- "ddd
umas gaBinhas& umas lagartas& uns cachos& um moscardo por ela
- $o me ouBem=
e ouBimos coisas sem neCo& BRrgulas& parVntesis& acentos& rase
alguma& Bontade de aud-la pegando numa machadinha e cortando-a
- $o te preocupes mais
h alturas em ue penso ue o doutor deBia ter pegado numa
machadinha comigo em lugar de tratamentos e cortado ao acaso¶ uV insistir& d-se K uando muito de um chocalhar de
cartilagens& no de um argumento& h alturas em ue se o doutor
erguesse a lWmina
- $o te preocupes mais
agradecia& chocalhaBa reconhecida uma cartilagem ualuer
- Obrigada
e bastaBa-me esperar ue amanh ou depois os Biinhos
Barressem tudo& ue mais no osse pela poeira e o liCo& eu desde o
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hospital to atenta U Bo das plantas& das coisas& uma consola estala
e compreendo& perco tempo com ela
- O ue se passa agora=
Nco-me a decirar o silVncio& numa linguagem de esttua& da
rBore aponesa no balco& aueles bra@os em igueague& auelas
pregas da casca& no consinto ue a reguem& sou eu ue trago a
gua num copo
- *e te apetece desabaa comigo
mais trVs doentes no meu uarto em silVncio tambKm& as caras
só narinas apontadas ao tecto U medida ue iam perdendo orelhas&
dedos& cinco de inRcio& depois dois& depois um enrugando o len@ol&
depois o len@ol Baio& depois nada& ao retirarem o biombo em torno
do colcho logo outra doente ainda com dedos& acreditando ainda&
mentindo-se ainda na manh seguinte
- Acho ue me recompus
embora os pKs se aNlassem& no bem pKs& só unhas& as narinas
c em cima& as unhas em baiCo e no interBalo um Baio pardo a
crescer& os dentes engolidos um a um sem dar conta& a gente a
mastigar-se& a comer-se& a comer o cancro& a comer as dores& acomer as Bisitas& cada parente ue se aproCimaBa de mim deBoraBa-
o& comi o meu passado inteiro& o ue uis ser& o ue ui& comi
Qsem gengiBas nem lRngua nem dentes& sem um Jnico dedo no
len@ol salBo o polegarS
as enermeiras& o doutor& o hospital& sobra-me esta casa decente
para pessoas decentes& no como a tangerineira por respeito U minha
me
Qtrinta e um anos aui& ela gostaBa de dier- ,ma Bida
e NcaBa a olhar-nos angada atK concordarmos com ela& alis
sempre ue acabaBa uma rase NcaBa a olhar-nos angada atK
concordarmos com elaS
com o tubo na garganta e a uesto das dores oi-se-me a
serenidade& no K bem ue me doesse& no me doRa porue engoli o
cansa@o& o desconorto& a dor& de resto nem conheci a dor Bisto ue
deBorei logo a primeira moinha conorme deBorei a ueda do cabelo&
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a magrea e o medo& as horas ue me separaBam dos remKdios& o
uturo& os amanhs& os ontens& se por acaso me lembraBa
QK um eCemploS
de um passeio a Estremo engolia Estremo e pronto& ual
passeio& a minha ome limpou tudo& o autocarro& o almo@o& os gansos
da barragem soprando BRrgulas& no acentos& no parVntesis& por
tubos iguais ao meu na garganta& uando o doutor para mim
- <ou dar-lhe alta senhora
deiCei as trVs mulheres no meu uarto a comerem-se& a
comerem--no& l estaBa a hospedaria da ;ra@a onde os elKctricos
curBam& a otograNa da minha me na entrada urando
- ,ma Bida
a olhar angada atK concordarmos com ela
- ,ma Bida mam
a minha me ue continuaBa a mandar na penso a partir do
retrato
- 9uero assim uero assado
e as rugas NCas U espera& eu ue durmo na cama dela sinto ue
K ao seu corpo ue as tbuas respondem& no ao peso do meu& deito-me na sua coBa& no numa coBa minha& o guarda-ato resiste ao lutar
com o manRpulo
- Perten@o U rua me no a ti
a minha roupa a enBelhecer para se tornar a dela& Bestidos de
BiJBa mais descuidados& mais largos& a no cheirarem a mim nos
cabides& as gaBetas trancando-se uando me aproCimo& tenho de
amea@ar
- Eu como-aspara ue os echos rodem& U noite as tangerinas estremecem o
soalho ao tombarem sem ue eu distinga os rutos dos sapatos dos
clientes ou da cali@a do tecto& uando oi do senhor do '7 no prestei
aten@o& ulguei ue um ruto tambKm& eu na entrada a receber e a
distribuir as chaBes pensando h uanto tempo ninguKm se descal@a
ao meu lado& na enermaria lues distantes demais para ue eu
pudesse comV-las& eleBadores ue no paraBam de subir
ultrapassando o ediRcio ou ento hospitais por cima deste em ue
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outra gente engolia& com dentadas Us cegas& os intestinos& a próstata&
h uanto tempo ninguKm a chegar-se para mim
- Ora BiBa
deBe ter eCistido antigamente um homem& uma ida ao cinema&
um passeio a 9uelu& as Bisitas
- Ests melhor=
e eu deunta& por ue rao no me comem& por ue rao eu
intacta
- Engulam-me
tenho ideia de um sorriso& de cartas& mas se calhar deBorei a
memória ao deBorar-me a mim mesma ou deBorei o homem na
enermaria untamente com as palmadinhas de consolo& as Tores e o
dó& deBorei o dó num instante sem o sentir no estYmago
- <ai-te embora
e uando se oi embora custou-me a mastigar-me ou nem seuer
me mastiguei& pedi
- Engulam-me
apenas& pedi
- Engulam-me depressamas no me compreenderam porue BRrgulas& acentos&
parVntesis& escreBi num papel
- Engulam-me
entreguei-o a uma das raparigas da penso& a rapariga a
demorar-se no papel& a mir-lo& a mirar-me& a deBolBer-mo
embara@ada
- $o percebo
eu para a rapariga& dobrando o papel- Em adoecendo percebes
mesmo ue te mintas percebes& hs-de deBorar-te um dia& papar
o ue puderes atK no restar nem uma gotinha de ti& comer os
doutores& as enermeiras& o padre ue h-de chegar por Nm& engole o
padre& deBora-o& deBe ter eCistido um homem outrora& desses do bar
l em baiCo a acompanharem as mulheres ou os rapaes de cabeleira
posti@a& as mulheres U rente e eles calados atrs com a mo no bolso
do dinheiro& indecisos
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Qporue no os engulo depois de me pagarem=S
assustando-se com as tangerinas no cho ou uns passos na
escada por mais ue lhes aNrme ue isto K uma casa decente para
pessoas decentes& ue durante meia hora no os chamo da porta
uando nos uartos nada& uase nunca nada nos uartos
- O seu tempo acabou
conorme nada no meu uarto no momento em ue o doutor
para mim
- <amos oper-la amanh
aborrecido de eu estar BiBa e eu
- <ou comV-lo doutor no se deu conta ue o seu tempo acabou=
no era o estar soinha& no me ralaBa estar soinha& era a
tangerineira a oscilar& a Bibrar& por@Fes minhas ue cessaBam& esta
perna& este órgo& criaturas diminuindo deBagar e no sei uem so&
sei& torno a no saber& pensando melhor nunca as Bi
Qter haBido um homem=S
- <amos oper-la amanh
uma doente& no eu& tranuili-la& prometer-lhe
- $o te engulo descansanunca aui estiBe& no me di respeito& no conhe@o esta gente&
eu na hospedaria da ;ra@a ue herdei da minha me& uma casa
decente para pessoas decentes onde se eCige educa@o e respeito&
cada uarto meia hora no mCimo eCcepto a senhora e o senhor das
uartas-eiras ue desde eu crian@a toda a tarde no '7& o senhor ue
parecia traer consigo as gaiBotas
Qcinco ou seis no largoS
ue no se atreBem neste bairro ue no simpatia com o %eoQse tenho Bagar aos domingos& des@o ao miradoiro a espreit-lasS
a senhora com o sauito do crochet& proBaBelmente sempre o
mesmo& ue chegaBa antes dele
Qnunca depois& antesS
se interessaBa por mim& me entendia os parVntesis& os acentos&
as BRrgulas sem notar as mulheres e os rapaes de cabeleira posti@a
ou se os notaBa interessando-se igualmente embora estiBesse capa
de urar ue os no Bia& ambos& isto K a senhora e o senhor
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Qcalculo euS
sentados lado a lado na cama de rente para a trepadeira no
inBerno sem olhas& só arames& descobrindo os estragos da pintura&
os tiolos& as pedras& a trepadeira cuo nome ignoro e no sei uem
Qo primeiro dono=S
plantou& a senhora e o senhor de rente para o outono da anela
deserta& o senhor
Qter haBido um homem para mim e no caso de ter haBido
mastiguei-o& comi-o=S
com o seu ornalinho na mo& dobrado na pgina do problema
das damas
Qas brancas ogam e ganhamS
moraBa com a esposa e as Nlhas no ardim +onstantino
Qlugar bonito& distintoS
e a senhora ue moraBa soinha ou com parentes mais idosos
ue ela
Qum pai& uma tia=S
durante anos com parentes mais idosos ue ela e agora soinha
no entre memórias& ausVncias& da mesma orma ue no entre BiBos& entre poeira de mortos& num desses ediRcios de 0abregas onde
os hbitos dos alecidos permanecem
Quma cadeira articulada& um bule de ch& uma mesa de pK-de-
galo com uma bailarina de cordaS
eCigindo ue lhes obedecesse& cuidasse deles& os escutasse&
continuaBa a ustiNcar-se Us uartas-eiras para as paredes Baias
supondo ue nas paredes desconNan@as& uma censura talBe
- Pediram-me ue audasse numa limpea papou
- ,ma compra na >aiCa pap
ou
- O ue me esueceu no mercado pap
pensando no no senhor mas nela& de boca no traBesseiro na
uinta dos pais U medida ue o sacho do empregado& abrindo a terra&
a abria& ela e eu a darmos pelo sacho na hospedaria da ;ra@a e as
Bees pergunto-me se o senhor o escutaBa& se era por causa do sacho
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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ue o problema das damas
Qas brancas ogam e ganhamS
ela diRcil de ouBir deriBado ao traBesseiro
- #ico consigo descanse
a senhora com pena do senhor& uase a sorrir& a tocar-lhe e sem
lhe sorrir nem tocar& tocaBa a trepadeira& os pinheiros de um
sanatório em +oimbra& prometia
- #ico consigo descanse
e ele como se acreditasse nela& grato& Nngindo ue grato Qas
brancas ogam e ganhamS
parado nos degraus da hospedaria dado ue o cora@o& os
diabetes& eu com Bontade de perguntar-lhe
- 9uer ue o engula BocV=
e o senhor a olhar-me das escadas enuanto um casal subia ou
descia e outros casais no corredor U espera& no gosto deste trabalho
por causa das ma@adas com a polRcia& discussFes& balbJrdias& Bolta
no Bolta um mal entendido nos pre@os e um cliente eCaltado& os
amigos das mulheres a or@arem portas e amea@as& gritos& Bolta no
Bolta uma aca& um sueito a cobrir a mancha da camisa com a palmaatK a palma desistir e a mancha maior& a garganta um tubo em ue
BRrgulas& parVntesis& os rapaes de cabeleira posti@a a Ntarem-no& se
no osse o reconhecimento ue deBo U memória da minha me ue
me criou a pulso& sem audas& no Arco do +ego onde os regueses
dela a apontarem-me no colcho
- E a crian@a=
recordo-me de conBersas a acertar posi@Fes e dinheiro Qa minha
me- !sso K poucoS
da lu de repente acesa& no a da mesinha de cabeceira& a do
tecto ue anulaBa as copas na rua& as rBores inBisRBeis continuando
os seus discursos e a certea de compreender porue nessa Kpoca
compreendia as coisas
Qno as compreendo hoe em diaS
as arras& as garraas& as tbuas& os cabelos na escoBa e a minha
me a eCamin-los
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- O ue se passa comigo=
recordo-me de ordenar
- #echa os olhos depressa
e ao ech-los as rBores de regresso& a Biinha a perseguir os
perus com a naBalha& a agarrar-lhes o pesco@o e asas& um salto& o
pesco@o a escapar-se& a mo ue prendia uma pata& o peru tombado
de banda e a Biinha de oelhos sobre ele& a minha me para o
reguVs
- $o tens pressa=
e eu distraRda dela a dialogar com as rBores& se me dirio U
trepadeira a trepadeira muda de anela& no me responde& eBita-me&
a Biinha acertaBa com a naBalha na barriga do peru& no peito& o
bicho trotaBa no uintal& escondia-se no laBadoiro& reaparecia nos
pimentos& um cheiro ue no era o nosso a aumentar no len@ol& o
peru de sJbito imóBel& Bencido& moBimentos na cama ue no me
pertenciam& a Biinha de pK& o reguVs de pK e o cheiro& deitado
comigo& a crescer& pedir ao cheiro
- Largue-me
as Boes dos homens ue laBaBam a rua no me laBaBam a mim&apagaBam a achada do cinema e mais rBores& uma das moedas do
reguVs rolou no sobrado e a minha me& transormada em tornoelo&
debaiCo do colcho a apanh-la
Qporue me obrigam a contar isto& uem me obriga a contar isto
senhores& ue chapKu de palha com cereas de eltro& ue arBKloa=S
uando eu tinha doe anos mediu-me os ombros& as ancas
- <ais come@ar a audar-me
eu- O ue K ue BocV disse senhora=
e a minha me a demorar-se-me nas ndegas
- ,ma surpresa
isto de dia numa altura em ue as rBores no eCistiam por
enuanto& come@aBam a eCistir ao crepJsculo e antes disso& em lugar
de rBores& alguKm a bater tapetes& o papel de luto no Bidro da
capelista e o estabelecimento de repente importante& seBero& no
papel de luto o dono a Ber para alKm da gente& igual aos almirantes
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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nos bustos& eu com doe anos& uns tempos antes da ;ra@a
- O ue K ue BocV disse senhora=
a minha me a estudar-me melhor& a comparar tamanhos
- %u sabes
de orma ue nessa noite ou na noite seguinte Qulgo ue na
noite seguinte ou na noite depois da seguinteS a lu de repente
acesa& no a da mesinha de cabeceira& a do tecto ue tornaBa as
sombras Berticais& to peuenas no cho& uerRamos uma sombra e
no tRnhamos& Ber a nossa cabe@a& o nosso corpo e no BRamos&
apenas as ei@Fes mais caBadas& os ossos mais estreitos& os
candeeiros l ora sim& as rBores sim
- Ol rBores
cada ramo& cada galho& cada nó de sementes& ao echar os olhos
o reguVs no surpreendido& no
- E a crian@a=
do mesmo modo ue a minha me no
- #echa os olhos
a agarrar-me o pesco@o e asas& um salto& o pesco@o a escapar-se&
a mo ue me prendia uma perna& eu tombada de banda e a minhame de oelhos sobre mim& recordo-me no dos ciscos& da poeira& da
terra& mas de pratos e talheres e rigideiras no cho
- 9ueres ue a gente morra de ome=
trotei um momento no sobrado& escondi-me no laBadoiro ou no
Bo da anela onde a insRgnia do cinema& a capelista echada& eu de
sJbito imóBel& Bencida e& consoante a Biinha aia& depois tiram-se
as penas& depois despeam-se as BRsceras& depois separam-se os
membros& depois com a naBalha Bo-se limpando as cartilagens& osossos& a Biinha enternecida comigo
- Ests a Ber=
agradada ue eu audasse
- Ests a Ber=
a ensinar-me a desarticular omoplatas& costelas
- Ests a Ber=
o peru despido& branco& to magro aNnal& mais magro do ue eu
pensaBa no espelho
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Qo doutor
- <amos oper-la amanhS
e no me doRa dado ue engoli a dor tal como engoli os dentes
um a um& a minha me de pK& o reguVs de pK a untar notas& moedas&
um cheiro ue no era o nosso cheiro no no len@ol& em mim& pedir
ao cheiro
- $o me maces
e apesar do cheiro nunca houBe nenhum homem& nunca
ninguKm comigo& a Biinha a trancar o orno
- Aprendeste=
O riso dela
- Aprendeste=
a minha me em busca da moeda debaiCo do colcho
- Aprendeste=
nenhum homem nessa Kpoca e nenhum homem atK hoe& eu
soinha& eu de chapKu de palha com cereas de eltro
no& eu chapKu algum& com um tabuleiro de toalhas e ronhas
pouco depois de mudarmos para a hospedaria da ;ra@a& ainda no
dois andares& um apenasQparte de um andar apenasS
ou sea uatro ou cinco uartos de uma casa decente para
pessoas decentes& um homem ue nunca encontrara& um cliente
achei eu& a conBersar ao balco com a minha me
Qao perguntar U minha aBó pelo meu pai a minha aBó
de repente Beio-me U ideia a sombrinha da minha aBó& uma
sombrinha de Cadre& e emocionei-me
ao perguntar U minha aBó pelo meu pai K a sombrinha uecontinuo a BerS
um homem ue nunca encontrara& um cliente achei eu& a
conBersar ao balco com a minha me
Qno tRnhamos a rBore aponesa no Baso conorme no este
balco& outro mais barato antes desteS
um cliente achei eu& dali a pouco a minha me agarraBa-me o
pesco@o e o pesco@o a escapar-se& asas& um salto& a mo ue me
prendia uma perna& a naBalha na barriga& no peito& o cliente a
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aguardar na cama
Qauelas caras delesS
e em lugar da naBalha a minha me
- O teu pai
a sombrinha da minha aBó to modesta& se continua a eCistir
deBe apodrecer na arrecada@o no K& um dia destes talBe a
encontre na sombrinha aBó& sentada na salita a mostrar o reumtico
dos dedos
- $o te a impresso=
A minha me
- O teu pai
mas aposto ue se enganou dado ue eu imensos pais me& este
um cliente sem me chamar& sem me pegar no bra@o& nem deu por
mim& oi-se embora& a minha me
- O teu pai
e ele uma espKcie de contrariedade
Qno bem contrariedadeS
um aceno
Qo ue poderia ter sido um aceno e no era um acenoSportanto no o meu pai& um cliente consoante o meu pai um
aceno& no um homem& a lWmpada do tecto de sJbito acesa& as
rBores do Arco do +ego ue no Boltei a enCergar& o ue aconteceu
ao cinema& se penso na minha aBó
Qe praticamente no penso na minha aBóS
a sombrinha& eCplicar-lhe ue no gosto deste trabalho na
hospedaria senhora& ao perguntar-lhe pelo meu pai mostrou-me o
reumtico dos dedos- $o te a impresso=
Qo pai da minha me uem oi=S
se pudesse escolher preeria uma loa& um uiosue& o senhor
ue herdei da minha me a olhar-me sem or@a nas escadas onde um
rapa de cabeleira posti@a desenredaBa colares& perguntar ao senhor
- 9ual o motiBo de todas as uartas-eiras aui=
perguntar-lhe
- Porue no uma das raparigas do bar=
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com ganas de propor agarre-me o pesco@o& uma perna& no me
deiCe ugir& porue no eu no '7 enuanto BocV com o ornal
Qas brancas ogam e ganhamS
no alo& no aborre@o& no incomodo& animo-o
- $otou auela gaiBota senhor=
uando nenhuma gaiBota& no h gaiBotas aui& uns tordos&
rolas& de tempos a tempos um corBo do castelo& no topei com a
sombrinha na arrecada@o medindo o reumico dos dedos
- $o te a impresso=
topei com uma gata ue se desBiou de mim a buar& no a topei a
si
- Onde K ue oi senhora=
os deuntos no gente& gaiolas& chapKus& Tores& latas de
pastilhas para a tosse ue a errugem impedia de abrir& chocalhaBa-
as contra o ouBido e um eco de pedrinhas
Qos deuntos pedrinhasS
as latas no tinham peso& tinham um eucalipto com uma
cercadura doirada e as pedrinhas aNrmando o uV& pedindo o uV&
parecia-me- *olta-nos
parecia-me
- $o reparas=
ou outra rase ue no interpreto bem& sentimentos ue
desaparecem ao eCprimi-los& poisamos as pedrinhas e no eCistem&
calam-se& ao calarem-se nunca aNrmaram nada& nunca pediram nada&
eu ualuer dia como elas sob um eucalipto tambKm& ol Tores&
gaiolas& chapKusQcumprimentem-me porue acabei de chegarS
portanto o senhor a olhar-me nas escadas U medida ue um
casal subia ou descia e mais casais no corredor U espera& mais ruRdo
ue num prKdio noBo deriBado aos prKdios Belhos capaes de
traduirem o ue tentamos calar& por eCemplo a minha me
- O teu pai
e o cliente
Qsou da opinio ue um clienteS
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a ir-se embora sem reparar em mim& no me lembro das ei@Fes
dele& lembro-me de dar ideia ue ugia de nós e eu com o tabuleiro
das toalhas e das ronhas sem ue me agarrassem o pesco@o& uma
perna& sem ue um peru tombado de banda e a minha me de oelhos
sobre ele
- <ais come@ar a audar-me
o ueiCo da minha me a engolir-se a si mesmo
Q- +oma-se a meS
uase um passo na direc@o do cliente
Qbem o sentia na orma como inclinaBa o corpoS
e a arrepender-se do passo& a cara dela U beira dos mil
bocadinhos a ue chamaria lgrimas se acreditasse em lgrimas
Qno acredito em lgrimasS
isto K as ei@Fes a recomporem-se de um modo dierente ue no
era ela& tornaBam a mudar de lugar e pelo menos uma parte da
minha me ali embora distorcida sob uma agita@o de gua& uer
dier uma por@o conorme a conhe@o e a por@o restante o ue a
minha me oi um dia& suponho ue h imensos anos& numa Kpoca
em ue haBia espa@o em si para algumas nuBens& algum Bentinho nosarbustos& uma atitude
Qse me K permitido o eCagero e mesmo ue no sea permitido
permito-meS
de esperan@a& um triciclo ue a podia conduir a um lugar mais
eli& uando a memória do cliente se desBaneceu a cara da minha
me
Qcom ue BiBi desde ue sou eu e a ue me habitueiS
sem lgrimas& inteira& angando-se comigo- $o se trabalha=
Qo chocalhar das pastilhas apareceu e sumiu-se
- AtK ualuer dia aBóS
eu com o tabuleiro a caminho do andar de cima esuecida do
cliente a ue chamaram meu pai e ue no hospital& sem ue eu
proectasse osse o ue osse& nem deseasse osse o ue osse a no
ser deBorar-me desde ue a doen@a e as pessoas U minha roda
engolidas& aparecia de Bisita unto a mim& no se debru@aBa& no
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sorria de pena& ia conBersando com uma criatura cuos tra@os
Qno lgrimas ue no acredito em lgrimasS
se dispersaBam em mil bocadinhos untando-se um segundo para
se dispersarem de noBo& uma tarde antes ue a dor se aproCimasse
Ql estaBa ela U distWncia& ui aprendendo com o tempo a
adiBinhar-lhe os sinaisS
engoli-os a amabos& portanto& diia eu& o senhor a olhar-me na
escada enuanto um casal sabia ou descia e mais casais no corredor
U espera& um desacordo no patamar acerca de posi@Fes e pre@os& os
clientes dos rapaes mais tRmidos ue os outros& mais receosos da
polRcia& de mo espalmada no peito
- ,m engano um engano
Bi um ou dois suplicando e apesar de no acreditar em lgrimas
os olhos deles a tremerem& no os mil bocadinhos da cara& a cara
intacta& eram os olhos ue mudaBam de orma& uadrados&
triangulares& em losango& procuraBam o len@o& uase o rasgaBam nas
mos
Quase o rasgaBam K eCagero& iam-no torcendo nas mos& somos
poucos aueles ue no se deiCam inTuenciar por um len@oSoereciam dinheiro& pediam& menos raramente do ue se pode
imaginar um dos polRcias com um rapa de cabeleira posti@a&
agarrando-lhe o pesco@o com a mo da Biinha& o peru a escapar-se e
as asas& o salto& isto num uintal peueno mesmo para um uintal de
proBRncia onde todos os BerFes se reaia o muro deriBado U lama
ue descia o aterro ou a um reiCo uebrado& o rapa de cabeleira
posti@a acabaBa por auietar-se Bencido& retiraBam-se-lhe as penas e
a nude& a magrea& portantoQBoltando onde estBamosS
o senhor ue herdei da minha me nas escadas& a senhora U
espera no '7
Qprimeiro andar& seCta portaS
o senhor ue em tantas uartas-eiras e no caso de no haBer
mentido
Qhipótese ue no deiCo de aceitar& BiBe-se na alsidade e no
ludRbrio& no Bale a pena discutir& eu pelo menos no discuto& K
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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assimS
ui conhecendo aos poucos& moraBa no ardim +onstantino
Qum gKnero de praceta unto U Almirante eis o ue uer dier o
>airro das +olónias próCimo& onde um Belhote amigo da minha me&
um capito todo cumprimentos& mesurasS
a esposa& duas Nlhas& o genro& a Nlha sem genro& em crian@a& no
circo com ele porue U Nlha agradaBam os caBalos ue o aborreciam
e ao senhor os palha@os ue assustaBam a Nlha& o mVs de agosto em
#aro ou Portimo ou %aBira
QPortimo=S
%aBira
Qa suspeita ue alguKm eCplicou isto por mim e conseuente-
mente abreBioS
a senhora ue encontrara antes da esposa
Q eCplicaram isto tambKm& no Bamos repetir pormenores&
adianteS
e com uem cinuenta e tal anos& mais do ue a minha me
chamaBa uma Bida& na hospedaria da ;ra@a& arrisco ue por hbito
por acreditar tanto no amor como acredito nas lgrimas& se umulano para mim
- Amo-te
Qelimente no eCiste grande perigo ue um ulano para mim
- Amo-teS
essa espKcie de eCcrescVncia& de aleio& de cancro& nem
hesitaBa& comia-o& pode ser
QconcedoS
ue haa momentos de rauea uando ualuer coisa sedemora em nós num desses compartimentos ue no me atreBo a
espreitar com receio de pedrRnhas numa lata ou uma gaiola onde
uma pluma Tutua sem destino& pode ser ue haa momentos de
rauea uando ualuer coisa desce
Qno uma pluma& dJias de plumasS
numa chuBinha mansa e a gente com uma espKcie de diNculdade
em
Qno acredito em lgrimasS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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uma espKcie de diNculdade em continuar apesar das pessoas
atrs de nós a empurrarem-nos para chegarem c cima& pode ser ue
em momentos desses& gra@as a "eus menos reuentes agora& me
no desagradasse ue
- Amo-te
a Nm de ue o
- Amo-te
apagasse as pedrinhas na lata e outras sensa@Fes
Qchamemos-lhes sensa@Fes& K mais rpido e entende-seS
ue
Qdetesto coness-loS
me custam conorme me custam certas manhs& certos meios-
dias ue se encraBam num ponto meu do ual os restantes pontos ou
eu toda
Qpara ser mais especRNcaS
dependemos& uma lu acesa de repente e no adianta Nngir ue
dormimos& ue a minha me
- Ela est a dormir no a mal
Bisto ue eu suspensa de mim& apetecendo-me cair e sem mepermitirem cair& eu ora maior ora menor mas presente& se um sueito
- Amo-te
Qessa eCcrescVncia& esse aleio& esse cancroS
pode ser ue as rodas dentadas
Qh horas elies& temos ue concordar ue h horas elies& o
ue seria de nós& respondam-me& sem uma certa uantidade&
insigniNcante ue sea& de horas elies& no uero estagnar ainda&
murchar& consintam-me uns passos mesmo ue em cRrculo& Bos& unspassinhos minJsculos
eis o ue pe@o
atK ue a minha me apague a lu bastam-me& no necessito
mais do ue a lu apagada& nós soinhas& eu bemS
pode ser ue as rodas dentadas a uncionarem de noBo& os
crepJsculos& as auroras& essas designa@Fes pomposas
Qeu ue nunca dei por um crepJsculo& uma aurora& dou por o dia
acabar ou come@ar& ocorrVncias simples& K tudoS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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o ue tem um nome e se agita mas eu consigo engolir& mastigar&
deBorar& untamente com
Qno acreditoS
lgrimas
Qno acredito em lgrimasS
no lgrimas& pedrinhas numa lata com um eucalipto na tampa
Qalis amolgada& riscada e com a etiueta do pre@oS
numa cercadura doirada& o ue tem um nome como o senhor nos
degraus a tomar Ylego para o Jltimo lance
Qa graBatinha& o casauinho& ele peuenoS
a senhora ue nunca o tratou por tu com o seu crochet no
uarto ou sea uma história de amor& uma eCcrescVncia como a
costureira ue me inBentou uer a Nm de entreter-se na cadeira U
anela& uma história de amor& decidiu& ponho-os a alar um a um&
agora este& agora auele& da minha história de amor& se calhar na
esperan@a ue a gente a Bisite cada um de nós com a tal
eCcrescVncia
- AR tem
- #iue com ela- %ome
e a criatura eli porue uma companhia com uem possa diBidir
a minha Bida e dar-me Wnimo& patetices do gKnero& o ue as pessoas
concebem senhores& abanam a cabe@a na mira de um chocalhar de
pedrinhas& nunca dei com uma lata com um eucalipto na tampa&
inBentou-a olhou para o seu cacto e a sua arBKloa e como nem cacto
nem arBKloa
Qpergunto-me se tero eCistidoSdecidiu ocupar-se& no h melhor ue uma história de amor
pensou ela& elimente ue em conseuVncia da ebre os episódios
lhe escapam& resta-me alguma liberdade& apesar de tudo& uando a
medica@o
Qou o ue ela ulga ser medica@oS
lhe conunde a cabe@a& as ideias diBagam e principia com a sua
cisma do mar& ondas& areia& rochedos& uma praia em resumo& o ue
no alta nesta terra so praias para dar e Bender e enuanto Bai
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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cismando com as praias
- Est a Ber o mar dona AdKlia=
no orgulho de uem eCibe uma propriedade sua
- Est a Ber o mar dona AdKlia=
!sso no meio da ebre e portanto no se lembrando de mim
Qnunca eCistiu um homem& alguKm ue me permita detest-lo
poupando-me o aborrecimento de me detestar& o doutor
- +uidado com as emo@Fes
e detestar uma pessoa ue no seamos nós apesar de tudo
consolaS
retomando a conBersa a criatura no se lembrando de mim nem
dos aborrecimentos ue a morte do senhor trouCe a uma casa
decente& logo para come@ar o acto de um cadBer no cho e a
senhora nem uma lgrima
Qo ue lhe agrade@oS
indierente ou alheada no sei& a rapariga do caBalheiro ue a
trataBa por netinha Beio chamar-me isto K no me chamou& um sinal
da outra ponta do balco no Nto de no alarmar os clientes& no caso
dois clientes a diBidirem uma mulher deriBado U promo@o noemprego
- #omos promoBidos no emprego
e
- ,m descontoinho madame
isto pelas seis da tarde uando echam os escritórios e a roda
BiBa come@a& l achei o senhor com uma das mangas no colcho e o
resto no soalho& dir-se-ia alis ue no deunto& a eCaminar-nos
comedido& sKrio& educado como sempre o achei& de roupa alinhadao ue poupa trabalho& eu
- E agora=
o caBalheiro ue trataBa a rapariga por netinha e cua Nlha
- O meu pai
enerBada& eCigente& o caBalheiro repetindo
- Menina m menina m
numa Bo ue esmorecia ao principiar a entender& a trepadeira
para um lado e para o outro sem se incomodar connosco& por ue
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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rao Qaudem-me nesta dJBidaS
os minerais& os Begetais& os elementos atK& distraRdos uando
nesse andar. uma palaBrinha& ue sea por eCemplo
- A gente Nca aui
e no pedia mais& chegaBa-me& precisamente o ue a senhora
Qora aR estS garantia ao senhor
- #ico aui
sem ligar ao sauito do crochet no peitoril
- #ico aui
se tiBesse haBido um homem pergunto-me se eu
- #ico aui
ou a esconder-me na caBe onde a lata de pastilhas& os chapKus& a
gaiola& a chuBa de plumas brancas por toda a parte& esses pontinhos
de lu nas Barandas uase echadas ue tanto me intrigaBam em
miJda e ulgaBa serem "eus& substanciainhas sem matKria a
bailarem& a minha me
- %ens de audar-me agora
e no posso senhora& desculpe& corro o dedo no eucalipto da
tampa& agito as pedrinhas& sinto a errugem do esmalte& no possoporue cheguei onde no se recome@a senhora& onde uma arBKloa
num muro me tra sinais do mar& a ue me inBentou tinha rao& do
mar& Bai emprestar-me o chapKu de palha& as cereas de eltro& o
peda@o de corda& to peueno& de um Jltimo naurgio& uma Bontade
pesada de agradecer& aoelhar& daui a pouco eu audo-a me& pe@o
perdo& Bou& os senhores do '7 compreendem& aceitam& ao olh-los
palaBra de honra ue me senti em ace dos meus Jltimos mortos e ao
mesmo tempo a certea de receber a Bida atraBKs delesQo tuberculoso ue nos pedia esmola roRa oBos coidos encostado
a uma palmeiraS
a senhora ue conhecia a amRlia do senhor de %aBira
Qou Portimo ou #aro ou *ilBes& no insisto& uma cidade do
Algar-<e cuo nome no NCei mas disseram com certea antes de me
passarem a palaBra
- $estas pginas tu
para eu alar conBosco
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teleonou ao genro do senhor
Qo tuberculoso no caiCo sobre uma mesa escura& a tigela dos
oBos coidos na prateleira& lembro-me de uma embalagem de
conserBas meio aberta a ensinar-me ue o uniBerso maior do ue eu
ulgaBa& muito grande& l estaBam Biinhos nossos a Baguearem na
+hina
por eCemplo
em busca do caminho do regresso& no interior da embalagem de
conserBas um baNoito de aeite e os Biinhos& entre conJcios& atK
hoe por lS
o genro do senhor obrigou-o a sair pelas traseiras amparado por
uncionrios seus& a cabe@a bamba no peito& arrastando os sapatos&
cal@as a sobrarem da cintura e meias ue pingaBam tornoelos ora&
um bra@o no ombro do primeiro& um bra@o no segundo& perdeu um
dos sapatos no tapete& a rapariga do caBalheiro
- O sapato
e o genro do senhor& de sapato na mo& a dar por ela& pareceu-
me ue
- +unhadinhae enganei-me& em lugar de
- +unhadinha
a preBenir
- Eu Benho
a senhora oi-se embora depois com o sauito do crochet sem
ninguKm a aud-la e o '7 tranuilo salBo as duas estampas e a
colcha ora do lugar& ao BeriNcar a colcha uma tristea incómoda no
por ele& por mim de orma ue engolir-me antes ue os milbocadinhos da cara& atrai@oando-me
Qno acredito em lgrimasS
mudassem de lugar e no mudaram& o genro do senhor ao
balco
Qo cotoBelo no balcoS
o sorriso e o cotoBelo no balco
- 9uero a ue estaBa aui
Qa ter haBido um homem porue no auele=S
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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e ao eCigir
- 9uero a ue estaBa aui
rac@Fes minhas ue oscilaBam& BibraBam& engole-as depressa
anda& sossega-as com a promessa do mar& o tuberculoso h-de roer
oBos coidos encostado U palmeira& os Biinhos perdidos na +hina
chegaro a casa& nenhuma lu do tecto se acender a acordar-te&
Ncas& diante da rBore no Baso& hoe& amanh& depois de amanh&
para a semana& escuta o elKctrico a atrapalhar-se na curBa& a
conseguir& a ganhar Belocidade a caminho do centro ao ual nunca
Bais& tens alguns corBos& algumas rolas e chega-te& uma casa decente
para pessoas decentes ue a tua me deiCou& o teu pai
Qnunca se sabe& no K=S
a ir-se embora ou pelo menos um dos teus pais& o ue mais se
alarmaBa
- A garota=
e ue tu& de olhos echados& nunca chegaste a Ber& tens os casais
no corredor indignando-se com as horas& tabuleiros de roupa
engomada para dobrar no armrio& os domingos U tarde em ue se
limpa tudo& a senhora despediu-se de tiQcontinuas a sentir-lhe a mo na tua moS
se te aproCimaBas o tuberculoso escondia os oBos apertando-os
na camisa& um deles escorregaBa para o cho e ele a apanh-lo com o
cabelo da nuca
Qa nuca dois tendFesS
a escurecer a gola& em acabando a limpea Nca-te
Qalguma coisa te Nca minha NlhaS
a companhia da tangerineira ue o teu irmo trocou por umagarraa& os rutos ue nunca chegam a crescer& desprendem-se
Qbagaitas BerdesS
sempre antes& no procures a gaiola e a lata de pastilhas&
permanece aR& no meio das erBas ue no necessitam da tua auda
para eCistirem no ue sobea dos cani@os dos craBos& um uintal
rodeado de paredes de casas e no centro desse po@o tu& a tepadeira
- %rrr trrr
contra o Bidro o ue signiNca na linguagem dela e embora no te
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Bs
- Adeus
cachos altRssimos a aguardarem setembro& as rBores do Arco do
+ego dantes inBisRBeis e ue hoe destrin@as& as letras do cinema
apagadas& tu de rente para a tangerineira sem escutares o ue a tua
me te disse& se por acaso
- O ue K ue BocV disse senhora=
a tua me
- $o me lembro
e K natural ue
- $o me lembro
Bisto ue um cheiro& dierente do Bosso cheiro& contigo&
passando o uartel& no miradoiro& Lisboa& as nuBens de maio do
castelo ao rio& se calhar barcos e no te interessam nuBens nem
barcos& dobras-te para os pimentFes ue no eCistem
Qno sRtio deles as erBasS
para essa espKcie de penumbra ue te cerca anulando a palide
das one na ual uma peuenina noite surge e se esuma& a senhora
na esuina com o seu passinho manso sem se Boltar para trs& semolhar-te& a descer para o uarteiro onde mora& a chegar a casa& a
despensa U direita& a sala U esuerda& a coinha em rente& a senhora
a deliberar& a escolher a coinha& a senhora na coinha
Qum cestito de Tores de pano sobre o rigorRNcoS
sem se engolir& sem se comer& a pegar num arro& numa caneca&
num copo& no echo da maruise ue costuma resistir
Qe resisteS
ue costuma aceder em girarQe giraS
a senhora ue trocou o Bestido por uma espKcie de bata e
prendeu o cabelo numa espKcie de elstico eCaminando o outro lada
da rua a estender a mo como se a tangerineira acol& a dar-se ue a
tangerineira contigo& a procurar uma cadeira de lona no armrio& a
sentar-se dois toldos adiante do toldo em ue uma mulher& um
homem e as Nlhas& a retirar o crochet do sauito& a desembara@ar a
agulha do noBelo e no sei se a continuar o trabalho porue as
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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plumas brancas nasciam do tecto
QdJias de plumas brancasS
e pode ser
Qd-me ideia& creio& presumoS
ue uma lata de pastilhas para a tosse a tilintar pedrinhas e nós
duas a admir-la
Qo ue haBer dentro=S
encantadas com o som.
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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TERCEIRA NARRATIVA
%inha de ser assim no era pai& de aer os possRBeis por me
enBergonhar atK ao Jltimo dia& humilhar-me& desear no haBer
nascido& no ser sua Nlha& tinha logo de morrer de propósito numa
dessas espeluncas baratas ue deBiam proibir de alugar uartos U
hora acompanhado pela Biinha de toldo ue a gente no olhaBa
seuer& no cumprimentaBa& no percebRamos onde arranaBa o
dinheiro para estar connosco e inelimente
Qtinha de ser assim no era pai=S
percebemos agora& uma mulher ue no sabia Bestir-se& no
sabia comportar-se& comia ualuer coisa embrulhada num ornal& o
Bendedor de bolos ue conhece os seus iguais e os desprea
Qsenhor 9uV=Suase a pis-la de propósito Nngindo ue lhe deiCaBa cair o
cesto em cima a piscar-nos o olho& a Biinha assustada
Quma camponesa& uma sopeiraS
protegendo-se com o bra@o
Qto cómicaS
e eu a rir-me dela
Qse calhar tirei-lhe o retracto sem uerer& se calhar a Biinha no
lbumSpor ue motiBo me uis sempre magoar pai& ligaBa mais U minha
irm ue a mim& no me respondia& no me daBa aten@o& por ue
motiBo
Qdiga-meS
nos mentia& a desculpa ue Us uartas-eiras U tarde os colegas
do emprego e em Be dos colegas uma hospedaria na ;ra@a& o
ediRcio ou prKdio ou o ue osse a cair de podre
Qbem se notaBa na inclina@o das paredes& nos degraus ue
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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altaBamS
e ue uma trepadeira& serBindo-lhe de andaime& ia mantendo de
pK& o meu marido de uem BocV nunca gostou ue se lhe
compreendia no silVncio
- AdiBinha o ue aconteceu ao teu pai
e uma espKcie de alegria na seriedade dele& de Bingan@a& a mo
ue nunca me procuraBa a poisar sobre a minha& os moBimentos do
polegar no meu pulso numa espKcie de dó
- AdiBinha o ue aconteceu ao teu pai
o meu Nlho ue chego a perguntar-me
- *er normal=
enrolado a um canto distraRdo de nós com o seu ogo de armar&
chamaBa-o e no respondia ou respondia
- $o uero
QeCistem momentos& "eus me perdoe& em ue a pachorra me
alta& soinha podia ir-me embora& morar onde no me conhecessem&
esuecer a minha me& a minha irm& o ardim +onstantino&
encontrar uma pessoa ualuer& tanto a& abra@ar-me a ela a dormirS
mas tinha de ser assim no era paiQabra@ar-me a alguKm a dormirS
como BocV ueria ue osse& como& sem o dier
Qatendendo a ue no alaBa& lia o ornal& animaBa-se no caso de
uma gaiBota& aborrecia-se da gaiBota& lia o ornal de noBoS
eCigia ue osse& o meu marido& Bitorioso
- AdiBinha o ue aconteceu ao teu pai
a mostrar-me a hospedaria num largo onde um bar de
desgra@adasQa minha irm entre elasS
desencaiCaBa os taipais e miJdos de cabeleira posti@a
pregui@aBam entre as rBores enuanto a mo ia insistindo na minha
sem se Boltar para mim
- X melhor ue compreendas ue Beas
o polegar para diante e para trs arrepiando-me o pulso ou no
apenas o pulso& o corpo inteiro& arrepiando-me o corpo inteiro e eu
surpreendida comigo
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- "eiCaste de interessar-me
nunca me tinha acontecido uma certea to orte
- "eiCaste de interessar-me
no somente o meu marido& o meu pai
Qum dos rapaes de cabeleira posti@a tirou comprimidos do
bolso& se ao menos conhecesse o nome das rBores do largo& podiam
pregar umas placas com o nome nos troncosS
- "eiCaram de interessar-me os dois
tudo como BocV deseaBa pai& como BocV planeou& sempre
obedeci ao meu marido& aceitei o ue ele ueria
Qnomes em portuguVs& no em latim& ou ento em latim
parece ser costume
mas traduidos por baiCo& carBalho& abeto& cedro& eCplicar ao
meu Nlho& daui a pouco na idade atro das perguntas
ser normal& o meu Nlho=
- O ue K auilo=
eu a largar-lhe o bra@o e a aproCimar-me da placa
- ,m carBalho
alKm do carBalho em geral um tanue com os patos peuenosem Nla atrs do pato grande& inelies em bancos& as sombras ue a
tarde apanha e Bai untando sem pressaS
sempre obedeci ao meu marido e BocV a roubar-mo& apresentou-
se com um ramo de Tores para a minha me
Qseriam antJrios& o ue so antJrios meu "eus=S
no primeiro antar l em casa
Qmudei terrinas de lugar& escondi bibelots na gaBeta& a minha
me oendida- 9ue K isso=
batendo-se para ue a moldura do templo romano se mantiBesse
no gancho e o gorila de elpa na estante boceando a anunciar
- *ou eRssimo
eu achando o nosso segundo andar indigno dele& as cortinas e o
tapete mais gastos& a marca de uma sola ue no tiBe tempo de
esregar& o piano a ue altaBa Berni com um casti@al apenas& no
sRtio do outro casti@al sinais de parausos& os retratos na camilha
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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diante dos uais& se ulgaBa ue no dBamos K& o meu pai se
plantaBa& num deles um sueito ue parecia perguntar
- Ests a rir-te de uV=
e depois enNaBa a cabe@a num buraco de telo e ca@aBa leFes
mal desenhados& torcidos& num segundo um sócio num ponto com
duas canas de pesca próCimo do ue se assemelhaBa a um naBio
grande& um pauete& um petroleiro talBeS
a minha me em busca da arra para as Tores numa BiBacidade
inesperada& no agora conorme depois dos cinuenta anos& de
gestos ceis& magra& uase
Qpor assim dierS
bonita& abrindo a torneira da coinha& deitando gua na arra& eu
sem acreditar
- $o pode ser
a minha me por momentos nascida a seguir a mim ue
engra@ado& mais elegante ue eu& de cabelo mais claro& o meu
marido& sem reparar nela& espreitando a minha irm ue no
espreitaBa ninguKm& trancaBa-se no uarto& se eu rodasse a
ma@aneta- $o entres
se teimasse Bia-a de palmas no ueiCo U anela
Quantas tardes U anela=S
o meu marido a espreit-la e a minha irm a acabar de pYr a
mesa sem ligar a nenhum de nós& a sentar-se& ela e o meu pai
Qtinha de ser assim no era& de aer os possRBeis desde o inRcio
por me enBergonhar& humilhar-meS
calados& uase de indicadores nas orelhas porue as Tores da arra gritaBam de tal orma ue no se compreendia a minha me e o
meu marido& uer dier as bocas respondiam& conBersaBam e no
decirBamos os sons U medida ue a minha me se tornaBa mais
lenta& engordaBa& aduiria amarguras e rugas& no somente a marca
de uma sola no tapete& Brias& uma nódoa unto U rana
Qgordura& cina=S
o piano por elicidade mudo& ele a uem de tempos a tempos
Binham recorda@Fes misteriosas iguais aos sonhos dos bichos& coisas
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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l dele& manias& de modo ue se concentraBa& estremecia em bicos de
pKs e um soninho comprido ue alarmaBa os retratos& no o sueito
do te-lo de ca@a& no o das canas de pesca& gente mais plida& mais
antiga& uma senhora de bengala& uma rapariga a apertar os lbios
para no chorar
Qeu=S
uma rapariga de tran@as
Qno usei tran@as& no euS
a apertar os lbios para no chorar& ao reparar nela daBa por
mim a apertar os lbios tambKm
Qcoisas minhas& maniasS
a certa altura pareceu-me ue o piano se concentraBa&
estremecia em bicos de pKs& untaBa as mos mas por sorte consegui
distraR-lo com a minha tosse& assim ue me olhou eu
- Por aBor
e o piano aastou as mos& desistiu& mesmo depois do meu
marido se ir embora as Tores continuaram a gritar impedindo-me de
dormir& ao atraBessar a sala& descal@a& para traer um copo de leite o
meu pai resolBia o problema das damas no ornal& a canetasuspendeu-se a meio de um lance& U socapa& Birei-me de repente e a
caneta de imediato a riscar o papel
- $o dei por ti garanto-te
Q- O ue sente por mim pai=
e a caneta em silVncioS
a gente as duas& a caneta e eu& sem ninguKm a incomodar-nos no
ardim +onstantino
Qas marcas do tapete no se notaBam agora& o gorila de elpadissolBido na estanteS
porue no& assim a meio da noite& com a minha me e a minha
irm deitadas& conBidar-me a sentar no so& ocupar-se comigo& a
impresso ue uma muina de costura a trabalhar ao undo&
inclinei-me para o pic pic pic
Qmais BBBBB ue pie pie pieS
e no era& suponho ue um besouro em redor de uma lWmpada&
os arbustos em baiCo& a impresso ue um dedo a emergir da
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poltrona
- +resceu tanto o pimpolho
e apenas uma altera@o de sombras& o meu pai a Ntar-me& cego&
mastigando raciocRnios a medir uma ogada& cessando de mastigar
porue descobriu a ogada e os olhos& capaes de Berem& submersos
no ornal& nem
- $o posso
nem
- Espera um bocadinho
submersos no ornal& restaBa metade do meu pai no candeeiro& o
ue sobraBa ignoro onde& se calhar no buraco do telo de ca@a ue o
sueito deiCara liBre ou acompanhando o das canas de pesca& se
calhar muito uietinho& unto U rapariga das tran@as& a apertar os
lbios para no chorar igualmente& apesar de me eBitar BocV com o
meu marido pai
Qtinha de ser assim no era& de aer os possRBeis por humilhar-
me atK ao Jltimo diaS
na misKria da hospedaria da ;ra@a.
Qse cortasse a trepadeira a hospedaria tombaBaSdado ue oi a ele ue chamaram
Q- AdiBinha o ue aconteceu ao teu paiS
no a mim& a Biinha de toldo ue ao comprido dos anos nos
decorou o nome a resistir& a no uerer ue soubKssemos& a decidir-
se& a teleonar
- O seu sogro
o seu sogro ue aleceu com os colegas do emprego senhor
doutor& no comigo& leBando-o daui no aleceu comigo e o meu paide cabe@a bamba a arrastar os sapatos entre dois uncionrios
enuanto uma mulherita de tubo na garganta sopraBa Bogais para
os clientes
Que enCoBalho paiS
- *entiu-se mal do Binho
realmente ue enCoBalho pai& BocV ue nunca bebeu sentir-se
mal do Binho& limitaBa-se a pasmar diante dos retratos ue no o
salBariam de si da mesma orma ue a sua lembran@a c em casa no
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me salBa de mim& nenhum arrasto& nenhum comboio& nada ue me
auCilie a partir tirando o piano em bicos de pKs num soninho
comprido& as mos dele untas a ampliarem a desaNna@o da Bo& a
minha me intrigada
- O ue uer o piano=
no ueria morrer& era isso coitado& mirando-nos do seu canto
sem ue o animssemos& bastaBa eCaminar o Jnico casti@al para se
entender logo
- $o me deiCem por c
pergunto-me se as rBores se apercebiam& tinham pena ou na
alta das rBores o aparador& as cadeiras& o piano ue a minha me
Bendeu
- ,m trambolho
e mal ela
- ,m trambolho
o meu pai a agitar-se& albatroes& gaiBotas& a proessora de
geograNa ue tanto deseei
- K tarde menina
e eu uase a desalecer de medo dos pecados& do inerno& com olen@ol por cima da cabe@a& ineCistente pra mim mesma para ue
alRBio& a sala imensa desde a partida do piano& a descoberta de uma
parede no igual Us outras& mais plida& mais poeira na alcatia& uma
abotoadura antiga& misteriosa& e uma bouilha ue regressaBam U
tona dispostas a contarem-me as suas histórias ue no aia ideia
uais ossem
Qa Belha da bengala remeCia-se na molduraS
eu com elas na palma- <ocVs pertenceram a uem=
e como alaBam ao mesmo tempo no cheguei a saber& guardei
durante anos a abotoadura e a bouilha num enBelope com uma
margarida seca recebida no me recordo de ue pessoa
Qrecordo-me sim senhor& recebi-a de mim& comprei-aS
e ue representaBa a proessora de geograNa a proessora de
geograNa a proessora de geograNa atK ue o meu marido a eCibir-
mas
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- $o se pode ler a reBista=
no me lembro do meu Nlho nascer& lembro-me da minha me
para o ber@o num arrulho ue no lhe conhecia& a separar as
palaBras
- *ou a aBó sou a aBó
ue o meu pai no me Bisitou na clRnica& ao entrar no ardim
+onstantino com a alcoa
- epare na crian@a pai
os olhos cegos no problema das damas& a boca mastigando
ogadas& a minha me a arregalar-se para ele& a agitar-se em sinais& a
caneta a dar K dos sinais
- Muito bem
Boltando de imediato ao ornal& o meu marido a sentar-se na
cama BeriNcando o relógio e assobiando angas logo ue o meu Nlho
com ome
- Este concerto Bai durar uantos meses=
no me lembro do meu Nlho nascer& talBe da enermeira
- A cabe@a est uase
eu perpleCa U medida ue os ossos se desaustaBam& no sei ouV ia escorregando em mim
- A cabe@a de uem=
Lembro-me do tecto e de uma mosca no tecto a esergar as
patas da rente& as patas de trs& a esregar a cabe@a ue a
enermeira anunciaBa estar uase
- #a@a or@a e acabou-se
as patas da mosca peludas& suas& Nos escuros na nuca
- %ens os cabelinhos castanhosuma mosca gelatinosa& com crostas de gordura e de sangue a
remeCer-se balindo& no a mosca do tecto ue me interessaBa mais&
uma outra ue no esregaBa nada& e portanto no era assunto meu&
embrulhada num pano& apetecia-me gritar porue o tecto Baio& pode
ser ue numa espKcie de mesa com instrumentos cromados& debaiCo
da cama& numa toalha com nódoas& inclinei-me para debaiCo da cama
e a enermeira de luBas
Qno luBas como a gente usa& de borracha& rosadasS
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- $o Bai meCer-se agora
elimente Boltei a achar a mosca no rasco de soro& umas Bees
no rasco& outras Bees na cWnula e desta eita no esregaBa as
patas& limitaBa-se a umas Boltas monótonas mudando de lugar&
perguntei U enermeira
- A minha mosca onde pra=
Quantas moscas haBer neste mundo=S
eu segura
Qainda hoe seguraS
ue a proessora de geograNa me respondia logo& a enermeira
calada& a prega na testa
- Perdo=
um comprimido num copinho
- Engula
e depois de engolir o comprimido chuBa nos caiCilhos& o Bento&
eu com cinco ou seis anos receosa dos ladrFes& agarraBam em mim
sem os meus pais darem conta
- Anda connosco menina.
MoraBam no cemitKrio onde uma tarde desenterraramesueletos entre duas lpides& o meu pai& sem ornal& sentou-se a
minha irm na cómoda para a audar a cal@ar-se e nem seuer lhe
ralhou por baloi@ar os sapatos
Qainda hoe& nas poucas Bees ue almo@a no ardim
+onstantino& continua a sentar-se na cómoda e a baloi@ar os sapatosS
o comprimido& Berde com uma ranhura ao centro& demorou-se-
me na garganta e principiei a tossir& o meu marido a apontar-me a
hospedaria da ;ra@a& anelas ue no NCaBam os estores& um rapade cabeleira posti@a ue se chegaBa a nós
- 9ue tal=
mJsica no bar onde o porteiro U entrada& por enuanto sem
uniorme& ia alinhando cartaes& tiBe medo ue o porteiro e o rapa
de cabeleira posti@a agarrassem em mim sem o meu marido dar
conta
- Ande connosco senhora
moraBam no uarto onde o meu pai aleceu e a Biinha de toldo&
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ue a gente no olhaBa seuer& a leBantar-se da cama em ue
deitaram o meu pai& comendo ualuer coisa embrulhada num ornal
- 9ueria eCplicar-lhe espere
durante anos seguidos o mesmo Bestido em %aBira& o Bendedor
de bolos ue conhecia os seus iguais e os despreaBa
Qsenhor 9uV=
deBo estar a enBelhecer porue os nomes me escapamS
uase a pis-la de propósito Nngindo ue lhe deiCaBa cair o
cesto em cima a piscar-nos o olho& a Biinha assustada
Qto cómicaS
- 9ueria contar U senhora
contar U senhora para ue no pense mal de mim& nunca pedi
nada ao seu pai& nunca aceitei um tosto& pagaBa o meu bilhete de
comboio& aos domingos& a *intra& tirando uma enCada a caBar-me& h
muito tempo& to longe& no conheci outro homem& a enCada ue
serBia igualmente para enterrar machos Belhos cuos ossos no
inBerno se conundiam com as pedras e por ossos entendo BKrtebras&
costelas& algumas tRbias dispersas
Qa mina mosca nas tRbiasSuando lhes batRamos arueaBam a coluna& encolhiam-se&
colocBamo-los a laBrar e eles eCperimentaBam um trote ue no
Binha e desistiam coitados& o seu pai um macho Belho senhora& uieto
nas escadas& os dedos ossos ue eu conundia com pedras& uma das
tRbias dispersas a pedir-me a ca@adeira ou a machadinha no pesco@o&
um espigo no ouBido
- $o sou capa
Qtinha de ser assim no era pai=Se ele na terra por laBrar suspenso das correias& um bra@o na
colcha& o corpo no soalho e a mo do bra@o na colcha a abrir-se
uase alange a alange& no direi ue num adeus porue os deuntos
no se despedem& Ncam numa renJncia sem pressa enuanto a
minha irm empoleirada na cómoda
Qela ue uase no nos BisitaBa aos domingosS
ia baloi@ando os sapatos& a Biinha parecida com a proessora de
geograNa
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a Biinha& sem ualuer tra@o em comum com a proessora de
geograNa& num prKdio da parte baiCa de Lisboa no distante dos
comboios
Qeu ue tanto gostaria de partirS
- Entre entre
uma bailarina de corda& um relógio barato& com óCido no
mostrador& uieto nas sete menos Binte e cinco Us trVs horas da
tarde& pronto a discutir comigo& a teimar
- *o sete menos Binte e cinco cala-te
e a manter dias seguidos esta certea ero& a Biinha ue me
daBa ideia de concordar com o relógio
- Entre entre
no de igual para igual& numa humildade de criada& a limpar-me
um banco com um paninho& a escolher um licor
- Entre entre
um clice de rebordo doirado& limpo tambKm no paninho
QdeiCe-lhe cair o cesto em cima senhor 9uV& aleie-a& o senhor
9uV ao Nm da tarde& sem o negócio dos bolos& a pedir esmola na
esplanada- X a Bida
se soubesse o ue sei hoe abria a carteira e entregaBa-lhe uma
nota
- Aleie-aS
a Biinha ue BocV preeria a mim para me enBergonhar&
humilhar-me& um balde ue no teBe tempo de arrumar na coinha
censurando-a a cada passo
- $o me arrumaste tuo cesto do gato ue no eCistia h sKculos a imitar uma casa
com telhado Bermelho& chaminK e tudo& ninharias de ue se
orgulhaBa
Qprendas suas& pai=S
uma miniatura de aBio com a asa colada& um galhoito de
accia e a propósito de asa a mosca da maternidade& sem esregar
pata alguma& a ataanar-me o pesco@o& tentei distinguir o meu pai no
corredor
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Quma espKcie de corredor para uma banheira& um uarto& um
biomboito ranido em cuo BKrtice um chapKu de palha com cereas
de eltro
no& em cuo BKrtice um casauito de malhaS
e logo ue a criatura
- Ele nunca Binha aui
o meu pai a sair pela porta de trs
- A minha Nlha mais Belha no deu por mim pois no=
eu a dar pelo encaiCe da lingueta pai& botas prudentes numa
escada inBisRBel& BocV BiBo& e se BocV BiBo por ue rao o meu
marido
- AdiBinha o ue aconteceu ao teu pai
aNnal no e os possRBeis para me humilhar& enganei-me&
perdoe& toda a gente se engana& acontece& tome as suas gaiBotas& os
seus pontFes& o petroleiro de ue alaBa Us Bees
- +ostumaBa passear no conBKs
distraia-se& leia o ornal em sossego& hei-de ach-lo domingo&
ue alRBio& no ardim +onstantino onde rBores& ue no eram as
nossas& lembraBam as de *intra enuanto a minha me a dissertarsobre as suas artKrias& os diabetes
- $unca toma os remKdios
de longe em longe uma alegria sem motiBo& a minha me a
indignar-se
- Ests a rir-te de uV=
e o meu pai atento U escada& uase a cantar& eli
- L Bem ele
nenhuma tbua a dar sinal& nenhum Biinho a subir e no entantoo meu pai como para um beco ou assim
- L Bem ele
por um instante um albatro sobre as copas& naBios& solas ue se
aproCimaBam no conBKs do petroleiro uase alcan@ando o BestRbulo
- L Bem ele
para diminuRrem logo distanciando-se de nós& a cara do meu pai
a apeuenar-se& tudo a engelhar dentro dele& a Biinha de toldo
empurrou o balde com o calcanhar na mira ue desaparecesse e o
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balde entre nós duas com uma escoBa no undo
- %inha esperan@a ue lhe chamassem trambolho imagine
o meu pai olhando para trs no momento em ue a marK
desistia& a Biinha alterou a posi@o do aeroplano em miniatura ou do
galhoito de accia
- Pode no acreditar mas haBia ocasiFes em ue uase lhe
pegaBa ao colo
uase lhe pegaBa ao colo& o abra@aBa& instalaBa-se na cama ao
seu lado Bigiando a trepadeira mais rpida com o Bento& garantia-lhe
- #ico consigo descanse
e um homeninho& distante embora& de chapKu na cabe@a
Qno um chapKu de palha com cereas de eltroS
um homeninho de chapKu na cabe@a a umar no ponto& de
manh as ondas transparentes na muralha& limpas& os desperdRcios
Binham com a enchente encalhar nos cani@os& lembro-me de um pato
numa ilhota de lodo& com uma das ancas uebrada& a grasnar& no dia
seguinte& com o Nm da ilhota& o pato deBe ter-se aundado ou ento
os Ncram numa cru& de pauinhos& mal dela
- #ico consigo descanseo grasnar diminuiu& acabaram-se os solu@os da garganta ue se
abre e se echa& a Biinha de toldo
- $o bebe o seu licor senhora=
o clice numa bandea com um guardanapo bordado& demasiado
a@Jcar& um sabor de canela& o retrato do meu pai& desses de
photoma-ton em ue a pessoa engorda nuns sRtios e emagrece
noutros& sobre o aparelho de rdio U esuerda de um Baso de esmalte
com um crisWntemo ou isso e eu a dar-me conta ue BocV morto denoBo& a enBergonhar-me de propósito& a humilhar-me apesar de ser
preciso encostar o nari para o reconhecer& notaBa-se ue o meu pai
pela curBaita do ueiCo& a Biinha numa satisa@o melancólica
- Est mesmo ele no est=
e no estaBa mesmo ele K óbBio& estaBa o estranho ue o meu
marido encontrou num cubRculo da hospedaria da ;ra@a
Qaposto ue nem seuer um uarto& uma toca de bicho& um
buraco de ratos& as urnas dos pedintes em ue trapos& gargalosS
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e no sei por ue bulas decidiu ue o meu pai& pegou no ineli
- AdiBinha o ue lhe aconteceu
e trouCe-o a arrastar as pernas pelo corredor da penso& o
mesmo ineli ue aos domingos
Qa Biinha de toldo
- Aos domingos Ramos a *intra senhoraS
o mesmo ineli ue aos domingos em *intra mais a Biinha de
toldo& pasmando com as accias
Qa miniatura de aBio& o galhoito de accia& as ninharias de ue
se orgulhaBa& a patetaS
os dois totós auecendo-se ao sol num banco de esta@o ou
obserBando ramos nos muros
Qcinuenta e dois anos a obserBarem ramos nos murosS
a Biinha a mostrar-me postaiitos de capelista tirados um a um
da gaBeta da coinha& o Palcio da <ila& o castelo dos mouros& ontes&
penhascos& chaleinhos perdidos
- amos a *intra senhora
BocV ue na nossa companhia um passeio ao >eato e est&
recordo guas paradas& uma montra de otógrao com bebKs enoiBas& o meu pai para a minha irm a designar-lhe passarocos
- Olha as noiBas a seguirem as traineiras auel
e Bai na Bolta
Qtinha de ser assim no era pai=S
ele todo galante em *intra com a Biinha de toldo& este K o
castelo dos mouros& este o palcio da Bila enuanto para a amRlia
hortainhas& um come@o de proBRncia entre becos de pobres
- Morei auio dono dos bebKs e das noiBas
- Pimpolho
um telo com uma bicicleta de rodas desiguais
Q- EnNa o pesco@o no buraco pimpolhoS
ue ninguKm pedalaBa& a minha me a esmiu@ar negatiBos onde
antasmas& no pessoas& com o branco e o preto ao contrrio& ei@Fes
pretas& roupas de apari@o ue TutuaBam
- $o acredito nisto
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se o dono das noiBas me tirasse o retrato eu um espectro como o
meu pai agora& o ato branco& as mos pretas& ossos pretos tambKm
ue regressaBam U tona como os ossos dos machos& umas costelas&
umas BKrtebras& seiCos de tRbias& BocV& incapa de um passo&
suspenso dos Barais a tremer& pedir U rapariga das tran@as ue me
ensine a apertar os lbios para no chorar
- Ensine-me a apertar os lbios depressa
de maneira ue ugi dos telFes uando o dono dos bebKs -Anda
c
a apontar-me uma muina& as noiBas& casadas nas otograNas e
BiJBas nos negatiBos& amea@ando-me com os bicos
- %oma cuidado com a gente
as restantes a gritarem l ora sempre ue uma traineira ou um
homem& alguma Be o atacaram pai& o morderam& depois da igrea
com a minha me ela e-lhe mal diga-me& a minha me a agitar as
asas do BKu
- %oma cuidado comigo
depois da igrea com o meu marido eu aTita
- E agora=isto num hotelinho do norte& granitos& pinheiros& era o granito
ue ciciaBa& os pinheiros calados& toda a noite o granito
ue eu bem o entendia aBisando& preBenindo& com brilhoitos de
mica aui e acol conorme as lues na serra
Qaldeias talBeS
o meu marido echou a anela e o granito em silVncio& Tores
enormes& amarelas& numa pintura do uarto& estranhaBa os tons& a
mobRlia& a disposi@o dos obectos& o segundo andar do ardim+onstantino remoto com os seus mistKrios amBeis& ruRdos sem
maldade& sombras minhas Rntimas ue conhecia de cor& a minha
sombra& obediente& um co com ue eu brincaBa& Bai-te embora& Bem
c& enrola-te nos meus tornoelos& passa para a rente de mim e no
a achaBa no hotel& se assobiasse
- Onde ests=
no a sombra a lamber-me os tornoelos& tranuiliadora& amiga&
se ao menos a minha me a discutir com a minha irm no corredor
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- %o tarde
a urgoneta do ue trabalhaBa no mercado Us duas da manh a
caminho da lota& a buina para a esposa desdobrada em beiinhos c
em uma& o ue me pertencia e a ue me habituara& o ue me audaBa
a BiBer e em lugar disso granitos& pinheiros& o tanueito de
tartarugas na entrada a Nngirem-se coisas& se o meu marido
- Ento=
sou uma tartaruga& no oi@o& uma caiCa com patas para ali a
dormir
- $o me acordes agora
um ocinho no buraco de telo da casca& uma barbatana a
achatar-se no musgo
- Estou a dormir no BVs=
e aNnal to simples palaBra& o granito enganou-se& um assalto
rpido& um estreme@o e pronto& no Bale a pena apertar os lbios&
estou bem& as Tores enormes& amarelas& habituadas ao mundo&
diBertidas comigo
- +ustou=
se tiBesse alado com a minha irmQnunca alaBa com a minha irmS
talBe ela consentisse em dier no caso de pedir-lhe
- Por aBor di-me
no& tenho a certea ue a minha irm
- $o tenho tempo agora
mais noBa ue eu& mais airosa& argolas nas orelhas ue no me
atreBia a usar& os gestos dela a dan@arem& se a minha me
- Porue K ue te pintas assim=o nari no tecto
- $o me aborre@a deiCe-me
pintaBa-se& acho eu& para esconder os lbios apertados como os
da rapariga da otograNa& os meus apertados Us Bees se tinha medo
e tal& os dela apertados sempre
- %ens medo de chorar no K=
e a minha irm
- EstJpida
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colocar os meus lbios no baton
Q- Porue te pintas assim=S
para ue a minha boca Bermelha tambKm
Q- 9ueres ue as pessoas calculem ue no te educmos K isso=S
e no se notasse ue eu a apertaBa e apertaBa como a rapariga
das tran@as& pegar na caneca da minha irm& recuar dos caiCilhos
onde a minha bochecha um oBalinho mais claro
Quem se Bai interessar por um oBalinho mais claro& o meu pai
no& a minha me no& ninguKm& nenhum dos meus ossos surge U
tona da terra& BKrtebras& costelas& caulhauitos de tRbias& no se
percebia se a minha boca BermelhaS
pegar na caneca da minha irm e deiC-la cair
Qno bem deiC-la cair& og-la no choS
pegar na caneca da minha irm e og-la no cho& pisar os sinais
do baton& no cessar de pis-los& a cama do lado da minha me
Qno do meu pai ue no se interessa por mimS
uma guinada& um suspiro& a minha me no limiar da coinha& to
parecida comigo
Q- Hei-de apresentar-lhe a proessora de geograNa maeinhaescreBa os rios de Portugal de norte a sul por ordem com as cidades
onde desaguam e os lugares onde nascemS
na lentido& na gordura& a minha me a traer a Bassoura& os
peda@os de baton cintilaBam no escuro misturando-se com as olhas
do ardim +onstantino ue obedeciam ao Bento e aos ossos da lua
ue Bolta no Bolta regressaBam U tona& no BKrtebras& no costelas&
uma caBeira antiga& a minha um dia& a do meu pai ue dentro em
pouco& num interBalo de lpides& h-de principiar a surgir& no Bou aocemitKrio para no dar consigo na curBa de uma lea pesuisando
em torno& U procura
- <iste o problema das damas=
como se a caneta no bolso e os óculos no estoo& trouCe-os
comigo depois do uneral& mostrei o estoo U minha irm e ela
- O ue Bais aer com essa tralha=
recusou a caneta& o relógio& o No de oiro& a minha me toda
desgostos e len@os
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Q- A sKrio ue teBe pena ue o pai morresse me=S
- $o aceitas uma lembran@a do teu pai menina=
Q- Alguma Be ouBiu alar na hospedaria da ;ra@a na Biinha de
toldo nos rapaes de cabeleira posti@a=S
a minha me recolhendo os pedacinhos de baton na p&
perturbou-me a eCpresso dela
- +ala-te
no a ordenar& a suplicar
- +ala-te
Qaperte os lbios senhora como a rapariga das tran@asS
a al@a da camisa a descer-lhe do ombro
Q- Esconda o peito tenha modos mas no se encoste U porta no
tremaS
o ombro a tremer& o nari a tremer& num telhado das redondeas
um pssaro da noite ue chamaBa ou ento era a minha me a
tremer
Qera a minha me a tremerS
e eu durante anos to inusta consigo& no esconda a cara&
mostre-ma& uando era peuena e a achaBa a dormir sacudia-a&obrigaBa-a a olhar-me
- Me
com medo ue só o corpo ali& BocV no& dedos uietos& pKs sem
Bida& eu receosa de meCer-lhe dado ue se calhar outra pessoa& uem
me garante ue no outra pessoa no seu lugar& BocV no esses dedos&
esses pKs& outra pessoa e a outra pessoa
- 9ueres apanhar menina=
portanto tenha paciVncia& dV um eitinho& olhe para mim me&torne-se BocV de noBo& pergunte-me as horas& inuiete-se a mudar de
posi@o& a regressar sei l de onde
- %o tarde
de um sRtio escuro porue as pupilas demoraBam a descobrir-
me& o bra@o no acertaBa no despertador da cabeceira
Q- $o aR me mais acimaS
o despertador ue audo a segurar
- Espere antes ue escorregue eu entrego-lhe
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a minha me aBan@ando e recuando o mostrador atK enCergar os
ponteiros& ao enCergar os ponteiros a enCergar-me a minha& U casa& U
minha irm na sala& cheiro de cigarro& mJsica& a mJsica e o cheiro do
cigarro ue só agora a alcan@aBam& a minha me sentando-se na
cama a endireitar a al@a e eu para comigo
- Ainda bem ue teBe termos B l
reconhecendo o uarto a surpreender-me com a otograNa da
cómoda onde ela e o meu pai& a minha me grBida de mim& de
chapKu de palha com cereas de eltro
a minha me grBida de mim sem chapKu nenhum& o meu pai a
sorrir
QdeBe ser a Jnica otograNa onde o meu pai a sorrir e nem lhe
NcaBa mal& mais noBo& mais bonitoS
a minha me para a otograNa ou para o despertador ou para
mim
- %o tarde
ou sea a roupa por passar& as plantas ue no BVem gua h
uantos dias di-me& mais isto& mais auilo& o mKdico do teu pai& a
minha consulta do reumtico& nem tenho reparado nos acintoscalcula& eu rego-lhe os acintos me& aspiro-lhe a sala& no me d
trabalho algum& ue história K essa de trabalho& Nue aR uietinha a
descansar os ossos para ue no Boltem to depressa da terra& B-se
distraindo com a otograNa da cómoda em ue o seu marido sorri&
um marido pinoca senhora& uase um garoto& um pimpolho& olha ue
sorte& parabKns& onde arranou esse papo-seco& se eu Nsgasse um
igual punha-o U rKdea curta& no saRa soinho a no ser Us uartas-
eiras a seguir ao almo@o com os colegas do empregoQsempre K um entretKm desde ue se reormaram coitados&
Belhotes& com achaues& K a gaiteirice l delesS
num caeito da >aiCa& num restaurante em Almada& numa
esplanada em >elKm onde se BV o rio consoante ele gostaBa&
baruinhos& gaiBotas& um petroleiro talBe& o sueito no ponto de
chapKu de palha com cereas de eltro
o sueito de chapKu na cabe@a
- %rambolho
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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encarrapitado num rolo de cordas& o meu pai e os colegas do
emprego com as suas histórias da tropa& o dominó& as cartas&
diBertimentos do gKnero e ue outros podiam ter na sua idade& o
cora@o& os diabetes& as artKrias& o cKrebro ue conunde as pessoas&
se esuece& se apercebe de nós de repente
- Perdo=
a reconhecer-nos
Qainda nos reconhece& K uma sorteS
pedindo desculpa de no haBer entendido& a descobrir
- Esta K a minha esposa esta a minha Nlha mais Belha
a reconhecer-nos Us duas sem reconhecer a minha irm&
ranindo-se para ela
- Lembra-me alguKm pode ser no estou certo
de maneira ue se o meu marido
- AdiBinha o ue aconteceu ao teu pai & trata-se
Qacredite-meS
de uma piada& ual a sKrio senhora& ele no haBia nunca de nos
enBergonhar& humilhar-nos& deiCe-se Ncar deitada& tem tempo& nem
calcula o tempo ue temosQ- Onde oi buscar a ideia ue era tarde ue teima=S
todo o tempo para lacrimear com a otograNa da cómoda& BocV
grBida de mim& ele a sorrir& mais noBo& mais pinoca& uase um
garoto& um pimpolho& se por acaso mencionei uma hospedaria da
;ra@a& rapaes de cabeleira posti@a& a Biinha de toldo& reeria-me a
uma pessoa dierente& um amigo& um primo do meu marido ou ento
enganei-me& u tem& enganei-me& deiCe-se Ncar deitada sem se
incomodar com o re-ogio& no aperte os lbios senhora como arapariga das tran@as ue um tempo antes de o pai em casa& no
calcula o tempo ue temos& as toras ue lhe apete@a atK ue a chaBe
na porta e uando a chaBe na orta a sala aspirada& a roupa ue
passei& os acintos regados& uando o teu pai chegar
Qe Bai chegar& digo-lhe ue Bai chegar& o meu marido mentiuS
tudo em ordem& a mesa posta para a gente os trVs ue ele no
reconhece a minha irm nem precisamos dela& nenhum cheiro de
cigarro nenhuma mJsica a tocar& a gente os trVs satiseitos& U mesa&
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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BocV a a terrina& a serBir-nos
Qsempre gostou de serBir-nosS
a tirar as batatas& a carne& a perguntar
- Mais molho=
a despir o aBental porue um Bestido noBo
Qpraticamente noBo& com um ano ou doisS
o anel da sua aBó ue eu eCperimentei em garota e me dan@aBa
no dedo& o cabelo apanhado com um elstico& um gancho
Qo gancho de marNm
ou de osso subindo U tona da terra
ue deBia usar mais Bees porue lhe alegra as ei@FesS
a gente os trVs U mesa me& l ora os arbustos do ardim
+onstantino e no ligue ao despertador Bisto ue os ponteiros
mudam e diante de nós
Quro pelo meu NlhoS
todo o tempo do mundo.
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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QUARTA NARRATIVA
O meu marido aleceu h dois meses unto aos colegas do
emprego numa dessas uartas-eiras em ue saRa contra minha
Bontade e a Bontade do doutor para um caK nunca soube bem onde a
reunir-se com os outros& +ampo de Ouriue& >aiCa& ABenidas $oBas&
tenho ideia ue uma ocasio me alou na ;ra@a a propósito da
doen@a de um deles& um problema na anca obrigando-o a Ncar perto
de casa Bisto ue meia dJia de passos e a perna prendia-se& ainda
argumentmos& o doutor e eu& ue um problema na anca no era
nada comparado com o cora@o em papas e o a@Jcar do sangue& o
doutor gra@as a "eus competente preBeniu logo
- LaBo daR as minhas mos no me responsabilio
a minha Nlha mais Belha a cham-lo U raoO doutor laBa daR as mos no se responsabilia ouBiu pai=
e elimente ue a minha Nlha mais Belha se preocupa dado ue
a irm com o eitio ue tem no nos liga nenhuma& semanas e
semanas sem aparecer nem teleonar nem se ralar connosco isto
morando todos em Lisboa e como eu costumo aNrmar o ue seria se
BiBVssemos em cidades dierentes& espero por ela aos domingos&
ponho-lhe os talheres na mVs& a@o o coido ue gosta e nenhum
toue de campainha& nenhuns passos na sala& o coido a arreecer naterrina& o meu marido embora no dissesse nada sempre U espera da
Nlha& a chegar-se U Baranda Nngindo ue no se chegaBa U Baranda&
ia BeriNcar o tempo& buscar ualuer coisa uando no haBia nada a
buscar& endireitar a cortina ele ue nunca se preocupou com
cortinas& tudo isto calcule-se& na mira de a Ber no ardim
+onstantino& eCplicaBa-lhe ue uma inusti@a em rela@o U irm&
mostraBa-lhe ue a mais noBa& desde peuena& uma pessoa sem alma
e o meu marido ausente& perguntaBa-lhe
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- "e onde te Bem essa paiCo conta l=
e ele a poisar o guardanapo na toalha em silVncio& a leBantar-se&
a passar por nós e eu um obecto& um móBel
- $o eCisto pois no=
o meu marido a olhar para mim sem olhar para mim& a olhar
acho eu para um sRtio do passado onde um homem a umar sorria ao
seu encontro e ele a sorrir tambKm& mal o sorriso do homem
desaparecia o meu marido de regresso ao ornal& a minha Nlha mais
Belha a aconselhar-me por gestos
- $o o eCalte senhora o cora@o os diabetes
e uem se inuieta com o meu cora@o& os meus diabetes eu ue
desde o primeiro dia detestei esta casa& demasiadas sombras&
demasiados retratos& a muina de costura ue em determinados
momentos& sem ue perceba como& Bai picando o silVncio& aproCimo-
me e uieta& aasto-me e nas minhas costas o poc poc de noBo&
assusto-me
- $o do pela muina=
a minha Nlha mais Belha a auscultar o corredor primeiro e a
censurar-me depois- 9ue muina de costura me=
cochichando ao doutor enuanto o doutor guardaBa o aparelho
de medir a tenso
Qlembro-me do sol na Nta de mercJrio& em nenhuma parte do arr
dar salBo na Nta de mercJrioS
o doutor uma caneta para ela
Q- Acalma-te meninaS
e uma ordem para mim- $o leBe os dias echada distraia-se madame
e realmente deBia distrair-me porue desde o primeiro dia
detestei esta casa& a conBic@o ue pessoas ue no conhe@o
instaladas no so reproBando-me& por muito ue argumentem ue a
saleta Baia uma Belhota embrulhada em Cailes e mantas a admirar-
se para uma rapariga de pK
- +resceu tanto este ano o pimpolho
um sueito ue erguia um catraio no ar& lhe aia cócegas& o
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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largaBa no soalho a indignar-se com as mos na cintura
- Ests a rir-te de uV=
uma mulher de chapKu de palha com cereas de eltro
protestando comigo
- "este-me tanto trabalho
eu a dirigir-me U Belhota& ao sueito& U mulher& baiCinho para ue
o meu marido e a minha Nlha mais Belha no dessem por mim
- "eiCem-me em pa BocVs
ou sea o meu marido no ue no lhe a dieren@a& no se
preocupa
Qalguma Be se ter preocupado=S
no se alarma comigo& circula entre antasmas habituado a eles&
daui a pouco segundo o doutor ue paninhos uentes no usa e K
po po ueio ueio& um antasma igualmente
- A lei da Bida madame
esperando a Nlha
Qsem conessar ue esperaBa a NlhaS
na poltrona acol& a dos Cailes e das mantas& a Nlha ue desde a
sua toorte& sabendo-me soinha no meio dos reposteiros& das arcas&das cachas ue me no pertencem e bem tentam eCpulsar-me nem
uma palaBra& um recado& uma Bisitinha de cinco minutos
Qno pe@o muito ulgo euS
- +omo tem andado senhora=
uantas discussFes com o meu marido& era ela peuena&
tentando para seu bem ue abrisse os olhos& compreendesse
- %ens de ter mo na catraia
e em lugar de ter mo na catraia daBa-lhe dinheiro Usescondidas& conBidaBa-a para o circo& passeaBa-a& no lhe ralhaBa se
chegaBa tarde& sentia-o aTito na cama embora nem um som de
molas& apenas dedos ue torturaBam o len@ol e a boca redonda de
paBor
- A minha Nlha=
sentia-o sem palaBras
- A minha Nlha=
a BeriNcar o relógio no acendendo a lWmpada& girando-o na
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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direc@o dos estores na esperan@a dessa palide ue a noite tra
consigo permitindo-nos entender os obectos numa claridade Bioleta&
eu a pensar obserBando-lhe as manobras
- 9uem sou eu para ti no me mintas uem sou eu para ti=
BiBo contigo h tantos anos sem saber uem sou eu para ti ou
melhor sabendo ue no sou ninguKm para ti& para ti as tardes de
uarta--eira com os colegas& o >eato& as gaiBotas& recorda@Fes de
ue no alas& nunca
- A minha me isto
ou
- O meu pai isto
se me dirigia a ti o guardanapo na toalha& uma espKcie de
irrita@o ue no chegaBa a irrita@o
Qno te irritaBas com ninguKm& no te irritaBas comigoS
as pginas do ornal Boltadas deBagar atK ao problema das
damas
Qas brancas ogam e ganhamS
ue NtaBas sem o resolBer de caneta suspensa
QaNnal irritaBas-te porue a caneta suspensaSUs trVs ou uatro ou cinco da manh um barulhinho na porta& a
tua Nlha
Qno minha Nlha& a tua Nlha& uma Nlha só tuaS
a descal@ar-se no patamar tomando cuidado com as tbuas& se
eu pulo a Ngura desbotada& uma gargalhadita de desaNo& ela na
escola ainda& h to pouco tempo mulher& dormia de lu aberta com
medo dos gatunos e no entanto a aer-se de orte
Qeu aTita a aer-me de orte& K Berdade ue tinha medo dosgatunos& K Berdade ue na escola ainda& deiCaBa ue me agarrassem
ordenaBa-lhes ue me agarrassem& eu com dois ou trVs rapaes
ordenando-lhes ue me agarrassem e no sentia nada a no ser
desdKm& agarraBam-me e echaBa os olhos a pensar ue um homem
no o meu pai& um homem& o meu pai apertaBa-me os dedos no
circo& aia o ue lhe mandaBa e pronto& a pensar ue um homem& o
dos caBalos com plumas na cabe@a U roda na pista e ele a corrigi-los
com uma Bara& eu a pensar ue um homem a sKrio me agarraBaS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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a minha Nlha com medo dos gatunos& dos palha@os& do silVncio e
no entanto a desaNar-me& a aer-se de orte
- >om dia
cruando-se comigo uase a empurrar-me para beber gua do
arro diBertindo-se ue eu
- $o se bebe gua do arro
eu
- H copos no armrio menina
a gua
Qtremia tanto& elaS
a descer-lhe do ueiCo& a derramar-se no cho& se uisesse
bater-lhe prendia-me o pulso
- <ai arrepender-se me
mais alta ue eu& mais orte& a cara insistindo
- <ai arrepender-se me
uma crian@a uase& no uase& uma crian@a& h pouco tempo
para um canto
- Olhe isto
desde o primeiro dia detestei o ardim +onstantino& pessoas ueconhe@o reproBando-me por muito ue me demonstrem ue a saleta
Baia& demasiadas sombras& demasiados retratos& a muina de
costura& sem ue eu perceba como& ia picando a gente& aproCimaBa-
me e uieta& aastaBa-me e nas minhas costas o poc poc a tro@ar-me&
talBe ue noutra casa a minha Nlha obediente& no a puCar-me para
um canto
- O ue K isto=
resolBendo a Bida soinha& no me lembro do ue se passoucomigo
Qa irm mais Belha resolBeu a Bida soinhaS
uando ao olhar-me
- O ue K isto=
no sonhaBa o ue era isto& o meu corpo no mudara&
comparaBa-me no espelho e no mudara& talBe uns centRmetros& sem
ue me desse conta& nas ancas& no peito e contudo eCaminando
melhor nem seuer nas ancas& no peito& enganei-me& eCagerei& o meu
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corpo no mudara e se o meu corpo no mudou poruV isto& eu
echando-me com o meu segredo& to assustada& to tensa& sem
coragem de pedir
- Audem-me a entender o ue K isto
dobrando-me sobre mim mesma a medir uma gotinha de sangue&
no mais ue uma gotinha insigniNcante de sangue& se por acaso ao
cair uma erida na canela sangue tambKm mas dierente& outra cor&
outro cheiro e nenhuma erida na canela& no sei o uV em mim& ser
ue os animais tambKm& as oBelhas& as beerras& a gata ue tiBemos
um pinguito de meses a meses e ela agitada& impaciente& a ro@ar-se
nas cadeiras& a minha Nlha agitada& impaciente& eu sem uerer
- $o te roces nas cadeiras
no te agites& no te impacientes& no te ogues contra a porta
para sair de casa& uma Wnsia& uma ebre& uma surpresa ue te
aumentaBa os olhos e me alarmaBa a mim
- O ue K isto=
e a partir desse dia a descal@ares-te no patamar& a tomares
cuidado com as tbuas& se por acaso eu diante de ti com um chinelo
apenas desprendendo-me do teu pai a sacudir-lhe o bra@o- $o me impe@as de educar a minha Nlha no te ponhas nunca
entre nós
um desaNo uase em lgrimas& uma coragem ue se dissolBia
- <ai arrepender-se me
ou sea mais um instante& uma uesto de segundos e a minha
menina de noBo& a ue tiBe& a de uem gostei& nas primeiras semanas
o cabelo loiro& aos cinco meses um dente& eu eli
- ,m dentea passar-lhe o indicador na gengiBa e ela a chupar a unha& a
reconhecer-me ue eu bem daBa conta ue me reconhecia
- O meu bebK reconhece-me
a minha crian@a& a minha Nlha
- Pegue-me ao colo me
ou sea repare no meu cabelo loiro& conBoue as Biinhas
- O cabelo dela loiro notaram=
BocV orgulhosa senhora& contente
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- O cabelo dela loiro
nas pessoas ricas o cabelo loiro& nas pessoas pobres escuro& liso&
sem caracol algum& os olhos no castanhos& Berdes& no castanhos
- $o eram Berdes me
no teime ue so Berdes& no acredite ue so Berdes& so
castanhos
- Pode ser ue castanhos com uma pintinha de Berde
e nem uma pintinha de Berde& pintas castanhas& no olhos de
pessoa rica me& desculpe& mas a@a-me U mesma um caracol com o
pente& passe-me o indicador na gengiBa
- ,m dentito
no se aaste de mim e embora a minha Nlha pedisse
- Pegue-me ao colo me
embora
- $o o colo do pai me o seu colo
a beber gua do arro& artei-me de lhe ensinar ue h copos no
armrio& abres o armrio& tiras um copo& Bertes o arro no copo e
ento sim bebes& artei-me de lhe ensinar maneiras& bem tentei
educ-la sem gritar e em lugar do copo de gua a descer-lhe noueiCo& a derramar-se no cho& a blusa torta& a pintura desbotada&
uma gargalhadita a emergir do embara@o& ela na escola ainda&
dormia de lu aberta com medo dos gatunos& dos palha@os& do
silVncio e contudo
- $o me aborre@a me
atK hoe
- $o me aborre@a me
e suponho ue o mesmo medo dos gatunos& dos palha@os& dosilVncio& toda a noite os candeeiros acesos porue toda a noite um
palha@o ue or@aBa a porta& entraBa
Qo meu genro
no Bou alar nisso
ue or@aBa a porta& entraBaS
um palha@o de perna cruada na sala& satiseito de si mesmo
- +unhadinha
cada Be ue o palha@o a alargar-se no so
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- +unhadinha
o meu marido mais undo no ornal
Qas brancas ogam e ganhamS
a cobrir os ouBidos com o problema das damas
- $o dei por nada
e o segundo andar do ardim +onstantino sereno outra Be& a
pa dos arbustos ue em certas alturas& no outono& me consolaBa de
tanta desiluso& tantos anos perdidos& me audaBa a acreditar um
bocadinho ue eu& ue o meu marido e eu& ue a minha Nlha mais
noBa
Qa mais Belha elimente nunca me deu problemas& o meu genro
sim& sem respeito por nós& sempre pronto a tro@ar& a amesuinhar-
nos& no percebo o ue a minha Nlha mais Belha Biu nele& uando a
aBisei eCplicou-me
- H- de mudar me
e no mudou K lógico& instalaBa-se no so
- +unhadinhaS
a pa dos arbustos em certas alturas& no outono& sugerindo ue
a minha Nlha mais noBa& o meu amrido e eu podRamos conseguir umaQcomo dier=S
uma espKcie de harmo
Qharmonia no& outra coisaS
uma espKcie de eli
Qno elicidade to poucoS
podRamos conseguir ue os anos ue nos alta BiBer no
doessem& gostaBa de passear& distrair-me& irmos a Espanha por
eCemplo& a Paris comproBar o ue encontro na teleBiso& nasreBistas& o meu marido e eu de autocarro em Paris& um lugar sem
gaiBotas a bicarem a gente& daui a pouco nem os meus tendFes
sobeam Bisto ue a carne oi& uma simples cartilagem ue me
console
- *ou tu
gostaBa de alegrar-me com os netos& ue a minha Nlha mais
noBa casasse& "eus no me pode acusar de ser eCigente pois no& de
pedir muito pois no& apenas um lugar
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
http://slidepdf.com/reader/full/antonio-lobo-antunes-eu-hei-de-amar-uma-pedra 476/568
Qno tem de ser ParisS
onde as gaiBotas& distraRdas de mim& me deiCassem BiBer& depois
de arrumar o arro e limpar a gua do cho percebi ue a minha Nlha
mais noBa no uarto& aposto ue no deitada& a eCaminar ao espelho
a blusa torta& a mauilhagem deseita
- O ue K isto=
o meu marido na coinha comigo pareceu-me ue prestes a
alar& prestes
Qno estou segura Bisto ue com a lu apagada somente os
globos do ardim +onstantino ue no chegaBam auiS
a abra@ar-me& descobria-se o halo ue antecede a manh nas
chamimKs em rente& a nitide sem releBo dos obectos& um
automóBel na esuina& o tempo ue recome@aBa a trabalhar& o tempo
ue no recome@ou a trabalhar desde ue o meu marido aleceu h
dois meses e o genro ao teleone numa graBidade esuisita
- $o saia de casa antes de eu chegar.
como se eu saRsse de casa depois de eitas as compras& eu de
compartimento em compartimento com um espanador& um liBro de
receitas& um monte de roupa& enganando-me a mim mesma a Nngirue me ocupo& o meu genro ue atK ento daBa ideia de tro@ar-me
Qpiscar de olhos& risinhosS
pausado& solene& to próCimo do teleone ue aia parte de
mim& a Bo dele no no aparelho& na minha cabe@a
- Antes de eu chegar aR
isto Us cinco da tarde
QUs seis da tardeS
isto Us cinco ou Us seis da tarde porue nenhum relógio uncionacomo deBe ser& mentem-me& preNro guiar-me pelo comprimento das
sombras ou o sol nas copas ue me mentem tambKm& isto Us seis e
one da tarde
- $o saia de casa
como se uma senhora decente saRsse de casa Us seis e one da
tarde num andar em ue os retratos me Bigiam
- 9uem K ue pensas ue Ks=
eu no banuito da maruise& onde as criaturas da camilha no
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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podiam espiar-me& com um alguidar de aBas& o teleone Boltou a
chamar& um hiato do outro lado& uma pausa
Qa minha Nlha mais noBa=S
e adeus
Qia apostar& no me perguntem o motiBo& ue a minha Nlha mais
noBaS
eu de aparelho ao alto U espera enuanto o punho do ardim
+onstantino se apertaBa sobre mim& me prendia& tenho sessenta e
seis anos e de sJbito os sessenta e seis anos em cada uma das
minhas BRsceras& cada um dos meus gestos& o passado uma entidade
conusa& a Bista a enganar-se nas coisas& reBi a minha madrinha
incapa de alar& Ntando-me da cadeira no seu desinteresse Baio& o
teleone mudo& a campainha da porta muda& a muina de costura
Qe eu sem dar por ela h mesesS
no compartimento do undo& se osse espreitar aposto ue uma
criatura de chapKu de palha co cereas de eltro ue no sei como
entrou a ralhar
- A trabalheira ue me deste meu "eus
e atrs dela& a seguir a um cacto& o mar& ondas amarelas&brancas& Bermelhas& no auis& no Berdes& amarelas& brancas&
Bermelhas& uma enermeira para a criatura
- O ue estamos a inBentar agora ue no damos descanso Us
pessoas=
roubando-lhe o chapKu e desaendo-lhe as ondas com um gesto&
o meu genro de graBata preta na sala
Qno amarela& no branca& no Bermelha& no ondaS
nem um sorriso nem um cumprimento& por uma Be na BidaQe no era sem tempoS
alterando uma caiCinha de cobre na mesa Quma caiCinha e um
peda@o de corda num rochedoS e os bJios ue a minha Nlha mais
Belha coleccionaBa em %aBira& o meu genro tomando os bJios&
moBendo a boca& deiCando-os& recome@ando a torn-los& o meu genro
- +unhadinha
Qondas amarelas& brancas& Bermelhas& no auis& no Berdes& a
enermeira para a criatura
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- +ontinuamos a inBentar K isso=S
o meu genro
- +unhadinha
a enerBar-se& a corar
- Enganei-me
a procurar um discurso remeCendo os bJios& a caiCita de cobre
ue um amigo do meu pai me oereceu
- ,ma recorda@o
em papel doirado com uma Nta cor-de-rosa& uma libra num
enBelope l dentro
Qo som da libraS
e o meu nome no enBelope& ao bei-lo a agradecer um canto da
sua boca na minha e eu horroriada porue um Belho com um deeito
na rótula
Qmais noBo ue eu agoraS
a poisar o canto da boca na minha& desde ue a irm morreu um
gato apenas& no amarelo& no branco& no Bermelho& cinento&
passando num desliar de tecido a correr-nos nos dedos& impossRBel
estancar auela gua parda ue se reunia& eri@ando-se& sob umamesa& uma cómoda& a Bigiar-nos numa lentido em ue cresciam
unhas
Qpupilas ue nos rasgaBam mais ue as unhasS
e desde ento nunca me entendi com gatos& aueles olhos
egRpcios ue do ideia de me ir reBelar a mim mesma e se calam&
caudas ue se as acariciamos prolongam o corpo ao inNnito& o bra@o
ao aag-los continua atK deiCarmos de o Ber e ento os olhos
echados guardando-nos nas plpebras& no estamos aui& eCistimosdentro do gato& aemos parte dele& no somos& mostrem-me um gato
e eu aerrolho-me na copa& apaBorada& tenho medo& no uero& se o
amigo do meu pai antaBa connosco leBaBa um cartucho de restos&
espinhas& gordura
- OCal o gato no me alte
o gato a esposa dele
Qa me=S
nunca percebi se um gato se uma gata
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Qser ue as gatas como nós
- O ue K isto=
a mesma surpresa& o mesmo terrorS
o interesse do amigo do meu pai em mim& bochechas baloi@ando
no ueiCo costuradas de rugas& dedos ue tremelicaBam nos talheres
antes de se engancharem neles
Qe mesmo enganchando-se neles continuaBam a tremerS
o guardanapo a proteger a camisa
Qno o guardanapo& um len@o enorme ue retiraBa do bolso& no
supunha ue um len@o to grande lhe coubesse no atoS
o estore sem elstico de uma das plpebras mais tombada ue a
outra uase ocultando a pupila
Qocultando a pupilaS
a murmurar elogios ue me intrigaBam& uma tarde escreBeu-me
e no abri a carta& rasguei-a& o meu pai
- Ests a rasgar o uV=
e eu
- <ai arrepender-se me
Qa enermeira a sacudir a criatura& nenhuma onda a aBan@ar- %enho de me enurecer contigo=S
no& eu rasgando o ue haBia rasgado
- ,mas acturas uaisuer
Qa enermeira
- +ompreendes as complica@Fes ue arranas idiota=S
eu continuando a rasgar
- ABisos de pagamento recibos ninharias
e por mais ue rasgasse um pedacinhono tenho o direito de
e no tinha& um Belho de cinuenta e oito anos com um deeito
na rótula
Qsei ue no tenho o direito de am-laS
ao entregar-lhe os restos de comida
Qsobeos de borrego& batatas
Bitelo
sobeos de Bitelo& a enermeira para a criatura
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- $o tens emenda tuS
ao entregar-lhe os restos de comida a plpebra tombada a
Bibrar& um cochichoito
- "esculpe
e tanta solido& tanta tristea pareceu-me& o embrulho de
comida do gato entre nós
Qauele enoo de toucinho era da comida ou seu=S
passado uns tempos uma complica@o na BesRcula& a seguir ao
uneral Bisitmos-lhe a casa para alimentar o gato diluRdo nos
garraFes da despensa
Qchammo-lo e no BeioS
e topmos com dJias de cartas ue me no mandou& o papel
idVntico& a caligraNa a mesma
no tenho o direito de
o meu pai a estudar-me& a estudar as cartas& a estudar-me
melhor& a echar a secretria
se osse mais noBo e pudesse aceitar-me
eu por gratido& por no sei uV& porue tambKm eu& prestes a
responder- Aceito
o ocinho do gato surgiu da despensa no irado& BiJBo& um
cucoito de madeira piou BKnias de horas& cada hora um solu@o& deBe
ter sido o Jnico ragmento do mundo ue chorou por ele
- O desgosto do cuco a leBantar a asa num adeuinho l seu no
o anima senhor=
pratos com igreas pintadas& uma caiCa de ósoros
Qno de cobreSbilhetes de elKctrico& chaBes& o meu pai a alongar-se para as
chaBes& a aperceber-se de mim
- EstaBa a brincar
e a desistir das chaBes
Qno estaBa a brincar pai& era a sKrio& onde Ncaria o core=S
U cabeceira da cama a moldura da irm de plpebra tombada
igualmente a indignar-se
- 9ueriam o dinheiro do core BocVs=
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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o colarito dela
Qdemasiado ba@o para Baler alguma coisaS
numa ta@a de Bidro& a minha madrasta a eCperimentar o colar
BeriNcando-o no espelho
- 9ue tal=
apertando o echo na nuca e o echo a soltar-se& o gato pulou
paraaa cama e o colar no cho& a minha madrasta
- Assustei-me
deiCmos a anela aberta e talBe alguKm na rua& esta semana& a
próCima& se compade@a com o bicho ou pode ser ue Basculhe com
os crames os contentores da manh& atirem-lhe uma pedra& a@am
ugir aules olhos& as cartas continuaBam na secretria
no ouso entretecer a esperan@a
a menos ue algum parente depois de reunir os trastes haa
Bendido esse liCo& se por acaso eu
- Aceito
o colar perten@a minha hoe em dia& eu U espera do meu genro
com brilhos no pesco@o& no no ardim +onstantino& num uarteiro
melhorQondas amarelas& brancas& Bermelhas& no auis& no BerdesS
ediRcios altos& modernos& no comKrcios de ue ninguKm se
serBia& mulheres patrulhando sombras e a minha Nlha mais noBa
entre elas& o meu genro
- +unhadinha
no& o meu genro a abandonar os bJios& a eCibir a graBata
- deBe ter entendido
se pudesse recuperar as palaBras ocultaBa-as de mim& eu uepodia ter sido uma senhora
Qno tenho o direito de am-laS
e óias& cuidados& aten@Fes& de aBental no banco euilibrando o
alguidar& o meu genro& sem se alargar no so& a eCaminar o
rigorRNco& o ogo
Qno a eCaminar& pedindo auCRlioS
as rBores
Qocupadas com outro assuntoS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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nas uais nem uma olha o encoraaBa& o meu genro com pena
de num& do meu chapKu de palha com cereas de eltro de correr na
praia
Qa palma da enermeira na boca da criatura
- Acabou-seS
o meu genro a abotoar o casaco sobre a graBata preta e a seguir
a aboto-lo uma espKcie de beio ue no senti na bochecha& senti
ue a minha Nlha mais noBa
- Para uV tanto cheiro=
o meu genro
- AdiBinha o ue aconteceu ao teu pai
Qondas ama & branc & elhasS
o meu genro
- O seu marido
no para mim& a rase no alguidar
- %ome
no meio das aBas
- %ome
ou antes- *e lhe apetecer tome
ou antes
- %enha paciVncia tome
o meu genro
- O seu marido
regressando ao rigorRNco e ao ogo ue lhe no serBiam de
nada& U indieren@a das rBores
Qas olhas uietinhas& no& uma delas na terceira copa a soltar-se& a permanecer indecisa& a baiCar NnalmenteS
o meu genro despeitado com a m Bontade das rBores
- O cora@o do seu marido
nunca calculei ue algum alguidar pudesse ser to leBe mesmo
com
- O cora@o do seu marido
no boo e as artKrias do cKrebro& as Beias& os diabetes& o doutor
ue enrolaBa o aparelho da tenso
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- LaBo daR as mos no me responsabilio
o alguidar to leBe& deiC-lo no banco& desla@ar o aBental
Qo nó do aBental pesado& alguKm entende esta ironia=S
pendur-lo no gancho
Qse entenderem aprecio ue digamS
pedir
- ,m segundo
para mudar de sapatos& de roupa& o armrio ue se empenaBa
sempre acRlimo de usar& encontrei logo o Bestido sem escolher nos
cabides porue o Bestido a adiantar-se
- *ou eu
as meias em cima& no por baiCo das outras& o cabelo ue
obedecia U escoBa& nem uma troca num gancho& as minhas mos
Biam melhor ue os meus olhos& mais habituadas U casa& mais
rpidas& os olhos atrs delas deseando aprender ou nem seuer
aprender& aprender o uV& para uV& o ue haBia a aprender& os meus
olhos aceitando& a minha cabe@a aceitando
- Mudar de roupa
to simples& mudar de roupa somente& as mos decidiram- <ais mudar de roupa
e eu calada
- Mudas de roupa para sair
e mudo de roupa para sair& obede@o& as mos a aBaliarem
- >rincos no brincos=
a decidirem
- >rincos
e os olhos aceitam& brincos& no os do casamento& de coral& osgrandes& eu& ue gostaBa de me ter casado no padre& a segurar as
lgrimas na +onserBatória sem altar nem mJsica& um senhor de
aueto com pressa porue mais clientes U espera a mandar-nos
assinar o nome num liBro
- Ora aui est parabKns
a cumprimentar-nos e andor& móBeis desconuntados& a
bandeira& um escriBo a ler o meu nome to rpido ue deiCou de ser
o meu nome& eu
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- "e uem K esse nome=
o meu marido ue no encontraBa as alian@as nas cal@as&
apalpou algibeira& apalpou no colete
Q- Onde pus esta gaita=S
l descobriu o estoo elimente& ue drama& o conserBador
- *erBe-lhe de eCemplo para a próCima amigo
deu-me uma alian@a para lhe enNar no dedo& empurrei e moita& o
conserBador em erBuras
- <amos Ncar empanados=
a dor inteira do mundo no teria chegado para eCplicar o ue
sinto& nunca pensei ue o casamento osse uma coisa amarga& no
corredor editais& decretos& regueses ue carimbaBam testamentos&
um pedreiro entre dois andares esburacando tiolos a designar um
balde
- A cali@a cuidado
a mJsica do órgo ue eu sonhaBa um martelo a bater& a asma
da minha madrinha borbulhando o tempo todo& no meio das
borbulhas& a custo
- #elicidades Nlhae portanto no os brincos de coral& os grandes ue o
conserBador
- %anto luCo para uV=
da mesma orma ue o penteado para uV& a minha madrinha a
Basculhar o porta-moedas
- Acho ue para o cabeleireiro chega
espreitei o porta-moedas e no sobrou um tosto
Qpraticamente no sobrou um tostoSas borbulhas da asma
- #ica-se a deBer deiCa l
QtiBe sorte em BiBer consigo& senhoraS
por conseguinte no os brincos de coral Bisto ue sempre& ao
dar por eles
- A cali@a cuidado
o martelo a sublinhar-me os passos a caminho da rua& escadas
Belhas& escuras& uma cigana num degrau a estender um tachinho
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- ,ma esmola senhora
sem ue lhe tiBesse reparado no co em cuo pesco@o em Be de
trela um peda@o de corda
Qno rochedo um peda@o de corda& uma caiCinha Baia& a
enermeira
- Xs de or@a palaBraS
no os brinco de coral do casamento madrinha se K ue oi
casamento
Qondas amarelas& brancas& BermelhasS
- A cali@a cuidado
as pKrolas peueninas ue me oereceu uando N Binte anos e
traiam por engano a etiueta do pre@o& eCibi-lhe a etiueta
- %o caro=
a minha madrinha num assobio dos pulmFes
- #ica-se a deBer deiCa l
eu a conecturar como conBenceu o ouriBes senhora e enuanto
pensaBa
- +omo conBenceu o ouriBes=
a apertar a rosca no espigo uatro& cinco& seis Boltas enuantoo meu genro ao teleone na sala
- $o calculaBa ue a Belhota reagisse to bem
e pelo tom de Bo compreendi ue no para a minha Nlha mais
Belha& para a minha Nlha mais Belha a despachar& para a ue no
gosta de mim& a ue no se rala connosco
- $o calculaBa ue a Belhota
o ardim +onstantino tranuilo
Qnenhum pardal& nenhuma ebre nos canteirosSa Belhota no& eu no uma pessoa& um corpo ue uncionaBa sem
mim& se eCprimia sem mim
- <amos l
as otograNas da camilha& a rapariga das tran@as& o militar& os
outros& no hostis& amBeis
- $ecessita de auCRlio madame=
os reposteiros& os bibelots& a mobRlia amBeis tambKm& a casa ao
Nm de tantos anos de me magoar
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- <ocV K uma estranha
me tratar mal
- +ale-se
amea@ar-me com correntes de ar& ralos ue entupiam de
propósito& isueiro do esuentador
- $o trabalho
a procurar agradar-me alargando a passagem& nenhum prego
BingatiBo& nenhuma alha no mogno
- O ue lhe or Jtil madame
a casa a conessar-se minha agora ue no precisaBa dela& ue
me importaBa a casa
- $o preciso de ti
o segundo andar do ardim +onstantino no calculaBa ue a
Belhota reagisse to bem& o meu corpo a caminho do BestRbulo onde o
bengaleiro com o sobretudo do meu marido em ue um dos botFes ia
pendendo do No& ao cruar o sobretudo
Qpara alKm do boto ue pendia uma crosta no ombroS
o corpo a despedir-se
- Adeusno patamar& no capacho& nos degraus mais gastos no meio
Qna +onserBatória os degraus mais gastos no meioS
e o ue me Binha U cabe@a eram decretos& portarias&
testamentos& no preocupa@Fes nem ma@adas
- <amos escolher ue igrea para o Belório=
nem cemitKrio nem urnas& o pedreiro
Que no usaBa alian@aS
esburacando tiolos entre dois andares a anunciar- A cali@a cuidado
aastando a gente de um balde& um martelo& ue no echaBa um
esuie& empurrando uma espKcie de alaBanca ou de prego& o ue me
Binha U cabe@a era o meu marido a enganar-se na alian@a& o
conserBador unto U bandeira e ao escriBo
- <amos Ncar empanados=
a minha madrinha ue aleceu sem se dar conta& respiraBa na
cadeira e embora nem ela nem eu nos apercebVssemos deiCou de
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
http://slidepdf.com/reader/full/antonio-lobo-antunes-eu-hei-de-amar-uma-pedra 487/568
respirar& continuou a BiBer um bocadinho e apesar de continuar a
BiBer entendi ue me comunicaBa
- Morri
eCactamente assim& no eCagero nem isto
- $o h aar Nlha morri Ramos a alar de uV=
as pupilas demoraram a apagar-se& tiBe de lhe carregar nas
plpebras& aud-la a ir desistindo e pronto& o meu genro
- *ente-se bem senhora=
como se
- *ente-se bem senhora=
signiNcasse
- *ente-se bem senhora=
uando na realidade signiNcaBa ue ele
- %enho medo
no haBia compreendido e era isso coitado& como podia no
compreender <irgem *anta& o meu genro atrs de mim
Qo martelo a esburacar a paredeS
no temor de alecer igualmente& escadas Belhas& escuras& a
cigana Qo meu genro estendendo-me o tachinho- ,ma esmola senhoraS
sem ue eu tiBesse reparado no co em cuo pesco@o& em Be de
trela& um peda@o de corda
Qum peda@o de corda& uma caiCinha Baia& acho ue um cacto
num muro& uma arBKloa& ondas amarelas& brancas& Bermelhas& a
enermeira a sacudir no sei uem
sei uem& a criatura de chapKu de palha com cereas de eltro
- Xs de or@a carambaSo meu genro no temor de alecer igualmente& era isso
pobreinho
- $o calculaBa ue a Belhota
no a Belhota& ele& a Belhota reage descansa consoante a minha
madrinha reagiu& ualuer coisa ue se aparentaBa a uma despedida&
um sorriso
- A gente encontra-se por aR no te rales
e claro ue nos encontramos por aR& temo-nos encontrado por aR
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
http://slidepdf.com/reader/full/antonio-lobo-antunes-eu-hei-de-amar-uma-pedra 488/568
no temos& sempre ue topo com os brincos de coral BossemecV
- Ora BiBa
sem se importar com o pre@o
- #ica-se a deBer deiCa l
e como eCplicar isto tudo ao meu genro& como seren-lo o ineli
Qele para a minha Nlha mais noBa& no diBertido& incapa de
- +unhadinha
ou de se alargar no so
- $o se d uma beioca ao rapa cunhadinha=
ele em Wnsias
- AdiBinha o ue aconteceu ao teu pai
os lbios mudos repetindo& insistindo
- AdiBinha o ue aconteceu ao teu paiS
como eCplicar ao meu genro ue no K diRcil& no custa& pode
mentir-me& no tem importWncia
- O doutor acha ue talBe
as ondas amarelas& brancas& Bermelhas& uma após outra& to
rpidas& e o ato dele preto& a graBata dele preta& a minha Nlha mais
noBa em casa soinhaQ- O teu paiS
escutando os caBalos do circo ue galopaBam U roda& durante
horas a No galopariam U roda& no palha@os& caBalos ue estacaBam&
mudaBam de sentido& prosseguiam de penacho na cabe@a o seu
galope U roda& a minha Nlha mais noBa a apertar sete& one& cinco
Bees os dedos no apoio da cadeira sem ue o apoio da cadeira lhos
apertasse de Bolta& todas as lues apagadas
Qela com tanto receio dos palha@os& do silVncioSa minha Nlha mais noBa de oelhos na boca
Qno minha Nlha& tua Nlha& uma Nlha só tuaS
sem preciso de descal@ar-se no patamar& tomar cuidado com as
tbuas& se de repente eu diante dela só com um dos chinelos&
desprendendo-me do meu marido a sacudir-lhe o bra@o& a blusa da
minha Nlha torta& a pintura desbotada& uma gargalhadita de desaNo a
emergir da Bergonha& ela na escola ainda& h to pouco tempo
mulher& a aer-se de orte
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- >om dia
no& ela U minha espera no porto do hospital unto aos
canteiros de Tores& nessa do@ura de proBRncia ue os hospitais tVm
sempre
no& ela U minha espera U entrada da morgue sem do@ura de
proBRncia nos canteiros de Tores& um ediRcio com um arco U entrada&
uma das anelas abertas e na anela ninguKm& o algero descolado
Qo ue me lembra K o algero descolado& se me ordenassem
escolhe uma coisa apenas escolhia o algero descolado& o
conserBador de uando me casei
- <amos Ncar empanados=
e o algero descoladoS
um ediRcio numa espKcie de traBessa com hera sobre um
gradea-mento
Qno acciasS
onde no poisaBam os pombos& a minha Nlha mais Belha a
dirigir-se a mim
Q- $o calculaBa ue a Belhota reagisse to bemS
com o meu neto ao colo& nenhum pedreiro a esburacar tiolos- A cali@a cuidado
nenhum balde& nenhuma cigana& nenhum martelo a bater& uma
mulher mais idosa ue eu& mais curBada
Qeu no curBadaS
a subir a traBessa enuanto eu pensaBa ue deBia ter arranado
o cabelo
Q- %enho dinheiro para pagar no se inuiete madrinhaS
posto os brincos de coral& os grandes& uns sapatos alegres& umaroupa bonita para ue as minhas Nlhas contentes& orgulhosas de mim
Qum dia a minha Nlha mais noBa& mesmo ue o no conesse&
orgulhosa de mimS
sete da noite na achada da morgue ou sea um losango de
sombra na parede lateral logo abaiCo do telhado engolindo uma
Baranda& duas& ,ma terceira Baranda
Qa Jnica com persianaS
onde um tudo de TJor& incapa de acalmar-se
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Qum tubo de TJor=S
pestaneaBa no tecto& o arco da entrada aproundaBa-se e para
alKm do arco& ainda ao sol& uma cabine de Bidro em ue dois
empregados& um dentro e outro ora& se riam& uma urgoneta
Bermelha
Qondas amarelas& brancas& BermelhasS
caBalgando o passeio& a minha Nlha mais Belha prestes a
abra@ar-me e desistindo de abra@ar-me& as mos aproCimaram-se de
mim& aumentaram
Ql estaBa a cicatri de uando se cortou em %aBira& um gargalo
acho euS
suspenderam-se um instante e ao irem-se embora eu a dier-lhe
no utiliando palaBras
QBoes ue principiam antes ue a boca se moBaS
- $o chores
Qse eCtinguem apesar dos lbios aindaS
a noite da achada da morgue na minha Nlha mais Belha
tambKm& o tubo de TJor& inteiro& iluminando em redor TorFes de
estuue& a@aates& a minha Nlha mais noBa nem um cumprimento& um- *enhora
arredada da gente& aposto ue apertando os dedos sete& one&
cinco Bees a inormar para dentro
Qe eu a dar por elaS
- Apertei sete one cinco Bees no Biu=
amuada por os dedos se deslocarem em Bo& o meu genro a
conBersar com os empregados da cabine de Bidro ue lhe
respondiam osse o ue osseQo do interior da cabine a segurar-lhe o cotoBeloS
apontando um carta& prolongado por uma seta& a ue altaBam
letras& um terceiro empregado com um carrinho de limpea& mais
peueno ue os colegas& daBa ideia de emend-los sugerindo o
sentido oposto com uma espKcie de ancinho& o meu genro designou-
nos de longe
Q- $o calculaBa ue a Belhota reagisse to bemS
e os empregados Boltaram-se sem curiosidade para nós& o mais
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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peueno largou o ancinho e desta eita a Bo do meu genro no
precedia os lbios& nenhum som seuer& apenas a graBata preta
- +unhadinha
os candeeiros da traBessa acendendo-se um a um de inRcio&
todos untos depois e dei-me conta ue a noite da morgue me
dissolBia a mim& sobraBa a minha Nlha mais noBa encostada a um
tronco ou a beber gua do arro
Q- H copos no armrio meninaS
gua no ueiCo& no cho& se eu um gesto
- $o me aborre@a me
no& a minha Nlha mais noBa encostando-se a um tronco
arredada de nós a encolher os dedos sete& one& cinco Bees contra a
casca da rBore& deu-me ideia ue
- Pegue-me ao colo me
e no
- Pegue-me ao colo me
caBalos ue giraBam na pista& estacaBam de sJbito& giraBam de
noBo& haBeriam
Qpresumo euSde girar muito tempo com um penacho ou assim e o despeito da
minha Nlha mais noBa& de oelhos na boca
- Porue K ue oi o meu pai em lugar de BocV no se atreBa a
tocar-me
no& a minha Nlha mais noBa no se incomodando connosco&
incomodaBa-se consigo mesma& to egoRsta& to pouco amiga da
gente& o meu genro Bindo do arco& completamente inBisRBel com o
aBan@o da itiueta& onde os TorFes do estuue teimaBam l em cima&cor de gesso
Qno cor de gesso& pardosS
a@aates& releBos& cornucópias de rutos& o meu genro com uma
senhora de bata& de sorriso debru@ado
Qmesmo de graBata preta& carambaS
para a senhora de bata
- +unhadinha
no& o meu genro para mim
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
http://slidepdf.com/reader/full/antonio-lobo-antunes-eu-hei-de-amar-uma-pedra 492/568
- "aui a meia hora entregam-nos o seu marido
ue aleceu h dois meses& unto aos colegas do emprego& numa
dessas uartas-eiras em ue saRa contra a minha Bontade e a
Bontade do doutor a reunir-se com os outros num caK ualuer
nunca soube bem onde& +ampo de Ouriue& ABenidas $oBas& um
bairro desse gKnero com prKdios em ue gostaria de morar em Be
do ardim +onstantino to desmantelado& to eio& tenho ideia ue
uma ocasio me alou na ;ra@a a propósito da doen@a de um deles&
um problema na anca obrigando-o a Ncar perto de casa Bisto ue
meia dJia de passos e a perna prendia-se& ainda argumentmos& o
doutor e eu& ue um problema na anca no era nada comparado com
o cora@o em papas e o a@Jcar do sangue& o doutor gra@as a "eus
competente preBeniu logo
- LaBo daR as minhas mos no me responsabilio
a minha Nlha mais Belha a chamar o meu marido U rao
- O doutor no se responsabilia ouBiu pai=
ele no problema das damas do ornal
Qas brancas ogam e ganhamS
sem atender U gente& uando as brancas ganhaBam guardaBa acaneta no casaco& permanecia a Ntar a pgina sem a ler e ulgo ue
continuaBa a Nt-la sob o tecto de estuue& os TorFes& os releBos& um
pombo tresnoitado cruou o arco a chorar& no imaginaBa ue os
pombos solu@os e no entanto K Berdade& cruou o arco a chorar& a Bo
do meu genro antes dos lbios
- +unhadinha
no& a Bo do meu genro a incomodar-se comigo
- Em Be de Ncar aui no lhe apetece descansar ou esperar porele na igrea=
esperar por uem na igrea senhor& ue história K essa de igrea&
o meu marido com os colegas do emprego em +ampo de Ouriue&
nas ABenidas $oBas& pode ser na ;ra@a
Qondas amarelas& brancas& BermelhasS
pode muito bem ser ue na ;ra@a deriBado
Qcereas de eltro& ue K das cereas de eltro& proRbo a
enermeira de me interromper agoraS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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deriBado ao colega doente& ao problema na anca
Qulgo ue ui clara& proRbo ue me interrompam agoraS
U diNculdade em andar& pode muito bem ser ue num caeito da
;ra@a
Qh-de haBer caKs na ;ra@a penso eu& o ue no alta nesta
terra K misKria e caKs
caKs& no bares& no hospedarias& caKs& ue bares ue
hospedarias& ue Biinhas de toldo& o ue no alta nesta terra K
misKria e caKsS
o meu marido com os colegas do emprego no caeito da ;ra@a
isto K um largoinho a seguir ao miradoiro& aos bombeiros& no sRtio
em ue os elKctricos uma curBa a gemerem& a trepadeira
Qno solu@os de pombos& no a minha Nlha mais Belha& a minha
Nlha mais Belha
- Me
no sRtio em ue os elKctricos uma curBa a gemeremS
no sRtio em ue os elKctricos uma curBa a gemerem a trepadeira&
o caK
Qa hospedariaSo caK digo eu com os colegas do emprego em ue o meu marido
aleceu h dois meses& conBersaBa com os compinchas
conBersaBa com os compinchas& no me interrompam& proRbo-
Bos& uando uma dorita
Qo doutor
- LaBo daR as minhas mos se uma doritaS
a minha madrasta por eCemplo um encolher de ombros se tanto&
uma pausa& eu a perguntar com a testa mal a pausa acabou- $ada de especial morri estBamos a alar de uV=
e no alta contar muito& escusam de me aer sinais& colocar a
horiontal sobre a mo Bertical& bater o polegar no relógio de pulso
um minuto se tanto& estou no Nm& no demoro& contar somente ue o
meu genro
- *ente-se bem senhora=
como se precisasse da compaiCo dele& no preciso& a minha
Nlha mais Belha
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- Me
como se precisasse do interesse dela e no preciso igualmente
dado ue o amigo do meu pai& um Belho de cinuenta e oito anos com
um deeito na rótula& to dedicado& to atento
sei ue no tenho o direito de am-la
o amigo do meu pai num cochicho
- "esculpe
para ue o meu pai e a minha madrasta no atentassem nele& o
amigo do meu pai
- *e osse mais noBo e pudesse aceitar-me
e eu por gratido prestes a responder
- Aceito
eu agora ue sou BiJBa& estou soinha
- Aceito
eu no segundo andar do ardim +onstantino& sem ligar ao militar
da camilha e U rapariga das tran@as
- Aceito
enuanto a minha Nlha mais noBa leBa os oelhos U boca no&
enuanto a minha Nlha mais noBa me aperta os dedos sete& one&cinco Bees com or@a& o cabelo dela a ro@ar-me no peito
Quase loiro em peuenaS
e lhe garanto
- $o h aar
sentando-a melhor no meu colo para ue possa dormir.
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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QUINTA NARRATIVA
*obretudo no podes cair na asneira de te enerBar& perder a
cabe@a& hesitar& comoBer-te& sentir dó de ti mesma& tens de estar
Qde Ncar& de tornar-te=S
spera& indierente& tranuila& consolar-te pensando ue K uma
uesto de minutos& no muitos& trVs ou uatro se tanto& um
bocadinho apenas& um Jltimo esor@o e acabou-se& nem a anela se
distingue depois& a sala um reTeCo de coisas mortas& obectos
mortos& de imediato essa claridade Binda no se sabe de onde& da rua
talBe& de uma Baranda ue se no percebe e contudo eCiste
escondida& disar@ada de parede com os seus uadros e os seus
móBeis numa das paredes ue te cercam e no entanto& apesar dos
uadros e dos móBeis& uma rBoreQuma Jnica rBore& sem nome& um ou dois telhados embora no
Os daui& os de outrora ue ulgBamos perdidos e aNnal regressamS
de imediato& após o Jltimo esor@o& a claridade ba@a de poeira
dos compartimentos ue ninguKm habita e onde um Biinho& a
polRcia& os bombeiros caminharo a medo& se calhar com uma
lanterna& procurando-te& uer dier tu no Bers
Qainda ue sentada no so no BersS
mas a lanterna U rente& a luita da lanterna antes da lanterna&um cRrculo claro& mais oBal ue cRrculo& aBan@ando para a direita e
para a esuerda& cauteloso& no cho& eCplorando os tapetes& as
cadeiras& a escriBaninha de antiurio& cheia de gaBetas e mistKrios&
ue desde h meses decidiste trocar por uma Toreira e no trocaste
nunca& a escriBaninha a ueiCar-se
- Eu destoo
portanto amanh ou uinta-eira& seCta-eira no mCimo& sem
ue te diga respeito porue com o Jltimo esor@o& consoante prometi&
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acabou-se& gente no patamar& conBersas& reconhecerias somente os
passos e a Bo da porteira pela primeira Be sem ralhar com o Nlho a
propósito de lama nos sapatos ou de plantas arrancadas do trio& a
porteira& de ue te habituaras aos gritos& numa espKcie de cochicho
alarmado e as restantes Boes& os restantes passos& de estranhos&
uma conerVncia& uase em segredo tambKm& de criaturas diBersas&
terminada a conerVncia uma delas& ue discordaBa ou concordaBa& a
calar-se& silVncio
Qa sala um reTeCo de coisas mortas& obectos mortos& peuenos
charcos de lRuenes& a anela sumida
haBer uma anela& ter haBido uma anela=S
no silVncio em ue respira@Fes
Qno a tuaS
as patas do coito trVs andares acima& rumor de nuBens l ora&
isto K& como sempre com as nuBens& um atrito de cordas e lonas
atraBessando em diagonal o Bento& um arame
Qou sea o ue or no gKnero de um arameS
a insistir na echadura rompendo-a& lacerando-a& buscando
Qencontrou-a e perdeu-aSa linguetaita do trinco& numa das nuBens& uase unto ao
prKdio& as tbuas mal austadas do conBKs ue os tripulantes
compensaBam ogando baldes de ar da amurada& alguKm no patamar
- $o sentem este cheiro=
e adiBinhaBam-se& para alKm do cansa@o da nuBem a tentar
escapar-se das chaminKs do bairro& deenas de naries
- +haieros=
bisbilhotando sombras& o arame enganchou na linguetaita&percebeu-se uma bola nos degraus tocando-os um a um num Ciloone
de saltinhos& o som de uma Bassoura num corpo U medida ue a bola
diminuRa e o Nlho da porteira
Q- $o tiBe culpaS
a chorar& a lingueta terminou por desistir num estalido de galho
Qlembras-te de os pisares U ida para a escola nas manhs em ue
choBeu no ardim +onstantino& da madeira molhada ue demoraBa a
uebrar-se=S
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a bola algures no trio e como tu em pa& a porteira aBan@ando
para o interior da casa& mais passos& mais conBersas& proBaBelmente
os bombeiros& a polRcia& o Biinho adBogado a deliberarem indecisos
na esperan@a ue o teu apartamento agora aberto
Qum Wngulo de mesa& uma arra e todaBia o uV e em ue sRtio
no contando com a mesa e a arra=S
lhes respondesse por ti deriBado ao acto de nenhuma resposta
salBo uma suspeita de coisas mortas& obectos mortos& essa claridade
Binda no se sabe de onde
Qa rua& uma Baranda escondida=S
em compartimentos ue ninguKm habita& o cRrculo da lanterna&
mais oBal ue cRrculo& para a direita e para a esuerda& cauteloso& no
cho& eCplorando tapetes& cadeiras& a escriBaninha de antiurio
echada e no interior da escriBaninha um parauso enigmtico&
encontrado no soalho& ue nunca entendeste a ue gono ou
aparelho elKctrico pertencia& de tempos a tempos eCaminaBas o
parauso& grande& sem errugem& com o seu aspecto Jtil& procuraBas
um lugar ue se austasse e os gonos e os aparelhos elKctricos
completos& tornaBas a guard-lo intrigada& um obecto morto a untar-se Us dJias de obectos mortos ue te cercam& o cheiro
Q- $o sentem este cheiro=S
no teu& do canteiro do prKdio& por eCemplo& ue regado
aumenta e nenhum cheiro agora& na sala de repente acesa homens
Qtirando o adBogado do seCoS
ue nunca terias Bisto se os Bisses& a porteira a no
compreender& a enCotar o Nlho ue parecia estender-te a bola
oerecendo-a& o teu pesco@o numa posi@o esuisita& o Nlho daporteira& apesar da me& uase a poisar-te a bola nos oelhos
- %ome
ao chegares do emprego ele minJsculo& descal@o& respirando o
teu perume unto aos eleBadores a olhar-te& no te respondia se
alaBas com ele& ocultaBa-se na bola
Quma bola de crian@a a ue altaBa o BerniS
continuaBa a olhar-te conorme olhaBas ao lado do teu pai os
caBalos U roda galopando assustados& de boca pendente& e ue te no
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distingue depois& a polRcia& os bombeiros& pode ser ue dVs conta dos
caBalos U roda& galopes com eles& mudes de sentido com eles& te
sumas com eles& terminado o espectculo& ao ritmo da mJsica
Qo teu nJmero acabouS
na cortina do undo ue o cRrculo da lanterna
Qmais oBal ue cRrculoS
ilumina um momento antes de se eCtinguir por seu turno& a
porteira na tua sala sem acreditar
- +aBalos=
dado ue as erraduras ainda ou ento uma nuBem ue os
grumetes no conseguem leBantar ro@ando nas palmeiras& oscilando&
detendo-se& despenhando-se U medida ue se dissolBe numa
espumainha& num sopro& no parue de estacionamento da praia& os
caBalos ue o teu pai te leBou a Bisitar nas traseiras do circo onde as
rulotes e a aula dos tigres enrolados a um canto de tal modo ue a
aula& com os restos de um rango& se te aNguraBa Baia& a senhora
ue apresentou o espetclo& acocorada num tiolo com uma camisola
de homem sobre o Bestido prateado& retiraBa as unhas posti@as& a
Belha da bilheteira& ranindo metade da cara eriBado ao umo docigarro& coia erBas num tacho& os caBalos apertados numa cerca
seguiam-te com as orelhas conorme mesmo hoe tinhas a impresso
ue no ardim +onstantino a tua me& apesar de inclinada para a
tbua de passar a erro ou entretida com as plantas da maruise&
continuaBa a seguir-te ao passo ue os caBalos& decorrido um
instante& se distraRam do teu pai e de ti chamados por outros gestos&
outras cores& outras presen@as& uiseste apertar os dedos do teu pai
- Estou auie no lhe achaste a mo& o sueito ue mandaBa nos caBalos
espreitaBa-te de uma das rulotes desabotoando alamares
- +unhadinha
isto K o sueito ue mandaBa nos caBalos& acompanhado da
esposa
Qno da tua irmS
espreitaBa-te de uma das rulotes no modo como os homens te
obserBam no trabalho& no restaurante& no cinema& cotoBeladas&
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risinhos& o Jnico ue no te obserBou oi auele senhor no metro& de
manh& no inBerno& uando a cidade
Qas casas& por eCemploS
K mais clara ue o cKu
Qo cKu ainda escuro e a cidade a empalidecer por sua contaS
escutaBa-se o comboio numa curBa do tJnel a alcan@ar a
esta@o& o senhor ao teu lado na plataorma
Qimensa gente ao teu lado na plataormaS
perguntou-te as horas ainda ue um relógio no tecto& apontaste
o relógio& disseste noBe menos Binte e as orelhas da tua me& no
ardim +onstantino& atentas& uma criatura colocando um chapKu de
palha na cabe@a
Qcom cereas de eltro=S
unto ao ue consideraBa o mar e mar nenhum& uns baldios&
pssaros a ue chamam arBKloas e na realidade pardais
QBiste bandos de corBos no Alenteo lembras-te& uase do
tamanho de perdies mas magros& eroes& de luto& erguendo-se do
enoS
bom& o senhor bem Bestido& educado& simptico& perguntou-teas horas ainda ue um relógio no tecto& apontaste o relógio& insististe
noBe menos Binte com receio ue no te houBesse entendido por
causa do som das carruagens e das asas dos corBos desordenando o
eno& esarrapadas& soltas& os bicos negros igualmente
Qno esuecer os caBalos& colouem-lhes um penacho& enCotem-
nos desta cerca de tbuas para a cortina da pista& prometam-lhes os
uadrados de a@Jcar ue o sueito de alamares retiraBa do bolso e
obriguem-nos& com a mJsica& a galopar U rodaSdisseste noBe menos Binte no instante em ue o impulso do
ponteiro noBe menos deanoBe& no o tra@o grosso& um tra@o Nninho&
o relógio sem nJmeros& uatro tra@os Nninhos entre dois tra@os
grossos ou sea uarenta e oito tra@os Nninhos e apenas doe
grossos& no se escutaBam os corBos& escutaBa-se o eno& o unido da
terra girando no seu eiCo com todas as crinas soltas a imitar caBalos&
a criatura do chapKu de palha& aborrecida contigo
- $o percas tempo despacha-te
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antes ue a enermeira a ralhar-lhe& as semanas ue no deBe
ter perdido& roubando-as U sua praia& a imaginar tudo isto& a
otograNa dela na camilha do ardim +onstantino mas ual& a Belhota
de bengala& a rapariga das tran@as& uma prima secundria em ue
ninguKm reparaBa& disseste noBe menos Binte& uiseste emendar
para noBe menos deanoBe& a tua irm com a alcoa do Nlho& o
marido da tua irm a eCplicar& de polegar e mindinho estendidos e os
restantes dobrados& o polegar perto da orelha e o mindinho na boca
- Eu teleono-te
a criatura com um olho nas ondas e o outro em BocVs aborrecida
com ambos
- <amos l
acabem com as sinaleas meu "eus& esue@am-se dos corBos&
aBiem-se& no me interessam os corBos& K o senhor do metropolitano
se tiBermos oportunidade talBe os corBos depois& as pessoas na
esta@o no mencionando a tua irm com a alcoa& o marido da tua
irm
- Eu teleono-te
a porteira a pasmar para o Biinho adBogado- Morreu=
a lanterna ue permanecia acesa apesar dos abaures e do oco
no tecto& uiseste tocar no bra@o do senhor ue te sorria
- Obrigado
emendar para noBe menos deanoBe& uarenta e oito tra@os
Nninhos& doe tra@os grossos& o eno do Alenteo& sobreiros
Qno podes enerBar-te& perder a cabe@a& hesitar& comoBer-teS
parte do telhado de uma ruRna onde cobras& toupeiras ouanimais desBalidos incapaes de sobreBiBerem por si mesmos
Qno te comoBas& no sintas dó de tiS
o Nlho da porteira a oerecer-te a bola
Qdisse: no sintas dó de tiS
o Biinho adBogado uns serFes uando a esposa no estrangeiro&
tu
- ,m momento
antes de lhe abrires a porta e o perume das rosas entre tu e ele&
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um sibilo ue te enerBaBa
- +ucu
Qenuanto pensaBas
- Porue no se calam BocVs=S
porue teimam em atormentar-me com os seus segredos
ridRculos& as suas mos nunca delicadas& as suas caretas idiotas&
porue no uma proessora de geograNa como a minha irm e no
apenas rosas& Berduras& uma Nta Bermelha& as rosas U alta de lugar
Q- "espachem-seS
no laBa-loi@as primeiro e no caiCote depois
Qa tua proessora de geograNa& por eCemplo& no te recordas
dela& sempre preeriste os corBos& o Bento& a agita@o do eno& um
horionte de ainheiras e muralhas antigasS
o teu pai incapa de resolBer o problema das damas na
seuVncia dos diabetes& das artKrias& do cKrebro& a caneta parada no
ornal ou antes no parada& a desiludir-me
- no sei
conorme no sabia o caminho para a hospedaria da ;ra@a&
audaBa-lo tu& o senhor do metropolitanoQdoe tra@os grossos e a cidade& as casas por eCemplo& mais
claras ue o cKuS
- Obrigado
Bestias-lhe o sobretudo& escolhias-lhe a graBata a enganares-te
no nó
Q- Estea uieto senhorS
endireitaBas-lhe o cabelo
- 9uer ir ao circo pai=e ele a Ntar-te oco& no
- Obrigado
como o senhor do metropolitano& um abandono sonWmbulo
eCcepto se por acaso a ideia de alguKm a umar num ponto& e se a
ideia de alguKm a umar num ponto um troteinho contente& sem
or@a para apertar dedos ou sacudir as gaiBotas ue abandonaBam as
molduras do otógrao para bicarem manchas de óleo com os seus
BKus brancos& os cetins& as Tores& o teu pai no largoinho da ;ra@a
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onde os elKctricos curBam cuidando-se no >eato
- Morei ali
morei no topo de umas escadas de cimento entre dois becos
conduindo a hortaitas de proBRncia ue os umos da Baante
impediam de crescer e o teu pai satiseito& aBan@ando na direc@o da
hospedaria da ;ra@a para alRBio da criatura de chapKu de palha
Qsim& BeriNcando melhor com cereas de eltroS
- no era sem tempo
U medida ue os corBos
Qlembras-te=S
uase do tamanho de perdies mas magros& eroes& de luto& se
iam erguendo do eno e o relógio do metropolitano prestes Us noBe
menos deoito ue se percebia no ponteiro a Bibrar para o salto& no
mudaBa para o tra@o seguinte
Qtra@o Nno neste casoS
cobria-o por completo& apoderaBa-se dele& anulaBa-o
Qpertencer-lhe-ia o parauso da escriBaninha=
no creioS
de modo ue deiCaBas o teu pai U entrada da hospedaria damesma orma ue o conduias& aos domingos& ao apeadeiro de
*intra& o senhor do metropolitano agradeceu-te
- Obrigado
no instante em ue as carruagens principiaBam a traBar& o
senhor olhou para ti& para o relógio& tornou a olhar para ti e atirou-se
U linha& a locomotiBa empurrou-o& colheu-o mais adiante& empurrou
parte dele& colheu-a mais adiante
QnoBe menos deoitoSesmagou-a tambKm e demoraste a compreender ue gritaBas& a
tua boca aberta e gritos Bómitos gritos& demoraste a compreender
ue U tua direita& U tua esuerda& alKm de ti gritaBam igualmente
sem ue soubesses destrin@ar uais os teus gritos e uais os gritos
dos outros& eu ue tanto recomendei no poderes cair na asneira de
te enerBar& perder a cabe@a& hesitar& comoBer-te& sentir dó de ti
mesma& tens de estar
Qde Ncar& de tornar-te=S
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spera& indierente& tranuila& consolar-te pensando ue K uma
uesto de minutos& trVs ou uatro se tanto
QprometoS
alguns tra@os Nnos& um só tra@o grosso& um Jltimo esor@o
QB lS
e acabou-se& nem a anela se distingue depois& reTeCos de coisas
mortas& obectos mortos& um sapato castanho do senhor na
plataorma U tua rente ue os corBos do Alenteo disputaro Us
gaiBotas& ue os bebKs da montra ho-de pedir aos solu@os& se eu te
colocar um penacho na cabe@a& em Be de um chapKu de palha com
cereas de eltro& galopas no U roda& na direc@o da saRda& noBe
menos de ou noBe menos cinco
Qlamento mas dado ue o mostrador l em baiCo no consigo
audar-teS
e ue dieren@a a agora& essa claridade Binda no se sabe de
onde& da rua talBe& de uma Baranda ue no se percebe e contudo
eCiste& escondida com os seus uadros e os seus móBeis numa das
paredes ue te cercam& o Biinho adBogado deiCaBa-te um carto na
caiCa do correio& em maiJsculas sem assinatura a Nm de ue no ousasses contra ele depois
Para A *emana A Minha Esposa Em Londres
tu repetindo sem entusiasmo a minha esposa em Londres& a
minha esposa em Londres& essas rases ue por Bees se te
agarraBam U alma& sacudias e permaneciam ali& inamoBRBeis& tenaes&
o ue signiNca a minha esposa em Londres& o ue uerem dier os
corBos no eno& uma ou duas dJias de corBos uase do tamanho de
perdiesQseriam perdies=S
uando o automóBel passou& o Biinho adBogado no tocaBa a
campainha& usaBa os dedos
Qsentias-lhe a respira@o no capacho mais orte ue os dedosS
antes dos dedos o perume das rosas
- +ucu
enuanto tu corrias& de penacho na cabe@a& atK ao ardim
+onstantino& te echaBas no uarto de oelhos na boca para calar os
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gritos
Qas otograNas da camilha a gritarem tambKm=S
sobretudo no podes cair na asneira de te enerBar& o senhor a
perguntar as horas
- %em horas menina=
como se horas ossem coisa tua& as pudesses dar
- Pegue
Nue com as minhas horas ue no preciso delas& guarde-as& o
teu Pai na hospedaria da ;ra@a estranhando um tapume sobre o ual
uma ernpena& um loureiro
- no sei
uns repentes de lucide no seu espanto& o olhinho capa de
interessar-se pelo problema das damas& inBentar solu@Fes& ganhar&
uma nuBem tripulada como deBe ser eBitou o castelo
Qpercebiam-se os maruos nos mastros& um ulano gordo& de
camisola Us riscas& a esregar o conBKsS
e o teu pai
- O ue aes aui=
o ue aes aui realmente& de lu apagada na sala& cercada dereTeCos de coisas mortas& obectos mortos& reposteiros& almoadas& o
Biinho adBogado a pendurar o casaco nas costas de uma cadeira
austrRaca
- Ora bem
ocupando o mesmo lugar no so ue o marido da tua irm&
poisando-te a mo no mesmo oelho& Ntando-te com o mesmo Bagar&
conBersando consigo próprio& no contigo
- +unhadinhanas caras deles& assim próCimas& imperei@Fes e sinais ue no
lhes pertenciam& oi a criatura de chapKu de palha ue entregou os
seus& a mo dela no teu oelho& a Bo a engrossar
- Ora bem
a sua Bo
- +unhadinha
o seu ardim +onstantino dierente do teu& outros arbustos&
outros bancos& dois casti@ais no piano& no um& uma proundidade de
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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sombras ue se perdeu com os anos& chBenas ento completas ue
conheceste sem asa& a terrina no aparador& no na cómoda& o teu pai
a caminho da hospedaria e tu sem dares por isso
- Pai
deseando ue ele no ouBisse& to Bagaroso& to rgil&
certiNcando-se ue o len@o no bolso
Qno podes hesitar& comoBer-teS
e ao deposit-lo no bolso uma ponta de ora& o casaco gasto
sobrando nas caBas& a tua me para a tua irm mais Belha
- $o parece um espantalho=
e a tua irm mais Belha
- "eiCe-o
sem se atreBer a odi-lo& antes U espera ue um dia destes
Qrosas no laBa-loi@as& nunca gostaste de rosasS
a descobrisse na sala& inJtil entre trastes inJteis numa pontinha
de assento& com o Nlho ue poderia ter sido teu se uisesses na
alcoa& a descobrisse de olhos caRdos& desaeitada& gorda& ou ento o
teu pai a entrar na coinha ele ue no entraBa na coinha sobretudo
desde ue a gaiola da arBKloasobretudo desde ue a gaiola do estorninho deserta& uando o
pssaro morreu Ncou de bicho na palma ue sKculos& no
eCactamente um bicho& penas sem matKria& uma garraita de arame&
a ausVncia da segunda garra& da cabe@a& do bico& o ue deBia ser
uma asa ue o teu pai desdobrou& pareceu beiar& deu por ti e adeus
beio& ele direito& Berteu o estorninho no liCo& desapareceu na
maruise de nari para as rBores& atK hoe as sementes no
comedouro& no amarelas& negras& a gua a enegrecer num pratitode esmalte& o teu pai a entrar na coinha onde a tua irm audaBa a
tua me& a tua irm deseando ue ele
- #ilha
segurando-a na palma no ue sKculos& no eCigia sKculos& um
bocadinho somente& lhe estudasse as penas& desdobrasse uma asa& o
cartucho ue anuncia alimenta@o Bitaminada prossegue na
despensa& cada Be mais ao undo na prateleira U medida ue noBos
boiFes& noBas conserBas& noBos rascos de doce& da mesma orma ue
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a gaiola no no prego& sob o cesto da roupa& nem prego alis& o
oriRcio do prego de onde assomam ormigas entre dois auleos& se o
teu pai na coinha a tua me para a tua irm& a mostrar-lhe o casaco
- $o parece um espantalho=
um espantalho ue ulgaBa caminhar nos petroleiros do %eo&
ulgaBa pedalar& coroado de noiBas& no sentido de Paris& o teu pai no
na coinha& na hospedaria da ;ra@a
Qum espantalho de actoS
em ue talBe o marido da tua irm& o Biinho adBogado& o Nlho
da porteira sem conseguir crescer& uma nuBem sem tripulantes
Quma doen@a contagiosa& um motim=S
TutuaBa para aui e para ali
Qo cadBer do comandante na proaS
atK se enredar numa cJpula& o ue sobraBa do leme uase solto
da uilha& a gaiola do estorninho com um dos poleiros no cho
Qno bem cho& uma gaBeta ue a tua me puCaBa para limpar
com a aca porue crostas agarrando-se ao metal& a tua me& de
pernas aastadas& ganhaBa duplos ueiCos
- X preciso comer um bie para istoao procurar dissolBV-las& NcaBa um BestRgio ue ela
- ,ma nódoa de errugem
se a tua irm ou tu lha mostrassem com o dedo a tua me ue ia
perdendo os duplos ueiCos ao acertar a gaBeta na calha
- ,ma nódoa de errugem
eCigindo
no eCigindo& implorando-Bos ue aceitassem a nódoa de
errugem ela ue no acreditaBa na nódoa& a cara- $o acredito na nódoa acreditem por mim
U beirinha das lgrimas& tu surpreendida com a acilidade
Qsobretudo no podes cair na asneira de te enerBar& perder a
cabe@a& hesitar& comoBer-teS
com ue as pessoas choram& se no tiBesses de estar
Qde Ncar& de tornar-teS
spera& indierente& tranuila& tu
- Me
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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o teu pai l se decidia a entrar na hospedaria da ;ra@a&
apertaBas-lhe os dedos sete& one& cinco Bees para lhe dar coragem&
inorm-lo
- Espero aui
garantir ue o apoiaBas& se lhe alasses em %aBira uma purea
de espanto
- O uV=
o teu pai um desses ces sem or@a para obedecerem ao dono&
de ocinho a amolecer nos ladrilhos& um arrepio da cauda& a
rouCido de um latido
- %aBira
uns tantos tra@os Nnos& dois tra@os grossos no mCimo e o
metropolitano a empurr-lo& a colhV-lo& a empurr-lo de noBo& um
sapato castanho na plataorma unto a ti& o Beterinrio arrecadando a
seringa
- Pelo menos poupa-se na inec@o
e o teu pai nos ladrilhos& a cauda& o ocinho& o cora@o& a
recordar a ponte de %aBira e no instante em ue a recordaBa a
imobiliar-se e a perdV-la& o Bendedor de bolos parado enuantoaBan@aBa& a tua me a meio da inten@o de chamar-te& %aBira no
uma lembran@a& uma pagela& l esto as cinco Nlas de toldos& a ilha&
BocVs na esplanada a seguir ao antar& a tua irm deseando ue ele
- #ilha
e o teu pai nunca
- #ilha
calado& no no AlgarBe& no >eato& um indiBRduo de mos roRdas
pelos cidos- Pimpolho
outro a larg-lo no sobrado
- Ests a rir-te de uV=
um naBio
Qou uma nuBemS
a aastar-se deBagar para a AmKrica e o teu pai na antasia ue
daui a instantes duas canas de pesca no ponto a ue altaBa o
cimento& com os erros U Bista& perto de um rolo de cordas& o
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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indiBRduo ue o largou no sobrado a acenar do naBio
Qda nuBem=S
a acenar U sua me do naBio
- ,m dia Bolto pimpolho
chuBa no cais e o indiBRduo
Que coisaS
a secar a chuBa dos olhos& depois do teu pai na hospedaria
permanecer com ele na palma ue sKculos& o teu pai umas penas&
umas roupas sem peso& TorFes de esuue na morgue& cornucópias&
a@aates& releBos& as canas de pesca ue o enCotaBam
- %rambolho
Qno podes cair na asneira de te enerBarS o Beterinrio
- Pelo menos poupa-se na inec@o
o Beterinrio ou o doutor a mencionar os diabetes& as artKrias& o
cKrebro& a eCplicar U tua me
- As pessoas enBelhecem madame
se ao menos os corBos do eno as comessem por piedade& o teu
pai
Qno te comoBas& no sintas dó de ti mesmaSue desde ue saRste do ardim +onstantino
Qdo piano& das terrinas& da muina de costuraS
continuaBa a esperar-te sem um protesto& um lamento& haBia
ocasiFes em ue a tua campainha chamaBa& ninguKm e ias urar ue
era ele& arrependia-se& ugia& se chegasses U Baranda enCergaBa-lo a
trotar no Estoril& no te tocaBa nunca
Q- $o me tocaBa poruV=S
no aia perguntas& no te olhaBa seuer& no- #ilha
elimente ue no
- #ilha
silVncio& tu spera& indierente& tranuila& entre reTeCos de
coisas mortas& obectos mortos& essa claridade Binda no se sabe de
onde& da rua talBe& de uma anela ue se no distingue e contudo
eCiste escondida& disar@ada de parede& com os seus uadros e os
seus móBeis& numa das paredes ue te cercam& o teu pai ue
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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cuidaBas perdido e aNnal regressa& trouCeram-te ao colo
Qa tua me trouCe-te ao colo
- $o me aborre@a senhoraS
embrulhada num cobertor& da opera@o as anginas& o teu pai a
segurar-te o calcanhar& so noBe menos deanoBe& K uma uesto de
minutos& no muitos& trVs ou uatro se tanto& um bocadinho apenas.
o cacto& a proCimidade do mar dado ue alguKm U tua porta
- $o sentem este cheiro=
e antenas de naries aBaliando& palpando& tapetes& cadeiras& a
escriBaninha de antiurio ue no chegaste a Bender& a criatura de
chapKu de palha satiseita
- E assim
as cereas de eltro despegando-se da copa& a enermeira a
procurar tirar-lho
- <ou deitar ora esta bodega
enuanto as ondas mais próCimas& amarelas& brancas&
Bermelhas& no em %aBira K eBidente& no a ilha& no a ponte& uns
limos& uns rochedos& num dos rochedos um peda@o de corda e uma
caiCinha Baia& tesouros ue no Baliam um tosto urado e asgaiBotas
Qpreocupadas com o peiCe e as sobras das traineirasS
despream& a tua irm em %aBira& U noite
- $o ouBes=
reerindo-se no a um comboio ou a pessoas na rua& ao seu
corpo
- $o ouBes=
a carne a transormar-se& a crescer& o peito no liso como o teu&ancas no estreitas como as tuas& pedacinhos de lama ue erBiam
nela& eCibiu-te o len@o
- Olha
e ento sim& pessoas na rua& um comboio& oi a Jnica altura em
ue te interessaste pela tua irm& lhe Neste perguntas& no inuieta
com o ue lhe acontecia& inuieta contigo& a percorreres-te com as
mos& a espiares-te
- O ue Bai ser de mim=
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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uma tarde Biste a tua me nua a mudar de roupa& um corpo
esuisitRssimo to dierente do teu& trancaste-te no chuBeiro& no
acreditaste
- X outra
a cara de sempre num corpo ue no lhe pertencia
- X outra
ou pertencia uando a tua me soinha a transormar-se num
monstro& se nesse instante o teu pai te apertasse sete& one& cinco
Bees os dedos morrias& aastaBas-te dos teus pais eBitando-os&
desconNaBas das suas eCpressFes& dos seus modos
- <ocVs uem so=
alcan@aBam as prateleiras mais altas sem necessitarem de
bancos& a Biinha de toldo
Qoutro monstroS
no seu crochet o dia inteiro& alheada de BocVs& ano após ano a
mesma cadeirita de lona& o mesmo Bestido& um cumprimento de
cabe@a ue mal se notaBa& cerimonioso& a custo
Qo marido da tua irm
- AdiBinha o ue aconteceu ao teu pai cunhadinha=a tua me saberia& a tua irm saberia& uem para alKm de ti e
no contando as cereas de eltro estaBa ao corrente da hospedaria
da ;ra@a& de *intra=S
rodeaBas a hospedaria na direc@o das traseiras em ue prKdios
ao abandono& canos ao lKu& desperdRcios& um Belhote a endireitar
uma colmeia com as abelhas a enurecerem-se em torno e numa
anela do terceiro andar& ue um ramo de trepadeira atraBessaBa& o
teu pai a Ntar-te& a eCpresso dele- %u compreendes
no
- %u compreendes Nlha
somente
- %u compreendes
e no
- %u compreendes
escondido no
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- %u compreendes
oculto no undo& só um cantinho U Bista
- %u compreendes Nlha
o Belhote a perder o euilRbrio deendendo-se dos angos com
as luBas& a Biinha de toldo a eCplicar ao teu
Q- AdiBinha o ue aconteceu ao teu pai=S
a eCplicar ao teu pai
- $o me Bou embora descanse
e o teu pai& no ralado com ela& a Ntar-te a ti& agradece U
criatura de chapKu de palha ue ele a Ntar-te a ti& pode ser ue te
tenhas enganado e o teu pai a Ntar um episódio remoto& um dedo
entre Cailes por eCemplo
- O pimpolho cresceu tanto este ano
ou o estorninho na palma& ao menos pelo estorninho interessaBa-
se& desdobraBa-lhe a asa e a asa inerte& deunta& um leueito de
penas& a tua me a oender-te
- Muito gostaBa ele do bicho
depois do teu pai se encostar U maruise a tua irm a aud-la
com o almo@o& de bochecha torcida
Qso precisas duas plpebras para uma lgrima BVs=S
a enternecer-se com o estorninho conorme a criatura do chapKu
de palha enternecida com a arBKloa& anunciaBa
- O mar
isto K decidiu ue o mar acol& logo a seguir ao muro& uando na
realidade mar nenhum& baldios& um tractor inBisRBel& se a tua irm no
ardim +onstantino o teu pai a interrogar-se- +onhe@o-a=
a conBid-la para o circo no teu lugar dado ue tu ausente& de
oelhos na boca& pensando ue uma uesto de minutos& no muitos&
trVs ou uatro se tanto& um bocadinho apenas& um Jltimo esor@o e
acabou-se& coisas mortas& obectos mortos& o marido da tua irm a
desdobrar-te a asa
- +unhadinha
e tu nessa claridade Binda no se sabe de onde& da rua talBe& de
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uma anela ue se no distingue e contudo eCiste& da nuBem ue os
grumetes conseguem leBantar acima das palmeiras conduindo-a
Qpercebia-se o mestre com um binóculo U popaS
U bolina na direc@o de Lisboa& tu ue nunca soubeste em ue
bairro a Biinha do toldo moraBa& Biste-a uma ou duas ocasiFes na
;ra@a& com o mesmo Bestido& sem reparar em nada
Qo Belhote continuaBa a endireitar a colmeia dado ue se
notaBam os sons consoante se notaBa um ma@arico numa oNcina
algures& o elKctrico desapareceu na primeira esuina com a Biinha
de toldo& os corBos deBiam permanecer no Alenteo erguendo-se do
eno& Berticais& eroes& de luto& desligaste o teleone antes de te
sentares no so& trouCeste o arro da gua
- <ou ter de repetir toda a Bida ue h copos no armrio
menina=S
tu a sorrires U lembran@a de ue h copos no armrio menina&
contaste os comprimidos do rasco& Binte e trVs& tornaste a
cont-los e Binte e uatro& contaste alinhando-os na mesinha e Binte
e uatro de acto& em ual deles te enganaste& Binte e uatro inteiros
e metade de um outro& como ualuer pessoa no teu lugar come@astepela metade ue se te prendeu na garganta& raspar com uma aca&
limpar Qos duplos ueiCos da tua me
- X preciso comer um bie para istoS
ao esregar a gaBeta da gaiola a tua me substituRa-lhe o undo
por uma pgina do ornal da BKspera com o problema das damas
resolBido na margem
Qriscos de caneta& nJmerosS
e o triuno das brancas& colocada a gaBeta na calha a tua irmrecolhia o ornal& chegaste a procur-los em *intra& ao teu pai e U
Biinha de toldo& sem ue conseguisses ach-los& achaBas etos&
oruRdeas& chalKs onde os grumetes das nuBens habitaBam nos
interBalos das Biagens porue paBios de naBega@o Tutuando nos
uartos& a tua irm dobraBa Us escondidas o ornal na carteira& por
Bees um dos grumetes costuraBa lonas num banco
Qum bocadinho apenas& um Jltimo esor@o& continua& dentro em
breBe o tal corredor& a tal luS
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e apesar das accias e das Tores nas accias o teu pai noutro
lado& porBentura no >eato& na esta@o dos comboios de #ran@a na
mira de um Biaante a aast-lo
- %rambolho
com a criatura de chapKu de palha com cereas de eltro
Qno somente etos& oruRdeas& mas tamargueiras& alenas& um
herbrio completo& dentro em breBe o tal corredor& a tal luS
conBersando com o teu pai no ardim +onstantino e ele
mostrando-lhe um retrato na camilha
- E BocV
no o da senhora da bengala nem o da rapariga de tran@as& mais
diuso& menos claro& uatro meninas de branco em torno de uma
onte ou um baloi@o ou um aBY bondoso tanto a
Qa pelRcula demasiado gasta impedia-te de perceber& uatro
meninas portanto& e nesse aspecto h acordo& em torno no importa
de uV escolhido pelo otógrao& o baloi@o no& a onte ou o aBY
bondoso ou um adere@o de estJdio& o mais proBBel K ue um
adere@o de estJdio& uma coluna por eCemplo com um Baso no topo&
digamos e siga a banda ue no h tempo a perder ue uma colunacom um Baso no topoS
no a senhora da bengala& no a rapariga de tran@as& uatro
meninas de branco com BestRgios das assinaturas delas
Qum rabisco& um tracinho& como tudo passa meu "eus& deiCamos
de eCistir to depressa& nomes ue no so e por no serem no
oram nuncaS
o teu pai a demorar-se na primeira
Qno& na terceira& a mais alta& a do aBental engomadoS- X BocV
QcontinuaS
- A do a al engomado
no adorme@as ainda& prometo-te ue alta pouco& o teu pai a
demorar-se na do aBental engomado
se o teu cunhado
prometi ue alta pouco e Bou cumprir& auda-me& se o marido da
tua irm tocar U porta no te distraias& no oi@as& um aBen al eng ma
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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e o teu pai para mim
- X BocV
o teu pai aui comigo
Qno te preocupes com eleS
reparando na arBKloa sobre o cacto a dar-se conta do mar& no
te preocupes com ele ue trouCe uma lata de biscoitos& tenho eito
para crian@as& sempre soube entretV-lo& basta ue eu
- Pimpolho
para ue o teu pai eli& basta ue eu
- Empresto-te esta caiCinha este peda@o de corda
e ele sossegado
sossegado a brincar no momento em ue este uarto um reTeCo
de coisas mortas& de
enganei-me& no momento em ue nem a anela se distingue&
deiCei de distinguir a arBKloa& de distinguir o mar& distingo reTeCos
coragem& distingo reTeCos de coisas mortas
no ho-de impedir-me de chegar ao Nm& distingo
distingo reTeCos de coisas mortas
Qestou a conseguirSobectos mortos& um chapKu de palha com cereas de eltro& para
no ir mais longe distingo uma nuBem com os seus marinheiros a
aproBeitarem o Bento ue principia a erguer-se& o armacVutico
QarmacVutico=S
para mim
- Xs serBida=
e a minha me
- $o lhe alesno distingo o meu tio& no distingo a nossa casa& o homem da
muina de tripK no domingo de Pscoa& com um pano onde se
escondia
- Ponham-se as uatro ali
as minhas primas e eu& a #ilomena& a
como tudo passa meu "eus& depois digo& ponham-se as uatro
ali& BocVs duas deste lado& BocVs duas dauele& a #ilomena& a Alda& a
Lurdes. uma blusa de botFes de Bidro ue concentraBam as Belas
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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as Belas
umas Tores
Qacho ue malmeueresS
na cabe@a eu
- Lucinda
disso estou certa& eu.
- Lucinda
Bisto ue me roubou uma pluma de paBo encontrada na mata
de ue ainda hoe sinto a alta e NcaBa bem aui& nesta claridade
Binda no sei de onde& da rua talBe& de uma anela ue se no
distingue e contudo eCiste& o otógrao
- Aten@o
o senhor do metropolitano& os corBos& tu a gritares uando a
locomotiBa o empurrou& o colheu& o tornou a empurrar& tu de oelhos
na plataorma embalando-te a ti mesma& pessoas U tua direita& U tua
esuerda& alKm de ti ue gritaBam igualmente& o relógio noBe menos
deassete& noBe menos deasseis& noBe menos uine e nas noBe
menos uine um tra@o grosso& tu a correres para a saRda& a
deiCares-me agora ue me aes alta para desamarrotares o len@ol&trocares a almoada& mudares a posi@o em ue estou& tu de oelhos
na boca numa casa ue inBentei& no te pertence& inBentei-a& K minha
e na ual o Biinho adBogado& a polRcia& os bombeiros caminharo a
medo& se calhar com uma lanterna& uma pilha Bulgar procurando-te&
uer dier a luita da lanterna
Qou da pilha BulgarS
um cRrculo mais oBal ue cRrculo para a direita e para a
esuerda&cauteloso no cho& eCplorando tapetes& a escriBaninha de
antiurio cheia de gaBetas e mistKrios ue desde h meses decidiste
decidi trocar
QBender=S
no trouei nunca
Qnenhuma escriBaninha de antiurio& a mesa do meu tio onde
ele aia as somas das colheitas& tanto disto& tanto dauilo& a proBa
dos noBe ao lado& o teu
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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o meu tio a reunir os papKis
- 9ue ma@adaS
por conseuVncia esto aui todos connosco& as minhas primas&
o meu tio& o teu pai& tu& a Biinha de toldo de modo ue posso
garantir com orgulho U enermeira ue a minha amRlia comigo a
desamarrotar-me o len@ol& a mudar-me a almoada
no consigo meu "eus
moada& a mudar-me a almoada& a cuidar de mim& se eu disser
- A arBKloa
concordam
- A arBKloa
se eu disser
- O mar
aceitam
- O mar
reor@am inclusiBe
- +omo no dei pelo mar=
so meus amigos BocVs& acotoBelam-se& interrogam-se&
acotoBelam-se mais& compreendem& do-me rao- O mar eBidentemente como no dei pelo mar=
no um reTeCo de coisas mortas& obectos mortos& o mar& essa
claridade Binda no se sabe de onde o mar& esse cheiro ue BocVs
sentem
Q- $o sentem este cheiro=S
o mar disar@ado de parede& escondido& no adorme@as por
enuanto& pega-me na mo ue no tenho& no bra@o ue no tenho&
na perna ue principio a no ter& pega-me na pernapeguem-me na perna
auCilia-me isto K auCiliem-me com um chapKu de palha com
cereias de eltro& a tua me comigo& a tua me comigo& a tua irm
pe@o piedade& pe@o
o mar e por cima do mar esta nuBem ue os marinheiros
conduem na minha direc@o ue bem lhes noto os sinais e só espero
ABe Maria ue estais nos cKus pe@o piedade& só espero
santiNcado sea o Bosso nome bendito o ruto do só espero ue o
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Belho endireite a colmeia& pegue numa tbua e me eche l dentro
- #icas aR
só espero ue o Belho me permita ir embora com a nuBem& eu
em ci
ma& na amurada& santiNcado sea& bem haam& bem haam& eu em
cima& na amurada& a dier-Bos adeus.
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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PENÚLTIMA NARRATIVA
As coisas no acabam uando a gente pensa ue ideia& supomos
ue terminaram e aR esto elas no interior de nós& a minha me por
eCemplo
Qno Bale a pena ir mais longeS
com uem nunca me dei& mesmo antes do alecimento do meu
pai no me entendia com ela& o meu irmo ue sempre deseou a
amRlia unida
Qessas manias da proBRnciaS
chamou-me da >eira Alta uando a senhora mais uma semana
ou duas de Bida e eu ao teleone
- $o
eu ao teleone- $em alar
e no entanto& sabe-se como K& ;ouBeia U minha rente na encosta
da serra e uma coisinha a moer-me eita de cheiros& inBernos&
angas& recorda@Fes& no saudades& uais saudades& no Bontade de
Bisit-la& Para uV Bisit-la& eram mais as giestas& a casa& empregados
ue continuaBam BiBos& por eCemplo a +Wndida na coinha ue me
perdoaBa tudo e me deiCaBa umar& a +Wndida
- MeninoQestaria BiBa a +Wndida=S
a uerer beiar-me a mo& to contente
- Menino
se me aborreciam escondia-me no aBental dela para ue no se
apercebessem dos meus insultos& das lgrimas& era mais a sala aos
domingos& o sabor da gua na bilha com um prato& tambKm de barro&
ao contrrio por cima& as colchas penduradas da anela durante a
procisso& uma Bontade de morrer& uma Bontade de estar BiBo& o tio
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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Aruimedes ue o coronel matou com um sacho por causa da
sobrinha e& se alBamos nisso& ao dar com o coronel escarranchado
na mula& de colarinho preso num alNnete de prata& o meu pai
desBiaBa a conBersa& a inelicidade sem Nm da chuBa no inBerno&
comigo a sentir-me como o tuberculoso de <inho
- Ai este rio senhores
os pirilampos enredados na cortina& no sRtio do caminho antigo
uma estrada agora& a +Wndida deunta
Qprocurei o aBental dela na arca& ia urar ue com os meus
insultos e as minhas lgrimas aindaS
o coronel e a mula& ue cuidaBa parte um do outro& em buracos
separados na terra& a sobrinha hoe corcunda& de bengala& a entrar
na igrea& atraBessei-me U sua rente e os dentes escuros
Qno muitos& um de Be em uandoS
a meditarem
- O Aruimedes uem era=
a concluRrem& no haBendo encontrado
- Es parecido com ele
e no sou& o tio Aruimedes loiro& trgico& Bigiando a limpea dobraso na achada& maestoso de anKis& apenas olhas no lago em ue
dantes peiCes& um bairro igual aos de Lisboa& o +orreio& sem a dona
+ecRlia& transormado em caK
Qem ue lugar se compraro os selos=S
o meu irmo sem mulher& sem Nlhos& sem a chibatinha de se
irritar com os camponeses U minha espera nas escadas& imaginadas
por mim com mais degraus& mais largas& e aNnal estreitas& ceis de
galgar- A meinha l em cima
a meinha l em cima perto da anela onde o pessegueiro
continuaBa a Torir mas cansado& por hbito& o laBatório com o seu
balde& a saboneteira ue era uma concha de inco& a meinha de
manta atK ao pesco@o no so Bermelho em rente ao ual estauei
de sJbito& uma manh& ao dar com o meu pai e a aNlhada do padre de
ueiCo na direc@o do tecto& eu a persignar-me& assustado
- <ai cantar em latim
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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instalaBa-se ao órgo mal come@aBa a missa& a Bo guiaBa as
Boes das mulheres pelos caminhos terrRBeis& sempre U beira do
!nerno
Quma desobediVncia e prontoS
de "eus
Qo sacristo espaneaBa em agosto& de porta aberta& o sorimento
dos santos& a chaga de *o oue& *o *ebastio a menear-se& a
palma da meinha& ero& empurrando-me o ombro
- *acriNcaram-se por ti aoelhaS
por um instante o meu pai e a aNlhada do padre antes da minha
me outra Be& o meu irmo a inclinar-se para lhe gritar ao ouBido
- O seu Nlho
a manta ondulou uase nada& apetecia-me pedir
- $o deiCem secar o pessegueiro
o pessegueiro& os castanheiros& a capoeira ue aumentaram atK
ao armaKm das batatas& perus com um cordel na perna a
engordarem c ora& a manta imobiliou-se
Qteria ondulado a sKrio=S
a meinha no sei o uV da manta& o meu irmo inclinando-se-lhe na direc@o dos lbios
QaltaBa-lhe cabelo& perdera carne& energia& no era o meu
irmo& era um Belho& como K possRBel isto& no te conhe@o BelhoS
- epita
a meinha de perNm sem se interessar por mim& em
compensa@o um dos uadros representando uma senhora com ,m
sinal na sobrancelha a indignar-se
- +hegas aui e nem cumprimentas as pessoas=ao tentar responder-lhe Boltou-se na direc@o das aian@as na
Bitrine& amuada& tinha-me esuecido de tanta coisa ue urara no
esuecer& a colec@o de solitrios com as tJlipas de brone& o pisa-
papKis com um lRrio& o Belório do tio Aruimedes na casa de antar e
crepes nos armrios& a +Wndida daBa-me o almo@o
- *ó mais duas
só mais duas durante uma inNnidade de colheres Qporue no
h-de continuar a eCistir um aBental ue me esconda=S
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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os bois atrelados aos carros na Bindima& a meinha um
espasmo na manta& uma pausa& o meu irmo a argumentar
- <eio de Lisboa por si
amarrecando-se U escuta& de cabe@a uase pegada aos lbios
Qcontinuaria a dormir com a BiJBa do notrio mesmo enrugado&
Belho=S
ao endireitar-se os ossos desencaiCaram-se& permaneceram a
Tutuar& uniram-se& o meu irmo no este& este um senhor descuidado
ue se barbeou mal& nenhum ma@o de cigarros roubado ao meu pai
na algibeira& o poinho
QcompraBa-se na drogariaS
ue se espalhaBa na sopa e eCcitaBa as mulheres& embora me
eCplicasse
- #a-se assim
nunca acreditei nele
Q- $o acredito K uma lKriaS
eCperimentei a medo na lRngua e um gosto de gi& o meu irmo
- $o sentes=
sentia as gengiBas brancas& a garganta entupida& soltei-oconorme melros se libertam dos abetos
- $o acredito em ti
e o meu irmo escondeu o pó na algibeira& cheio de oensas&
mais alto ue eu& mais orte& abria a porta do celeiro com um
empurro sem necessitar da chaBe& dJias de leues de morcegos
num renesim de Baretas& um dos anKis do tio Aruimedes no
indicador dele& o pessegueiro segredaBa uma aTi@o indistinta
- Por onde andaste rapa=eu a acompanhar o meu irmo todo sinaleas& mistKrios
- "epois conto serena
estes cheiros da serra& pinheiros sobretudo& raRes ue uma
troBoada ueimou
Qou o granio=S
despontando aui e acol sem encontrarem descanso&
gabardinas ue perderam o dono com uma penugem de bolor no
bengaleiro da entrada& nem um obecto ue me pertencesse no meu
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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uarto& apenas a humidade& um peda@o de embrulho a Baguear no
cho e no peda@o de embrulho& de tbua em tbua& eu& a +Wndida
atrai@oou-me ao alecer& respiraBa nela carBo& massa tenra& ritos&
relentos ue continuam a misturar-se no meu sono e me do pa&
nunca pensei ue a lembran@a do reogado de cebola me audasse&
h-de haBer uma otograNa dela connosco& eu ao seu colo& o meu
irmo ao lado
QdetestaBa Bestir-se igual a mimS
e em ual gaBeta senhores& namorou o carteiro ue nos passaBa
bVbedo na rua e uma tarde Bomitou sangue& inormaram-nos ue
preto& do sangue ao rigorRNco no hospital de <iseu oi um mVs& os
ossos do meu irmo ao unirem-se
- A me no te uer c
a meinha no me uer c e no posso deiCar de cumpriment-
la& agradecido& pela sua constWncia no rancor& o pessegueiro calado&
uma parte de mim a murchar& uma parte do meu irmo a murchar
tambKm& a decidir-se
Qo olhar do meu pai na cara dele& a sua tendVncia para a
piedade& coitadoS- A me no d por isso se Ncares aui
e no entanto tenho a certea ue daBa& a manta a sacudir-se& a
orelha do meu irmo na direc@o dos lbios
- Ainda aR est o outro=
de modo ue o automóBel cada Be mais rpido& mudan@as de
Belocidade despeitadas
Q+arregai do *al& +oimbraS
no regresso a Lisboa& as ei@Fes sem lu do meu irmoQ- Perdeste a lu h muito tempo mano=S
- A doen@a percebes=
a sua roupa de camponVs
Q- Xs teu rendeiro tu=S
o colete do aBesso& BestRgios de óleo do tractor na camisa& no
lhe apertei a mo& no o abracei& os pintarroCos no pomar os
mesmos& anda-se um mVs e geada& os pintarroCos mortos& no nos
daBam trabalho porue a gua os leBaBa para os regos e os insectos
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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e as cobras comiam-nos& o olhar do meu pai na cara dele
acompanhou-me ao automóBel
Qa tal tendVncia para a piedade& coitadoS
o meu cotoBelo comprimido de repente e largado em seguida
dado ue emo@Fes& pudores& ue gaita sermos assim maninho
- $o te oendas com ela
no retroBisor o meu pai e o meu irmo uietos& isto K o meu pai
deunto h sKculos& o meu irmo uieto& a bater com a chibatinha na
anca& acabei por chamar pais
Qno minto& chamar paisS
aos meus tios em Lisboa& no tenho irmo algum& no te
conhe@o entendes& ulgo ue Ncou no porto a enBelhecer& a dobrar-
se& o meu pai sem tirar nem pYr uando saR de ;ouBeia& com a
bandeirita de um sorriso a abanar sem descanso& ainda ue me
escreBesse mudei de apartamento e perderam-me& elimente ue me
perderam& perdi ;ouBeia& o meu pai deunto no meu irmo& to
inuieto comigo& e digo elimente porue& por eCemplo& a +Wndida
aui
- Meninoe a tro@a das pessoas& o ridRculo
- X tua amiga esta saloia=
relentos de carBo& massa tenra& ritos& eu logo& K ue nem
gemias
- $o
- ;ouBeia& sei l onde K ;ouBeia& em %rs-os-Montes& no Minho
Qna >eira Alta noS
h uma otograNa nossa mas em ue gaBeta de ual armriobolas& a gente a supor ue as coisas terminam e aR esto elas BiBas&
os meus pais BiBos mesmo ue duas pedras com datas e letras
Qnunca estarei unto delasS
no cemitKrio da encosta& para l do cemitKrio as rBores de
aneiro aumentando as crues e aproundando o Bento& pergunto-me
se o meu irmo com eles
Quma pedra mais peuena& menos letras& uma dieren@a menor
entre as datasS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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a desculp-los
- A doen@a percebes=
e uem hoe em dia nos compartimentos da casa& tinha medo do
chalK de um parente a curBar-se entre as erBas& mudaBa de passeio&
persignaBa-me& no sobraBam Bidros nos caiCilhos& cuidaBa ue as
almas do Purgatório no salo de baile a mendigarem auCRlio&
espreitei da Baranda e silVncio& cadeiras tombadas em silVncio& um
ber@o em silVncio& um gramoone em ue um disco giraBa em
silVncio& daBa ideia ue passos sem matKria soalho ora& brandos&
talBe uma crian@a ue para ali Ncou ao desertarem& escutmo-la
nessa noite no corredor da casa& o meu irmo e eu num só colcho a
rearmos& se alasse nisto a irm da minha mulher aria tro@a de mim
Qno aloS
eu no so da sua casa
- +unhadinha
Nngindo conBersar com ela uando conBersaBa com uma
rapariga de *eia& mascarada de pirata na ter@a-eira gorda com um
len@o na cabe@a e um papagaio de carto
QdemoraBa-se a perceber ue o papagaio alsoSpor mal dos meus pecados no a tornei a Ber& morreu em meia
dJia de dias de uma inec@o nas meninges& pouco antes de me ir
embora de ;ouBeia escutei os responsos e desde ento arrepio-me só
de pensar em "eus& a irm da minha mulher
- Ests doente=
dado ue eu amparado U escriBaninha receoso de um desmaio&
apenas BKrtebras e unhas& deenas de unhas ue me rasgaBam&
doRam& a lembrar-meQa +Wndida saberiaS
da mscara de pirata no clube desportiBo enuanto eu bebia
cerBea do gargalo& inelicRssimo& acho ue oi nessa altura ue decidi
Bingar-me da minha me& da +Wndida& das Nlhas do caseiro ue se
embasbacaBam com o meu irmo& no comigo& se eu
- >om dia
elas a correrem na direc@o do po@o onde urtigas& Bespas&
cachorros Badios ue me assustaBam al@ando a cauda& de maCilas
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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enormes
- $o me a@am mal senhores ces
o trote parecido com o dos lobos& traBadinho& sem ossos& a partir
do crepJsculo uiBos na mata ecoando serra acima de penedo em
penedo& uase todas as semanas a rede da capoeira uebrada e uma
pedrVs& um coelho& deiCaBam-lhes a cabe@a no uintal& as tripas& o
meu pai para o eitor
- Estes ces
no dia seguinte& por trs da casa& tiros& um raeiro a ganir
arbustos ora& as cartilagens da perna esbranui@adas& em pingos&
Binham curar as chagas no moinho de gua da horta& dBamos com
um cacho de animais a beberem& Vmeas grBidas& crias& untamente
com um guarda de rebanho nosso ue o meu pai mal o bicho lhe
rosnou deriBado U Bergasta
- Este K mau.
Bisto ue os bons sorem submissos& o cKu dos ces recompensa-
os& o eitor cruciNcaBa um macho& por eCemplo& na eCtrema da
uinta& um craBo de erradura em cada pata& a garganta uebrada e
desapareciam oblRuos& murmurando Bingan@as& o meu irmobaiCinho Qo olhar do meu pai na sua tendVncia para a piedade&
coitadoS
- A me no te uer c
a irm da minha mulher& de oelhos na boca& to dierente da
+Wndida
- $o Ks capa some-te
se pudesse escolher mascaraBa-se de pirata igualmente sem se
ralar comigo& eras mais coraoso ue eu& mano& no consentias ueme acontecesse mal& protegias-me& ir a ;ouBeia porue tenho medo
ue adoe@as& morras& dar contigo no so Bermelho em ue a aNlhada
do padre
dJias de bra@os& de dedos& uma coCa to redonda ue nunca
mais a esueci& o meu pai de oelhos
- "-me
no& tu soinho com a manta a escorregar-te do peito&
magrRssimo& a procurares sorrir apontando-me a chibatinha ue no
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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acertaBa comigo
- <ieste Ber-me miJdo=
o pai por uma pena& chapado
- <ieste Ber-me miJdo=
o inBerno aos solu@os na serra& no o pessegueiro& no eu& ainda
ters auele pó das mulheres ue se mistura na sopa& as batatas
enrugando-se no armaKm& a Bindima adiada& a minha orelha na
direc@o dos teus lbios e os lbios procurando-me cegos
- Ainda aR ests miJdo=
a casa igual ao chalK do parente ue se curBaBa entre as erBas&
no te preocupes& sossega& ainda aui estou em Lisboa& no merece a
pena perguntares por mim& enBiares-me um recado& a secretria do
emprego
- O seu irmo na linha dois atende=
e com a inWncia& ue me suocaBa de repente de pVssegos
Berdes& largartiCas& assombros& Binha o colKgio de rades& aguardente
de ameiCa bebida Us escondidas& guardei-a na boca e
- Maricas
de modo ue mal engoli eu auir a tossir labaredasQ- Audem-meS
na primeira hora da manh& isto K noite ainda& as lWmpadas
acesas a aleiarem-me& precisaBa do aBental da +Wndida& dormi no
uarto dela uando a minha aBó aleceu e esueci o enterro e os
polegares entrela@ados no rosrio ue a minha me
- $o me apetece meinha
me obrigou a beiar& na primeira hora da manh& desesperado de
saudades de ;ouBeia& o meu corpo um montinho de cinas ue umdedo imenso remeCia& empurrando-o no sentido do Bómito
- Os reis da primeira dinastia depressa tu aR o pasmado
no esuecer as ora@Fes na capela& o director
- $o Bos oi@o
e eu a pensar no !nerno onde nenhum aBental me salBaBa&
recreios Jnebres a tiritar U chuBa& se me encostaBa a um pltano o
Bigilante sacudia-me logo
- Onde K ue tens a moinha=
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comigo a mostrar-lhe a inocVncia das palmas& a irm da minha
mulher a tro@ar-me
- Pensas ue com a moinha consegues=
se o meu irmo
- <ieste Ber-me miJdo=
a encostar-me a chibatinha U barriga e a lograr um sorriso
Que patetice chamar Uuilo um sorriso& ue inustoS
ue para ser sincero no conseguia o pobre& pedia-lhe de
imediato
- $o desapare@as mano
a chibatinha descia deBagar& a minha orelha contra os lbios
abertos e no dos lbios& mais undo& U medida ue o pessegueiro
Qsempre simpatiei com eleS
restolhaBa o meu nome
- *e o patro desaparece o ue aemos nós pensou=
O meu irmo segurando a manta ue continuaBa a escorregar
- >em gostaBa de agradar-te no posso
no caso da secretria do emprego
- %em o seu irmo na linha dois atende=digo ue no uero o inBerno aos solu@os na serra nem o colKgio
dos rades& os reis da primeira dinastia um após o outro sob
lWmpadas rouCas ue aBolumaBam sombras& a minha me
desgostosa a mostrar-me U amRlia
- O ue Bai ser deste atrasado eCpliuem-me=
a irm da minha mulher aproCimou-se do pltano a eCaminar-me
melhor e l em baiCo& no em mim& no canteiro do Estoril& as
petJnias e as palmeiras do +asino concordando com ela& a minhame intrigada
- O ue se passa contigo=
passa-se ue um cachorro cruciNcado na eCtrema da uinta&
martela-me um craBo em cada pata& mata-me
- X eBidente ue no consegues desiste
pVssegos Berdes& lagartiCas& assombros& o meu pai sempre com o
mesmo liBro na sala& interrompia-se a olhar-me
- MiJdo
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aproBaria a minha me
- O ue Bai ser deste atrasado eCpliuem-me=
regressaBa ao liBro ou demoraBa-se a pensar
- $o sei
portanto se o meu irmo na linha dois digam-lhe ue me
transeri para a sucursal no estrangeiro& deiCei de trabalhar& no
estou& mudei de nome e no respondo a ninguKm eCcepto aos reis da
primeira dinastia& de sapatos bicudos nas criptas dos mosteiros& ".
Aonso !!!& ". "inis& ". Pedro& e com muita ABe Maria e muito pelouro
nos omos a eles e em menos de um +redo os matmos a todos& a
irm da minha mulher a agarrar-me no pulso
- Ests a ser patKtico desiste
o Bigilante do colKgio a astar-se do pltano
- $o admitimos porcarias aui
as coisas no acabam uando a gente pensa& ue ideia& supomos
ue terminaram e aR esto elas dentro de nós a atormentar-nos& a
minha mulher receosa
- Andas angado connosco=
desaeitada& gorda& a diminuir no seu canto- $o te agrado pois no=
com o nosso Nlho aos domingos mais as suas pe@as de armar no
ardim +onstantino& dei-lhe o nome do meu irmo na esperan@a de o
ouBir& apertando-me o ombro
- MiJdo
mas o meu Nlho de gatas no tapete distante de mim& se alguma
Be me procurar na linha dois no me interessa& uando nauela
tarde o meu sogro na hospedaria estaBa ustamente a recordar a+Wndida e para alKm das galinhas U solta Bia brilhar os legumes
- "a parte do seu sogro na linha um diem ue K urgente
responde=
como diabo a Biinha de toldo& ue chegaBa com uma cadeirita
de lona desbotada dos anos e no parecia dar por nós& toda no
crochet a pateta& encontrou o meu nome& ondas amarelas& brancas&
Bermelhas na praia em %aBira& a democracia d nisto& cada
analabeto um Boto e o poBo a permitir-se sem respeito incomodar as
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das paredes no outono& os charcos de uma chuBa distante em
ue a gente se interroga& esuecidos
- "e ual outono esta chuBa=
a irm da minha mulherAi sim=
comigo a meditar se lhe contaBa da Biinha de toldo& da
hospedaria da ;ra@a& curioso de saber se o
- Ai sim=
outra Be& Bingar-me do
- Ests a ser patKtico desiste
alargando-me no so com a mo no seu oelho& o ombro contra
o seu ombro& a minha perna na sua& eu neutro& casual
- AdiBinha o ue aconteceu ao teu pai
e sentir o corpo dela
Q- <ais pagar Bais pagarS
a endurecer U espera e ento toma l a Biinha de toldo& a
hospedaria da ;ra@a& nem seuer uma hospedaria
Qengole estaS
um barraco ao abandono com uma tangerineira no uintal& umas
estampas suas& a proprietria de tubo na garganta& to doenteuanto o barraco& a cuspir-me Bogais
- Por aui
rapaes de cabeleira posti@a& liCos ue se amontoaBam num
bolor de trapos& raparigas de sobrancelhas depiladas
Qas testas delas to nuasS
nos seus roupFeitos no No& clientes de suspensórios ue o meu
ato apaBoraBa
- X da polRcia amigo=eu ue deBia responder-lhes a aastar-me dos cubRculos como o
Bigilante do pltano& de batina a arrastar nos calhaus
- $o admitimos porcarias aui
e na misKria da hospedaria metade do teu pai no colcho& a
outra metade no soalho& uma trepadeira na anela a respirar aos
impulsos& em ;ouBeia a casa cobria-se de hera no Bero ao passo ue
no inBerno arames ue a geada dissolBia& o meu pai mandou abater o
castanheiro da Kpoca do pai dele
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Qo ue a uma arBKloa aui=S
ue agoniaBa h anos& recusou-se a utiliar a madeira no ogo
- O castanheiro no merece
eCigiu ue o enterrassem a seguir U Binha
Q- +omo uma coisa BiBa pai=S
o meu pai um gesto ao olh-lo& deu-me ideia ue as plpebras
mais grossas& uma corda de baloi@o num ramo no de um irmo& no
nossa& mais recuada no tempo
Quma caiCinha Baia& um peda@o e cordaS
o padrasto do eitor& ue o acompanhaBa U ca@a& a reter-se de
alar com ele
- *epultar uma rBore acha normal patro=
pareceu-me ue comoBido igualmente ao tomar a enCada do
enteado& inBeei-o porue entre ele e o meu pai o ue nunca tiBe&
entendiam-se& o padrasto do eitor umas alturas
- Patro
outras alturas
- Menino
uma manh& era eu peueno& por tu& a apreciar-lhe o tamanho- #icaste homem num segundo cachopo
comiam untos na ca@a como se ossem amigos& concediam-se
opiniFes& pareceres
- #a@a isto a@a auilo
e detestei auele Belho& aogou-se no po@o
- no sirBo para nada
e o meu pai atrs da urna soinho& precedendo a amRlia&
trancou-se no uarto dele de solteiro& no desceu para antar& norespondeu a ninguKm& a minha me pela primeira Be a respeit-lo
- "eiCem-no
a recomendar ue nós calados& sem aer barulho na sala& nessa
noite escutmo-lo l ora a passear na horta& demorou-se no lugar do
castanheiro a rosnar& no dia seguinte meteu-se Us perdies com duas
ca@adeiras& a sua e a ue o eitor lhe emprestou embora nenhum
parceiro o acompanhasse& sem cessar de dormir dei pelo meu pai a
descer as escadas& metade do meu sogro no colcho& a outra metade
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no soalho& a Biinha de toldo sem plpebras mais grossas& sem
espingardas& sem um castanheiro de ue se lamentar& por um tri eu
no
- +Wndida
por um tri ue se achasse um aBental
- %ome
indignar-me com o Bendedor de bolos ue amea@aBa entornar-
lhe o cesto& pis-la& os clientes dos suspensórios abotoando-se U
pressa na direc@o da rua& as cabeleiras posti@as a adearem num
bater de mangas de susto& ganindo mato ora& coCeando
Qem ue moinho de gua curaro as chagas& tVm ome de uma
pedrVs& um coelho=S
a Biinha de toldo
Qa +Wndida senhoresS
a Biinha de toldo
- O doutor leBa-o daui e a esposa no Bai saber no K=
se tiBesse um uarto de solteira trancaBa-se soinha& no descia
para antar& no respondia a ninguKm& a irm da minha mulher de
oelhos na boca- Ai sim=
o ueiCo dela a engelhar-se& repete ue no sou capa anda&
repete& desaNa-me& agarra-me no pulso& B
Q- Ests a ser patKtico desisteS
a pouco de mim
Q- +laro ue no conseguesS
e despreo& chacota& adianta ue no sou homem& tu sempre to
segura& to espertinha& o teu pai no no >eato nem no ardim+onstantino& a mirar o tecto na hospedaria da ;ra@a& as brancas no
ganharam desta Be ue ma@ada& o ornal intacto na cadeira& a minha
mulher
- $o pode ser
esmagando sem se dar conta as pe@as de armar do meu Nlho&
abrindo e echando ao acaso as gaBetas do ar e nas gaBetas %aBira&
ela a escapar-se do pai com a muina otogrNca
- X minha
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correndo atK U ponte& de chapKu de palha com cereas de eltro
ue patetice& correndo atK U ponte sem chapKu nenhum& a muina
caiu na gua& aBariou-se e a minha mulher incapa de chorar& isto K
deseaBa chorar& preparou as ei@Fes para chorar e incapa de chorar&
surpreendida por as lgrimas ni Birem
- O ue se apssa comigo ue no sou capa de chorar=
da mesma orma ue se me inormassem
Qno inormam& uem poderia inormar-me=S
- O teu irmo aleceu
no sou capa de chorar& Nco pairando sobre as lgrimas Bendo-
as acol no meu corpo& prontinhas a sair& transparentes& esKricas&
pedindo-me
-<em
e eu incapa de apanh-las& apanho plpebras secas& a
eCpresso ue no muda salBo os dentes ue se alargam e crescem&
me mastigam& me engolem
- ProRbo-os de engolirem as minhas lgrimas ouBem=
apanho os lbios na minha orelha
- <ieste Ber-me miJdo=o meu pai a sepultar o castanheiro numa pressa de Jria& uma
das gaBetas do ar tombou no cho e na gaBeta as minhas cartas de
namoro to estJpidas& promessas& pedidos& um retrato da tropa com
uma dedicatória
QimbecilS
ue me indigna lembrar-me& eCageros
Qsó eCagerosS
nunca gostei de ti& tinha medo& deseaBa ue a +Wndida- Menino
contigo no eCagerei +Wndida& por muito ue me esorce as
lgrimas ue te pertenciam no consigo apanh-las& longRssimas&
conorme as lgrimas da Biinha de toldo longRssimas dela& nem
seuer me solicitaBa& ordenaBa& uma camponesa& uma criada a
ordenar-me a mim
QBocV tinha rao me& educam-se a chicoteS
- O doutor leBa-o daui e a esposa no Bai saber conta-lhe ue
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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desmaiou com os colegas o cora@o as artKrias
QeducaBam-se a chicote atK os tropas inBentarem um golpe de
Estado para estragar o paRs de orma ue em lugar de criaturas como
deBe ser& cruBadas
- " licen@a
gentinha mal educada& bruta& ue sorte o teu pai no assistir a
isto& a minha me a eneitar-lhe a campa com Basinhos& acintos
- #oi-se embora o egoRsta e eu ue os ature senhoresS
a esposa ue no soube& o hospital& a morgue& o mKdico a
aceitar& rubricando papKis
- $o se inuiete ue estoirou aui d-se um eito
no hospital uma crian@a num banco& essa sim com lgrimas
autVnticas& cuidaBa ue duas plpebras para uma Jnica lgrima e
estaBa errado& se lhas pudesse roubar daBa-as ao meu irmo de
presente
- Ora aR tens o meu desgosto maninho
na anela da morgue TorFes de estuue& a@aates& pombos
espreitando-nos do seu sono pelos reposteiros suos das penas& as
copas sem se destrin@arem dos prKdios de modo ue no se percebiaa uem pertenciam as olhas& em ;ouBeia& ao escut-las& a certea
ue o meu pai a chamar-nos& cada galho a sua Bo& os seus tiues
Qauele moBimento de ombros antes de alarS
uma espKcie de sorriso ue no chegaBa a sorriso e no entanto
ali
- A sKrio ue tens tido uRo miJdo=
tenho tido uRo pai& porto-me como deBe ser no se alarme& o
meu sogro numa mesa de pedra& a gente U espera U entradaconorme se esperaBam as rolas& desde as uatro da manh& nos
buCos& atK ue passada meia hora os nossos corpos buCos tambKm& a
incapacidade de deslocar um centRmetro as raRes dos pKs uando as
primeiras gargantas& os primeiros Boos& a minha mulher
- $o pode ser
a cara ue suplicaBa
- Mente-me
continua a suplicar
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- *empre me mentiste no oi continua a aldrabar-me K tudo o
ue te pe@o mente-me
imaginas ue te mentia e no mentia& para uV mentir& o teu pai
numa mesa de pedra K Berdade& no no ardim +onstantino& no com
os colegas do emprego& o teu pai
a chibatinha uase U altura do meu peito e a descer sem or@a& o
pessegueiro desproBido de rutos& o eitor
- $o uis tV-los
diem ue as rBores sentem como a gente& possuem uma
inteligVncia ualuer& adiBinham a morte delas& a nossa&
compreendem& a chibatinha a soltar-se da mo e ele sem dar K& to
cansado
- <ieste Ber-me miJdo=
nós nos penedos da serra& na Binha& no milho& uem se preocupa
com o pomar& coloca uma porta noBa na adega& a criada ue
mandaste entrar no meu uarto& de pK U minha rente& eu mais
nerBoso ue ela
Qela nerBosa=S
tree anos ulgo eu& catore& a criada Binte e seis& Binte e sete&no morena como as outras& ruiBa& magrinha
- #oi o seu irmo ue me disse menino
uma ligadura no polegar com uma mancha cor-de-rosa de
sangue
Quma tesoura ou issoS
lembro-me melhor da mancha e da ligadura ue das ei@Fes
desculpa& a minha me no rKs-do-cho& a carro@a a guinar unto U
coinhaQaltaBam eiCos nas rodasS
como K ue a@o com ela& conBerso& desabotoo-lhe a arda& no
caso de a abra@ar abra@o-a como& conBerso de uV& tenho medo& se a
desabotoar& ue se encabrite
- O ue K isso=
e se eCalte comigo& o meu irmo no estbulo em lugar de audar-
me& a irm da minha mulher
- %o palerma desiste
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no tinha nada para oerecer-lhe a no ser um selo da !nglaterra
ou um selo do +ongo& o das giraas e dos imbondeiros mais bonito
ue a rainha& tirei o selo do lbum
- $o gostas=
a criada de selo na palma sem se atreBer a recusar& eu na
esperan@a ue o meu irmo Biesse do estbulo salBar-nos& abra@ar&
desabotoar& no necessitas de conBersar ue tontice& conBersas K
com a spessoas da amRlia& sentados U mesa& de ue assuntos se
conBersa com uma parola ue serBe os pratos miJdo& molhas o
mindinho na lRngua& entregas-lhe o pó de eCcitar as mulheres
- ProBa este dedo parola
e no te incomodes a audar com a mo& o meu irmo agarrando-
me o bra@o com or@a a eCaminar o lbum onde altaBa a giraa
- Auele selo do +ongo=
o ue ele me tinha emprestado& no dado& o meu bra@o ue
estalaBa& eu a BeriNc-lo ao largar-me
- Auele selo do +ongo=
por ue motiBo no Ncaste doente nessa altura& a chibatinha a
soltar-se& o ue ulgaBas um sorriso e no mais ue uma careta- <ieste Ber-me miJdo=
dei por ele a discutir com a criada ruiBa& isto K a discutir
soinho& a criada ruiBa muda& a ligadura cor-de-rosa ue no hei-de
esuecer& a minha me
QmeinhaS
despediu-a
- oubaste o selo ao meu Nlho
assisti do porto a ela a subir para a camioneta com a mala& omotorista audou& os castanheiros ue o meu pai no sepultara
desagradados comigo& se a encontrasse agora oerecia-lhe& sei l&
uma tesoura ue no lhe Nesse mal
- "esculpa
no
- "esculpa
o
- "esculpa
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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para as pessoas da amRlia& no se di
- "esculpa
a uma parola ue serBe os pratos U gente& entregaBa-lhe a
tesoura
- ;uarda isso
e ao contrrio do ue eu esperaBa os castanheiros mais
desagradados ainda& ralhar com os castanheiros
- O ue pretendem BocVs no me macem
Qde orma ue o meu pai ue sem rao alguma concordaBa com
eles a erguer a ca@adeira e a matar-meS
eu para a minha mulher imaginas ue te mentia e no mentia&
para uV mentir& o teu pai numa mesa de pedra& no no ardim
+onstantino& no com os colegas do emprego& o teu pai
Qo meu pai sempre do lado dos camponeses no se percebe
poruV& gentinha ue nunca Biu o mar& uase uns bichos& gosta mais
dos bichos ue de mim
- #altaste-lhe ao respeito miJdo obrigaste a tua me a eCpuls-la
uis traer a criada de Bolta e a minha me no deiCou& uma
Bigarista& uma ladra& durante uma semana o Belho como se eu noeCistisse& da Jnica Be ue eCisti oi para me cuspir no corredor
- Xs um pulhaS
o teu pai com a amante na hospedaria da ;ra@a
Qtinha rao pai sou um pulhaS
no bem uma hospedaria& uma dessas coisas U hora& recordas-te
por acaso da Biinha de toldo
Qsou um pulhaS
a cadeirita de lona& o crochet& o Bendedor de bolos ue a tro@aBaNngindo pis-la ou derramar-lhe o cesto a piscar-nos o olho&
recordas-te da ineli na esplanada a seguir ao antar& o mesmo
Bestido& a mesma timide& um reresco& uma gua& uma coisa barata&
um golinho ou a aer de conta ue um golinho para poupar na
bebida enuanto ondas amarelas& brancas& Bermelhas
enuanto ondas no amarelas nem brancas nem Bermelhas ue
ideia& isto U noite cara@as& as ondas cor de tinta na praia& uns
pontinhos de lu& ao aastar-me do teu corpo tu
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- $o te apete@o conessa
eu um mentiroso& um pulha
- $o K isso K um dente uma espKcie de pesol atrs
no acendas a lu para espreitares a boca ue no se nota& como
poderia notar-se& a lRngua& a gengiBa e alKm disso no Ks mKdico& no
sabes& garanto-te ue uma espKcie de peso l atrs& o teu pai com a
Biinha de toldo Us uartas-eiras na tal hospedaria da ;ra@a& no um
hotelito& uma coisa a desaer-se& um barraco& no imaginaBas pois
no& no acreditaBas pois no& o teu pai
Qo meu pai a cuspir-me no corredor
- Xs um pulha
e os castanheiros de acordo com ele& o pessegueiro& ue eu
supunha do meu lado& tambKm& o meu irmo no estbulo e o meu pai
- "ois pulhas
a mat-lo igualmente& somos dois pulhas maninho
- <ocVs no Balem um chaBo
no Balemos um chaBo& a chibatinha ue se desprende da mo
um castigo de "eusS
o teu pai com a Biinha de toldo em *intra no Torir das accias&nem para ele prestas sabias& tu desaeitada& tu gorda& alguma Be ele
contigo no Torir das accias& se caRsses na asneira de
- $o se interessa por mim pai=
Qo pessegueiro ue eu supunha do meu lado desiludido comigoS
ele a aastar-se de ti na direc@o do problema das damas porue um
dente l atrs enuanto com a Biinha de toldo nenhum dente& o teu
pai so& as accias de *intra perto de *eteais em abril& a irm da
minha mulher& de oelhos na boca& indeesa no so& a mobRlia incapade consol-la& os reposteiros inJteis& mostrar-lhe ue as coisas no
acabam uando a gente pensa ue ideia& supomos ue terminaram e
aR esto elas BiBas& a irm da minha mulher
- $o consegues calar-te=
e dou rao ao meu pai& a sKrio ue lhe dou rao& no Balho um
chaBo& sou pulha
Q- A me no te uer cS
no consigo calar-me& ;ouBeia U minha rente& as casitas ue
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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come@aBa a Ber ao longe na encosta da serra& a nKBoa da manh em
agosto e uma impressoinha& de uem nem me dei conta ao
princRpio& a moBer-se por dentro& alegre e triste acho eu& uma
eCalta@o& uma angJstia& alta de cheiros& inBernos& angas&
recorda@Fes& a +Wndida ue perdoaBa tudo e me deiCaBa umar& no
se ueiCaBa aos meus pais a cretina& a culpa de ser pulha K tua
+Wndida e a +Wndida uase a beiar-me a mo
- Menino
deBias golpear-me com um sacho como o coronel e ao tio
Aruimedes porue no consigo calar-me& o caiCo na sala de antar&
o coronel compareceu no Belório& de colarinho preso com um alNnete
de prata& persignou-se unto das Tores& dobrou-se para a minha me&
as minhas tias
- A Bontade do AltRssimo sempre acima das nossas com o auCRlio
da #K entenderemos os *eus desRgnios um dia
o meu pai a chamar-nos
- +umprimentem o senhor coronel rapainhos
Qno pulhas& ue engra@adoS
o coronel dedos Bagarosos& breBes& as rKdeas da mula atadas nacancela& no consigo calar-me& a sobrinha hoe corcunda& de bengala&
a entrar na igrea& num internato em <iseu& um ueiCal escuro
meditando
- O Aruimedes uem era=
no sei uem era& um senhor loiro& maestoso& a Bigiar a limpea
do braso na achada& Bolta e meia um rebu@ado saRa-lhe do bolso
- AproBeitem
eis o ue lembro dele mais a Bo condescendente a pingar sobremim
- AproBeitem
o ruRdo das botas do coronel ao ir-se embora da sala& o meu pai
a acompanh-lo
- Por aui por aui
as pKtalas do pessegueiro ue o Bento dispersaBa& a ameiCoeira
mais tarde
Qou mais cedo=S
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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o meu irmo a eCibir-me a oice
- ,m dia palaBra de honra uebro as patas U mula
pó e olhas no lago em ue antigamente peiCes& cada Be menos
dinheiro deriBado as partilhas e ao meu pai no +asino& eCplicaBa U
minha me& com o empregado a leBar-lhe a mala U esta@o& ue
negócios& terrenos
- %enho de conBencer o banco em Lisboa
Qem ue altura me segredaram ue o coronel ia comprando as
aendas& os prKdios& a hipoteca da casa
no consigo calar-me
em ue altura o coronel dono dele& nosso dono=S
regressaBa de Lisboa sem sobretudo& sem mala
- Perdi-os
QaNnal no apenas eu ue minto& ue aldrabo senhor&
proBaBelmente herdei de si& proBaBelmente o seu sangueS
pegaBa na ca@adeira& sumia-se na mata Us rolas ora da Kpoca
das rolas& os estampidos respondiam-se de pinhal em pinhal& ia urar
ue disparaBa contra ratos& ouri@os& contra a sua sombra no cho a
acus-lo- Xs um pulha
a decidir& resoluta& num desgosto dele
- $o mereces BiBer
Qem ue altura me inormaram ue no pertencRamos a nós&
pertencRamos a um alNnete de prata a echar um colarinho& oi por
esse motiBo no oi pai ue BocV
- +umprimentem o senhor coronel rapainhos
BocV o camponVs& o criado& pode matar com o sacho a minhamulher& os meus Nlhos ue eu aceito& ue remKdio aceitar
as pKtalas da ameiCoeira mais tarde
era isto pai& conere
no consigo calar-meS
a sobrinha do coronel a beliscar-me a bochecha
- Pareces-te com o teu tio
e also& no pare@o. o +orreio& sem a dona +ecRlia& transormado
em caK&a s escadas imaginadas por mim com mais degraus& mais
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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largas e aNnal estreitinhas& ceis de galgar& o meu irmo enrolado
em promissórias& dRBidas
Qas pKtalas
da ameiCoeira rebentaBam mais tardeS
a bater a chibatinha na anca
- A me deitada l em cima
a me& ue oi rica& l em cima& BocV deu cabo dela pai& no
lhe compreendi o aedume& acho ue a perdoo agora& BocV no
terra@o a beber& bebeu as aendas uma a uma& a colheita do ano ue
Bem& o aeite& o meu irmo a mostrar-me as cartas dos credores
- Olha isto
os registos de propriedade em Mangualde& na ;uarda& a uinta
de Pinhel ue perdemos& o solar de +anas ue no nos pertencia&
nem uma carro@a& uma alaia& uma cómoda ue se mantiBessem
nossas& as óias da minha me eBaporadas no +asino& dispare contra
si mesmo& sea um homem senhor& desculpe ue lhe diga
Qe digo com respeitoS
mas BocV um pulha como nós pai& BocV um pulha paiinho& por
sua causa o meu irmo de Herodes para Pilatos a pedinchar& a urarQo ue lhe deBe ter custado& percebe=S
- Para o ano ue Bem no mCimo satisa@o essa dRBida
por sua causa o meu irmo incapa de segurar a chibatinha
Qas pKtalas da ameiCoeira cessaram de nascer& o sulato to
caroS
- <ieste Ber-me miJdo=
BocV no bebeu apenas as aendas& as colheitas& o aeite& bebeu
a minha me e de caminho& sem mudar de copoQpara uV mudar de copo connosco=S
bebeu-nos igualmente& pensando melhor no era a mim ue a
minha me detestaBa& era a si atraBKs de mim& as sobrancelhas uma
sobrancelha apenas ue media& aBaliaBa& condenaBa
- %ens ualuer coisa do teu pai no sei o uV
mesmo depois do tiro de ca@adeira na ceBada& apesar de no
eCistirem rolas nem perdies
Qno consigo calar-meS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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a gente U sua espera para o almo@o e um tiro de ca@adeira na
ceBada& os melros esparBoados& o meu irmo a imobiliar-se no
escritório entre duas acturas& os olhos brancos& sem pupilas& e no a
Bo& um som nele a aBisar
- Espera aR
o meu irmo sem olhos correndo uintal ora& a minha me a
impedir-me de o seguir atraBessando o cotoBelo na porta
- $o te meCas
bastaBa-me empurr-la e no empurrei& permaneci Ntando-a
apesar de BocV raca coitada& sem energia meinha& os passos do
meu irmo no uintal e eu parado com ualuer coisa do meu pai
nas ei@Fes& nos tiues& dado ue BocV conundindo-me com ele& a
sua desiluso& o seu ódio e talBe nem desiluso nem ódio&
serenidade& alRBio
- %inha de ser assim no era=
no leBe a mal dier isto mas se com apenas um tiro nos
matssemos a ambos& eu de bru@os na ceBada ao lado do meu pai ou
ento& de bru@os na ceBada& o meu pai mais um prolongamento dele&
eu senhora& tenho a sensa@o ue se alegraBa meinhaQno Alenteo os corBos
no conhe@o o Alenteo& sei ue calor& misKria& passei a minha
inWncia na serra& no me entendo com corBosS
sem o meu pai e eu BocV menos amarga& contente
Q- A me no te uer c miJdoS
BocV e o meu irmo em pa em lugar da ansiedade das dRBidas& a
casa pertencia-lhe& a rac@o em Pinhel pertencia-lhe& Mangualde e a
;uarda pertenciam-lhe& o pai chegou de Mortgua para adesinuietar conesse& declarou ue o pai dele engenheiro e also&
proessor primrio acho eu& nem um retrato desse aBY eCistia& teBe-o
de uma modista& no da esposa& o meu pai atK U tropa num uartinho
com a me dele em Lamego& maneuins de pano& erros de engomar&
moldes& o meu oai mentiras& aldrabices tal como eu aldrabices&
mentiras& imaginas ue te mentia e no mentia
Qno consigo calar-meS
para uV mentir& o teu pai numa mesa de pedra K Berdade& o
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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meu pai& sem metade da testa& unto U ca@adeira na ceBada& o meu
irmo de mos nos bolsos a pasmar para o sangue& no corBos& um
gaBio algures& uma aBe de rapina com um pinto nas unhas& o nari
do coronel igual ao bico delas
- $o me espantes a mula garoto
na tarde em ue o meu irmo o esperou com a oice& sob o bico
do gaBio as pestanas a baterem
- $o me espantes a mula
o alNnete de prata do colarinho com um pingo Bermelho& um
segundo pingo no peito& a mula de reio pendurado deu com o
traecto do regresso sem necessitar ue a leBassem& um terceiro
pingo na sela& a boca do coronel a eCplicar U ;uarda
- ,m cigano a caminho de Espanha desistam
e por conseguinte& na ideia de curar as minhas chagas& o teu pai
cunhadinha na hospedaria da ;ra@a com a Biinha de toldo& a
amante& no enNes os oelhos na boca& no te escapes de mim& no
- +ala-te
Bisto ue no consigo calar-me& K a tua Be de chorar& a minha
mulher- $o pode ser
e o pai dela resolBendo o problema das damas numa gaBeta do
ar
Qas brancas ogam e ganhamS
eCperimentando solu@Fes aogado no ornal& recome@ando&
insistindo& o meu pai
Qno pretendas enganar-meS
no com a Biinha de toldo& com os colegas do emprego& todas asuartas-eiras com os colegas do emprego desde ue se reormaram&
um golpe de oice atK Us BKrtebras do pesco@o senhor coronel& aR
tem& a chibatinha& agora sim& a alcan@ar-me os ombros& a cara&
decidida& Nrme
- <ieste eBr-me miJdo=
o meu irmo no deitado no so Bermelho& no so a aNlhada do
padre a reunir a saia& a blusa& os sapatos
Qas coCas dela to redondasS
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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murmurando osse o ue osse ue no logrei ouBir&
proBaBelmente
- $o se trata do ue tu pensas peueno
uma desculpa assim parBa& no gKnero de
- E um dente uma espKcie de peso l atrs escusas de espreitar
ue no se nota daR
proBaBelmente nem seuer ele& o pessegueiro
- Xs um pulha
por sorte minha demasiado distante para o entender em Lisboa
sobretudo porue um Bentinho no uarteiro da morgue a dispersar
as palaBras e K noite& uma Baranda com TorFes de estuue& a@aates&
releBos e sob os releBos eu numa mesa de pedra sem ue a +Wndida
me estendesse o aBental para me esconder nele& no permitindo ue
BocVs se apercebessem das lgrimas.
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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ÚLTIMA NARRATIVA
*e calhar %aBira no eCiste. $em *intra. H uanto tempo isto
oi= %erei inBentado tudo= *onhado tudo= "emoro na resposta mas
penso ue no: completam-se trVs anos para o mVs ue Bem& no dia
one& ue ele morreu. $unca mais oi U ;ra@a: para uV= E no
entanto creio no ter inBentado porue me lembro da hospedaria& da
anela diante da ual nos sentBamos& U espera. AchaBa eu ue U
espera embora me perguntasse de uem dado no recebermos
Bisitas& nenhuma Bo no corredor
- " licen@a=
apenas passos& conBersas ue prescindiam da gente& nos
ignoraBam. OuBiram alar de nós= *aberiam uem Kramos= "uBido
mas pode ser ue os inormassem do casal de idade Us uartas-eirasno primeiro andar& educados& tranuilos& partindo antes da noite&
discretos&
se calhar um bocadinho ridRculos& pelo lado das rBores& primeiro
ele& depois ela& tomando aten@o aos degraus& de parede sempre ao
alcance dos dedos& imobiliando-se a descansar numa esuina
aendo de conta ue se interessaBam por uma montra& um gato& o
elKctrico iluminado& uase Baio& a descer para a >aiCa. AlguKm
ocupa o nosso uarto agora& nosso uarto K como uem di& o uartoue alugmos& obserBando por nós a trepadeira no caiCilho:
continuar ali& moBendo-se deBagarinho a assinalar o Bento= ulgo
ue sim: certas coisas& nunca as ue supomos mais interessantes&
nunca auelas ue nos comoBeram& permanecem intactas: a
bailarina a girar numa mesa de pK-de-galo por eCemplo& um
empregado de ue no recordo as ei@Fes a caBar na uinta& esueci
o nome dele e em contrapartida no me esueci da enCada nem do
rego onde semearam batatas& por Bia do rego chego a sentir uma
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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crispa@oita na terra ue h em mim e alis aumenta& crispa@o K
eCagero& direi melhor um regoio brando& uma alegria plida& eu
uase só terra hoe em dia& umas erBas dispersas& umas pedras e no
entanto& para surpresa minha& meia dJia de mJsculos ue teimam& o
espasmo da pele a arrebitar-se ao sol& o olho esuerdo& praticamente
intacto& Bigiando& passeio de Be em uando no >eato presumo ue
nem seuer por saudade e acabou-se& a loa do otógrao acabou-se& o
ponto nem um rolo de cordas para amostra uanto mais um sueito
a umar& mantVm-se restos das hortas de proBRncia& uns pKs de
a@aro& uma oliBeira& uando eu doente em +oimbra daBa aten@o
aos pinheiros& no aos troncos em si& Us respira@Fes& aos apelos& ao
sorimento das cómodas uturas a protestar na madeira& passeio no
>eato sem lhe sentir a alta& no dei por gaiBotas em +oimbra e
uase no dou aui& em +oimbra pardais& tordos& aui no o cheiro
da gua mas dos cani@os& coisas insigniNcantes& palhinhas& uma bota
muito direita e uase noBa anteontem& liCos ue tocam na muralha&
recuam ou nem chegam a tocar& detVm-se eCactamente antes de
tocar& oscilam& Bo-se embora& encontro-os de metros abaiCo& na
direc@o da o& a oscilarem sempre& passou-me pela cabe@a pegarnuma Bara e arpoar a bota& coscuBilhei em torno em busca de um
anol& um pau& medi os riscos de uma ueda ou isso& apenas um casal
com uma crian@a ue nem dariam por mim& a crian@a num triciclo e o
casal atrs& proBaBelmente no os pais ou só o pai ou só a me Bisto
ue se beiaBam& pondo este trecho como deBe ser a crian@a antes&
saindo do triciclo para apanhar osse o ue osse e leB-lo U boca ou
suar-se num charco e a me ou o pai& distraRdos pela companhia e
por conseuVncia incapaes de me audarem& a seguir& no eCcluo apossibilidade de a crian@a me apontar com o dedo& se debru@ar
inclusiBe para assistir ao aogamento ue calculo no muito longo
deriBado Us minhas limita@Fes motoras& isto K um remeCer breBe&
uma palaBra conusa se tanto& no de pedido de auCRlio nem de medo&
uma palaBra somente& no concebo bem ual& a Jnica ue criei ou a
minha eCtin@o me oereceu
Q- AR tens uma palaBra só tua ue ninguKm escutarS
a hipótese para ue no me inclino& deBido U espessura do lodo&
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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de uns cRrculos enNm& a crian@a logo distraRda por um noBo charco
ou uma noBa descoberta no cho& um caro@o& um prego& pareceu-me
entender ue a me
Qou o paiS
a ralharem com ela
- Larga isso
uma ordem ilustrada pela imagem da crian@a a torcer-se de
cólicas por Bia do prego unto ao triciclo tombado& eu daR a pouco de
metros abaiCo na direc@o da o chegando-me U muralha e recuando
a oscilar& a bota& aNnal minha& a dan@ar com as palhinhas& se calhar
%aBira nunca eCistiu nem a praia nem o Bendedor de bolos nem a
miJda de muina otogrNca a escapar-se de um homem ue me
olhou um instante e ao olhar-me um instante o tempo coagulou-se&
parou& a me
Qou o paiS
da crian@a a eCibirem-lhe o caro@o
Qou o pregoS
dotado de propriedades tremendas& diRceis de imaginar num
Bolume to peueno- 9ueres morrer=
U medida ue eu pensaBa
- %aBira=
e os toldos se me desBaneciam da ideia& NcaBam as respira@Fes e
apelos dos pinheiros em +oimbra& o sorimento das cómodas uturas
a estalarem U noite& se %aBira osse Berdade seria Berdade um
pensoita longe das esplanadas e dos hotKis e da areia& no eCtremo
oposto ao mar em ue só a meio do sono uma Baga& acordaBasonhando ouBi-la& pedia
- epete
e Baga alguma& silVncio& eu desperta& soinha& resistindo a
adormecer interessada no mar& talBe o sinta& talBe Benha e em
lugar do mar percebia& desencantada& os pinheiros de +oimbra& os
abetos da inWncia& os legumes sempre deseosos de aten@o
- E nós=
se caRsse na asneira de lhes dier
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- $o so BocVs K o mar ue me apetece
uma eCclama@o de oensa& um meneio angado& a certea ue a
eCclama@o de oensa a impedir-me uma onda& a Jnica em toda a
noite ue se ralou comigo& eu danada com os legumes
- $o me impe@am a onda
a minha me
- O ue oi=
e no podia responder-lhe Bisto ue se me ueiCasse dos
legumes deendia-os logo
- +ala-te
a pensoita
Qse K ue %aBira oi Berdade e *intra e a hospedaria da ;ra@a da
ual me escapaBa antes da noite pelo lado das rBoresS
no eCtremo oposto ao mar& piteiras& casas Belhas& a linha do
comboio de Espanha em ue talBe no se BiBa de maneira dierente
e portanto triciclos& pregos& uma mulher ue se aoga& no bem uma
pensoita alis& o andar de um reormado ue desde o alecimento
da esposa& por necessidade de alguKm capa de chamar a
ambulWnciaQe os legumes& sem descanso
- E nós=S
se lhe der um desmaio alugaBa uartos U Kpoca o ue me leBa U
pergunta de como aria no inBerno sem um Jnico hóspede e o mar
ento sim. nas suas ebres de outubro& entrando-lhe porta dentro de
mistura com a lembran@a da esposa a engomar na coinha&
proBaBelmente instalaBa-se numa cadeira unto U porta da rua no
echada U chaBe& no trinco& atento ao cora@o e U cabe@a dado serpelo cora@o ou a cabe@a ue as desgra@as come@am
- *e me der um desmaio abro-a logo
com um prato de sopa no colo e uma almoada para os
incómodos da noite nas alturas em ue o euinócio desinuieta as
marKs e espumas negras leBam os toldos para caBernas onde&
segurando-os nas patas dianteiras& os deBoram rasgando-os&
largando cordas e peda@os de pano ue sobeam no ue sobea da
praia& ignoro porue no aem o mesmo com os legumes da uinta
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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impedindo-os de me incomodarem com irrita@Fes& ciJmes
- E nós=
no me apare@a a deendV-los me
- +ala-te
uando sabe to bem como eu ue K Berdade& BocV& o meu pai e
o empregado a semearem-nos& a regarem-nos e eles de imediato
- E nós=
no para os outros& para mim ue sempre ui prudente e me
mantinha aastada
- E nós=
pegando-se U minha pessoa conorme o reormado da pensoita
em %aBira a desabotoar o punho da camisa& a estender o bra@o
conBidando-me a ue eu dois dedos na pele& conrontando-lhe as
batidas do sangue com o relógio
- <ea-me se este pulso est bom
o retrato da esposa impossRBel de perceber dado ue uma arra
de Tores a cobri-lo e entre parVntesis& ue estamos nisso& deBe ter
eCperimentado o pulso durante trinta ou uarenta anos& de olho no
ponteiro dos segundos& Brias ocasiFes por dia& emitindo no Nnal decada eCame um parecer ue com o tempo se oi tornando mais
sucinto atK se transormar num grunhido ue em Be de contar o
sangue se limitaBa a aguardar ue o ponteiro& de sJbito lentRssimo&
compeltasse a Boltinha a Nm de aconselhar& aastando-se do bra@o
- Abotoa-te
no instante& uem sabe& em ue a Baga ue sempre esperei& ue
mesmo hoe& perdoe-se-me a inconNdVncia& espero& a ue daria U
minha Bida uma rao ue me escapa e ue a decidir Bisitar-me meaudar a echar este liBro
Qsou eu ue echo este liBroS
com a palaBra Nm& ou sea uma palaBra no de pedido de auCRlio
nem de medo& uma palaBra somente& uase nem um som& uma
agita@o breBe deriBado Us minhas limita@Fes motoras& uns cRrculos e
pronto como no passeio do >eato
Qa crian@a& o tricicloS
e nada mais na pagina Baia& talBe uma bota entre palhinhas&
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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chegando-se e recuando sem tocar na muralha& a crian@a do triciclo
a apontar com o dedo o sRtio onde deiCei de estar consoante %aBira&
*intra e o ardim +onstantino deiCaram de estar& Ncou no a
hospedaria da ;ra@a mas um chapKu de cereas de eltro sobre uma
cama deserta e um cacto num muro& um chapKu ue me comoBeria
se me comoBesse ainda& se persistisse em mim algo capa de respirar
no gKnero de um remorso& uma dor& eu uase satiseita obserBando o
chapKu
- Olha um remorso uma dor
e a crian@a a Ntar-me sem abandonar o triciclo& por um instante
ela e eu da mesma idade& entendendo-nos& atK a crian@a resolBer
disar@ar-se de crian@a metendo o caro@o ou o prego na boca e
recome@ando a pedalar na plataorma de cimento para longe de mim&
no sentido onde o ponto outrora com os seus restos de barcos& os
seus rolos de corda& os bebKs ue em breBe gritariam de ome
alongando os pesco@os nos ninhos das molduras& o senhor ao colo da
me
Qnunca lhe aceitei o dinheiro& como poderia aceitar-lhe o
dinheiro=Snuma otograNa de estJdio em ue uma princesa de la@arote no
cabelo remaBa num lago
Qse pudesse terminar o liBro imediatamente& se me dessem
liberdade& se dependesse de mim terminaa& detesto o ue contoS
remaBa num lago& no insistir na descri@o dos telFes
QpoupaBa tanta coisa desnecessria a tanta gente se terminasse
iS
a ganharem pó a um cantoQa partir do momento em ue cheguei ao chapKu sobre a cama
Baia para uV continuar=S
numa caBe entaipada& a insRgnia Photo oIal Lda no sobre a
montra& no cho& conserBaBa as cartas dele na minha gaBeta em
+oimbra& hoe
QescreBia-meS
resolBi em menos de uma hora um problema de damas& orgulhe-
se de mim por aBor& e eCplicaBa-me com setas de Brias cores os
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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moBimentos das pedras& na Jltima carta& a seguir ao problema dos
domingos& mais diRcil ue os problemas da semana& uma pergunta
em letra miudinha& medrosa da resposta
a menina aleceu no oi=
e a despedida cheia de noBe horas& o nome completo& os
legumes ultraados
- E nós=
o sacho do empregado no a caBar-me o corpo& a aleiar-me os
pulmFes& a bailarina ergueu o bra@o e parou& ergueu o bra@o mais
um pouco& entortou-se preocupada
- #aleceste a sKrio=
e se aleci apontem-me depressa com o dedo onde deiCei de
estar dado ue com o tempo tudo mais abaiCo no sentido da o&
aproCimando-se e aastando-se sem tocar na muralha conorme as
recorda@Fes se aproCimam e aastam& insigniNcantes& miJdas& eu a
perguntar-me
- *ero minhas=
indecisa uanto a ele a espreitar-me U socapa em %aBira uando
a amRlia entretida com os bolos ou a Bisitar comigo as accias de*intra& Tores amarelas& disso recordo-me& uma Bereda em ue um
negrume perpKtuo& recordo-me de me sentar num banco entre os
pltanos da esta@o& aceitando o reTeCo num Bidro
- ANnal sou assim
to dierente da ue morou com os meus pais e se escondia no
uarto deriBado U enCada ue lhe amea@aBa o Bentre enuanto na
igrea deserta as imagens dos santos a condenaBam ao !nerno& eu a
pensar se calhar o !nerno K isto& uma maestade sombria& se calhar o!nerno K no haBer mistKrio& uando eu era peuena daBam corda U
bailarina& uma musiuinha desaNnada acompanhaBa os rodopios e a
minha aBó a lamentar-se
- $o aguento este barulho
a musiuinha eCausta uma nota aui& outra ali& ulgBamos ue
muda e uma nota perdida& mesmo depois de muda tinha a impresso
de escut-la
Qcomo echar este liBro=S
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e no bem uma nota& passaBam-se minutos& a gente descansados
e Bai daR& sem aBiso& nós U mesa a comermos e desmesurado U or@a
de microscópio
Qos garos a Tutuarem& a minha aBó de mo no peitoS
um pinguito de som& um segundo pinguito a meio da noite
enchendo a casa& apesar de to tKnue& num sobressalto de estrondo&
a minha prima a impedir o marido de esmagar com o tacho a
bailarina oblRua& sem ei@Fes tirando o cantinho da boca ue
utiliaBa para comunicar comigo& se por acaso eu deronte da mesa
de pK-de-galo a minha me logo
Qcomo echar este liBro=S
- *ai daR
Qa ma@ada com o echo do liBro K ue no basta uma agita@o
antes do silVncio& esta bota uase noBa& estas palhasS
no osse ela decidir-se por um impulso oCidado& necessito antes
do silVncio de uma palaBra como deBe ser& no um pedido de auCRlio
nem um sinal de medo& uma palaBra somente
e o resto da pgina branca& o chapKu das cereas de eltro
orgulhoso de mim& uma palaBra semelhante a um pinguito de somue no incomoda ninguKm por se saber o Jltimo& a gente U mesa em
sossego& o tacho na toalha& a minha aBó tranuila
- +ontinua a Balsar se te der gana o ue me importa=
por conseguinte& onde K ue eu ia& acho ue no impulso oCidado
ue mal o mencionei me trouCe logo U memória os pinheiros de
+oimbra& o senhor perto da cerca
Qdiia-meS
na esperan@a de lu numa anela e nenhuma lWmpada nunca&lWmpada& alis& ue se eu acendesse hoe ele no podia Ber& Beo-a no
seu lugar& empurrando sombras para o canto da sala& a minha& por
eCemplo& entre o armrio e o baJ e ue daui a bocado& com a Binda
da manh
Que horas so neste momento=S
come@ar a diluir-se transormando-se em cali@a ao ponto de me
interrogar onde estou atK ue o sol a traga de Bolta alongando-a no
cho& os pinheiros de +oimbra ou a trepadeira da ;ra@a em abril&
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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agulhas& gaBinhas sem energia ue no prendiam o ar& o ouriBes
- Xs serBida=
e a minha me obrigando-me a caminhar mais depressa
- $o respondas
no& enganei-me& isto no comigo& com a da arBKloa e da praia& a
ue me ordenou
- %u K ue echas o liBro
a ue manda na gente ou a uem mandaram ue mandasse na
gente& um ulano ue no conhe@o a desesperar-se connosco& a
alterar& a trocar-nos
Q- $o K assim ue gaitaS
a Boltar ao princRpio& o ulano ue decidiu no h muito& acho eu
- Es tu ue echas o liBro
e embora arrependido de eu a echar o liBro continua por
teimosia a escreBer& ou sea ue eu neste andar no muito longe do
>eato esperando uem no Bir ou no esperando nada& no ouBindo
nada& no alando& eu com a bailarina na mesa de pK-de-galo para a
ual nem olho e a ue nunca dou corda& otograaram-me com ela no
dia comunho solene na Kpoca em ue a musiuinha agradaBa Uspessoas& o marido da minha prima trouCe-a da eira em Pombal onde
ela com mais trinta& umas de saia aul& outras de saia Berde& sobre
um pano no cho& o marido da minha prima sem echar a porta
Qsinal de entusiasmoS
desembara@ou-a do papel de seda& de um segundo papel de
seda& de um terceiro papel& no de seda& uma olha de ornal
Qas brancas ogam e ganhamS
a chamar-nos- <eam isto
deu sete ou oito eitos com uma espKcie de chaBe& mandou ue
recussemos esBoa@ando mos
- Esperem só
desamarrotou-lhe a saia com a pontinha dos dedos
- HaBia aul e haBia Berde
a minha prima
- %inha preerido o Berde
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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e a bailarina& estremecendo a meio do percurso numa
resistVncia ualuer& um aleio do mecanismo& um espigo& um
ressalto& principiaBa a moBer-se& o marido da minha prima para a
minha prima num ódio manso& demorado& demasiado manso e
demasiado demorado em ue se adiBinhaBam gritos& um pontapK
numa cadeira& uma garraa a tombar
- %inhas preerido o Berde poruV=
e antes ue a minha prima enumerasse raFes& U medida ue a
mJsica no ainda pinguinhos& uma chuBa de notas& essas ue na
primaBera& uando por acaso uma nuBem& cantam nos gerWnios& U
medida ue a mJsica se ia tornando mais rpida& mais clara e a
bailarina trepidaBa no ressalto& inclinando-se para a direita e para a
esuerda de eCpresso impassRBel
Qde inRcio olhos& lbios& as ei@Fes completas& cerdas nuns uros&
uatro ou cinco& a imitarem cabeloS
a bailarina uma sacudidela no aleiio do mecanismo
Qcomo eu Us Bees por caus desta coCaS
antes de o ultrapassar numa guinada& a minha prima&
arrependeiBos- $o penses ue desgosto do aul
uma das garraas do aparador a aproCimar-se do rebordo&
indecisa
- +aio primeiro ue as outras=
lgrimas sem dono penduradas na sala U procura de plpebras
- Estou mesmo a eito preNram-me
a bailarina rodopiando sempre a inormar
- $o K assunto ue me diga respeitoo tacho do marido da minha prima tambKm manso& demorado&
uase to manso e demorado uanto a Bo
- %inhas preerido o Berde no era=
dando ideia ue de acordo com o Berde& preerindo o Berde
igualmente
Q- +ome@o a dar-te rao sou mesmo parBo no sou K to catita o
BerdeS
a minha prima apoderou-se de uma das lgrimas e colocou-a Us
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cegas entre a bochecha e o ueiCo& a lgrima mal austada& sem uma
coBinha de pele& desatou a descer& eu a ampar-la com o dedo
- *egure-a senhora antes ue caia no soalho
lgrimas mais ruidosas ue cadeiras& garraas& o meu pWnico se
a minha me a chorar& procuraBa-lhe o colo
- Me
to agitada& nerBosa& a chorar igualmente& a cara dela nas
palmas e eu a tentar despeg-las
- Mostre-me a cara me
no uma cara de mulher& uma cara de crian@a& desarrumada&
rgil& no aul& no Berde
Qo marido da minha prima a preparar o tacho
- %odos preerimos o BerdeS
uase roCa& Bermelha& a sacudir os ombros porue uma
resistVncia& um aleio do mecanismo& um ressalto
- "eram-lhe corda me=
Eu a mais crescida das duas ampliando os oelhos
- X melhor ao contrrio sente-se ao meu colo senhora
Quantas Bees na hospedaria da ;ra@a a cabe@a do senhor nomeu
ombro eu ue no tenho ninguKm& nem uma Nlha para amostra&
nem um rolo de cordas num ponto a uem possa dier
- Pai
no interessa ue no uma pessoa& um rolo de cordas num
ponto e a ideia de um comboio chegam para ue a gente
- Pai
o meu pai a ue nenhuma de nós ligaBa morou aui comigo&trataBa dele sem o BerS
uando a bailarina se imobiliou interrompendo a pirueta&
orgulhosa& a Ntar-nos& a minha aBó estarrecida
- Parece uma rancesa
e mais lgrimas U espera ue se serBissem delas
Qnunca aprendi a utili-las& no choroS
um galo tresnoitado soltou-se com Rmpeto da própria garganta e
riscou tudo de gi& tra@os ue ueimaBam na ardósia da anela
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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cobrindo o Bento& os legumes& os pinheiros de +oimbra& a minha
prima para o tacho ao mesmo tempo ue o galo se calaBa e as ps do
moinho da rega areaBam brisas
Qsero os barcos ao baloi@arem ue abricam a enchente=S
- $o tiBe inten@o de oender
a bailarina no Berde nem aul& cor alguma& dando-lhe corda
um arranco& dois arrancos e cansada& o bra@o erguido a ustiNcar-se
- X diRcil
o meu pai morou aui comigo& trataBa dele sem o Ber& traia-lhe
a comida& audaBa-o a barbear-se& nenhum de nós alaBa& como diabo
se percebe ue uma pessoa alece se no ala connosco& na
hospedaria da ;ra@a o senhor e eu lado a lado no deitados na cama&
Bestidos& em silVncio tambKm& uma ou duas tardes& se tanto& a mo
dele sobre a minha& demoraBa-se um momento& daBa conta ue se
demoraBa& ia-se embora
- Perdo
a Nlha dele U espera no largo
Qcomo echar este liBro=S
no descontente comigo& acol simplesmente& em %aBiradesBiaBa-se da me e da irm& do pai no e no entanto se o pai uma
rase& uma estinha
- 9ue K isso=
a morrer pela rase& a estinha e
- 9ue K isso=
o cotoBelo de imediato
- 9ue K isso=
com trVs& uatro anos& a seguir de& a seguir doe e o cotoBelosempre9ue K isso=
ao perguntar-lheEla no gosta de si=
a mo apertando-me sete& one& cinco Bees como se a com as
miJdas e só ento a ir-se embora
- Perdo
espreitei de noBo e a Nlha a abandonar o largo& deu-me ideia ue
a enCerguei em *intra a espreitar-nos& seguia-nos atK Us accias e
mal as primeiras Tores sobre o muro perdRamo-la& se me
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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consentissem
- #echa este liBro como uiseres
terminaBa-o aui& com pKtalas amarelas descendo na sombra&
colocaBa os taipais& batia a porta de casa e no se notaBa seno um
prKdio entre prKdios e a rua Baia& pode ser ue ento& depois de
tantos anos& um pinguinho de som& alguKm ue no era ele e tanto
deseei ue osse ele ao meu ouBido
- $o sentes o mar=
o senhor ue depois de o leBarem da hospedaria da ;ra@a no
tornei a
Qse depois de o leBarem da hospedaria da ;ra@a eu pudesseS
o senhor ue depois de o leBarem da hospedaria da ;ra@a no
tornei a Ber& no mVs passado aluguei um uarto soinha& os trVs
degraus da entrada impossRBeis de subir& um dos rapaes de
cabeleira posti@a deu-me corda& audou-me& um impulso& outro
impulso& um rodopio penoso& o rapa de cabeleira posti@a a segurar-
me o soBaco
- Empenou tiainha=
Qse lhe pedisse- "V-me corda de noBo
compreender-me-ia=S
no se sentia o mar mas sentia-se a trepadeira na achada& o
elKctrico euilibrando-se a custo ao desaer a curBa& costumaBa
demorar-me na paragem como se os pinheiros de +oimbra& de
uando em uando uma cotoBia
QsilBos curtos& rpidosS
mais próCima ue os ramos& uase dentro do sanatório e aempregada dos almo@os
- $o te apetece a sopinha=
o pssaro uase a bicar-me o ombro& se me bicasse o ombro&
apesar da ebre& eu contente
Qora aui est o echo do liBro& a tal palaBra conusa& no h
dJBida& encontrei-a& estou a aproCimar-me delaS
a mulher do tubo na garganta mais magra& o sopro de Bogais
onde uma consoante anunciaBa
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- Piorei
o cabelo os uros da boneca a ue altaBam cerdas& um restinho
da boca& o dó dela por mim
QdeBia haBer lgrimas na ;ra@a ue a gente alugasseS
- O mesmo uarto madame=
o mesmo uarto senhora& mais peueno trVs anos depois apesar
do mesmo cabide no mesmo prego& a mesma colcha& as mesmas
Boes em torno& uma gargalhada
QBrias gargalhadas& to ortesS
obectos ue arrastaBam no cho& de come@o no dei por alta da
trepadeira& percebia uma ausVncia sem entender o ue era mas
acontece-me tanto perceber uma ausVncia sem entender o ue K& Nco
uieta a pensar
- O ue me alta senhores=
e a enCada do empregado do meu pai caBando& caBando& no
desBiou os olhos para mim& nunca a sua Bo
- Menina
Qao chegar U anela BeriNuei ue tinham cortado o galhoS
ia ao seu encontro no alpendre com as sandlias do meu pai nospKs diNcultando-me o andar e o empregado na latada a ugir-me&
encontrei-o no Nm da Binha& onde as laraneiras come@aBam& de
chapKu de palha sem cereas de eltro& seguraBa um alicate& no a
enCada& onde largou a enCada diga-me& abra-me no desagraando o
Bestido& arrancando-o& as sandlias com inten@o de correrem para
casa e eu
- $o se meCam
no se atreBam a meCer-se& obede@am-me& no distinguia asei@Fes do empregado deBido U aba do chapKu& distinguia a garganta
a engolir como se uma espinha a rasg-la& os dedos brancos no
alicate apertando-o
Qse me dessem corda giraBaS
os insectos da terra a ensurdecerem tudo& mesmo ue me
gritassem
Qa minha me por eCemploS
no podia dar K& mesmo ue o sino da capela ou ces ou os
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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engui@os da nora& a minha prima& to remota
- %inha preerido o Berde
os insectos a ensurdecerem tudo menos a minha prima
- %inha preerido o Berde
ralos grilos besouros grandes larBas cinentas na transparVncia
dos oBos& essas eias& compridas& ue Bo surgindo das malBas& nos
deBorariam se nos deitssemos& se escondem nas raRes& tiBe a
certea ue as sandlias
- <ou dier ao teu pai
o empregado de cigarro apagado na orelha conorme os
comerciantes o lpis& obriguem-me a rodopiar de bra@o erguido com
uma das pernas dobrada& nenhum deeito do mecanismo& nrnhum
ressalto a impedir-me& morder a almoada na hospedaria da ;ra@a&
aundar-me no colcho U medida ue o sangue ia prolierando em
mim& no imaginaBa ue tanto sangue no meu Bentre& espesso&
rpido& ero& sempre pensei ue tRmido& doce& e espesso& rpido&
ero& uma manh Bi uma oBelha de banda na erBa a parir& as patas
amoleciam-lhe ao passo ue as minhas patas no amolecem& as
minhas coCas larguRssimas& as sandlias do meu pai- E agora=
nunca dessa orma com o senhor em *intra& em %aBira& somente
- #ico consigo descanse
e a mo dele sobre a minha& no incomodando-me& poisada& ele
ao meu colo uase& porue no tra um cigarro na orelha senhor& se
ao menos dedos brancos apertando o alicate& apertando-me& um
oelho nos meus oelhos& prender-me o pesco@o consoante a minha
me as galinhas& os tornoelos BiBos sob a cabe@a morta continuandoa correr& os olhos do empregado do meu pai& sem pupilas dentro&
duas uBas apenas& esmag-las& mordV-las& a terra menos dura ue eu
supunha aNnal& se conseguisse romper a almoada da hospedaria da
;ra@a& romper-me antes ue a corda acabe& a musiuinha calada& eu
uma sandlia apenas a dar K dos sinos& dos ces& dos engui@os da
nora& a oBelha a lamber o cordeiro ue tentaBa euilibrar-se&
tombaBa& conseguia& achei a segunda sandlia& Bi o chapKu de palha
aastar-se& o cabide& as estampas do uarto& a minha Bo ue teimaBa
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- #ico consigo descanse
dirigindo-se a uem& a Nlha do senhor no largo
Qa minha Bo& audem-me& dirigindo-se a uem=S
o Bendedor de bolos ue tro@aBa de mim& o senhor com a esposa
apesar de
- 9uero-te comigo no AlgarBe
sem olhar para mim& olhe para mim& estou aui& sou uma
bailarina repare& coloue a palma onde digo& note a espinha na
garganta a arrancar-me& e auele orror.murasse na oensoita no
Q- $o o sentes o mar=S
ralos grilos besouros grandes larBas cinentas& o reormado a
estender-me o punho da camisa conBidando a ue eu
- <ea se o pulso est bom
oerecia-me de antar
- >om apetite
e elimente ue a deunta no podia alcan@ar-nos atrs da arra
das Tores& continuaBa a sorrir no lugar em ue os mortos habitam& o
reormado na despensa em ue latas de eio& geleias
- ,m golito de Binho=se as sandlias do meu pai no armrio cal@aBa-as sem me
importar com as amea@as
- <amos aer ueiCa de ti
perguntaBa para a despensa
- Acha ue a deunta se anga=
a deunta indignada nas Tores mas Nco consigo& descanse& trago
o sauinho do crochet& a cadeira de lona& no me Bou embora
prometo& no me meCo& no dan@o& um dos rapaes de cabeleiraposti@a a audar-me a acertar com os degraus
- ;ripou tiainha=
sem admirar a minha saia Berde& no aul
Qa minha prima
- $o sei poruV o aulS
aBisem as lgrimas ue no preciso delas& no me perguntem
- E eu=
escusam de ter esperan@a& no as uero& o doutor do hospital
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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- Est melhor da tristea=
claro ue estou melhor meu Nlho& obrigada& na pensoita de
%aBira o reormado a emocionar-se ao serBir-me dado ue o nari lhe
BibraBa& uma aresta do assento beliscaBa-me a ndega& eu por
educa@o a suportar a aresta de modo ue no Nm da sopa só a minha
ndega eCistia com a aresta a torn-la maior& uma ndega grande e
uma ndega peuena& a nega grande
Qno imaginaBa ue tanta carne em mimS
eCigindo
- *alBa-me
a aresta a atormentar-me o osso& a subir pela espinha e nisto&
nos antRpodas& uma onda& o suspiro da gua ao retrair-se na areia& a
impresso de recolher deBagarinho U algibeira do mar& de ue o mar
reTuRa
- Adeuinho madame
leBando as lues consigo& as Nleiras de toldos& a ponte& os
rochedos ue me intrigaBam dado ue num deles um peda@o de
corda e uma caiCinha Baia contendo o uV uem por ue rao
como& do lado oposto ao Bento umas mimosas& uns ninhos& oreormado
- Madame
ridRculo de esperan@a& o ue deBe ter demorado a compor o
cabelo& a pensar num discurso
- "esde ue a minha esposa
a esposa atrs das Tores a aproB-lo e sob a aproBa@o a aresta
na minha ndega imensa& a cabe@a minJscula& os membros
minJsculos& a minha Bo minJscula- " licen@a ue me leBante senhor=
se a aresta se esuecesse de mim e no esuece& em catraia
logo ue um ueiCal me doRa desataBa a correr atK escapar U dor&
Birar numa esuina& enNar num portal& a dor sem encontrar-me
-Onde te meteste Bem c
segura ue eu lhe pertencia& se um galo abrisse a garganta de
um Jnico golpe& se eleBasse de si mesmo e me riscasse de gi atK ue
no me Bissem& no sRtio onde estiBe tra@os brancos de ardósia&
8/11/2019 Antonio Lobo Antunes - Eu Hei de Amar Uma Pedra
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ninguKm& eu com o empregado onde as laraneiras come@am& as
sandlias do meu pai
- Ai de ti
se as Tores das accias me ocultassem recome@ando a tombar&
uma ocasio neBou em aneiro e pKtalas tambKm& a Binha seca& dura&
nenhuma olha nos ramos& a minha me
- A neBe
no a Bo dela& o tom dos sonhos ue parecia pensar-se U
medida ue alaBa
- A neBe
eu uietinha& se as apanhasse pKtalas desapareciam-me nos
dedos& uma aguainha de lgrimas ou nem aguainha seuer&
segurando-as morriam& a mo do senhor na hospedaria da ;ra@a
onde eu mordia a almoada& no desagraar o Bestido& arranc-lo&
colocar os dois punhos na gola separando-os com or@a e o tecido a
ceder& a garganta ue engolia como se uma espinha a arranhar sem
ue o senhor entendesse conorme no entendia a minha boca na
almoada& o sangue ue ia prolierando em mim& espesso& rpido&
ero& o empregado a puCar o cigarro da orelha& a acendV-lo& aindaue se angassem no podia dar K& o sino da capela& os ces& os
engui@os da nora& ralos grilos besouros grandes larBas cinentas na
transparVncia dos oBos& a mo do senhor a desligar-se da minha
- X Berdade=
e apesar dos insectos a ensurdecerem tudo eu
- #ico consigo descanse
a descobrir-lhe o ombro& o enchuma@o do casaco& osse o ue
osse de seu& eu deitada de lado de patas a amoleceremQsou uma oBelha no sou=S eu
- Por aBor no chore no tiBe culpa no tem culpa
eu
Qe a oBelha em pa a lamber o cordeiro ue procuraBa
euilibrar-se& tombaBa& conseguia& Bi o chapKu de palha ao comprido
da Binha& os dedos no alicate apertando-oS
eu
- #ico consigo descanse
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consigo nas accias de *intra& na cadeirita em %aBira& deiCo-o
olhar para mim. pensar ue nós os dois& Nco consigo desacanse& o
reormado
- oendi-a madame=
eu uma oBelha& um bicho& mesmo ue o meu pai
- +abra cabra
o reormado
- Madame
e claro ue estou melhor senhor doutor& entreguei a chaBe na
hospedaria da ;ra@a& nunca pensei ue a Nlha U minha espera no
largo diRcil de separar das rBores& do sol& no um rapa de
cabeleira posti@a& no um cliente& no os operrios num dos prKdios
Biinhos& a Nlha& no a casada& a mais noBa
- $o uero sea o ue or de BocV só uero BV-la de perto
a ue ele acompanhaBa ao circo& nunca se lhe reeria e no
entanto
Q- Oendi-a madame=S
nunca se lhe reeria e no entanto
Qo senhor BiJBo disse madame& eu madameSnunca se lhe reeria e no entanto se por acaso o seu nome a
eCpresso dele dierente& chamaBa pela Nlha enCotando-a& no era
capa de
- #ilha
Q- $o sou capaS
no era capa comigo to pouco& o meu sangue parado
Q- $o sou capa contigoS
nenhuma garganta a engolir como se uma espinha arranhando-a& nenhum sangue no meu Bentre& a trepadeira da hospedaria da
;ra@a num Baio triste& acanhado& chamaBa pela Nlha enCotando-a
- Auda-me
enuanto U outra& a mais Belha& a casada& chamamento nenhum&
no me pe@a perdo& no se desculpe& no me prometa nada
Qtanto dó em mimS
Nco consigo descanse& o meu sangue no espesso& rpido& ero&
com o senhor tRmido& doce& eu no rasgada& inteira& aceitando a sua
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palma na minha& no caso de um comboio de #ran@a ele
- $unca K o meu pai
nunca ninguKm a umar sobre um tolo de cordas
- %rambolho
noiBas ue gritaBam saindo das molduras a perseguir as
traineiras& ao emergirem dos cani@os os BKus delas com lama& a
mesma do meu Bestido no eCtremo da Binha onde as laraneiras
come@am& o reormado na pensoita em %aBira
Qno uma pensoita& um andar& recebia hóspedes desde ue a
esposa aleceuS
- " licen@a madame=
de ue aleceu a sua esposa senhor& ser ue eu alecida&
deunta numa cadeira de lona sem me interessar pelas ondas abrindo
o sauito deste crochet ue detesto& as Tores das accias U minha
Bolta a caRrem uando o reormado
- " licen@a madame=
no o uarto da hospedaria da ;ra@a& no eCistia cabide&
estampas na parede& no eCistia a colcha& eCistia uma espKcie de
manta& um santinhoQ*o erónimo& *anto EleutKrio& tanto aS
num nicho& a suspeita ue ralos grilos besouros grandes larBas
cinentas na transparVncia dos oBos& tentei euilibrar-me& tombei&
consegui& o reormado
- Madame
Qse eu pudesse dan@arS
lembro-me dos sapos a cantarem no orBalho& eu no com as
sandlias do meu pai& descal@a& em busca da enCada contra a sebe ouno socalco da Binha& uma aldeia no horionte do campo& ulgo ue
cedros depois& nesses cochichos das rBores se no podemos BV-las&
o barraco do empregado no escuro& se o meu pai adiBinhasse traia a
poia& mataBa-o& o cigarro a soltar-se da orelha& sem o chapKu de
palha as ei@Fes dele comigo& diBersas do ue eu pensaBa numa
espKcie de riso& dar com a enCada& abra@-la& arrancar eu mesma o
Bestido
Qa camisa de dormir=S
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o Bestido& a enCada a caBar& a caBar
Qnunca desBiou os olhos para mim.& nunca a Bo dele nas minhas
costas
- Menina
e as minhas costas nuas& no morena como sou& plidas& os
dedos no alicate brancos& as minhas costas plidas& mau grado no
conseguir BV-las as minhas costas branuRssimasS
elimente no calcei as sandlias do meu pai demasiado
grandes para os meus passos& diNcultando-me o andar ou nem
diNcultando-me& recusando-se a andar
- Ests arranada connosco
eu to leBe& rodopiando& girando& o bra@o erguido& uma das
pernas dobrada& nenhum aleio do mecanismo& nenhum ressalto a
impedir-me& a ue manda na gente
- Ora aui tens a arBKloa aui tens o mar
morder a almoada na pensoita em %aBira& aundar-me no
colcho& o reormado sem dar conta dos ralos grilos besouros
grandes larBas cinentas na transparVncia dos oBos& das Tores de
laraneira sobre nós repare& ia urar ue a Nlha do senhor& no acasada& a ue ele chamaBa enCotando-a& a Ber-nos& a apertar-lhe os
dedos sete& one& cinco Bees
- Pai
no ouBe a sua Nlha
QNco consigo descanseS
- Pai
- Pai
o reormado arrepelando o len@o e com o len@o chaBes& moedas&o ue se me aNgurou um recibo
- Oendi-a madame=
uando lhe pagaBa Us uintas-eiras
QganhaBa coragem sem se atreBer a encarar-me deslocando um
cineiro& um boneco& o nari do boneco no a sKrio& pintado no
BerniS
- Paga-se as uintas-eiras madame
pedia-me ue saRsse um momento
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- $o se importa madame=
EnNaBa o dinheiro numa lata de ch& penso eu& sob um aueo da
coinha& somaBa tudo num papel& colocaBa a tampa de noBo
QNcaBa mais alto& mais direito ao colocar a tampa de noBoS
e nisto& sem ue a esperasse& uma onda
Q- $o sentes o mar=S
por ue rao no o reormado comigo na hospedaria da ;ra@a
Qno sinto o mar desculpe& sinto auele cheiro das parras& um
noitibó do crepJsculo entre o chiueiro e os ciprestes& a impresso
ue o chapKu de palha a Bogar uase amarelo entre manchas
castanhasS
por ue rao no o reormado comigo na hospedaria da ;ra@a&
notar-lhe os passos entre clientes& mulheres& rapaes de cabeleira
posti@a
Q- Mais um degrau tiainhaS
um deles com uma pulseira osorescente ue aulaBa as
escadas& ualuer coisa como um riso ou assim e contudo no alegre&
uma espKcie
custa escreBer a palaBra& uma espKcie de Bómito& no bem Bómito& resta-me esperar ue se perceba& um riso no alegre& no de
pessoa& muitas coisas
Qno alegre ou talBe tambKm alegre no seiS
ue tombaBam da boca& um riso no alegre& uma espKcie de
amea@a& se alguKm risse dessa orma unto a mim eu com medo e por
causa do medo eu para o reormado
- #ico consigo descanse
a sua mo sobre a minha a audar-me& pode ser ue uma Bolta&duas Boltas& ultrapassar o aleio do mecanismo& o ressalto& eu torta
continuando a girar& uando doente em +oimbra daBa aten@o aos
pinheiros& no Us copas em si& Us respira@Fes& aos murmJrios
Qo& o& oooS
ao sorimento das cómodas uturas a protestar na madeira&
segure-me na mo antes ue eu de metros abaiCo no sentido da o&
aR est o triciclo& o casal& a crian@a a apanhar um caro@o ou um
prego& a aperceber-se da minha ueda& a
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Q- Oendi-a madame=S
a apontar-me com o dedo& a debru@ar-se inclusiBe
Q- Oendi-a madame=S
para assistir ao aogamento ue presumo no muito longo
deriBado U idade e limita@Fes motoras& uma agita@o breBe& uma
palaBra no de pedido de auCRlio nem de medo& uma palaBra apenas U