Antropologia da face assimétrica

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Trabalho escrito por João Henrique Ferreira da Mata, aluno do 4º período de Comunicação Social (noturno) apresentado a disciplina Teorias da Imagem, ministrada pelo professor André Guimarães Brasil. Belo Horizonte, dia 20 de setembro de 2011 Antropologia da face assimétrica um ensaio sobre “Antropologia da Face Gloriosa”, de Arthur Omar

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Trabalho escrito para a disciplina Teorias da Imagem, ministrada pelo prof. André Brasil. Setembro de 2011

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Page 1: Antropologia da face assimétrica

Trabalho escrito por João Henrique Ferreira da Mata,

aluno do 4º período de Comunicação Social (noturno)

apresentado a disciplina Teorias da Imagem, ministrada

pelo professor André Guimarães Brasil.

Belo Horizonte, dia 20 de setembro de 2011

Antropologia da face assimétrica um ensaio sobre “Antropologia da Face Gloriosa”, de Arthur Omar

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Formado em antropologia e etnografia, Arthur Omar é um mineiro

nascido em Poços de Caldas em 1948 que vive no Rio de Janeiro desde que

iniciou sua vida artística. Durante sua carreira, através de uma vasta obra

que inclui produções no cinema, vídeo, fotografia, música, poesia, desenho,

ensaios e reflexões teóricas sobre o processo de criação, e a natureza da

imagem, é possível dizer que Arthur desenvolveu “novos métodos de

antropologia visual” tanto em seus filmes documentários epistemológicos

dos anos setenta, quanto em seus recentes livros sobre Carnaval e Amazônia,

onde a busca científica se realiza por meio de uma intensificação estética

daquilo que o artista retrata.

A Menina dos Olhos

Rainha da Noite com Alfinetes de Luz

O Office-Boy da Lantejoula Perdida

O Minotauro

Antropologia da face assimétrica

um ensaio sobre “Antropologia da Face Gloriosa” , de Arthur Omar

por João da Mata

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Fotografar serve a um propósito elevado:

“desvelar uma verdade oculta, conservar um passado

em via de desaparecer” . Em Antropologia da face

gloriosa é justamente isso que Arthur Omar parece

buscar, se não em sua essência, ao menos através do

impacto que nos causa. No trabalho que apresentou na

Bienal de São Paulo de 1997 através de um painel com

99 fotografias em preto e branco, o delírio carnavalesco

brasileiro é interpretado através do êxtase estético, a

violência sensorial e social e a construção de metáforas

visuais (que, inclusive, marcam toda sua obra).

Nesse ensaio, Arthur se apresenta como um

artista voltado para a busca de uma nova iconografia

da realidade brasileira e, dessa forma, na série de

fotos retiradas no carnaval carioca de 97, mergulha

nas idiossincrasias de cada pessoa que fotografa e

extrai delas uma pluralidade infinita de sensações

e possibilidade, algo que exprime a multiplicidade

étnica e cultural brasileira tal como ela nos parece ser

nos dias de hoje. No entanto, enquanto apresenta uma

pluralidade, que é proveniente da mistura de raças

e crenças (algo que, desde a obra de Gilberto Freire,

entende-se como a principal singularidade brasileira),

é possível encontrar nessa onda de detalhes, um

peculiar ponto em comum: a assimetria.

Ao pensarmos nisso, notamos que até mesmo

a “rainha da noite”, registrada pelo fotógrafo, possui

“alfinetes de luz” que construem um ritmo único, e

que age em detrimento de uma organização simétrica

de seu rosto. Dessa forma, fugindo do óbvio estético

(identificar a simetria da face humana através dos closes

que usa), Arthur Omar, através de uma sensibilidade

artística definidora, revela a partir da discordância de

formas, um elemento que, além de pungir o expectador

em cada fotografia individualmente, constrói uma

concordância hermenêutica enquanto um conjunto

de pessoas, de um mesmo país, e em uma mesma

comemoração.

Essa rede de detalhes contrastantes criada

pela contemplação da obra como um todo (ou em

algumas nas fotografias individualmente), convoca

nossa atenção através de impressões que fazem com

que sejamos capazes de sentir a euforia, a tensão ou

alguma emoção dos indivíduos fotografados sem que

seja necessário visualizar o universo, para nós, invisível,

que existiu no extra-campo das fotografias. Através dos

olhos, dos lábios ou dos traços expressivos das pessoas

que aparecem nas fotos é possível sentir (ou ao menos,

imaginar) a sensação de viver o carnaval carioca

presencialmente, sem que a câmera se preocupe

em contextualizá-lo através de um enquadramento

mais aberto. É como se a expressão dessas pessoas

informasse seu contexto por si ou, ao menos, nos

distrair em relação ao valor de sua importância.

Além disso, se pensarmos a partir das ideias de

Maurício Lissovsky, poderemos entender a fotografia

como algo que comprime e tenta fixar o tempo, mas o

perde. Como se continuasse seu curso e, dessa forma,

o tempo fosse a outro lugar, abandonando a foto

registrada. Entretanto, é interessante pensar, ainda

nessa perspectiva, que no momento em que reflui da

imagem, o tempo deixa suas marcas e, assim, modela

o aspecto da fotografia. Por fim, o que determinaria

as particularidades desse aspecto fotográfico seria

o modo como o Arthur espera o instante ideal para

registar as imagens.

Assim, a forma pela qual Arthur Omar espera

esse instante que precede o ato fotográfico procura

encontrar, no final desse processo, o indivíduo durante

uma espécie de flagrante, algo que revele um traço

inconfundível de espontaneidade. Dessa forma, esse

aparente apresso pela contingencialidade expresso

por Arthur em suas fotografias em Antropologia da face

gloriosa, e as possibilidades metafóricas geradas, vêm

de uma espécie de espera estreita, uma compressão no

tempo de espera que visa abordar desprevenidamente.

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Para o próprio Arthur Omar, “o fluxo das coisas não para, o mundo não faz pose, o olho não

tem moldura”, isso indica uma forte semelhança entre o fotógrafo, Diane Arbus e Cartier Bresson: a

conformação instantes longe do equilíbrio. Em outras palavras, é possível notar em suas fotografias, que

Arthur Omar penetra no enquadramento e na composição que constrói, imprimindo em alguns casos

(assim como Arbus) uma atitude de espera intrinsecamente ativa que produz imagens que se situam

muitas vezes entre ação e repouso. Ainda assim, em alguns casos, ainda seja possível notar personagens

que se mantém meta-estáveis, ou seja, em uma passagem descontínua flagrada no instante fotográfico

(um traço dominante dos personagens de Bresson). Entretando, em ambos os casos não percebemos

semelhança alguma com a estabilização dos personagens exposta pela decantação da espera de August

Sander, por exemplo.

O fotógrafo saqueia e também preserva, denuncia e consagra. Nesse ensaio, as fotografias

fazem proporcionam isso através da criação de personagens que envolvem em seus detalhes. No olhar

insano do “Minotauro”, no sorriso de alguma forma turbulento em “Leite Zulú para a Harmonia Química

Nacional”, no olhar aparentemente distante do “Office-boy da Lantejoula Perdida” ou até mesmo nos

lábios serrados em “Contemplar é um Ato Violento”, encontramos detalhes, às vezes insignificantes quando

comparados ao conjunto da fotografia que nos pungem (para usar os termos de Rolland Barthes), que

rompem a polidez fotográfica. Aliás, talvez fosse melhor falar de uma nuvem de detalhes que imprimem

aos rostos capturados por Arthur Omar uma perturbação que rompe com qualquer polidez imaginável.

Contudo, devemos tomar cuidado para não confundir a afirmação de existência expressa pela

fotografia com uma explicação de sentido, uma vez que, afora o próprio ato de exposição, a fotografia

é imediatamente (re)tomada, (re)escrita nos códigos e informações que quem observa a fotografia usa

para contextualizar e entender os estados das coisas. Embora seja principalmente o modo como (e o

quanto) o fotografo espera o momento do click um importante agente na modelagem das possíveis

marcas que esse intervalo de tempo capturado (e perdido) deixaria na foto, talvez fosse um pouco

arriscado afirmar com total certeza o que cada imagem nos desperta.

Entretanto, independente de Arthur Omar saquear, preservar, denunciar ou consagrar o carnaval

brasileiro, e independente das formas como isso é feito. É simplesmente inevitável ver que A Antropologia

da Face Gloriosa saqueia, preserva, denuncia e consagra as pluralidades e a riqueza em cultura, memória

e sentimentos que emanam o brasileiro no carnaval.

A Aspiração do RelâmpagoContemplar é um Ato Violento Antropologia da Face Gloriosa

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Referências bibliográficas

BARTHES, Roland. A câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico: pragmática do índice e efeitos de ausência. In: Dubois, P. O ato fotográfico.

Campinas: Papirus, 2006.

LISSOVSKY, Maurício. O tempo e a originalidade da fotografia moderna. In: Doctors, M. (Org.) Tempo dos tempos.

Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

SONTAG, Susan. Objetos de melancolia. In: SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Cia. das Letras, 2004.