Antropologia e Literatura, Luís Quintais

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ANTROPOLOGIA E LITERATURA [3º ano do 1º ciclo em Antropologia / Departamento de Ciências da Vida / FCTUC] Luís Fernando Gomes da Silva Quintais Apresentação A cadeira de Antropologia e Literatura pretende, em primeiro lugar, discutir os contextos em que emerge a modernidade antropológica tendo em conta as suas relações com a literatura moderna e, em termos mais gerais, com as transformações culturais e históricas operadas já em pleno século XX por pensadores e autores como Ludwig Wittgenstein, T.S. Eliot, James Joyce, Sigmund Freud, ou Wallace Stevens. O eixo desta primeira discussão andará à volta de 1922, ano em que se fazem publicar trabalhos tão importantes como Argonauts of the western pacific de Malinowski, The andaman islanders de Radcliffe-Brown, Tractatus logico- philosophicus de Ludwig Wittgenstein, Waste Land de T.S. Eliot, ou Ulysses de James Joyce. Em segundo lugar, pretende-se discutir aquilo a que se designa muitas vezes como pós- modernismo e suas implicações no conhecimento antropológico. Um dos aspectos mais decisivos do impacto do pós-modernismo na antropologia prende-se com a viragem literária da disciplina que parece, não sem celeuma, ter acontecido de modo enfático na década de oitenta do século XX. Sob a influência das correntes interpretativistas (cujo nome maior é, sem dúvida, Clifford Geertz), a antropologia descobre-se fundamentalmente enquanto «etnografia», sendo esta assumida como um género literário com os seus tropos e convenções. Assim, não é de estranhar a preocupação de cariz fortemente reflexivista que viria a mobilizar os editores e escritores de Writing culture (1986), tomado como manifesto de uma «nova« antropologia alicerçada em dispositivos conceptuais e críticos como os de «interpretação», «discurso», «retórica», ou «poder». Serão identificadas algumas das críticas mais severas aos «excessos» de reflexividade e hipocondria em que se terão abstecido os antropólogos pós-modernos. Mostrar- se-á como esta reflexividade e negatividade têm exemplos prévios (em Malinowski e nos seus diários, p.ex., mas também em Rodney Needham e na sua discussão sobre a crença). Mostrar- se-á também as raízes românticas que se fazem aí inscrever (através de Isaiah Berlin), e pelo menos um exemplo paralelo em que a revisitação etnográfica dá lugar à «comédia» (Nigel Barley). Em terceiro lugar, pretende-se discutir a importância que esta relação entre antropologia e literatura veio a assumir num conjunto de antropólogos e autores de língua portuguesa recentes. Para tal, destacar-se-á o trabalho de Paulo Jorge Valverde, Ruy Duarte de Carvalho e Filipe Verde.

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  • ANTROPOLOGIA E LITERATURA

    [3 ano do 1 ciclo em Antropologia / Departamento de Cincias da Vida / FCTUC]

    Lus Fernando Gomes da Silva Quintais

    Apresentao

    A cadeira de Antropologia e Literatura pretende, em primeiro lugar, discutir os contextos em

    que emerge a modernidade antropolgica tendo em conta as suas relaes com a literatura

    moderna e, em termos mais gerais, com as transformaes culturais e histricas operadas j em

    pleno sculo XX por pensadores e autores como Ludwig Wittgenstein, T.S. Eliot, James Joyce,

    Sigmund Freud, ou Wallace Stevens. O eixo desta primeira discusso andar volta de 1922,

    ano em que se fazem publicar trabalhos to importantes como Argonauts of the western

    pacific de Malinowski, The andaman islanders de Radcliffe-Brown, Tractatus logico-

    philosophicus de Ludwig Wittgenstein, Waste Land de T.S. Eliot, ou Ulysses de James Joyce.

    Em segundo lugar, pretende-se discutir aquilo a que se designa muitas vezes como ps-

    modernismo e suas implicaes no conhecimento antropolgico. Um dos aspectos mais

    decisivos do impacto do ps-modernismo na antropologia prende-se com a viragem literria da

    disciplina que parece, no sem celeuma, ter acontecido de modo enftico na dcada de oitenta

    do sculo XX. Sob a influncia das correntes interpretativistas (cujo nome maior , sem dvida,

    Clifford Geertz), a antropologia descobre-se fundamentalmente enquanto etnografia, sendo

    esta assumida como um gnero literrio com os seus tropos e convenes. Assim, no de

    estranhar a preocupao de cariz fortemente reflexivista que viria a mobilizar os editores e

    escritores de Writing culture (1986), tomado como manifesto de uma nova antropologia

    alicerada em dispositivos conceptuais e crticos como os de interpretao, discurso,

    retrica, ou poder. Sero identificadas algumas das crticas mais severas aos excessos de

    reflexividade e hipocondria em que se tero abstecido os antroplogos ps-modernos. Mostrar-

    se- como esta reflexividade e negatividade tm exemplos prvios (em Malinowski e nos seus

    dirios, p.ex., mas tambm em Rodney Needham e na sua discusso sobre a crena). Mostrar-

    se- tambm as razes romnticas que se fazem a inscrever (atravs de Isaiah Berlin), e pelo

    menos um exemplo paralelo em que a revisitao etnogrfica d lugar comdia (Nigel

    Barley).

    Em terceiro lugar, pretende-se discutir a importncia que esta relao entre antropologia e

    literatura veio a assumir num conjunto de antroplogos e autores de lngua portuguesa recentes.

    Para tal, destacar-se- o trabalho de Paulo Jorge Valverde, Ruy Duarte de Carvalho e Filipe

    Verde.

  • Bibliografia

    Barley, Nigel (2006) O antroplogo inocente, Lisboa, Fenda.

    Clifford, James & George Marcus (1986) Writing culture: the poetics and politics of

    ethnography, Berkeley, Los Angeles, Londres, University of California Press.

    Clifford, James (1988) The predicament of culture: twentieth-century ethnography, literature,

    and art, Cambridge, Massachusetts & Londres, Harvard U.P.

    Geertz, Clifford (1988) Works and lives: the anthropologist as author, Stanford, California,

    Stanford U.P.

    Gellner, Ernest (1998) Language and solitude: Wittgenstein, Malinowski and the Habsburg

    Dilemma, Cambridge, Cambridge U.P.

    North, Michael (1999) Reading 1922: a return to the scene of the modern, Nova Iorque &

    Oxford, Oxford U.P.

    Valverde, Paulo (2000) Mscara, mato e morte em So Tom: textos para uma etnografia de

    So Tom, Oeiras, Celta Editora.

    Verde, Filipe (2008) O homem livre, Coimbra, Angelus Novus.