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VOLUME 1 NÚMERO 8 JANEIRO DE 2010

VAnuário Brasileiro

de Direito Internacional

Brazilian Yearbook of International Law

Annuaire Brésilien de Droit International

ILA BrAsIL

InternAtIonAL LAw AssocIAtIon

rAmo BrAsILeIro

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Copyright © 2010 by Leonardo Nemer Caldeira Brant/CEDINTodos os direitos reservados

Centro de Direito Internacional - CEDIN

EDITOR E DIRETOR DO ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONALLeonardo Nemer Caldeira Brant

CONSELHO CONSULTIVO E EDITORIAL DO CEDINAdemar G. Bahadian, Alain Pellet, André de Carvalho Ramos, Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros, AntônioRemiro Brotóns,Arthur JoséAlmeida Diniz, Bruno Simma, Celso Lafer, Eduardo Grebler, Fausto Pocar, FranciscoOrrego Vicuña, Francisco Rezek, Gilberto Giullaume, Ireneu Cabral Barret o, José Henrique Fischel, LaurenceBoisson de Chazournes, Luigi Condorelli, Roy Lee, Thomas M. Franck (�), Vicente Marotta Rangel, WelberBarral.

PRODUÇÃO EXECUTIVAAndré Vinícius Carneiro de Mendonça MariniLuciana Diniz Durães Pereira

tradução dos artigos em lingua Francesa e inglesa

André Vinícius Carneiro de Mendonça MariniBruno Herwig Rocha Augustin

COLABORADORESAndré Vinícius Carneiro de Mendonça Marini, Carlos Eduardo Amoni Rangel, Délber Andrade Lage,Fernanda Mara Leite, Karina Marzano Franco, Luciana Diniz Durães Pereira, Pedro Ivo Ribeiro Diniz,Suzana Santi Cremasco, Télder Andrade Lage, Thiago de Andrade Neves e Vindelino Rodrigues Pereira.

Submissão de Artigos para Publicação | Articles SubmissionsAdmite-se Permuta | Exchanges are AcceptedData Limite para Entrega dos Artigos | Deadline: 04/2011E-mail | [email protected]

EDITORAÇÃOAlexander OliveiraRosana Martins da Costa Diniz

APOIOCentro Universitário UNI-BH (www.unibh.br)Editora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Editora PUC Minas (www.pucminas.br/editora)Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG (www.fapemig.br)Fundação Konrad Adenauer - FKA (www.adenauer.com.br)Ramo Brasileiro da International Law Association - ILA Brasil (www.ilabrasil.org.br)

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

A636 Anuário Brasileiro de Direito Internacional = Brazilian yearbook ofInternational Law = Annuaire Brésilien de Droit International /Coordenador: Leonardo Nemer Caldeira Brant - v.1, n.1, 2006 - BeloHorizonte: CEDIN, 2006

Semestral1. Direito Internacional. I. Centro de Direito Internacional II. Brant, LeonardoNemer Caldeira. III. Título: Brazilian yearbook of InternationalLaw. IV. Título: Annuaire Brésilien de Droit International.

CDU: 341.

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Sumário

11 Prefáciogilberto vergne saboia

19 Rawls e Habermas - Leitores de Kantalexandre Parola

49 La Contribution de l’Organisation des Nations Unies au Développement duDroit International Humanitairedjamchid momtaz

68 L’Éducation et la Formation aux Droits de l’HommeLa Construction du Droit International: un Processus de Maturation Collectiveemmanuel decaux

eduardo risPoli

tatiana camPos rocha

87 Antigone, Power and DiplomacyFernando g. reis

97 A Justiça de Transição como Modelo de Gestão de Conflitos: um MitoUniversal?juliana lima

118 Desenvolvimento e Comércio: a Viabilidade de uma Cláusula Social na OMCKarina marzano Franco

155 O Aumento do Número de Órgãos Judiciais Internacionais e suasRepercussões para a Sociedade Internacionalleonardo nemer caldeira brant

délber andrade lage

207 Vers une «Déterritorialisation» de l’Interdiction du Recours à la Force dansles Relations Internationales?olivier corten

229 Derechos Económicos, Sociales y CulturalesSu Operatividad en el Sistema Americano y el Caso de la República Argentinaorlando Pulvirenti

250 The Inter-American Human Rights Protection SystemStructure, Functioning and Effectiveness in Brazilian Lawvalerio de oliveira mazzuoli

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Anexos

279 Anexo I Jurisprudência Relativa ao Direito Internacional no SupremoTribunal Federal (STF)

309 Anexo II Decisões e Opiniões Consultivas da Corte Internacional deJustiça (CIJ)

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Apresentação

Apartir do diálogo entre o meio acadêmico e a sociedade civil, oAnuário Brasileirode Direito Internacional tem como finalidade estabelecer no país, em definitivo, umapublicaçãosemestral,cominserçãointernacional,engajadanapromoçãoeconsolidaçãode uma visão brasileira do Direito Internacional. Visa-se, assim, simultaneamente,contribuir para uma melhor compreensão do sistema normativo internacional, bemcomo assegurar um espaço para reflexão acerca de seus recentes desafios.

Este quinto e comemorativo número, além de possuir anexos que trarãojurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça relativaao Direito Internacional, os casos contenciosos e os pareceres decididos e analisadospela Corte Internacional de Justiça entre os anos de 2008 e 2009 e, igualmente, osprincipais tratados assinados pelo Brasil neste mesmo período, tem a honra de contero prefácio do Embaixador Gilberto Vergne Saboia, membro da Comissão de DireitoInternacional da Organização das Nações Unidas (ONU).

Esta iniciativa é resultante da visão empreendedora do Centro de DireitoInternacional (CEDIN), e conta com o fundamental e relevante apoio do CentroUniversitário UNI-BH, da Editora da Pontifícia Universidade Católica de MinasGerais (Editora PUC Minas), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de MinasGerais (FAPEMIG), da Fundação Konrad Adenauer (FKA) e do Ramo Brasileiro daInternational Law Association (ILA Brasil).

Ainda, no espírito da comemoração dos cincos anos doAnuário Brasileiro de DireitoInternacional, temos a honra de prestar uma especial homenagem ao Professor SidneySafe Silveira - Faculdades Milton Campos (FMC) - por toda a dedicação e empenhoorientados ao desenvolvimento das atividades de publicação deste periódico do Centrode Direito Internacional. Expresso, assim, nosso carinho, gratidão e amizade.

Leonardo Nemer Caldeira BrantBelo Horizonte, janeiro de 2010

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11Prefácio 11

Prefácio

gilberto vergne saboia1

Acedi com muita honra e satisfação ao convite do Presidente do Centro de DireitoInternacional (CEDIN), Professor Leonardo Nemer Caldeira Brant, para escrevero prefácio da edição comemorativa do quinto aniversário do Anuário Brasileiro deDireito Internacional, publicação que em seus poucos anos de existência consolidou-se como periódico de extrema valia para os estudiosos do direito internacionalcontemporâneo, tanto no Brasil como no exterior, não apenas pela qualidade dosartigos publicados como pela louvável iniciativa de repertoriar a juriprudência doSupremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça sobre matérias de DireitoInternacional.

A prestigiosa lista dos integrantes do Conselho Consultivo Editorial do CEDIN,assim como a dos colaboradores do Anuário tornam delicada minha tarefa. Afinal,mais que um jurista com credenciais acadêmicas sou um diplomata com longos anosde carreira, muitos dedicados aos temas multilaterais e de direitos humanos e é estaexperiência aliada à convicção da importância crescente do direito internacional nomundo contemporâneo que podem justificar a escolha do meu nome para abrir estaquinta edição do seminário.Pretendo assim alinhar algumas reflexões sobre o direito internacional sob a

perspectiva da diplomacia. Referir-me-ei também, dentro desta ótica, a aspectos daminha experiência atual como membro da Comissão de Direito Internacional da ONU(CDI), foro que se caracteriza por uma criativa interação entre expoentes da Ciênciado Direito e diplomatas e outros “operadores do direito internacional”.

cd

Quase toda atividade diplomática se realiza dentro de um quadro traçado pelodireito internacional, e muitas vezes visa criar, promover ou modificar normas ousituações regidas por regras internacionais. As missões diplomáticas e atividadesconsulares obedecem a tratados e normas de direito costumeiro, o território do Estadocujos interesses incumbe ao diplomata defender e promover são objeto de tratados queregulam e delimitam suas fronteiras terrestre, marítima e espaço aéreo. O comércioe as diferentes formas de intercâmbio econômico, científico, tecnológico e cultural,para mencionar apenas alguns temas, são igualmente regidos por diferentes acordosque independentemente de sua forma podem ser considerados fontes de obrigaçõesjurídicas internacionais.

1 Embaixador e Membro da Comissão de Direito Internacional (CDI) da Organização das Nações Unidas(ONU).

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Estes exemplos referem-se principalmente a campos “tradicionais” das relaçõesdiplomáticas e do direito internacional, essencialmente de natureza inter-estatal. Ocenário tornou-se muito mais complexo após a II Guerra Mundial, com a criaçãoda ONU, e nas últimas décadas, diversificado com o surgimento, multiplicação efortalecimento de organismos internacionais intergovernamentais, mixtos ou denatureza corporativa (IATA) assim como de instâncias e foros criados para resolvercontrovérsias entre Estados ou entre Estados e entidades não estatais. Além disso,as pessoas, individualmente ou como membros de grupos organizados (ONGs),assumiram crescente reconhecimento como sujeitos – ainda que com configuração ecapacidades distintas dos Estados - com acesso e influência sobre o desenrolar dasrelações internacionais.2

Dentro deste quadro jurídico, a diplomacia serve-se também, como é óbvio, dosdados políticos, econômicos, sociais, culturais, técnicos e de outra natureza quedão conteúdo concreto e informam as orientações e objetivos traçados pela políticaexterna do país que representam e cujos interesses defendem. Para tanto lançam mãode instrumentos analíticos e teóricos fornecidos por outras disciplinas, como a ciênciapolítica, as teorias sobre relações internacionais e a sociologia. Estas disciplinasformam um corpo de mecanismos de análise que, junto com os temas normativos emesmo a filosofia e a ética, interagem e se realimentam num diálogo que “permeiatodas as relações sociais”.3

No mundo contemporâneo, aliás, tanto o jurista quanto o diplomata são atores que,com frequência, se defrontam com dilemas de natureza ética. O Direito deixou hámuitode ser a mera expressão do poder estatal e, cada vez mais, encarna, como sempre deveriater sido, os anseios da sociedade por relações de justiça e equidade e por um Estado queresponda pelos seus acertos, erros e desvios e seja portanto controlado por instituiçõesindependentes e eficazes, como o Poder Judiciário e o Ministério Público.

Também na diplomacia, que fôra o terreno por excelência da “razão de Estado”,do exercício do poder e do império do realismo que mascara o domínio do maisforte, os valores da sociedade, tanto nacional quanto internacional, se fazem cada vezmais presentes e influentes. Questões antes vistas como domínio de técnicos, comocomércio internacional, meio ambiente, desarmamento e não proliferação, direitoshumanos, diversidade biológica,integração regional, direitos dos povos indígenas eluta contra o racismo, suscitam debate na sociedade, nos meios de comunicação eno Congresso, e não podem deixar de ser levados em conta pelos formuladores da

2 Grupo de Estudo da CDI examinou o tema da “Fragmentação do Direito Internacional: Dificuldadesadvindas da diversificação e expansão do Direito Internacional”. As conclusões deste estudo, de quea Assembleia Geral da ONU tomou nota em 2006, assinalam que, apesar de sua diversidade, o DireitoInternacional é um sistema jurídico dotado de significado (“meaningful”), cujos distintos componentespodem ser compreendidos e interpretados conforme certos princípios de forma coerente. Cf “The Work ofthe International Law Commission” 7th edition 2007, vol I, páginas 395 a 409.

3 Cf “A Cisão dos ‘Internacionalistas’ e o Recurso às Normas e às Regras como Desafio às FronteirasDisciplinares: Ciência Política, Direito Internacional e Relações Internacionais”. Victor Coutinho Lage. IVAnuário Brasileiro de Direito Internacional, vo. 2. 2009.

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13Prefácio 13

política externa, ou seja, o Presidente da República assessorado pelo Ministro dasRelações Exteriores. A emergência do Brasil como participante destacado na tomadade decisões internacionais em poucos anos tornou a política externa um importantetema do debate político nacional.

Mais do que uma ciência, sobre cuja lógica e contornos teóricos e relações com outrosramos do saber os juristas se debruçam – sem esquecer é claro das imposições da política eda realidade–, os diplomatas tendem a ver o Direito Internacional como um instrumento detrabalho e referência fundamental para suas atividades. Utilizam-se assim com frequência,do direito vigente (lege lata), que facilita e dá segurança e previsibilidade às relações inter-estatais e ao funcionamento dos organismos internacionais e à cooperação internacionalno campo multilateral.

Convém observar, por outro lado, que, sendo as relações internacionais um campodinâmico, mesmo ao operar sobre instrumentos e normas existentes, o diplomata agesobre os mesmos contribuindo, por vezes, através da prática do Estado que representa,para uma evolução da norma no tempo e sua adaptação às necessidade contemporâneas.A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), art. 31, 2 (b), elencaentre os critérios de interpretação de um tratado a “prática subsequente na aplicaçãodo tratado que configure um acordo das partes a respeito sua interpretação”. A CDIacaba de iniciar, através de um Grupo de Estudos estabelecido sobre o tema “Tratadosno Tempo”, exame sobre o alcance deste complexo dispositivo.

Como agentes do Estado são os diplomatas incumbidos de negociar e dar formaa novos instrumentos jurídicos bilaterais ou multilaterais, operando assim no campodo desenvolvimento do direito internacional (lege ferenda). A prática dos Estadose dos organismos internacionais opera assim ampliação e transformação do direitointernacional adaptando-o, por vezes sem o rigor lógico e a precisão desejadapelos juristas, às necessidades da cooperação internacional que se intensificou nasúltimas décadas face ao fenômeno da globalização e da intensificação dos contatose transações internacionais. Estes fenômenos conformam uma dupla agenda: 1) apromoção de valores e a busca de soluções para problemas globais (direitos humanos,meio ambiente, luta contra a pobreza e as desigualdades, promoção do livre comércioe defesa da propriedade intelectual e sua compatibilização com o acesso dos países emdesenvolvimento a inovações tecnológicas) e 2) estabelecimento de normas e processospara combater riscos e ameaças que se tornaram crescentemente transnacionais(conflitos étnicos ou religiosos, tráfico de drogas, de armas e de pessoas, terrorismo,pirataria, desastres naturais, crime organizado).

O processo de “especialização” de diplomatas, que já ocorria antes por força danegociação de determinados tratados ou regimes especiais (direito do mar e do espaçoaéreo, desarmamento, comércio internacional) se acentuou e aprofundou. Por forçada natureza de suas funções estes negociadores aprofundam seus conhecimentos nasua área específica de atuação, sem necessariamente adquirirem visão conceitualabrangente do Direito Internacional.

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Para enfrentar os desafios contemporâneos, complexos e muitas vezes urgentes,o Estado e seus agentes, diplomatas e especialistas, assim, como as organizaçõesinternacionais, passaram a utilizar entendimentos, processos decisórios e articulação deregimes que, sem assumirem a forma de normas vinculantes, frequentemente orientame limitam a ação dos Estados que deles participam e de outros atores. Refiro-me comoexemplos ao MTCR (Missile Technology Regime) e ao NSG (Nuclear Supply Group),no campo do controle de tecnologias e materiais sensíveis e aos grupos e mecanismoscriados para a cooperação contra o crime organizado e a lavagem de dinheiro e aofinanciamento do terrorismo (GAFI e GAFISUD). Estes regimes especiais muitasvezes são complementares a instrumentos internacionais vinculantes e podem serconsiderados como fonte de normas brandas (“soft law”), ao lado das resoluçõesrecomendatórias adotadas pelos órgãos competentes de organismos internacionais.

Outra importante evolução no processo de criação de normas tem sido aampliação da capacidade legislativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas.Nos anos 90, após o fim da Guerra Fria e em face dos conflitos que ocorreram na ex-Iugoslávia e ao genocídio em Ruanda, o Conselho de Segurança decidiu, com baseem estudos do Secretariado que levavam em conta contribuições anteriores da CDI,a criação dos dois primeiros Tribunais Penais Internacionais, com competência parajulgar pessoas indiciadas por genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.No combate ao terrorismo e ao risco de proliferação e de acesso de atores não estataisa armas de destruição em massa o CSNU tem se valido das prerrogativas do CapítuloVII da Carta para criar obrigações para os Estados sem que necessariamente estejaconfigurada uma situação específica de ameaça ou ruptura da paz internacional.

A aprovação dos estatutos dos Tribunais Criminais Internacionais para a ex-Iugoslávia e para Ruanda significou grande avanço na luta contra a impunidade dosresponsáveis pelos crimes de maior transcendência internacional e serviu de exemplopara a negociação do Tribunal Penal Internacional, este um verdadeiro tratado, coma legitimidade de uma negociação de caráter universal. Ao contrário adoção dosestatutos dos tribunais ad-hoc, sem deixar de reconhecer sua positiva contribuição, sefez pelo Conselho de Segurança com base no Capítulo VII da Carta da ONU, o quetornou obrigatório o seu cumprimento para todos os Estados sem que estes tenhamtido a oportunidade de submeter estes textos ao exame das autoridades nacionaiscompetentes.4

Verifica-se assim que talvez mais do que uma “fragmentação” do DireitoInternacional, assume ele um caráter polimórfico, tanto com respeito às fontes quanto noque tange o conteúdo e formato das mesmas, característica que possivelmente respondeàs de uma sociedade internacional cujo funcionamento se densifica e acelera.5

cd

4 Para uma interessante discussão deste tema ver “Interpretation of legislative Security Council resolutions”,Bart Smit Duijzentkunst , in Utrecht Law Review, consultado em http://www.utrechtlawreview.org . (2008)

5 Cf “O movimento de expansão não uniforme e a tensão entre unidade e fragmentação do DireitoInternacional”, Delber Andrade Lage, II Anuário Brasileiro de Direito Internacional, vol. 1 (2007).

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15Prefácio 15

Os juristas e os diplomatas são atores indispensáveis na promoção do DireitoInternacional e aliados na promoção de relações internacionais pacíficas, estáveis,prósperas e justas. Para o Brasil, o Direito Internacional foi fundamental para aconformação juridicamente segura de seus limites geográficos, o que garantiu suaintegridade territorial e favoreceu o desenvolvimento de relações amistosas com ospaíses vizinhos. O recurso aos mecanismos pacíficos de solução de controvérsiassempre foi apoiado pelo Brasil, e foi através de diversos juízos arbitrais que seresolveram vários pontos de divergência a respeito das nossas fronteiras, processoque notabilizou o Barão do Rio Branco.

Em etapas posteriores de sua história diplomática, o Brasil contribuiu, entreoutros, através da participação de Ruy Barbosa na Conferência da Haia de 1907,aos esforços iniciais para a criação e fortalecimento de instrumentos jurídicos einstituições voltadas para disciplinar as relações internacionais dentro de um quadrode respeito à igualdade jurídica dos Estados, desenvolvimento de relações pacíficase de cooperação e proteção à dignidade da pessoa humana e às vítimas dos conflitosarmados. O respeito ao direito internacional e o fortalecimento do multilateralismotem representado para o Brasil garantias de refrear o predomínio do poder nas relaçõesinternacionais.

Não surpreende assim que o Brasil tivesse participado com destaque, na pessoa deGilbertoAmado, nas negociações que levaram à criação, em 1948, da Comissão de DireitoInternacional da ONU (CDI). O órgão, composto de peritos eleitos a título pessoal, foiestabelecido no art. 13 (a) da Carta das Nações Unidas que estabelece que a “AssembleiaGeral iniciará estudos e fará recomendações com a finalidade de: (a) ...encorajar odesenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação”.

Orgão subsidiário da Assembleia Geral da ONU (AGNU), à qual reportaanualmente, a CDI completou sessenta anos em 2008, período durante o qual foiresponsável por textos que resultaram em vasto acervo de tratados sobre camposfundamentais das relações internacionais, entre outros o direito do mar, o direitodos tratados, relações diplomáticas e consulares e missões especiais, sucessão deEstados, cursos d’água internacionais. Contribuiu também para a evolução do direitointernacional criminal através da elaboração de textos como os Princípios de DireitoInternacional decorrentes da Carta do Tribunal de Nuremberg, o Código de Crimescontra a Paz e a Segurança da Humanidade e o Projeto para a criação de um TribunalPenal Internacional, que forneceu significativa contribuição à elaboração do Estatutode Roma que estabeleceu o TPI em 1998..

Com relação ao mandato e aos métodos de trabalho da CDI, caberia observarprimeiramente que, na prática, a expressão “desenvolvimento progressivo do DireitoInternacional e sua codificação” não se traduz numa distinção formal entre as duascategorias de objetivos. Na verdade, a CDI opera sob perspectiva de longo prazo,elabora seus projetos com grande independência mas, ao mesmo tempo em estreitodiálogo com os Estados através da AGNU, e empresta grande importância à práticados Estados e dos organismos internacionais, assim como à jurisprudência de tribunais

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internacionais e nacionais. Quando determinado tema ou dispositivo apresenta umgrau maior de inovação em relação ao que a prática revela, costuma-se afirmar quecontém mais elementos de “desenvolvimento progressivo”. Mas na realidade estadistinção tem em geral pouco efeito prático pois, mesmo quando exerce um trabalhode “codificação” há sempre um fator de inovação ao se tornar explícita uma norma dodireito não-convencional, acompanhado-a de comentários explicativos.

Substancial parte dos resultados alcançados pela CDI no exame dos temas nãoassume necessariamente forma de projeto de tratado, embora sempre que factíveleste é o objetivo visado. Sob a forma de projetos de artigos e estudos tem sidoencaminhada à AGNU sobre ampla gama de temas. Estes textos, acompanhadosquase sempre de amplos comentários que refletem cuidadosa consideração dosperitos sobre o significado e alcance dos dispositivos propostos.6 A CDI concluiunas últimas sessões alguns tópicos de importância, entre os quais ressalta, pelo seusignificado para o Brasil, o projeto de artigos sobre o direito relativo aos aquíferostransfronteiriços. Este projeto foi levado a cabo mediante uma estreita cooperaçãoentre os juristas da Comissão e técnicos de diversos organismos internacionais, emparticular a UNESCO.

Finalizou-seemprimeira leiturae foramencaminhadoparacomentáriosdosEstadoso projeto “Efeitos dos Conflitos Armados sobre os Tratados” e “ResponsabilidadeInternacional das Organizações Internacionais”.

O trabalhos da CDI, mesmo quando não se transformam em instrumentosconvencionais representamuma fonte importante e dotada de significativa legitimidadesobre o estado do Direito Internacional, a prática dos Estados e a jurisprudência dascortes internacionais e nacionais. Tanto assim que a Corte Internacional de Justiçatem, em alguns casos, se referido a projetos de artigos ou comentários da CDI em seusjulgamentos.

A extensão do trabalho realizado pela CDI sobre os temas centrais do DireitoInternacional passíveis de codificação e desenvolvimento progressivo levou a umareflexão sobre sua agenda e forma de trabalho futuro e mesmo, para alguns autores, orisco de que o órgão possa perder relevância.A atual agenda da CDI reflete a preocupação, ao lado do prosseguimento de

trabalhos pertinentes ao campo tradicional do Direito Internacional, como o daResponsabilidade das Organizações Internacionais, Reservas a Tratados, Imunidadesdos Funcionários do Estado da Jurisdição Criminal Estrangeira e a Obrigação “autdeder aut judicare”, examinar temas de interesse contemporâneo que possam serutilmente objeto de consolidação jurídica.

Estão assim em andamento, por exemplo, trabalhos sobre a Proteção de Pessoasem Casos de Desastres, que assume particular relevância após a recente tragédia noHaiti, e Expulsão de Estrangeiros, cujos respectivos relatores especiais já submeteram

6 Figuram como exemplos dos temas : “Responsabilidade dos Estados em relação a atos contrários ao DireitoInternacional”, “Prevenção de danos transfronteiriços causados por atividades perigosas”, “Alocação deprejuízos no caso de danos transfronteiriços causados por atividades perigosas”, “Proteção diplomática”.

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17Prefácio 17

os primeiros relatórios. Foram ainda criados Grupos de Trabalho sobre a questãoda evolução dos Tratados no Tempo (Efeitos da prática subsequente e dos acordosentre as partes) e sobre a Cláusula da Nação Mais Favorecida (CNM). Neste últimocaso, a CDI examinara o tema nos anos 70/80, tendo proposto alguns projetos deartigos àAGNU.No entanto, devido a certos aspectos polêmicos ou politizados que odebate assumiu, a AGNU apenas elevou o texto ao exame dos Estados sem nenhumarecomendação. A CDI pretende, sem pôr em questão o trabalho anterior, reexaminaragora a CNM à luz da evolução verificado em sua prática, particularmente no âmbitodos tratados sobre garantia de investimentos.Verifica-se assim que a CDI continua a ser um órgão relevante onde, mediante

a interação entre acadêmicos e diplomatas ou outros “operadores” do DireitoInternacional, e permanente diálogo com a Assembléia Geral da ONU, podemser elaborados textos jurídicos que atendam às necessidades de um mundo onde aglobalização e a aceleração das relações internacionais, longe de diminuir o significadodo Direito Internacional, tornam-o ainda mais relevante e requerem de seus estudiosospermanente atualização e contato com outros ramos das ciências sociais.

Volto, assim, a registrar minha satisfação pelo exitoso percurso já alcançadopelo Centro de Direito Internacional - CEDIN - e saúdo o lançamento do V AnuárioBrasileiro de Direito Internacional. Neste momento em que o Brasil assume perfilmais atuante em todos os setores da vida internacional é de grande importância quese mantenha e amplie a formação de juristas brasileiros competentes para a defesados interesses brasileiros, que contribuam para a conformação de uma ordem jurídicainternacional justa, estável e mais equânime.

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Rawls e Habermas - Leitores de Kant

alexandre Parola1

If a reasonably just society that subordinates power to its aimsis not possible and people are largely amoral, if not incurablycynical and self-centered, one might ask with Kant whether it

is worthwhile for human beings to live on the earth.2

ResumoNo presente artigo, trato de discutir as contribuições de John Rawls e Jürgen

Habermas para a filosofia política, com especial ênfase em sua discussão da ordeminternacional. Nesse esforço, as obras de ambos são situadas no âmbito de sua matrizkantiana. A análise se concentra essencialmente na discussão das teses centrais dosconceitos de justiça como equidade e de situação discursiva ideal naquilo que estas serelacionam ao temário da ordem e da justiça na sociedade internacional.

AbstractIn this article, I try to discuss John Rawls’ and Jürgen Habermas’ contribution

to political philosophy, with special emphasis on the discussion of the internationalorder. In this effort, the works of both authors are located within a Kantian framework.The analysis focuses mainly on discussing the central theses of the concepts of justiceas equity and ideal discursive situation considering the relationship of these conceptsto the agenda of order and justice in the international society.

cd

O artigo que segue parecerá talvez curioso ao leitor de revista especializada emDireito Internacional. Honrado com o convite para submeter à publicação nesteprestigioso Anuário texto de minha autoria, não poderia, seja recusar, seja pretendercontribuir para o pensamento na área específica de concentração dos intelectuais ejuristas que aqui publicam. A alternativa que me pareceu única a meu alcance – eregistro meu agradecimento ao corpo editorial por tê-la aceito - seria oferecer algode minha reflexão sobre tema que me parece de particular interesse na área dafilosofia política, a saber, as leituras contemporâneas de Kant como demarcando um

1 Diplomata de carreira, Alexandre Parola é Doutor em Filosofia, com Pós-Doutorado na Universidade deOxford, U.K.

2 John Rawls, Political Liberalism (NewYork: Columbia University Press, 1993), p. lxii

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espaço importante no qual se dá o debate conceitual sobre ordem, justiça, liberdade eautonomia. É nessa perspectiva que, no texto que segue, pretendo apresentar algumasdas linhas centrais da obra de John Rawls e de Jürgen Habermas, como leitores deKant. A ênfase estará em estudar o que têm a oferecer, para o entendimento da ordeminternacional, dois autores centrais do pensamento político contemporâneo, Rawlse Habermas. O artigo começa, assim, com breve recapitulação de algumas teseskantianas para, em seguida, expor a contribuição de Rawls consolidada em seu Law ofPeoples e, finalmente, analisar os contornos gerais daquilo que Habermas denominade “constelações pós-nacionais.” Passo ao texto.3“Duas coisas enchemo ânimo de admiração e veneração sempre novas e crescentes,

quanto mais freqüentemente e com maior assiduidade delas se ocupa a reflexão: Océu estrelado sobre mim e a lei moral em mim.”4 A famosa passagem deixa claroque a revolução copernicana promovida pela Crítica da Razão Pura não se restringeà determinação do que pode ser conhecido, mas também se estende ao campo dareflexão ética.A revolução promovida por Kant tem, entre seus traços essenciais, o princípio da

autonomia da vontade, o qual expressa a vontade como atribuindo a si própria sualei universal.5 Em contraste com os resultados de sua filosofia teórica, no marco daqual a razão humana não pode buscar apreender o concreto além das condições depossibilidade da experiência, em sua filosofia moral Kant faz da liberdade um dospostulados da razão prática. Prático é tudo aquilo que é possível pela liberdade.6 Aimportância da liberdade é reafirmada naFundamentação da Metafísica dos Costumes,quando o conceito é apresentado como fundamento da possibilidade de um imperativocategórico.7 Ora, se é este o caso, a moral kantiana se desenha tendo a liberdade comoprincípio moral último, o qual se desdobra na capacidade de a razão humana atribuira si mesma leis que sejam universalizáveis, que tratem a humanidade como fim em simesmo e, assim fazendo, que constituam um reino dos fins no seio do qual cada serhumano está livre para buscar seus propósitos dentro dos limites dados pelo respeito àliberdade alheia.A tradução política dessa teoria moral é obviamente poderosa em sua

3 É de justiça deixar o registro de meu agradecimento aos comentários e à revisão judiciosa de que pudebeneficiar-me por parte do colega João Ernesto Christófolo. Os erros que persistam são, naturalmente, deminha exclusiva responsabilidade.

4 Immanuel Kant, Crítica da Razão Prática (Lisboa, Portugal: Edições 70, 2001), p. 183 [5:161]. Noscomentários aos textos de Kant, atenho-me às traduções para o português, indicando, entre parênteses, sejaa paginação da edição original, seja a paginação da edição das obras completas pela Academia de Berlim.Nesta segunda opção, o número inicial indica o volume dentro da coleção, seguido pela referência à páginacitada.

5 Immanuel Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes (Lisboa, Portugal: Edições 70, 2005), p. 72[4:431].

6 Immanuel Kant, Crítica da Razão Pura, trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão(Lisboa, Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989), p. 636 [A801/B829].

7 Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes , pp. 67-68 [4:428].

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ênfase na igualdade de todos, no valor intrínseco de cada ser humano, e na liberdadecomo princípio, ao mesmo tempo, da emancipação e da obediência à lei.A passagem do moral para o político ou, mais propriamente, a fundamentação do

político no moral – com o que estão dadas as condições para a superação do cismamaquiavélico entre os dois domínios – torna-se explícita quando, na introdução da suaDoutrina do Direito, Kant deixa assentado que o princípio universal da justiça está emque qualquer ação será justa se “for capaz de coexistir com a liberdade de todos deacordo com uma lei universal, ou se na sua máxima a liberdade de escolha de cada umpuder coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal.”8 Critériode justiça, a liberdade é também a base de legitimidade do exercício do poder estatal,visto que toda lei pública deve ser concebida como podendo ter emanado da vontadecoletiva de um povo inteiro.Essa filosofia moral baseada na liberdade que se desdobra em um entendimento

da ordem política legítima ancorada nos princípios da igualdade e da expressão davontade constitutiva da soberania estatal está claramente presente no tratamentokantiano da paz e da guerra. Sua presença faz sentir-se de modo imediato já noprimeiro artigo definitivo para a Paz Perpétua, onde se dispõe que “a Constituiçãocivil em cada Estado deve ser republicana.”9

Naapresentaçãodealgunsaspectosd’APazPerpétua, oprimeiropontoquese impõeao comentário é o contraste entre o tratamento kantiano das relações internacionaise as concepções, seja hobbesianas, seja mesmo rousseauianas. Enquanto para essesúltimos há uma distinção clara entre a ordem interna e a ordem externa, em Kant taldistinção se apresenta sob a forma de uma linha essencialmente ininterrupta que vaida liberdade como fundamento da ação humana, passa pela liberdade como princípioda ordem estatal e chega ao direito cosmopolita e às constituições republicanas comoalicerces da paz.A saída do estado de natureza não se esgota na celebração da constituição civil.

Ao contrário, libertar-se do estado de guerra que lhe é próprio requer que se avance nadireção do direito cosmopolita, definido como a relação externa de influência recíprocaque mantêm homens e Estados.10 No caminho da construção da paz está tambémassentado que o direito das gentes deve fundar-se numa federação de Estados livres.11

Parte do processo de afastamento do estado de natureza, o foedus pacificum não seconfunde com o pacto que estabelece a sociedade civil pela ausência da necessidadede que seus membros se submetam a leis públicas impositivas. Em outros termos, afederação de Estados não exige nem conduz necessariamente a um Estado mundial.Seus membros, sem abrir mão de suas constituições internas, visam apenas a mantere a garantir a paz em um processo gradual que, em seu horizonte último, abrangeria o

8 Immanuel Kant, A Metafísica dos Costumes (São Paulo, S.P.: Edipro, 2003), pp. 76-77 [6:230].9 “A Paz Perpétua: um projeto filosófico,” in A Paz Perpétua e outros opúsculos (Lisboa, Portugal: Edições

70, 2002).10 Ver Kant, “APaz Perpétua: um projeto filosófico,” , p. 127 [8:349].11 Ibid, p. 132 [8:354].

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conjunto dos Estados reunidos em torno de constituições republicanas e observadoresdo direito cosmopolita.A importância dos temas até aqui repassados em suas grandes linhas não se esgota

no que seria uma dimensão teórica dissociada de qualquer implicação prática.12 Avitalidade, por exemplo, da tradição grociana e do pensamento de Rousseau e Kantestá dada, em grande parte, pela atualidade do desafio de pensar e agir no sentido deque a ordem internacional não fale apenas pela voz do poder, mas expresse tambémo clamor da justiça. Se, como discutido a seguir, Rawls e Habermas ainda podeminvocar a influência de Kant em seus escritos é que, mais de dois séculos passados, apaz perpétua segue um ponto de fuga no horizonte da ação humana.Passando ao estudo desses dois autores contemporâneos, é importante sublinhar

que existe entre ambos uma espécie de orientação comum em torno do que percebemcomo a tarefa do pensamento diante do fenômeno político. Em artigo publicado peloThe Journal of Philosophy em 1995, Habermas sublinha, por exemplo, que suascríticas à concepção política de justiça desenvolvida por Rawls devem ser entendidascomo o que chama de desavenças familiares.13 Com efeito, é possível entender asinvestigações de Rawls e de Habermas como em grande parte voltadas para resolvero problema de encontrar uma fundamentação comum que supere a dicotomia entre oque se convencionou chamar de a liberdade dos clássicos, com sua origemAristotélicae mais tarde Rousseauiana, e a liberdade dos modernos, com sua matriz em Locke. Aconcepção de justiça como equidade seria a resposta rawlsiana, ao oferecer um marcoconceitual que funda a relação entre igualdade e liberdade. Habermas, por sua vez,veria na ética discursiva o caminho para fundar a relação essencial entre democraciae direitos humanos.Afrase com que Rawls abre a discussão sobre o papel da justiça é clássica: “justice

is the first virtue of social institutions, as truth is of systems of thought.”14 Prossegueafirmando que todas as pessoas possuem uma inviolabilidade fundada na justiça, a qualnão pode ser suprimidamesmo em nome demaior bem-estar social. Em uma sociedadejusta, as liberdades civis são garantidas e os direitos inerentes à justiça não são objetode barganhas políticas ou de supostos “interesses sociais.”15 Rawls reconhece queessas formulações, nas quais identifica o que chama de “convicção intuitiva sobre aprimazia da justiça”, requerem o estabelecimento de uma fundamentação teórica quepermita sua melhor avaliação e interpretação.

O primeiro passo para construir tal fundamentação é a discussão sobre o papeldos chamados princípios da justiça (principles of justice). Rawls parte do pressuposto

12 Sérgio Vieira de Mello oferece exemplo particularmente brilhante dessa vinculação entre teoria e prática aotomar cada umdos artigos do Projeto de Paz Perpétua e traduzi-los para situações contemporâneas concretas.Ver Sérgio Vieira de Mello, “Histoire philosophique et histoire réelle: actualité de la pensée politique deKant.” (1991).

13 Martha Nussbaum, “Kant and Cosmopolitanism,” in Perpetual peace: essays on Kant’s cosmopolitan ideal,ed. James Bohman eMatthias Lutz-Bachmann (Cambridge, Mass.: MIT Press, 1997).

14 Rawls, A Theory of Justice , p. 3.15 Rawls observa que “being first virtues of human activities, truth and justice are uncompromising” (Ibid, p. 4).

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segundooqual uma sociedade é umaassociação relativamente autossuficiente de pessoasque em, seu convívio, não apenas reconhecem algumas regras como mandatórias, mastambém agem de acordo com tais regras. Adicionalmente, essas regras especificamformas de cooperação voltadas para a promoção dos interesses dos membros destasociedade.Mesmoconcebida comovoltada para o benefício comumdos que a compõem,uma sociedade é essencialmente marcada pela identidade e pelo conflito de interesses:a identidade reside em que a cooperação torna possível a seus membros almejar umaqualidade de vida que estaria fora do alcance de esforços apenas individuais; o conflito,por sua vez, está em que os membros da sociedade não são indiferentes à repartição dosbenefícios da cooperação social. Em outros termos, há um conflito distributivo inerenteà partição dos benefícios da cooperação em sociedade.A dimensão distributiva revela-se, assim, presente já no momento inicial da

articulação conceitual do tema da justiça: para arbitrar a divisão das vantagens e dosônus da cooperação em sociedade será requerido um conjunto de princípios, aos quaisRawls chama de princípios de justiça, que ele assim define: “these principles are theprinciples of social justice: they provide a way of assigning rights and duties in the basicinstitutions of society and they define the appropriate distribution of the benefits andburdens of social cooperation.”16 Uma sociedade bem ordenada será aquela concebidapara o benefício dos que a compõem e regulada por uma concepção pública de justiça.Que uma concepção de justiça seja pública, em contraste com uma concepção

privada, pressupõe dois aspectos cruciais: o primeiro é que cada membro da sociedadeaceite, e saiba que os demais igualmente o fazem, os mesmos princípios de justiça;o segundo é que as instituições sociais básicas satisfaçam, e assim sejam percebidas,esses princípios. A ênfase nos dois aspectos – o do respeito aos princípios e o doconhecimento de sua observância – émais do que simples distinção entre o que se podeimaginar como uma dimensão objetiva e uma dimensão subjetiva. O ponto central dapresença desses dois aspectos está em que um dos traços da esfera pública, e dasliberdades democráticas, é o conhecimento sobre os termos do convívio social. Umasociedade em que, hipoteticamente, todos observassem princípios de justiça, mas semque essa observância fosse objeto de conhecimento, seria uma sociedade com umaesfera pública incompleta. Uma concepção de justiça comum oferece o que Rawlschama de vínculos da amizade cívica. Caráter fundamental de uma comunidade emque seres humanos se reúnem em busca de uma vida melhor, a justiça serve como acondição na ausência da qual seria impossível encontrar uma mediação entre interessecoletivo e vontades individuais.Está claro que as sociedades concretamente em existência raramente são bem

ordenadas no sentido definido por Rawls. Uma razão básica para tanto está nainevitabilidade de que os homens divirjam sobre o que lhes parece justo ou injustoe, logo, de que expressem concepções diferentes de justiça. Diante disso, Rawlsapresenta a distinção entre diversas concepções de justiça e um conceito de justiça.

16 Ibid.

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O conceito de justiça, idealmente, é determinado pelos elementos que sejam comunsaos diversos modos de conceber o justo e o injusto. Esse núcleo comum é formado,em primeiro lugar, pelo entendimento de que se considera injusto que sejam feitasdistinções arbitrárias entre membros da sociedade na atribuição de direitos e deverese, adicionalmente, de que deve haver regras a determinar de que modo se resolvem asdemandas apresentadas por cada um sobre os frutos da vida em sociedade.Se o conceito de justiça atende ao problema lógico de oferecer uma medida

comum para as diferentes concepções de justiça, ele está longe de esgotar o campoconceitual que Rawls vai demarcando para tratar o tema da justiça e sua importânciana fundamentação de uma sociedade bem ordenada. Um critério particularmenteimportante é o da estabilidade: é preciso que as regras básicas de uma sociedadesejam regularmente obedecidas e que, em casos de sua violação, haja mecanismos querestaurem sua observância.Os elementos iniciais da argumentação permitem que se comece a delinear o

problema central a ser resolvido por uma teoria da justiça. Em uma sociedade marcada,ao mesmo tempo, pela cooperação e pelo conflito em torno da distribuição dos frutosdesta cooperação e composta por indivíduos que, se bem sejam capazes de perceber erespeitar um conceito de justiça, sustentam concepções distintas de justiça, o problemaelementar que se apresenta para o bom ordenamento de tal sociedade é determinarcritérios pelos quais seja possível chegar a um conceito de justiça que determine oequilíbrio entre cooperação e conflito e que seja aceitável para osmembros da sociedade,ainda que distinto da concepção de justiça que cada um possa ter. O conceito rawlsianode “posição original” busca oferecer uma solução para este problema.A ideia básica da posição original é relativamente simples: seu objetivo primordial

consiste em representar uma situação hipotética na qual os homens e mulheres quecompõem uma sociedade decidem em um ato conjunto quais princípios de justiça irãoregular o que Rawls chama de estrutura social básica.17Essa estrutura é composta pelasprincipais instituições da sociedade e define os direitos e deveres de cada um, sendodecisivas na determinação das possibilidades e projetos individuais. As principaisinstituições são a constituição política e os arranjos econômicos e sociais básicos. Oconceito de posição original corresponde, está claro, à noção do contrato social datradição. Nesses termos, é possível estudá-lo a partir de três questões: quem contrata?em que condições se estabelece o contrato? e, finalmente, quê se contrata?No que diz respeito à primeira das perguntas, o pressuposto de que parte

a argumentação é que as partes do contrato são livres, iguais, racionais e dotadasda capacidade moral para o sentido de justiça. As duas primeiras exigências sãode compreensão imediata: não fossem livres, os indivíduos não poderiam serdescritos propriamente como escolhendo os princípios de justiça de uma sociedadebem ordenada. No mesmo diapasão, a igualdade traduz-se na exigência de que, nadiscussão dos princípios a serem pactuados, a opinião de cada individuo tenha o

17 Para o conceito de “basic structure of society”, ver TJ, pp. 7-11.

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mesmo peso em um debate livre. No que concerne ao pressuposto de racionalidade,sua interpretação deve ser lida no sentido restrito que lhe oferece a teoria econômica e,em geral, as teorias de ator racional, ou seja, que os indivíduos possuem uma estruturade preferências ordenadas cardinalmente e são dotados da capacidade instrumentalde relacionar meios e fins.18 Finalmente, o sentido de justiça é definido por Rawlscomo a habilidade que qualquer pessoa a partir de certa idade e dotada de capacidadeintelectual para tanto desenvolve no sentido de julgar algo como justo ou injusto e desustentar esse julgamento com base em argumentos.19

Quanto às condições em que se estabelece o contrato, a principal delas é ochamado “véu da ignorância.” Esse véu impede que as partes contratantes saibam,na situação original, qual será sua posição na sociedade cujos princípios de justiçaestão escolhendo, bem como quais serão seus talentos naturais. As partes ignorammesmo quais serão suas próprias concepções do bem uma vez em sociedade. Oúnico conhecimento a que têm acesso são fatos genéricos sobre sociedades humanase princípios gerais de economia, de organização social e de psicologia, bem comoqualquer fato genérico que possa relacionar-se à escolha dos princípios de justiça. Dadaa situação de igualdade que permite a todos a exposição e defesa de suas concepçõese dado que nenhuma das partes sabe qual será sua situação futura, as condições de queos princípios de justiça escolhidos sejam resultados de um acordo aceitável por todosficam melhor asseguradas.Umadificuldade imediata está emque os pressupostos sobre os indivíduos na posição

original parecem requerer um conjunto de informações que é vedado precisamente pelovéu da ignorância. Como imaginar que as partes na posição original possam sustentaralgum princípio de justiça, quando não sabem mesmo o que entendem como um bem aser perseguido? Como conceber a racionalidade em termos de uma adequação eficienteentre meios e fins quando o conhecimento sobre os fins é excluído por definição?Rawls resolve essas dificuldades por meio do conceito de bens sociais primários, quecompreendem direitos e liberdades, poderes e oportunidades, renda e riqueza, bemcomo as bases do respeito próprio. Esses bens são primários no sentido de que sãofundamentais para a realização de qualquer projeto de vida que se possa abraçar. Naposição original, os indivíduos sabem da existência dessa classe de bens e a hipótese deracionalidade adotada faz que eles prefiram ter mais a ter menos de tais bens.Ao mover-se para a discussão da terceira das perguntas acima listadas – quê se

contrata? – a análise revela os dois princípios fundamentais que constituem o cerneda justiça como equidade. A escolha destes dois princípios resulta de um processo emque, na posição original, cada parte é confrontada com uma lista composta, em pares,de uma série de possíveis concepções de justiça e é chamada a escolher até que hajaunanimidade entre todas as partes sobre quais dois princípios devem ser aceitos como

18 Ibid, p. 1419 Ibid, p. 46.

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fundamentais.20 Os dois princípios escolhidos, sustenta Rawls naquilo que constituio núcleo de sua teoria de “justice as fairness”, são, em primeiro lugar, o direito àliberdade e, em segundo lugar, a defesa da igualdade.Antes de comentar demodomais detido os dois princípios, é útil ter sua formulação

tal como Rawls a apresenta:

I now wish to give the final statement of the two principles of justice[...]. For the sake of completeness, I shall give a full statement [...].First PrincipleEach person is to have an equal right to the most extensive total systemof equal basic liberties compatible with a similar system of liberty forall.Second PrincipleSocial and economic inequalities are to be arranged so that they areboth:(a) to the greatest benefit of the least advantaged, consistent with thejust savings principle, and(b) attached to offices and positions open to all under conditions of fairequality of opportunity.21

Tendo em mente que os dois princípios se aplicam à estrutura básica da sociedade,um aspecto a ser logo mencionado é que eles pressupõem que a estrutura social possaser dividida em duas partes: uma composta pelos aspectos que definem e asseguramas liberdades da cidadania e outra por aqueles que tratam das desigualdadessocioeconômicas. Outro ponto a ser observado está em que o ordenamento dos doisprincípios respeita uma ordem lexicográfica, ou seja, uma ordem em que se requerque o primeiro princípio seja atendido antes que se possa passar ao segundo.22 Doordenamento lexicográfico dos dois princípios de justiça, resulta que na sociedadebem ordenada não há espaço para que se sacrifiquem liberdades fundamentais emtroca de bem-estar ou igualdade socioeconômica.As liberdades fundamentais, ou básicas, de que se ocupa o primeiro princípio são

liberdade política, liberdade de expressão e livre associação, liberdade de pensamento,liberdade individual e direito à propriedade e garantias contra prisão arbitrária cobertaspelo Estado de direito. Um sentido essencial, portanto, em que tais liberdades são

20 Amecânica do processo de escolha é descrita no capítulo chamado “The presentation of alternatives.” Ibid,pp. 122-126.

21 Ibid, p. 302. Os mesmos dois princípios são apresentados também em passagens anteriores do TJ, mas éapenas aqui que são formulados já incorporando elementos que Rawls vai agregando à analise ao longo deseu debate comoutras teorias de justiça, fundamentalmente como utilitarianismo e como intuicionismo. Porisso, a escolha desta passagem em particular.

22 Ver a esse propósito TJ, pp. 42 et seq.

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consideradas básicas é que elas não podem ser sacrificadas em nome de consideraçõesdistributivas, das quais se ocupa o segundo princípio de justiça.Em seu tratamento das desigualdades distributivas, as duas partes em que se

articula o segundo princípio de justiça são também ordenadas lexicograficamente,sendo atribuída prioridade ao acesso igualitário a oportunidades por sobre os limitesdentro dos quais se pode considerar a desigualdade como compatível com a justiça.O segundo princípio de justiça introduz forte elemento igualitário na construçãodo que seja uma sociedade bem ordenada. Com efeito, é possível entender amboscomo essencialmente igualitários, bastando para tanto que se perceba a exigência deliberdade afirmada pelo primeiro como uma exigência de igual liberdade para todos.Ainda sobre as duas partes que compõem o segundo princípio de justiça, parece útilfazer algumas distinções que permitam melhor apreciar o que elas têm de específico.Uma distinção a ter de saída presente é que o conceito de “fair equality of

opportunity” não se confunde com a simples ausência de discriminação no acesso aoportunidades. Virtualmente consensual nas democracias constitucionais, esta últimaé tratada por Rawls pela expressão “career open to talents.” A única demanda, formal,que implica o acesso a oportunidades assim entendido é que inexistam discriminações,de qualquer ordem, vedando o acesso de determinado grupo de cidadãos a postularposições sociais de relevo. A “fair equality of opportunity” defendida por Rawls vaialém desse requisito formal: não se trata apenas de assegurar o acesso a posiçõessociais de relevo, mas também de substantivamente criar as condições para quetodos tenham acesso a tais posições. Assim entendido, o princípio da “fair equalityof opportunity” implica que as instituições sociais básicas estejam prontas a atuar demodo muito mais ativo no sentido de preservar e promover a noção de justiça expressapor tal demanda de igualdade.Aigualdade como dimensão central dos princípios de justiça que se imagina seriam

escolhidos na posição original está igualmente manifesta no chamado “differenceprinciple”, de que trata a segunda parte do segundo princípio. O cerne do princípioda diferença está na determinação do limite justo da desigualdade. Rawls assim oformula: “injustice, then, is simply inequalities that are not to the benefit of all.”23Os dois princípios escolhidos pelas partes na posição original devem ser entendidos

em seu conjunto. Sem prejuízo da ordem lexicográfica em que se apresentam, elesapenas podem ser plenamente apreciados em suas propostas de justiça para umasociedade bem ordenada quando se percebe que a dimensão da igualdade não vem apósa dimensão da liberdade como algo menos importante, mas, sim, como um elementocentral para o próprio usufruto da liberdade para todos. Ao assegurar, como princípioconstitutivo de uma sociedade que se pretenda justa, que todos tenham acesso a ummínimo social – e nesse mínimo se inclui renda e riqueza – a teoria rawlsiana vai alémde apenas assegurar formalmente a liberdade e volta-se para a defesa substantiva deque a todos seja possível exercer essa liberdade.

23 TJ, p. 62.

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Objeto de refinamento conceitual em uma variedade de artigos do próprio autor,com a publicação de Political Liberalism a noção de “justice as fairness” recebe,sem com isso perder seus traços originais, importantes modificações. De modo muitosintético, tais modificações consistem na transformação da justiça como equidade deuma doutrina abrangente em uma concepção política.24

O motivo central a justificar essa passagem é o que Rawls identifica como umainconsistência interna em sua construção teórica no que diz respeito especificamenteà questão da estabilidade de uma sociedade bem ordenada. Conforme visto acima,um dos traços de uma sociedade bem ordenada é que ela seja estável, ou seja, quesuas regras básicas sejam obedecidas e as violações sejam objeto de sanções voltadasao restabelecimento da regra. Rawls insiste em que a estabilidade deve dar-se peloque chama de “razões corretas”, ou seja, os indivíduos que compõem essa sociedadedevem sentir-se comprometidos com a defesa e o respeito aos princípios de justiça e àsinstituições que lhes dão forma concreta. Devem fazê-lo, mais ainda, sem prejuízo desuas liberdade e racionalidade na busca do que lhes pareça ser o bem a ser alcançadoem suas vidas. A estabilidade pelas razões corretas depende, portanto, da congruênciaentre a liberdade e a igualdade que definem os indivíduos já na posição original e suainclinação por agir segundo os preceitos de justiça escolhidos para a sociedade. Emseu Theory of Justice, Rawls defende a possibilidade dessa congruência com base emum argumento segundo o qual, ao afirmarem seu sentido de justiça, os indivíduos deuma sociedade bem ordenada agem com base em princípios que traduzem a autonomiada vontade e que portanto permitem que se expresse plenamente a natureza humanaenquanto seres livres e iguais.25

O problema, entretanto, e nisso reside a inconsistência identificada por Rawls,está em que é perfeitamente possível valer-se da liberdade e da igualdade presentes naposição original e afirmada por Rawls como da natureza da ação moral sem que issonecessariamente conduza à afirmação da plena autonomia como bem último a orientartodo projeto de vida. Em outros termos, é possível agir justamente, livremente e combase na igualdade sem, com isso, subscrever ao que Rawls passaria a chamar dedoutrina abrangente.26 É nesse contexto que Rawls sublinha:

24 Rawls refere-se precisamente à “transformation from the comprehensive doctrine of justice as fairness to thepolitical conception of justice as fairness.” (Rawls, Political Liberalism , p. xlv).

25 Rawls, A Theory of Justice , pp. 515-516.26 Rawls assim define o conceito de doutrina abrangente: “the distinction between a political conception of

justice and other moral conceptions is a matter of scope: that is, the range of subjects to which a conceptionapplies and the content a wider range requires.Amoral conception is general if it applies to a wide range ofsubjects, and in the limit to all subjects universally. It is comprehensivewhen it includes conceptions of whatis of value in human life, and ideals of personal character, as well as ideals of friendship and of familial andassociational relationships, andmuch else that is to inform our conduct, and in the limit to our life as awhole.Aconception is fully comprehensive if it covers all recognized values and virtues within one rather preciselyarticulated system; whereas a conception is only partially comprehensive when it comprises a number of,but by no means all, nonpolitical values and virtues and is rather loosely articulated. Many religious andphilosophical doctrines aspire to be both general and comprehensive.” (Political Liberalism , p. 13).

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[S] ince the principles of justice as fairness in Theory require aconstitutional democratic regime, and since the fact of reasonablepluralism is the long-term outcome of a society’s culture in the contextof these free institutions, the argument in Theory relies on a premisethe realization of which its principles of justice rule out. This is thepremise that in the well-ordered society of justice as fairness, citizenshold the same comprehensive doctrine, and this includes aspects ofKant’s comprehensive liberalism, to which the principles of justice asfairness might belong. But given the fact of reasonable pluralism, thiscomprehensive view is not held by citizens generally, any more than areligious doctrine, or some form of utilitarianism.27

Um conceito-chave na passagem citada é o de pluralismo razoável. O primeiroponto a esclarecer, naturalmente, é o uso do termo “razoável” na expressão. Emsua explicação do termo, Rawls estabelece uma distinção entre o que é razoável e oque é racional: enquanto a ideia de racionalidade está relacionada eminentemente àcapacidade de adequar meios e fins na busca de um objetivo, a noção de razoabilidadeincorpora um elemento moral que diz respeito à capacidade de os agentes sociaisserem dotados de senso de justiça e respeitarem o dever de respeito mútuo comoparte de regras sociais de cooperação em uma sociedade bem ordenada.28 No limite,comenta Rawls, um agente racional a quem falte qualquer razoabilidade e que persigainteresses exclusivamente em benefício próprio estaria próximo da psicopatia.O pluralismo razoável é distinto da simples noção de pluralismo. Não se trata

apenas do fato óbvio de que instituições livres permitem o florescimento de umavariedade de doutrinas e de perspectivas, bem como interesses pessoais e declasse distintos com suas respectivas visões do mundo político. Mais do que esseaspecto próprio de qualquer sociedade livre, o ponto central da análise de Rawlsconsiste em ressaltar que, em meio a essa diversidade, se desenvolvem diversasdoutrinas abrangentes razoáveis, como resultado da razão prática em um contextode instituições livres. O pluralismo razoável, longe de ser algo a ser lamentado, oua ser tomado como uma contingência superável pelo progresso da razão, é parteda condição humana. Apenas o fato da opressão pode dar origem a sociedadesem que todos partilhem doutrinas abrangentes, sejam elas religiosas, filosóficasou morais.29 Como, portanto, resolver o problema da estabilidade uma vez que opluralismo razoável manifesta a inconsistência entre o argumento da congruência,os princípios de justiça escolhidos na posição original, e o livre desenvolvimento deuma sociedade bem ordenada?

27 Ibid. , p. xlii28 Ibid., pp. 48-54. Embora presente no TJ, é a partir do seu texto sobre o construtivismo kantiano que a

distinção ganha maior relevo em Rawls. Ver John Rawls, “Kantian Constructivism in Moral Theory,” TheJournal of Philosophy 77, no. 9 (1980).

29 Ibid. , p. 37.

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A resposta de Rawls a essa questão gira em torno do conceito de “consensossobrepostos.”30 A transformação acima citada da noção de justiça como equidade deuma doutrina abrangente em uma concepção política traz consigo uma delimitaçãomais precisa da concepção de justiça que, agora, passa a estar restrita ao domínio dopolítico. Como resultado, cria-se o espaço conceitual para imaginar que cada cidadãopossa apoiar a concepção política de justiça semque isso implique uma homogeneidadede doutrinas abrangentes. Daí o termo de consensos sobrepostos, em que cada cidadãopode apoiar os princípios de justiça da sociedade a partir da perspectiva de sua própriavisão abrangente. Não se trata, pois, de uma congruência que force a homogeneidadeque apenas se alcança por meio do fato da opressão, mas de uma convergência emtorno de princípios de justiça para uma sociedade bem ordenada construída com basena percebida compatibilidade específica de tais princípios com uma pluralidade deperspectivas morais, religiosas ou filosóficas.A evolução do pensamento rawlsiano no sentido de uma formulação mais precisa de

sua concepção de justiça em termos de uma “political conception of justice” possibilitaa Rawls estender sua reflexão ao domínio das relações internacionais. A publicação, em1999, de The Law of Peoples é resultado dessa ampliação de seu foco analítico.31EmO Direito dos Povos, Rawls ocupa-se de estender sua concepção política de justiça

para abranger o que seriam os princípios que regulam o relacionamento de tal sociedadecom outras sociedades liberais e não-liberais. Trata-se, assim, de passar da reflexão sobreo que seriam condições de justiça doméstica, para o que seriam parâmetros de justiçainternacional. Rawls apresenta tal extensão comentando que se trata de desenvolver o queseriam os ideais e princípios da política externa de um povo liberal razoavelmente justo.O primeiro tema a reclamar comentário diz respeito à escolha do termo “povos”.

O conceito não é intuitivamente óbvio: o contraste principal que se busca precisaré entre as noções de povos e de Estado. A concepção de Estado delineada nesseesforço de contraposição é o que se pode chamar de o Estado vestfaliano clássico.Em Rawls, tal concepção descreve os Estados como atores racionais, voltadospara o poder, em condição de anarquia.32 Desprovidos de sentido moral, os atoresestatais seriam racionais, mas não razoáveis, o que os impede de pautarem seucomportamento pelo dever de respeito mútuo e pelo compromisso com regrasde cooperação e de reciprocidade.33 Os povos liberais, por seu turno, são dotadosde três características básicas: “a reasonably just constitutional democraticgovernment that serves their fundamental interests; citizens united by what Millcalled ‘common sympathies’; and finally a moral nature.”34

30 Paraaexposiçãosobreoconceitode“overlappingconsensus,”verPoliticalLiberalism,pp.133-172.Ver tambémJohnRawls, “The Idea of anOverlappingConsensus,”Oxford Journal for Legal Studies 7, no. 1 (1987).

31 Algumas das teses centrais de 1999 estão antecipadas em palestra de 1993 proferida por Rawls nomarco daschamadas Oxford Amnesty Lectures. O texto está disponível em Stephen Shute e S. L. Hurley, On humanrights: The Oxford amnesty lectures (NewYork, NY: BasicBooks, 1993).

32 Rawls, The Law of Peoples , p. 28.33 Ibid, p. 29.34 Ibid., p. 23.

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Rawls e Habermas - Leitores de Kant 31

A primeira característica, de ordem institucional, dispensa elaboração; a segunda,de ordem cultural, aponta para o sentimento de nacionalidade referido pela citação aMill. A terceira característica, finalmente, estabelece uma analogia entre os indivíduose os povos: como os indivíduos, os povos são racionais e razoáveis, já que são capazesde uma lógica de meios e fins na busca do que lhes pareça um bem, mas também sãomoderados, neste processo, pelo sentido do que é razoável. Ainda em contraste comos Estados, os povos não possuem duas faculdades associadas por Rawls ao exercícioda soberania, a saber, não têm a prerrogativa de iniciarem guerras ofensivas, apenas odireito de autodefesa; nem possuem autonomia absoluta no que concerne à forma detratamento concedida a seus membros, devendo respeitar padrões mínimos de respeitoaos direitos de cada indivíduo.Discutidas essas distinções, é agora possível passar à elaboração do direito dos

povos e do que seria a política externa de sociedades liberais. A matriz kantiana doargumento fica logo clara quando, na construção do que seria tal política, Rawlsintroduz uma segunda posição original, dessa feita entre povos. Assim como em Kanto estabelecimento de uma constituição republicana precede a emergência de umafederação de estados livres, em Rawls, o estabelecimento do direito dos povos partede uma situação dada em que já existem diversas comunidades políticas. Tambémem linha com Kant, a formulação rawlsiana tem como ponto de partida as sociedadesliberais. Distintamente, entretanto, do requisito kantiano, conforme disposto noprimeiro artigo definitivo para a paz perpétua, de que “a constituição civil de todosos Estados deve ser republicana”, o argumento de Rawls parte do reconhecimentode uma realidade dada em que existem sociedades liberais e sociedades não liberais.A questão fulcral, portanto, é determinar de que forma se devem relacionar associedades liberais com as sociedades não-liberais, particularmente com aquelas queRawls chamará de “decent societies”, de modo a que seja possível obter uma ordeminternacional pacífica.35Na construção dos princípios fundamentais do direito dos povos, Rawls sugere

uma nova posição original como método de representação. Dessa feita, em lugar dosindivíduos, são representantes dos povos os que se reúnem para deliberar sobre quaisprincípios devem reger o relacionamento entre seus representados. O paralelismoentre as duas posições originais se manifesta em mais de uma instância. A primeiradelas é que também os representantes dos povos estão sujeitos ao véu da ignorância:desconhecem a população, a extensão territorial e o poder relativo dos povos cujos

35 Rawls assim define a expressão: “I use the term ‘decent’ to describe nonliberal societies whose basicinstitutions meet certain specified conditions of political right and justice (including the right of citizensto play a substantial role, say through associations and groups, in making political decisions) and leadtheir citizens to honor a reasonably just law for the Society of Peoples.” Rawls, The Law of Peoples,p. 3, n. 2. Em outra passagem, Rawls estabelece dois critérios fundamentais para uma sociedade serconsiderada decente, a saber, a recusa de buscar ampliar sua influencia por meio da guerra e o respeitoaos direitos humanos fundamentais. Estes últimos seriam o direito à vida, à liberdade, à propriedade eà igualdade formal. Tais direitos, insiste o autor, não podem ser considerados apenas ocidentais: “theyare not politically parochial.” Ibid, p. 65.

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interesses fundamentais representam.36 Os interesses das sociedades liberais sãoexemplificados pela proteção de sua independência política e de sua liberdade, agarantia da segurança, a integridade do território, o bem-estar de seus cidadãos e umfator de ordem subjetiva que Rawls chama de “amour-propre” e que pode ser entendidocomo um orgulho cívico construído ao longo da história de cada sociedade.37Ainda analogamente à primeira posição original, adota-se a hipótese de

racionalidade dos representantes dos povos, bem como sua igualdade e liberdade nadefesa dos interesses que defendem. Um paralelismo particularmente importante paraa construção do argumento é a aplicação do conceito de pluralismo razoável na esferainternacional: assim como, nas sociedades domésticas, a concepção política de justiçaliberal não pretende ser uma doutrina abrangente e se sustenta com base em consensossobrepostos, existe o reconhecimento, agora na sociedade internacional, da presençade uma diversidade de concepções sobre como ordenar as sociedades domésticas.Algumas dessas formas serão liberais, mas nem todas, o que explica a necessidadede uma tipologia que, além das sociedades liberais e das sociedades decentes, incluiainda os Estados fora da lei, as sociedades sob o ônus de condições desaforáveis e osabsolutismos benevolentes.38 As sociedades liberais e as decentes constituem o que otexto chama de “povos bem-ordenados.”A elaboração dos princípios do direito dos povos ocorre a partir de duas segundas

posições originais: uma que reúne apenas as sociedades liberais e outra por meio daqual os mesmos princípios são estendidos, e daí a importância do conceito de povosbem-ordenados, para abranger as sociedades decentes.39 Valem, para essa posiçãooriginal reunindo representantes de sociedades liberais e de sociedades decentes, osmesmos pressupostos adotados no caso em que se pactua o contrato apenas entrepovos liberais, entre eles o da igualdade das partes. O desdobramento da posiçãooriginal em dois momentos é particularmente importante por demarcar o que se podechamar de os limites da tolerância das sociedades liberais.Os princípios do direito dos povos obtidos apenas pelos representantes das

sociedades liberais sãoconfirmadosquandodaposiçãooriginal reunindo representantesdos povos decentes. A razão essencial pela qual as sociedades decentes reconhecem eescolhem os mesmos princípios previamente adotados está em que seus representantesrespeitam a ordem interna e a integridade dos demais povos, ao mesmo tempo em quese sentem respeitados dada a situação de igualdade e simetria que vige no momento doestabelecimento do contrato.40 Os princípios assim escolhidos formam, então, a basenormativa que regula as relações entre povos bem-ordenados. São eles:

36 The Law of Peoples , p. 32.37 Ibid, p. 34.38 Ibid, p. 4.39 No caso das sociedades decentes, inexiste a posição original doméstica, já que sua estrutura básica não deriva

de um contrato entre partes livres e iguais. Sobre esse aspecto ver Rawls, The Law of Peoples , pp. 69-70.40 Ver LP, pp. 68-70.).

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Peoples are free and independent, and their freedom and1.independence are to be respected by other peoples.Peoples are to observe treaties and undertakings.2.Peoples are equal and are parties to the agreements that bind3.them.Peoples are to observe a duty of non-intervention.4.Peoples have the right of self-defense but no right to instigate war5.for reasons other than self-defense.Peoples are to honor human rights.6.Peoples are to observe certain specified restrictions in the conduct7.of war.Peoples have a duty to assist other peoples living under unfavorable8.conditions that prevent their having a just or decent political andsocial regime.41

Rawls reconhece que os oito princípios que conformam o direito dos povos nãooferecem uma listagem exaustiva, mas sim representam princípios básicos que povosbem-ordenados livres estariam dispostos a aceitar como regulando sua conduta e queestão sujeitos, naturalmente, ao esforço interpretativo requerido para o recurso a cadaum deles. Alguns são redundantes por definição, como o sexto e o sétimo, de vez quese partiu do pressuposto do respeito aos direitos humanos e do não recurso à guerracomo ferramenta de promoção dos interesses individuais de cada povo. O quarto, porsua vez, deve ser qualificado, de vez que não se aplica no caso de estados fora da leie de violações graves dos direitos humanos. A questão central a discutir encontra-se,em minha interpretação, no plano formado por três pontos fundamentais da listagemacima: o papel dos direitos humanos, o dever de prestar assistência a povos vivendoem condições desfavoráveis e, finalmente, o princípio da não-intervenção.No que concerne ao tema dos direitos humanos, a primeira distinção a ter em conta

é que na análise rawlsiana eles não se confundem com os direitos constitucionaisque protegem a cidadania nas democracias liberais. Em lugar disso, Rawls delimita-os como uma classe especial de direitos urgentes, tais que a liberdade, embora nãoigualitária, de consciência e o veto a perseguições de grupos étnicos.42 Sua função

41 LP, p. 37.42 Rawls oferece uma listagem do que seriam os direitos humanos protegidos pelo direito dos povos em duas

instâncias.Aprimeira, já mencionada acima, estabelece: “among the human rights are the right to life (to themeans of subsistence and security); to liberty (to freedom from slavery, serfdom, and forced occupation, andto sufficientmeasure of liberty of conscience to ensure freedomof religion and thought); to property (personalproperty); and to formal equality as expressed by the rules of natural justice (that is, that similar cases betreated similarly).” Mais adiante, ele observa: “Human rights in the Law of Peoples [...] express a specialclass of urgent rights, such as freedom from slavery and serfdom, liberty (but not equal liberty) of conscienceand security of ethnic groups from mass murder and genocide. The violation of this class of rights is equallycondemned by both reasonable liberal peoples and decent hierarchical peoples.” Ver LP, p. 65 e 78-79.

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essencial é estabelecer um padrão mínimo para que instituições políticas e sociaispossam ser consideradas ao menos decentes. Dessa perspectiva, restringem o âmbitodo que se considera admissível domesticamente para que se possa ambicionar aparticipação na Sociedade dos Povos. Rawls identifica três papéis paras os direitoshumanos: (1) sua observância é condição necessária para a decência das instituiçõespolíticas de uma dada sociedade, bem como para sua ordem jurídica; (2) o respeito aosdireitos humanos é condição suficiente para excluir intervenções por outros povos,seja por meio de sanções econômicas ou diplomáticas, seja por ações militares; (3) osdireitos humanos estabelecem um limite ao pluralismo entre os povos.43Um corolárioimediato é que tal formulação implica que os compromissos de justiça e de respeitoaos direitos humanos são mais amplos no caso das sociedades domésticas do queno caso da sociedade internacional. Rawls confirma esse entendimento ao afirmarque “how peoples treat each other and how they treat their own members are, it isimportant to recognize, two different things.”44

As teses de Rawls, ainda que pareçam decepcionantes aos que esperavam que oigualitarismo liberal dedicado à justiça das sociedades domésticas pudesse traduzir-se em posições menos contidas no trato da temática internacional, não podem serpercebidas como sinônimas de uma escassa prioridade conferida ao tema dos direitoshumanos e menos ainda como implicando um indiferentismo que seria baseado napremissa de que, por serem mais amplamente defendidos na esfera doméstica, osdireitos humanos são marcados por um relativismo de origem que os inabilita paradesempenhar papel de relevo no momento em que se discute como ordenar de formajusta o convívio internacional.Ao contrário, como deixa claro o terceiro ponto listado,os direitos humanos são centrais ao demarcarem o limite do pluralismo razoável.A noção dos direitos humanos como limite do pluralismo razoável é essencial,

por um lado, para entender os limites ao princípio da não-intervenção em caso desua violação, e, por outro, para fundamentar a universalidade dos direitos humanos.O argumento depende de duas teses básicas. A primeira é a que faz dos direitoshumanos uma condição necessária a todo sistema de cooperação social. De fato, sema possibilidade do exercício de direitos e liberdades mínimos, simplesmente deixade ser possível aos povos se comportarem como agentes comprometidos com umsentido comum de sociedade.45 A segunda é que, à semelhança da neutralidade daconcepção política de justiça entre distintas doutrinas abrangentes que indivíduospossam sustentar no âmbito doméstico de sociedades liberais, os direitos humanos sãoneutros em relação a distintas formas de legitimidade política. Sua justificação podeser dada por uma variedade de manifestações de sociedades liberais, bem como poruma variedade de possibilidades de sociedades decentes: tanto os postulados liberais,quanto os postulados da decência, podem fundamentar a defesa dos direitos humanos,

43 Ver Rawls, The Law of Peoples , p. 80.44 Ibid, p. 83.45 Ibid, p. 68.

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estando em ambos presente a noção de que a justiça deva ser voltada para o bemcomum.Combinadas as duas teses, os direitos humanos imediatamente se manifestam

como adotados por povos que se orientam pelo conceito de justiça voltada para o bemcomum e, ainda, como prontos a tomarem parte de um sistema de cooperação social,neste caso específico uma sociedade bem ordenada. Com isso, não apenas a extensãoda posição original para abranger sociedades decentes ganha nova justificativa, mastambém o tema dos direitos humanos revela-se imediatamente universal já que seurespeito é parte intrínseca de qualquer projeto de convívio social que se oriente pelanoção de bem comum. A afirmação da universalidade de sua importância demarcaainda, por contraste, o limite da autonomia interna dos povos no tratamento de seuspróprios membros. Este último aspecto conduz a argumentação diretamente às funçõesque Rawls atribui aos direitos humanos e, nesse âmbito, ao tema do respeito ao deverde não-intervenção nos assuntos internos de outras sociedades. São duas as funçõesapontadas:

Human rights are a class of rights that play a special role in reasonableLaw of Peoples: they restrict the justifying reasons for war and itsconduct, and they specify limits to a regime’s internal autonomy.46

A primeira função se divide, pois, no aspecto da conduta a ser adotada em casode guerra – e aqui o que se requer é essencialmente o respeito ao direito humanitário– e nas causas que se pode teoricamente invocar para a decisão de entrar em guerra.A “guerra justa” em Rawls admite duas possibilidades: a legítima defesa contra umagressor externo e os casos extremos que resultem da intervenção diante de casosgraves de violações de direitos humanos. Esta última possibilidade está, por sua vez,intimamente ligada ao entendimento rawlsiano de que os povos não podem alegaro argumento de soberania como uma imunidade para violarem os direitos humanosdaqueles sujeitos a sua autoridade.Ao analisar o direito à intervenção em casos de violações graves de direitos

humanos, é fundamental ter-se em mente que Rawls não fundamenta tal direito emuma argumentação moral preocupada com o bem que seria feito em benefício dasvítimas das violações, mas em uma preocupação de estabilidade sistêmica. Em outraspalavras, sociedades que violem de modo grave e sistemático os direitos humanos secolocam à margem de projetos comuns de cooperação social e ameaçam a estabilidadeda sociedade internacional formada pelos povos liberais e decentes.Assim formulado,o tema da intervenção depende de um pressuposto teórico não-explicitado claramentee que, no entanto, é fundamental à argumentação, a saber, a assimilação entre gravesviolações de direitos humanos e ameaças à estabilidade internacional. Embora sejahipótese de provável confirmação empírica que haja uma relação entre as duas coisas,

46 Ibid, p. 79.

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nem por isso é impossível encontrar casos de estados violadores de direitos humanosque não adotam comportamento externo agressivo ou ameaçador. O resultado óbvioé que uma premissa teórica passa a estar dependente de uma regularidade estatísticaque se sabe incapaz de garantir uma correlação perfeita entre os dois fenômenos. Aoesforçar-se por sustentar o argumento da intervenção passando ao largo da dimensãomoral das violações de direitos humanos, Rawls acaba por oferecer-lhe uma baseconceitual menos sólida do que teria sido desejável.Passando, agora, à análise do segundo dos pontos que selecionei para discussão,

i.e., o dever de prestar assistência a povos vivendo em condições desfavoráveis, oprimeiro aspecto a ressaltar é que também aqui o leitor que espere uma aplicação maisousada das teses igualitárias do Teoria da Justiça para a esfera internacional corre orisco de decepcionar-se. O princípio da diferença, por exemplo, que, como visto, temfunção crucial entre os princípios de justiça para uma sociedade bem ordenada estáausente do direito dos povos. Em seu lugar, encontra-se o dever, muito mais restrito,de prestar assistência às chamadas “sociedades oneradas” (burdened societies).O que define as sociedades oneradas é a carência de recursos materiais, políticos,

culturais e humanos para que se possam constituir em sociedades bem ordenadas.47

Como dispõe o princípio oitavo do direito dos povos, o dever das sociedades bemordenadas é prestar assistência ate o ponto em que as sociedades oneradas tenham osrecursos mínimos que as permitam superar sua condição de privação e, assim, estarem condições de tornarem-se elas também bem ordenadas. São três as diretrizes queorientam a prestação de tal assistência.Em primeiro lugar, Rawls lembra que uma sociedade bem ordenada não é

necessariamente uma sociedade afluente. Dois resultados imediatos desta distinçãosão que é natural que haja disparidades de riqueza entre as sociedades bem ordenadase que a assistência não deve visar ao crescimento indefinido da riqueza da sociedadeque se deseja assistir, mas apenas à criação das condições mínimas para que ela deixede estar submetida a condições desfavoráveis.Rawls comenta, em segundo lugar, que não há receita única ou fácil para essa tarefa

e sugere que grande parte das carências detectadas encontram sua origem em fatoressocioeconômicos e político-culturais próprios a cada sociedade. Especula mesmo quequalquer sociedade, por mais escassos que sejam seus recursos naturais, pode tornar-se bem ordenada se puder contar com um bom governo e uma administração judiciosade seus recursos.48Finalmente, a terceira diretriz, é a que determina que deve haver uma espécie

de linha de corte – um “cut-off point” – a partir do qual a assistência deixa de sernecessária. Este alvo é atingido uma vez que a sociedade onerada tenha a seu alcance

47 Ibid., p. 106.48 Ibid.

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os recursos que lhe permitam eventualmente aceder ao concerto das sociedades bemordenadas.49

Em contraposição às criticas do que seria uma insuficiência da dimensãodistributiva em seus princípios de justiça para a sociedade internacional, Rawlsdeixa de lado contraargumentos de natureza prática para reiterar algumas distinçõesconceituais. 50 Sua resposta repousa em um aspecto fundamental: a distinção entreos conceitos de igualdade e de justiça. Em lugar de um igualitarismo que veja comoinjusta toda e qualquer forma de desigualdade, em Rawls apenas a desigualdade quetenha efeitos injustos sobre a estrutura básica da sociedade dos povos constitui algoa ser combatido. Em O Direito dos Povos são mencionadas três situações nas quaisse manifesta esta interferência da desigualdade no alcance da justiça: em primeirolugar, como já visto, há as sociedades tão desprovidas de recursos que se encontramimpossibilitadas de aspirar ao status de liberais ou decentes. A segunda possibilidadese apresenta quando a desigualdade de renda e riqueza se transforma em fonte desentimentos de inferioridade de um povo em relação a outro, com o que se criaum sentimento de exclusão que é fundamentalmente injusto; finalmente, deve sercombatida a desigualdade que destrua o pressuposto mesmo da construção do direitodos povos, ou seja, a hipótese axiomática segundo a qual as partes contratantes daposição original estabelecem o contrato em condições de liberdade e de igualdade.

O marco conceitual erguido por Rawls pode ser entendido como repousando emum tripé constituído pelos seguintes três pontos: o reconhecimento da autonomia comovariável fundamental da ordem internacional; a preocupação com o equilíbrio entreigualdade e autodeterminação; e a centralidade dos direitos humanos na definição doque deva ser o padrão de relacionamento externo de sociedades liberais e decentes.A solidez com que se complementam mutuamente esses pontos parece capaz desustentar bem as críticas motivadas por um cosmopolitanismo que, distintamente daversão kantiana, seja antes propenso a associar as perspectivas de uma ordem justacom a gradual superação de modelos de autonomia de base estatal. Nem por isso,entretanto, o universo rawlsiano é impermeável a toda crítica cosmopolita. Uma desuas fragilidades está, por exemplo, no tratamento, esse sim tímido, da dimensão dosdireitos humanos, que, em Rawls, fica aquém mesmo de instrumentos internacionaisamplamente reconhecidos como a Declaração e Programa deAção de Viena, de 1993,ou mesmo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.

49 A simples apresentação das três diretrizes basta para deixar evidente que o espaço para a aplicaçãode princípios de justiça distributiva em escala internacional é limitado. Os dois pontos são criticados, ealternativas são oferecidas, por autores que compõem o que se pode chamar de rawlsianos radicais, como,por exemplo, Charles Beitz e Thomas Pogge. Discussão recente sobre o tema da justiça distributiva de umaperspectiva cosmopolita pode ser lida em Martha Nussbaum, Frontiers of justice: disability, nationality,species membership (Cambridge, Mass.: The Belknap Press: Harvard University Press, 2006).

50 Rawls responde explicitamente aBeitz e aPoggenocontexto de sua argumentação sobre a justiça distributivaentre os povos. Ver, a esse respeito, Rawls, The Law of Peoples , pp. 115-120.

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Intérprete da lição kantiana, é no cosmopolitanismo tecido por Habermas quese pode encontrar um dos diálogos críticos mais ricos com o liberalismo políticorawlsiano.Em longa entrevista concedida em meados da década de 90, Habermas comenta

que um dos poucos problemas filosóficos de relevância política imediata consiste nodebate em torno da universalidade de elementos axiológicos que permita construiruma comunidade internacional pacífica que respeite e integre distintas manifestaçõesda existência humana. Pergunta-se, nesse contexto, se não haverá, citando Rawls, umasobreposição de consensos que sustente tal coexistência e responde que, embora odebate siga em aberto, está convencido de que, e cito, “Rawls tem razão.”51

A resposta antecipa convicção semelhante expressa em artigo já citado no qualHabermas interpreta o projeto filosófico de Rawls como uma tentativa de reconstruira filosofia moral kantiana no que diz respeito ao problema da organização de umasociedade justa uma vez abandonados os pressupostos da filosofia transcendental deKant. Segundo Habermas, Rawls adota uma leitura intersubjetivista do princípio daautonomia kantiano, segundo a qual agimos autonomamente quando obedecemos aleis que seriam aceitáveis por todos os interessados segundo expresso pelo uso públicode sua razão.52

Ao interpretar a reconstrução kantiana de Rawls nesses termos, Habermas deixalogo entrever tema central de sua divergência em relação ao universo rawlsiano: areleitura que cada um dos autores oferece do imperativo categórico. Esse aspecto ficaparticularmente claro no contexto da análise habermasiana do conceito de posiçãooriginal. O cerne de sua crítica consiste em apontar que os constrangimentos impostosàs partes da posição original com o objetivo de assegurar imparcialidade na obtençãodos princípios de justiça a serem adotados pelos cidadãos por elas representadosacabam, na verdade, por torná-las, às partes, incapazes dessa representação, de vezque, movidas apenas pelo egoísmo racional e orientadas por preferências subjetivas,não teriam como representar consistentemente a autonomia dos cidadãos em seuexercício pleno das duas faculdades morais que consistem no ser dotado do sentimentode justiça e da capacidade para a concepção própria do bem.O exercício dessas duas faculdades tem uma dimensão intersubjetiva e dialógica

que se situa fora do alcance da perspectiva monológica que o desenho da posiçãooriginal impõe. Para Rawls, a posição original concebida de modo a que as partes,em situação de igualdade e ignorando sua situação futura, deliberem sobre princípiosde justiça com base em suas preferências egoístas garantiria manifestação concreta econstruída intersubjetivamente do imperativo categórico. É precisamente disso queHabermas discorda.

51 Jürgen Habermas, The past as future: Vergangenheit als Zukunft, ed. Michael Haller e Max Pensky (Lincoln:University of Nebraska Press, 1994), p. 20.

52 Habermas, “Reconciliation Through the Public use of Reason: Remarks on John Rawls’s PoliticalLiberalism,” p. 109.

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Em sua crítica, Habermas começa por distinguir entre o que chama de a regrade ouro a qual dispõe “Não faças aos outros o que não queres que façam a ti”e o imperativo categórico. Enquanto a primeira pressupõe uma universalizaçãoa partir de uma perspectiva individual, ou monológica, para usar o termo a querecorre Habermas, o segundo requer que todos quantos sejam afetados por uma dadanorma a possam desejar como regra geral. O problema reside em que a perspectivamonológica oferece uma perspectiva limitada – a do individuo que deseja a norma – apartir da qual julgar a possível universalização da regra que se reconhece como justa.Para que a passagem entre a perspectiva individual e o entendimento intersubjetivoseja possível, a condição implícita é que se adote um postulado segundo o qualcada visão individual refletiria imediatamente o conjunto das visões de todos osoutros. Esse postulado simplesmente não tem como ser justificado no contexto depluralismo social e político que o próprio Rawls advoga. A solução proposta porHabermas consiste em sua ética discursiva, a qual entende o ponto de vista moralcomo compreendido pela prática argumentativa intersubjetiva.A proposta da ética discursiva como uma interpretação do imperativo categórico

superior à oferecida pelo contrato rawlsiano traz consigo uma segunda crítica: segundoHabermas um dos problemas do aparato de Rawls está em pretender oferecer critériossubstantivos de justiça em vez de limitar-se a construir um argumento puramenteprocedimental. Com efeito, é possível entender a ética discursiva habermasiana comouma reconstrução procedimental da ideia kantiana de razão prática e sobretudo deseu imperativo categórico, que, em lugar de construído com base na validade geralde teses que cada um individualmente pode desejar como lei universal, inverte oprocedimento e passa a ser concebido como um exercício discursivo em que cadaum submete suas razões ao debate público com o objetivo de testar sua aceitabilidadecomo regra universal.Os pressupostos em que se sustenta a ética discursiva – os quais configuram a

chamada situação discursiva ideal – consistem, em primeiro lugar, na liberdadee igualdade dos participantes para que possam sustentar seus argumentos em umdebate que deve dar-se em condições da mais ampla inclusividade e livre de coerçõesexternas. Dessa situação ideal emerge uma perspectiva efetivamente partilhada quepode, então, servir como parâmetro para aceitabilidade de normas que se pretendamuniversalizáveis.53A questão óbvia que surge nesta altura da exposição habermasiana é a que busca

identificar o porquê da convicção de que os participantes desse exercício discursivoserão capazes de convergir – mesmo na situação paradigmática descrita pela teoria– na direção da emergência de um núcleo comum de interesses generalizáveis. Aresposta de Habermas consiste em sustentar que o exercício da argumentação pública

53 Habermas, “Reconciliation Through the Public use of Reason: Remarks on John Rawls’s PoliticalLiberalism,” , p. 117.

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já traz consigo, implicitamente, a perspectiva moral.54 Aceita tal premissa, é imediatoobter que, por meio da prática reiterada do discurso, seja possível construir consensospartilhados universalmente. Esse corolário não apenas permite a Habermas contrapor-se a Rawls oferecendo uma interpretação distinta da filosofia moral kantiana, mastambém, e muito mais radicalmente, permite que, em lugar de um neocontratualismo,Habermas responda ao problema hobbesiano da ordem por meio de uma “viradalingüística” – para usar termo freqüentemente citado na literatura – em que os atoressociais engajados em práticas discursivas são capazes de obter acordos partilhadospor todos e por todos percebidos como manifestando normas universais.55

A resposta que oferece ao problema da ordem afasta Habermas do esforço teóricode construir uma “device of representation,” bem como, em caráter mais genérico,de um exercício intelectual de delineamentos dos contornos substantivos do queseria uma sociedade bem ordenada. Esses surgirão do diálogo em que se engajam osmembros de uma dada comunidade, sustenta Habermas. Como afirma Habermas, a“força suave dos pressupostos argumentativos” leva a que cada participante de umacomunidade discursiva seja capaz de considerar os interesses dos demais.56

Habermas entende que ao identificar na própria natureza do convívio social oselementos conducentes à construção de normas universais, está dado o vínculo quepermite escapar ao debate entre a liberdade dos modernos e liberdade dos antigos.Na interpretação habermasiana, é indispensável entender que o conceito de direitoshumanos não deve ser concebido como algo externo que se imponha como limite àsoberaniadavontadepopular expressapelo legisladornemcomoumrequisito funcionalpara a autodeterminação democrática. Em lugar de percebidos como vinculados porrelações externas, direitos humanos e soberania popular devem ser compreendidoscomo relacionados por um vínculo interno: os direitos humanos, afirma Habermas,são condições de possibilidade para que se formem vontades políticas.57 Direitoshumanos e democracia, dessa perspectiva, são dois lados da mesma construçãopolítica, uma construção política em que a liberdade individual e a liberdade cidadãsão cooriginais.O arcabouço conceitual que permite colocar em evidência essa co-originalidade

permite ainda a Habermas apresentar sua ética discursiva como um passo lógica eontologicamente prévio ao do contrato social. Quais as condições, portanto, para quea ética discursiva permita a construção das normas de uma sociedade bem ordenada?A resposta de Habermas é clara ao afirmar que a autodeterminação democrática tem

54 É importante ter presente queHabermas estabelece uma distinção conceitual entre questões éticas e questõesmorais: as primeiras lidam com o tema da boa vida, enquanto cabe às segundas ocupar-se das questões dejustiça.

55 Jürgen Habermas, Between facts and norms: contributions to a discourse theory of law and democracy, trad.William Rehg (Cambridge, Mass.: MIT Press, 1996), p. 449.

56 JürgenHabermas, “Rigthness versusTruth,” inTruth and justification (Cambridge,Mass.:MITPress, 2003),p. 266.

57 Ver, sobre esse tema, Jürgen Habermas, “Remarks on Legitimation through Human Rights,” in ThePostnational Constellation: Political Essays, ed. Max Pensky (Cambridge, U.K.: Polity Press, 2001).

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lugar quando a população de um dado Estado pode afirmar sua cidadania tomando emmãos o controle de sua vida política.Neste ponto, estão dados os elementos que permitem avançar na direção do

estudo da ordem política tendo presente a dimensão estatal. Habermas sublinhaque a mobilização política de indivíduos concebidos isoladamente depende de umaintegração prévia que lhes confira alguma unidade. Essa integração é obtida peloconceito de ‘nação’ que, uma vez constituído, oferece aos indivíduos uma identidadecoletiva que transcende vínculos como os de família ou clã. A construção simbólicade um ‘povo’ transforma o Estado moderno em um Estado-nação, o qual, por sua vez,garante pré-condições essenciais para o exercício da autodeterminação democrática. Opapel do Estado é estudado tendo presente sua capacidade administrativa, financiadapelos impostos, e sua capacidade de manter a soberania dentro de um dado territóriona forma especifica de um Estado-nacional no qual podem prosperar mecanismoslegais e sociais democráticos. A presença conjunta desses três fenômenos constitui oque Habermas chama de a constelação histórica que permitiu ao processo democráticotomar uma forma institucional.58O primeiro desses – o “administrative state”, na denominação habermasiana –

surge quando, no curso de seu desenvolvimento, uma sociedade adota um subsistemacapaz de produzir decisões coletivas vinculantes (“collectively binding decisions”).Resultante de uma especialização funcional, a capacidade administrativa estatal éparte de um processo histórico mais amplo em que se vão separando as esferas doEstado e da sociedade civil, bem como as esferas da política e da economia. Essacapacidade – que depende fundamentalmente do poder de cobrar impostos – temcomo característica importante a condição de, embora vinculada ao poder políticoestatal, depender, para sua existência, dos recursos econômicos gerados pela esferaeconômica da sociedade. O segundo fenômeno consiste na soberania como direito depreservar a integridade territorial do território. Desenhando a fronteira entre as esferasinterna e externa, a soberania estatal tem por fundamento último a capacidade de umestado proteger seu território contra ameaças externas e manter, internamente, a “a leie a ordem.”59 O terceiro aspecto – o desenvolvimento de mecanismos sociais e legaisdemocráticos – completa a constelação histórica, sendo marcada pela emergênciada soberania popular, em que “súditos” se transformam em cidadãos detentores dedireitos. Nessa transformação, o estado democrático constitucional pode ser definidocomo uma ordem política criada pelo povo e regida por leis das quais o povo é aomesmo tempo sujeito e objeto.A ideia, sintetiza Habermas, de uma sociedade que permite a seus membros a

livre participação na construção de seu destino foi realizada, até o momento, apenasno contexto dos Estados nacionais, na constelação histórica analisada. Cada um doselementos dessa configuração é colocado em questão, entretanto, pelos processos que

58 Habermas, “The postnational constellation and the future of democracy,” , p. 6059 Ibid, p. 64.

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ocorrem sob o nome de “globalização.”60No âmbito dessa crise, surgem as tendênciasem direção às “constelações pós-nacionais.” Uma interrogação imediatamentesuscitada pelo tema das constelações pós-nacionais diz respeito ao tema da democracia:se, como ilustra Habermas, há uma estreita vinculação histórica e conceitual entre ademocracia e o Estado-nação, o tema da construção democrática sem base nacionalrevela-se um desafio a ser resolvido em suas implicações concretas e demandando,para isso, não apenas esforços políticos, mas também esforços intelectuais deelaboração das ferramentas conceituais requeridas pela tarefa. Em grande medida, aobra mais diretamente política de Habermas pode ser entendida como uma respostaa esse desafio.No que concerne especificamente ao modo pelo qual a globalização afeta os

Estados nacionais, a análise é desenvolvida em torno de quatro questões:

How does globalization affect (a) the security of the rule of law andthe effectiveness of the administrative state, (b) the sovereignty of theterritorial state, (c) collective identity, and (d) the democratic legitimacyof the nation-state?

A primeira dessas, relacionada diretamente à possibilidade de o Estado ser umagente de transformações sociais democráticas, revela o impacto que as pressões fiscaisresultantes da globalização impõem sobre a capacidade estatal de impor e coletar osimpostos necessários para sua manutenção. Em um cenário de desregulamentaçãofinanceira, de mobilidade de capitais e de competição por investimentos, reduz-se amargem de manobra no sentido de taxar a riqueza e o capital, em processo no qualse combinam competição estatal por investimentos estrangeiros e vulnerabilidades amovimentos de fuga de capital.Sobre a soberania, Habermas reflete situando-a no marco do que caracteriza de

o “desempoderamento” (“disemporwement”) do Estado-nacional no âmbito dastransformações do conceito na tradição vestfaliana. A seu juízo, o modelo do atorracional que maximiza poder, ou mesmo oportunidades econômicas, atuando comounidade independente em um ambiente anárquico já não dá conta de captar a realidadedo relacionamento internacional em um mundo crescentemente interdependente.Existiria, assim, por um lado, uma incongruência entre o processo de tomada de decisãode base estatal e o universo mais amplo daqueles que são afetados pelas decisõesassim obtidas e, por outro lado, o que se identifica como um “hiato de legitimidade”associado a transferências de competências e jurisdições da esfera nacional para níveissupranacionais.61

60 Ibid, p. 60.61 Ibid. p. 71.

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Na elaboração do terceiro item – a identidade coletiva em tempos de globalização– intervém na exposição de Habermas o conceito de “patriotismo constitucional.”62

O cerne do problema consiste nas forças desagregadoras de identidades coletivasreforçadas pela globalização. Sob o impacto de um capitalismo global, duas tendênciasmanifestam-se de modo claro: a primeira é a forte pressão com que são confrontadasidentidades coletivas nacionais quando expostas, emmeio a uma crescente diversidadeétnica, religiosa e cultural, ao desafio de construir uma sociedade civil multicultural.Para a superação desse desafio, Habermas contempla a necessidade de que a culturapolítica se descole de sua base tradicional, que associa o sentimento majoritário deuma sociedade ao sentimento nacional, para ancorar-se no respeito, necessariamenteabstrato, a uma ordem constitucional democrática. Seria o que se chama de patriotismoconstitucional, entendido como uma forma de ordem política organizada não maispela lenta consolidação de valores democráticos no seio de uma história construídapor uma dada comunidade, mas, sim, ancorada em concepções universais de justiça,democracia e direitos humanos.A segunda tendência, em sentido contrário ao da heterogeneidade crescente que

se busca harmonizar por meio da lealdade à ordem constitucional, é o de forças dehomogeneização que tendem a nivelar diferenças culturais e aplainar tradições locais.“The clocks of Western civilization keep the tempo for the compulsory simultaneityof the nonsimultaneous”, comenta Habermas.63 Em resposta a essas pressões,manifestam-se novas tendências de heterogeneidade, por meio da construção de“identidades cosmopolitas” em que se entrecruzam diversidades culturais e étnicas naelaboração permanente de novas formas de construção de alguma identidade social.Mais uma vez, a solução mencionada por Habermas é a evolução no sentido de umpatriotismo constitucional.A respeito do quarto ponto, finalmente, relativo aos efeitos da globalização sobre

a legitimidade democrática do Estado-nacional, os comentários apresentados sãouma espécie de corolário dos aspectos discutidos ao longo dos três pontos anteriores.Nessa perspectiva, Habermas lembra que o vigor de um Estado democrático estáem sua capacidade de adensar a integração social por meio da participação de seuscidadãos no fazer político. Para ter êxito no processo de equilibrar tensões internasque coloquem em risco os vínculos de solidariedade cívica, o processo democráticodeve ser capaz de assegurar padrões reconhecidos de justiça social. Em outros termos,a menos de uma distribuição alocativa e de direitos reconhecida como justa, insinua-se o sentimento de que a cidadania democrática “não compensa.” O problema, apontaHabermas, reside em que a função redistributiva do Estado encontra-se seriamente

62 A expressão patriotismo constitucional (“Verfassungspatriotismus”) surge no contexto do debate políticoalemão, ganhandoproeminêncianasdiscussõespós-reunificação.Nãopretendo, claro, discutir esses aspectosno trabalho. Sobre isso, uma referência útil é Stefan Berger, “Nationalism and the Left in Germany,” NewLeft Review a, no. 206 (1994) Ver, também, a discussão sobre “Cidadania e Identidade Nacional”, publicadacomo posfácio em Habermas, Between facts and norms: contributions to a discourse theory of law anddemocracy , 491-515.

63 Ibid, p. 75.

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ameaçada pela globalização, seja por pressões fiscais, seja pela redução da capacidadede políticas econômicas nacionais influenciarem o ciclo econômico em um ambientede mercados globalizados. A rendição a supostos imperativos sistêmicos ditados pelaordem dos mercados e o abandono da convicção na capacidade do poder político demoldar a realidade cria margem para um enfraquecimento dos pressupostos sociaisda democracia.De forma sumária, os problemas encontram-se em dois pólos fundamentais: de um

lado, a existência de uma comunidade discursiva que, sem estar ancorada em identidadescoletivas pré-políticas de base nacional, seja capaz de produzir normas universalizáveis;de outro lado, a incógnita sobre qual forma institucional poderá, ou não, substituir oEstado-nacional na tarefa de estabilizar identidades coletivas e arbitrar demandas porjustiça social.64 As respostas de Habermas a esses dois problemas são, coerentementecom seu pressuposto metodológico, antes de natureza procedimental: em relação aoprimeiro,Habermas recorre aos tema dos direitos humanos; no que concerne ao segundo,seu interesse volta-se para a questão kantiana do governo mundial.Habermas sublinha que os direitos humanos possuem natureza dupla: moral

e legal. Na qualidade de normas morais, aplicam-se a todos os seres humanos,mas, enquanto normas legais, protegem indivíduos nos termos que determinemas legislações nacionais sobre o tema. Existe, assim, uma tensão entre seu sentidouniversal e as condições locais de sua aplicação. Essa tensão é acirrada em momentoque seria de “transição do Estado-nação para uma ordem cosmopolita.”65 Uma vezem crise as constelações nacionais, qual seria o ponto de partida para a construção dalegitimidade de uma ordem pós-nacional? A resposta consiste em apontar os direitoshumanos como suficientemente universais para poder desempenhar tal papel: “in thisvolatile situation, human rights provide the sole recognized basis of legitimation forthe politics of the international community.”66

Em contraste com Rawls, a argumentação habermasiana se orienta pela afirmação,cosmopolita, dos direitos humanos como radicados fundamentalmente no indivíduo.Em um contexto de desempoderamento do Estado-nacional, a distância entre asdimensões moral e legal dos direitos humanos deve ser superada pela afirmação dauniversalidade desses direitos como fonte de legitimidade de novos ordenamentos quereconstruam em bases não necessariamente nacionais sua proteção legal. Com isso, aquestão central passa a ser determinar se o cosmopolitanismo de Habermas se traduz,ou não, na defesa de um Estado mundial.A resposta inicial seria negativa. Com efeito, Habermas explicitamente rejeita a

ideia de um Estado mundial como, por exemplo, quando afirma que as políticas aserem adotadas em resposta às transformações introduzidas pela globalização nãopodem ser implementadas pela simples adoção de um Estado mundial e quando

64 Habermas, “The postnational constellation and the future of democracy,” , p. 8065 Ibid, p. 119.66 Ibid.

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enfatiza que os planos de uma eventual “democracia cosmopolita” tampouco devemrequerer semelhante modelo.67

A dificuldade com essa resposta consiste, entretanto, no simples fato de que elatraduz mal o pensamento habermasiano: nele os Estados-nacionais têm sua existênciaesvaziada de maior significação. A democracia cosmopolita traz consigo a demandapor processos de construção da soberania popular e por fórmulas institucionais querelegam a papel manifestamente secundário o Estado-nação. A cidadania cosmopolitaconstitui o passo lógico seguinte ao do patriotismo constitucional.A cidadania global como desdobramento das tendências globalizantes que

apontam para a emergência de uma ordem cosmopolita é explicitamente vinculadapor Habermas à dissolução progressiva da soberania estatal. A nova ordem global asurgir do processo de transição das constelações nacionais para as constelações pós-nacionais permitiria a proteção e promoção dos direitos humanos diretamente porcortes internacionais com capacidade jurisdicional sobre indivíduos e Estados já nãodefinidos por sua soberania; construiria a democracia deliberativa sobre as bases deuma ética discursiva aberta a todos; e garantiria a paz por meio de um Conselhode Segurança armado e financiado por grandes potências capazes de atuar de formaaltruística.68 Habermas entende que tal projeto de ordem oferece uma esperança que,nascida do desespero, entende a sociedade civil como capaz de regular a si própriapor meio de processos discursivos. A pergunta, óbvia, é se a razão não está com Kantquando recusa o estado mundial (Volkerstaat) em favor da federação de Estados(Volkerbund) e adverte que “as leis, com o aumento do âmbito de governação, perdemprogressivamente a sua força […] e um despotismo sem alma acaba por cair naanarquia, depois de ter erradicado os germes do bem.”69

Habermas adianta-se às críticas que sua proposta de ordem é de molde a suscitardo ponto de vista de sua praticabilidade. Reconhece que o funcionamento de umasociedade global não possui qualquer manifestação já concreta que possa servir deparâmetro ou de exemplo.70 Suas indicações apenas apontam para o que chama deformas de legitimação fracas, dissociadas da esfera estatal, cuja construção implicaumaparticipação institucionalizada das organizações não-governamentais, a promoçãode referendos para decisões importantes, e, mais amplamente, o maior envolvimentoda sociedade civil e da cidadania global nos processos de tomada de decisões na esferaglobal. Que as propostas apresentadas possam ser percebidas como fora do limite daspossibilidades históricas concretas não preocupaHabermas.Argumentos nesse sentidoconfundiriam, aponta, legitimidade com eficiência e em nada afetariam a direção geraldas tendências que antecipa na transição para constelações pós-nacionais.71

67 Habermas, “The postnational constellation and the future of democracy,” , p. 109.68 Habermas, “Kant’s Idea of Perpetual Peace, with the Benefit of TwoHundredYears’Hindsight,” , p. 133-4.69 Kant, “APaz Perpétua: um projeto filosófico,” , p. 148 [8:297].70 Habermas, “The postnational constellation and the future of democracy,” p. 112.71 Habermas, Between facts and norms: contributions to a discourse theory of law and democracy , p. 444.

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Em linha com Habermas, entendo que, de fato, na âmago das dificuldades de suaspropostas não estão questões “técnicas,” mas sim desafios de natureza ontológicarelacionados à dissolução das diferenças concretas emumaordempós-nacional erguidasobre identidades abstratas. O problema que identifico em Habermas concerne ao seuentendimento sobre a relação entre o universal e o particular, entre o mesmo e o outro.A cidade universal da qual todos os seres humanos venham a fazer parte dificilmentepode ser erguida com base apenas no apego abstrato a valores universais; a transiçãodo indivíduo para o cidadão mundial que constrói sua identidade pessoal e social emum contexto global parece ir contra os dados mais elementares da experiência humanade construir vínculos de solidariedade e identificação inicialmente com o que lhe épróximo.O fato é que existe um non-sequitur no pensamento habermasiano quando o autor

passa imediatamente do estudo da crise das constelações nacionais para a configuraçãode uma ordem pós-nacional e dá como inevitável a erosão do papel do Estado e doâmbito nacional. E se as soluções exigissem precisamente, ao contrário do que entendeHabermas, uma reafirmação das instâncias estatais como lugar de concretização daspraticas democráticas e como ponto de partida para um universalismo concreto?Habermas certamente tem razão ao apontar a modernidade como um projeto

inacabado e ao defender a emancipação do homem como a grande questão moralpendente. O que parece menos certo é seu entendimento de que levar a termo essatarefa supõe dar por obsoleto o Estado-nacional e as formas de identidade coletivademocrática que historicamente se abrigaram e floresceram sob sua égide. Amodernidade que resta por cumprir-se em sua iluminação progressiva, ao contrário doque faz crer Habermas, talvez encontre solomais fértil no terreno de uma história aindaemmarcha; uma história na qual o nacional e o internacional se aproximam, sem que oprimeiro seja absorvido pelo segundo. Ao decretar o fim do Estado-nação, Habermasaproxima-se perigosamente de armadilha retórica – armadilha hegeliana – semelhanteà que levou à decretação do fim da história. Nem um, nem outro. Ambos vivem. E nahistória e nas comunidades nacionais, os homens constroem seus caminhos em buscade emancipação e de justiça.

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Rawls e Habermas - Leitores de Kant 47

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La Contribution de l’Organisation des Nations Unies au Développementdu Droit International Humanitaire

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La Contribution de l’Organisation des Nations Unies auDéveloppement du Droit International Humanitaire

djamchid momtaz1

RésuméDepuis que l’Organisation des Nations Unies a inclus le droit international

humanitaire dans sa sphère de compétence, ce corpus de droit a connu undéveloppement sans précédent. Il est désormais acquis que les parties à un conflitarmé doivent respecter les règles fondamentales du droit international des droits del’homme indépendamment de la nature juridique des territoires qu’elles contrôlent. Ense fondant sur les prérogatives que la Charte lui reconnait dans le cadre du chapitreVII,le Conseil de sécurité s’est engagé à recourir le cas échéant à des mesures coercitivespour assurer le respect du droit international humanitaire en vue de garantir la paixet la sécurité internationale. Ces prérogatives lui ont également permis de créer destribunaux pénaux internationaux ad hoc en vue de réprimer les violations du droitinternational humanitaire, les statuts et la jurisprudence de ces tribunaux ayant à leurtour favorisé la criminalisation des violations graves du droit international humanitairecommises lors de conflits armés non internationaux.

AbstractSince the United Nations has included international humanitarian law in its sphere

of competence, this body of law has experienced an unprecedented development. Itis now assumed that the parties to an armed conflict must respect the fundamentalrules of international human rights law regardless of the legal nature of the territoriesthey control. In the context of Chapter VII, based on the Charter prerogatives given tothe Security Council, it committed itself to use appropriate enforcement measures toensure respect for international humanitarian law in order to guarantee the peace andinternational security. These prerogatives also allowed it to create ad hoc internationalcriminal tribunals to punish violations of international humanitarian law, the statutes andjurisprudence of these courts have encouraged the criminalization of serious violationsof international humanitarian law committed during non-international armed conflicts.

cd

Traiter de la contribution de l’Organisation des Nations Unies au développementdu droit international humanitaire relève a priori d’un certain illogisme. En effet, cecorpus de droit, contrairement à celui des droits de l’homme, ne relève pas de la sphère

1 Professeur à l’Université de Téhéran. Membre de l’Institut de droit international.

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de compétence de l’Organisation, dont lamission fondamentale est de préserver et derétablir la paix. Se préoccuper des règles applicables lors d’un conflit armé pourraitdès lors paraitre en contradiction avec l’esprit et la lettre de la Charte des NationsUnies qui bannit la guerre.C’est l’argument qui a prévalu pour refuser d’inclure dans la liste de sujets à

codifier par la Commission du droit international nouvellement créée le droit de laguerre, plus communément appelé droit international humanitaire. On s’accorda pourestimer que s’engager dans cette voie «pourrait être interprété comme un manque deconfiance dans l’Organisation des Nations Unies et dans l’œuvre de paix que celle-ci est appelée à accomplir»2. Cependant, la Commission n’exclut pas pour autantl’éventualité d’envisager le développement de ce droit par le biais de la répression desinfractions commises lors des conflits armés3. C’est ainsi que la mission de préparerun projet de code des crimes contre la paix et la sécurité de l’humanité lui a été confiéepar l’Assemblée générale des Nations Unies4.La Conférence de Téhéran, réunie en 1968 à l’occasion du 20ème anniversaire de

l’adoption de laDéclaration universelle des droits de l’homme, constitua véritablementlepointdedépartde l’intérêtportépar l’Organisationaudroit internationalhumanitaire5,intérêt justifié par l’insuffisance des règles protectrices qu’il offre à la population civilelors des guerres de libération nationale dont la nature internationale leur était déniée.Le Secrétaire général des Nations Unies, dans les rapports qu’il a soumis à la demandede la Conférence ainsi que de l’Assemblée générale des Nations Unies, parvient àcette conclusion que cette protection pourrait être renforcée par l’extension du champd’application tant des droits de l’homme que du droit international humanitaire à cesconflits armés et d’en assurer le respect. C’est désormais sur la base de cette extensionacquise que les principaux organes des Nations Unies s’efforcent de mettre en œuvreles dispositions protectrices de ces deux corpus de droit lors des conflits armés. Il enva de même s’agissant des initiatives prises par ces mêmes organes pour réprimerleurs violations graves.

I – L’Extension du Champ d’Application des Droits de l’Homme et du DroitInternational Humanitaire

Les deux rapports présentés par le Secrétaire général à la demande de la Conférencede Téhéran6 ainsi que la résolution adoptée par l’Assemblée générale avant même

2 Intervention de J.L. Brierly devant laCommission du droit internationalle 21 avril 1949A/CN.4/SR.6p. 14.3 Intervention de G. Scelle devant la Commission du droit internationalIbid.p. 17.4 Rés. 177 II du 21 novembre 1947 intitulée «Formulation des principes reconnus par le statut de la Cour de

Nuremberg et dans les arrêts de cette Cour».5 Conférence internationale sur les droits de l’homme, réunie du 12 mai au 22 avril 1968 sous l’égide de

l’Organisation des Nations Unies.6 A/7720 – 20 novembre 1969.

A/8052 – 18 septembre 1970.

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qu’ils soient rendus publics7 s’intitulaient: «Respect des droits de l’homme dansles conflits armés». Par-delà l’idée d’assurer, lors des conflits armés, le respect desrègles fondamentales de ce corpus de droit, ces documents proposaient que certainesrègles applicables lors des conflits armés internationaux soient étendues aux conflitsarmésnon internationaux, dont les guerres de libération nationale.

1) Respect des Règles Fondamentales des Droits de l’Homme lors des ConflitsArmés

Alors même que les droits de l’homme et le droit international humanitaireprocèdent du même idéal et poursuivent un but suprême identique qui est d’assurer lerespect de la condition humaine, on a longtemps soutenu que les droits de l’hommene s’appliquent qu’en périodede paix. Peu avant la Conférence de Téhéran, face aurefus d’Israël de se plier aux dispositions de la Convention du 12 août 1949 relative àla protection des personnes civiles en temps de guerre dans les territoires palestiniensqu’ils avaient occupés en 1967, le Conseil de sécurité avait été amené à assouplirles effets de cette décision en déclarant que «les droits de l’homme essentiels etinaliénables doivent être respectés même dans les vicissitudes de la guerre»8. Cetteposition fut favorablement accueillie par la session spéciale de l’Assemblée généraleconsacrée au conflit israélo-arabe9.Ces antécédents furent à l’origine d’une véritable prise de conscience par la

Conférence de Téhéran de l’existence d’un lien entre les instruments relatifs auxdroits de l’homme et le droit international humanitaire, prise de conscience quiconduira à l’adoption par la Conférence d’une résolution concernant le «respectdes droits de l’homme en période de conflit armé»10. Par la suite, l’Assembléegénérale conceptualisera cette idée dans le cadre de la résolution intitulée «Principesfondamentaux touchant la protection des populations civiles en cas de conflit armé».Yfigure en bonne place le principe selon lequel «les droits fondamentaux de l’homme,tels qu’ils sont acceptés par le droit international et énoncés dans les instrumentsinternationaux, demeurent applicables en cas de conflit armé»11.C’est à la Cour internationale de justice qu’il incombera d’identifier les droits

de l’homme pouvant être qualifiés de fondamentaux. Déjà, dans sa décision renduedans l’affaire du détroit de Corfou, la Cour s’était référée aux «considérationsélémentaires d’humanité»12, expression proche mais dont le sens et la portée n’étaientpas précisés. Dans l’affaire de la Barcelona Traction, la Cour agit dans ce sens en seréférant aux «règles concernant les droits fondamentaux de la personne humaine»intégrées au droit international général. D’après elle, elles créent des obligations

7 Rés. 2444 – 19 décembre 1968 intitulée «Respect des droits de l’homme en période de conflit armé».8 Rés. 237 – 14 juin 1967.9 Rés. 2252ES/V – 4 juillet 1967.10 Rés. XXIII – 12 mai 1968.11 Rés. 2675 – 9 décembre 1970 intitulée «principes fondamentaux touchant à la protection des populations

civiles en période de conflit armé».12 Affaire du détroit de Corfou (Royaume-Uni c.Albanie), arrêt du 9 avril 1949.

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erga omnes, qualification qui justifierait à elle seule le caractère non dérogeable deces règles13. Cette caractéristique deviendra par la suite le critère distinctif utilisépar la Cour pour identifier ces droits. Dans l’avis qu’elle a rendu dans l’affaireconcernant la licéité de la menace ou de l’emploi de l’arme nucléaire, la Cour préciseen effet que «la protection offerte par le Pacte international relatif aux droits civilset politiques ne cesse pas en temps de guerre, si ce n’est par l’effet de l’article 4»de cet instrument14. Disposition qui énumère les articles du Pacte auxquels aucunedérogation n’est possible«dans le cas où un danger public exceptionnel menacel’existence de la nation»,l’exemple type étant l’éclatement d’un conflit armé sur leterritoire national d’un Etat partie.Dans l’affaire relative aux conséquences juridiques de l’édification d’un mur

dans le territoire palestinien occupé, la Cour se fonde sur cette jurisprudence pourétendre l’applicabilité du Pacte en dehors du territoire national des Etats parties.S’appuyant sur l’interprétation donnée par le Comité des droits de l’homme ainsique sur les travaux préparatoires du Pacte, elle réfute la thèse d’Israël qui considèreque cet instrument ne s’applique pas au-delà de son territoire national, précisémentenCisjordanie et dans la bande de Gaza. La Cour estime en effet que le Pacte «estapplicable aux actes d’un Etat agissant dans l’exercice de sa compétence en dehorsde son propre territoire»15. Cette jurisprudence est désormais bien établie. Dansl’affaire relative aux activités armées sur le territoire du Congo, la Cour se réfèreune nouvelle fois à sa jurisprudence antérieure et conclut que les deux branches dudroit international concernées, à savoir le droit international relatif aux droits del’homme et le droit international humanitaire, devraient être prises en considération.C’est ainsi qu’elle sera amenée à se prononcer sur les violations de règles relevantde ces deux corpus de droit commises par les forces militaires ougandaises sur leterritoire congolais16.

2) L’Extension des Règles du Droit International Humanitaire aux ConflitsArmés non Internationaux

La réticence de l’Organisation des Nations Unies à se préoccuper du droitinternational humanitaire s’est manifestée plus encore quand les règles applicablesaux conflits armés non internationaux étaient en cause. Certes, elle pouvait seconcevoir dans la mesure où la Charte n’interdit pas le recours à la force à l’intérieurdes frontières d’un Etat membre et que, de surcroit,toute implication des NationsUnies dans cette catégorie de conflits armés a été longtemps considérée comme une

13 Affaire de la Barcelona Traction Light and Power Company Limited (Belgique c. Espagne), arrêt du 5février 1970C.I.J. Recueil1996§ 25.

14 Licéité de la menace ou de l’emploi d’armes nucléaires, avis consultatif du 8 juillet 1996C.I.J.Recueil1996 § 25.

15 Conséquences juridiques de l’édification d’un mur dans le territoire palestinien occupé, avis consultatif du 9juillet 2004C.I.J. Recueil1996§ 105 et 111.

16 Affaire des activités armées sur le territoire du Congo (République démocratique du Congo c. Ouganda)arrêt du 12 décembre 2005 C.I.J. Recueil2005§ 221.

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ingérence dans les affaires relevant de la compétence nationale en vertu de l’alinéa7 de l’article 2 de la Charte. Mais les souffrances, largement médiatisées,enduréespar la population civile lors de la sécession du Biafra en 1967 et, plus généralement,les menaces que les conflits armés non internationaux faisaient peser sur la paix et lasécurité tant régionales qu’internationales allaient changer la donne.Dans son premier rapport, préparé à la demande de la Conférence de Téhéran,

le Secrétaire général suggérait l’élaboration d’un nouvel instrument consacréexclusivement aux conflits armés non internationaux17 et, dans son deuxième rapport,allait même jusqu’à proposer que toutes les règles du droit international humanitairesoient étendues à cette catégorie de conflits armés18. Une telle approche, qui auraitpour conséquence de mettre un terme à la dichotomie existante sur le plan juridiqueentre conflit armé international et non international, ne pouvait évidemment pas avoirl’appui de l’Assemblée générale. Celle-ci préféra dégager trois grands principesdevant être respectés en toutes circonstances au cours de «tous les conflits armés» sansdistinction aucune. Il s’agit du principe selon lequel le droit des parties à un conflitarmé de se nuire mutuellement n’est pas illimité, le principe interdisant l’attaque contrela population civile et celui exigeant qu’une distinction soit faite entre les personnesprenant part aux hostilités et la population civile19. L’Assemblée générale s’est fondéesur cette prémisse que les souffrances endurées par les victimes des conflits armés sontidentiques pour avancer que les principes de base destinés à les protéger ne peuventêtre différents selon les catégories de conflits concernées. Les résolutions du Conseilde sécuritérelatives à la protection de la population civile20 ainsi que celles visantàprodiguer une protection renforcée aux personnes civiles vulnérables21 procèdent dela même logique.Les règles protectrices énoncées à l’article 3 commun aux quatre Conventions de

Genève du 12 août 1949 en faveur des personnes qui ne participent pas directementaux opérations militaires dans un conflit armé dénué de tout caractère internationalsont fondées sur le principe de la distinction. La Cour internationale de justice, dansla décision qu’elle a rendue dans l’affaire opposant le Nicaragua aux Etats-Unis,considère que ces règles relèvent de ce qu’elle a appelé dans l’affaire du détroit deCorfou «des considérations élémentaires d’humanité». D’après la Cour, «ces règlesconstituent aussi, en cas de conflit armé international, un minimum»22 à respecter. Parla suite, dans l’avis rendu dans l’affaire des armes nucléaires, la Cour élève au rangde «principes intransgressibles» le principe de la distinction et celui interdisant desmaux superflus aux combattants, corollaires du principe qui limite le droit des parties

17 A/7720 – 20 novembre 1969.18 A/8052 – 18 septembre 1970.19 Rés. 2444 – 19 décembre 1968.20 Rés. 1674 – 28 avril 2006.21 Rés. 1325 – 31 octobre 2000– sur la protection des femmes au cours des conflits armés et Rés. 1882 – 4 août

2009 – sur la protection des enfants en période de conflit armé.22 Affaire des activités militaires et paramilitaires au Nicaragua et contre celui-ci (Nicaragua c. Etats-Unis

d’Amérique)27 juin 1986C.I.J. Recueil 1986§ 218.

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à un conflit armé de se nuire23. Une telle qualification sera incontestablement denature à justifier l’extension aux conflits armés non internationaux des règles du droitinternational humanitaire découlant de ces principes et applicables à l’origine aux seulsconflits armés internationaux . Tel pourrait être le cas de toutes les règles fondées sur leprincipe limitant le droit des parties à un conflit de se nuire, plus précisément celles quiinterdisent le recours à certaines armes. Le Protocole II additionnel aux Conventionsde Genève consacré aux conflits armés non internationaux, dans la mesure où ilignorait ce principe, ne comportait naturellement aucune disposition sur les armes. Laquestion s’est posée plus particulièrement pour l’emploi d’armes chimiques lors d’unconflit armé non international. La Chambre d’appel du Tribunal pénal internationalpour l’exYougoslavie s’est prononcée en faveur de leur interdiction. Elle considère eneffet que des «considérations élémentaires d’humanité et de bon sens rendent absurdele fait que les Etats puissent employer des armes prohibées dans des conflits armésinternationaux quand ils essaient de réprimer une rébellion de leurs propres citoyenssur leur propre territoire». D’après la Chambre, ce qui est inhumain et par conséquentinterdit dans les conflits internationaux ne peut être considéré comme humain dansles conflits civils24. Il existe désormais une nette tendance en faveur de l’extension duchamp d’application des traités de désarmement ou de réglementation de l’armementaux conflits armés non internationaux. On peut se référer à la Convention d’Ottawa de1997 sur l’interdiction de l’emploi des mines antipersonnel qui étend expressémentson champ d’application à cette catégorie de conflits armés.En définitive, l’approche des Nations Unies, axée sur les droits de l’homme, a eu

pour conséquence d’assurer l’applicabilité des droits fondamentaux de l’homme lorsdes conflits armés. Elle a aussi permis de réduire la dichotomie entre les règles dedroit international humanitaire applicables aux conflits armésinternationaux et cellesapplicables aux conflits armés non internationaux.Dans les deux cas, la principalepréoccupation a été d’offrir une plus grande protection aux victimes des conflits armés.

II – Le Respect du Droit International Humanitaire

D’après l’article 55 de la Charte, les Nations Unies sont tenues de favoriser «lerespect universel et effectif des droits de l’homme et des libertés fondamentales». Acette fin et conformément à l’article 56 de la Charte, les Etats membres «s’engagentà agir tant conjointement que séparément en coopération avec l’Organisation».L’extension du champ d’application du droit international des droits de l’hommeaux conflits armés permet désormais aux Nations Unies d’agir en faveur du respectde ce droit dans les situations conflictuelles. Concrètement, rien n’empêche un Etatmembre de saisir les organes compétents de l’Organisation afin que ceux-ci prennent,conformément à la Charte, les mesures qu’ils jugent appropriées pour mettre en œuvre

23 Avis consultatif sur la licéité de la menace…. Op.cit. note (13) § 78.24 Arrêt relatif à la défense concernant l’exception préjudicielle d’incompétence (Le Procureur c. Dusko Tadic

alias «Dule»)2 octobre 1995 § 119.

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certaines dispositions du droit international applicable en période de conflit armé. Unetelle éventualité est expressément prévue par l’article 8 de la Convention de 1948pour la prévention et la répression du crime de génocide. De même, d’après l’article89 du Protocole I du 8 juin 1977 additionnel aux Conventions de Genève, les partiess’engagent, dans le cas de violations graves de ces instruments, à agir en coopérationavec l’Organisation. Depuis que le droit international humanitaire a été inclus dans lasphère de compétence de l’Organisation, ses organes ont été amenés à se prononcer àplusieurs reprises sur son applicabilité et à agir en faveur de son application.

1) L’Applicabilité du Droit International HumanitaireIl arrive que les Etats justifient leur refus de se plier aux injonctions du droit

international humanitaire en invoquant l’inapplicabilité de ses règles dans une situationconflictuelle donnée. La question se pose quand les destinataires ne s’entendent passur le statut juridique du territoire sur lequel leurs forces armées opèrent ou sur laqualification de la situation conflictuelle dans laquelle ils sont impliqués, refusant dela qualifier de conflit armé.Les Nations Unies ont été amenées à se préoccuper à diverses occasions de

l’applicabilité de la Convention de Genève relative à la protection des personnesciviles en temps de guerre dans les territoires qu’Israël occupe depuis 1967. Bien quepartie à cette Convention, Israël refuse de l’appliquer de jure à ces territoires en sefondant sur une interprétation littérale de la disposition de cet instrument qui limiteson champ d’application aux territoires d’une haute Partie contractante. Selon cetEtat, la Cisjordanie, dans la mesure où son annexion par la Jordanie n’a été reconnueque par deux Etats, tandis quela Bande de Gaza était administrée par l’Egypte25 sansqu’elle ait été annexée à son territoire. Nombreuses sont les résolutions du Conseil desécurité26 qui rejettent cette thèse et affirment l’applicabilité des dispositions de cetteConvention dans ces territoires, plus précisément celles interdisant à la partie occupantede procéder à la déportation ou au transfert d’une partie de sa propre population civiledans le territoire occupé par elle. La condamnation de l’implantation des coloniesjuives27 et de la démolition d’habitats palestiniens28 est fondée sur cette conclusion.La Cour internationale de justice, dans son avis consultatif sur les conséquencesjuridiques de la construction d’un mur dans les territoires palestiniens occupés se

25 Israël a ratifié cette Convention le 6 juillet 1951 mais refuse néanmoins de l’appliquer aux territoirespalestiniens occupés, estimant qu’ils n’étaient pas reconnus comme souverains avant leur annexion par laJordanie et l’Egypte et qu’en conséquence ils ne pouvaient être considérés comme territoires d’une hautepartie contractante au regard de cette Convention. Cf. rapport du Secrétaire général des Nations Uniesintitulé «Résumé de la position juridique du gouvernement israélien»Annexe I – C.I.J. Recueil 2004§ 90.Encore récemment, le Conseil de sécurité relevait que «la Bande de Gaza fait partie intégrante du territoirepalestinien occupé depuis 1967»Rés. 1860du 8 janvier 2009.

26 Entre autres, Rés. 465 – 3 janvier 1980 et Rés. 469 – 20 mai 1980.27 Rés. 681 – 20 décembre 1990.28 «Situation des droits de l’homme dans les territoires palestiniens occupés depuis 1967» , rapport

présenté par J. Dugard en application de la décision 1/02 du Conseil des droits de l’hommeA/61/470 –27 septembre 2006§ 56.

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réfère à ces résolutions et fait observer que «selon le droit international coutumier, ils’agissait donc de territoires occupés dans lesquels Israël avait la qualité de puissanceoccupante»29. Cette qualification lui permet ainsi de tirer toutes les conséquences decette situation sur le plan juridique.L’annexion du Koweït par l’Irak et son refus d’y appliquer le droit international

humanitaire amenèrent le Conseil de sécurité à réagir immédiatement en qualifiant leterritoire koweïtien de territoire occupé.30 Il en alla de même du territoire irakien suiteà son invasion par les troupes anglo-américaines, bien que le régime d’occupationinstauré dans ce cas par les résolutions du Conseil de sécurité s’écarte du droitcommun de l’occupationmilitaire au profit des parties occupantes31. Dans les situationsconflictuelles où les membres permanents du Conseil n’arrivent pas à s’entendre, ladétermination dustatut du territoire concerné a été le fait de l’Assemblée générale. Cefut le cas de la partie nord de Chypre contrôlée par les forces armées turques, qualifiéede territoire occupé32 par l’Assemblée, à l’instar de l’Afghanistan suite à son invasionpar les troupes de l’Union soviétique.33Ace jour, les organes des Nations Unies ne sontpas parvenus, faute de majorité, à se prononcer sur le statut juridique des territoiresgéorgiens contrôlés par les forces armées de la Fédération de Russie. Cette dernièrea en effet éludé la question en reconnaissant les deux entités séparatistes d’Ossétiedu sud et d’Abkhazie comme Etats souverains, les troupes russes étant intervenuessur invitation de ces autorités. La qualification d’un territoire de territoire occupé aévidemment pour conséquence, conformément à la quatrième Convention de Genève,d’accorder aux personnes se trouvantau pouvoir de l’Etat qui occupe et qui ne sont passes ressortissants le statut de la personne protégée, la partie occupante étant tenue deleur accorder la protection qui leur est due, de prendre toutes les mesures nécessairesqui dépendent d’elle pour rétablir et assurer autant que possible l’ordre public et lasécurité dans ce territoire et, enfin, de ne pas tolérer des actes deviolence contre leshabitants d’un tel territoire de la part d’une quelconque tierce partie34.La qualification des conflits armés, au même titre que la détermination du

statut d’un territoire, détermine le droit applicable, et ce malgré l’atténuation dela dichotomie entre le droit international humanitaire applicable lors d’un conflitarmé international et celui qui prévaut lors d’un conflit armé non international.Le Conseil de sécurité et l’Assemblée générale ne se sont jamais appuyés,contrairement à la Cour internationale de justice et au Tribunal pénal internationalpour l’ex Yougoslavie, sur cette distinction. La Haute Cour s’y réfère dansl’affaire opposant le Nicaragua aux Etats-Unis pour déterminer les obligations desparties impliquées. Le conflit entre les forces contras et celles du gouvernement

29 § 78 d e l’avis consultatif sur les conséquences….op.cit. note (14). La Cour se réfère aux Résolutions 59/60du 10 décembre 2001 et 58/97 du 9 décembre 2003.

30 Rés. 660 – 2 août 1990.31 Rés. 1483 – 22 mai 2003 et Rés. 1511 – 16 septembre 2003.32 Rés. 37/253 – 13 mai 1983.33 Rés. ES-6/2 – 15 janvier 1980 et Rés. 35/37 – 30 novembre 1980.34 Affaire des activités armées… op.cit.note (15)§ 178.

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du Nicaragua étant qualifié de conflit ne présentant pas un caractère international,ce sont les dispositions de l’article 3 commun aux Conventions de Genève quis’appliquent, alors que les actions des Etats-Unis au Nicaragua et contre luirelèvent des règles juridiques intéressant les conflits armés internationaux35. Dansla mesure où l’article 3 commun ne définit pas le conflit armé dénué de caractèreinternational, la question de l’applicabilité de ses dispositions ne soulève guèrede difficultés une fois établi que les hostilités opposent les forces armées de deuxou plusieurs Etats. Il n’en va pas de même s’agissant du Protocole II additionnelaux Conventions de Genève consacré à cette même catégorie de conflits puisquel’applicabilité de ses dispositions est conditionnée par l’existence d’un conflitarmé tel que défini par cet instrument.L’article 1 de ce Protocole exclut en effet de son champ d’application les conflits

armésoù des groupes armés s’opposent entre eux, situation fréquente dans les conflitsqui se déroulent sur le territoire d’Etats déstructurés. De même, cette disposition necouvre pas les situations conflictuelles où les forces gouvernementales ne parviennentpas à mater les insurgés rapidement et qui se prolongent dans le temps sans que cesderniers puissent pour autant contrôler une partie du territoire de l’Etat qu’ils affrontent.Pour couvrir ces deux cas de figure de plus en plus fréquents lors des conflits arméscontemporains,le Tribunal pénal international pour l’ex Yougoslavie a ignoré, dansl’arrêt rendu dans la fameuse affaire Tadic, la définition de conflit armé donnée par leProtocole II additionnel. D’après le Tribunal, il suffit que les combats qui se déroulentsur le territoire d’un Etat se prolongent et opposent les forces gouvernementales àdes groupes armés organisés ou encore de tels groupes entre eux pour qu’existe unconflit armé non international36. Ainsi, il n’est plus exigé que les insurgés exercent uncontrôle sur une partie du territoire de l’Etat impliqué dans un conflit armé pour queles dispositions pertinentes du droit international humanitaire s’appliquent.Cette nouvelle définition du conflit armé non international, sans affecter celle

figurant dans le Protocole, présente le grand avantage d’étendre le champ d’applicationmatérielle des dispositions du droit international humanitaire applicables à cettecatégorie de conflits armés. Elle conceptualise la pratique suivie par le Conseil desécurité qui a toujours délaissé le critère du contrôle d’une partie du territoire parles insurgés pour se préoccuper de tous les conflits armés non internationaux qui seprolongent dans le temps, y compris ceux où les forces gouvernementales ne sont pasimpliquées. Ces critères ont été retenus par l’article 8 du Statut de Rome, permettantainsi à la Cour pénale internationale d’étendre sa compétence aux violations gravesdu droit international humanitaire commises lors de conflits armés non internationauxprésentant ces caractéristiques.Il faut reconnaitre que l’applicabilité du droit international humanitaire, à part les

cas qui viennent d’être évoqués, ne soulève pas de difficulté majeure. Toutefois, lasituation est différente s’agissant de l’application proprement dite de ses normes.

35 Affaire des activités militaires et paramilitaires… op.cit. note (21)§ 219.36 Arrêt relatif à la défense… op.cit note (23)§ 70.

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2) L’Application du Droit International HumanitaireUne première difficulté que l’Organisation des Nations Unies peut rencontrer

dans la mise en œuvre du droit international humanitaire est l’établissement dela matérialité des faits constituant une violation de ses règles. Les divergencesexistantes sur ce point entre les parties impliquées dans un conflit armé peuventêtre aplanies par la constitution d’une commission d’enquête. Tous les organesdes Nations Unies y ont eu recours37. Le succès d’une telle entreprise dépendévidemment de la bonne volonté et de la coopération des parties concernées, plusparticulièrement de celle qui contrôle le territoire sur lequel les investigationsdoivent être menées. Le refus d’accès présente incontestablement un obstacle detaille pouvant entrainer la dissolution de la mission. Tel fut le cas de la missiond’établissement des faits établie par le Conseil de sécurité pour enquêter sur lesévénements de Djénine38. Le rapport préparé par le Secrétaire général à la demandede l’Assemblée générale39 sur cette affaire s’est ainsi fondé sur les informationsdisponibles pour conclure aux attaques délibérées des forces armées d’Israëlcontre la population civile40. Pour des raisons politiques évidentes, l’établissementdes éléments objectifs de violations graves du droit international humanitairen’aboutissent pas nécessairement à une condamnation formelle de l’Etatresponsable. Les organes ayant mis en place les missions se contentent de prendrenote ou, tout au plus, d’approuver les rapports soumis. On en veut pour preuveles rapports descommissions d’enquête du Conseil des droits de l’homme misesen place suite aux conflits armés au sud Liban41 et à Gaza42, qui relèvent de gravesviolations du droit international humanitaire de la part d’Israël. Le simple renvoide ce dernier rapport, plus connu sous le nom de rapport Goldstone, au Conseilde sécurité aura suffi pour susciter de vives controverses au sein de l’Assembléegénérale43.Il n’en demeure pas moins que, dans de nombreux cas, les organes del’Organisation des Nations Unies, et plus particulièrement le Conseil de sécurité,ont été amenés à condamner les violations du droit international humanitaire etexiger des parties à un conflit armé qu’elles se conforment à ses prescriptions44.

37 Conformément à la Déclaration de l’Assemblée générale concernant les activités d’établissement desfaits de l’Organisation des Nations Unies en vue du maintien de la paix et de la sécurité internationale,«les missions d’établissement des faits peuvent être entreprises par le Conseil de sécurité, l’Assembléegénérale et le Secrétaire général dans le cadre de leurs compétences respectives».Rés. 46/59 – 9décembre 1991. Depuis sa création, le Conseil des droits de l’homme a procédé à l’envoi de plusieursmissions d’établissement des faits au Moyen-Orient.

38 Rés. 1405 – 19 avril 2002.39 Rés. ES – 10/10 – 7 mai 2002.40 A.ES - 10/186 30 juillet 2002§ 54.41 A/HRC/2/7 – 2 octobre 2006.42 A/HRC/12/48 – 23 septembre 2009.43 Rés. 64/10 -5 novembre 2009.44 On pourrait citer à titre d’exemples: - Le traitement des prisonniers de guerre (Rés. 237 – 14 juin 1967

à propos du conflit israélo-arabeetRés. 307 – 21 décembre 1971 relative au conflit indo-pakistanais)– L’interdiction de l’emploi d’armes chimiques (Rés. 512 – 9 mars 1988 relative au conflit Iran-Irak)

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Cependant, le refus persistant de certains Etats de se plier à de telles injonctionsamena parfois le Conseil à demander l’aide d’Etats tiers pour contraindre l’Etatrécalcitrant à modifier sa conduite. Une telle aide peut se concrétiser par uneintervention sur le flux des armes, tout particulièrement celles dont l’utilisationest prohibée. Au cours du conflit Iran-Irak, le Conseil a appelé tous les Etats àcontinuer d’exercer un contrôle strict sur l’exportation de produits pouvant servirà la fabrication d’armes chimiques45. Par ailleurs de nombreuses résolutions furentadoptées par le Conseil demandant aux Etats de veiller à ce qu’Israël s’acquitte deses obligations dans les territoires qu’il occupe et les invitant à lui refuser touteassistance dans l’installation de colonies juives dans ces territoires46. A l’appui,le Conseil s’est même référé expressément à l’article 1 commun aux quatreConventions de Genève et leur Protocole I additionnel, disposition que les partiesà ces instruments s’engagent à respecter et faire respecter en toutes circonstances47.C’est à cette même disposition que la Cour internationale de justice s’est référéedans l’avis qu’elle a rendu dans l’affaire relative aux conséquences juridiques del’édification d’un mur dans le territoire palestinien occupé. Ayant conclu qu’Israëlest dans l’obligation de mettre un terme aux violations du droit international dontil est l’auteur et de cesser les travaux d’édification d’un tel mur, la Cour se fondesur cet article pour demander à tous les Etats de ne pas reconnaitre la situationillicite qui en découle et de décliner toute aide au maintien de cette situation48.L’obligation ainsi mise à la charge des Etats de faire respecter par Israël les règlesincorporées dans ces Conventions doit être mise en œuvre dans le respect de laCharte des Nations Unies et du droit international. Plus précisément, les Etatsne pourront pas, au titre de l’article 1 commun, recourir à la force pour amenerun Etat à se plier aux prescriptions de ces instruments.Ainsi, l’efficacité de cettedisposition reste limitée. Néanmoins, rien n’empêche le Conseil de sécurité d’userdesprérogatives que le chapitre VII de la Charte lui confère pour autoriser lerecours à la force.Face aux tragédies humaines consécutives à l’attaque délibérée de civils et au

refus de leur accorder l’accès à l’aide humanitaire, le Conseil de sécurité s’y est àplusieurs reprises résigné, justifiant son action en qualifiant ces actes de menacecontre la paix et la sécurité internationale49, prémisse qui l’a amené à exhorter,en Bosnie-Herzégovine, les Etats membres de l’Organisation des Nations Uniesà prendre «toutes les mesures nécessaires» en vue d’assurer l’acheminement de

– Le respect de l’immunité de la population civile (Rés. 688 – 5 avril 1991 relative au conflit Irak-Koweït et Rés. 941 – 23 septembre 1994 relative au conflit armé en Bosnie-Herzégovine).

45 Rés. 612 – 9 mars 1988.46 Rés. 465 – 1er mars 1980.47 Rés. 681 – 20 décembre 1990 demandant aux Etats parties à la quatrième Convention de Genève de veiller

à ce qu’Israël s’acquitte de ses obligations.48 Avis consultatif sur le mur… op.cit.note (14)§ 158.49 Déclaration du Président du Conseil de sécuritéS/25344 – 20 février 1992.

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l’aide humanitaire50. C’est à la même rhétorique que cet organe eut une nouvelle foisrecours pour soutenir l’acheminement des secours à destination de la Somalie51 etdu Rwanda52. Les actions humanitaires menées à la demande du Conseil de sécurité,sans mettre un terme aux sévices subis par la population civile, n’en ont pas moinsamélioré sa situation.Pour conceptualiser son action future dans ce domaine, le Conseil inclura la

protection de la population civile parmi les thématiques sous examen. A l’issue de lapremière réunion consacrée à cette question53, il chargea le Secrétaire général d’établirun rapport sur les moyens à mettre en œuvre pour assurer une telle protection. Ace jour, sept rapports lui ont été soumis54. Ils contiennent un grand nombre derecommandations dont certaines seront retenues dans la stratégie que cet organeélabora pour faire face à ce genre de situations. Parmi les principes qu’il s’engagedésormais à prendre en compte figurent le recours aux prérogatives que le chapitreVII lui accorde55 ainsi que l’inclusion, si nécessaire, de la protection des civils dansle mandat des forces de maintien de la paix56, ce qui leur impose de se départir deleur position traditionnelle de neutralité et de prendre parti en faveur des victimes.Il s’agit là d’une véritable métamorphose des opérations de maintien de la paix dontla réalisation reste conditionnée par les moyens effectifs dont elles disposent pourmener à bien une telle mission. On en veut pour preuve les défaillances de certainesopérations récentes en Afrique.Les conclusions des débats sur le nouveau concept de «la responsabilité de

protéger» montrent clairement que cette solution est la seule qui puisse recueillirl’assentiment des Etats. Les chefs d’Etats et de gouvernements réunis lors duSommet de 2005 ont affirmé leur volonté de contribuer, par l’entremise du Conseilde sécurité, à la mise en œuvre des mesures coercitives prévues au chapitre VIIde la Charte à l’encontre des Etats défaillants57. Cette prise de position a étéaccueillie favorablement par le Conseil de sécurité qui confirme une nouvellefois sa disponibilité pour agir dans ce sens si les circonstances l’exigent58. Cetorgane est ainsi appelé à mettre la force au service du droit international et dudroit international humanitaire. Toutefois, le risque existe que toutes les victimesne puissent, pour des raisons politiques, bénéficier de la même protection. LeSecrétaire général en est tout à fait conscient. Dans le rapport sur la responsabilité

50 Rés. 770 – 13 août 1992.51 Rés. 794 – 3 décembre 1992.52 Rés. 929 – 22 juin 1992.53 Déclaration du Président du Conseil de sécuritéS/PRST/1999/6 – 12 février 1999.54 A ce jour, sept rapports consacrés à la protection de la population civile au cours des conflits armés ont été

soumis au Conseil de sécurité par le Secrétaire général. Le dernierS/2009/277 date du 29 mai 2009.55 Rés. 1265 – 17 septembre 1999.56 Rés. 1296 – 19 avril 2000; Rés. 1674 – 28 avril 2006 et Rés. 1894 – 16 novembre 2009.57 A.Res.60/1 – 16 septembre 2005§ 139.58 Rés. 1674 – 28 avril 2006 et Rés. 1894 – 16 novembre 2009. Cette dernière résolution se réfère

dans son préambule aux § 138 et 139 du Document final du Sommet mondial de 2005 relatifs à laresponsabilité de protéger.

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de protéger qu’il a soumis à l’Assemblée générale, il exhorte les cinq membrespermanents du Conseil de sécurité de ne pas user ou de ne pas menacer d’userde leur droit de veto dans des situations où les autorités nationales n’assurentmanifestement pas la protection de leur population contre le génocide, les crimesde guerre, le nettoyage ethnique ainsi que les crimes contre l’humanité59.

III – La Répression des Violations Graves du Droit International Humanitaire

La répression des grands criminels de guerre allemands et japonais au lendemainde second conflit mondial a été menée en dehors du système des Nations Unies pardes tribunaux militaires internationaux mis en place par lesAlliés. Néanmoins, en vuede pérenniser les principes des statuts de ces tribunaux ainsi que ceux dégagés parleurs décisions, l’Assemblée générale chargea la Commission du droit internationalde formuler sur cette base «les principes généraux de la responsabilité en matièrecriminelle»60. La Commission s’est acquittée de cette tâche en se limitant à les exposersans en discuter le bien-fondé ni porter de jugement. Ce n’est que plus tard, dans lecadre de ses travaux, conclus en 1996, relatifs à l’élaboration d’un projet de code descrimes contre la paix et la sécurité de l’humanité qu’elle s’engagera dans cette voie.Selon le principe de base dégagé par la Commission, «tout auteur d’un acte qui châtiment». Le crime contre la paix, le crime de guerre et le crime contre l’humanitésont qualifiés de crimes internationaux. Avec l’achèvement de cette mission, lesNations Unies, et avec elles la communauté internationale,allaient connaitre unepériode de léthargie qu’illustre bien le refus des Etats de donner suite aux appels del’Assemblée générale leur demandant de remettre les personnes prévenues se trouvantsur leurs territoires respectifs aux autorités judiciaires compétentes61.

L’incapacité du Conseil de sécurité de mettre un terme aux atrocités commises aucours des conflits armésqui ont suivi la dislocation de laYougoslavie allait générer un élanen faveur de leur répression.Agissant dans le cadre du chapitreVII de la Charte, cet organedemandait aux Etats et aux organisations humanitaires de rassembler des informationssur les violations du droit international humanitaire et de les lui communiquer62, tout enréaffirmant que toute personne qui commettrait ou ordonnerait de commettre des violationsgraves des Conventions de Genève en porterait individuellement la responsabilité.Cette première démarche ainsi engagée contre l’impunité serait restée inachevée sansla criminalisation concomitante des violations graves du droit international humanitairecommises au cours des conflits armésnon internationaux.

59 «La mise en œuvre de la responsabilité de protéger»A/63/677 – 18 janvier 2009§ 61.60 Rés. 177 – 21 novembre 1947.61 Rés. 3 – 13 février 1946 et Rés. 170 – 31 octobre 1947. Ces résolutions visent les criminels de guerre

ressortissants des Etats ennemis qui continuent à se soustraire à la justice des Etats membres desNations Unies.

62 Rés. 771 – 13 août 1992.

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1) La Lutte Contre l’ImpunitéLa lutte engagée par le Conseil de sécurité contre l’impunité des crimes internationaux

s’est faite au nom du maintien de la paix et la sécurité internationale dont la Charte luiconfère la responsabilité principale. C’est en se fondant sur les attributions dont il dispose àcette fin que le Conseil de sécurité a créé successivement les deux tribunaux pénaux ad hocpour l’ex Yougoslavie et le Rwanda. Dans les deux cas, le préambule des résolutions parlesquelles ils ont étémis en place précise que les poursuites que ces tribunaux engagerontcontribueront au rétablissement et au maintien de la paix dans les territoires concernés.Plus récemment, le Conseil de sécurité, constatant que la situation au Soudan continuait defaire peser unemenace sur la paix et la sécurité internationale, se fondait sur le rapport de lacommission d’enquête qui établit que des crimes relevant de la Cour pénale internationaleont été commis63, pour saisir le Procureur de cette instance de la situation au Darfour64.L’un des obstacles que les Nations Unies peuvent rencontrer dans leur lutte contre

l’impunité est l’amnistie inconditionnelle que les Etats peuvent octroyer à toutesles personnes ayant commis des crimes internationaux. Pour le Secrétaire général,il est inacceptable d’amnistier les auteurs de violations graves du droit internationalhumanitaire65. C’est bien la solution que le Conseil de sécurité a imposée aux parties auconflit arméen Bosnie-Herzégovine, les Accords de Dayton66 excluant de l’amnistie lespersonnes accusées de telles violations. Il avalisera aussi la réserve duReprésentant spécialdu Secrétaire général aux dispositions de l’Accord de Lomé concernant l’amnistie67.Pour le Tribunal pénal international pour l’ex Yougoslavie, il existe une présomption enfaveur de la non-reconnaissance par les juridictions pénales internationales des amnistiesinconditionnelles dans lamesure où de telles amnisties sont contraires à l’obligation qu’onttous les Etats d’exercer leur compétence sur les actes qu’elles couvrent68.Dans certaines circonstances exceptionnelles, il peut s’avérer nécessaire, en vue de

favoriser le processus de paix, de ne pas engager de poursuites. Au cours de la périodeprécédant la conclusion des Accords de Dayton, l’importance politique que revêtait lasignature de SlobodanMilosevic, Président de la Serbie, au bas de et instrument, sembleavoir été à l’origine, en dépit d’éléments de preuves à son encontre, de la complaisancedu Tribunal pénal international pour l’ex Yougoslavie à son égard. L’inclusion, vouluepar les membres permanents du Conseil de sécurité, de l’article 16 relatif au «sursisà enquêter ou à poursuivre» dans le Statut de Rome de la Cour pénale internationalerépond à une telle préoccupation. Conformément à cette disposition, le Conseil desécurité agissant dans le cadre du chapitre VII de la Charte peut faire une demande dans

63 Rapport de la commission internationale d’enquête sur le DarfourS/2005/66 – 1er février 2005.64 Rés. 1593 – 31mars 2005. C’est en vertu de l’article 13 b) du Statut deRome que le Conseil de sécurité saisit

le Procureur.65 Rapport du Secrétaire général sur la protection de la population civile au cours des conflits armésS/2002/130

– 26 novembre 2002§ 47.66 Article VI de l’Annexe 7 desAccords de DaytonParis 10 novembre 1995S/1995/2001Annexe et Rés. 1120

– 14 juillet 1997 du Conseil de sécurité.67 Rés. 1315 – 4 août 2000.68 Le Procureur c.Anto FurundziyaChambre d’appel§ 156.

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La Contribution de l’Organisation des Nations Unies au Développementdu Droit International Humanitaire

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ce sens. Le recours à une telle éventualité avait d’ailleurs été suggéré par la Chine avantl’émission du mandat d’arrêt, lancé en 2008, contre le Président en exercice du SoudanEl Béchir par le Procureur de la Cour pénale internationale afin de permettre que leprocessus de paix au Darfour, dont il avait pris l’initiative, puisse aboutir.

Le Conseil de sécurité reconnait désormais que la poursuite pénale n’est pas l’uniquealternative qui s’offre pour mener à bien la lutte contre l’impunité. Il a à plusieursreprises attiré l’attention sur les mécanismes de réconciliation, plus précisément lescommissions «vérité et réconciliation»69. Cette institution, qui avait fait ses preuvesaprès l’ère de l’apartheid en Afrique du sud, s’est avérée d’un grand secours dansl’identification des auteurs d’exactions tout en offrant aux victimes la possibilité des’exprimer, tous éléments susceptibles de faciliter la réconciliation nationale. Lescommissions instituées au Salvador, au Guatemala, au Timor-Leste et en Sierra-Leoneont bénéficié du soutien des Nations Unies. Mise en place dans le cadre de l’Accordde Lomé, la Commission de vérité et réconciliation de la Sierra-Leone a reconnuqu’elle ne saurait supplanter la poursuite pénale, nécessaire, selon son rapport, àl’encontre des auteurs de violations graves du droit international humanitaire et dudroit international des droits de l’homme, qualifiées de crimes contre l’humanité70.Une telle poursuite incombe au Tribunal spécial pour la Sierra-Leone71.Un autre obstacle que la lutte contre l’impunité pourrait rencontrer est

l’immunité de juridiction en matière pénale des hauts responsables de l’Etat,les juridictions nationales continuant de leur reconnaitre une immunité absolue.La Cour internationale de justice vient de le confirmer dans l’arrêt rendu dansl’affaire du mandat d’arrêt opposant la République démocratique du Congo àla Belgique, les gouvernants jouissent devant ces instances d’une immunité dejuridiction tant civile que pénaleLa Cour souligne néanmoins que l’immunité nesignifie pas qu’ils bénéficient de l’impunité au titre de crimes qu’ils auraient pucommettre au cours de l’exercice de leurs fonctions. L’immunité de juridictionrevêt, d’après la Cour, un caractère procédural faisant obstacle aux poursuitestant que les personnes occupent des fonctions officielles,mais elle ne sauraitles exonérer de toute responsabilité pénale devant les tribunaux nationaux. Enrevanche, dans cette même affaire, la Cour relève le défaut de pertinence de laqualité officielle devant les tribunaux internationaux72.Le Tribunal spécial pour laSierra-Leone se fonda sur cette décision de la Haute Cour pour rejeter l’exceptiond’incompétence soulevée par la défense et engager des poursuites contre l’ancienPrésident du Libéria Charles Taylor73.

69 Rés. 1674 – 28 avril 2006 et Rés. 1894 – 16 novembre 2009.70 Witness to Truth, Report of the Sierra-Leone Truth Commission5 October 2004Freetown 2005.71 Accord entre l’OrganisationdesNationsUnies et le gouvernement sierra-léonais sur la créationd’unTribunal

spécial pour la Sierra-LeoneS/2002/246.72 Affaire relative aumandat d’arrêt du 11 avril 2000(République démocratique duCongo c. Belgique)Arrêt du

14 février 2002C.I.J. Recueil 2002 § 51 et 60.73 Special Court for Sierra Leone,Prosecutor against Charles Ghankay Taylor,Decision on Immunity from

Jurisdiction31March2004§ 50 et 51.

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64 VANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1

2) La Criminalisation des Violations Graves du Droit InternationalHumanitaire

Les statuts des tribunaux pénaux mis en place par le Conseil de sécurité sedistinguent par le fait qu’ils criminalisent les violations graves du droit internationalhumanitaire commises au cours de conflits armés non internationaux. En effet, lesystème répressif des Conventions de Genève et de leur Protocole I additionnel necouvrepas les violationsgravesdesdispositionsde l’article 3 communauxConventionset au Protocole II additionnel consacré à cette catégorie de conflits armés. L’article4 du statut du Tribunal pénal international pour le Rwanda établit la compétence dece Tribunal à l’égard des violations graves de l’article 3 commun. La dispositionpertinente de ce statut établit une liste qui reprend l’énumération des actes prohibéspar cet article tout en les complétant. C’est ainsi qu’ont été ajoutés: le pillage, lesactes de terrorisme et les punitions collectives. Le statut prend soin de préciser quel’énumération est donnée à titre indicatif et que la compétence du Tribunal pourraits’étendre à d’autres violations graves du droit international humanitaire. Le statut duTribunal pénal international pour le Rwanda est le premier instrument internationalqui criminalise les violations graves de l’article 3 commun, ce qui amena le Secrétairegénéral à parler d’innovation74.

Contrairement au statut du Tribunal pénal international pour le Rwanda, celuidu Tribunal pénal international pour l’ex Yougoslavie n’étend pas explicitement lacompétence de cette instance aux violations graves du droit international humanitairecommises lors de conflits armésnon internationaux. C’est le Tribunal lui-même,dans l’arrêt rendu dans l’affaire Tadic, qui se déclare compétent pour connaitre desinfractions commises au cours de ces conflits armés75. Pour arriver à cette conclusion,le Tribunal se fonde sur la pratique des Etats mais surtout sur celle du Conseil desécurité. D’après le Tribunal, «certaines résolutions adoptées par le Conseil desécurité présentent un intérêt particulier pour la formation de l’opinio juris relative aufait que les violations du droit international humanitaire général régissant les conflitsarmés emportent la responsabilité pénale de leurs auteurs ou de ceux qui ordonnentces violations»76. Le Tribunal se réfère expressément aux deux résolutions adoptéespar le Conseil dans le cadre du conflit somalien, dont la nature interne ne faisait guèrede doutes. Ces résolutions annonçaient le principe selon lequel toute violation dudroit international humanitaire engage la responsabilité pénale individuelle de sesauteurs77. La jurisprudence Tadic contribuera grandement au développement du droitinternational humanitaire dans ce domaine, puisqu’elle sera à l’origine du revirementde la Commission du droit international lors de l’élaboration du projet de code decrimes contre la paix et la sécurité de l’humanité. En effet, le projet adopté en première

74 S/1995/134§ 12.75 Arrêt relatif à la défenseop.cit. note (23)§ 137.76 Ibid.§ 133.77 Rés. 749 – 3 décembre 1992 et Rés. 814 – 26 mars 1993.

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La Contribution de l’Organisation des Nations Unies au Développementdu Droit International Humanitaire

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lecture en 199178 ne se référait pas aux crimes de guerre commis lors des conflitsarmés non internationaux. Ce n’est que lors de l’adoption du projet en seconde lectureque la Commission les a inclus dans la disposition pertinente du texte de 199679. LaCommission se justifie en se référant à la jurisprudence Tadic, basée sur une analyseminutieuse de la pratique existante en la matière qui a convaincu la Commission dubien-fondé de sa nouvelle position.Bien qu’on ait reproché, parfois à juste titre, aux rédacteurs du statut du Tribunal

pénal international pour le Rwanda et à la jurisprudence Tadic une application partrop flexible, voire élastique, du principe nullum crimen sine lege, il n’en demeurepas moins que les innovations qui en ont résulté furent généralement bien accueillies.Elles seront déterminantes pour convaincre les Etats les plus réticents à accepter lacompétence de la Cour pénale internationale à l’égard des violations graves du droitinternational humanitaire lors des conflits armés non internationaux. Sous la rubrique«autres violations des lois et coutumes applicables aux conflits ne présentant pas uncaractère international», l’article 8 du Statut de Rome incrimine certaines violationsdu Protocole II additionnel. Le souci d’assurer une plus grande protection à lapopulation civile est à l’origine de l’incrimination de l’attaque délibérée contre elle etles biens à caractère civil, tandis que la réprobation unanime de l’utilisation d’enfantssoldats dans cette catégorie de conflits armésexplique l’incrimination de l’enrôlementdes enfants de moins de 15 ans. Il en va de même des infractions sexuelles et desattaques contre les missions d’aide humanitaire, non expressément interdites par leProtocole II additionnel. Afin de se prémunir contre la mise en œuvre du principe decomplémentarité de la compétence de la Cour pénale internationale à leurs dépens,les Etats membres du Statut de Rome n’ont d’autre alternative que d’étendre lacompétence de leurs tribunaux nationaux auxfaitsincriminés par cet instrument.

Conclusion

Les initiatives prises par l’Organisation des Nations Unies pour étendre le champd’application du droit international des droits de l’homme et du droit internationalhumanitaire, les efforts accomplis dans leur mise en œuvre ainsi que la promotionde la répression des violations graves de ces deux corpus de droit ont sans nul doutecontribué à une meilleure protection de la population civile au cours des conflitsarmés. Cependant, il faut bien constater qu’elle continue à en être la principalevictime et que les pertes humaines et les dommages matériels qu’elle subit restentincommensurables. Ceci étant, l’œuvre de l’Organisation restera inachevée tant queles victimes des conflits armésne disposeront pas d’un droit de recours en réparationadéquat et effectif.

78 Rapport de la C.D.I. à l’A.G. sur les travaux de sa 43ème sessionA.G. 46ème sessionSuppl. n°10A/46/10pp. 293 ss.

79 Rapport de la C.D.I. à l’A.G. sur les travaux de sa 48ème sessionA.G. 51ème session Suppl. n°10A/51/10Commentaire de l’article 20 du projetp. 141.

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66 VANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1

L’article 3 du Règlement annexé à la quatrième Convention de La Haye de 1907et l’article 91 du Protocole I additionnel posent certes le principe de la responsabilitéde l’Etat pour les actes commis en violation du droit international humanitaire parles personnes faisant partie de ses forces armées. On pourrait aussi attribuer à l’Etatles actes illicites d’un mouvement insurrectionnel lors d’un conflit armé, à conditiontoutefois que ce dernierait pris le pouvoir80, ce qui ne couvre pas toutes les situationsconflictuelles. L’absence de mécanisme permettant aux victimes de présenter desréclamations individuelles fait que la mise en cause de la responsabilité de l’Etat pourviolation du droit international humanitaire ne pourra se faire que par l’exercice dela protection diplomatique, laquellereste à la discrétion de l’Etat de nationalité de lavictime. On en veut pour preuve les commissions mixtes mises en place au lendemaindu second conflit mondial par certains anciens belligérants et dans le cadre desquellesils ont pris fait et cause pour leurs nationaux.La Commission de compensation des Nations Unies, créée par le Conseil de

sécurité dans le cadre du chapitre VII81 pour indemniser les victimes des violationsgraves commises par l’Irak lors de l’invasion et de l’occupation du Koweït prévoitun arrangement semblable, la procédure dominante qui a prévalu étant l’endossementet le regroupement des réclamations des personnes physiques et morales par l’Etatde nationalité. L’originalité de la procédure réside dans le fait que les Etats peuventprendre fait et cause pour des individus autres que leurs nationaux qui résident surleur territoire, alors que les personnes morales peuvent, sous certaines conditions,saisir directement la Commission82. L’efficacité de la formule retenue n’a pas à êtredémontrée. Un très grand nombre de victimes ont pu être indemnisées grâce aux fondsprélevés sur les revenus d’exportation du pétrole irakien selon un barème fixé parle Conseil de sécurité. Depuis, les conditions n’ont jamais été réunies pour que cetorgane puisse recourir une nouvelle fois à des mesures coercitives pour imposer auxEtats l’indemnisation des victimes de violations du droit international humanitaire.L’exemple irakien reste donc unique dans les annales des Nations Unies.Pour l’heure, l’Organisation semble privilégier le recours des victimes de

violations graves du droit international des droits de l’homme et du droit internationalhumanitaire aux juridictions nationales. La résolution récemment adoptée parl’Assemblée générale préconise l’accès à un recours judiciaire en vue d’une réparationeffective et rapide du préjudice subi83. Malheureusement, dans la plupart des cas, lapersonne responsable du préjudice n’est pas en mesure de s’acquitter de ses obligationset de fournir la réparation due. Dans ces conditions, les victimes ou leurs ayants-droit auront-ils la possibilité d’intenter des actions civiles contre l’Etat dont les forces

80 Art. 9 du projet d’articles de la Commission du droit international sur la responsabilité de l’Etat (2001).81 Rés. 687 – 4 avril 1991.82 Provisional Rules for Claims ProcedureS/AC.26/1992/10 – annexe.83 A/Res/60/147 – 16 décembre 2005: «Principes fondamentaux et directives concernant le droit à un recours et

à réparation des victimes de violations flagrantes du droit international des droits de l’homme et de violationsgraves du droit international humanitaire».

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La Contribution de l’Organisation des Nations Unies au Développementdu Droit International Humanitaire

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armées se sont rendues coupables de telles violations ou sur le territoire duquel ellesont été commises? C’est la voie qui a été suivie par certains ressortissants italiensvictimes de violations graves du droit international humanitaire commises par lestroupes allemandes en Italie lors du second conflit mondial. D’après l’Allemagne, lesdécisions que la justice italienne a rendues suite à ces réclamations l’ont été au méprisde l’immunité de juridiction dont elle jouit auprès des juridictions étrangères en tantqu’Etat souverain. Il appartient désormais à la Cour internationale de justice, saisiede l’affaire 84, de se prononcer et de contribuer à faire la lumière sur cette questioncomplexe.

84 Requête introduite par l’Allemagne le 23 décembre 2008 contre l’Italie pour non-respect de son immunité dejuridiction en tant qu’Etat souverain.

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L’Éducation et la Formation aux Droits de l’HommeLa Construction du Droit International: un Processus de Maturation Collective

emmanuel decaux1

eduardo risPoli2

tatiana camPos rocha3

«On entend par enseignement des droits de l’homme lesactivités de formation et d’information visant à faire naîtreune culture universelle des droits de l’homme en inculquantles connaissances, les qualités et les attitudes de nature à:a) renforcer le respect des droits de l’homme et des libertésfondamentales; b) assurer le plein épanouissement de lapersonnalité humaine et le sens de sa dignité; c) favoriser lacompréhension, la tolérance, l’égalité des sexes et l’amitiéentre toutes les nations, les populations autochtones etles groupes raciaux, nationaux, ethniques, religieux etlinguistiques; d) mettre toute personne en mesure de jouerun rôle utile dans une société libre; e) contribuer auxactivités des Nations Unies dans le domaine du maintien dela paix»4.

RésuméLe droit à l’éducation aux droits de l’homme n’est pas un droit nouveau, c’est une

des composantes du droit à l’éducation, tels qu’il a été consacré par les instrumentsinternationaux et régionaux. Il ne s’agit pas d’une simple option, relevant duvolontarismedesEtats,mais bien d’une obligation juridique dérivant de la consécrationdu droit à l’éducation en tant que tel, dans de nombreux instruments internationaux.Dans un premier temps, l’article énonce les démarches de l’engagement brésilien danstel droit. Pour dans un deuxième temps développer plus profondément et faire unparallèle avec les recommandations et études en cours au sein de l’ONU et du Conseildes droits de l’homme.

1 Professeur de droit public à l’Université Panthéon-Assas (Paris II) dont il dirige le Centre de recherche surles droits de l’homme et le droit humanitaire. Il est membre du Comité consultatif du Conseil des droits del’homme des Nations Unies.

2 Doctorant en Droit International à l´Université Panthéon-Assas (Paris II) -Master Recherche en droitinternational public à l´Université Panthéon-Assas.

3 Doctorant en Droit International à l´Université Panthéon-Assas (Paris II) -Master Recherche en droitinternational public à l´Université Panthéon-Assas.

4 Rapport du Haut-Commissariat aux droits de l’homme,A/51/506/Add.1

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L’Éducation et la Formation aux Droits de l’HommeLa Construction du Droit International: un Processus de Maturation Collective

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AbstractThe right to education in human rights is not a new right; it is one of the components

of the right to education, such that it has been devoted by the international and regionalinstruments. It is not a mere option arrangement of voluntarism of States, but a legalobligation deriving from the consecration of the right to education as such, in manyinternational instruments. In a first time, the article sets out the approaches of Braziliancommitment in the right to education in human rights. For in a second time, developspecifically, and make a parallel with the recommendations and studies in progress inthe United Nations and in the Human Rights Council.

cd

Depuis la dernière Décennie des Nations Unies sur l’éducation aux droits del’homme (1995-2004) et le Programme mondial en faveur de l’éducation aux droitsde l’homme (à partir de 2005), les Etats membres des Nations Unies sont fortementencouragés à contribuer à l’émergence d’une culture universelle des droits de l’hommedans ce contexte.

Le présent article illustre, dans une première partie, la priorité de l’éducation auxdroits de l’homme dans l’agenda national du Brésil.Ensuite, il présente une étude plusdétaillée sur ce sujet et le projet qui en cours au sein de l’ONU.

1 - La Construction du Plan sur l´Éducation et la Formation aux Droits del´Homme au Brésil. L´Engagement International et sa Mise en OuvreInterne.

Selon PIOVESAN5, la Constitution de 1988 est la première constitution brésilienneà consacrer le principe de prééminence des droits de l´homme, comme un principefondamental destiné à encadrer l’attitude de l´État brésilien sur la scène internationale.En vérité, c´est la première constitution brésilienne ayant introduit plusieurs principesafin d’orienter le Brésil dans le domaine international.CANÇADO TRINDADE6 précise que le consensus généralisé aujourd’hui

formé autour de la nécessité d´internalisation de la protection de droits de l´hommecorrespond à une manifestation culturelle de notre temps, juridiquement viable parla coïncidence d´objectifs entre le droit international et le droit interne au sujet de lapersonne humaine.La prééminence des droits de l´homme comme principe a pour objectif la pleine

intégration des règles de droit international de protection des Droits de l´homme au

5 PIOVESAN (F.), Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, São Paulo, Saravaiva,2007, p.37.

6 CANÇADOTRINDADE, (A.A.), «A interação entre o direito internacional e o direito interno na proteçãodos direitos humanos»,Arquivos doMinistério da Justiça, Brasília, v.46, n.182, jul./dez., 1993, p.32.

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droit interne ainsi que l’engagement du pays à s’opposer aux Etats qui ne respectentpas les droits fondamentaux.La Charte de 1988 est la première à prévoir, à la fin de son article 5 paragraphe

2 sur la protection des droits de l’homme, que les droits et garanties prévus dansla Constitution n’excluent pas les autres droits issus des traités internationauxauxquels la République Fédérale du Brésil fait partie.Ainsi, l´incorporation du droitinternational est prévue par le texte constitutionnel lui-même et, à partir du momentoù la Constitution a consacré cette incorporation, elle a attribué une nature spécialeet différenciée aux normes qui intègrent les traités relatifs aux droits de l´hommeauxquels le Brésil fait partie.Selon CANÇADO TRINDADE, la nouveauté de l´article 5, paragraphe 2 consiste

à augmenter les droits constitutionnellement consacrés en y ajoutant les droits issusdes traités internationaux auxquels le Brésil fait partie. Il observe également que lesdroits se font accompagner nécessairement des garanties7.De ce fait, il est possible de constater que le thème de l’éducation et de la formation

aux droits de l’homme devrait faire partie d’un plan national et des actions relativesaux droits de l’homme au Brésil, comme prévu à la Conférence de Vienne de 1993.

1.1- Le Programme National d´Action aux Droits de l´HommeEn raison de la Déclaration et programme d’action de Vienne de 1993, le

gouvernement brésilien s´est engagé, avec des institutions relatives aux droits del´homme dans la sphère interne du pays, dans l´élaboration d´un programme et d’unplan national d´action concernant les droits de l´homme.En1996, avec laparticipationdesorganisationsde la société civile, le gouvernement

a approuvé le premier plan. Ainsi, le Brésil a été le deuxième pays à créer un plan surce sujet. Une année après, en 1997, l´Etat fédéré de São Paulo a établi le premier pland´action aux droits de l´homme, suivi ensuite du Rio grande do Norte en 1998.Le premier plan d´action des droits de l´homme a établi 303 actions en partenariat

avec plusieurs organisations civiles protectrices des groupes vulnérables. Après cespremières initiatives, d´autres Etats fédérés et communes ont élaborées de tels plans.C’est dans ces plans d’action que le thème de l’éducation et de la formation aux droitsde l´homme a été abordé.La création d’un comité national de l´éducation et de la formation aux droits de

l´homme a été effectuée8 en conformité avec les objectifs internationaux, en donnantcompétence aux Etats fédérés et aux communes dans la création de ces plans d´actionet des ces comités relatifs à l´éducation et formation aux droits de l´homme.En revanche, la problématique brésilienne peut être vérifiée dans le champ de la

surveillance, d´une plus grande liaison entre les diverses communes et la viabilité

7 CANÇADO TRINDADE, (A.A.), «A estrutura constitucional das relações internacionais e os sistemapolítico brasileiro. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, n. 12, jul./dez. 1990, p.60.

8 Portaria SEDH n° 98, 9 juillet 2003; Portaria SEDH n° 109, 1er Septembre 2003;Portaria SEDH n° 148,de 28 Octobre 2003 et le régiment interne.

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L’Éducation et la Formation aux Droits de l’HommeLa Construction du Droit International: un Processus de Maturation Collective

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d´un réseau national sur ce sujet. Dès lors, l’implantation immédiate et effective del´éducation et de la formation aux droits de l´homme dans l´enseignement élémentaire,secondaire et universitaire, est la seule manière de concrétiser une prise de conscienceaux droits de l´homme. Pour le moment, une grande partie de la population n’a pasaccès dans ces directives. Par conséquent, une plus grande accessibilité aux sphèrespubliques comme la justice par exemple, est aussi impérative.Cependant, dans la sphère internationale, beaucoup d’Etats sont loin de cette

problématique brésilienne puisque, près de dix-sept ans après la Conférence deVienne, la mise en œuvre d’un plan d’éducation et de formation des droits de l’hommen’est même pas encore envisagée par certains Etats.La deuxième partie de l’article précise les obligations conventionnelles et les

initiatives internationales sur le sujet ainsi que le projet de Déclaration sur l’éducationet la formation aux droits de l’homme auprès de l’ONU.

2 – L´Éducation aux Droits de l´Homme au Sein de l´ONU

L’éducation aux droits de l’homme est au cœur du projet des Nations Unies depuisl’adoption de la Déclaration universelle des droits de l’homme qui évoque le rôle de«l’enseignement et de l’éducation» (teaching and education) pour développer le respectdes droits de l’homme.L’article 26 §.1 de la Déclaration souligne que «toute personnea droit à l’éducation. L’éducation doit être gratuite, au moins en ce qui concernel’enseignement élémentaire et fondamental. L’enseignement élémentaire est obligatoire(…)». L’article 26 §.2 précise que «l’éducation doit viser au pleine épanouissementde la personnalité humaine et au renforcement du respect des droits de l’homme etdes libertés fondamentales. Elle doit favoriser la compréhension, la tolérance etl’amitié entre toutes les nations et tous les groupes raciaux ou religieux, ainsi que ledéveloppement des activités desNationsUnies pour lemaintien de la paix». Le lien étroitentre droit à l’éducation et éducation aux droits de l’homme apparaît donc d’embléedans la Déclaration universelle. Cette interaction logique a été développée tant dans desobligations conventionnelles que par des programmes d’action.

2.1- Les Obligations ConventionnellesEn vertu de l’article 13 §.1 du Pacte international relatif aux droits économiques,

sociaux et culturels, les Etats «reconnaissent le droit de toute personne à l’éducation.Ils conviennent que l’éducation doit viser au plein épanouissement de la personnalitéhumaine et du sens de sa dignité et renforcer le respect des droits de l’homme etdes libertés fondamentales. Ils conviennent en outre que l’éducation doit mettretoute personne en mesure de jouer un rôle utile dans une société libre, favoriser lacompréhension, la tolérance et l’amitié entre toutes les nations et tous les groupesraciaux, ethniques ou religieux et encourager le développement des activités desNationsUnies pour lemaintien de la paix». LeComité des droits économiques, sociauxet culturels a fait un travail essentiel pour détailler la portée du droit à l’éducation,

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72 VANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1

avec son observation générale n°13, adoptée le 8 décembre 1999, reprenant à soncompte le schéma d’analyse du rapporteur spécial sur le droit à l’éducation, MmeTomasevski, pour mettre l’accent sur les quatre notions de «dotations» (availability),d’accessibilité, d’acceptabilité et d’adaptabilité 9.D’autres instruments internationaux font une place substantielle au droit à

l’éducation, avec l’article 5 e) v et surtout l’article 7 de laConvention pour l’éliminationde toutes les formes de discrimination raciale 10, l’article 10 de la Conventioninternationale sur l’élimination de toutes les formes de discrimination à l’égard desfemmes 11, les articles 28 et 29 de la Convention sur les droits de l’enfant 12, l’article 30de la Convention sur les droits de tous les travailleurs migrants et des membres de leurfamille, l’article 24 de la Convention relative aux droits des personnes handicapées,l’article 10 de la Convention contre la torture et l’article 23 de la Convention sur laprotection de toutes les personnes contre les disparitions forcées. Il faut faire touteleur place aux instruments de l’UNESCO, notamment l’article 5 de la Conventionconcernant la lutte contre la discrimination dans le domaine de l’enseignement. Ilen va de même avec les instruments régionaux, qui comportent des dispositionspertinentes sur le droit à l’éducation13.

2.2 - Les Initiatives InternationalesDe nombreuses initiatives ont été prises en matière d’éducation aux droits de

l’homme, dans le cadre de l’ONU et de l’UNESCO, comme la campagne mondialed’information sur les droits de l’homme lancée en 1988, mais c’est sans contestela Déclaration et programme d’action de Vienne de 1993 qui a donné une nouvelleimpulsion à ces efforts. Dans sa première partie, «La Conférence mondiale sur lesdroits de l’homme réaffirme que les Etats sont tenus, comme le stipulent la Déclarationuniverselle des droits de l’homme, le Pacte international relatif aux droits économiques,sociaux et culturels et d’autres instruments internationaux en la matière, de veillerà ce que l’éducation vise au renforcement du respect des droits de l’homme et deslibertés fondamentales. La Conférence souligne également à quel point il importe quela question des droits de l’homme ait sa place dans les programmes d’enseignementet invite les Etats à y veiller. L’éducation devrait favoriser la compréhension, latolérance, la paix et les relations amicales entre les nations et entre tous les groupesraciaux ou religieux et encourager le développement des activités menées par l’ONUpour atteindre ces objectifs. L’éducation en matière de droits de l’homme et ladiffusion d’une information appropriée, à la fois théorique et pratique, jouent un rôleimportant dans la promotion et en faveur du respect des droits de tous les individus,

9 E/CN.4/1999/49 et E/CN.4/2000/6.10 Cf. la recommandation générale XIII (1993) sur la formation des responsables de l’application des lois.11 Cf. la recommandation générale n°3 sur les programmes d’éducation et d’information.12 Cf. l’observation générale n°1 sur les buts de l’éducation.13 The United Nations Decade for Human Rights Education (1995-2004), n°3, The Right to Human Rights

Education, NewYork et Genève, 1999.

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sans distinction d’aucune sorte fondée sur la race, le sexe, la langue ou la religion,et cela devrait être pris en considération dans les politiques d’éducation aux niveauxaussi bien national qu’international» 14.

La seconde partie du document de Vienne donne la traduction pratique de cesengagements: «La Conférence mondiale sur les droits de l’homme estime quel’éducation, la formation et l’information en la matière sont indispensables à lapromotion de relations intercommunautaires stables et harmonieuses, ainsi qu’à lapromotion de la compréhension mutuelle, de la tolérance et de la paix. Les Etatsdevraient s’efforcer d’éliminer l’analphabétisme et orienter l’éducation vers leplein épanouissement de la personne et le renforcement du respect des droits del’homme et des libertés fondamentales. La Conférence mondiale sur les droits del’homme invite tous les Etats et institutions à inscrire les droits de l’homme, ledroit humanitaire, la démocratie et la primauté du droit au programme de tous lesétablissements d’enseignement de type classique et autre.L’éducation en matière dedroits de l’homme devrait porter sur la paix, la démocratie, le développement et lajustice sociale, comme prévu dans les instruments internationaux et régionaux relatifsaux droits de l’homme afin de susciter une compréhension et une prise de consciencequi renforcent l’engagement universel en leur faveur»15.La Conférence de Vienne recommande une série de mesures concrètes,

commel’élaboration de programmes et de stratégies nationales, en tenant compte enparticulier des besoins des femmes à cet égard. Elle vise également «l’enseignementspécifique des normes énoncées dans les instruments internationaux relatifs aux droitsde l’homme et dans le droit humanitaire et leur application à des groupes donnéstels que les forces armées, les responsables de l’application des lois, le personnelde la police et les spécialistes de la santé»16. Elle préconise la proclamation d’uneDécennie des Nations Unies pour l’éducation en matière de droits de l’homme afin depromouvoir, d’encourager et de mettre en relief ce type d’activités.La Décennie des Nations Unies pour l’éducation dans le domaine des droits

de l’homme (1995-2004) a suscité beaucoup d’espoirs et permis de nombreusesréalisations17, mais à l’évidence l’éducation aux droits de l’homme doit rester unepriorité à long terme de l’agenda international et susciter une mobilisation permanentede tous les acteurs concernés. C’est le sens du Programme mondial d‘éducation dans ledomaine des droits de l’homme qui a débouché sur un premier plan d’action, consacréà l’éducation primaire et secondaire qui couvraitinitialement les années 2005-2007mais a été prolongé de deux ans18. La résolution 12/4 du 1er octobre 2009 du Conseildes droits de l’homme vient de fixer l’axe des activités de la deuxième phase du

14 A/CONF.157/24, I, §.33.15 A/CONF.157/24, II, D Education en matière de droits de l’homme, §§.78-80.16 Idem, §.82.17 La Décennie des Nations Unies pour l’éducation dans le domaine des droits de l’homme, 1995-2004,

Orientations pour la vie, Nations Unies, NewYork et Genève, 1998. Pour un bilan des «succès et des échecsde la Décennie», E/CN.4/2003/101 et 3/CN.4/2004/93.

18 A/51/506/Add.1.

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programme mondial d’éducation dans le domaine des droits de l’homme, à compterdu 1er janvier 2010.

3 - Le Projet de Déclaration sur l’Éducation et la Formation aux Droits de l’Homme

C’est dans ce contexte que se situe l’initiative du Conseil des droits de l’hommechargeant le Comité consultatif d’élaborer un projet de Déclaration sur l’éducationet la formation aux droits de l’homme. Dès l’origine le Comité consultatif a viséà faire œuvre utile, en préparant un texte pratique, fondé sur les bases juridiquesqui viennent d’être rappelées et orientés sur des réalisations concrètes. L’objectifdu Comité consultatif est de mettre au point un «outil de travail» pour toutes lesparties prenantes, en rappelant les principes de base et les priorités générales du droità l’éducation et à la formation aux droits de l’homme, avant de mettre l’accent sur lesmesures d’application, l’évaluation et le suivi des efforts entrepris, aussi bien sur leplan interne que dans le cadre international. L’idée d’un document relativement brefet accessible à tous s’est imposée, avec la distinction entre une déclaration-cadre deportée générale et des volets plus techniques, concernant des domaines particulierspouvant être développés dans un deuxième temps.

3.1 - La Nature de l’Éducation aux Droits de l’HommeCe travail d’élucidation implique de faire quelques précisions terminologiques

et de rappeler une série de définitions. En créant le Conseil des droits de l’homme,l’Assemblée générale lui a confié la tâche, inter alia, de «promouvoir l’éducationet la formation dans le domaine des droits de l’homme (..)»19. La version anglaisede la résolution 60/251 utilise les termes d’«education and learning». Or, dans sarésolution 6/10, le Conseil des droits de l’homme, après avoir visé son propre mandatau 3ème considérant, charge le Comité consultatif d’élaborer un projet de déclarationdes Nations Unies sur l’éducation et la formation aux droits de l’homme», qui devientdès le titre tout au long de la version anglaise «education and training», sauf leconsidérant qui paraphrase la résolution 60/251 et reste «education and learning»…Cette difficulté terminologique est renforcée par les récentes résolutions de

l’Assemblée générale concernant une «année internationale de l’apprentissage desdroits de l’homme», soit en anglais «human rights learning», institué à l’occasion du60ème anniversaire de la Déclaration universelle20. Dans la dernière version connue dunouveau projet de résolution soumis à la 3ème Commission de l’Assemblée générale,les auteurs insistent eux-mêmes «sur la complémentarité de l’apprentissage des droitsde l’homme et de l’éducation aux droits de l’homme» (between human rights learningand human rights education) avant de «recommande[r] que le Conseil des droits del’homme intègre l’apprentissage des droits de l’homme à l’élaboration du projet dedéclaration des Nations Unies sur l’éducation et la formation aux droits de l’homme,

19 A/RES/60/251, §.5 a).20 A/RES/62/171.

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sachant que cette initiative vient en complément du Programme mondial d’éducationdans le domaine des droits de l’homme» 21.Sur le fond, le rapporteur considère que les notions d’enseignement, de formation,

d’éducation, de sensibilisation ou d’apprentissage sont complémentaires et dépendentdu point de vue de l’enseignant ou de l’enseigné, ainsi que des méthodes utilisées,passives ou interactives. En ce sens l’apprentissage peut sembler assez réducteuret vise des techniques ou des réflexes, autrement dit un simple «savoir-faire», là oùl’enseignement a pour objet la transmission des connaissances, un «savoir», et oùl’éducation de manière encore plus large intègre des attitudes et des valeurs sociales,débouchant sur une véritable «culture des droits de l’homme» 22.Mais ces définitionsévoluentdans le temps, comme lemontre ledébat classiqueentre«instructionpublique»et «éducation nationale» qui a dominé la question scolaire en France pendant plus d’unsiècle 23. A fortiori ces définitions peuvent varier selon les expériences nationales, sansparler des difficultés de traduction d’une langue à l’autre.Plus pertinentes sont les distinctions établies par l’UNESCO entre éducation

formelle, non formelle et informelle, en visant le cadre scolaire et la formationprofessionnelle, d’une part, les activités extra-curriculaires des adultes d’autre part,et enfin les activités développées en dehors du système éducatif par les ONG 24.Autrement dit, on passe de la formation à l’information et à la sensibilisation. Parailleurs, il faudrait intégrer les perspectives introduites par les nouvelles technologiesde l’information.Après une conception verticale de l’information et un développementhorizontal des réseaux dela communication, nous voyons apparaître des nébuleusesde diffusion sans véritable centre de régulation, ce qui constitue un défi inédit pour lesdroits de l’homme.Pour s’en tenir à l’essentiel, on peut se référer à la définition synthétique donnée

par les Nations Unies lors du lancement de la Décennie pour l’éducation dans ledomaine des droits de l’homme: «On entend par enseignement des droits de l’hommeles activités de formation et d’information visant à faire naître une culture universelledes droits de l’homme en inculquant les connaissances, les qualités et les attitudes denature à: a) renforcer le respect des droits de l’homme et des libertés fondamentales;b) assurer le plein épanouissement de la personnalité humaine et le sens de sa dignité;c) favoriser la compréhension, la tolérance, l’égalité des sexes et l’amitié entre toutesles nations, les populations autochtones et les groupes raciaux, nationaux, ethniques,religieux et linguistiques; d) mettre toute personne en mesure de jouer un rôle utiledans une société libre; e) contribuer aux activités des Nations Unies dans le domainedu maintien de la paix» 25.

21 A/C.3/64/L.33/Rev.1, §.4.22 Cf. les Principes directeurs de l’UNESCO pour l’éducation interculturelle, UNESCO, Paris, 2006.23 Antoine Léon, Histoire de l’enseignement en France, collection que sais-je? (n°393), Paris, PUF, 1967.24 Cette définition est donnée dans la note 3 du §.27 de l’annexe du Plan d’action, Plan of Action, World

programme for Human Rights Education, Fist Phase, ONU et UNESCO,NewYork et Genève, 2006.25 Rapport du Haut-Commissariat aux droits de l’homme,A/51/506/Add.1

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Sur le terrain procédural, il conviendra au Conseil des droits de l’homme lui-mêmede décider comment intégrer au mieux les préoccupations de l’Assemblée généraledont il est un organe subsidiaire. A ce stade, plusieurs options semblent possibles:

• élargir la dénomination du projet de déclaration pour viser«l’éducation, la formation et l’apprentissage des droits de l’homme»,l’énumération pouvant sembler peu heureuse en introduisant undecrescendo dans la portée des termes employés;• adopter le terme le plus large en parlant de «l’éducation aux droits de

l’homme», en précisant que ce terme englobe tous les autres, ce quiaurait l’avantage d’alléger la rédaction de la Déclaration en évitantla répétition de mots valise;• maintenir le statu quo conformément au mandat donné au Comité

consultatif, en laissant au Conseil des droits de l’homme, voire àl’Assemblée générale le soin de trancher.

Reste que la question relève semble-t-il avant tout d’un malentendu de traduction,prolongé par un manque de communication entre les initiatives prises à Genève et àNew York, plus que d’un débat de fond sur la nature et la portée de l’éducation auxdroits de l’homme.

3.2 - La Portée du Droit à l’Éducation aux Droits de l’HommeLe droit à l’éducation aux droits de l’homme n’est pas un droit nouveau, c’est une

des composantes du droit à l’éducation, tels qu’il a été consacré par les instrumentsinternationaux et régionaux. Il ne s’agit pas d’une simple option, relevant duvolontarisme desEtats,mais bien d’une obligation juridique dérivant de la consécrationdu droit à l’éducation en tant que tel, dans de nombreux instruments internationaux.Cette obligation générale se décline, selon les formules désormais bien établies à lasuite des études classiques de M. Asjbörn Eide, dans desobligations de respecter, deprotéger et de mettre en œuvre le droit garanti. Autrement dit l’Etat n’a pas seulementdes obligations négatives – notamment celle de respecter le rôle des «parents [qui]ont, par priorité, le droit de choisir, le genre d’éducation à donner à leurs enfants»,selon le principe de l’article 26 §.3 de la Déclaration universelle. L’Etat a égalementune série d’obligations positives, pour garantir l’effectivité du droit à l’éducation auxdroits de l’homme.Il en va de même de manière plus spécifique pour le droit humanitaire, les Etats

parties aux Conventions de Genève s’engageant «à respecter et à faire respecter»ces conventions «en toutes circonstances». Ainsi, «Les Hautes Parties contractantess’engagent à diffuser le plus largement possible, en temps de paix comme en tempsde guerre, le texte» des conventions «dans leurs pays respectifs, et notamment à enincorporer l’étude dans les programmes d’instruction militaire et si possible civile,de telle manière que les principes en soient connues de l’ensemble de leurs armées et

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de la population»26.L’article 83 §.1 du premier Protocole additionnel va plus loin, envisant l’ensemble des Conventions et le protocole lui-même avec l’engagement d’«enencourager l’étude par la population civile de telle manière que ces instruments soientconnues des forces armées et de la population civile». L’article 83 §.2 institue uneobligation de résultat:«Les autoritésmilitaires ou civiles qui en période de conflit armé,assumeraient des responsabilités dans l’application des Conventions et du présentProtocole devront avoir une pleine connaissance du texte de ces instruments».De la même manière, divers instruments internationaux mettent l’accent sur les

obligations des Etats en matière de formation professionnelle. Selon l’article 10 §.1de la Convention contre la torture: «Tout Etat partie veille à ce que l’enseignementet l’information concernant l’interdiction de la torture fassent partie intégrante de laformation du personnel civil ou militaire chargé de l’application des lois, du personnelmédical, des agents de la fonction publique et des autres personnes qui peuventintervenir dans la garde, l’interrogatoire ou le traitement de tout individu arrêté,détenu ou emprisonné» de quelque façon que ce soit».La récente Convention pour laprotection de toutes les personnes contre les disparitions forcées développe la mêmelogique à son article 23: «Tout Etat partie veille à ce que la formation du personnelmilitaire ou civil chargé de l’application des lois, du personnel médical, des agentsde la fonction publique et des autres personnes qui peuvent intervenir dans la gardeou le traitement de toute personne privée de liberté puisseinclure l’enseignement etl’information nécessaires (…)».L’obligation découlant de l’article 7 de la Convention sur l’élimination de toutes les

formes de discrimination est encore plus large en visant la sensibilisation de société dansson ensemble: «Les Etats s’engagent à prendre des mesures immédiates et efficaces,notamment dans le domaine de l’enseignement, de l’éducation, de la culture et del’information, pour lutter contre les préjugés conduisant à la discrimination raciale etfavoriser la compréhension, la tolérance et l’amitié entre les nations et groupes raciauxet ethniques, ainsi que pour promouvoir les buts et les principes de la Charte des NationsUnies, de la Déclaration universelle des droits de l’homme (…)». L’article 8 de la récenteConvention relative aux droits des personnes handicapées va encore plus loin enprévoyantque «Les Etats s’engagent à prendre des mesures immédiates, efficaces et appropriéesen vue de: a) sensibiliser l’ensemble de la société, y compris au niveau de la famille, à lasituation des personnes handicapées et promouvoir le respect des droits et de la dignité despersonnes handicapées (…)». Diverses mesures de «sensibilisation» sont évoquées, quiconcernent notamment «tous les niveaux du système éducatif», les medias.Le droit à l’éducation aux droits de l’homme est un droit fondamental, en ce sens

qu’il est à la base de l’ensemble des droits de l’homme en permettant l’exercice effectifde ces droits par toute personne, en connaissance de cause. C’est parce que chacunconnaît ses droits et des obligations qu’il est à même de respecter et de faire respecterl’ensemble des droits de l’homme internationalement reconnu. Tout en rappelant

26 Article 127 «Diffusion de la Convention» de la 3ère Convention de Genève de 1949, cf. mutatis mutandis,article 47 de la 1ère Convention,article 70 de la 2ème Convention, article 144 de la 4ème Convention..

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que «l’éducation en matière de droits de l’homme [joue] un rôle important dans lapromotion et en faveur du respect des droits de tous les individus, sans distinctiond’aucune sorte fondée sur la race, le sexe, la langue ou la religion (…) la Conférencemondiale sur les droits de l’homme note que le manque de ressources et la faiblessedes institutions peuvent faire obstacle à la réalisation immédiate de ces objectifs»27. Laplace centrale de l’éducation aux droits de l’homme devrait être renforcée en faisantun véritable droit en rappelant la responsabilité première de l’Etat dans sa réalisationainsi que la contribution tous les individus et tous les organes de la société dans samise en œuvre effective.Au-delà des affirmations de principe sur la portée du droit à l’éducation et son

corollaire l’éducation aux droits de l’homme, l’enjeu essentiel est l’effectivité de cedroit, à travers une mobilisation de toutes les parties prenantes. C’est assez dire quela réalisation de ce droit implique une prise de conscience et une «appropriation» parses destinataires, en renforçant par la même les «capabilités» (capabilities) de chaquepersonne, à travers le développement de la jouissance de l’ensemble de ses droits. Ence sens, le lien établi dès la Déclaration universelle entre «le plein épanouissement dela personnalité humaine et [le] renforcement du respect des droits de l’homme» estparticulièrement fort. Ce n’est pas une simple juxtaposition, c’est une dialectique quiest au cœur du droit à l’éducation.

cd

Pour conclure, il faut souhaiter que le projet de Déclaration qui figure en annexe,une fois qu’il sera mis au point par le Comité consultatif, continue de faire l’objetd’une large consultation pour permettre son appropriation par l’ensemble des partiesprenantes.Dans l’esprit du groupe de rédaction, la mission du Comité consultatif, en tant

qu’organe collégial d’experts compétents et indépendants, est non seulement depermettre la recherche du consensus dans un travail collectif de longue haleine entredes membres venus de tous les horizons,avec l’exigence,la cohérence et la continuitéque garantit sa composition, mais également d’interagir très largement avec tous lesprotagonistes en matière d’éducation aux droits de l’homme, les pouvoirs publicset les organisations internationales, comme les institutions nationales et les ONG.C’est en assurant cette vision d’ensemble et en l’inscrivant dans la longue duréeque le Comité consultatif peut apporter sa valeur ajoutée et dépasser les initiativesponctuelles et cloisonnées pour contribuer à promouvoir l’effectivité d’un véritable«droit à l’éducation aux droits de l’homme», conformément aux deux piliers del’article 26 de la Déclaration universelle.Il paraît indispensable que le projet adopté par le Comité consultatif ainsi que

son rapport explicatif soit traduit dans toutes les langues de travail des Nations

27 Op.cit., I, §.33.

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Unies afin d‘être largement diffusé en vue de cette large consultation de l’ensembledes parties prenantes, avant la 13ème session du Conseil des droits de l’homme. Ilserait également opportun que le Comité consultatif soit étroitement associé, sousdes formes que le Conseil jugera appropriées, à la poursuite de l’exercice en courset continue le travail de réflexion, de consultation et de sensibilisation dont il a étéchargé. A l’instar du séminaire de Marrakech, d’autres initiatives utiles pourraientêtre prises, en marge de la prochaine session du Conseil des droits de l’homme, ainsique le Conseil le préconise lui-même dans sa déclaration 12/118 du 1er octobre 2009,lorsqu’il «accueille favorablement les diverses initiatives visant à faire avancerles discussions sur le projet de déclaration des Nations Unies sur l’éducation etla formation aux droits de l’homme». Ce processus de maturation collective doits’inscrire dans la durée et la continuité28.

cd

Annexe

Avant-Projet de Déclaration sur l’Éducation et la Formation aux Droitsde l’Homme Révisé par le Rapporteur du Groupe de Rédaction du ComitéConsultatif du Conseil des Droits de l’omme29, rev.7 (1/12/2009)

1) Ayant à l’esprit la Charte des Nations Unies qui charge l’Assemblée générale de«développer la coopération internationale dans les domaines (…) de la cultureintellectuelle et de l’éducation et faciliter pour tous sans distinction de race,de sexe, de langue ou de religion, la jouissance des droits de l’homme et deslibertés fondamentales»;

2) Rappelant la Déclaration universelle des droits de l’homme qui a fixé «l’idéalcommun à atteindre par tous les peuples et toutes les nations afin que tous lesindividus et tous les organes de la société, ayant cette Déclaration constammentà l’esprit s’efforcent par l’enseignement et l’éducation, de développer le respectde ces droits et libertés et d’en assurer, par des mesures progressives d’ordrenational et international, la reconnaissance et l’application universelles eteffectives (…)»;

3) Se fondant sur l’article 26 de la Déclaration universelle des droits de l’hommequi affirme à son §.1 que « toute personne a droit à l’éducation », en précisantnotamment à son §.2 que « l’éducation doit viser au plein épanouissement de

28 La 13ème session ordinaire du Conseil des Droits de l’homme qui débute en Mars 2010 va êtredécisive: le 02 mars il aura un premier débat de haut-niveau et le 16 mars il aura une discussion sur lepoint 5. A la fin du mois de mars, leConseil va adopter une résolution quipourra changer le projet duComité Consultatif en annexe.

29 A/HRC/AC/4/L.2 in: http://ap.ohchr.org/documents/F/AC/d_res_dec/A_HRC_AC_4_L_2.pdf

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la personnalité humaine et au renforcement du respect des droits de l’homme etdes libertés fondamentales » ;

4) Réaffirmant que, comme le disposent la Déclaration universelle des droits del’homme ainsi que le Pacte international relatif aux droits économiques, sociauxet culturels et les autres instruments relatifs aux droits de l’homme, les Etatssont tenus de veiller à ce que l’éducation vise au renforcement du respect desdroits de l’homme et des libertés fondamentales;

5) Conscients de leurs engagements internationaux, en vertu des différents traitésuniversels et régionaux relatifs aux droits de l’homme, et de divers instrumentsinternationaux;

6) Conscients en particulier de la Déclaration et programme d’action de laConférence mondiale de Vienne de 1993visant la mise en oeuvre du droità l’éducation, à la fois comme un droit inhérent à la dignité de la personnehumaine, et comme un moyen de promouvoir et faire respecter l’ensemble desdroits de l’homme;

7) Soulignant que La Conférence mondiale sur les droits de l’homme a invité «tousles Etats et institutions à inscrire les droits de l’homme, le droit humanitaire,la démocratie et la primauté du droit au programme de tous les établissementsd’enseignement», en indiquant que «l’éducation en matière de droits del’homme devrait porter sur la paix, la démocratie, le développement et la justicesociale, comme prévu dans les instruments internationaux et régionaux relatifsaux droits de l’homme, afin de susciter une compréhension et une prise deconscience qui renforcent l’engagement universel en leur faveur»;

8) Prenant en compte les progrès accomplis lors de la Décennie sur l’éducation auxdroits de l’homme (1995-2004) et du Programme mondial pour l’éducation auxdroits de l’homme à travers la mise en œuvre du premier Plan d’action de 2005prorogé jusqu’en 2009 et du lancement d’un nouvelle phase du Programmemondial pour les années 2010-2014;

9) Encourageant la mise en œuvre effective des objectifs fixés pour 2015 par laDéclaration du Millénaire notamment l’égal accès des filles et des garçons àtous les niveaux de l’éducation;

10) Rappelant la Déclaration sur le droit et la responsabilité des individus, groupeset organes de la société de promouvoir et protéger les droits de l’homme et leslibertés fondamentales universellement reconnus;

11) Ayant à l’esprit les nombreuses initiatives prises dans le cadre des NationsUnies, de l’UNESCO et d’autres organisation internationales et régionales,ainsi que dans le cadre interne, par les pouvoirs publics aussi bien que par lesorganes de la société civile;

12) Rappelant le Document final du Sommet mondial de 2005 où les chefs d’Etat etde gouvernement soutiennent «la promotion de l’éducation et de la vulgarisationen matière de droits de l’homme à tous les niveaux, notamment dans le cadre du

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Programmemondial d’éducation dans le domaine des droits de l’homme, et (…)encourag[ent] tous les Etats à prendre des initiatives à cet égard».

13) Rappelant la résolution de l’Assemblée générale 60/251 qui crée le Conseildes droits de l’homme et particulièrement on paragraphe 5 a) qui mentionnel’importance de l’éducation et de la formation aux droits de l’homme;

14) Rappelant les résolutions de l’Assemblée générale 62/171 et du Conseil desdroits de l’homme A/HRC/12/4 relatives à l’éducation et à la formation auxdroits de l’homme;

15) Soucieuxde renforcer les efforts entrepris et de favoriseruneprisedeconscienceet un engagement collectif de toutes les parties prenantes, en donnant une vued’ensemble, cohérente et concrète, des principes directeurs devant guider laréalisation effective de l’éducation et à la formation aux droits de l’hommepour tous, sans distinction aucune ;

16) Unis par la volonté de donner à la communauté internationale un signal fortde l’importance fondamentale de l’éducation et de la formation aux droits del’homme pour la promotion et la protection des droits de l’homme;

[L’Assemblée générale]

Déclare

Première Partie: Définitions et Principes

1) L’éducationetlaformationauxdroitsdel’hommesedéfinissentcommel’ensembledes activités d’éducation, de formation, d’information et d’apprentissage visantà inculquer une culture universelle des droits de l’homme.

2) Le droit à l’éducation et à la formation aux droits de l’homme est un droitfondamental, inhérent à la dignité de la personne humaine et intiment liée à lajouissance effective de l’ensemble des droits de l’homme, conformément auxprincipes de l’universalité, de l’indivisibilité et de l’interdépendance des droitsde l’homme.

3) L’éducation et la formation aux droits de l’homme sont une composanteessentielle du droit à l’éducation pour tous, tel qu’il est consacré aussi bien dansle cadre international et régional que dans le droit interne des différents Etats.Elles sont indissociables de la pleine mise en œuvre du droit à l’éducation,en particulier de la réalisation effective d’une éducation primaire, gratuite etobligatoire, et de la généralisation d’une éducation de base pour tous, y comprisles personnes illettrées.

4) L’éducation et la formation aux droits de l’homme nécessitent une éducationde qualité, fondée sur les principes de la Déclaration universelle des droits del’homme et les autres instruments pertinents:

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a) visant l’effectivité de l’ensemble des droits civils, culturels, économiques,politiques et sociaux, en faisant des droits de l’homme le vecteur etl’objectif de l’éducation et de la formation;

b) visant à développer une culture universelle des droits de l’homme,permettant à chacun d’être conscient de ses propres droits et de sesobligations à l’égard des droits d’autrui et favorisant le développementde la personne comme membre responsable d’une société libre, dans lepluralisme et la tolérance;

c) visant à assurer une égalité des chances, à travers un accès à l’éducationpour tous, sans discrimination aucune.

5) L’éducation et la formation aux droits de l’homme sont fondées sur le principed’égalité, en particulier l’égalité entre les filles et les garçons, l’égalité entre lesfemmes et les hommes.

6) L’éducation et la formation aux droits de l’homme doivent pleinement prendreen compte les groupes vulnérables, en assurant l’accès effectif à l’éducationde base, comme à l’éducation aux droits de l’homme, afin d’éliminer lescauses d’exclusion ou de marginalisation et de permettre à chacun d’exercereffectivement l’ensemble de ses droits.

7) L’éducation et la formation aux droits de l’homme doivent également prendreen compte les besoins spécifiques des peuples autochtones comme ceux despersonnes appartenant à des minorités nationales, ethniques et linguistiques.

8) L’éducation et la formation aux droits de l’homme concernent tous les niveaux– pré-scolaire, primaire, secondaire et universitaire – et toutes les formesd’éducation, de formation et d’apprentissage, que ce soit dans le cadre formel,informel, non-formel dans le secteur public comme dans le secteur privé.Ellesincluent la formation professionnelle, notamment la formation des formateurs,l’éducation permanente, l’éducation populaire, l’information et la sensibilisationdu grand public.

9) L’éducation et la formation aux droits de l’homme constituent un processuspermanent, qui commence dès l’âge scolaire et pré-scolaire, vise tous les âgesde la vie, toutes les situations et toutes les composantes de la société.

10) L’éducation et la formation aux droits de l’homme doivent s’enrichir de ladiversité des civilisations, des cultures et des traditions qui contribuent àl’universalité des droits de l’homme.

11) L’éducation et la formation aux droits de l’hommedoivent employer un langageadapté aux publics visés et prendre en compte les besoins fondamentaux dela population, en mettant l’accent sur l’interdépendance de tous les droits del’hommepour devenir un levier du développement.

12) L’éducation et la formation aux droits de l’homme sont étroitement liées à lamise en œuvre du droit à l’information. Elles doivent favoriser l’accès et laparticipation de chacun au développement des medias, notamment la presse,

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la radio et la télévision, et le renforcement de la fonction pédagogique de cesdifférents medias.

13) L’éducation et la formation aux droits de l’hommedoivent intégrer lesperspectives de l’ère numérique afin d’encourager le développement denouveaux espaces pédagogiques et favoriser la solidarité numérique au serviced’une égalité effective dans l’accès aux technologies de l’information et de lacommunication.

14) L’éducation et la formation aux droits de l’homme impliquent un lien étroitentre l’école, la famille, les communautés de base et la société dans sonensemble, afin de créer un environnement favorable à la promotion et à laprotection des droits de l’homme, et d’éradiquer la violence familiale, enparticulier à l’ égard des femmes et des filles, et les autres formes de violencesociale, comme la violence en milieu scolaire.

Deuxième Partie: Mesures de Mise en Ouvre et Suivi dans l’Ordre Interne

15) L’éducation et la formation aux droits de l’homme incombent à la responsabilitépremière de l’Etat qui doit le respecter, le protéger et le mettre en œuvre.L’Etat n’a pas seulement l’obligation de respecter le droit à l’éducation età la formation aux droits de l’homme, et de respecter l’ensemble des droitsde l’homme, il a également l’obligation d’incorporer les normes universellesdans son droit et de mener des politiques positives pour mettre en œuvre sesengagements en matière d’éducation et de formation aux droits de l’homme,à travers ses institutions et ses agents, et de déterminer le cadre de l’actiond’autres entités publiques ou de personnes privées en fixant des garantiesminimales et en favorisant les meilleures pratiques.

16) L’Etat a une responsabilité première pour la réalisation effective de ce droit àl’égard des groupes vulnérables susmentionnés, en mobilisant ses moyens surla base des critères de l’accessibilité, l’acceptabilité, la dotation adéquate etl’adaptabilité de l’éducation et de la formation.

17) L’Etat a également une responsabilité propre s’agissant de la formationinitiale et permanente de ses agents, notamment les magistrats, les policiers,les gardiens de prison, et l’ensemble des agents d’application de la loi. Il doitégalement veiller à une formation adéquate des membres de ses forces arméeset des corps en uniforme, intégrant le droit international humanitaire et le droitinternational pénal. Il doit aussi se préoccuper des personnels privés exerçantdes responsabilités de puissance publique.

18) L’éducation et la formation aux droits de l’homme qui sont un importantfacteur de démocratisation et de savoir partagé, doivent bénéficier d’unevolonté politique forte, clairement manifestée à travers une stratégie nationaled’ensemble, une mobilisation des moyens humains et financiers, avec desengagements précis et des objectifs concrets.

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84 VANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1

19) Lapleine réalisation d’une telle stratégie nationale, élaborée en fonction desbesoins et des priorités du pays, implique une coordination interministérielleeffective, ainsi que le renforcement des Institutions nationales de protection etde promotion des droits de l’homme qui peuvent jouer un rôle particulièrementutile d’initiative, de sensibilisation et de mobilisation auprès de tous les acteurspublics et privé.

20) La conception, la mise en œuvre et le suivi de cette stratégie doivent associertoutes les parties prenantes, notamment les organes de la société civile, enfavorisant le cas échéant des coalitions « multi-acteurs ».

21) L’éducation et la formation aux droits de l’homme nécessitent la mobilisationdes pouvoirs publics, en particulier les pouvoirs locaux, ainsi que de tous lesorganes de la société, la société civile comme le secteur privé. Les différentsacteurs de la société civile, les institutions religieuses, lemouvement associatif,les ONG, les syndicats, les associations professionnelles, les éducateurs et lesparents d’élèves ont également un rôle indispensable à jouer. Les entreprisesnotamment les entreprises multinationales, les institutions et industriesculturelles, les medias et les nouveaux medias devraient assumer pleinementleur responsabilité en matière d’éducation et de formation aux droits del’homme.

22) L’éducation et la formation aux droits de l’homme doivent s’inscrire dansla durée, leur mise en œuvre effective passe par des efforts progressifset continus, menés avec des objectifs à long terme; Ils doivent partir de labase et viser la participation de chacun et le renforcement de ses capacités(capabilities), en tenant compte de la diversité des situations économiques,sociales et culturelles, en favorisant les initiatives locales afin d’encouragerune appropriation du projet collectif.

23) Une évaluation permanente des actions entreprises dans le cadre national estindispensable pour l’effectivité de l’éducation et de la formation aux droits del’homme, à travers la mise en place de tableaux de bord, d’objectifs concretset d’indicateurs quantitatifs et qualitatifs.

24) Le progrès del’éducation et dela formation aux droits de l’homme est nourripar la recherche théorique et pratique, à travers les sciences de l’éducation etla pédagogie comme à travers le droit international des droits de l’homme,grâce à la coopération et la mise en réseau des instituts spécialisés et descentres de recherche, afin de favoriser la définition de concepts communs et deméthodes pédagogiques. La prospective, et notamment la prise en compte destechnologies de l’information et de la communication, devrait trouver toute saplace dans la recherche pluridisciplinaire.

25) La garantie des libertés académiques et la protection des droits de l’homme despersonnes en charge de l’éducation et de la formation aux droits de l’homme, entant que défenseurs des droits de l’homme, nécessite une vigilance particulière,que ce soit dans le secteur formel, informel ou non-formel.

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L’Éducation et la Formation aux Droits de l’HommeLa Construction du Droit International: un Processus de Maturation Collective

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26) L’éducation et la formation aux droits de l’homme devraient puiser dansles richesses culturelles et traditionnelles des différents pays. Les formesartistiques, telles que le théâtre, la musique, les arts graphiques et la créationaudio-visuelle devraient être encouragées en tant que vecteurs de formation etde sensibilisation aux droits de l’homme.

27) L’éducation et la formation aux droits de l’homme constituent un enjeu de lacommunication.A ce titre elles devraient être mises en valeur sur le terrain desnouvelles technologies, à travers des campagnes de sensibilisation adaptées aumonde des réseaux, pour lutter contre les stéréotypes et les discours de haine.

Troisième Partie: Mesures de Mise en Ouvre et Suivi dans l’Ordre International

28) L’ONU doit promouvoir l’éducation et la formation aux droits de l’hommeauprèsde sespersonnels civils etmilitaires.Elle aune responsabilité particulièredans les situations de crise, pour faire de l’éducation et de la formation auxdroits de l’homme une priorité des programmes de consolidation de la paixet de reconstruction de l’Etat, y compris de l’état de droit et de la culturedémocratique.

29) Les organisations internationales et régionales doivent promouvoir l’éducationet la formation aux droits de l’homme auprès de leurs personnels civils etmilitaires. Elles doivent, dans leur sphère de compétence, intégrer l’éducationet la formation aux droits de l’homme dans leurs activités et leurs programmesde coopération.

30) La coopération internationale, sur le plan multilatéral ou bilatéral, etnotamment la coopération décentralisée, devraient appuyer et renforcer lesefforts nationaux, à travers des mesures incitatives et des expériences pilotes.

31) La pleine réalisation de l’éducation et de la formation aux droits de l’hommenécessite la complémentarité des efforts internationaux, régionaux, nationauxet locaux, dans un souci permanent de coordination, de cohérence, de synergieet d’interdépendance.

32) La création d’un Fonds volontaire international pour l’éducation et la formationaux droits de l’homme devrait contribuer au financement d initiatives et deprojets novateurs sur le terrain.

33) Un Observatoire international de à l’éducation et de la formation aux droits del’homme pourrait également être mis en place pour faciliter la mise en œuvreet le suivi de la présente déclaration.

34) Le suivi international de la pleine réalisation de l’éducation et de la formationaux droits de l’homme passe par la ratification universelle des instrumentsinternationaux relatifs aux droits de l’homme et lamise enœuvre d’un véritablemainstreaming par les différents organes et mécanismes compétents.

35) Les organes conventionnels devraient notamment adopter des observationsgénérales au sujet de l’éducation et de la formation aux droits de l’homme,

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si ce n’est déjà fait, et mettre systématiquement l’accent sur l’éducation etla formation aux droits de l’homme dans les questions adressées aux Etatscomme dans les observations finales.

36) L’éducation et la formation aux droits de l’homme devraient égalementtrouver toute leur place dans l’Examen périodique universel du Conseildes droits del’homme, à travers les directives concernant les informationsrequises, comme dans les engagements et les recommandations formulées. Leprocessus pourrait être renforcé, en associant des experts à l’évaluation desprogrès accomplis.

37) Des « ambassadeurs de bonne volonté », à l’échelle internationale ou nationale,personnalités, artistes, sportifs, pourraient également contribuer utilement àdiffuser la culture des droits de l’homme auprès de publics très différents.

Quatrième partie: Dispositions Complémentaires

38) Laprésentedéclaration-cadre,quiviseàdéfinirun tronccommunpourmobiliserles efforts des Etats et de toutes les parties prenantes, devrait trouver sonprolongement dans des développements thématiques plus spécifiques, portantsoit des secteurs particuliers (medias, TIC), soit des groupes cibles (professionsde santé, police et forces armées), soit des groupes vulnérables…

39) Un processus de réévaluation de la déclaration-cadre sera effectué, sur unebase périodique, afin de s’assurer de sa pertinence et de son actualité.

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Antigone, Power and Diplomacy 87

Antigone, Power and Diplomacy

Fernando g. reis1

“War, it was said, was the extension of diplomacy by othermeans. Modern weapons make recourse to war suicidal. It isthus not a question of giving diplomacy a chance. Diplomacyis the only chance we have.” - Drew Middleton (1955)

ResumoO presente artigo, de forma crítica e inovadora, vez que se utiliza da tragédia

Antígona de Sófocles como elemento literário de reflexão, trata do papel daDiplomaciafrente à questão das armas nucleares no mundo contemporâneo.

AbstractThis article deals with the role of Diplomacy in the nuclear weapons age in a

critical and innovative perspective that utilizes the Sophocles’Antigone tragedy as aliterary tool of reflection.

cd

The question of nuclear weapons is back in the press front pages. Not surprisingly, thereis much talk again about international community, whatever it is. Diplomacy will have achance?We cannot tell right now and I do not intend to focus on the international situationas such, important as it is.2 This is one of those moments when it is urgent to wait.Meanwhile we may indulge ourselves, if you will, in remembering Sophocles’

Antigone, not just because it is a classic but because it is quite relevant today. It providesmany lessons and the best evidence is the reception of the play throughout almost 2,500years, since its first presentation around 441 BC. It has proven rich enough to pleasedifferent tastes and to offer in each case the message that is needed.3

There is a wide consensus that Antigone is a perfect tragedy, that unique humamcreationwhich symbolizesAthens evenmore thanphilosophy,which started elsewhere.Perfect: out of six named characters, five die. It is a high rate. Fate, like a shadow,continues to haunt Thebes. The apple of discord, so to speak, is an untouchable corpse

1 Diplomat. Former Director General of the Brazilian Diplomatic Academy (Instituto Rio Branco / M.R.E.).Ambassador to Japan (1996-2001). Published in 2004 the novel “Falta um Cão na Vida de Kant”.

2 This paper was finished on 21st May, 2010.3 Antigones , George Steiner (1987). The Spanish translation of the book carries a subtitle which is faithful to

Steiner’s tour de force: La travessia de un mito universal por la historia de Occidente.

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– because of it uncontrolled energies are released in a dynamic of conflicts. The samesituation often happens in the theater of international relations – the label changes butessentially it is the same corpse (issue sounds more aseptic in the case).Misfortune is hardly a surprise in a tragedy, but the audience is rewarded by the tragic

pleasure, an odd mixture of pity and awe, according to a great admirer of Sophocles,Aristotle.4Right as hewas, he only started the argument: the glory ofAntigone was to lastfor centuries with a parallel debate. Why? The play refuses to surrender its full meaning– it is still an open question. Which message we should pick right now? Well, let meshare the one I care for most and which could apply to the present circumstances.

cd

To be true, the above epigraph by the periodist Drew Midleton (the Cold War wasthen in full swing) has already stated the point I had in mind, plus the merit of brevity.I cannot do better. In any case I will try do develop the idea, heretic as it may be. It israther simple: in Antigone no chance is given to diplomacy5; that is why the tragedyhappened. Yes, the whole massacre could have been avoided if … If Antigone hadjust a small amount of political wisdom – of diplomacy, to be more specific about thewisdom in question. The same applies to Creon (presumably a more sophisticatedtherapy would be required for him, but nowadays we are used to difficult cases atvery high level). Sophocles himself advances the possibility: if the insecure ruler hadlistened in time to his son’s advices, he could have prevented the brutal lost of hisbeloved ones; perhaps he would have saved himself from disgrace. But, I reckon,this would be a story altogether different and the world literature would have beendeprived of a masterpiece.A reasonable Antigone and a tolerant Creon would not be “real”. Human beings

are human beings and it is not at all my intention to do an exercise (futile, of course) invirtual fiction, the pleonasm being excused. Nevertheless, for the sake of argument,the hypothesis of a less unhappy outcome is not excluded – throughout the dramathere is a hope (slight as it may be) that reason will prevail and, if not reason, at leasta certain caution, which we could translate by diplomatic prudence6. This is suggestedby Ismene, then by Hemon (as just mentioned) and finally by Tiresias. The hints areunmistakable and the audience understands them. In fact the audience compliesgraciously with this sort of positive thinking: the assumption that the tragedy couldhave been shunned makes the tragic pleasure more enjoyable.

4 Aristotle praises Antigone in his On Poetics, “véritable phénoménology de l’oeuvre tragique”. By contrast,“les dialogues de Platon n’affichent que dédain pour les poètes tragiques”. – Jacques Taminiaux, “Antigonedans l’histoire de la philosophie” in Antigone et la Résistance Civile (2004) p. 9/10. .

5 I take diplomacy in the common sense of “skill and tact in dealing with people” (Oxford Dictionary), that is,the art of handling difficult situations by the way of good will. I believe that, rather than a technical concept,this is also the the meaning of “diplomacy” in the epigraph.

6 This concept is dealt with at the end.

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Antigone, Power and Diplomacy 89

The warnings and the wishful thinking are of no avail, we know beforehand:tragedy is a radical sport with no safety net.7 It is made of conflict, not harmony. Bydefinition this is not the field for restraint and/or negotiation. To be sure, the Chorusis entitled sometimes, as a sort of arbiter, to recommend soprosyne. Unfortunately,the Chorus speaks only to the audience, which is already convinced that moderationis a virtue; those who should listen (the characters) are too busy on the stage to payattention to outside guests.

The established pattern8 is that fate has to follow its course. All the same, for thesake of the argument, we may ponder that the very idea of destiny is made possible byits counterpart. It does not suffice to say that it was all bound to happen. On the contrary,destiny means exactly that what happened could have happened otherwise. The simpletrouble is that the otherwise failed because (and here is the tragic predicament) thedie of fortune is usually crooked. Stil, the die has six faces. What could be the otherface of Antigones’ destiny? Is there an alternative for the “war suicidal” feared byMiddleton five decades ago and which is still a threat?

cd

To answer this question we have to trespass the dominion of His Majesty, KingPower, the one who rules over politics, like it or not. It happens that Antigone dealsprecisely with this matter. In a nutshell, it is a contest between conscience/freedom onone side and force/authority on the other. More precisely, it is a play about power play,that is, the exercise of power in a theatrical representation. According toAristotle, theaction (muthos, the plot) is even more important than the characters. This is in fact oneof the features (certainly the most visible) of the general political content of Antigoneand I assume that the political content of the play is not disputed. By the way, it doesnot preclude other interpretations.Having said that, I am supposed to provide some evidences. For that purpose, I

will have to go through the text (as faithfully as possible) to confirm that power is arecurrent – if not dominant – theme. If the exercise gets a little bit fastidious, I haste tobeg for the patience of the readers.As an excuse, I anticipate here the main elements ofthe exercise: the word translated as power appears very often in the script of Antigone(naturally the connotations may vary); moreover we can trace political implicationsin almost every dialogue; practically all of the episodes are charged with a pervasivetension at different levels of intensity and started by a whole range of antinomies(man/woman, older/younger, state/individual, human/divine, love/hate, life/death).

7 In this regard see Professor Jean Hyppolite as he quotes Hegel: “La tragédie est la représentation de laposition absolue”. – Introduction à la Philosophie de l!Histoire de Hegel (1948), p. 102/3.

8 We should not forget that the tragic works were selected (twice a year) in a contest with very straight rules.The presentation itself was a sort of public judgement and the audience acted as a jury. See on this point OttoMaria Carpeaux, História da Literatura Ocidental,(1944/5), vol. I, ps 83-85).

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Power is just the functional element which puts into action all these contradictions; itwas supposed to be neutral but has a sweet perfume.A first example of ower-play: in the very opening scene, we can watch an “arm

twisting” between Antigone and Ismene (lines 45 to 115).9 The dialogue goes fromendearment to hate, from persuasion to ultimatum. Not for chance, the two sistersmake a strong contrast: “… we have to be sensible. Remember we are women, we’renot born to contend with men” (74/75) – says Ismene in a desperate effort to bringAntigone to her senses. At least in this first round, Antigone (“wild” and “passionate”as she is) does not get the upper-hand of her tender and humble sister. It is a diplomaticfailure on the part of Antigone – it will not be the only one and the Prologue sets thestage for rougher clashes.Another example of point-counter point: the touch of comedy given by the

clumsy sentry in his long dialogue with the king (223-331). “The culprit grates onyour feelings, I just annoy your ears” (360), the guard dares to say to the king. Infact he represents the common people, simple but independent. Creon should havelistened to this rather talkative messenger; instead, he becomes enraged and exhibitsan aggressive temper.The political content ofAntigone is best illustrated by the “statement of the crown”

(179-235) of Creon, as the king of Thebes. The comments thereon do not fail tocompare this short piece with the famous “Funeral Speech” by Pericles a decade later,in Athens. Granted the obvious differences, the mood is very similar: the apology ofthe City, which provides opportunities for all. Therefore, to be at the service of thePolis is the first duty. This means, under an egalitarian rhetoric, that the old order ofaristocracy is over.10 Antigone, the faithful daughter of late king Oedipus, is a truerepresentative of the out-dated order.11As for Creon, he climbed to power by chance,being the brother of late queen Jocasta.The new king needs to affirm his authority: “I now possess the throne and all its

powers” (193). The motto is introduced but Creon’s authoritarianism is still disguisedin the midst of a patriotic oratory. Later on the mask will fall: “Am I to rule this landfor others – or myself?”(823).The inaugural address of Creon corresponds very clearly to a historical context,

one of transition.12 Much attention has been paid to this point but perhaps not enough

9 I will quote the English translation of Prof. Robert Eagles, Sophocles – Three Theban Plays, 1982 (PenguinClassics). The numbers refer to the lines of the verses in the translation.

10 “... out of this archaic guilt-culture there arose some of the profoundest tragic poetry that man has everproduced. It was above all Sophocles, the last great exponent of the archaic world view, who expressed thefull tragic significance of the old religious themes… the overwhelming sense of human helplessness in faceof the divine mistery…” – E.R.Dodds, The Greeks and the irrational (1951/1971), p. 49.

11 “La famille s’oppose à l’État comme les pénates aux dieux de la Cite”. –Alexandre Kojève, Introduction àla Lecture de Hegel (1947), p.100.

12 See, for instance,ArnoldHauser: “Sophocles unhesitatingly chooses the ideals of thenobility in preference tothose of the democratic state. In the struggle between the special ties of kinship and the unlimited equalitarianforces of the state, he uncompromisingly supports the ideals of kinship.” – The Social History of Art – ed.Vintage Books, vol. I, p. 96 (1951).

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to the very curious overtones of “modernity” which Sophocles introduces in Creon’sdelivery. Notice for instance:

[...] “Experience, there is the test” (197) – tradition is not anymore avalue in itself, but how one knows what is “experience”?;

[…]“the ship of state is safe” (180)– to govern is to steer the vessel of thestate, in the language of the cybernetic model applied to politics;13

[...] “our country is our safety”(211) – an innuendo which would befamiliar today to any leader of the Great Powers.

In the development of the plot, the thrust of this first speech is: “…whoever proveshis loyalty to the state – I will prize that man in death as well as life” (234/5). Onthe contrary sense, Creon had just announced the proclamation against the “traitor”Polynices, to whom burial is denied. Eventually this decree will apply to Antigone– the audience already knows she is decided to defy the martial law and give herbrother a sepulture. Otherwise, Polynices would not go “with glory among the dead”(31). That is the sacred rite but Antigone is the only one to uphold it: “I will bury him[Polynices] myself” (84). So she does, alone, protected by the dark of the night. Shehad already dismissed the help of Ismene at the first hesitation of her sister.

On his part, Creon states that any opposition to his rule could only be the workof “perverted instigators” (333/4) or due to corruption and bribery (335-336) – theusual pretexts of forceful regimes to crash their opponents. We may contrast this toAntigone’s plea to Ismene at the very beginning: “… shout it from the rooftops ...tell the world!”(100). The princess knows the importance of public opinion and sheeventually wins the support of the vox populi.Rather conveniently, the Chorus (which represents the City) supports Creon, “the

new man for the new day” (174). At this juncture, in all probability, the audiencefavors the king as well: isn’t he on the side of the law? The “tragical irony” helpsthe author to keep his distance – Antigone does not receive any explicit support. At acritical moment, she gets some commiseration: the tears of the Leader (897). It seemsthat the brave princess has no chance at all. But is it possible to break the chain ofhistory? Isn’t that chain a fabrication of our own illusions?

cd

What about diplomacy? Sophocles draws the profile of a perfect diplomat inAntigone: that is Haemon, the son of Creon and Eurydice. He is in love with Antigone

13 See the whole school deriving fromKarl Deutsch, The nerves of Government (1963). Thismodel of politicalcontrol coincideswith a rather somber period of international politics. RobertMcNamara, the newmandarin,was a typical outlet of that mood.

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and has the difficult task of protecting her bride against his own father. In a longinterview (705-855), half calm half nasty, the young man tries to bring a “good advice”to the impenitent ruler. Very carefully he informs his father about the talk of the townregardingAntigone: “No woman,” they say, “ever deserved death less, and such a brutaldeath for such a glorious action” (777-778). He adds: “it’s no disgrace for a man, even awise man, to learn many things and not to be too rigid” (795). He is firm but gentle: “Ohgive way. Relax your anger – change!” (804). Haemon turns around one central point:Creon is blind by his arrogance (hybris), the usual vice that comes with power.Creon is unable to understand because his quarrel with Antigone became out of

control – it is no more a political issue. Now it is a matter of pride: “ no woman isgoing to lord it over me” (593); “we must defend the men who live by law, never letsome woman triumph over us” (755-8). In fact, he had already hinted at that pointbefore: “I am not the man, not now: she is the man if this victory goes to her and shegoes free” (541-2). Finally Creon rejects the approach of his son as sermons of “emptywisdom” (846). Diplomacy failed again.The king refuses reason and denies the vox populi. He will bend only when he hears

the vox dei , echoed by the seer Tiresias. Out of fear to the sacred wrath, he surrenders:“No more fighting a losing battle with necessity” (1230). Power understands thelanguage of power.To be true, Creon is still acting rather by calculation than by conviction. He realizes

he has no more options. He makes a last revealing mistake. He fails to pay attentionto the exact instructions of the Leader: “free the girl” first (1225). The ending disgraceis then unleashed at a fast pace – Creon looses his son and wife (Eurydice). Antigonehad already commited suicide.The Chorus had warned: “Sooner or later foul is fair, fair is foul to the man the

gods will ruin” (697-7). Creon is punished by the gods of below, the ones he haddefied. For his arrogance he assumes the guilt (1441).Through suffering, the magic oftragedy gives back a noble profile to “the bad man”. The economy of the play requiresthat both Creon and Antigone remain strong characters. The plot favors the princessin the end with the prize of glory although she pays the penalty of death. The kingbecomes wise although too late: “I don’t even exist – I’m no one. Nothing” (1146).The whole cycle of power is thus performed: the loser becomes the victorious and

vice-versa. For better or worse, balance prevails. If we skip the accidents, Antigone isworth a treaty on human conflicts and the intervening role of power. In short, Sophoclesbrings to the stage the drama of human finitude. The humble conclusion (and thekátharsis compensation) is that the “wonder that is man” will never be perfect, notbecause of nature, but because of man himself.

cd

The posture of Antigone is the opposite of Creon: she is not at all concernedwith power; she is committed to her conscience and to her beliefs. The king’s

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Antigone, Power and Diplomacy 93

nefarious orders are a sort of absurd disturbance of the natural order.14 She reactsto the situation with her whole self, with her “own flesh and blood” (1), so to speak.Significantly enough, those are her first words in the play (referring to her sister;later on [573] she will use the same expression referring to her dead brother).By the same token, “grief”, “pain”, “doom” punctuate the opening speech of theheroine. Melancholy follows her notwithstanding her courage and strength: “…death will be a glory” (86).Antigone longs for the “kingdom down below”(90). More than once she will utter

this inner feeling: “Who on earth, alive in the midst of so much grief as I, could failto find his death a rich reward?”(516-8). For the sake of her cause, she is prepared toany sacrifice, even to give her life – today, most probably, she would be qualified as asuicidal terrorist. But she acts in the open: at a critical moment, she will state in frontof Ismene and Creon: “I gave myself to death, long ago, so I might serve the dead.”(630). At this point, Creon seems very confident – he is supposed to be on the side ofgood reason and he passes a judgment: “They are both mad and I tell you, the two ofthem” (632). The comment is colloquial and blunt, in order to stress the asymmetrybetween the matter-of-fact king and the anguished sisters. Somehow the enemy isalways insane. If he lived in our days, it would be normal for Creon to consider theroyal daughters of Oedipus as rogue citizens. The tragedy is inside the characters. Theset is given: fate has only to wait.The princess and the king meet three times: the confront goes in a crescendo. At

first it seems a personal contest between sense (Creon) and sensibility (Antigone).Both are proud and determined. Very soon the stakes get higher: Antigone invokes“the great unwritten, unshakable traditions” (505) and Creon appeals to the “reasonof state”, nothing less.

One can guess that Antigone despises Creon as an upstart: he has done outrageto the gods and to the name of the royal house. She expresses her indignationfreely but she does not underestimate her rival. Neither does the author: he remainsneutral. This is a very important point.15 Because of the strong “message” of thetragedy, we tend to overlook Sophocles mastery in the formal management of theplay. Antigone is a fantastic show, to use modern language. And this is due, in alarge measure, to the fact that the play interacts with the spectators. The audiencewill deliberate like an assembly: Creon is really a bad guy? And Antigone – isn’tshe too self-righteous?There are mixed feelings. Very respectful “reviewers” took opposite sides and I

will just mention the most famous polemic in this respect.16 It is well known that “thecelestial” Antigone was a source of inspiration for Hegels’ Fenomenoly of the Spirit.

14 As a matter of factAntigone is considered a front runner in terms of the tenets of Natural Law, as far as thedefense of innate rights is concerned.

15 On this issue it seems to me that the great scholar Arnold Houser has missed the point: “Sophocles, in hisAntígone, embraces the cause of the heroine against the democratic state…” –ibidem , p. 96.

16 See notes 3, 4 and 14.

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He great Philosopher of history started a new wave of devotion to the heroine in the19th century, but this did not prevent him from making the advocacy of Creon: “He isnot a tyrant, but an ethical potencial”. Like thesis and antithesis, Creon and Antigoneare two energies bound to clash.In the theoretical dispute released at the time, the brothers Schlegel (Friedrich and

A.W.) reacted to Hegel. According to them it is not a question of guilt or innocence– the two opposing characters are not at the same level. The real issue is the fidelityto the Gods. Under this light, Antigone is compared to the Christian martyrs, a sort ofJeanne d’Arc with no swords. As for Creon, in this line of interpretation, he is almostreduced to a bourgeois prototype, bound “to arrive too late”.17

Sophocles, “the quintessence of the Greek”18, would not involve himself in thisdiscussion. He holds fast to his golden rule: measure, balance, proportion. Despitethe changes of the two main characters, the author preserves the moral stature ofboth. One supports the other so that the economy of the play may work. To praisethe martyr we have to respect the oppressor – otherwise Creon would pose as a pettyand vain ruler and Antigone might look just as a resentful solitary woman or, worst,as a stubborn and spoiled girl. As it is, they are enemies in solidarity, partners to “thebitter end”.19

cd

Politics is the domain of circumstance and human power is not a faithful lover:it comes and goes. In Antigone, even the ultimate power – the power of the gods –remains elusive and mysterious, the arcana Dei, which will serve later as a modelfor the state secrets of the arcana imperi. We know that in the tragedy the cards areear-marked but Sophocles succeeds in keeping the suspense. The initial confront – thelaw of the Polis versus the duties of kinship – will evolve showing new facets of thepower-play and the true motives behind the resolve of the two protagonists.The Chorus is the main tool Sophocles uses as a counter-balance to the clash between

Antigone and Creon. Very often what is said by the council of elders is not what is implied(is thatan inspirationfor the languagedeveloped in theso-calledparliamentarydiplomacy?)Ambiguity is obviously a safeguard and it serves well the purposes of Sophocles: “…the city casts out the man who weds himself to inhumanity thanks to reckless daring”(414). The Chorus is referring to the rebel or to the tyrant? Interestingly enough this noteof warning (and suspicion) appears exactly at the end of the most celebrated part of theplay, the so-called Ode to Man, which begins in triumph: “Numberless wonders/ terrible

17 See Karl Reinhardt, who stresses the opposition between the human and the divine (Sophokcles , 1933).See also Prof. Eudoro de Sousa,Uma Leitura de Antígona (Editora Universidade de Brasília, 1978), whichcontains a review on the different interpretations of Antígone.

18 Edith Hamilton, The Greek Way (1930).19 Cf. Paul Ricouer, “La Tragédie de l’action” in Soi –même comme um Autre, 1990, p.284.

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Antigone, Power and Diplomacy 95

wonders walk the world but none the match of man…”(377). The sentry, in the previousscene, had just informed the king that the martial law had been defied.The action proceeds andAntigone receives her final verdict: to be buried alive. She is

fearless: “My death will be enough” (617). She had declared before: “I was born to join inlove, not in hate – that is my nature” (590-1). It is almost a Christian confession.Antigoneis no longer just a heroine – she is prepared to become a martyr. She seems to be defeatedbut now it is the turn of Creon to lose his ground: “And is Thebes about to tell me how torule?”(821). “What? The city is the king’s – that’s the law!” (825). The tide has changed.Antigone disappears from the stage 400 verses before the end of the play –

from thereon the audience will hear from her only indirectly and this is a fantasticdemonstration of self-confidence on the part of the author. Sophocles dismisses hismain character, but Antigone remains the axe of the tragedy. As a literary figure, sheis really a rival to his father Oedipus, who was sponsored by Freud, as we know. ButAntigone has her own title: she is recognized as one of the most powerful women inWestern literature. Why? Perhaps because she is so transparent and convincing, soreal. Nevertheless there is an aura of mystery around her and much has been writtenabout this.

It is worth mentioning that, in her last appearance to the audience, Antigone makesa very intriguing statement: “I’d never have taken this ordeal upon myself ” (998) if itwere for a dead husband or for her children. Furthermore, she tries to justify this lastsurprising stand, but not convincingly (1000-1004).These lineswere put under suspicionby many scholars; Goethe, for one, refused to believe that they were authentic.HasAntigonebetrayedherself at the lastmoment?Did shedenyher bloodallegiance

in front of her prison-tomb? Not the least – Antigone is stressing the perspective thatwas always hers. Now, more than before, she is able to see the world sub specieaeternitatis. She contemplates life with “the eye of the soul”, to use a platonic image.By then Creon and all that stuff seems to her just as an unhappy accident and whenshe refered to husband and children she was making no more than a hypotheticalcomparison. Goethe should not be worried.The fact is that all the dramatic action of the play turns aroundAntigone’s suffering

and – by Sophocles’ unique craft – reveals her moral advancement. Antigone growsin the face of adversity. Gradually, Antigone realizes that her private war with heruncle is just a consequence of her soul-searching. “The conscience of existence is theconscience of the suffering of existence” – Hegel wrote this but it could as well havebeen written by Sophocles.

cd

The final word belongs to the Chorus. In a few lines it gives a clue to the tragedy:“The mighty words of the proud are paid in full with mighty blows of fate” (1468/9).That is what Haemon, in other words, tried to convey to his confused but obstinatefather. Certitude may be more dangerous than doubt, now the king realizes. Creon

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committed a fatal sin: he tried to rule over the dead. He went off-limits into the realmof the gods – Antigone was absolutely right on this point. For a change, the Chorus isquite clear in this last judgment.If Creon was guilt of arrogance, Antigone forgot the lessons of pratical wisdom.

She gives us a lesson of dignity but not of modesty, except at the, when all is saidand done. Her principles were honorable but her tact was clumsy. The fact is thather cry for freedom gave strength to tyranny. “Politics needs men who act freely butmen cannot act freely without politics”20. The final remind of the old citizens is alsofor Antigone: she did not give a chance to diplomacy. To be fair, she did not have achance at all in her troubled life.The key-word in that short (and to-the-point) statement of the Chorus is phronesis21.

The concept appeared in poetical language before being worked out by Plato andAristotle.22 It corresponds to the latin prudentia, “ce savoir singulier, plus riche dedisponibilité que de contenu”, “ce savoir plus vécu qu’appris, profond parce que nondéduit, que nous reconnaissons à ceux don’t nous disons qu’ils ont de l’expérience”. 23Prudence, forAristotle, is the supreme political virtue, which is not the same as sophos(wisdom). Political intelligence is both a matter of science and art: it is knowledge butit is above all practice, experience, feed-back from reality. And it is not an excuse foromission; on the contrary, it is a requirement to act. But in the right way: reta ratioagibilium, in the concise formula of Thomas Aquinas.A final word about the everlasting message of Antigone, which is really for us

(through the characters of the play) and above all for the rulers of the world, hererepresented by the unfortunate Creon while Antigone stands for the society at large.The Chorus says that “the blows of fate will teach us wisdom at long last” (1470). Theteaching will be most welcomed. Let’s pray for rather soft blows.

cd

20 Bernard Crick, In Defence of Politics (1962), p. 33.21 Cf. PierreAubenque , La Prudence chez Aristote (1963), p. 162/3.22 Id. Ib. , p.155.23 Id. Ib. , p.60, 59.

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A Justiça de Transição como Modelo de Gestão de Conflitos: umMito Universal?

juliana lima1

ResumoA chamada justiça de transição aparece como temática relevante à reflexão

acadêmica, refletindo o espaço conquistado pelos direito penal internacional e pelosmecanismos extrajudicias de resolução de conflitos no plano da “diplomacia da paz”.Este artigo visa compreender a complexidade que resulta da aplicação desta expressãoa uma multiplicidade de práticas heterogêneas (e, por vezes antagônicas) que são (oupodem ser) agrupadas no seio do que se convencionou chamar de justiça de transição.Apartir de uma análise da evolução do conceito, buscamos esclarecer como a expressãojustiça de transição ganha em legitimidade (tanto quanto, ao mesmo tempo, conferelegitimidade) a uma multiplicidade de atores e práticas fundadas no respeito aos direitoshumanos e numa moral universal supostamente aplicável a todas as situações detransição. Enfim, este artigo busca analisar o papel da justiça transicional na evolução(normativa e procedimental) do direito internacional, aomesmo tempo emque questionaa tendência à moralização da rule of law e a independência das instâncias de transiçãovis-à-vis de um contexto internacional marcado por lutas políticas.

AbstractSome important academical research has been devoted to Transitional Justice.

That could be partially explained by the succes of international criminal law andextra judiciary mechanisms of conflict resolution in the field of “peace diplomacy”.One of this article’s goals is to shed some light on the complex dynamics of multipleheterogeneous (and even antagonic) practices that are (or could be) identified underthe definition of transitional justice. By analysing the dynamics of the constructionand evolution of the transitional justice concept we try to understand how it finds itslegitimacy (as well as meanwhile legitimazing in return) the existance of a variety ofactors and practices based on the respect of human right’s and on a speach of moraland universal content. Finally, this article tries to analyse the role that transitionaljustice plays on the transformation of international law, at the same time that itquestions this world-wide trend that moralises the rule of law and the independenceof transitional justice instances regarding an international context where politicalstruggle prevails.

1 Mestre em Ciências Políticas e Estudos Africanos pela Universidade Sorbonne, Doutoranda em CiênciasPolíticas pelaUniversidade Sorbonne, professora (chargé deTD) emDireito Constitucional naUniversidadeSorbonne.

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Introdução

Aúltima década do século XX e o inicio do século XXI testemunharam grandestransformações geopolíticas no cenário mundial. Vale ressaltar as intervenções noIraque (1991), na Somália (1992) e no Kosovo (1999), o genocídio na Ruanda(1994), o massacre de Sebrenica na Bosnia (1995), a proliferação de conflitoscivis no continente africano (República Democrática do Congo, Uganda, Angola,Moçambique, República Centro-Africana, entre outros) e, recentemente, o atentadoterrorista do 11 de setembro e a luta contra o terrorismo.Esse contexto levou aorevigoramento das intervenções militares e ao crescimento do número de operaçõesde paz no mundo2, fixando parâmetros para uma reflexão profunda sobre a melhormaneira de prevenir a violência e assegurar a paz no âmbito mundial. Uma sériede dilemas aos quais são confrontados os países “em transição” alimentam estareflexão: dizer ou não da verdade; rememorar ou remeter ao silêncio; perdoar ousancionar os agressores; reconhecer, homenagear e reparar as vítimas (e/ou seusfamiliares); “desembrutecer”3 a sociedade criando meios para a “normalização” e oretorno à vida civil, reconstruir o país e reconciliar inimigos de guerra; impor umahistória oficial ao conflito ou escrever a historia a várias mãos com a participaçãoda comunidade local.Todas estas questões não escapam às tensões existentes entre a “diplomacia

da justiça” e a “diplomacia da paz” e são, em ultima instância, submetidas aosconstrangimentos do jogo político, ao peso das interações locais e internacionais, ea uma luta de poder, sujeita a interesses variados, condicionando os discursos e aspráticas dos mais diversos atores.Neste contexto, duas instituições vão emergir em paralelo, refletindo uma

dinâmica que se funda sob uma “moral universal” e uma crescente “jurisdicisação”4

das questões relativas à paz. A institucionalização destes dois modelos de “gestãode crise” – um voltado para medidas jurisdicionais de solução de conflitos, e outroenquanto vertente não punitiva alternativa ao primeiro – é reflexo do engajamento deatores que atuam em diferentes arenas (política, diplomática, profissional, nacional einternacional) em favor dos direitos humanos, conferindo uma nova dinâmica à lutapor espaços de atuação e de poder, que será, em parte, responsável pela disseminaçãode novos métodos de resolução de conflitos, sob a “etiqueta” da justiça de transição.A criação de uma Comissão de Verdade e Reconciliação para investigar os

crimes cometidos pelo regime do apartheid na África do Sul estabeleceu num novo

2 Dentre as mais de sessenta operações de paz das Nações Unidas, mais de quarenta e cinco (ou seja, mais desetenta por cento) foram iniciadas na década de noventa. Segundo dados disponíveis no site da Comissão deConsolidação da paz, emmeados de 2009 quinze operações estavam em curso.

3 Anoção de “embrutecimento” (brutalization”) da sociedade foi levanta por G.L.MOSSE in Fallen Soldiers:Reschaping the Memory of theWorldWars, Oxford, Oxford University Press, 1990.

4 LEVI Ron, HAGAN, John. Penser les crimes de guerre.Actes de la Recherche en Sciences Sociales. Paris,n. 173, p. 6-21, juin 2008.

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paradigma nas searas de pacificação5, sendo seguida pela criação de mecanismoschamados de Alternative dispute resolution que, junto com as Truth and ReconciliationComissions, se inserem numa linha não punitiva, do que se convencionou chamarde justiça de transição.Por outro lado, a valorização do direito com a proliferaçãode normas internacionais e a criação de instâncias jurisdicionais sobrepondo-se àsfronteiras soberanas dos Estados impulsionaram o movimento global de luta contraa impunidade, inscrevendo-se igualmente na seara da justiça de transição.Estes doismovimentos, construídos inicialmente como vertentes opostas de uma mesma moeda,foram aos poucos se institucionalizando como medidas complementares, legitimandouma série de práticas de resolução e prevenção de conflitos.Dessa forma, os contornos do que se convencionou chamar de justiça de transição

foram se delineando gradualmente, seguindo a evolução do contexto internacional e asdinâmicas de apropriação desta expressão pelos diferentes agentes que se engajavamnos ditos processos de transição. Portanto, é possível observar certa homologiaestrutural na racionalidade e no discurso dos atores que se ocupam da difusão deuma crença nesta justiça de transição, como meio mais apropriado para lidar comas situações de crise, notadamente em períodos pós-conflitos. Assim, a justiça detransição vai ganhando força e se legitimando em diversas searas, estabelecendo-secomo best practice para alcançar uma paz “justa e durável”, sob a pluma de umaretórica universalista e moralizante.Sustenta-se, de um lado, que ela promove a democracia criando espaço para um

amplo diálogo nacional, capaz de reconciliar as partes de um conflito, atraves de umexercício de catarse e de deliberação coletiva nas chamadas Comissões de Verdade.Nestes contextos a justiça de transição aparece como fórmula mágica de apropriaçãode um passado traumático pela nação, constituindo-se no único vetor admissível para aconstrução de uma história nacional consensual, capaz de unificar a memória coletivae recriar o sentimento de identidade nacional. Neste sentido, os procedimentos dejustiça de transição se apresentam como um elemento determinante na superação dedivisões étnicas, religiosas e políticas, sendo considerados a ferramenta mais adequadapara operar uma profunda transformação nas relações entre amigos e inimigos deguerra, criminosos e vitimas, Estado e sociedade.Por outro lado, a luta contra a impunidade – representada atualmente pela Corte

Penal Internacional – encontra sua justificativa de validade na universalidade dasregras do direito internacional e na promoção da rule of Law, como meio de asseguraruma paz longa e duradoura e prevenir o ressurgimento de conflitos: não há paz àrevelia das vítimas, a impunidade cedendo espaço à reincidência. Assim, o respeito aodireito penal internacional assegurado por tribunais internacionais “soberanos” vemcompletar o espectro desta justiça de transição.

5 Este dispositivo já havia sido implementado em outros contextos, como na América Latina, a exemplodas Comissões de Verdade do Chile e da Argentina. Entretanto, é a Truth and Reconciliation Comissionsulafricana que emerge comomodelo de sucesso de justiça de transição.

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Assim, seja uma questão de persecução criminal junto à jurisdição local (como naGuatemala) ou junto aos tribunais internacionais (como na Bósnia e Herzegovinia),ou ainda, diante das duas instâncias (como no caso da Ruanda); ou em se tratando doreconhecimento das vítimas e do direito à verdade com a confrontação das diversasversões do conflito diante das Truth and Reconciliation Comissions (como o exemploda África do Sul); ou ainda, seja pela promoção, pelas “pessoas ordinárias”, de espaçosde coexistência (justice “par le bas”6); o fato é que a chamada justiça transicional vemsendo proclamada como “o” modelo de sucesso na gestão de transições, não havendooutra opção se mostrado mais eficaz.Diante desta realidade, este artigo se presta a esclarecer a dificuldade que reside na

identificação dos elementos constitutivos do conceito de justiça de transição e a suaaplicação a uma multiplicidade de práticas heterogêneas (e, para alguns, antagônicas),que são (ou podem ser) agrupadas dentro do espectro do que se convencionou chamarde justiça de transição. Procuramos explicar como a expressão justiça de transiçãoganha em legitimidade (tanto quanto, ao mesmo tempo, confere legitimidade) a umade série de atores e práticas fundadas no respeito aos direitos humanos e numa moraluniversal supostamente aplicável indiscriminadamente às mais diversas situações detransição. Enfim, este artigo pretende confrontar a universalidade do discurso da justiçade transição aos seus efeitos práticos promovendo uma reflexão quanto à pertinência datendência universal de moralização da rule of law e de sua independência em relaçãoao jogo de poder político na seara internacional. Dentro deste espectro, buscamoscompreender o papel que ocupa o direito internacional nas dinâmicas de transição,enquanto ferramenta de prevenção e de resolução de conflitos.

1 - Evolução do Conceito de Justiça de Transição: a Criação de um MitoUniversal

O termo justiça de transição encontra suas raízes na corrente da transitologiacampo de estudo das relações internacionais, cujas reflexões têm por ponto de partidaas transições políticas no continente latino americano. Não obstante, se a priori oconceito de justiça transicional nasceu atrelado à noção de transição política (e àspolíticas públicas instauradas para fazer face aos desafios da mudança de regime), aolongo do tempo ele foi assumindo contornos bem mais amplos para, enfim, englobartoda uma gama de políticas que são (ou podem ser) implementadas em diversos tiposde processos de transição, notadamente nos períodos pós-conflitos.Assim, a transição para um regime democrático passou de elemento constitutivo

do conceito a uma de suas muitas vertentes. Buscando apresentar respostas aosmúltiplos dilemas encontrados nas situações de pós-guerra, o conceito de justiça de

6 A expressão «par le bas» é de Jean Fraçois Bayart e refere-seàtoda ação politica conceptualizada eimplementada pelas pessoas ordinarias, em contraposição às decisões habitualmente tomadas por uma elitepolitica e/ou altos representantes de instituiçoes (“par le haut”). Em suma, é uma expressão que opõe, nestecaso, as açoes do povo às decisões impostas “de cima”.

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transição é hoje associado a uma multiplicidade de práticas, visando, de um lado,assegurar a coexistência pacífica no seio de uma sociedade desfigurada por umconflito violento, e ao mesmo tempo, garantir a punição dos responsáveis pelos atosviolentos que teriam desestabilizado a paz. Destas duas grandes linhas derivam doisconceitos que, inicialmente, construiram-se em oposição um ao outro, mas que,ao longo do tempo, vieram a constituir dois pilares complementares da chamadajustiça de transição: a justiça restaurativa (restaurative justice) e a justiça retributiva(retributive justice), que representam em grande escala o que hoje é considerado comoo espectro da transitional justice. Assim, a justiça de transição foi se firmando combase em mecanismos que incitam a uma variedade de práticas (à narrativa e ao direitoà verdade, ao reconhecimento simbólico das vítimas, às reparações civis, e ainda, aodesarmamento da população civil, à (re)integração de ex combatentes na sociedade,à realização de eleições democráticas, ao combate à corrupção, à reforma dos setoresde segurança pública, do poder judiciário e das instituições militares) revelando-se umconceito fluido e maleável, suscetível a diversas interpretações.O que se convencionou como restaurative justice tem origem nas experiências

do cone sul da América Latina, calcadas no que Sadrine Lefranc7 chamou de “perdãopolítico”8 (referindo-se às anistias) e, posteriormente, nas chamadas Comissõesde Verdade. As anistias (gerais e coletivas) concedidas nas transições argentinas,chilenas, e uruguaias, e posteriormente materializada na experiência brasileira, sãoa primeira manifestação moderna da restaurative justice, se bem que o termo só viráa ser empregado, anos mais tarde, com a implementação da Comissão de Verdadee Reconciliação (CVR) da África do Sul. Assim, a justiça de transição nasce comoprática orientada para a recomposição social e a garantia da estabilidade dos novosregimes democráticos.Entretanto, o fim do apartheid e a implementação de uma Truthand Reconciliation Commission irão marcar definitivamente o inicio de uma nova era,erigindo reconciliação, o perdão e o imperativo da verdade a elementos essenciais doprocesso de transição política.A Comissão de Verdade e Reconciliação na África do Sul será responsável por

lançar mundialmente uma política focada no reconhecimento e na reparação dasvítimas, colocando-as no centro do espectro da transição. Embebida de um simbolismoreligioso ligado a uma cultura protestante e bantu, a CVR da África do Sul, presididapelo arcebispo e prêmio nobel da paz (em 1984) Desmond Tutu, será amplamentemidiatizada. As imagens dos emocionados depoimentos das vítimas junto à comissãosulafricana rodarão omundo, introduzindo uma nova visão da reconciliação: a verdadecomo caminho para ultrapassar as inimizades criadas pela repressão do regime doapartheid (“truth, the road to reconciliation”).A partir da experiência sulafricana, os processos de transição serão atrelados

a um espaço de participação plural e coletiva, incluindo vítimas, seus parentes, as

7 LEFRANC, Sandrine. Les politiques du pardon.Paris, PUF, 2002.8 As experiências de anistia seriam longamente contestadas anos depois, cedendo lugar à uma série de

procedimentos judiciais fundados na imprescritibilidade de crimes contra a humanidade.

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organizações da sociedade civil e os “acusados”9. Esta prática fortaleceu uma filosofiaque se viria a se impor em outros contextos: somente esta ampla participação dacomunidade no processo de transição seria capaz de assegurar o renascimento de umasociedade fundada no estado democrático de direito. Se por um lado o amplo debatepromovido entre as vítimas e acusados nas audiências públicas, garantiria o caráterdemocrático do direito, esperava-se, por outro lado, que esta prática resultaria numrelatório completo da repressão do apartheid. Este foi, em suma, o ponta pé inicialpara uma série de procedimentos valorizando a escrita de uma história nacional avárias mãos. A Comissão de Verdade e Reconciliação (CVR) da África do Sul eraresponsável pela “promoção da unidade nacional e da reconciliação, dentro de umespírito que transcenda os conflitos e divisões do passado (sic)”10.O mandato da Comissão de Verdade sulafricana lhe conferia poderes para

investigar as violações de direitos humanos ocorridas a partir de 1° de março de1960.Além disso, a Truth and Reconciliation Commission era competente parapromover a identificação das vítimas e definir as medidas de reparação cabíveis,visando à restauração da dignidade civil e humana da população. Desta feita, asvítimas do apartheid foram chamadas a testemunhar amplamente os fatos inquiridos,a fim de fazer emergir a verdade sobre o período de discriminação racial, sendo-lhesassegurada uma indenização. A Comissão era competente, também, para concederanistias individuais.As anistias só poderiam ser conferidas às pessoas cujas confissõesde crimes com objetivo político possibilitassem uma verdadeira elucidação dos fatos.Neste sentido, distanciando-se das anistias amplas e irrestritas das antigas comissõessulamericanas, a Truth and Reconciliation Commission de Desmond Tutu introduziuo arrependimento público e o esclarecimento da verdade como condicionantes àobtenção do perdão.Diante do “sucesso” da Truth and Reconciliation Comission sulafricana, as

comissões de verdade e reconciliação passaram a ser reconhecidas como a expressãomais robusta desta restaurative justice, cuja filosofia é calcada no valor universaldo perdão e do direito à verdade – únicas vias capazes de fazer emergir uma novasociedade11 baseada na rule of law e no respeito aos direitos humanos. O modelo dacomissão sulafricana virá a ser duplicado nos quatro cantos do mundo, dando origema mais de trinta instâncias análogas12.Entretanto, apesar desta justiça não punitiva encontrar nas Comissões de Verdade

seu “modelo de sucesso”, as Truth and Reconciliation Comissions não são a únicaexpressão da justiça restaurativa. Os métodos de Resolução Alternativa de Conflitose os procedimentos de mediação e arbitragem são igualmente amplamente difundidos

9 Esta nova perspectiva se firma em oposição às transições latino americanas, onde o ciclo de negociação erarestrito ao âmbito dos altos quadros políticos.

10 Promotion and National Unity Reconciliation act 34of 1995, África do Sul.11 Esta nova sociedade Sulafricana ficou conhecida como “sociedade arco-íris”.12 A título ilustrativo: África do Sul, Bolívia, Argentina, Equador, Gana, Guatemala, Libéria, Marrocos,

Uganda, Ruanda, Serra Leoa, Tchad, Timor Leste, Uruguai.

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enquanto respostas extrajudiciais aos complexos problemas de transição, merecendoser levados em conta na nossa análise do que é chamado de justiça restaurativa.

Portanto, se existe entre esta restaurative justice e os procedimentos de AlternativeDispute Resolution e de mediação e arbitragem uma semelhança de propósitos(uma solução extra-judicial aos conflitos), a mobilização de outra categoria parecemais pertinente a certos atores, que preferem associar suas ações à mecanismosde “resolução” ou de “transformação” de conflitos13, negando a etiqueta da justiçade transição propriamente dita14. Assim, a metodologia da alternative disputeresolution busca se diferenciar das Comissões de Verdade e Reconciliação pelosmeios empregados, estabelecendo como foco principal uma transformação em nívelmicrosocial – inversamente à proposta degrandes mudanças em nível nacional,almejada pela Truth and Reconciliation Comission Sulafricana.Com efeito, os procedimentos de resolução alternativa de conflitos raramente

decorrem de grandes decisões políticas ou de negociações entre as elites detentorasde poder.Inversamente, o princípio da Alternative Dispute Resolution estabelece queverdadeira transição somente pode ser operada pelas “pessoas ordinárias”. O “povo” éconsiderado o principal protagonista do processo de transformação social, calcado naprofunda mudança das mentalidades coletivas a fim de garantir fim dos estereótipossociais estigmatizantes, que deram origem ou sustentaram o conflito.Assim, ao invésde reunir toda a comunidade numa instância institucionalizada com apoio do governo eda comunidade internacional, os partidários da alternative dispute resolution ocupam-se de organizar eventos esportivos, concertos, shows, concursos de poesia e dança,entre grupos que outrora se apresentavam como inimigos no campo de combate. Acriação destes “espaços de convivência” entre grupos antagônicos é vista como umaferramenta capaz de operar uma profunda transformação no imaginário coletivo,auxiliando a sociedade a lidar com seu passado traumático.Nesta seara, a mediação de conflitos ganha espaço se firmando como método

importante na solução de problemas atuais (como, por exemplo, conflitos de terraou conflitos oriundos das relações de trabalho) que teriam causas estruturais nasinimizades passadas. Assim, a institucionalização de instâncias de “formação àmediação” ganha, junto aos partidários desta técnica, um novo impulso, repugnandoos meios jurídicos clássicos de resolução de conflitos. De modo geral, a variedadede práticas da dita justiça restaurativa promove meios alternativos à justiça penalcomo forma de resolução de conflitos, representando uma tentativa de afastar o poderjudiciário deste campo.

13 A doutrina faz a distinção entre as noções de “resolução” e “transformação” de conflitos. A “resolução econflitos” encontra seu princípio nos métodos de gerenciamento de crises oriundo do direito e das relaçõesinternacionais, enquando a “transformação” de conflitos é evocada numa perspectiva analítica da psicologiasocial.Lefranc, Sandrine. Du droit à la paix. La circulation des techniques internationales de pacification parle bas.Actes de la recherche en sciences sociales. Paris, n. 174, sep-2008.

14 Este processo de labelisation de práticas pode ser interpretado como um reflexo das lutas por afirmação deuma série de instituições (e das técnicas por elas difundidas) neste espaço de transição.

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Entretanto, paralelamente à constituição de instâncias alternativas às jurisdiçõespenais, a realidade conflituosa do fim do século XX e inicio do século XXI darálugar à emergência de um outro movimento, erigindo a noção de accountability(responsabilização) à uma obrigação moral intransponível.É o que se convencionouchamar de justiça retributiva ou retributive justice. Com efeito, após a consagraçãodas políticas do perdão, da memória e da verdade, a justiça de transição se voltou paraa “punição-sanção”, refutando o valor das anistias enquanto mecanismo de prevençãode reincidência da violência.Neste contexto, os mecanismos jurisdicionais de resolução de conflitos ligados

à justiça retributiva serão difundidos principalmente por atores da área jurídica,mobilizando-se pela transformação do direito penal, dos direitos humanos e dodireito humanitário internacional. Esta movimento em favor valorização da ruleof law na seara internacional será em grande parte responsável pela instauraçãode um processo de juridicização e judiciarização15 das questões que envolvemsituações de guerra e paz.Com efeito, a filosofia da retributive justice vai ressaltar a importância do

caráter pedagógico e dissuasivo dos procedimentos criminais em nome da lutacontra a impunidade. Os defensores da justiça retributiva encontram no Tribunalde Nuremberg (1945) a afirmação primeira do conteúdo moral da noção deaccountability.A criação, um ano mais tarde (1946), em Tokyo, de um tribunal comcompetências análogas, viria confirmar a universalidade da tendência à primaziado direito na arena internacional. Como ressalta HAZAN, a herança dos crimescometidos pelo regime nazista alemão iria fornecer “a legitimidade, construir oarcabouço moral e juridico e ensaiar o que viriam a ser, décadas mais tarde, asinstituições, os valores e as práticas da justiça de transição”16.Grandes transformações geopolíticas (o genocídio Ruandês, a guerra no Kosovo,

as intervenções no Iraque e na Somália e o conflito separatista na região dos Bálcãs)irão marcar a evolução das normas do direito internacional, cedendo lugar à afirmaçãoplena da justiça penal internacional. É umperíodo de glória para o direito internacional,com a instauração do Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia (TPII) em1993, seguido da implantação, no ano seguinte, do Tribunal Penal Internacional paraa Ruanda (TPIR). Estes modelos de instância jurisdicional transitória e ad hoc serãoposteriormente replicados em outros contextos17, renovando a esperança na jurisdiçãopenal enquanto meio de prevenção de conflitos mundiais e reforçando as mobilizaçõespara a criação de uma Corte Penal Internacional permanente.É assim que, em respostaa conflitos pontuais, vai consolidando-se este processo de juridicização de crises,afirmando a primazia da rule of law, redefinindo valores universais e promovendo a

15 A noção de juridicização tem a ver esta ligada à produção de normas juridicas ao nivel internacional;enquanto o termo de judiciarização faz referência à promoção e implementação de instituições noâmbito do poder jurisdicional.

16 Hazan, Pierre. Juger la guerre, juger l’histoire. Paris, Puff, 2007, p.17.17 Timor Leste, Serra Leoa, Camboja, Libano.

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evolução de uma série de normas jurídicas18; culminando com a assinatura do Estatutode Roma e a entrada em vigor do TPI (Tribunal Penal Internacional).Este processo de revalorização do direito internacional vai produzir efeitos também

nas jurisdições internas, afirmando-se como uma problemática verdadeiramentetransnacional. Neste sentido, a ordem de prisão do ditador chileno Augusto Pinochetemitida por um juiz espanhol e cumprida pelas autoridades britânicas é testemunha deum movimento de “internacionalização dos tribunais nacionais”19.A decisão do juizespanhol irá iniciar o que Julien Seroussi chamou de “explosão do contencioso dacompetência universal” 20.Vale ressaltar que toda esta mobilização em favor da retributive justice não exclui,

entretanto, o espaço conquistado pela justiça restaurativa. Um bom exemplo é acoexistência das duas instâncias em diversos contextos, assim como a instituição, noseio da Corte Penal Internacional, de uma comissão responsável pela reparação dasvítimas, numa clara tentativa de conciliar os dois approches da justiça de transição.

2 - Um Conceito “Polivalente” Legitimando uma Variedade de Práticas: aConsolidação do Mito Universal

Pelo que se observa, uma variedade de modalidades de “gestão de crises” - quese confudem, se fundem, se opõem ou se complementam segundo as circunstâncias -podem ser agrupadas em torno do que conhecemos hoje por justiça de transição.Esta“permeabilidade” empregada à noção de “justiça de transição” nos parece decorrer, emtese, da interface destas duas palavras que compõem a expressão – justiça e transição – asquais se prestam amúltiplas interpretações, haja vista, em principio, a noção de valor quepode ser agregada à primeira (justiça) e a subjetividade temporal da segunda (transição).A interpretação, em conjunto, destes dois termos, não poderia resultar em outra coisasenão numa confirmação da plasticidade subjetiva do conceito associado à justiça detransição, revelando a sua capacidade de adaptar-se a diferentes contextos de crise.Daí resultam diferentes definições, todas de certa forma fluidas e extremamente

abrangentes. Privilegiamos citar apenas algumas, afim de ilustrar, de um lado, aporosidade das fronteiras da definição deste conceito, e de outro, a possibilidade deidentificação de pontos de convergência entre diversas definições.Umdos principais atores no campo da justiça de transição, responsável pela difusão e

implementação de suas técnicas em varios contextos, salienta que: “a justiça de transiçãonão é uma forma especial de justiça, ela é a justiça adaptada a sociedades em processo

18 Neste sentido, é interessante ressaltar, por exemplo, o debate originado em torno da noção de genocídioapós os eventos de 1994 na Ruanda. O termo genocídio passou a ser utilizado por uma serie de profissionaisestranhos aomeio jurídico, dando origem a uma dinâmica de etiquetagem ou labelisation que implica no usodo termo em situações bem distintas das descritas no seu tipo penal.

19 Seroussi, Julien.Lacausede la compétenceuniverselle.Notede recherche sur l’implosiond’unemobilisationinternationale.Actes de Recherche en Sciences Sociales. Paris, n. 173, juin-2008. p. 99-109.

20 Ibid, p. 108.

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de transformação após um período de perversas violações de direitos humanos”21. Paraesta organização, cujo fundador foi uma das figuras marcantes da Comissão de VerdadeSulafricana, a justiça de transição busca o reconhecimento das vítimas e a promoção dapaz, da reconciliação e da democracia, incluindo as seguites iniciativas: persecuçõescriminais (criminal persecution),comissões de verdade e reconciliação (truthcommissions), programas de reparação – material e moral – de vítimas (reparationsprograms), gender justice (caracterisando a impunidade de crimes contra pessoas dosexo feminino), reforma do sistema de segurança publica (securitu system reform)incluindo as reformas do poder judiciário, a polícia e o exército, institucionalização deatos memoriais (memorialization efforts) compreendendo museus e monumentos querecontem a história dopaís e homenageem as vítimas22. Portanto, apesar de identificaros objetivos e técnicas da justiça de transição, o ICTJ deixa o conceito de transitionaljustice em aberto23, confirmando nossa hipotese de um conceito fluido e maleavel.

AOnu24 enfatisa a importância deumaabordagemcompreensiva datransitional justice,salientando que os mecanismos da justiça de transição deverão incorporar toda uma gamade medidas judiciais e extra-judiciais, incluindo, entre outras, persecuções criminais,reparações, busca da verdade e reforma institucional, para assegurar accountability(responsabilização) e justiça, garantindo a devida atenção às vítimas pormeio de remédiosde reparação, promovendo a paz, a “cura” e a reconciliação, e estabelecendo um sistemade segurança pública independente a fim de restaurar a confiança nas instituições estataise promver a rule of law, os direitos humanos e a democracia.

De acordo com Ruti TEITEL, a justiça de transição engloba cinco elementos: ajustiça penal, a justiça histórica, a justiça reparatória, a justiça administrativa e ajustiça constitucional de transição. A partir da reflexão de TEITEL, encontramos oselementos da narrativa que obedece à dinamica na qual se inscreve o direito à verdade, avalorização do papel das vítimas e seu direito à reparação (civil e criminal), a luta contraa impunidade, a democratização e a rule of law como fundamento da transição.Diante destas várias e respeitáveis definições emprestadas ao termo, é forçoso

considerar que o emprego da justiça transicional encontra hoje uma definição amplae abrangente, visando legitimar uma variedade de discursos e práticas de umamultiplicidade de atores que mobilizam todos o mesmo jargão técnico.Os direitoshumanos e os princípios da democracia liberal definem o tom e (re)estruturam osprincípios que se impõem progressivamente nas diversas arenas onde o conceito éaplicado/aplicável. De qualquer forma, a retórica fundada na “moral universal” é ounico ponto de convergência de todos os discursos, legitimando, pois, as diversasdefinições que encontradas para a expressão justiça de transição.

21 Definiçao encontrada no site da instituição: http://ictj.org/en/22 Ibid23 “Estas iniciativas formam a base da transitional justice elas devem ser vistas como uma lista exaustiva,

sendo possivel o desenvolivmento de outras técnicas. Dados obtidos no site da instituição, disponivelem http://ictj.org/en/tj/#1

24 Human Rights Council, Resolução 9/10: Human rights and transitional justice

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Neste sentido, é importante lembrar que, como todo fenômeno social (sócio-político), a institucionalização de mecanismos de justiça transicional não se produzex nihilo. Ela é produto de interações que se projetam (e que se concretizam)neste “espaço de transição” que se materializa em diversas arenas.A importânciaque ganha a justiça de transição ao longo dos anos – enquanto mecanismo deresolução e de prevenção de conflitos – é sem duvida fruto de mudanças nocontexto geopolítico, obedecendo à racionalidade própria de diversos atoresna concretização de seus interesses pessoais, profissionais, institucionais e/ouestatais. Desta forma, a criação, institucionalização e afirmação de mecanismosde justiça de transição não escapa à(s) dinâmica(s) da(s) luta(s) por poder político,econômico e social – no seio da(s) qual(is) se insere uma batalha profissionalde legitimação, valorização e afirmação de determinadas carreiras e trajetóriasprofissionais.Poder-se-ia assim dizer que o espaço conquistado pela justiça de transição é

igualmente produto do vai-e-vem de dinâmicas institucionais, da circulação deatores de um campo a outro, da confluência de dinâmicas internas e internacionaise da racionalidade de profissionais, deste novo métier de construção da paz. A“permeabilidade” da expressão reflete, portanto, uma enorme fluidez deste campode atuação. Nesta arena de transição, circulam juristas, jornalistas, antropólogos,cientistas políticos, psicólogos e assistentes sociais e sociólogos, que se denominam“especialistas” da construção da paz e da reconstrução pós-conflito, posicionando-selado a lado com atores do que se convencionou denonimar diplomacia clássica. Nestesentido, tem-se esta variedade de personagens que se engaja na circulação das idéiase na difusão de um discurso moralizante em nome de uma paz universal, forjandoo conceito da justiça de transição e divulgando suas práticas. Assim, a definição deconceitos, a adaptação das técnicas e amobilização de recursos – humanos e financeiros– na área da justiça de transição, não é restrita ao campo jurídico, refletindo trajetóriasprofissionais bastante distintas.Diante deste contexto, somente uma retórica focada na universalidade da justiça de

transição – que fornece a base do conteúdomoral do discurso – seria capaz de justificare legitimar a participação desta multiplicidade de atores na institucionalização dosprocessos de justiça de transição: no “universal” é possível encontrar legitimação paratoda uma gama de práticas institucionais.Em decorrência desta vasta gama de profissionais dedicados às políticas de

paz, ao longo das últimas décadas, observamos uma proliferação de OrganizaçõesNão Governamentais e de redes internacionais da sociedade civil especializadas naconstrução da paz, na resolução de conflitos e, precisamente, na justiça de transição:International Center for Transitional Justice (ICTJ), African Transitional JusticeResearch Network, Centre for the Study of Violence and Reconciliation (CSVR),internationalAlert, International CrisesGroup (ICG), ConciliationResources, Institutefor Justice and Reconciliation (IJR), Coalition for the International Criminal Court,dentre tantas outras.

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Além disto, organizações amplamente reconhecidas por sua atuação transnacionalna defesa dos direitos humanos, ainda que não se dediquem exclusivamente à causa dajustiça de transição, foram de certa forma “forçadas” a adaptar seus discursos, a fim dese inscreverem na dinâmica das transições pós- guerra e assegurarem seu espaço nestenovo campo que une a “diplomacia da justiça” à “diplomacia da paz”. É o caso daAnistia Internacional, da Human’s Right Watch e da FIDH (Federação internacionalde direitos humanos), mas também da Oxfam, da Open Society, da Rede Caritas, daSearch for Commun Ground – para citar apenas algumas ONG´s que estão atualmenteenvolvidas em atividades ligadas à justiça de transição e à resolução de conflitos emdiversas partes do globo.Também as organizações intergovernamentais tiveram de se adaptar às “exigências

modernas” da transição. A criação de departamentos e programas específicos no seiode certas instituições faz prova da necessária renovação dos quadros, visando adequaras práticas destas instituições ao imperativo da gestão de conflitos.O PNUD, porexemplo, criou um setor de prevenção de crises, para atuar na área de “prevençãode conflitos e consolidação da paz”, “desarmamentos, desmobilização e reinserção”,“desminagem”, e “fortalecimento do Estado de Direito”25.AUniãoAfricana possui seupróprio Conselho de Paz e Segurança e o Banco Mundial financia, já há alguns anos,“projetos de prevenção de crises” e de “reconstrução pós-conflitos”. Estes exemplosrevelam que as noções de segurança humanitária, desenvolvimento econômico econsolidação da democracia (realização de eleições, reforma do setor de segurançapública e do judiciário, luta contra a corrupção) se misturam às questões primordiaisda justiça de transição (direito à verdade, luta contra a impunidade, reconhecimentoe reparação das vítimas), confirmando, mais uma vez, a plasticidade dos conceitos (eprocedimentos) que procuram encontrar respostas ao complexo contexto das políticasde transição.Os Estados soberanos também desenvolveram, no seio de suas instituições

diplomáticas, setores de cooperação especializada em matéria de direito penalinternacional. Ora, a justiça de transição ainda resta prisioneira desta cooperação,haja vista o princípio da soberania dos Estados e a ausência de uma força policialinternacional. Como salientamRon Levi e Heather Schoenfeld à propósito do TribunalPenal Internacional para a Iugoslávia, “mesmo se as Nações Unidas demandaremoficialmente aos Estados que cooperem com as enquetes do Tribunal Penal, na prática,o acesso do parquet aos documentos de prova, seu poder de prisão ou sua capacidadede interrogação de testemunhas continua dependente da vontade dos Estados decooperar com o Tribunal”26.As breves considerações acima, exemplificando o engajamento das ONG´s e

das OI´s nas situações de transição para a paz, são reveladoras da afirmação destenovo campo, que encontra reconhecimento nestes espaços institucionais criados

25 Dados disponíveis no site do PNUD. http://www.undp.org/french/focusareas/crisis.shtml/26 LEVI, Ron. Schoenfeld, Heather. Médiation et droit pénal international. Actes de la recherche en sciences

sociales. Paris, n. 173, sep-2008.

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pelo discurso e pela prática das técnicas da justiça de transição. Se por um lado estamultiplicidade de atores legitimam a existência destas instituições27; de outro, são asinstituições onde pode ser exercida toda uma gama de expertise ligada à justiça detransição,que inversamente legitimamas trajetóriasprofissionaisdestesmesmosatores.Assim, a evolução do conceito de justiça de transição (definição de seus elementosconstitutivos e limites) é, na realidade, um processo de legitimação recíproco: éatravés dos discursos, das trajetórias profissionais e das práticas institucionais dosatores, que as instituições encontram sua legitimidade, ao mesmo tempo em que estasúltimas legitimam tais discursos, carreiras e ações.Em todo caso, é em razão dos investimentos múltiplos dos agentes da comunidade

internacional que a justiça de transição conquistou seu espaço, constituindo-se hojenuma “quase-obsessão” no gerenciamento de processos de crise.Nada mais lógico.Como já foi ressaltado, uma prática que se diz tão universal não poderia ser difundidase não fosse a atuação de toda esta gama de atores que se dizem sensíveis à causa dapaz e se nomeiam representantes dos interesses coletivos da humanidade.Portanto,é forçoso reconhecer que apesar da universalidade proclamada e das boas intençõesanunciadas pelos atores, os mecanismos de justiça de transição ainda estão aquémdos propósitos a que se prestam. Muitas são as lições que já se pode tirar da aplicaçãoprática dos procedimentos de justiça de transição.

3 - A Outra Face do Mito

Se por um lado os mecanismos da justiça de transição se apresentam como uma“fórmula mágica”capaz de assegurar uma paz estável e duradoura, um balançodestas experiências nos leva a crer que elas não estão à altura das expectativasque são criadas em torno da figura da justiça de transição. Aparentemente, a“justiça perfeita” – que deveria moralizar o mundo, recolocar a humanidade nobom caminho, dissuadir a violência, campeã da verdade – ainda não encontrou“instituições perfeitas”, capazes de concretizar tantas promessas. A apreciação dosresultados da implementação de medidas de justiça transicional resta, em ultimaanálise, no mínimo controvertida e ambígua.Evidentemente, não se trata, por ora, de fazer uma avaliação da eficácia dos

procedimentos de justiça de transição.Não obstante, consideramos ser importante ressaltaralgumas das criticas feitas aos mecanismos da justiça transicional, a fim de fomentar odebate acadêmico. Uma primeira questão que se presta à reflexão concerne a proclamadauniversalidade dosmecanismosde justiça de transição.Ora, a experiênciamostrouque estalógica universal provou-se seletiva : os atores privilegiando algumas crises em detrimentode outras. Assim, vale pensar sobre as conseqüências dos jogos políticos, das lutas porpoder econômico e dos interesses geoestratégicos em tais contextos.

27 Tribunais ad hoc, Corte Penal Internacional, ONG internacionais, ONG locais, Comissões de Verdade,Institutos de pesquisa,Universidades,Departamentos especializados dosMinistérios deRelaçõesExteriores,Organizações Intergovernamentais.

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Neste sentido, já foi lembrado que as motivações que resultaram na intervenção doReino Unido, dos Estados Unidos e da Onu na resolução da crise em Serra Leoa tiverammotivações majoritariamente de ordem pessoal, minimizando a moral universalidadetão proclamada. Roland Marchal28 ressalta o “engajamento pessoal de Tony Blair – e,conseqüentemente, doReinoUnido”emfunçãodoescândalodosmercenáriosdaSandline.Damesma forma, segundoMarchal, a disposição dos Estados Unidos em colaborar com ainstauração de um tribunal penal na Serra Leona tem haver com “a vontade americana demostrar que uma juridição ad hoc seriamais eficaz emenos onerosa” que a criação de umaCorte Penal Internacional permanente, à qual os Estados Unidos sempre se mostraramreticentes29. Por fim, a publicação de relatórios deONG´s (como aHuman’s RightsWatch)denunciando os “diamantes de sangue” pressionou as Nações Unidas, notadamente emvirtude da sua repercussão na mídia, motivando-a a agir. No que concerne o genocídio deRuanda, a rápida instauração do Tribunal Penal Internacional ad hoc logo após o fim dacrise, é tida como um reflexo da culpabilização da comunidade internacional que havia semostrado incapaz de evitar o genocídio dos Tustis.

Ademais, insta ressaltar que, se por um lado, as motivações pessoais (ouinstitucionais) batem de frente com a proclamada universalidade da justiça detransição, por outro lado, uma série de conflitos não encontraram um caminho parapaz com base nesta “fórmula toda poderosa”. É o caso da República Democráticado Congo, onde após a assinatura de diversos acordos de paz, da proclamação deanistias, e da mobilização de procedimentos de mediação no seio de comunidadesbastante afetadas pela guerra, o conflito persiste de maneira mais ou menosgeneralizada em diversas regiões do país. Ainda, é forçoso reconhecer a inação dacomunidade internacional diante do apelo do clero angolano na última fase de umaguerra civil que vai durar quase três décadas. O Comitê Interclesial para a Paz30demandou a intervenção dos atores internacionais objetivando uma solução pacíficapara o conflito, baseada na mediação e num amplo diálogo nacional. Entretanto, osatores engajados na defesa da justiça de transição ignoraram o pedido de socorrodos angolanos, tendo a guerra chegado a termo em 2002, com a morte do líder daUnita (Jonas Savimbi), sem que a comunidade internacional tenha efetivamenteparticipado das negociações de paz31.Como resultado desta inação da comunidade

28 MARCHAL, Roland. Justice internationale et réconciliation nationale: ambigüités et débats. PolitiqueAfricaine. Paris, n.92, déc- 2003.

29 Os Estados Unidos assinaram o tratado na gestão de Bill Clinton, mas ele nunca foi ratificado. O governoBush engajou-se numa forte campanha contra a CPI, firmando, com diversos Estados, uma série de acordosbilaterais estatuindo a proibição da transfêrencia de nacionais americanos à Corte Penal Internacional. Emfevereiro de 2009 o presidente Barack Obama salientou anunciou publicamente seu apoio à CPI mas osEstados Unidos ainda não ratificaram o Tratado de Roma.

30 O comité intereclésial para a paz foi uma instância associativa reunindo diversas igrejas, notamente as igrejascatolicas e protestantes.

31 As Nações Unidas, os Estados Unidos, Portugal e Rússia (posteriormente ex-União Soviética) participaramde dois acordos de paz que não renderam os frutos esperados (Acordos de Bicesse, em1991; e Protocolo deLusaka, em 1994).

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internacional, coube aos angolanos definir seu próprio destino, preferindo estes àspolíticas do silêncio à verdade; o perdão à sanção.Se o caso angolano é apenas mais um exemplo da “seletividade” encontrada no

espectro desta suposta moral universal apregoada pela justiça de transição, a situaçãode Angola faz emergir outra reflexão; tocante ao direito à verdade, que é consideradocomo um dos pilares da justiça transicional. Quem se beneficia efetivamente com averdade? Inversamente, a quem, e a quê poderia servir o silêncio? Contrariando odiscurso da justiça de transição, é possível imaginar uma situação em que a população,cansada da guerra, prefira calar-se e seguir adiante, ao invés de debater longamente osanos de conflito, invocando sofrimentos que agora quer-se enterrar no passado. Nestesentido, em que medida a justiça de transição espelha realmente as expectativas dasvítimas em relação aos processos de paz?Outras críticas se fundam no limite (a)temporal do “período de transição”. É

possível identificar elementos constitutivos de uma “fase de transição”? Quandoela começa? Quando ela pode ser declarada finda? Tais interrogações encontramrespaldo na análise do caso Colombiano. Ainda que não se possa falar em período detransição para a paz – haja a vista a persistência de um conflito armado no país, já épossível identificar uma vasta gama de atores que se engajam na implementação demecanismos de justiça de transição em território colombiano. Da mesma maneira, ainculpação, pelo TPI (Tribunal Penal Internacional ou Corte Penal Internacional), dopresidente em exercício no Sudão, leva-nos a questionar sobre a real existência deuma transição (seja ela “política” ou “pacífica”), sabendo-se que a paz ainda não foiassegurada na região do Darfur. Assim, a chamada justiça de transição é confrontadaa um presente violento, e não mais a um “passado traumático” – o que representa umasérie de conseqüências políticas, diplomáticas, jurídicas e sociais.Por outro lado, se a expedição de um mandado de prisão contra Omar Al Bashir é

amplamente celebrada nas arenas onde se pratica o direito internacional, é ainda difíciljulgar se ele será efetivamente levado a cabo. A questão suscitou, a priori, vigorosascríticas do corpo diplomático, sendo levantada a hipótese de que a inculpação dopresidente sudanês viria a prejudicar as negociações de paz em curso, impedindoassim que os conflitos na região do Darfur e no sul do Sudão chegassem a seu termo.Por outro lado, o efetivo cumprimento do mandado de prisão expedido pelo TPIencontra resistência na ausência de vontade política dos Estados para cooperar com aCorte Internacional. Os países membros da União Africana já manifestaram apoio aopresidente sudanês, mobilizando-se para fazer pressão junto ao Conselho de Segurançada ONU com vistas à aplicação do artigo 16 do Estatudo de Roma32.Desta maneira, a implementação da Corte Penal Internacional ainda suscita

dúvidas quanto ao bom exercício de seu mandato. As reflexões feitas acima sobreo caso do Sudão não esgotam os questionamentos acerca da efetividade da CPI.Conseguirá a corte inculpar e julgar sem discriminação?Aeste respeito, interroga-se a

32 O artigo 16 do Estatuto de Roma autoriza a concessão de um sursis e a suspensão da investigação criminalsob demanda pelo Conselho de Segurança da ONU.

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respeito da atuação da CPI vis-à-vis dos países africanos33. Rolando Marchal perguntase ela não seria uma corte de justiça para julgar os chamados failed states? Sendosua competência limitada aos países signatários do Tratado de Roma, conseguirá acorte, algum dia, promover a acusação de representantes das grandes potências quese recusam a assinar a convenção internacional?Ainda, no tocante à sua competência,saberá a ela respeitar a jurisprudência herdada dos tribunais ad hoc34?Aindependênciadasinstânciasjudiciáriasinternacionaiscomrelaçãoao(s)poder(es)

político(s) em exercício não é matéria restrita à CPI. Vários trabalhos já se dedicarama esta reflexão no âmbito das instâncias transitórias que precederam a criação da CortePenal Internacional. Florence Hartmman faz um levantamento interessante sobre aingerência das grandes potências junto às jurisdições internacionais, sublinhando, apropósito do Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia (TPII), as manobraspolíticas que envolveram a acusação de Slobodan Milosevic35. Por sua vez, o TribunalPenal Internacional para o Ruanda (TPIR) já foi considerado como uma “justiça devencedores”. Helene COBBAN ressalta que a comissão de enquete é impotente faceà ausência de colaboração do governo ruandês36 e Thierry CRUVELLI demonstra queas investigações contra o FPR (partido que assumiu o poder após o genocídio) custama avançar, não se sabendo mesmo se elas serão levadas a cabo37.A competência universal, quanto a ela, já foi igualmente objeto de críticas virulentas:

alguns sustentam sua propensão a se transformar num campo de batalha para lutas de forçaentre os poderes judiciários e o executivo nacional, enquanto outros alegam que ela poderiase revelar um artifício para fazer valer as vaidades pessoais de alguns “juizitos”38 em buscade algunsminutos de fama internacional.Ainda é de se ressaltar que competência universalpode colocar em xeque a vontade política e a capacidade institucional dos Estados quea reclamam. Neste sentido, o caso Belga se afigura como um bom exemplo. Entre 2001e 2003 mais de trinta processos contra chefes de Estado foram ajuizados até que duasrazões levaram o parlamento a revogar a lei que legitimava a competência universal noâmbito interno: o número indiscriminado de demandas e o fato que certos procedimentoscolocavam em risco as relações diplomáticas do Estado39.

33 Atualmente quatro casos estão em análise na Corte Penal Internacional. Todos os quatro envolvem países docontinente africano (República Democrática do Congo, Uganda, Sudão e República Centro Africana). Umnovo procedimento (situation) em relação ao Kenia aguarda seguimento.

34 Apropósito do conflito de jurisprudência entre os tribunais, ver notadamente Pierre -Yves Condé. Causes dela justice internationale, causes judiciaires internationales. Note de recherche sur la remise en question de laCour internationale de justice.Actes de Recherche en Sciences Sociales, Paris, n.174, p. 24-33, sep-2008.

35 Hartmann, Florence. Paix et châtiment. Les guerres secrètes de la politique et de la justice internationales.Paris, Flammarion, 2007, p. 319.

36 COBBAN, Helene. Healing Rwanda: Can international court deliver justice? Boston review, artigodisponível em http://bostonreview.net/BR28.6/cobban.html.

37 CRUVELLI, Thierry. Le tribunal des Vaincus. Un Nuremberg pour le Rwanda? Paris, Calmann-Lévy,2006.

38 MARCHAL Roland, op. cit.39 Seroussi, Julien.Lacausede la compétenceuniverselle.Notede recherche sur l’implosiond’unemobilisation

internationale.Actes de Recherche en Sciences Sociales. Paris, n. 173, p. 99-109, juin-2008.

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Estes exemplos nos fazem repensar a “aparente” autonomia das instâncias dejustiça de transição. É forçoso concluir que a sua independência em relação às lutaspolíticas ainda resta no mínimo ambígua. Por outro lado, a extensão dos mandatosdestas instâncias jurisdicionais parece também ser alvo de críticas. A competênciados tribunais, ordinariamente restrita à persecução dos “grandes responsáveis” poratos de violação “grave” aos direitos humanos, coloca em xeque o fundamento daluta contra a impunidade com base na accountability. Os tribunais são confrontadoscom a necessidade de retraçar toda uma cadeia hierárquica visando identificaros “principais responsáveis” ou os mandatários dos crimes, e isto, a despeito dasviolações ao direito serem cometidas essencialmente por aqueles situados na basedesta pirâmide hierárquica. Vale questionar: não seria “imoral” excluir certoscriminosos da persecução criminal? Mais uma vez, somos levados a crer que estajustiça que se diz universal encontra limites difíceis de serem ultrapassados.Por demais, insta ressaltar que os altos investimentos nas instâncias de justiça

de transição se confrontam com a falência dos sistemas jurídicos internos. A tituloexemplificativo, podemos citar que o orçamento daCorte Especial para a Serra Leoa noano de 2002-2003 ultrapassava os 25milhões de dólares, enquanto o sistema judiciáriolocal, na mesma época, era incapaz de atender às necessidades mais elementares dapopulação, contando com um número insuficiente de juízes (em 2002 o país dispunhade apenas 13 magistrados nas cortes locais) que eram obrigados a trabalhar em sistemade rotação, dada as precárias condições de trabalho (falta de energia elétrica, númeroinsuficiente de cadeiras e mesas, uma biblioteca quase inexistente).A reflexão que este caso de figura incita nos parece de extrema relevância,

levando-nos a imaginar que a reforma do Poder Judiciário da Serra Leoa poderiaser um outro caminho para assegurar uma transição eficaz. Portanto, saberia acomunidade internacional reconhecer tais benefícios em detrimento dos seuspróprios? Justifica-se um investimento tão grande nas instâncias transitórias detransição, quando o emprego do mesmo valor poderia servir para reformar, deforma durável, o Poder Judiciário local? De que adianta punir os grandes culpadospela guerra, se os problemas que afligem a população no dia a dia são ligados aofurto de gado, sem que ela tenha a quem recorrer?Em que medida as prioridades dacomunidade internacional não entram em conflito com as prioridades cotidianas dacomunidade local? Como são hierarquizadas estas prioridades e quais os ganhosreais para a população atingida?Ajustiça (seja ela penal ou civil) pressupõe a existência de uma relação de equilíbrio

entre as partes, que devera ser mantida do início ao fim do processo. Sabendo queno campo de batalha, onde se materializam os conflitos, as relações de força sãoraramente equilibradas, quid iuris das situações em que uma das partes em questãoencontrava-se, no campo de batalha, em posição mais avantajada que a outra? Será ajustiça capaz de transformar uma relação assimétrica vertical criada pelo conflito emuma relação horizontal equilibrada? Quais os reflexos das relações de força do campode batalha nas instâncias da justiça de transição?

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No que toca particularmente à restaurative justice, as críticas em relação àComissão de Verdade e Reconciliação da África do sul são numerosas, ainda queseus resultados sejam vangloriados por grande parte da comunidade internacional.Com efeito, André DU TOIT40 ressalta que há um enorme gap entre a apreciação queé feita Truth and Reconciliation Commission na África do Sul e a apreciação que éfeita desta mesma instância no resto do mundo. Por sua vez, WILSON traz a baila adissonância entre o que é considerado como justo pelas vítimas do apartheid e pelaselites políticas sulafricanas41. Ele descreve a incapacidade da Comissão de Verdade eReconciliação em afastar o desejo de vingança que ainda atormenta a grande massados sulafricanos que sofreram com as políticas raciais. De outro lado, esta comissão,que deveria salvar a nação e fundar uma nova sociedade, não conseguiu se desfazer dasamarras políticas. Ora, o relatório negligencia largamente a estrutura social, políticae ideológica do apartheid, tratando indiferentemente das violências cometidas pelogoverno e daquelas cometidas na luta contra a ideologia racista do regime. Ainda, notocante às reparações, seria pertinente indagar seus resultados efetivos já que algumasvítimas dizem sentir que foi um custo muito alto a pagar em nome da verdade42.Uma outra reflexão é feita em torno dos “elementos constitutivos” da justiça

restaurativa. A escritura de uma história oficial, ainda que a várias mãos, não levariaao reforço dos antagonismos, acirrando uma “guerra de verdades” e afastando assimqualquer chance de reconciliação? É possível ignorar a historicidade do contexto e astrajetórias individuais daqueles que sofreram com situações de conflito e pretenderfundar uma nova nação? E ainda, mais importante, de que maneira os mecanismosinstitucionais da justiça de transição permitem verdadeiramente a realização dosobjetivos que lhe são acordados?À guisa de conclusão, vale ressaltar que é atravez de uma análise socio-juridica da

evolução do conceito de justiça de transição, levando em conta os discursos e práticasdos diversos atores que a defendem, que podemos compreender a evolução do seuconceito e identificar toda uma gama de métodos de resolução de conflito calcadas norespeito aos direitos humanos e numa rétorica fundada numa suposta moral universal.Por outro lado, é forçoso concluir que, apesar da justiça de transição ter impulsionadograndes avanços (normativos eprocedimentais) na searadodireito internacional ehaverefetivamente contribuido para a concretização da paz em diversos contextos, ela nãoesta a salvo decríticas – nem mesmo daqueles que a apoiam. Com efeito, poderiamosdizer que é necessario repensar os objetivos traçados, aprimorar os meios utilisados,e compreender as reais possibilidades oferecidas pelo contexto de transição, ao nivellocal e internacional. Algumas reflexões, neste sentido, visam chamar a atenção dosdefensores da justiça de transição para a singularidade das diversas crises e para a

40 DUTOIT,André. La commission vérité et réconciliation sud-africaine. Historie locale et responsabilité faceau monde. PolitiqueAfricaine, Paris, n. 92, p.97/98, déc-2003.

41 Wilson,RichardA.The Politics ofTruth andReconciliation in SouthAfrica: Legitimizing the Post-ApartheidState. NewYork, Cambrige University Press, 2001.

42 André DUTOIT, op cit., p 113.

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A Justiça de Transição como Modelo de Gestão de Conflitos: um Mito Universal? 115

importância da historidade dos fatos e da identificação das causas estruturais dosconflitos; pois é forçoso reconhecer que uma única receita não seria capaz de atenderàs prioridades de atores tão distintos. Neste sentido, uma atenção especial precisa serconferida à circulação dos atores em diversas arenas e às relações de poder (político,econômico ou simbólico) em jogo. Da mesma forma, é preciso ter como ponto departida as expectativas das vítimas, em termos do significado de justiça (o que é justo)e de moral (o que é moral), a fim de evitar frustrações desnecessárias. É sem dúvidauma tarefa difícil. Somente uma análise profunda de todas as complexas questões queenvolvem a justiça de transição, a partir das lições tiradas de expêriencias passadas,podera fazer evoluir os procedimentos de justiça de transição.

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Desenvolvimento e Comércio: a Viabilidade de uma CláusulaSocial na OMC

Karina marzano Franco1

ResumoO presente artigo visa relacionar, sob a perspectiva do Direito Internacional

Público, Comércio e Trabalho. O enfoque da pesquisa é o tratamento dispensado pelaOrganização Mundial do Comércio (OMC) ao tema, levando-se em consideração suainteração com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e os desafios à frente.

AbstractThe following article is aimed to relate, under the perspective of Public

International Law, Trade and Labour. The research’s approach is the treatment givenby the World Trade Organization (WTO) to this theme, considering its interactionwith the International Labour Organization (ILO) and the challenges ahead.

Sumário1. Introdução; 2. Contexto Histórico de Regulamentação entre os Temas Comércio

e Trabalho; 3. A Dificuldade de se Encontrar um Padrão Trabalhista UniversalmenteAceitável; 3.1 Custo Trabalhista Enquanto “Vantagem Comparativa”; 3.2 Relaçãoentre o Conceito de Vantagem Comparativa e o Direito de Resposta a Violação de umaObrigação Internacional; 4. Os Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho noÂmbito da OIT; 4.1 O Relatório Final da Comissão Mundial sobre a Dimensão Socialda Globalização; 5. Alternativas Viáveis dentro da Legislação Vigente da OMC; 5.1Aplicação dos Princípios Gerais de Direito Internacional; 5.2 O Possível Futuro Casodos EUA— S. 1631; 6. A Retomada da Querela — a “Busca em Vão” de uma PosiçãoÚnica e Definitiva; 6.1 Viabilidade/Imperiosidade das Cláusulas Sociais; 7. Conclusão

1. Introdução

A presente pesquisa relaciona os temas Comércio e Trabalho, sob o enfoque dotratamento a eles dispensado pela Organização Mundial do Comércio (OMC)2. Na

1 Mestranda emDireito da IntegraçãoEuropéia peloEuropa-Institut derUniversität desSaarlandes,Alemanha.Graduação emDireito pela UFMG. Coordenadora do Centro de Direito Internacional - CEDIN. Consultorado Nemer Caldeira BrantAdvogados.

2 Estaorganização,existenteemsuaformainstitucionalizadadesde1995,quandodaentradaemvigordoAcordode Marrakesh , principal resultado da Rodada Uruguai, tem como seu escopo principal fornecer o “quadroinstitucionalcomumparaaconduçãodasrelaçõescomerciaisentreseusMembros. (Assimoéconformeponto3 do “FinalAct Embodying theResults of theUruguayRound ofMultilateralTradeNegotiations”-Ato Finalenglobando os resultados da Rodada de Negociações Multilaterais sobre Comércio, o Acordo OMC entrou

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Desenvolvimento e Comércio: a Viabilidade de uma Cláusula Social na OMC 119

medida em que o Trabalho é fator no custo de produção, de certo a sua regulamentaçãorepercute no comércio, bem como, logicamente, nas normas que visam regulamentá-lo,por conseguinte, naOMC. Entretanto, enquanto um dos ramos doDireito InternacionalPúblico, o Direito Internacional do Comércio não é o único que se preocupa com aquestão, como será discutidomais à frente, devendo-se, portanto, igualmente, levar emconsideração a regulamentação do assunto de uma perspectiva mais global, incluindo-se, então, a interação da OMC com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) eos desafios que se colocam para o futuro.A relação entre comércio e trabalho, como dito acima, é de interdependência3.

Isto porque o trabalho é um dos fatores de produção de bens e serviços, ao lado devários outros como capital, tecnologia, etc. O resultado desta combinação é vendidono mercado, sendo este expandido através do comércio. A expansão dos limites domercado consumidor implica, porém, num crescimento do risco de competição.A questão é, que se do ponto de vista do comércio exercido dentro das própriasfronteiras de um país, a competição pode ser regulada através da legislação interna, talsolução não se apresenta tão simples do ponto de vista internacional4. Isso porque aslegislações diferenciam-se entre si, principalmente no que diz respeito, por exemplo,aos padrões de proteção trabalhista5.Diantedaintensificaçãodasrelaçõescomerciaisedainfluênciaqueregulamentações

internas podem apresentar, frente ao vivo processo de globalização, o contexto quese apresenta é de contraposição de interesses entre países em desenvolvimento,que apresentam mão-de-obra barata, e os países desenvolvidos, nos quais já foramimplantados altos padrões de proteção trabalhista. A título comparativo, em 2004, amédia do salário bruto do trabalhador urbano e rural – anual e por trabalhador – naChina era de 4,397 PPP; na Tailândia, em 2001, de 4,509; e 6,143 no México, em

em força em 1º de Janeiro de 1995; Ato final da Rodada Uruguai e Acordo de Marrakesh Estabelecendo aOrganizaçãoMundial doComércio -AcordoOMC, assinado pelos 124 países e aComunidadeEuropéia queparticiparam da Rodada Uruguai de Negociações; a Declaração de Marrakesh foi assinada em 15 deAbrilde 1994, que de acordo com seu ponto 6, a assinatura do ditoAto Final significa o início da transição oGATTpara a OMC;Artigo I.1 doAcordo de Marrakesh Estabelecendo a OMC, Marrakesh, 15 de abril de 1994).AOMC assume, neste seu papel, algumas atividades basilares, com destaque: em proteção de um comérciolivre, visa participar ativamente das concessões em matéria tarifária, de modo a se alcançar uma reduçãosignificativa destas barreiras, tendo como fim a sua extinção, bem como proíbe, igualmente, barreiras não-tarifárias (Conforme artigos I, II, III e XI, especialmente, do GATT – General Agreement on Trade andTariffs). Se propõe ainda enquanto fórum internacional para a negociação em assuntos relativos às relaçõescomerciais multilaterais de seus Membros (Artigo III.2 doAcordo de Marrakesh Estabelecendo a OMC) eapresenta um Sistema de Solução de Controvérsias, responsável pela efetivação de suas regras comerciais(Funções da OMC,Artigo III.3Acordo deMarrakesh Estabelecendo a OMC).

3 MENG, Werner, ‘International Labor Standards and International Trade Law’, chapter 11 in Benvenisti,Eyal & Nolte, Georg, The Welfare State, globalization, and International Law (Berlin, Heidelberg, NewYork, Hong Kong, London, Milan, Paris, Tokyo: Springer, 2003), p. 374.

4 Ibid.5 Conforme site da Organização Internacional do Trabalho (www.ilo.org), são 183 os Membros da OIT, que

apesar da tentativa de uma normativização mínima e do compromisso de implementação de uma padrãomínimo de proteção trabalhista, apresentam códigos de direito de trabalho distintos.

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2002. Já nos países de economia avançada, 36,444 naAlemanha em 2003; 42,028 nosEUA, em 2005; e 37,094 na Noruega em 20046.

Os países desenvolvidos declaram serem os países em desenvolvimento umaameaça aos seus interesses comerciais, diante da competição dos produtos e serviçosmais baratos emfunçãodosmenores custos trabalhistas7. Frente a tal prenúnciodeperdade espaço no mercado, dois mecanismos são empregados pelos países desenvolvidospara restabelecer sua posição de competitividade: (i) o recurso a barreiras comerciaisou (ii) a pressão para que os países aumentem seus padrões de proteção trabalhista8.As barreiras comerciais são, em regra, proibidas pela OMC, que apresenta, como jádito, seu Sistema de Solução de Controvérsias como mecanismo efetivo para fazervaler suas normas comerciais. Neste sentido, o tema do Trabalho torna-se pertinenteao escopo da OMC9. Isto porque ela é o alicerce da Globalização Econômica10, sendoque sua lei limita a soberania dos seus Membros em erguer barreiras comerciais contraoutros Membros.Por outro lado, o segundo recurso, ou seja, influência para a melhoria dos

padrões trabalhistas até ao menos um padrão tido como “mínimo necessário”11, oschamados “core labour rights”, ou direitos fundamentais do trabalho12, representauma preocupação (real ou de um altruísmo falacioso há que se discutir) com violaçõesa direitos humanos no campo do direito trabalhista. Muitas instituições incentivamo aumento da proteção ao trabalho, por exemplo, ao determinar este índice comocondição para o recebimento de empréstimos (Fundo Monetário Internacional – FMI;Banco Mundial). Mas também Estados, ao garantir preferências comerciais pendentesdo tratamento trabalhista implantados por outros países, visam a interferir no direitoadotado nacionalmente – Sistema Geral de Preferência (SGP)13.

6 Segundo o site http://www.worldsalaries.org , que fornece uma base de dados para comparação internacionalda média salarial de vários países, em valores do dólar americano em 2005, o qual denominam “PPPDolar”.

7 Neste sentido, ver “Fallacy#5” – Falácia nº 5, do discurso doDiretor Geral da OMC, Pascal Lamy, em 12 deabril de 2010 – “Facts and Fictions in International Trade Economics - Conference on Trade and InclusiveGlobalization”. http://www.wto.org/english/news_e/sppl_e/sppl152_e.htm - Lamy critica o argumento deEmmanuel Todd, segundo o qual “livre comércio entre países em desenvolvimento como a China e paísesindustrializados é a razão para a crise econômica.” Na opinião de Todd, “a competição oriunda de paísesde baixo custo de mão-de-obra pressiona os salários dos países desenvolvidos e causam uma deficiência nademanda agregada.”

8 MENG,Werner, Ob. Cit, p. 372.9 Justamente porque esta organização trata das sanções comerciais em geral.10 MENG,Werner, Ob. Cit, p.373.11 Ibid. p. 372.12 Em inglês, utiliza-se a expressão “core labor rights”, traduzida para o português como direitos fundamentais

no trabalho, conforme texto em português da Declaração da OIT sobre os princípios e direitos fundamentaisno trabalho e seu seguimento, 86ª. Sessão, Genebra, junho de 1998, presente no site da OIT Brasil, visitadoem 19 de Janeiro de 2010. http://www.oitbrasil.org.br/info/download/declaracao_da_oit_sobre_principio_direitos_fundamentais.pdf

13 Sistema Geral de Preferências (SGP) – Trata-se da concessão de tratamento tarifário preferencial a certosprodutos oriundos de certos países em desenvolvimento ou de menor desenvolvimento relativo quepreencham os requisitos impostos pelos países desenvolvidos outorgantes desse programa, em especial,

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Oque se observa é uma situação de assimetria quanto à regulamentação do trabalhono cenário do Direito Internacional Público, marcada por uma série de indefinições,tanto do ponto de vista do posicionamento dos países frente à questão, seja de formaindividual ou conjuntamente, como também sob o próprio ponto de vista institucional,na medida em que o tema se imiscui no âmbito de competência de duas importantesorganizações internacionais, OMC e OIT, sendo que ambas não apresentam, ainda,uma normativização objetiva do tema, nem uma construção jurisprudencial sólida.Ao lado da constatação dessa assimetria, coloca-se o debate sobre a necessidade

de, no futuro, a OMC introduzir uma cláusula social14 em um de seus acordos,enquanto uma interface com o tema Trabalho15. Independentemente da inclusão destacláusula, a OMC não pode abster-se das discussões relativas a direito do trabalho.Assim o é porque questões como a permissão de certos países ao trabalho infantil,ou a autorização de uso de trabalho forçado, sempre levantam a demanda pelo usode sanções comerciais para combatê-las. E a compatibilidade de tal recurso com asregras existentes da OMC sempre será questionada16.Dessa forma, uma distinção deve ser feita, posto que aqui se enquadram duas

questões: uma quanto à aplicação de medidas preventivas, como as barreirascomerciais, devendo esta ser respondida pela aplicação e interpretação das regrasvigentes da OMC e de direito internacional público, ao passo que questões sobreuma possível introdução de uma cláusula social diz respeito ao desenvolvimentodeste direito no futuro17, e a escolha da organização internacional competente paralidar com o tema.Este trabalho discute, portanto, o cenário apresentado acima, focando-se

especificamente nas questões de direito substantivo, ou seja, direito material e vigentedaOMC,mas sempreas enquadrandonasdiscussõespolíticas enocontextoeconômico,vez que o estudo desta temática pressupõe uma reflexão simultânea em um “únicoâmbito sócio-político-econômico-jurídico”18, assinalado por uma interdependência devalores, formando um todo indissociável.

requisitos em matéria trabalhista e social. DI SENA JR., Roberto. Ob. cit. p. 156. Council Regulation (EC)No 980/2005 of 27 June 2005, applying a scheme of generalised tariff preferences, OJ L 169/1, 30/06/2005,pp. 1-11 +Annexes I and III European Communities – Conditions for the Granting of Tariff Preferences toDeveloping Countries, complaint by India, Report of theAppellate Body,AB-2004-1,WT/DS246/AB/R, 7April 2004, at pp. 29-30, par. 78, pp. 34-49, paras. 89-118 and pp. 58-77, paras. 142-191.

14 Cláusula social pode ser definida, em termos legais, como qualquer cláusula em um acordo comercial queobriga os países signatários a respeitar direitos fundamentais do trabalho - GRANGER, Clotilde ; SIROEN,Jean-Marc. Core Labor Standards in Trade Agreements. From Multilateralism to Bilateralism. UniversitéParis Dauphine, Département d’Économie Appliqué. p.4. http://www.iddri.org/Activites/Conferences-internationales/21102005_CAT&E_siroen_com.pdf. E justamente por sua natureza contratual, é maisvinculativa que um compromisso moral, como ocorre na Declaração de Cingapura

15 MENG,Werner, Ob. cit., p. 373.16 Ibid.17 Ibid, p. 374.18 GAVA, Rodrigo. Ricos & Mendazes – O Dilema das Cláusulas Sociais nas Relações Multilaterais de

Comércio Internacional (Um Itinerário Sinuoso-Bloqueante para o Direito ao Desenvolvimento). EdiçõesAlmedina: 2008. p. 37.

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2. Contexto Histórico de Regulamentação entre os Temas Comércio e Trabalho

O comércio internacional, apesar de ser considerado o mais importante e maisantigo vínculo econômico entre os povos19, evoluiu ao longo dos séculos, com destaquepara a expressiva expansão, tanto do ponto de vista do alcance territorial, como daescala de produção20. O que se percebe, portanto, são os efeitos da Globalização21

diretamente interligados ao comércio internacional. Neste contexto, por ocasiãodas chamadas Conferências de Bretton Woods, que representam a necessidade dospaíses, ao final da 2ª Guerra, e tendo em vista o flagelo resultante das batalhas quedesestabilizou todas as relações econômico-comerciais, de discutir uma reestruturaçãodo cenário internacional, foram determinadas as bases da atual configuração dosistema multilateral do comércio.

Notadamente quanto à interação entre Comércio e Trabalho é justamente nestaocasião que se teve a possibilidade de se desenvolver a primeira regulamentação dotema, regulamentação esta que, porém, logo percorreu outros rumos22. O comérciointernacional passou a ser compreendido pelos Estados, por ocasião do fim da Guerra,como um instrumento essencial para a recuperação do progresso23, e é esta motivaçãodos principais atores desta Conferência que é importante de ser compreendida, poisinfluencia exatamente os objetivos que eram, àquele tempo, almejados e a forma comoa questão trabalhista veio a ser regulamentada.Acontece que, dentro da estrutura dos Acordos Bretton Woods, em que foram

instituídos o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para aReconstrução e Desenvolvimento (BIRD ou Banco Mundial), somava-se a criação daOrganização Internacional do Comércio (OIC).A fim de desenhar a OIC, foi elaborada a Carta de Havana (1948). Trata-se de

“documento precioso”, uma vez que identifica como “o comércio poderia ser ummecanismo de promoção de riqueza no mundo”24. Este documento, porém, jamais

19 A principal fonte de receita dos governos, no passado, provinha especialmente da tributação dos negóciosmercantis, sendo que, inclusive, vários impérios tiveram seu desenvolvimento atrelado ao controle das rotascomerciais da África e da Ásia -AMARAL JÚNIOR,Alberto do –ASolução de Controvérsias na OMC eaAplicação do Direito Internacional – Tese apresentada para Concurso de Provas e Títulos para Provimentode Cargo de Professor Titular no Departamento de Direito Internacional – Área de Direito InternacionalPúblico – da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – São Paulo: 2006 - pág. 25

20 As últimas décadas foram marcadas, especialmente, por um expressivo aprofundamento do intercâmbiomercantil, devido principalmente à liberalização do comércio de mercadorias no pós 2ª Guerra Mundial.

21 Pode-se definir Globalização Econômica, nas palavras do ex-Economista Chefe do BancoMundial, JosephStiglitz, como uma “maior integração dos países e pessoas, causada pela enorme redução dos custos detransporte e comunicação, além da extinção de barreiras artificiais ao fluxo de bens, serviços, capital econhecimento, e, de formamenos expressiva, de pessoas através das fronteiras”. STIGLITZ, J.Globalizationand Its Discontents (Penguin, 2002).

22 É o que se verá à frente quando da análise dos efeitos da não entrada em vigor da Carta de Havana e daexistência, em seu lugar, do GATT.

23 GAVA, Rodrigo. Ob. cit. p. 48.24 BARRAL, Welber Oliveira. O Comércio Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. 168p. - Coleção

Para Entender, p. 28.

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entrou em vigor. Isto porque, apesar dos Estados Unidos terem sido os iniciadores dasnegociações e a força por trás delas, o CongressoAmericano não conseguiu aprová-la.Sem a aprovação americana, a criação de uma organização internacional do comércioem que os Estados Unidos, enquanto nação líder da economia e do comércio mundial,não fossem membros, não pareceu, obviamente, muito atrativa. Essa falha levou a umburaco significativo da estrutura de Bretton Woods25.O que (r)existiu, em seu lugar, foi o chamado GATT – Acordo Geral de Tarifas e

Comércio, que consistia na segunda e terceira parte do trabalho para elaboração daCarta da OIC, feito pelo Comitê Preparatório estabelecido em 1946 e que se reuniuem Londres em outubro do mesmo ano e continuou em Abril a Novembro de 1947em Genebra. A segunda parte deste trabalho dedicou-se a negociações de acordosmultilaterais de redução recíproca de tarifas, e a terceira parte concentrou-se emdesenhar as “cláusulas gerais” referentes à obrigação de redução de tarifas26. Comodito, essas duas partes formavam o GATT, tendo sido acordado em Outubro de 1947,ao passo que as negociações da OIC sofriam menores avanços.Apesar de ser o GATT considerado parte da Carta, negociadores alegaram que não

se poderia esperar a conclusão das negociações da OIC para que o mesmo entrasse emvigor, especialmente porque os negociadores americanos estavam agindo de acordocom os poderes delegados pelo US Trade Legislation, renovado em 1945, mas cujoato expiraria em meados de 1948.Para que o GATT entrasse em vigor imediatamente, oito dos vinte e três países

que o negociavam assinaram o Protocolo Provisional de Aplicação do GATT (PPA),tendo os demais países, posteriormente, também o assinado. Mas apesar da conclusãoda Carta de Havana em 1948, tendo esta, porém, jamais entrado em vigor, só restou oGATT, enquanto uma organização internacional de facto para o comércio27.Assim, o que prevaleceu foi uma estrutura “capenga e provisória28” como era o

GATT, significando uma grande perda, visto que a Carta de Havana almejava associarà idéia de desenvolvimento econômico através da liberalização, o pleno emprego. Emseu texto continha dispositivo específico para eliminação das condições iníquas detrabalho, ao reconhecer que estas afetam negativamente as operações comerciais29. Talcapítulo trabalhista da Carta de Havana, porém, jamais foi incluído no GATT, dada acrença de que a OIC viria a substituí-lo.

25 VAN DEN BOSSCHE, Peter. The Law and Policy of the World Trade Organization. Text, Cases andMaterials. Second Edition. Cambrigde.

26 JACKSON, John. The World Trade Organization: Constitution and Jurisprudence. Royal Institute ofInternationalAffairs, 1998.

27 VANDENBOSSCHE, Peter. Ob. cit., p.80.28 BARRAL,Welber Oliveira. Ob. cit., p.29.29 do Amaral Júnior, Alberto. Cláusula social: um tema em debate. Revista de Informação Legislativa.

Brasília a. 36 n. 141 jan./mar. 1999. p. 135.

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A Carta de Havana considerava violações aos direitos dos trabalhadores umaquestão internacional, cuja inclusão da cláusula social foi discutida na Conferência daONU sobre Comércio e Emprego30 1946-831. Artigo 7º, Capítulo II estabelece32:

Os Membros reconhecem… que todos os países têm um interesse comumno alcance e manutenção de padrões trabalhistas justos, relacionadosà produtividade, além da melhoria das condições salariais e detrabalho que a produtividade permitir. ... Reconhecem que condiçõesinjustas de trabalho, particularmente na produção para exportação,criam dificuldades para o comércio internacional, e, dessa forma, cadaMembro deve tomar todas as ações que sejam apropriadas e razoáveispara eliminar tais condições dentro do seu território.Membros que sejam também Membros da Organização Internacionaldo Trabalho (OIT) devem cooperar com aquela organização para darefeito a esse compromisso.Em todas as questões relacionadas com direitos trabalhistas que foremreferidas à Organização..., esta deve consultar e cooperar com a OIT.

Porém, com a falha em ratificar a Carta, somente um aspecto dos direitos dostrabalhadores foi levado em conta pelo GATT: produtos feitos por trabalhadorespresos. Além do Artigo XX(e) do GATT, que trata das Exceções Gerais, permitindoaos governos banirem o comércio de produtos que sejam resultado do trabalho depresos, não há nenhuma outra referência a direitos trabalhistas, apesar da demandapor esta inclusão ter crescido ao longo dos anos, com destaque para as negociaçõesda Rodada Uruguai33. Os Estados Unidos apresentam-se como o principal ator nadefesa da inclusão de padrões trabalhistas34. Porém, devido à falta de consenso entreos Membros, não há referência ao vínculo comércio e direitos trabalhistas no Acordode Marrakesh35, quando da criação da Organização Mundial do Comércio, principalresultado das negociações da Rodada Uruguai. Tal falta de consenso quanto ao temase repetiu em 1996, na Declaração Ministerial de Cingapura e seguiu este padrão nasrodadas seguintes36, mantendo o mesmo modelo até os dias atuais.

30 Ato final da Conferência da ONU sobre Comércio e Emprego: Carta de Havana para uma OrganizaçãoInternacional do Comércio (1947).

31 K.D.Raju. Social Clause inWTO andCore ILOLabour Standards: Concerns of India andOther DevelopingCountries. Federation of Indian Chamber of Commerce and Industry (FICCI) - Stakeholders meeting 20December 2002.

32 GRANGER, Clotilde ; SIROEN, Jean-Marc. Ob. cit.33 Hoe Lim. The Social Clause: Issues and Challenges.34 STERN, Robert M. Labor Standards and Trade Agreements. Revue D’Economie Du Developpement,

“Analyser les Relations Nord-Sud” (Analyzing North-South Relations), Essais en l’honneur d’Elliot Berg.University of MichiganAugust 18, 2003.

35 Ato final da Rodada Uruguai e Acordo de Marrakesh Estabelecendo a Organização Mundial do Comércio(Acordo OMC).

36 Genebra, 1998; Seattle, 1999; Doha, 2001; Cancún, 2003; Hong Kong, 2005; Genebra, 2009.

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Isto mostra como a preocupação social, fortemente presente nos primórdios daregulamentação do comércio internacional, esvaneceu-se, transformando o sistemaao longo dos anos em um aparelho cada vez mais focado essencialmente em questõescomerciais técnicas e pragmáticas.

3.A Dificuldade de se Encontrar um Padrão Trabalhista UniversalmenteAceitável

Cada país passou por uma evolução cultural e histórica diferente, que influenciamdiretamente a forma como cada sociedade se organiza, tanto do ponto de vista socialcomo político. Assim o é também com a questão de proteção dos direitos humanos37,em maior ou menor grau, neste conceito inserindo-se também o direito do trabalho38.Apesar da distinção entre as diversas legislações trabalhistas, importante ressaltar

que padrões salariais, condições e garantias mínimas laborais, além dos benefíciostrabalhistas, tudo isso representa custos na produção. Poder-se-ia dizer que, bens eserviços produzidos com custos trabalhistas mais baixos seriam mais competitivos nomercado.Tal competição forçaria os demais produtores a baixar seus custos, e isso seriafeito, segundo os países desenvolvidos, através da redução dos seus elevados padrõestrabalhistas, com o objetivo de recuperar a competitividade de determinados produtos.Este fenômeno é conhecido pela expressão “race to the bottom39” e contribuiriapara uma regressão do avanço já alcançado sob o ponto de vista dos direitos sociaislegalmente reconhecidos. Dessa forma, dissemina-se na sociedade o medo de queos investimentos, que antes se concentravam em países de altos padrões de proteçãotrabalhista, tenham seu fluxo de capital invertido, em direção aos países em que tais

37 Umexemplo precioso para entender os diferentes estágios de proteção dos direitos humanos por cada Estadoé aAlemanha.Oconceito de “dignidade da pessoa humana”, por exemplo, apresenta na legislação germânicaum significado mais amplo que em outros sistemas e possui posição basilar na sua Constituição.A razão deassim o ser é devido às graves violações a direitos humanos ocorridas nos tempos de Hitler, que causaramgrande mobilização da comunidade internacional e, igualmente, na sociedade alemã. Por este motivo, aproteção de direitos humanos naAlemanha tem um caráter único, fruto de sua própria história. E esse mododiferenciado com que aAlemanha lida com a questão de direitos humanos já foi reconhecido pela Corte deJustiçaEuropéia, nocasoOmegaSpielhallen-undAutomatenaufstellungs-GmbHv.OberbürgermeisterinderBundesstadt Bonn, C-36/02 – Julgamento pela Corte (Primeira Câmara) 14 deOutubro de 2004; http://curia.europa.eu. No referido caso, a proibição alemã da comercialização, em seu território, de um jogo que simulahomicídio, conhecido como “Laserdrome”, foi reconhecida como legal.ACorte reconheceu a interpretaçãoconstitucional alemã deste direito fundamental, apesar de ser o direito diferentemente interpretado em outrospaíses membros da Comunidade Européia, significando importante precedente para a jurisprudência daCorte Européia.

38 A Declaração da OIT de 1998 sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho reconhece aqualidade de direitos humanos às garantias trabalhistas (item 2). DI SENA JR., Roberto. Ob. cit. p.106.

39 Esta expressão em inglês é de difícil tradução, pois trata de fenômeno sócio-econômico que ocorre entreEstados, quandoacompetiçãoentre eles éde tal graude intensidadequeessespaíses se sentiriamincentivadosa desmantelar padrões regulatórios já existentes.

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padrões não foram implantados, pelo menos não em um alto grau, chamados de paísesde “cheap labor” 40, ou seja, de mão de obra barata.

3.1 Custo Trabalhista Enquanto “Vantagem Comparativa”A questão não pode, porém, ser analisada sob enfoque tão simplista. É claro que

há outros fatores que influenciam na atração de investimentos, como, por exemplo,estabilidade política, infra-estrutura adequada, presença de recursos naturais,direito empresarial desenvolvido, confiança no sistema judiciário, baixos índicesde corrupção, segurança, dentre outros. Além do que, eficiência na produção étambém determinada por outros elementos além do custo da mão de obra, como aprodutividade, esta apurada em função do nível de desenvolvimento tecnológicoe da capacitação da força laboral41. Com propriedade sustenta a Organização paraCooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) exatamente que maiores padrõestrabalhistas são um fator de sucesso econômico e não uma falha econômica42.Ademais,como desenvolvido na teoria neoclássica do comércio internacional, as vantagenscomparativas são influenciadas por todos os fatores de produção, que podem atuar nadiferença de custos de produção, e, não apenas, o fator trabalho43.Entretanto, frente ao medo de perder competitividade no mercado para os produtos

elaborados com menores gastos trabalhistas, a resposta dos países que se vêemameaçados acaba sendo a busca da solução mais fácil, qual seja, protecionismo44.Buscam evitar a perda, primeiramente, em seus mercados internos, do espaço ocupadopelo produto. Em seguida, expandem este objetivo para os mercados de países aliadossob o ponto de vista econômico, através de acordos que os obriguem a implementarcertos padrões de proteção trabalhista, de forma que os produtos oriundos destes paísesnão sejam competidores dos seus. Neste último caso, temos, por exemplo, o AcordoNorte-Americano sobre Cooperação Trabalhista (NAALC45), acordo suplementarao Acordo Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA). Basicamente, atravésdele, EUA, Canadá e México comprometem-se a implementar seu direito trabalhistanacional46. Trata-se do primeiro acordo internacional sobre trabalho a ser vinculado aum acordo sobre comércio internacional47.Protecionismo, no entanto, é fortemente combatido pela OMC. Tal organização

visa, justamente, evitar a tentação de se valer de medidas protecionistas. Os objetivos

40 MENG,Werner, Ob. cit., p. 375.41 Ibid.42 OECD, Trade and Labour Standards: A Study of Core Worker’s Rights and International Trade (1996).

http://www.oecd.org/dataoecd/2/36/1917944.pdf visitado em 04 de Fevereiro de 201043 Teoria Heckscher-Ohlin – “TH-O” in GAVA, Rodrigo. Ob. cit. p.55.44 MENG,Werner, Ob. cit., p. 375.45 North American Agreement on Labor Cooperation (NAALC), assinado em 14 de Setembro, Entrou em

força em 1º Janeiro de 1994.46 HEPPLE,Bob,LabourRegulation in InternationalizedMarkets, chapter 10 inPicciotto,Sol andMayne,Ruth

(eds.) Regulating International Business: Beyond Liberalization (London: MacMillan Press in Associationwith Oxfam, 1999), p.108.

47 Site oficial da NAALC, visitado em 18 de Janeiro de 2010. http://www.naalc.org

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da OMC baseiam-se no reconhecimento de que o recurso a medidas protecionistasem prol de alguns poucos acaba gerando prejuízos maiores e mais profundos do queos benefícios que se almejava. Tal assimetria já foi denunciada por vários estudiosos,incluindo o Diretor Geral da OMC, Pascal Lamy48, em defesa do livre comércio.Ele denuncia o recurso ao protecionismo como um dos mais antigos e seguros dosrecursos de política doméstica, mas que muitas vezes leva em conta os ganhos declasses especiais, e não da sociedade como um todo49.Se a forma tradicional do protecionismo configura-se na imposição de barreiras

tarifárias – protecionismo clássico, no pós GATT (1947) e o compromisso dos Estadosem reduzir progressivamente as barreiras tarifárias, tendeu-se à criação de novasbarreiras comerciais “não-tarifárias”, especialmente com as crises dos anos 7050, dentreas quais incluem-se as barreiras “sócio-laborais”. O protecionismo reconfigurou-se,portanto, na era globalizada: neoprotecionismo51.A idéia de que países podem se beneficiar do comércio internacional, porém, tem

suas origens já em 1776, quandoAdam Smith, em A Riqueza das Nações, já defendia oargumento da especialização. Smith revoluciona a teoria comercial existente até então,basilar de toda a era mercantilista, quando se acreditava que a riqueza de uma naçãocorrespondia à quantidade absoluta de ouro e prata que esta possuía52. Assim, na fasemercantilista, os países realizavam suas relações comerciais em um processo de “soma-zero”, em que uma nação somente se enriqueceria às custas de outra53. Smith faz cairpor terra essa idéia de que a riqueza seria limitada, pois considera o trabalho a fonte detoda riqueza, e defende que interesses das nações poderiam se tornar complementares54.Segundo ele, cada país deveria se especializar naquele produto em que seja capaz deproduzir com menores custos, e utilizar parte desses produtos para adquirir de outropaís o produto que aquele é capaz de produzir com menor custo, ao invés de investi-lona produção nacional certamente mais cara e menos produtiva.Assim, os recursos serãoempregados de forma que o país tenha, ao menos, alguma vantagem55.Tais idéias foram posteriormente desenvolvidas por David Ricardo em sua teoria

das “vantagens comparativas”56. Seu objetivo é dar sustentação teórica à argumentação

48 LAMY, P. Trends and Issues FAcing Global Trade. Discurso proferido em Kuala Lumpur, Malásia em 17de Agosto de 2007. http://www.wto.org/english/news_e/sppl_e/sppl65_e.htm visitado em 18 de Janeiro de2010.

49 VANDENBOSSCHE, Peter. Ob. cit., p. 21.50 DI SENA JR., Roberto. Comércio Internacional e Globalização – A Cláusula Social na OMC. 1ª. Ed.

(2003), 3ª. tir. Curitiba: Juruá, 2006. p. 69.51 “Umavezqueoprotecionismoabertopossui várias restriçõesnegociadas e acordadas emâmbitomultilateral,

os países procuram novas alternativas para defender a indústria doméstica e dar vazão às pressões exercidaspor grupos internos que buscamcompensar a falta de competitividade internacional combarreiras comerciaisdisfarçadas sob o manto da isenção técnica”, por exemplo. DI SENAJR., Roberto. Ob. Cit. p. 72.

52 GAVA, Rodrigo. Ob. cit. p. 42.53 Ibid. p. 43.54 Ibid. p. 44.55 SMITH, Adam. An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (1776), editado pela E.

Cannan (University of Chicago Press, 1976), vol.1.56 Sua obra mais famosa Os Princípios de Economia Política e Tributação em 1817.

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em favor da liberdade de comércio e justificar a existência do comércio entre asnações. Segundo esse pensamento, cada país deve se especializar na produção daquelamercadoria em que é relativamente mais eficiente, ou seja, que tenha um custo deprodução para o país relativamente menor. Uma vez se especializando na produção,deverá focalizar neste produto a sua exportação. Por outro lado, esse mesmo país deveimportar aqueles bens cuja produção implicar num custo relativamente maior – nosquais a sua produção for considerada relativamente menos eficiente. Deve procederdesta forma, mesmo se há outro país que produz este produto melhor do que ele,porque este mesmo país deverá investir em outro produto, que será o que ele produzmelhor. Neste modelo, a vantagem, quando analisada comparativamente, beneficiarásempre os países investidores, que estarão se especializando na produção que têmmais chances de prosperar.

O objetivo de tal teoria é buscar a idealização de um modelo que garanta atodos os países que participam do comércio internacional um resultado o maislucrativo possível, em prol de uma igualdade econômica. Tal modelo se baseia numacomunidade internacional idealmente livre no âmbito comercial, em que os paísesgozariam de tamanha liberdade na escolha de seus investimentos que os aplicaria naprodução de bens que possa produzir com o menor custo de produção possível, dadosseus recursos naturais, sua mão-de-obra e seu capital. O excedente desta produçãoespecializada seria exportado, e no tocante às demais mercadorias que a populaçãonecessitasse, o país as importaria dos países especializados na produção de cada umarespectivamente, vez que estes seriam os mais aptos a produzi-las com o menor custo.Os preços da mercadoria no mercado se aproximariam, desta forma, ao preço doscustos de produção do bem. Com a produção baseada nos menores custos existentes,os lucros seriam os maiores possíveis, o que favoreceria a lógica capitalista.Dentro desta lógica, os custos trabalhistas seriam um importante fator de vantagem

para certos países, carentes, porém, de tecnologia ou capacidade econômica57. E,teoricamente,omecanismoéclaro,ondeamão-de-obraébarata,produçãoquenecessitede mão-de-obra intensiva deve ser transferida para este local58, caso não haja grandediferença nos outros fatores de produção. Tal transferência, porém, geraria nos paísesdesenvolvidos, perda de emprego e demandaria auxílio governamental, investimentosem requalificação profissional, reorientação econômica, dentre outros. Esta adaptaçãoaos novos requerimentos do mercado, porém, é difícil e a solução implantada acabasendo a imposição de medidas restritivas59, que ao ajudar, artificialmente, os vencidosem matéria de competição internacional, gera uma perda coletiva.60.

57 MENG,Werner, Ob. cit., p. 377.58 Ibid.59 Taismedidas seriam,comoafirmaRobertoDiSenaJr. emseu livropolíticasde secondbest, ou seja, “as tarifas

seriam a “segundamelhor” opção, caso nenhuma outra medidamenos negativa pudesse ser empregada”. DISENAJR, Roberto. Ob. cit. p. 54.

60 “Os Estados devem enfrentar seus problemas internos com políticas eficazes, ao invés de buscar soluçõestemporárias cujos custos superammuitas vezes os benefícios”. Ibid. p. 59.

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Argumenta-seque retirar avantagemcomparativadeumpaíséomesmoqueprivá-lodeseu direito ao desenvolvimento61. Ou seja, os países em desenvolvimento “ao conseguiremdispor no mercado mundial produtos com preços diferenciados, mesmo que dependentesdos baixos custos de mão-de-obra, nada fazem além de beneficiarem-se dessa vantagemcomparativa para, a posteriori, consolidarem-se no mercado global em setores comerciaisintensivos em trabalho, acumularem riqueza, distribuírem e aplicarem esse recurso demaneira eficaz62 e, ao final, apresentarem verdadeiras “vantagens comparativas”, maisestruturantes e permissivas de um sustentável desenvolvimento”63.AOMC, e mais precisamente, O Entendimento sobre Solução de Controvérsias da

OMC (DSU), enquanto uma das principais ferramentas para garantir o funcionamentodo conceito de vantagem comparativas64, reagem exatamente contra o recurso amedidas protecionistas.

3.2 Relação entre o Conceito de Vantagem Comparativa e o Direito de Respostaa Violação de uma Obrigação Internacional

Durante a Reunião Ministerial da OMC em Cingapura, em Dezembro de 1996,novamente não se alcançou um consenso acerca da introdução de uma cláusula socialno texto legal daOMC, sendo esta, então, negada65. Ficou estabelecido pelaDeclaraçãoMinisterial de Cingapura, e futuramente reafirmado na 4ª Conferência Ministerial emDoha, que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) seria o órgão competente“para estabelecer e lidar com os direitos fundamentais no trabalho internacionalmentereconhecidos”66.De acordo com o item 4 da Declaração Ministerial de Cingapura fica entendido:

“Nós renovamos nosso compromisso de observância dos direitosfundamentais no trabalho internacionalmente reconhecidos... Nósrejeitamos o uso de normas trabalhistas para fins protecionistas, econcordamos que não se deve questionar de forma alguma a vantagemcomparativa dos países, particularmente os países em desenvolvimentode baixos salários.”67

61 O Direito ao Desenvolvimento seria hoje aceito mais facilmente pela comunidade internacional, ainda queinexistente unanimidade. GAVA, Rodrigo. Ob. cit. p. 75.

62 DI SENA JR., Roberto. Ob. cit. p. 52. Valendo-se do raciocínio desenvolvido por este autor, necessáriodiferenciar, portanto, a defesa do livre comércio enquanto gerador de riqueza da sua distribuição, assuntoeste da seara da política econômica, ou seja, os impactos do liberalismo sobre a distribuição de renda devemser administrados pelos governos locais. O liberalismo objetiva estimular uma eficiente alocação dos fatoresde produção, mas a justiça social e a distribuição da riqueza fazem parte de uma agenda mais ampla.

63 MENG,Werner, Ob. cit., p. 333.64 Ibid. p. 377.65 GRANGER, Clotilde ; SIROEN, Jean-Marc. Ob. cit.66Flasbarth,Axel; Lips,Markus. Effects of aHumanitarianWTOSocialClause onWelfare andNorth-SouthTradeFlows. January 2003 Discussion paper no. 2003-03 Department of Economics. University of St. Gallen.www.fgn.unisg.ch/public/public.htm

67 Tradução para o português com o uso das versões em inglês e espanhol do texto oficial presente no siteda OMC, visitado em 20 de Janeiro de 2010. http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min96_e/

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Percebe-se que, com a Declaração Ministerial de Cingapura, o vínculo entrecomércio e trabalho é invertido, quando comparado com a Carta de Havana. Enquantonesta, a violação de normas trabalhistas é considerada, potencialmente, origem dedisputas comerciais, devendo-se, portanto, velar pela equalização da proteção dedireitos trabalhistas. EmCingapura, ao contrário, rejeita-se tal incentivo à aplicaçãodosdireitos fundamentais do trabalho, ao passo que estes poderiam ser contra-produtivos,ao distorcer as vantagens comparativas e prejudicar o comércio68. Países de mão-de-obra barata argumentam que admitir o contrário do que o afirmado em Cingapuraimpediria os mesmos de implementarem, no futuro, graças ao desenvolvimentoeconômico, padrões trabalhistas mais elevados, justamente por restringir a capacidadecomercial dos mesmos.Baseiam-se, para tanto, principalmente, na evolução do termo desenvolvimento,

que anteriormente utilizado como desenvolvimento econômico, já se fala hoje emdesenvolvimento sustentável, ou seja, levando-se em conta o aspecto social, enquantoum desenvolvimento inclusivo69.Apesar do estabelecido em1996, osEstadosUnidos entenderamqueo assunto havia

sido deixado em aberto70, e continuou a pressionar para que o assunto fosse incluído naagenda da OMC71, sempre sofrendo a resistência dos países em desenvolvimento, queacusam haver um protecionismo disfarçado por trás do argumento retórico72. EstadosUnidos e Europa também continuaram a insistir no tema, não só pela via multilateralde negociação, mas igualmente, através de vários acordos regionais73.No mais, ficou estabelecido na Declaração Ministerial de Cingapura que as

Secretarias daOMCeOITcontinuarão a colaboração existente74.TambémaDeclaraçãoda OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho e seu seguimento75, emseu item 5, proíbe o uso de normas trabalhistas para fins protecionistas: “Estabelece-se que as normas do trabalho não deveriam ser utilizadas para fins de protecionismocomercial e que nada na presente Declaração e seu seguimento poderá ser invocado ouutilizado de outromodo para tais fins; ainda, não deveria demodo algum colocar-se emquestão a vantagem comparativa de qualquer país com base na presente Declaração eseu seguimento.76”

wtodec_e.htm; http://www.wto.org/spanish/thewto_s/minist_s/min96_s/wtodec_s.htm68 GRANGER, Clotilde ; SIROEN, Jean-Marc. Ob. cit.69 GAVA, Rodrigo. Ob. Cit. p. 73.70 STERN, Robert M. Ob. cit.71 Conferência Ministerial em Genebra, 1998; Conferência Ministerial em Seattle, 1999; Conferência

Ministerial de Doha, 2001.72 K.D.Raju. Ob. cit.73 Ibid.74 Tradução para o português com o uso das versões em inglês e espanhol do texto oficial presente no site

da OMC, visitado em 20 de Janeiro de 2010. http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min96_e/wtodec_e.htm; http://www.wto.org/spanish/thewto_s/minist_s/min96_s/wtodec_s.htm

75 86ª. Sessão, Genebra, junho de 1998, presente no site da OIT Brasil, visitado em 19 de Janeiro de 2010.http://www.oitbrasil.org.br/info/download/declaracao_da_oit_sobre_principio_direitos_fundamentais.pdf

76 Ibid.

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Percebe-se, porém, que há pontos permissivos de questionamento no raciocínio.Defensores da causa dos países do Primeiro Mundo afirmam que, apesar daconfirmação da teoria de David Ricardo, de que, de fato, as vantagens comparativassão a força principal que move as relações comerciais, este fato não prejudicaria,nem se conflitaria, com a possibilidade do uso de sanções comerciais como medidapreventiva para violações de direitos humanos, normas de tratados internacionais ou,ainda, direito costumeiro de outros países77. Isso se deve ao fato de que, a violaçãode uma obrigação internacional não deveria ser entendida como a realização deuma vantagem comparativa78. Apesar de poder diminuir o com este fim, o uso desanções comerciais não seria considerado protecionismo per se, apesar de se admitira possibilidade de questionar se usá-las seria, no caso, razoável ou estrategicamenterecomendável79.Adiscussãonocenário internacional é, portanto,marcadademáximacomplexidade,

bem definida a discussão no fato de, no conflito entre ricos e pobres, todos estãoa sustentar “argumentos altruístas com doses de protecionismo ou argumentoscomerciais com doses de barbárie80”. Por isso que, frente à complexidade da questãoe dos interesses conflitantes em jogo, faz-se necessária a análise dos resultados finaisperseguidos pelas medidas tomadas pelos países desenvolvidos. Assim o seria com oobjetivo de se certificar se a real intenção por detrás é assegurar o cumprimento pelacomunidade internacional de suas obrigações relativas a direitos humanos, ou se seriaeste recurso apenas uma forma sutil de compensar as perdas de mercado sofridas.Diante de tal conflito teológico, pertinente é ainda uma segunda indagação. Seria umauniformização dos direitos trabalhistas algo a ser imposto ao Terceiro Mundo, sobpena de sancionamentos?Direitos humanos são, de fato, vinculantes aos Estados que os aceitaram, seja

pela via dos tratados internacionais, seja por configurarem estes, direito costumeiro81.Direitos humanos tambémno campo trabalhista já forammencionados emvários textoslegais, como, por exemplo, pela ONU, na Declaração Universal dos Direitos Humanos(1948), que consagra o direito ao trabalho, à liberdade de profissão, a condições justasde emprego, limitação da jornada de trabalho e igualdade de remuneração, sendaesta capaz de garantir a existência digna do trabalhador e sua família. Consagra-se, igualmente, o direito de organização sindical82. Também no âmbito da ONU, oPacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966)83, direitostrabalhistas são reconhecidos enquanto direitos humanos, por exemplo, impõe-se aos

77 MENG,Werner, Ob. cit., p. 378.78 Ibid.79 Ibid.80 GAVA, Rodrigo. Ob. cit. p. 35.81 Artigo 38 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.82 Artigos 23 e 24 da Declaração Universal dos Direitos Humanos http://www.un.org/en/documents/udhr

visitado em 09 de Fevereiro de 2010.83 Entrou em vigor em 3 de Janeiro de 1976 conforme artigo 27.

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132 VANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1

Estados a obrigação de estabelecer limite de idade para o trabalho, punindo quemdesrespeite a proibição do trabalho infantil84.Também do ponto de vista regional, organizações dedicadas à proteção dos direitos

humanos incluem normas trabalhistas sob seu escopo. É o caso, por exemplo, noSistema Interamericano de Direitos Humanos, em que se proíbe o trabalho forçado e aescravidão, conforme artigo 6º do Pacto de San José da Costa Rica (1969).Deve-se, contudo, ressaltar que a forma como os direitos trabalhistas são

proclamados nos textos legais é variável. Podem estar estabelecidos como verdadeirosdireitos individuais especificamente definidos e com a possibilidade clara do uso desanções no caso de sua violação, ou são declarados apenas como obrigações estataisde se garantir, progressivamente, maiores padrões de proteção trabalhista, de umaforma mais ampla85. É o caso, por exemplo, do Pacto Internacional dos DireitosEconômicos, Sociais eCulturaismencionado acima, e segundo o qual, os Estados-parte“comprometem-se a adotar medidas... até o máximo de seus recursos disponíveis”,com o objetivo de assegurar, progressivamente, os direitos reconhecidos no pacto86.Apesar de submetidas à condição dos “recursos disponíveis”, tais tratados

internacionais estipulam verdadeiras obrigações para os Estados. E o desrespeito deuma obrigação internacional, em Direito Internacional Público, acarreta, em tese, aresponsabilidade do Estado87, sendo este, portanto, um dos principais argumentos quefundamentam a posição dos países desenvolvidos.

No que se refere a obrigações trabalhistas internacionalmente reconhecidas,indispensável o estudo da OIT, uma vez que esta já definiu os princípios e direitosfundamentais no trabalho.

4. Os Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho no Âmbito da OIT

Por não apresentar nenhuma exceção geral em seu texto, salvo no caso de produtosresultantes do trabalho de presos88, discute-se a necessidade de se introduzir umacláusula social aos acordos da OMC, visando-se, assim, solucionar as dificuldadesinerentes à relação entre Comércio e Trabalho. Mas, por detrás desta questão, coloca-se, de forma ainda mais basilar, a pergunta: Seria, de fato, a OMC a organização maisapropriada a lidar com as práticas laborais injustas89?

84 Artigo 10(3) do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais http://www2.ohchr.org/english/law/pdf/cescr.pdf visitado em 09 de Fevereiro de 2010.

85 MENG,Werner, Ob. cit., p. 384.86 Artigo 2(1) do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais http://www2.ohchr.org/

english/law/pdf/cescr.pdf visitado em 09 de Fevereiro de 2010.87 Projeto de Artigos sobre Responsabilidade Internacional dos Estados por Ato Internacionalmente

Ilícito(2001)- Comissão de Direito Internacional – visitado em 09 de Fevereiro de 2010 http://untreaty.un.org/ilc/texts/instruments/english/draft%20articles/9_6_2001.pdf

88 Artigo XX(e) do GATT.89 Alega-se que os especialistas em comércio, atuantes naOMC, não deteriam, necessariamente, conhecimento

em direito do trabalho. MENG,Werner, Ob. cit., p. 379.

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Ao contrário deste entendimento reconheceu-se, em Cingapura, em 1996, aOIT como “órgão competente” para lidar e estabelecer os direitos fundamentaisdo trabalho e afirmou-se o suporte dos Membros da OMC ao trabalho da OIT empromovê-los90. Em resposta a esta declaração da OMC, foi elaborada a Declaração daOIT de 1998 sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho91. Esta declaraçãoestabelece que, ainda que não tenham sido ratificadas as Convenções da OIT, todosos seus Membros, devido ao simples fato de participarem da Organização, têm ocompromisso de respeitar os princípios relativos aos direitos fundamentais que sãoobjeto dessas Convenções92. Estabelece tais princípios como sendo:

(a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito denegociação coletiva;

(b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ouobrigatório;

(c) a efetiva abolição do trabalho infantil; e(d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e

ocupação93.

Aimportância destaDeclaração está, principalmente, no reconhecimento da qualidadede direitos humanos a essas garantias trabalhistas94. No que tange o relacionamentotrabalho e comércio, nega a possibilidade de se usar sanções contra a violação de taisprincípios, ao ressaltar que as “normas do trabalho não deveriam ser utilizadas para finsde protecionismo comercial95”.De fato, é repassadapara aOITa responsabilidadeemlidar comasnormas trabalhistas.

Diante disto, é imperioso avaliar o funcionamento da OIT para saber se esta organizaçãoestaria, realmente, capacitada para lidar com a temática comércio-trabalho.AOIT,agênciadoSistemadasNaçõesUnidas, criadaem191996, quandodaelaboração

de sua Constituição (Tratado de Versailles), já consiste hoje em 188 Convenções97 e 199Recomendações98 sobre a proteção de direito trabalhistas, concentrando conhecimento eexperiêncianoassunto.Trata-sedeumaorganizaçãopraticamenteuniversal, apresentandoum total de 183 países99. É a única organização internacional com uma estrutura tripartite,

90 Item 4 da Declaração de Cingapura, 1996.91 MENG,Werner, Ob. cit., p. 380.

KAUFMANN, Christine,Globalisation and Labour Rights: The Conflict between Core Labour Rights andInternational Economic Law (Oxford and Portland, Oregon: Hart Publishing, 2007), p.68.

92 Item 2 da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (1998) http://www.oitbrasil.org.br/info/download/declaracao_da_oit_sobre_principio_direitos_fundamentais.pdf visitado em05 de Fevereiro de 2010.

93 Ibid.94 DI SENAJR., Roberto. Ob. cit. p. 106.95 Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (1998), Item 5.96 Conferência da Paz, 1919.97 http://www.ilo.org/ilolex/english/convdisp1.htm visitado em 05 de Fevereiro de 2010.98 http://www.ilo.org/ilolex/english/recdisp1.htm visitado em 05 de Fevereiro de 2010.99 http://www.ilo.org/public/english/standards/relm/country.htm visitado em 05 de Fevereiro de 2010.

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134 VANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1

em que cada um de seusMembros, nas reuniões da Conferência Geral, é representado poruma delegação com dois representantes do governo, um representante dos trabalhadorese um representante dos empregadores100, apresentado todos eles os mesmos direitos.Quando comparada à OMC, porém, tal organização apresenta uma estrutura

desvantajosa em termos de escopo, adjudicação e execução das suas normas101. Assimo é porque as recomendações da OIT não são legalmente vinculantes e suas convençõesapenas são obrigatórias aos países que as assinaram e ratificaram102. Diferencia-se,portanto, dosAcordosdaOMC,vezquenestaprevalecea regrado“single undertaking103”,ao passo que na OIT abri-se a possibilidade de seus membros escolherem as regras àsquais desejam vincular-se, variando o número de países signatários de acordo com cadaConvenção104.Além disso, não há nenhum sistema de solução de controvérsias obrigatório na OIT,

restando somente para a resolução dos conflitos os instrumentos clássicos de direitointernacional público, como recurso à Corte Internacional de Justiça105, cuja jurisdiçãodepende, no entanto, de aceitação expressa dos países106.Dentro, ainda, do sistema de controle da OIT, há mecanismos de fiscalização,

através do qual os países-membros têm a obrigação de apresentar relatório anual sobre aimplementação de cada uma das convenções ratificadas107. O Comitê de Especialistas naAplicação de Convenções e Recomendações examina tais relatórios e a conformidadedas legislações e da prática dos países com as convenções ratificadas, o que serádiscutido pelo Comitê de Aplicação de Normas da Conferência tripartite. Há aindaprocedimentos dentro da OIT para atender a reclamações quanto à conformidade ounão dos seus membros com as normas de Convenções por eles ratificadas, seja por parte

100 Artigo 3(1) da Constituição da OIT. http://www.ilo.org/public/english/bureau/leg/amend/constitution.pdfvisitado em 05 de Fevereiro de 2010.

101 MENG,Werner, Ob. cit., p. 379.102 Ibid.103 Em seu atual formato, o sistema é governando pelo princípio do single undertaking, ou seja, um

pacote único, significando que, para se tornar um Membro, e em todas as negociações, os países têmque aceitar as regras da OMC em sua integralidade. Não há mais espaço para negociar separadamentecada área, o que, por um lado, provê uma balança de poderes, uma vez que os Estados terão que levarem consideração o interesse dos demais quando desejarem negociar em seu próprio interesse. Esteequilíbrio é criado quando os Membros têm que ceder em algum aspecto para que ganhem em outro.Por outro lado, tal modelo pode tornar o processo de negociação muito moroso e complicado, assimcomo ocorreu com a última experiência com a Agenda de Desenvolvimento de Doha (DDA) e osdesacordos sem fim sobre agricultura e subsídios entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.Neste sentido, há discussões se um modelo de pacote único é o mais apropriado e se este deveriacontinuar a definir os termos da DDA. Sobre este tem aver: Craig VanGrasstek and Pierre Sauvé - TheConsistency ofWTORules: Can the Single Undertaking Be Squared with Variable Geometry? Journalof International Economic Law Vol. 9 No. 4 Oxford University Press 2006.

104 Por exemplo, a Convenção 141 da OIT sobre Organizações dos Trabalhadores Rurais (1975) foi ratificadasomente por 40 Membros e a Convenção 131 sobre a Fixação dos Salários Mínimos (1970) foi ratificadasomente por 51 Membros. http://www.ilo.org/ilolex/english/newratframeE.htm visitado em 05 de Fevereirode 2010.

105 Artigo 29 e 33 da Constituição da OIT.106 Artigo 36 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça.107 Artigo 22 da Constituição da OIT.

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Desenvolvimento e Comércio: a Viabilidade de uma Cláusula Social na OMC 135

das organizações de trabalhadores e empregadores108, seja por parte de outros países109,sendo que uma Comissão independente de Inquérito, após investigar tais reclamações,expede recomendações110.Além das dificuldades expostas acima, adiciona-se que ainda não se chegou a um

consenso acerca da admissibilidade ou não de sanções comerciais a fim de se fazercumprir direitos fundamentais do trabalho. Países desenvolvidos demonstram-se a favorde se utilizar os instrumentos da OMC em disputas relativas às diferentes legislaçõestrabalhistas. Porém, teme-se que o uso de mecanismos que combatem práticas comerciaisinjustas, como é já ocorrido no caso dasmedidas compensatórias de dumping ou subsídiosestatais, sejam usados com objetivos protecionistas111.Mas resta uma questão ainda mais basilar a ser ponderada, visto que o problema

do protecionismo poderia ser solucionado por medidas sancionatórias de abusos nestesentido. Trata-se de alcançar consenso, em primeiro lugar, sobre quais comportamentossão, de fato, violações a direitos trabalhistas internacionalmente vinculantes. Difícilatingir um denominador comum sobre o que seja injusto do ponto de vista do direitodo trabalho. Em matéria de cláusulas sociais e dumping social certeza, somente, quantoà falta de consenso112. Não resta claro se, ao ser rejeitado pelos Membros o uso desanções comerciais para fins protecionistas, proíbe-se seu uso até mesmo como medidaspreventivas contra violação de direitos trabalhistas ditos “universais”. Seria, porém,alcançável tal universalidade? Coloca-se a questão do universalismo x relativismo dosdireitos fundamentais, isto é, o debate acerca de um tratamento igualitário em todasas nações ou se os direitos fundamentais estão sujeitos a diferentes bases culturais oupolítico-estratégicas sobre as quais se desenvolveu uma sociedade113. Isso porque ospadrões sócio-laborais são development dependent.Igualmente resta obscuro se a preservação das vantagens comparativas também

impede o uso de sanções comerciais, visto que mão-de-obra barata nem sempre seriaresultado de uma vantagem comparativa114.Dessa forma, apesar de não existir uma disposição expressa no texto dos Acordos

da OMC relativa a uma cláusula social, não se pode dizer que a matéria não seja umassunto para a organização lidar. Isto porque questões como as acima expostas continuamdemandando resposta, e o tema trabalho, enquanto fator de produção, está intimamenteligado com o contexto do comércio.No entanto, acrescenta-se que, fora a Declaração da OIT de 1998, a organização

não alcançou muitos outros resultados tangíveis115 no campo da inter-relação

108 Ibid. Artigo 24.109 Ibid. Artigo 26.110 Relatório final da Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização http://www.ilo.org/public/

english/wcsdg/docs/report.pdf visitado em 08 de Fevereiro de 2010.111 MENG,Werner, Ob. cit., p.382.112 GAVA, Rodrigo. Ob. cit. p. 205.113 Ibid. p. 78.114 MENG,Werner, Ob. cit., p.383.115 Ibid. p. 380.

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Comércio e Trabalho. Em 2002, a OIT criou a Comissão Mundial sobre a DimensãoSocial daGlobalização, como uma tentativa de resposta à dificuldade em se encontrar,no sistema multilateral, mecanismo que abrangesse adequadamente a dimensãosocial dos vários aspectos da globalização e das mudanças sem precedentes que estacausou na vida dos indivíduos e na sociedade em que eles vivem.116O Relatório finalda Comissão foi publicado em 2004, quando denuncia ter-se chegado a um estágiocrítico quanto à legitimidade das instituições políticas, demandando, portanto umareestruturação da governança econômica global117.

4.1 O Relatório Final da Comissão Mundial sobre a Dimensão Social daGlobalização

A problemática sobre o que seriam direitos trabalhistas fundamentaisuniversalmente aceitos, apresentada no tópico acima, estaria, pretensiosamente, deacordo com o Relatório final da Comissão Mundial sobre a Dimensão Social daGlobalização, resolvida. Juntamente com os 4 princípios fundamentais expressosna Declaração da OIT em 1998, seriam oito o número total de convenções da OITque definem os direitos fundamentais do trabalho118. Ter-se-ia, assim, alcançadoconsenso nesta questão, e definido as regras básicas de trabalho na economiaglobal119. E justamente esses core labor standards seriam os “únicos sobre os quaisse discute a aglutinação de forças OMC/OIT”120.Igualmente no que tange à questão, também posta acima, relativa às vantagens

comparativas, o Relatório esclarece que, implicitamente à proibição de se questionarvantagens comparativas de outros países, através do uso dos direitos trabalhistas comobjetivos comerciais protecionistas, está, obviamente, a proibição de se alcançar oumanter vantagem comparativa que seja baseada em desrespeito deliberado dos princípiose direitos fundamentais do trabalho121.Opróprio Relatório, ao assumir as dificuldades encontradas pela OIT em lidar com as

constantes violações dos direitos trabalhistas fundamentais, declara que atenção é entãovoltada para a OMC, devido à possibilidade de se aplicar sanções comerciais aos países

116 http://www.ilo.org/fairglobalization/mandate/lang--en/index.htm visitado em 08 de fevereiro de 2010.117 http://www.ilo.org/fairglobalization/report/lang--en/index.htm visitado em 08 de fevereiro de 2010.118 Estas seriam: Convenção sobre Trabalho Forçado, 1930 (No. 29); Convenção sobre a Abolição de

Trabalho Forçado,1957 (No. 105); Convenção sobre Liberdade de Associação e Proteção do Direito deSindicalização, 1948(No. 87); Convenção sobre o Direito de Sindicalização e Negociação Coletiva, 1949(No. 98); Convenção sobre Igualdade de Remuneração, 1951 (No. 100); Convenção sobre Discriminação(Emprego e Profissão), 1958(No. 111); Convenção sobre a IdadeMínima, 1973 (No. 138);Convenção sobreas Piores Formas de Trabalho Infantil,1999 (No. 182). Tais Convenções teriam cada uma por volta de 130 e162 ratificações formais, o que indicaria a aceitação quase- universal de suas obrigações. Conforme citaçãonº 61 do Relatório.

119 Item 419 do Relatório final da Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização: “A fairglobalization: Creating opportunities for all”, p.92. http://www.ilo.org/public/english/wcsdg/docs/report.pdfvisitado em 08 de Fevereiro de 2010.

120 DI SENAJR., Roberto. Ob cit. p. 105.121 http://www.ilo.org/fairglobalization/report/lang--en/index.htm visitado em 08 de fevereiro de 2010.

Item 421.

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Desenvolvimento e Comércio: a Viabilidade de uma Cláusula Social na OMC 137

que não respeitem tais normas122. E apesar de não defender ser tal uso possível ou não,afirma que o respeito a direitos fundamentais do trabalho formam parte de uma agendainternacional de desenvolvimento mais ampla, o que abrangeria o envolvimento dossistemas multilaterais conjuntamente, devendo cada instituição internacional assumir suaparte na promoção destes direitos123.Neste sentido, propõe-se averiguar quais as alternativas restam para a OMC, dentro

da sua estrutura legal disponível, para lidar com o tema quando um caso relacionado àtemática conjunta comércio e trabalho de fato for apresentado para solução na OMC.

5. Alternativas Viáveis dentro da Legislação Vigente da OMC

Para a apreciação dos dispositivos da OMC que se relacionam aos temas Comércioe Trabalho, sugere-se a análise do fato fictício e exemplificativo124. Suponha que umpaís Membro da OMC utilize uma sanção comercial contra outro Membro, proibindo aimportação de produtos produzidos por crianças de 6-10 anos de idade (no caso, bolasde futebol). O país exportador recorreria então ao sistema de solução de controvérsiasda OMC, e o painel, como também, provavelmente, o Órgão de Apelação, teriam quelidar com a questão de dizer se tais sanções seriam ou não justificadas conforme asregras da OMC125. Serviria, neste sentido, a proibição do trabalho infantil, enquanto umprincípio fundamental do trabalho reconhecido pela OIT, como justificativa para proibira importação do produto in casu?Em atenção ao caso, deve-se constatar que, apesar das declarações feitas em

Cingapura, em 1996 e reafirmadas na Rodada de Doha em 2001, não foram grandes ostrabalhos desenvolvidos no âmbito da OMC sobre o tema, posto que não há Comitêsou Grupos de Trabalho da OMC lidando com o tema da relação entre livre comércioe direitos trabalhistas. Frente à tal situação de estagnação, importante analisar como aOMC, diante do seu atual conjunto normativo, poderia tratar o tema, sem desconsiderareventuais mudanças institucionais para o futuro.De fato, o Órgão de Solução de Controvérsias teria que lidar com a questão. Não cabe

a este referi-la inteiramente à OIT visto que, conforme artigo 23 do Entendimento sobreSolução de Controvérsias126 (DSU), a OMC é o fórum exclusivo para decidir acercade possíveis violações das normas de não-discriminação e proibição de barreiras nãotarifárias127. Segue-se à análise, portanto, do direito material, visando-se ponderar quaisas alternativas restantes à OMC para resolver a questão.

122 Ibid. Item 424.123 Ibid. Item 426.124 O fato a ser apresentado a seguir, utilizado de forma exemplificativa pelo Professor Meng, é fictício, mas,

naturalmente, bastante crível de ocorrer.125 MENG,Werner, Ob. cit., p.383.126 Dispute Settlement Understanding (Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of

Disputes)127 Artigo 23.1 doDSU: “WhenMembers seek the redress of a violation of obligations or other nullification

or impairment of benefits under the covered agreements or an impediment to the attainment of any

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A primeira pergunta a ser respondida é se o produto do caso em análise, ou seja,exemplificativamente, bolas de futebol produzidas por crianças, poderia receber umtratamento menos favorável no mercado de um determinado país que condena trabalhoinfantil, quando comparado com produtos similares produzidos internamente ouprovenientes de outros países.Para o exame do caso, importante destacar, dentre as regras da OMC, (i) o princípio

da não discriminação, (ii) a regra da proibição geral de restrições quantitativa e o (iii)princípio da não-reciprocidade.

O princípio da não discriminação é o princípio basilar da OMC, que se desdobra emduas principais normas. O artigo I do GATT consagra norma da nação mais favorecida.Segundo tal cláusula, os Membros da OMC obrigam-se a estender a todos os produtossimilares dos demais Membros o tratamento comercial mais benéfico que for concedidoa um produto originário do território de qualquer outro país, ainda que este não seja partecontratante do GATT128. Trata-se do tratamento aplicado a todos os produtos importados,comparando-os entre si.Outro expoente do princípio da não-discriminação é a norma do tratamento nacional,

disposta no artigo III do GATT. Segundo ela, aos produtos importados, originários doterritório de qualquer dos Membros da OMC, será concedido o mesmo tratamento queum produto doméstico similar receber internamente129.Para a interpretação destes dois artigos, vem-se à tona a discussão abordada pelo

próprio Órgão de Solução de Controvérsias sobre o que seriam “produtos similares”,enquanto termos integrantes da norma. Isto porque somente entre produtos similaressão aplicáveis a obrigação da nação mais favorecida e a regra do tratamento nacional.Questiona-se se, para a classificação de dois produtos como similares, seria o modo deprodução dos produtos um fator a se levar em conta. Para o caso em questão a perguntafaz-se relevante, especificamente para se decidir se o mesmo produto, no caso, bola defutebol, produzido respeitando-se direitos humanos do trabalho, poderia ser classificadocomo similar a outra bola de futebol, bola esta produzida por crianças de 6-10 anos. Se a

objective of the covered agreements, they shall have recourse to, and abide by, the rules and proceduresof this Understanding.”

128 Artigo I.I do GATT - General Most-Favoured-Nation Treatment: “With respect to customs duties andcharges of any kind imposed on or in connection with importation or exportation or imposed on theinternational transfer of payments for imports or exports, and with respect to the method of levyingsuch duties and charges, and with respect to all rules and formalities in connection with importationand exportation, and with respect to all matters referred to in paragraphs 2 and 4 of Article III,* anyadvantage, favour, privilege or immunity granted by any contracting party to any product originating inor destined for any other country shall be accorded immediately and unconditionally to the like productoriginating in or destined for the territories of all other contracting parties.”

129 Artigo III.4 do GATT - National Treatment on Internal Taxation and Regulation: “The products of theterritory of any contracting party imported into the territory of any other contracting party shall beaccorded treatment no less favourable than that accorded to like products of national origin in respectof all laws, regulations and requirements affecting their internal sale, offering for sale, purchase,transportation, distribution or use. The provisions of this paragraph shall not prevent the application ofdifferential internal transportation charges which are based exclusively on the economic operation ofthe means of transport and not on the nationality of the product.”

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conclusão for que tais produtos não são similares, podem estes então receber tratamentodiferente130.Por não ser o conceito de “produtos similares” definido noGATT, os painéis e oÓrgão

deApelação tiveram que considerar a questão.Alguns casos paradigmáticos destacam-se.Em Japan – Alcoholic Beverages II131 usou-se a imagem de um acordeão para apresentara idéia de que o conceito de “produtos similares” possui significados diferentes quandoos contextos são diversos132. Em Spain – Unroasted Coffee133, ao analisar se diferentestipos de café seriam produtos similares conforme o sentido do termo empregado no artigoI:1 do GATT, o painel considerou relevante os seguintes pontos: a) características doproduto; b) sua destinação final e c) o regime tarifário empregado por outrosMembros.Atais critérios somam-se os costumes e preferências dos consumidores134.No contexto do debate sobre a relevância do processo e método de produção de um

produto (PPM135) para a determinação se determinados produtos são similares, o casoEC-Asbestos136 é crucial. Assim o é porque se decidiu, neste caso, que a definição desimilitude não está restrita às características físicas dos produtos sob análise137. Apesar doque havia sido estabelecido em US-Tuna (Mexico)138, quando se afirmou que processose métodos de produção que não afetem as características ou propriedades do produto emquestão (NPR PPMs) não são relevantes para se determinar a similitude dos produtos139,o conceito de “produtos similares” evoluiu desde então e a questão dos NPR PPMsagora demanda uma análise mais profunda. Constatou-se que tais NPR PPMs podem terum impacto sobre a preferência dos consumidores, e assim, na natureza e extensão dacompetição entre os produtos140. Este seria o caso, por exemplo, da bola produzida porcrianças, mas também de outros processos que utilizem substâncias degradantes ao meioambiente ou prejudiciais ao bem-estar de animais. No entanto, na maioria dos mercados,o que é definitivo para a escolha dos consumidores por produtos são aspectos outros,como, mais provavelmente, o preço.Em EC-Asbestos141, de fato, afirma-se que discriminação só poderia ocorrer se

os produtos analisados estivessem em um relacionamento competitivo, posto que,do contrário, não se pode argüir que tratamento diferenciado a tais produtos seria uma

130 VANDENBOSSCHE, Peter. Ob. cit., p.329.131 DS10 - Japan –Alcoholic Beverages II http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds10_e.htm132 VANDENBOSSCHE, Peter. Ob. cit., p.329.133 BISD 28S/102 Spain - Tariff treatment of unroasted coffee http://www.wto.org/english/tratop_e/

dispu_e/80coffee.pdf134 VANDENBOSSCHE, Peter. Ob. cit., p.331.135 PPM – Product´s ProductionMethod.136 DS 135 European Communities - Measures Affecting Asbestos and Products Containing Asbestos http://

www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds135_e.htm137 MENG,Werner, Ob. cit., p.387.138 DS 381 - United States - Measures Concerning the Importation, Marketing and Sale of Tuna and Tuna

Products http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds381_e.htm139 VANDENBOSSCHE, Peter. Ob. cit., p.381.140 Ibid.141 DS 135 European Communities - Measures Affecting Asbestos and Products Containing Asbestos http://

www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds135_e.htm

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violação à regra, in casu, do tratamento nacional142. Um “enfoque comercial” seria, então,necessário, e o relacionamento competitivo dos produtos e os lugares do mercado por elesocupados podem ser definitivos na caracterização de produtos como similares ou não.Assim, após a mudança interpretativa do termo “produtos similares” desde o

caso Asbestos, a questão está aberta a discussão novamente. No entanto, ainda que seconsiderassem os produtos em questão como não similares, aceitando-se, portanto, queestes recebessem tratamento diferenciado, sanções comerciais ainda iriam, a princípio,violar a segunda regra que se cumpre analisar no presente caso. Trata-se da já referidaproibição geral de restrições quantitativa, expressa no artigo XI do GATT143, para o qualo conceito dos produtos similares não se aplica.Segundo artigo XI do GATT fica proibida a imposição de barreiras não alfandegárias

contra produtos estrangeiros. Esta categoria abrange as proibições ou restrições deimportação144, na qual se incluiria a recusa em receber no mercado interno de determinadoMembro da OMC produtos elaborados através de trabalho regulamentado por normasditas violadoras de direitos sócio-laborais.Para se evitar que uma sanção seja considerada violadora do artigo XI, teria que haver

uma justificativa dentre as cláusulas do catálogo de exceções gerais do artigo XX doGATT145. Tal catálogo corresponde a uma série de normas para reconciliar liberalizaçãocomercial com outros valores sociais146. Assim é o seu funcionamento: “tais exceçõespermitem aos Membros, sob condições específicas, adotar e manter leis e medidas quepromovem ou protegem outros importantes valores e interesses sociais, ainda que taisleis ou tais medidas sejam inconsistentes com disciplinas substantivas impostas peloGATT”147. Assim, ainda que inconsistente com o artigo XI, se a medida legislativatomada por um Membro enquadrar-se nas hipóteses do artigo XX, esta será, portanto,uma conduta permitida.Conforme já dito, o artigo XX(e) contém uma exceção quanto aos produtos feitos em

estabelecimentos prisionais. Isso que implica que os países Membros estão livres parabarrarem a importação de tais produtos.Aquestão sobre uma possível aplicação analógicadesta cláusula para os produtos feitos por crianças aparenta-se bastante improvável, postoque apesar da consciência sobre diferentes formas desumanas de trabalho, optaram oslegisladores por uma específica. A razão de tal opção seria, talvez, não o fato de queo trabalho é desumano, mas sim porque não implica em condições iguais de custo demão-de-obra. No entanto, nada impede que uma evolução interpretativa caminhe para ainclusãodebensproduzidos emcondiçõesde trabalho escravooucondições contrárias aos

142 VANDENBOSSCHE, Peter. Ob. cit., p.375.143 Artigo XI.1 do GATT: “No prohibitions or restrictions other than duties, taxes or other charges, whether

made effective through quotas, import or export licences or other measures, shall be instituted or maintainedby any contracting party on the importation of any product of the territory of any other contracting party or onthe exportation or sale for export of any product destined for the territory of any other contracting party.”

144 MENG,Werner, Ob. cit., p.387. Esquema legal de raciocínio conforme o desenvolvido pelo autor.145 MENG,Werner, Ob. cit., p.387.146 VANDENBOSSCHE, Peter. Ob. cit., p.615.147 Ibid.

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Desenvolvimento e Comércio: a Viabilidade de uma Cláusula Social na OMC 141

padrões trabalhistas mais fundamentais148. Este não é o caso frente à atual jurisprudênciado Órgão de Solução de Controvérsias.Analisando-se, ainda, as exceções gerais do artigoXX, sua alínea (b) defende o direito

dos países Membros em adotar medidas para a proteção da saúde e da vida das pessoas.Questionável é se poderia tal dispositivo ser também interpretado na proteção da saúdedos trabalhadores.Mais controverso ainda seria seEstados poderiamvaler-se de restriçõesa importação comomeio de proteger o direito à saúde de trabalhadores situados e naturaisde outros países.Aquestão de uma limitação jurisdicional do artigo XX, porém, continuaindeterminada. Não há nenhuma limitação explícita, mas, implicitamente, estariam osMembros da OMC proibidos de invocar a proteção de valores não-econômicos forade sua jurisdição territorial? Tal questão ainda aguarda esclarecimento do Órgão deApelação149.Ainda dentro da estruturas de exceções do artigo XX do GATT, a alínea (a) aparenta

ser uma alternativa viável à introdução da temática dos direitos humanos no contextolegal da OMC. Esta defende o direito dos países de proteger a moralidade pública.Trata-se, portanto, de conceito amplo, que vem sendo moldado ao longo dos anos e dodesenvolvimento do Direito Internacional Público. Uma vez interpretando-se moralidadepública como sinônimo de ética150, e definindo-se direitos humanos como parte dafundação ética dos Estados, não estaria a OMC totalmente indiferente à questão dosdireitos humanos como poder-se-ia criticá-la. A interpretação de tal dispositivo, nestesentido, porém, não poderia basear-se em uma convicção moral isolada de um ou maisEstados151, mas sim a valores morais comuns em todos osMembros, ou pelo menos, comummínimo de universalidade. Daí a importância, portanto, de se indagar da possibilidadede se delimitar os direitos fundamentais do trabalho, enquanto um núcleo duro do tema,cuja proteção é defendida ainda que quase-universalmente. Neste sentido, a importânciado trabalho desenvolvido pela OIT, e, igualmente, a necessidade de se pensar para ofuturo, mecanismos de cooperação entre esta e a OMC em suas regras procedimentais.Na tentativa de se justificar a legalidade de uma ação de determinado Estado por esta

se enquadrar em uma das hipóteses das exceções gerais do artigo XX, deve-se aplicar omecanismo interpretativo desenvolvido pela jurisprudência daOMC.Conforme afirmadoem US – Gasoline152 e US – Shrimp153, deve-se aplicar a regra do equilíbrio, implicando-se em sobrepesar o ideal do livre comércio com outros valores sociais154. Neste sentido, opainel determinou emUS – Shrimp que não se poderiam justificar no artigo XXmedidas

148 Ibid. p. 640.149 Ibid. p.619.150 MENG,Werner, Ob. cit., p.388.151 Ibid.152 DS2 United States — Standards for Reformulated and Conventional Gasoline http://www.wto.org/english/

tratop_e/dispu_e/cases_e/ds2_e.htm153 DS58 United States — Import Prohibition of Certain Shrimp and Shrimp Products http://www.wto.org/

english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds58_e.htm154 VANDENBOSSCHE, Peter. Ob. cit., p.619.

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que contradigam o sistema multilateral de comércio, que deve-se ser pensando como umtodo, dentro de uma perspectiva sistêmica.Além do que, enquadrando-se a medida em uma das alíneas do artigo XX, ainda

estaria esta submetida aos requisitos do caput, quais sejam: não deve ser aplicada quer deuma maneira que constitua um meio de discriminação arbitrária, ou injustificada, entreos países onde existem as mesmas condições, quer uma restrição disfarçada ao comérciointernacional. Ainda, e especificamente quanto às demandas com base nas alíneas (a) e(b), estas não se aplicam quando não se provar a “necessidade” que exige o dispositivolegal. Entende-se este requisito como a comprovação da inexistência de outramedida queseja o menos incompatível possível com os Acordos da OMC e que permita alcançar omesmo objetivo155.Por fim, deve-se ter emmente ainda o princípio da não-reciprocidade, conforme artigo

XXXVI, 8156. Segundo este princípio, não se deve esperar que os países de menor grau dedesenvolvimento relativo, no curso das negociações comerciais, assumam compromissosincompatíveis com seu desenvolvimento individual157.Além das normas específicas da OMC, resta ainda questionar a possibilidade de se

justificar as medidas comerciais restritivas em função dos Princípios Gerais de DireitoInternacional.

5.1 Aplicação dos Princípios Gerais de Direito InternacionalUm dos princípios gerais de Direito Internacional determina que os Estados

podem tomar contra outros Estado medidas em relação a violações às sua obrigaçõesinternacionais, desde que aquelas sejam proporcionais158 e com o objetivo de induzir oEstado violador a trazer seu comportamento em conformidade com o Direito159.Qual o lugar ocupado, entretanto, peloDireito Internacional PúblicoGeral, no cenário

das regras daOMC?Avisão daOMCcomoum sistema de regras“self-contained” já caiupor terra, sendo, atualmente, entendida como parte integrante do Direito Internacional160.Pascal Lamy alegou que a efetividade e legitimidade da OMC dependem de como ela serelaciona com normas de outros sistemas legais, sendo que esta organização está longede ser hegemônica161. Reconhece-se, portanto, sua competência limitada. No caso US -

155 GAVA, Rodrigo. Ob. cit. p. 240.156 Artigo XXXVI.8 do GATT: “The developed contracting parties do not expect reciprocity for commitments

madeby them in tradenegotiations to reduceor remove tariffs andother barriers to the tradeof less-developedcontracting parties.”

157 GAVA, Rodrigo. Ob. Cit, p. 240158 Artigo 51 do Projeto da CDI - Projeto deArtigos sobre Responsabilidade Internacional dos Estados porAto

Internacionalmente Ilícito(2001)- Comissão de Direito Internacional – visitado em 09 de Fevereiro de 2010http://untreaty.un.org/ilc/texts/instruments/english/draft%20articles/9_6_2001.pdf

159 Ibid, artigo 49.160 VANDENBOSSCHE, Peter. Ob. cit., p.60.161 LAMY, Pascal. “The Place of the WTO and Its Law in the International Legal Order” EJIL, 2007 In VAN

DENBOSSCHE, Peter. Ob. cit., p.60.

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Desenvolvimento e Comércio: a Viabilidade de uma Cláusula Social na OMC 143

Gasoline, o Órgão deApelação estabeleceu que o GATT “não deve ser lido em isolaçãoclínica do direito internacional público162.Por outro lado, deve-semanter emmente que artigo 3.2 doDSUdelimita claramente a

possibilidade de interpretações extensivas feitas pelo Órgão de Solução de Controvérsias,cujas recomendações não podem aumentar ou diminuir os direitos e obrigações presentesnosAcordos da OMC.Mas no mesmo parágrafo, os procedimentos do DSU servem paraclarificar os dispositivos existentes de tais acordos, conforme as regras costumeiras deinterpretação do direito internacional. Assim, de acordo com o artigo 31 da Convençãode Viena sobre o Direito dos Tratados, enquanto uma codificação das regras costumeirasde direito internacional, “quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveisàs relações entre as partes” serão levadas em consideração para a interpretação de umtratado. Deve-se levar em conta, portanto, o relacionamento legal entre os EstadosMembros de um ponto de vista mais abrangente, e isto não violaria a regra do artigo 3.2do DSU desde que não se adicione ou diminua direitos ou obrigações, mas tão somenteinterpretem-se as normas dos Acordos da OMC em conformidade com outras normasinternacionais, que sempre as definem163.Resumindo-se, além das exceções enumeradas no Artigo XX do GATT, defende-se

poder um Estado valer-se, igualmente, das regras gerais de responsabilidade Estatal. Talpossibilidade tornaria, portanto, o artigo XX não um catálogo de menor importância,mas tão somente um catálogo não exaustivo164. Para este, as exceções do artigo XX sãolimitadas porque sua lista é exaustiva165. Porém, admitindo-se que os princípios geraisdo Direito Internacional não têm sua aplicação excluída, a interpretação da lista doartigo XX como sendo uma listagem numerus clausus seria reavaliada. Assim sendo,a exclusividade de que trata o artigo 23 do DSU diz respeito somente à proibição de sevaler de contra medidas para as violações das próprias regras da OMC. E o medo deque, com a possibilidade de se alegar regras gerais de direito internacional público paradefender barreiras comerciais, abrir-se-ia espaço para protecionismo é mitigado pelo fatode que todos os casos de sanções comerciais seriam automaticamente submetidos aospainéis e, eventualmente, ao Órgão de Apelação, alcançando-se o sucesso de serem taissanções não mais uma prerrogativa unilateral dos Estados166.Apesar dos riscos envolvidos, não se pode aceitar um isolamento das normas da

OMC frente às demais normas de direito internacional. E este é um problema típicoderivado da ausência de um órgão legislativo e judiciário internacional central, que deveser enfrentado se os Estados almejarem evitar uma fragmentação do direito internacional.A doutrina clássica já se apresenta obsoleta para enfrentar as novas demandas dasrelações inter-Estatais, e as mudanças apresentam imperiosas, assim como o são naturaisnos demais ramos do direito ou em qualquer ciência social. E apostam-se as fichas no

162 US-Gasoline – Standards for Reformulated and Conventional Gasoline (WT/DS2/AB/R).163 MENG,Werner, Ob. cit., p.390.164 Diferentemente do que defende Van den Bossche165 VANDENBOSSCHE, Peter. Ob. cit., p.617.166 Idib. p.391.

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Sistema de Solução de Controvérsias da OMC, neste caso específico, como um meiode controle dos eventuais desvios do recurso às regras gerais de responsabilidade dosEstados apresentado, além de se defender uma cooperação entre OMC e OIT.

5.2 O Possível Futuro Caso dos EUA – S. 1631Ainda que dado real, a informação prestada a seguir não se tornou uma questão em

debate frente a OMC, mas com grande probabilidade de assim o ser e para o qual oDireito Internacional Público, aqui representado por suas organizações internacionais decunho temático específico deve estar preparado. Trata-se do recentemente introduzido“Customs Facilitation and Trade Enforcement Reauthorization Act” (S. 1631), queestende, significativamente, a barreira sobre importaçõesdeprodutos feitos comutilizaçãode trabalho forçado ou infantil. Tal ato legislativo é uma emenda ao § 1307, Título 19(Customs Duties), Capítulo IV (Tariff Act of 1930) do “United State Code”, sendo esteuma compilação e codificação das leis federais gerais e permanentes dos Estados Unidos.As seguintes alterações são promovidas: primeiramente, remove a cláusula denominada“demanda consumidora”, eliminado assim uma isenção que permitia a importação nosEUAde produtos proibidos se este país não fosse capaz de produzir suficientemente paraatender a demanda interna. Além disso, barra a importação de produtos produzidos com“trafficked labor”167. Para garantir efetividade à medida, previu-se, além de penalidadescivis, a criação de um escritório dentro do órgão de imigração americano “U.S.Immigration and Customs Enforcement” para a função de monitoramento.O S.1631 não é a única medida recém adotada pelo governo dos EUA referente a

trabalho infantil e trabalho forçado. Em 2009, o “Department of Labor” (DOL) publicouuma lista de produtos em que se acredita sejam produzidos com uso de trabalho infantil.O objetivo é garantir que estes produtos não entrem em território norte-americano, tantopelo controle de importação a ser exercido pelas agências americanas, como, igualmente,pela expectativa de que importadores e consumidores dos EUA hesitem em adquirirprodutos incluídos na lista168. Dentre os países listados encontram-se Índia, Argentina,Colômbia, Tanzânia, Ucrânia, China e vários outros. O Brasil é igualmente citado, tantono que se refere a produtos agrícolas, como cana-de-açúcar, abacaxi e arroz, mas tambémprodutos industrializados, como calçados dentre outros.169

OTariffActof1930 já foiquestionadoemdisputas tanto frenteaoGATT1947,comonopedido de realização de consultas frente aoSistemadeSolução deControvérsias daOMC.Trata-se do questionamento específico da Seção 337. No Relatório do painel adotado em7 de novembro de 1989, ou seja, antes mesmo da criação da OMC, formando, portanto,a jurisprudência do GATT, ao analisar uma reclamação feita pela Comunidade Européia,concluiu-se que a Seção 337 do United States Tariff Act of 1930 é inconsistente com a

167 Reportagem visitada no dia 25 de Fevereiro de 2010 em http://www.rila.org/news/newsletters/trade/Volume1Issue14/Pages/CustomsBillWouldExpandBanonImportsMadewithForcedChildLabor.aspx

168 Ibid.169 The Department of Labor’s List of Goods Produced by Child Labor and Forced Labor http://www.dol.gov/

ilab/programs/ocft/PDF/2009TVPRA.pdf visitado em 26 de Fevereiro de 2010.

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regra de tratamento nacional do artigo III:4 do GATT, ao impor a produtos importados,cuja infração a lei de patentes americana é questionada, tratamento menos favorável queo tratamento dispensado a produtos originários dos EUAem situação similar170.Novamente em 2000, agora sim dentro do sistema da OMC, a Comunidade Européia

solicitou o procedimento de consultas comosEUAacerca damesmaSeção 337, alegandoviolaçãodoartigo III doGATTedoTRIPS171.AComunidadeEuropéiadeclaraque, apesardas emendas realizadas pelos EUA através do “1994 US Uruguay Round AgreementsAct”, na tentativa de trazer o estatuto em conformidade com as recomendações do painelem 1989, as principais inconsistências levantadas na época não foram eliminadas172.Estes questionamentos dizem respeito, no entanto, ao princípio da não-discriminação

dentro da sistemática do direito da propriedade intelectual, sem nenhum apontamentoespecífico no que tange questões jus-laborais. Há que se esperar qual será a reaçãointernacional frente a esta medida, e talvez assim uma posição mais esclarecedora sobreo tema seja desenvolvida, através dos órgãos jurisdicionais internacionais, ou quem sabe,ainda, pela via de uma regulamentação jurídica vinculativa do assunto.

6. A Retomada da Querela – a “Busca em Vão” de uma Posição Única eDefinitiva

Frente ao discurso histórico, político e jurídico aqui apresentado, a busca de umasolução objetiva e irrefutável para a problemática apresenta-se, porém, difícil, ou, diriaainda, impossível. O título deste capítulo, entretanto, já merece cair por terra em seuprimeiro parágrafo. Isto porque a busca, como admitida acima, não foi em vão. E assimnão o foi porque nos possibilitou, ao menos, refletir acerca da complexidade da questão,e, buscou-se, por muitas vezes, desmistificar alguns pontos através da apresentação dasvisões antagônicas que permeiam a temática.Neste sentido, propõe-se a esta altura do presente trabalho, realizar uma retomada

do cenário internacional sócio-econômico-comercial que justifica as questões até entãoapresentadas, aprofundando-se na sua complexidade, ainda que para contribuir para aindefinição de uma resposta.Assim, retomemos, primeiramente, a questão da mão-de-obra. De fato, quanto

a ela, alguns países dispõem de certas particularidades nacionais, seja em relação aosseus custos mais baixos de produção, a flexibilidade de seus ordenamentos laborais,menores encargos sociais ou ainda sistemas de seguridade social menos avançados173.

170 UNITED STATES - SECTION 337 OF THE TARIFF ACT OF 1930 Report by the Panel adopted on 7November 1989(L/6439 - 36S/345)§6.3 http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/87tar337.pdf visitadoem 02 de Março de 2010.

171 United States—Section 337 of theTariffAct of 1930 andAmendments thereto http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds186_e.htm visitado em 02 deMarço de 2010.

172 WT/DS186/1 IP/D/21-18 January 2000 - UNITED STATES – SECTION 337 OF THE TARIFFACT OF1930 ANDAMENDMENTS THERETO - Request for Consultations by the European Communities andtheir member States.

173 GAVA, Rodrigo. Ob. cit. p. 130.

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Dentre estes países há que se diferenciar, porém, entre aqueles que de fato gozam dasditas vantagens comparativas e aqueles que, de má-fé, as criam demaneira intencional174,ou seja, propositalmente rebaixam as condições jus-laborais vigentes, com o fito de seaproveitarem das vantagens competitivas que elas proporcionam, configurando-se, nestesegundo caso, uma concorrência desleal175. Por diferentes serem as hipóteses, diferente,portanto, deve ser o tratamento a elas despedido.Somente a segunda hipótese poderia, de fato, conformar a prática do chamado

“dumping social”, contra qual se insurgem os países centrais, valendo-se das CláusulasSociais como “outro escudete comercial, ora fundamentado no contra-argumento daprática concorrência desleal”176. Ao passo que o dumping social não é respaldado pelaOMC, defendem os países desenvolvidos a regulamentação do assunto com a devidaconsagração de padrões trabalhistas mundiais, que uma vez descumpridos, seriam osautores retaliados por um direito antidumping177. Para diferenciar, portanto, a hipóteseintencional de diminuição das condições trabalhistas, da hipótese em que esta ocorrecomo conseqüência da estrutura histórico-político-econômico-social (ou seja, baseada narelação oferta-demanda de mão-de-obra e progresso nacional) de determinados países,a análise dos padrões laborais deve ser feita conjuntamente com a análise dos “fatoresmotivacionais e dos seus resultados práticos”178.No caso do alegado dumping social, suas conseqüências são, de fato, graves para

a conjuntura internacional. Isto porque, além do medo de um “race to the bottom”, jáapresentado acima, enquanto umapressão para aminimização dos direitos trabalhistas emvirtude da concorrência, há também que se falar em duas grandes questões sociológicasque aflingem o cenário mundial: o fenômeno da “deslocalização” das unidades deprodução para regiões de mão-de-obra barata e o movimento intenso de migração dostrabalhadores para os países do eixo norte em busca de melhores salários e qualidade devida179.Primeiramente, com a opção de empresas por construírem suas bases de

produção ou parte delas em territórios outros que o seu de origem, em busca defatores de produção a menores custos, tem lugar o fenômeno de desterritorializaçãoe reorganização do espaço de produção, ao lado, também, da fragmentação dasatividades produtivas180. Essa deslocalização pode ter efeitos positivos para dospaíses de destino, qual seja, através da aplicação de investimentos diretos em seusterritórios e transferência de tecnologia que possibilitarão um crescimento estrutural

174 “Afirma-seque raramenteospaísesdeterminamseuspadrões trabalhistaspara influenciarfluxoscomerciais...Ao contrário, os escolhem baseados em condições sociopolíticoeconômicas predominantes em determinadomomento histórico... Sendo, portanto, as políticas trabalhistas que condicionam a política comercial e não ocontrário”. DI SENAJR., Roberto. Ob. cit. p. 98

175 GAVA, Rodrigo. Ob. cit. p. 133.176 Ibid. p. 131.177 Ibid. p. 132.178 Ibid.179 Ibid. p. 134.180 Ibid. p. 154.

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e econômico do país, para que estes se livrem, enfim, da eterna condição de paísem desenvolvimento. O efeito pode ser, por outro lado, negativo, se o mecanismoutilizado for o demeras licenças e subcontratações, em que as empresas transnacionaisagem como verdadeiras sanguessugas, sem agregar valor ao país em que implantamfases de sua produção. Agindo dessa forma negativa, portanto, o comportamentodos países centrais apresenta-se incoerente, vez que bradam contra um existentedumping social, ao passo que são justamente co-responsáveis deste processo, pois asempresas originárias destes países, ao deslocarem suas unidades produtivas para ospaíses em desenvolvimento, acabam por acirrar uma concorrência entre os Estadospelo fornecimento de mão-de-obra mais barata181, vez que seria esta mais atrativa.Asegundaquestão,amigração,porsuavez,alteradeformasignificativaaconfiguração

do mercado de trabalho do país de destino, causando desemprego ou rebaixamento dascondições salariais e de trabalho vez que estes imigrantes se sujeitam a contratos maisflexíveis que os nativos admitem como justos. Enquanto grave conseqüência social destequadro tem-se a xenofobia, que talvez ainda não se faça marcante na realidade brasileira,mas de assustadora expressividade em países como Alemanha, França, Inglaterra, EUAe outros. O tratamento despendido aos imigrantes pelos países do norte igualmentequestiona o altruísmo que estes defendem quando do posicionamento dos mesmos emprol da introdução de cláusulas sociais182.Portanto, deve-se atentar para o fenômeno como uma realidade resultante do

próprio processo de globalização, em que se coloca em contato trabalhadores eempresas de vários países, e a partir deste entendimento, buscar uma normativizaçãoque potencialize os pontos positivos que são conseqüências desta nova estruturaglobal, corrigindo, simultaneamente, as moléstias do sistema. A regulamentação deveter como norte, portanto, o direito ao desenvolvimento, principalmente dos paísesperiféricos, admitindo-se que suas vantagens comparativas reais são o recurso para aimplantação de um bem-estar maior para sua população, que ali será capaz de construirsuas vidas dentro dos padrões mínimos de dignidade, aumentados em grau ao longo dodesenvolvimento observado. Deve-se aceitar o fato de que a conjugação dos fatores daglobalização, tais como livre comércio, melhoria nas telecomunicações e do transporteatenuou as desvantagens apresentadas pelos países em desenvolvimento em relação aosdesenvolvidos183. E tal conjuntura deve permitir e ser usada como meio de inserção dospaíses em desenvolvimento no mercado e no cenário internacional184.Uma “nova fórmula neoprotecionista dos países ricos185” iria de encontro à

política de liberalização mundial, e representaria um retrocesso à idéia de livrecomércio em que eles são os maiores defensores, justamente quando as primeirasdificuldades de readaptação apresentam-se, demandando uma reestruturação de

181 Ibid. p. 158.182 Ibid. p. 259.183 Ibid. p. 152.184 Ibid. p. 153.185 Ibid. p. 144.

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seus próprios mercados. Representaria verdadeira fraqueza, senão que desvelaria aintenção puramente individualista destes países quanto à liberalização comercial, emque o discurso do aumento da riqueza sob ponto de vista global seria somente maisum argumento por eles mesmo desacreditado com o fim de meramente convencer osdemais países a jogar um jogo para benefício de poucos186.O que se diz, portanto, é que “salários e padrões sócio-laborais relativamente

mais baixos são resquícios de um processo histórico”187, resultados da conjunturaexcludente do cenário mundial, cuja situação apenas se agravaria com a inclusãode cláusulas sociais. Mas que, novamente, uma diferenciação, a este respeito, faz-se necessária. Não se aspira defender que infrações graves a direito humanos dotrabalhador não ocorrem. Pelo contrário, trabalho escravo e infantil ainda é umarealidade existente e condenável. E como tal, deve ser devidamente punida e revertida,primeiramente, pelos Estados com o devido apoio das instituições internacionais.Acontece, porém, que estas situações não ocorrem com objetivos de “conquistarmercados ou como estratégia política dos Estados”188 e a definição, como de fato éfeita, bem como a intervenção nestes casos violadores mais graves deve ficar a cargoda OIT. E talvez o âmbito de atuação da OMC, porém sempre em cooperação com aOIT em busca de um sistema internacional uno, deva se restringir no campo da relaçãocomércio-trabalho somente aos casos em que os padrões trabalhistas são utilizados,intencionalmente e de modo estratégico, como forma de concorrência desleal entreos países. Os mecanismos para a realização de tal diferenciação devem ser, porém,desenvolvidos, o que não se apresenta tarefa de fácil procedimentalização. E paraeste fim, mais uma vez ressalta-se a necessidade de cooperação entre as organizaçõesinternacionais, em destaque neste tema a OMC e a OIT189, vez que impossível retirartotalmente a competência da OMC na matéria uma vez que o trabalho é fator deprodução e, portanto, elemento central e influenciador do mecanismo do comérciointernacional.

6.1 Viabilidade/Imperiosidade das Cláusulas SociaisA definição de cláusula social apresentada na introdução deste trabalho merece

revisão. Isso porque além de se caracterizar, em sua forma negativa, pela fixaçãode condições e padrões mínimos em matéria sócio-laboral, ou seja, de arrolarrequisitos que devem ser observado para que as transações comerciais aconteçam,

186 Confirma-se, portanto, a frase do filósofo Newton Bignotto, segundo quem “Numa sociedade como a nossa,o interesse é constituidor das relações do homem com omundo. Muitas vezes a gente mascara o interesse, eo interesse mascarado é socialmente muito mais difícil de lidar do que o interesse explícito como interesse”.Frase retirada do vídeo Café Filosófico: Bem Comum eVida Privada, comNewton Bignotto.

187 GAVA, Rodrigo. Ob. cit. p. 143.188 Ibid.189 “O Conselho da EU determinou que a Entidade defendesse 3 medidas principais na Reunião de Seattle,

a saber: 1- ampliação da cooperação da OMC e OIT; 2- apoio ao trabalho da OIT e sua atuação comoobservador da OMC; e 3- criação do Fórum de Trabalho Conjunto OMC/OIT sobre globalização, comércioe trabalho.” DI SENAJR., Roberto. Ob. cit. p. 109-110.

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vinculando a concretização de acordos comerciais ao cumprimento pelo(s) país(es)de determinadas normas trabalhistas sob pena de sanções (restrições comerciaisou retaliações), as cláusulas sociais também admitem uma configuração positiva.Em sua forma positiva, as cláusulas sociais, ao invés de apresentarem naturezasancionatória, o são de caráter premial, ou seja, o cumprimento das normas sociaise trabalhistas torna os países merecedores de bônus que funciona como incentivo aodesenvolvimento, em matéria jus-laboral, dos parceiros comercias190. Como exemplodesta configuração positiva das cláusulas sociais tem-se o SGP191.

As cláusulas sociais positivas atendem, mais adequadamente, o ideal de elevaçãoda proteção social e trabalhista em escala global, apresentando um menor risco de secaracterizar como um protecionismo disfarçado dos países do Primeiro Mundo, vistoque não têm como conseqüência a retirada de parcela de participação dos países emdesenvolvimento no mercado internacional.Tomemos, por exemplo, a problemática do trabalho infantil. Ela se dá, com maior

freqüência, em Estados falidos, em que a diminuição do acesso ao mercado globalpor via das barreiras comerciais agravaria ainda mais a situação daquela parcelacarente da população e os levaria a buscar alternativas ainda mais drásticas parase sustentarem, quiçá piores formas de trabalho, como, prostituição e escravidão192,dentre outras. Impor barreiras comerciais não é, no caso, a solução, mas sim aimplantação de melhores políticas públicas pelo próprio Estado193, seja enquantoreinvestimento dos lucros do comércio internacional seja pela fiscalização e suporteda OIT, por exemplo.A imposição do pensamento ocidental pela economia, ou pela OMC enquanto

ferramenta institucional desta, não parece atender os objetivos de melhoria dascondições sociais em escala mundial. Primeiro porque uma universalização dosdireitos trabalhistas se caracteriza pela pretensão de se uniformizar realidadesnacionais díspares, desconsiderando totalmente a existência de raízes culturaismilenares, objetivando a instauração, implausível, de uma noção única para umapluralidade mundial. Difícil, para não dizer arbitrária, seria encontrar respostaspara as perguntas sobre quem decidiria os padrões a serem implantados, quaisseriam estes e como se daria tal implantação194. Esquece-se que a RevoluçãoIndustrial ocorrida a expensas dos trabalhadores foi a base para se atingir o graude riqueza de hoje dos países do norte e só assim os altos padrões sociais tiveramespaço para serem implantados. Impô-los aos demais países que percorreramdiferentes evoluções históricas parece um tanto quanto inadequado e insensato.Não se defende, entretanto, que se use o mesmo caminho de exploração humanavivenciado há séculos, mas sim que adequações às realidades nacionais devem

190 GAVA, Rodrigo. Ob. cit. p. 167.191 Ver nota de rodapé nº. 5.192 DI SENAJR. Roberto. Ob. cit. p. 181.193 GAVA, Rodrigo. Ob. cit. p. 185.194 Ibid. p. 276.

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ser observadas195. Nem tampouco se defende um uso infinito da vantagemcomparativa196, mas tão somente o direito ao desenvolvimento, para que asvantagens comparativas possibilitem aos países do Terceiro Mundo, no futuro,gozarem de verdadeiros benefícios do comércio internacional. Mas questões comoa dos subsídios agrícolas, por exemplo, ou as restrições mundiais ao comérciode têxteis197 ainda pendem solução, e enquanto fruto do protecionismo, aindaimpede o crescimento de vários países em desenvolvimento198, notadamente nacondição de exportadores de commodities199.Há quem defenda, ao se questionar o pretenso altruísmo dos países desenvolvidos,

que no caso de uma eventual introdução de cláusulas sociais sancionatórias, que ovalor pagos pelos ditos países infratores seja convertido em um fundo oriundo daspenas pecuniárias para então serem reaplicados “no próprio país-réu”200, ou seja,reinvestido no combate do trabalho escravo, infantil e demais males que assolam ospaísesmenos desenvolvidos.Apesar de ser uma tentativa válida de argüir o argumentofilantrópico, tal fundo não se apresenta como a ferramenta mais adequada, postoque seria caracterizado como uma ingerência excessiva nos assuntos internos de umEstado, que apesar da superação da teoria clássica do Direito Internacional Público,continua soberano. Mais plausível é a competência doméstica para tomar decisões nosentido de penalizações e conversão da multa aplicada em programas públicos.Portanto, para que uma aceitação das cláusulas sociais sejaminimamente defendível,

alguns fatores teriam que ser levados em conta, dentre eles, principalmente: as realidadesnacionais, realizando-se, conseqüentemente, adaptações, o que descarta a idéia deuniversalidade e uniformização máxima das normas sociais; igualmente, necessita-senortear o processo por um objetivo de progresso coletivo e continuado, permitindo-se às nações desfrutarem dos benefícios do comércio internacional; e ainda, a melhorconfiguração, para tanto, seriam as chamadas cláusulas positivas não sancionatórias.

7. Conclusão

Diante do exposto, resta clara que segundo a vigente legislação da OMC éimpossível justificar sanções comerciais ao chamado dumping social baseadosomente em critérios de injustiça sem assim agir ilegalmente201.

195 DI SENA JR. Ob. cit. p. 107. Vale completar que “não se opões à adoção de um patamar social para aglobalização... se opõe ao emprego de sanções comerciais como forma de se atingir padrões trabalhistasmaiselevados, mas não aos padrões em si”.

196 GAVA, Rodrigo. Ob. cit. p. 333.197 DI SENAJR., Roberto. Ob. cit. p. 64.198 Como no caso brasileiro em que o agronegócio responde, em dados de 2006, no livro de Roberto Di Sena

Jr., a 32%do PIB brasileiro, representa 38%das exportações e emprega 40%da população economicamenteativa do país. DI SENAJR., Roberto. Ob. cit. p. 65.

199 GAVA, Rodrigo. Ob. cit. p. 335.200 Ibid. p. 262.201 Damesma forma conclui MENG,Werner. Ob. cit. p. 393.

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Damesma forma, mão-de-obra barata não significa, necessariamente, dumpingsocial, mas é muito mais um reflexo do desenvolvimento histórico, das tradiçõesculturais e do nível de progresso econômico. E enquanto avista-se a dificuldadede um consenso sobre o que compõe a lista dos direitos universalmente aceitos(ou se tal lista será, algum dia, possível de ser elaborada de comum acordo),é altamente improvável que todos os países da OMC irão concordar com aintrodução de uma cláusula social202.Neste limiar temporal, a OITvemdesempenhando seu papel no reconhecimento

de padrões trabalhistas reconhecidos em uma base universal na forma de tratadosinternacionais, portanto, vinculativos. E além dos mecanismos de controle,promoção, suporte técnico, fiscalização que a OIT já presta aos seus Membros,já demonstrou, como, por exemplo, no caso de Mianmar203, sua capacidadede valer-se de ações repressoras cogentes no caso de graves e persistentesviolações a normas laborativas. Neste sentido, uma atuação mais pró-ativa daOIT é recomendável, principalmente para assegurar seu papel como organizaçãointernacional especializada em matéria trabalhista.Juntamente ao exposto, é necessário o desenvolvimento de uma cooperação

entre OMC e OIT através de regras procedimentais, para que a atuação de ambasseja mais uníssona tanto do ponto de vista do desenvolvimento jurisprudencialcomo na promoção de melhores condições de vida e trabalho em escala global.Os desafios desta cooperação, entretanto, estão na própria configuraçãoestrutural do Direito Internacional Público, que na eventualidade de conflitosentre normas, competência e procedimentos dos sistemas institucionalizados,a dificuldade de se manter uma coerência vem, justamente, da ausência deum órgão jurisdicional central e de uma Lei de maior hierarquia que faria asvezes da Constituição nos sistemas legais domésticos. Mas, para se evitar umafragmentação do Direito Internacional, ou ainda, o que seria pior, uma falta dedescrença no sistema e a existência de normas contraditórias que levasse à totalineficiência e inaplicabilidade dos tratados, cooperação entre as instituições deveser perquerida.

202 Ibid. p. 394.203 GAVA,Rodrigo. Ob. cit. p. 294. – Combase no artigo 33 daConstituição daOIT, que admite serem tomadas

medidas convenientes para obtençãodo cumprimento das recomendações,Mianmar, que fora condenadoporpersistentes violações àConvenção sobreo trabalho forçadoenão tendodadocumprimento ao recomendado,foi alvo da autorização da OIT de que Estados-Membros terminassem suas relações comerciais com aquelepaís de modo a findar o sistema de trabalho forçado vigente.

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RefeRências

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Desenvolvimento e Comércio: a Viabilidade de uma Cláusula Social na OMC 153

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O Aumento do Número de Órgãos Judiciais Internacionais e suas Repercussõespara a Sociedade Internacional

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O Aumento do Número de Órgãos Judiciais Internacionais e suasRepercussões para a Sociedade Internacional

leonardo nemer caldeira brant1

délber andrade lage2

ResumoO recente movimento de expansão não uniforme do Direito Internacional (DI) é

caracterizado por um lado, pela especialização de regimes e, por outro, pelo aumento donúmero de cortes e tribunais internacionais. O problema que se coloca, no âmbito dessetrabalho, refere-se à análise das implicações da jurisdicionalização do DI para a noçãode unidade de seu ordenamento jurídico. Discute-se, em um primeiro momento, o quecaracteriza esse movim ento, bem como são identificas suas tendências conjunturais.A partir disso, há uma a colocação e análise da tese de acordo com a qual o aumentode órgãos judiciais internacionais é, ao mesmo tempo, um reflexo e um reforço domovimento de expansão não uniforme doDireito Internacional, e, dentro das alternativasdesenhadas pela necessidade política, atua de forma decisiva para a consolidação dosistema normativo internacional.

AbstractThe recent movement of uneven expansion of International Law is characterized in

one hand, for the specialization of regimes and, on the other hand, for the increase inthe number of international courts and tribunals. This paper examines the implicationsof the judicialization of the International Law to the notion of unity of its legal order.Firstly, it is argued what characterizes this movement, as well as how its conjuncturaltendencies are identified. On that account, it is defined and analyzed the argument whichconsiders that the increase of international legal organs is, at the same time, a reflexand a strengthen of the movement of uneven expansion of the International Law, andbetween the alternatives designed by the political needs, acts in a decisive way in theconsolidation of the international normative system.

1 Presidente do Centro de Direito Internacional (CEDIN). Jurista Adjunto na Corte Internacional de Justiça(CIJ). Professor convidado da Université Panthéon-Assas Paris II e da Université Caen Basse-Normandie,França. Visiting Fellow do Lauterpacht Centre, Cambridge University. Professor Adjunto de DireitoInternacional Público da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Pontifícia UniversidadeCatólica deMinas Gerais (PUCMinas).

2 Diretor do CEDIN, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito Internacional do CEDIN e dasFaculdades Milton Campos, Professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito da UFMG (2009) edo Centro Universitário UNA; Professor do Curso de Relações Internacionais da PUCMinas (2010).

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A recente tendência de adjudicação dos conflitos internacionais, caracterizada poruma significativa especialização dos órgãos jurisdicionais internacionais e de suascompetências tem acirrado o debate acerca da fragmentação do DI. Para que se possacompreender esse cenário, deve-se, primeiramente, analisar o real alcancedaproliferaçãode cortes tribunais internacionais (parte I), para que então se possa discutir de que formaessa tendência interfere na dinâmica do ordenamento jurídico internacional (parte II). Ahipótese defendida é a de que ela reflete a tensão existente na sociedade internacionalentre a existência de valores comuns e os ideais voluntaristas decorrente do corolário dasoberania dos Estados e conseqüente anarquia do sistema internacional.

Parte I –A “Proliferação” de Cortes e Tribunais Internacionais

Seção 1 - A Caracterização do Movimento: Expansão e EspecificidadeInstitucional

O significativo aumento do número de cortes e tribunais internacionais, ocorridonos últimos quinze anos, é provavelmente o indicador mais latente do movimento deexpansãonãouniformedoDireito Internacional.Amagnitudedesse fenômenoé atestada,por exemplo, quando se percebe que, apesar de existirem hámais de um século, sessentae três por cento de toda a atividade das cortes internacionais ocorreu nos últimos dozeanos3. Ele não se caracteriza, contudo, apenas por seu aspecto quantitativo, uma vez que éacompanhadopor uma tendência de expansão e transformaçãodanatureza e competênciadesses órgãos judiciais4. Para que se possa analisar de que forma a jurisdicionalizaçãorepercutena aunidadedoordenamento internacional, faz-senecessária a compreensãodocontexto no qual essas mudanças ocorreram5. Faz-se necessária, igualmente, a discussãode suas implicações no padrão normativo tradicional, a partir de questões relativas àpossibilidade de conflito de decisões, a “constitucionalização” do sistema normativointernacional, a comunicação transjudicial, e a “possibilidade do fórum shopping”6.

3 ALTER, Karen J., International Legal Systems, Regime Design and the Shadow of International Law inInternational Relations. Paper presented at theAmerican Political ScienceAssociation Conference, Boston,MA, 2002.

4 ROMANO, Cesare P.R., The Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of The Puzzle; 1999,p.710.

5 Nesse sentido, relevantes colocações são feitas por Romano, que argumenta que essa “proliferação” foraresultado dos seguintes fatores estruturais: Fim da Guerra Fria e conseqüente abandono das concepções deMarxistas e Leninistas acerca das RI (i); substantiva expansão do Direito Internacional, capitaneada pelaconsolidação de novos regimes (ii); grande número de acordos comerciais regionais – os quais normalmentetrazem provisões acerca da solução de controvérsias (iii); e a emergência de atores de natureza não estatalna Sociedade Internacional – tais quais Organizações Internacionais, indivíduos e cortes nacionais – cujasdemandas criaram a necessidade de novas instituições internacionais (iv). (ROMANO, Cesare P.R., TheProliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of The Puzzle; 1999, pp. 729-748).

6 Ver, por exemplo, The Proliferation of International Tribunals: Piecing Together the Puzzle, 31 New YorkJournal of International Law and Politics, 1999.

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Conforme será argumentado, a criação de cortes e tribunais internacionais é marcadapor sua diversidade funcional7 e institucional8. Por essa razão, muito tem sido discutidosobre uma pretensa fragmentação do DI, causada pela desmedida “proliferação” dessesórgãos9. Esse é, repita-se, justamente o foco desse trabalho. Faz-se necessária, portanto,uma observação preliminar a esse respeito: em virtude desse recorte epistemológico, aavaliação acerca das razões pelas quais os Estados têm optado por delegar a avaliaçãodas questões normativas a terceiros10 é algo que se coloca apenas de forma incidental.O que se quer frisar, com isso, é que o foco desse estudo privilegia os impactos dessemovimento para a Sociedade Internacional. Isso significa que, do ponto de vista teórico,a jurisdicionalização será colocada como uma variável independente.Face à incipiência desse cenário, bem como aos problemas relativos à dificuldade de

uniformização conceitual acerca do tema, a determinação do que será considerado comoCortes e Tribunais internacionais no âmbito desse trabalho é algo de suma importância.AlgunsautoresoptamportrabalharcomanoçãocunhadaporMartinShapiro,deacordocoma qual há quatro elementos envolvidos: (1) juízes independentes; (2) normas relativamenteprecisas e preexistentes; (3) procedimento que consagre o contraditório; e (4) decisão deacordo com a qual uma parte necessariamente vença11. Essa, contudo, se mostra limitadapor pressupor uma correspondência entre os órgãos judiciais domésticos e internacionais.Não se pode negligenciar o fato de que a adjudicação, na esfera internacional, assumedinâmica própria, notadamente distinta daquela dos ordenamentos nacionais.Nesse último caso, o acesso às cortes é, normalmente, umdireito inerente ao sujeito, e

se inseredentrodeumsistemajudicialhierarquizadoecujomecanismode implementaçãodas sanções é eficaz. Nas relações internacionais, por sua vez, a presença de EstadosSoberanos como os principais agentes do Direito Internacional implica especificidadespara a própria idéia do exercício da jurisdição, dramaticamente ligado ao consentimentodesses12. Ademais, as vicissitudes desse contexto impedem que haja um sistema judicialanálogo aquele existente na esfera doméstica. Os mecanismos de implementação

7 Especialização da competência, regime legal aplicável, acesso, dentre outros.8 Medidas provisionais, procedimentos internos, mecanismos de monitoramento e implementação das

decisões, por exemplo.9 Ver, por exemplo, KINGSBURY, Benedict, Foreword: Is the Proliferation of International Courts and

Tribunals a Systemic Problem?, pp.680-688; BURGENTHAL, Thomas, Proliferation of InternationalCourts and Tribunals: Is it Good or Bad?, 2001. Para uma exaustiva análise a esse respeito, inclusivesobre a existência real de eventuais conflitos de decisões, ver CHARNEY, Jonathan I., Is International LawThreatened by Multiple International Tribunals?, RECUEIL DES COURS 101, 1998 (No qual o autorargumenta que, até aquele momento, não havia nenhum indício de fragmentação).

10 Para uma discussão sobre as razões políticas que envolvem o processo de delegação, ver ALTER, Karen,International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and Their Implications for State-ICrelations, 2005.

11 SHAPIRO, Martin, Courts, a Comparative and Political Analysis, 1981, p.1. Ver, igualmente, MERRILS,International Dispute Settlement, 1998, pp. 293-296; ALVAREZ, José E., New Dispute Settlers: (Half)Truths and consequences, 2003, p.407; CARON, David, Towards a Political Theory of International Courtsand Tribunals, 2006, p.406.

12 Ver, a esse respeito, ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm inInternationalAdjudication: Elements for a Theory of consent, 2007.

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das sanções, por exemplo, são especialmente inconsistentes, normalmente de ordembilateral (à cargo dos próprios Estados envolvidos na lide)13. No seio da própria ONU,por exemplo, a única frágil provisão de ordem institucional relativa à garantia dasdecisões da CIJ é aquela do artigo 94, parágrafo 2º da Carta, de acordo com a qual oConselho de Segurança pode ser acionado nos casos de seu descumprimento14. Se porum lado os Estados têm gradativamente optado por se submeter à jurisdição de Cortes eTribunais Internacionais, por outro sua postura em relação à autoridade de suas decisõesainda é ambígua, na medida em que reflete a tensão entre soberania e comunitarismo..Nesse sentido, destaca Leonardo Nemer C. Brant:

“A aplicação do princípio da autoridade da coisa julgada demonstra,assim, o estado de maturidade do direito internacional na atualidade.Este princípio reflete a contradição dialética entre a afirmaçãoda soberania (voluntarismo expresso na necessidade absoluta doconsentimento) e a interdependência da comunidade internacional(expressa na possibilidade de autoridade da decisão de um terceirojurisdicional). Esta contradição se expressa, em última análise, umavez que enquanto, por um lado, é amplamente admitido que a soluçãoobtida através da aplicação do direito por uma corte imparcial éaquela mais propícia de ser respeitada e a durar; ou seja, enquantopor um lado o princípio da autoridade da coisa julgada se consagracomo corolário da manutenção da paz por intermédio do direito, poroutro, os Estados evitam engajar-se numa aventura em que um terceiroimparcial poderá estabelecer uma obrigação normativa de naturezadefinitiva e obrigatória para ele.”15

O que se deve fazer, portanto, é a articulação de um conceito que seja capaz de abarcaressas especificidades relativas à adjudicaçãona esfera internacional.Aopção, no casodesseestudo, foi pelos critérios estabelecidos pelos pesquisadores do “Project on InternationalCourts and Tribunals”16 (PICT). De acordo com eles, uma Corte Internacional é aquelaque é (1) permanente; (2) composta de juízes independentes; (3) que decide controvérsiasde duas oumais partes, sendo pelomenos uma delas Estado ouOrganização Internacional;(4) trabalha de acordo com regras e procedimentos preestabelecidos; e (5) cujas decisõessão vinculantes17. Ao aplicar essa noção aos órgãos cujo objetivo precípuo é a solução

13 Ver, nesse sentido, BRANT, Leonardo Nemer C., A autoridade da Coisa Julgada no Direito InternacionalPúblico, 2002, pp.227-233.

14 Aúnica vez que esse dispositivo fora invocado foi em 1986, quando a Nicarágua alegou o descumprimentode uma decisão da CIJ pelos EUA. Entretanto, nenhuma medida fora adotada, vez que esses últimosexerceram seu poder de veto (S/PV 2700-2704 e 2718).

15 BRANT, LeonardoNemer C.,Aautoridade da Coisa Julgada noDireito Internacional Público, 2002, p. 369,notas de rodapé omitidas.

16 http://www.pict-pcti.org; último acesso em 08/02/2008.17 http://pict-pcti.org/publications/synoptic_chart/synop_C4.pdf; último acesso em 08/02/2008. Essa definição

tem, por certo, algumas limitações de ordem material, razão pela qual é contestada por alguns autores. Ocritério da permanência, por exemplo, exclui o sistema do NAFTA, que desempenha as mesmas funções de

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de controvérsias internacionais, pode-se claramente perceber o recente aumento de seunúmero, bem como o considerável impulso em sua atividade nos últimos anos. KarenAlter nos fornece, a partir de uma tabela, evidências bastante elucidativas a esse respeito.Ela relacionou os principais tribunais internacionais em atividade (por ordem de criação),o total de casos julgados, e a atividade de cada um deles desde o ano de 1990. Maisinformações podem ser encontradas também no portal do PICT18.

Tabela 1 – UniveRso de coRTes e TRibUnais inTeRnacionais19

Cortes InternacionaisData de

Estabelecimento/Operacional

Total de Casos (ano passadoincluído)

Número de casos1990-2003

Corte Internacional de Justiça(ICJ)

1945/1946104 casos contenciosos arquivados, 80julgamentos,23 opiniões consultivas (2003)

30 julgamentos, 45 novos casosarquivados, 3 opiniões consultivas(2003)

Corte de Justiça Européia (ECJ)(Estrutura alterada desde 1989)

1952/19522304 casos infringentes pelaComissão, 5044 casos remetidos porcortes nacionais (2003)

1580 casos infringentes pelaComissão, 3048 casos remetidospor cortes nacionais (2003)

Corte Européia de DireitosHumanos (ECHR)(Estrutura alterada 1998)

1950/19598810 casos considerados admissíveis,4145 julgamentos (2003)

8140 casos consideradosadmissíveis, 3940 julgamentos(2003)

Corte do Benelux (BCJ) 1965/1974 * *

Corte Interamericana de DireitosHumanos (IACHR)

1969/1979104 julgamentos, 18 opiniõesconsultivas, 148 ordens para medidasprovisórias (2003)

95 julgamentos, 8 opiniõesconsultivas, 146 ordens paramedidas provisórias (2003)

Tribunal de Justiça do Acordo deCartagena (PactoAndino) (ACJ)

1979/198432 nulificações, 96 casos infringentes,563 decisões judiciais referentes àquestões interpretativas (2003)

29 nulificações, 94 casosinfringentes, 550 decisõesjudiciais referentes à questõesinterpretativas (2003)

Tribunal de Justiça para aOrganização dos Países ÁrabesExportadores de Petróleo.(OAPEC)

1980/1980 2 casos (1999) *

Tribunal Internacional sobreDireito doMar (ITLOS)

1982/1996 12 casos, 11 julgamentos (2003) 12 casos, 11 julgamentos (2003)

Corte Européia de PrimeiraInstância (CFI)

1988/19881823 decisões de 2507 casosarquivados (excluindo casos daequipe) (2003)

1823 decisões de 2507 casosarquivados (2003)

Corte de Justiça da União doMagreb Árabe (AMU)

1989/* * *

órgãos que se enquadram nessa definição.Apesar disso, ela se mostra relativamente precisa, e sua aplicaçãonos fornece uma visão segura do movimento que é objeto desse trabalho. Os próprios pesquisadores doPICT reconhecem a existência de órgãos com funções semelhantes que não contemplam todos os critérios(na extensiva carta sinóptica disponível no site, que elenca os principais tribunais internacionais – passados,presentes e aqueles ainda não implementados -, eles diferenciam entre cortes (tribunais) internacionais eoutras instituições de solução de controvérsias). Por ser muito completa e didática, ela será reproduzida noANEXO I desse trabalho, para que o leitor possa a ela se remeter sempre que julgar conveniente.

18 http://pict-pcti.org/publications/synoptic_chart/synop_C4.pdf19 Fonte: ALTER, Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and Their

Implications for State-IC relations; 2005, p.8.

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160 VANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1

Corte de Justiça da AméricaCentral (CACJ)

1991/1992 49 decisões judiciais (2003) 49 decisões judiciais (2003)

Corte da Área de LivreComércio Européia (EFTAC)

1992/1995 59 opiniões (2003) 59 opiniões (2003)

Corte Econômica para o Bem-Estar dos Estados Independentes(ECCIS)

199347 casos, não é claro se estão emandamento(2000)

47 casos, não é claro se estão emandamento (2000)

Corte de Justiça para o MercadoComum da ÁfricaAustral eOriental (COMESA),

1993/1998 * *

Organização para aharmonização do direito denegócios na África (OHADA)

1993/19974 opiniões, 27 decisões judiciais(2002)

4 opiniões, 27 decisões judiciais(2002)

Tribunal Penal Internacionalpara a Ex- Iugoslávia (ICTY)

1993/199375 acusações públicas, 18 casosconcluídos, 11 julgamentos em váriosestágios de apelação (2003)

75 acusações públicas,18 casos concluídos, julgamentosem vários estágios de apelação(2003)

Acordo Geral sobre Tarifas eComércio (GATT) sistema desolução de controvérsias – nãopossui corte permanente

1953 229 casos, 98 decisões judiciais29 decisões judiciais(1989-1993)

OrganizaçãoMundial doComércioÓrgão Permanente deApelação(WTO)

1994/1995304 disputas formalmente iniciadas,59 decisões judiciais apeladas, 115relatórios painéis (2003)

304 disputas formalmenteiniciadas, 59 decisões judiciaisapeladas, 115 relatórios painéis(2003)

Tribunal Penal Internacionalpara a Ruanda (ICTR)

1994/199558 casos em andamento, 17 casosconcluídos (2003)

58 casos em andamento, 17 casosconcluídos (2003)

Tribunal Penal Internacional(ICC)

1998/2002 * *

CorteAfricana dos DireitosHumanos e dos Povos (ACHR)

1998/* * *

Tribunal Penal Internacionalpara a Serra Leoa (ICTSL)

2002/200211 procedimentos de acusação, 2retirados devido à morte (2003)

11 procedimentos de acusação, 2retirados devido à morte (2003)

Atividade Judicial Total20584 casos admitidos arquivados ousem decisão judicial

16908 casos admitidos arquivadosou sem decisão judicial

Somente Casos Concluídos14886 decisões concluídas, opiniõesou decisões judiciais

12736 decisões concluídas,opiniões ou decisões judiciais

O que se pode perceber, a partir da análise desses dados, é que a jurisdicionalizaçãodo Direito Internacional ocorreu de forma heterogênea, tendo efeitos desproporcionaissobre as diversas áreas do direito e das relações internacionais. Ao se comparar oarranjo institucional de cada um desses órgãos, resta evidente que não há nenhumarelação (institucional) direta entre elas, que suas ações não são sincronizadas, eque há dramáticas diferenças nas regras de acesso aos mesmos20. Pode-se indicar, atítulo exemplificativo, que o Direito do Comércio Internacional tem sido um campoparticularmente fértil para essas instituições, o que também ocorre com os Direitos

20 Ver,aesserespeito,arobustamatrizcomparativadosprincipaisórgãosjudiciaisinternacionais,disponibilizadapelo PICT (http://www.pict-pcti.org/matrix/matrixhome.html, último acesso em 08/02/2008), e que constanoANEXO II desse trabalho.

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Humanos e com o Direito Internacional Penal. O mesmo movimento não é percebido,contudo, em relação à área financeira e monetária, às questões envolvendo segurança,fluxos de migração, dentre outros.Diante desse contexto, a inferência de que o crescimento do número de cortes

e tribunais internacionais reflete a dinâmica da legalização21 se mostra bastanterazoável. Argumenta-se, nesse sentido, que ele irá, por um lado, ser balizado pelaformação de uma incipiente ordem normativa internacional – à qual ele acabará porreforçar. Por outro, ele responderá às demandas políticas específicas de cada umadas áreas do direito e das relações internacionais – de acordo com a já discutidanoção de especificidade normativa em função da agenda. Nesse sentido, destacaCesare Romano:

“A jurisdicionalização não uniforme das relações internacionais éinevitável, dado o fato de que a comunidade internacional é composta porentes soberanos que não reconhecem autoridades superiores ipso facto.(...) O Direito Internacional sempre manterá um nível considerável deunidade no nível normativo, mas será sempre fracionado no que se refereàs suas instituições de governança, uma vez que poder e legitimidadeno nível internacional são fragmentados e distribuídos em meio a umgrande número de Estados e, mais recentemente, entidades supra-nacionais. Se não há, portanto, nenhuma forma de evitar o pluralismoe a fragmentação, então surge a questão se esse ‘não sistema’ judicialpode continuar na fronteira entre a utopia de um ‘estado universal’ e aauto-destruição sob o peso de suas próprias contradições”.22

Seção 2- As Condicionantes Sistêmicas do Movimento de Jurisdicionalizaçãodo Direito Internacional

Título 1 - Tendências Conjunturais

1- Adoção do Paradigma Compulsório

Como qualquer outro arranjo normativo desenvolvido no seio da SociedadeInternacional, a criação de Cortes e Tribunais internacionais é condicionada pela açãoe vontade dos Estados. Conforme ressaltado anteriormente, a adjudicação é uma opçãoque esses fazem por delegar autoridade para que um terceiro resolva seus conflitos23.

21 Ver, nesse sentido, a edição especial da Revista International Organization, que é justamente dedicada àanálise do conceito de legalização e seu impacto (político) em diversas áreas da agenda internacional (IO,54, 3, Summer 2000).

22 ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in InternationalAdjudication: Elements for a Theory of consent, 2007, p. 797, nota de rodapé 19, tradução do autor.

23 Isso é, como dito, notadamente diferente da esfera doméstica, na qual todo sujeito que se sinta lesado temo direito de acesso ao judiciário independentemente da vontade da outra parte envolvida na controvérsia.

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Há vários Estados que relutam a se vincular a cortes ou tribunais nos quais ele poderáser julgado independentemente de uma manifestação volitiva específica para umdeterminado caso24. A título exemplificativo, basta lembrar que apenas 24 dos membrosda OEA (de um total de 35) aceitam a jurisdição da Corte Interamericana de DireitosHumanos (CIADH)25; que noventa membros da ONU ainda não ratificaram o estatutodo Tribunal Penal Internacional (TPI)26; e que não há nenhuma corte internacional naÁsia27. O consentimento é, portanto, elemento essencial para que se compreenda adinâmica da jurisdicionalização.O que se pode afirmar, contudo, é que a exigência relativa à manifestação volitiva

dos Estados para o exercício da jurisdição dos órgãos internacionais tem se modificadosubstancialmente nos últimos anos, caracterizando uma mudança de um paradigmaconsensual28 para um eminentemente compulsório. Se, nas décadas de 50 e 60 os Estadosrejeitavama idéiade seobrigar à submissãode suas controvérsias a cortes29, o que se assiste,a partir da década de 90, é a uma inversão dessa tendência30. Quando se analisa o universodos Tribunais Internacionais atualmente, constata-se que apenas a Corte Internacionalde Justiça, a Corte Interamericana de Direitos Humanos e algumas matérias relativas aoTribunal da Lei do Mar ainda funcionam com base no modelo consensual31. Os exemplosdaqueles que assumem o paradigma compulsório, por sua vez, são abundantes: CorteEuropéia de Direitos Humanos (CEDH), Corte Européia de Justiça, Órgão de Solução deControvérsias da OMC, Tribunal Penal Internacional, dentre outros32.

Como destaca Cesare Romano, mesmo nos casos da Corte Internacional de Justiçae da Corte Interamericana de Direitos Humanos, cujas jurisdições são consensuais, há

24 Pode-se citar, por exemplo, Irã, Coréia do Norte, Vietnam,Azerbaijão, dentre outros.25 http://www.oas.org/juridico/english/sigs/b-32.html (última visita em 02/02/2008).26 http://www.untreaty.un.org/ENGLISH/bible/engishinternetbible/partI/chapterXVIII/treaty11.asp (última

visita em 02/02/2008).27 Para um chinês, por exemplo, a proteção dos Direitos Humanos por um tribunal internacional é uma opção

que não se coloca.28 Como destacou aCorte Permanente de Justiça Internacional, “nenhumEstado pode, sem seu consentimento,

ser obrigado a submeter suas disputas (...) à arbitragem ou qualquer outro tipo de resolução pacífica decontrovérsias (Status Of Eastern Carelia,Advisory Opinion, 1923, no.5, p.19).

29 Ver a Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados de 1969; As conferências sobre relaçõesdiplomáticas e consulares de 1961 e 1963; dentre outros.

30 Ver POSNER, Eric A; e YOO, John C., Judicial Independence in International Tribunals, 2005, p.11;ALTER, Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and Their Implicationsfor State-IC relations; 2005, pp.10-11. Para um denso histórico acerca da tendência à adoção do paradigmacompulsório, ver ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm inInternationalAdjudication: Elements for a Theory of consent, 2007, pp. 803-816.

31 Duas observações são, nesse caso, relevantes. A primeira delas é a de que tanto a CIJ quanto a CIADHtrazem a previsão de protocolos adicionais para o reconhecimento de sua jurisdição compulsória.Aoutra serefere ao Tribunal da Lei do Mar, que têm o caráter consensual para algumas matérias e compulsório paraoutras. Esse fato é um indicador relevante para a tese de que o desenho institucional desses órgãos é feitocom base nas demandas políticas que a eles se colocam.

32 Uma lista completa desses tribunais pode ser obtida na Matriz do PICT, anexo II desse trabalho, disponívelem http://www.pict-pcti.org/matrix/matrixhome.html, último acesso em 08/02/2008.

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uma forte tendência à adoção do paradigma compulsório33. O que se deve destacar,em ambos os casos, é que o princípio da Competência da Competência assume papelcentral nesse contexto34.ACIJ é, provavelmente, o tribunal internacional mais próximo da raiz voluntarista

clássica do DI – talvez pelo fato de seu estatuto ser idêntico ao da Corte Permanentede Justiça Internacional (CPJI), criada na década de 20, ainda no âmbito da Liga dasNações. Interessante notar, igualmente, que sua jurisdição ratione materiae é ampla osuficiente para abarcar qualquer controvérsia entre Estados relativa a qualquer questãode Direito Internacional35. A cláusula facultativa de jurisdição obrigatória, por sua vez,não produz efeitos práticos significativos, uma vez que o número de Estados da ONUque a ratificaram é de 66 (em um universo de 191)36. Cabe lembrar que ela somentepode ser invocada quando há reciprocidade na sua aceitação pelas partes envolvidasno conflito, o que diminui ainda mais a possibilidade de sua utilização.É interessante notar, contudo, que apesar de ter seu funcionamento balizado pelo

paradigma consensual, apenas 15 dos 105 casos submetidos à CIJ foram fundadosem acordos ad hoc. Os outros foram submetidos unilateralmente; com base em umacláusula compromissória de tratado internacional (bilateral oumultilateral); pormeiode uma declaração opcional ou pelo forum prorogatum37. Como observa Romano,a Corte dificilmente nega sua jurisdição, o fazendo apenas nos casos em que elaflagrantemente não existe38. Exemplos célebres de casos nos quais houve atenuaçãodo princípio do consentimento não faltam: Atividades Militares e Paramilitares naNicarágua (EUA v. Nicarágua), no qual a Corte, por maioria aceitou a declaraçãode reconhecimento da jurisdição da CPJI, mesmo essa não tendo sido ratificada porseu legislativo39; Border and Transborder armed actions (Nicarágua v. Honduras)40;dentre outros.No que se refere à competência consultiva, merece destaque o caso das

Conseqüências Legais da Construção do Muro no Território Ocupado Palestino,

33 ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in InternationalAdjudication: Elements for a Theory of consent, 2007, pp.816-831.

34 Para uma análise da extensão do controle dos Estados no estabelecimento da jurisdição da CIJ, ver BRANT,Leonardo Nemer C.,AAutoridade da Coisa Julgada no Direito Internacional Púbico, 2002, pp. 294-300.

35 Ver artigos 34 e 36 do Estatuto da CIJ.36 O único membro permanente do Conselho de Segurança que a reconhece atualmente é, note-se, o

Reino Unido. Ver http://www.icj-cji.org/jurisdiction/index.php?p1=5&p2=1&p3=3, último acesso em08/02/2008.

37 Ver ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in InternationalAdjudication: Elements for a Theory of consent, 2007, p.818, http://www.icj-cji.org/docket/index.php?p1=3&p2=2, último acesso em 08/02/2008.

38 Desde 1990, dos 38 casos a ela unilateralmente submetidos, em apenas 11 a jurisdição da CIJ fora por elanegada. Para a listagem completa desses casos, ver ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensualto the Compulsory Paradigm in International Adjudication: Elements for a Theory of consent, 2007, p.818,nota de rodapé 98.

39 1986, I.C.J, 27 de junho, p.14. De se destacar a veemente opinião dissidente do juiz norte-americano.40 1988, I.C.J., 20 de dezembro, p.69.

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opinião solicitada pela Assembléia Geral da ONU41. Quando a Corte requisitouinformações a Israel, esse, que não aceitava a cláusula facultativa de jurisdiçãoobrigatória desde 1985, argüiu que a matéria não poderia ser apreciada poraquela jurisdição. Isso porque se tratava de um caso que envolvia diretamenteos interesses do Estado de Israel, não podendo, portanto, a questão ser avaliadaem sede consultiva. A CIJ, entretanto, afirmou que o parecer não sobrepujava oprincípio do consentimento, e que nenhum Estado pode barrar uma ação que aONU, por meio da Assembléia Geral, julga necessária. É interessante notar que,em um caso semelhante, a CPJI decidiu de forma diversa. Em 1923 o Conselhoda Liga das Nações solicitou à Corte Permanente de Justiça Internacional umparecer acerca de um acordo entre Finlândia e URSS sobre a região da EasternCarelia42. A Corte se recusou a dar o parecer alegando que ele versaria sobreuma controvérsia já estabelecida entre os dois Estados. Destaca-se, contudo, quea URSS não era membro da Liga em 192343, ao contrário do que acontece comIsrael, que é um membro da ONU.A jurisdição contenciosa da CIADH – sobre controvérsias que envolvam a

Convenção Americana de Direitos Humanos – depende da ação da ComissãoInteramericana de Direitos Humanos ou de um dos Estados parte da referidaConvenção44. De acordo com seus dispositivos, portanto, o consentimento para suajurisdição deve acontecer duas vezes: quando da ratificação da Convenção; e pormeio de uma declaração opcional. Concebido na década de 60, esse sistema tinha,certamente, o propósito de ser claramente consensual. A forte influência da CorteEuropéia de Direitos Humanos – na qual uma recente reforma consagrou o paradigmacompulsório45 – associada ao robusto trabalho jurisprudencial, tem implicado emsignificativos avanços em relação à necessidade do consentimento. Alguns autoresapontam que a CIADH adota uma verdadeira “doutrina compulsória”46.Dos setenta e um casos da Corte, objeções preliminares foram suscitadas em

trinta47, sendo que o tribunal encerrou o processo em apenas dois deles48. Comodestaca Cesare Romano, cinco casos encarnam a orientação da Corte em relaçãoà doutrina compulsória: Ivcher-Bronstein (1999) e Constitutional Court (1999),

41 Parecer Consultivo, 2004, I.C.J., 9 de julho.42 Status da Eastern Carelia, Parecer Consultivo, 1923. C.P.J.I., 23 de julho.43 Sua adesão somente ocorreu em 1934.44 ConvençãoAmericana de Direitos Humanos, arts. 61 e 62.45 O Protocolo 11, de 1994, à Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades

Fundamentais determinou que a filiação ao Conselho da Europa é condicionada à ratificação da ConvençãoEuropéia, o que implica o automático reconhecimento da jurisdição da CEDH (ver artigo 65 da ConvençãoEuropéia e Estatuto do Conselho da Europa, T.S. no. 001).

46 ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in InternationalAdjudication: Elements for a Theory of consent, 2007, p.821.

47 http://corteidh.or.cr/casos.cfm, última visita outubro de 2007.48 Ver Alfonso Martin del Campo-Dodd v. México, 2004, no.113 (no qual a jurisdição ratione temporis não

existia); e Cayara v. Peru, 1993, no. 114.

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ambos contra o Peru; e Hilaire (2001), Benjamin (2001), e Constantine (2001)contra Trinidad e Tobago49.AComissão Interamericana de Direitos Humanos iniciou os procedimentos contra o

Peru em maio e junho de 1999, respectivamente. Contudo, o Peru, em julho, notificou àCorte e ao Secretário Geral da OEA, que o Congresso daquele país tinha aprovado, comefeito imediato, a retirada do reconhecimento peruano à jurisdição da Corte. O Tribunalprontamente rechaçou, por unanimidade, esse argumento, afirmando que não há naConvenção nenhum dispositivo que permita a retirada do reconhecimento da jurisdição daCorte, e que tampouco a declaração feita pelo Governo Peruano tinha qualquer previsãonesse sentido. Dessa forma, a CIADH não poderia ficar a mercê de alegações feitas pelaspartes baseadas em razões domésticas. Esclareceu, ainda, que a única forma pela qualpoderia o Peru se furtar à jurisdição da Corte seria pela denúncia à própria Convenção.A contestação feita por Trinidad e Tobago, em seus casos, fora baseada em uma

reserva feita pelo país à sua declaração de reconhecimento da jurisdição da Corte,de acordo com a qual essa existiria apenas se consistente com as seções relevantesda Constituição daquele Estado, e desde que a decisão proveniente não infringisse,criasse ou abolisse qualquer direito ou dever de seus cidadãos50. O tribunal prontamentedeclarou que a reserva alegada era contra o objeto e propósito da Convenção, sendo, poressa razão, inválida. A invalidação da reserva, contudo, não implicou a invalidade daprópria declaração de reconhecimento da jurisdição. A Corte, portanto, com base nela,se julgou competente para apreciar a demanda.Cesare Romano destaca, igualmente, dois casos consultivos que reforçam a tese de que

a CIADH tem assumido o paradigma compulsório. Tanto na opinião consultiva relativaao Right to Information on Consular Assistance51 quanto no Undocumented Migrants52,o México colocou, de forma geral, questões a serem respondidas pela Corte. Contudo,elas claramente se referiam aos Estados Unidos. Por essa razão, eles, que não ratificarama ConvençãoAmericana de Direitos Humanos, argüiram a falta de jurisdição do tribunal,uma vez que seu consentimento para tanto era inexistente. Em ambos os casos, a CIADHsuperou os argumentos norte-americanos. Seus argumentos eram baseados no fato de queas opiniões consultivas não têm caráter vinculante; que a existência de uma dúvida noque diz respeito à interpretação de um dispositivo legal não constitui um impedimento aoexercício da função consultiva; e que a questão colocada era de natureza geral.O que se pode perceber, diante do exposto, é que o aumento do número de tribunais

internacionaisfora,nosúltimosanos,acompanhadoporumafortetendênciaàconsagraçãode um paradigma compulsório (em detrimento do consensual). Tal fato reforça a tesede que os Estados têm promovido esforços no sentido de que suas controvérsias sejam

49 ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in InternationalAdjudication: Elements for a Theory of consent, 2007, pp.821-824.

50 Hilaire v. Trinidad e Tobago, 2001, CIDH, no.80, prelimiray objections, p.43.51 TheRight to information onConsularAssistance in the Framework of theGuarantees of TheDue Process of

Law,Advisory Opinion, 1999, CIADH , no. 16.52 Juridical Condition and Rights of the UndocumentedMigrants,Advisory Opinion, 2003, CIADH, no.18.

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resolvidas por um terceiro independente. Não é seguro se afirmar, contudo, que esse éummovimento definitivo, nem tampouco que ele tenha repercussões homogêneas sobretodas as áreas do DI. Seu efeito certamente varia de acordo com o arranjo institucionalde cada um desses órgãos de solução de controvérsias. Por esse motivo, a análise dessefenômeno deve ser feita à luz das outras condicionantes estruturais que podem seridentificadas na esfera internacional, que serão expostas a seguir.

2- Participação de Atores Não-Estatais

Ao se observar com alguma atenção à jurisdicionalização do Direito Internacional,resta cristalino o fato de que vários órgãos judiciais internacionais permitem, dealguma forma, a participação de atores não estatais em seu processo. Esse movimentotem, por certo, relevantes repercussões para a dinâmica da adjudicação, tanto no quese refere ao número de casos submetidos aos tribunais internacionais, quanto nasquestões relativas à implementação de suas decisões. Com o objetivo de permitir umaanálise mais detida dessas implicações, segue uma tabela com as regras de acessorelativas às principais cortes internacionais.

Tabela 2 –acesso aos PRinciPais TRibUnais inTeRnacionais53

Corte Legitimados Consentimento Fonte casos Interv. 3os Amic.Curiae

CIJ Estados, órgãos e OIs Deve ser dado Exógena Sim Sim

Trib. Mar Est., indivíduos, órgãos e OIs Deve ser dado Exógena Sim Sim

OMC Estados Implícito Exógena Sim Sim

TPI Indivíuos, Prosecutor ImplícitoEndógena eexógena

Sim ------------

ICTY;ICTR Indivíuos, Prosecutor Implícito Endógena Não Sim

CEDH Est., indivíduos, órgãos, OIs, ONGs Implícito Exógena Sim Sim

CIADH Estados, órgãos e OIs Deve ser dado Exógena Não Sim

CADH Est., indivíduos, órgãos, OIs, ONGsImplícito (só paradisputas entre Est.)

Exógena Sim-----------

CEJ Est., indivíduos, órgãos, OIs, cortesnacionais

Implícito Exógena Sim Não

A) Organizações Internacionais (OIs)As Organizações Internacionais têm canais de comunicação com praticamente

todos os órgãos de solução de controvérsias internacionais. Seu nível de envolvimentovaria, contudo, de acordo com o desenho institucional de cada um deles. A razão parasua efetiva participação nos procedimentos de adjudicação não é difícil de figurar: suacriação normalmente é motivada pelo fato de que sua existência diminui os custos daação Estatal em uma determinada área sobre a qual elas atuam. Muitos de seus órgãossão desenhados justamente com o papel de monitorar e zelar pelo cumprimento dos

53 Fonte: Matriz PICT. Para quadro completo de tribunais, ver Anexo II desse trabalho, disponível em http://www.pict-pcti.org/matrix/matrixhome.html, último acesso em 08/02/2008.

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acordos. Nesses casos, limitar a ação dos tribunais somente à atuação dos Estadosseria condicionar a própria atuação desses órgãos.É por essa razão que, em alguns casos, essas Organizações têm o poder de solicitar

opiniões jurídicas (de caráter não vinculante) aos órgãos judiciais internacionais. É o queacontece com oConselho de Segurança, com aAssembléia Geral da ONU – ou qualqueroutra agência especializada por ela autorizada – em relação à CIJ54; com o Comitê deMinistros em relação à Corte Européia de Direitos Humanos55; com o Conselho e aComissão das Comunidades Européias em relação à Corte Européia de Justiça56; comos órgãos da OEA em relação à Corte Interamericana de Direitos Humanos57; com aAssembléia Geral ou com o Conselho da Autoridade da Lei do Mar em relação aoTribunal da Lei do Mar58; dentre vários outros casos.As OIs ou seus órgãos, em outras situações, podem funcionar como intermediadores

de interesses de outros grupos sociais junto aos tribunais internacionais; como é o casoda Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que avalia denúncias individuasde violações a seus direitos e tem o poder de submetê-las à apreciação da CorteInteramericana de Direitos Humanos59. Em outros casos, elas podem ser partes de umcontencioso. É o que ocorre, por exemplo, com a “International Sea-bed Authority”perante a “Sea-bed Dispute Chamber” do Tribunal da Lei do Mar60; e com o órgão deacusação (Prosecutor) dos Tribunais Penais Internacionais61.

B) IndivíduosPor ainda não terem uma personalidade jurídica plenamente reconhecida – tanto

nos órgãos internacionais quanto na doutrina62 – o acesso dos indivíduos aos tribunaisinternacionais ainda é incipiente, e muito menos uniforme do que o das OIs. Ademais,parece haver uma relação inversa entre a generalidade da jurisdição dos tribunais ea abertura para participação dos indivíduos. Quanto maior a competência e o âmbitotemporal e espacial de abrangência das Cortes, menor é o espaço para os últimos63.

54 Carta da ONU, art. 96; Estatuto da CIJ, arts. 65-68.55 Protocolo 11 Adicional à Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades

Fundamentais, art. 47.56 Tratado Constitutivo da Comunidade Econômica Européia, art.300.57 Carta da OEA, art. 51; Estatuto da CIADH, arts. 19, 64.58 Convenção das Nações Unidas sobre a Lei doMar, arts. 159.10, 191.59 ConvençãoAmericana de Direitos Humanos, art.61.1.60 Convenção das Nações Unidas sobre a Lei doMar, art. 187; e Estatuto do Tribunal da Lei doMar, art.37.61 Ver, por exemplo, Estatuto do TPI, arts. 13, 34.c; Estatuto do Tribunal Penal para a Ex-Iugoslávia, arts. 11.b,

18; e Estatuto do Tribunal Penal para Ruanda, arts. 10.b, 17.62 Ver, nesse sentido, TRINDADE,AntônioAugusto Cançado, Direitos Humanos: personalidade e capacidade

jurídica internacional do indivíduo, 2004; e PELLET,Alain,As Novas Tendências do Direito Internacional:Aspectos “Macrojurídicos”, 2004, p.6.Mas, como destaca o autor, a consolidação do indivíduo como sujeitodo DI ainda carece de avanços institucionais que permitam com que ele tenha maior capacidade de atuaçãona esfera internacional.

63 Ver, nesse sentido, ROMANO, Cesare P.R., The Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces ofThe Puzzle; 1999, pp. 743-746.

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Dessa forma, sua atuação direta em instituições como a Corte Internacional deJustiça e oÓrgão de Solução deControvérsias daOMCainda não é institucionalizada64.Em sistemas regionais, contudo, há vários exemplos nos quais há mecanismos deação destinados às pessoas (sejam naturais ou jurídicas): Comunidades Européias65;Comunidade Andina66; Sistema de Integração Centro-Americano67, dentre outros.Ao se analisar o número de casos submetidos às Cortes e Tribunais Internacionais,

à luz de suas regras de acesso, o que se pode inferir é que a efetiva participação deindivíduos tende a implicar um aumento significativo no número de demandas a eleslevadas68. Isso acontece pelo fato de que quanto maior a gama de habilitados parapropor uma ação, menos o custo do recurso ao tribunal recai sobre um determinadoEstado69. Merece destaque, nesse sentido, a comparação entre a Corte Européia deDireitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. No primeirocaso, desde a entrada em vigor do Protocolo 11, os indivíduos podem recorrer aela diretamente; enquanto que no último há uma intermediação da ComissãoInteramericana de Direitos Humanos. É interessante notar que o número de casos eprocedimentos perante a CEDH aumentou dramaticamente após a modificação desuas regras de acesso.

Tabela 3 – cedH e ciadH – casos, 1997-200370

CEDH 1990-1998 Litigantesprivados sem direito de

AcessoCEDH 1999-2003

CIADH 1990-2003 Litigantesprivados sem Direito de

acesso

Número de 632 3307 249

Procedimentos

Casos por ano 70.2 661.4 17.78

Apesar de ser um processo ainda incipiente e fracionado, deve-se destacar, por fim,que a possibilidade de acesso direto a tribunais internacionais, como destaca Cesare

64 A defesa dos seus interesses, nesses casos, deve ser exercida pelos próprios Estados aos quaispertecem.

65 Tratado Constitutivo da Comunidade Econômica Européia, arts. 229, 230, 232, 235, 236, 238, e 241, queincluem ações de anulação, ações por danos, ações contra aplicabilidade de regulamentos da CE, dentreoutras.

66 Tratado de Criação da Corte de Justiça de Cartagena, art. 19.67 Estatuto da Corte de Justiça CentroAmericana, art.22.68 Em relação a essa inferência, Karen Alter coloca uma relevante questão. De acordo com ela, não há,

necessariamente, uma relação direta entre acesso de indivíduos (ou atores não estatais) e o número de casoslevados a umTribunal Internacional. Tal situação será igualmente condicionada por outras variáveis, e deveser mais bem compreendida à luz do escopo e objetivos de cada um desses órgãos judiciais. ver ALTER,Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and Their Implications for State-ICrelations, 2005, pp. 11-14.

69 Ver, nesse sentido, GOLDSTEIN, Judith &MARTIN, Lisa. Legalization, trade liberalization, and domesticpolitics: a cautionary note, 2000.

70 Fonte: ALTER, Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and TheirImplications for State-IC relations, 2005, p.14.

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Romano, pode implicar a modificação do instituto da proteção diplomática71; cujadefinição clássica fora consagrada pela Corte Permanente de Justiça Internacional. Deacordo com ela, a proteção diplomática ocorre quando:

“ao tomar para si um caso de um de seus nacionais, por meio deação diplomática ou procedimentos judiciais internacionais em suarepresentação, um Estado está, na realidade, assegurando seu própriodireito, o de garantir na pessoa de seus próprios nacionais o respeitopelas regras de Direito Internacional.”72

C) Cortes e Tribunais NacionaisO acesso de Cortes e Tribunais nacionais a órgãos internacionais ocorre notadamente

quando esses últimos têm um caráter regional, frequentemente quando há uma ordemnormativa supranacional estabelecida. É o caso, por exemplo, das ComunidadesEuropéias73; da ComunidadeAndina74; e do Sistema de Integração Centro-Americano75.O recurso a esse tipo de ação é feito, normalmente, para assegurar uma interpretação

uniforme da norma supranacional, bem como prover meios eficazes para suaimplementação na esfera doméstica. Os tribunais domésticos passam a atuar, assim,como guardiões daquele determinado regime. Nesse sentido, todo o aparato normativonacional, relativo à execução das normas nacionais passa a ser utilizado também emprol das normas internacionais, sem que, para isso, haja a necessidade de nenhumprocedimento especial na esfera legislativa76. O que se deve destacar, contudo, é queessa relação é dificultada por dois fatores: (i) em virtude da heterogeneidade do próprioaumento de cortes e tribunais internacionais, são poucos os casos nos quais isso ocorre, enão há um padrão indicativo de quais devem ser seus termos; ademais, (ii) os diferentesprocedimentos internos e regimes jurídicos distintos de cada um dos Estados podem,de alguma forma, criar entraves políticos e normativos tanto no desenvolvimento dasdemandas quanto na implementação de suas decisões77.

D) Organizações Não-Governamentais (ONGs)A atuação das Organizações Não-Governamentais é apontada como principal

indicador da crescente participação da SociedadeCivil no procedimento de formulaçãoe implementação de políticas – sejamelas de caráter nacional ou internacional.Variadassão as abordagens que se ocupam dos novos mecanismos de governança, cujo foco

71 Cesare P.R., The Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of The Puzzle; 1999, p.746.72 Panevezys-Saldutiskis Railway, CPJI, ser.A/B, no.76, 1939, tradução do autor.73 Tratado Constitutivo da Comunidade Econômica Européia, art. 234.74 Tratado de Criação da Corte de Justiça de Cartagena, art. 29.75 Estatuto da Corte de Justiça CentroAmericana, art. 22.k.76 Para uma avaliação do papel desse mecanismo na construção do sistema legal europeu, ver,ALTER, Karen

J. The European Union´s Legal System and Domestic Policy: Spillover or Blacklash?, 2000.77 Ver, nesse sentido, Foreword: Is the Proliferation of International Courts andTribunals a Systemic Problem?,

pp. 694-695.

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tem sido a possível modificação do papel do Estado Soberano na determinação dasdiretrizes das mais relevantes questões da Agenda Internacional78. Há, nesse sentido,significativos movimentos que afirmam a necessidade de maior participação dasONGs na esfera normativa internacional. A abertura de canais de comunicação entreessas organizações e os tribunais internacionais é, de fato, um tema recorrente naagenda internacional.Neste contexto, sintomática é a afirmativa do Secretário Geral das Nações

Unidas, na Assembléia Geral de 1999, de acordo com a qual “Estados devem servirseus povos. Se eles fracassarem em fazê-lo e permitirem sérios abusos de DireitosHumanos, eles se abrem à intervenção justificada da comunidade internacional, naforma da própria ONU79”. O que se pode observar é que a percepção, pela sociedadecivil, da necessidade de controle das ações estatais, acompanhada da demanda por suaefetiva participação no processo de tomada de decisões. Esse movimento é refletidona Agenda 21, na qual se afirma que os governos devem adotar “quaisquer medidaslegislativas necessárias para permitir o estabelecimento de grupos consultivos deorganizações não-governamentais, e para garantir a elas o direito de proteger ointeresse público por meio de ação legal80”.Tem-se, assim, uma significativa pressão para a criação de canais de comunicação

entre o Estado e a Sociedade Civil, que se traduzirão (i) em um ambiente propíciopara a atuação das ONGs; e (ii) na problematização dos padrões clássicos deprodução normativa internacional, na medida em que a legalidade (baseada noconsentimento) não mais será suficiente como fundamento de validade de seusdiplomas. O Estado assiste, portanto, a um movimento de questionamento de sualegitimidade, que resulta em uma firme demanda pela participação do terceirosetor tanto na elaboração quanto na implementação de suas decisões. As ONGsassumem, destarte, ainda que de maneira incipiente e pouco regulamentada, asseguintes funções: (i) a de definição da agenda de políticas a ser discutida e votada;(ii) do acompanhamento dos processos decisórios, de forma que fique garantidaa transparência dos mesmos; (iii) de prestação de serviços técnicos – tanto nomomento da criação quanto no da implementação normativa; e (iv) de fiscalizaçãoda execução das políticas adotadas81.Apossibilidade de atuação dessas organizações está, contudo, condicionada por

um lado, pelo debate acerca de sua legitimidade para desempenhar determinadas

78 Ver, por exemplo, ROSENAU, James. Toward an Ontology for Global Governance. In.: Approaches toGlobal Governance Theory, HEWSON and TIMOTHY (eds) 1999; ROSENAU, James, Governance in aNewGlobal Order, 2002; HELD, David, andMcGREW,Anthony (eds.) Governing Globalization, London:Polity Press, 2002.

79 Financial Times. People First. Sept. 22th, 1999, p.13.80 Agenda 21, paras. 27.10 e 27.13, tradução do autor.81 Ver, nesse sentido, o trabalho do “Panel of Eminent Persons on United Nations – Civil Society Relations”,

presidido por Fernando Henrique Cardoso (Ex-Presidente do Brasil), que deu origem ao relatório “We thepeoples: Civil Society, the United Nations and Global Governance” (UNDoc.A/58/817), de 11 de junho de2004.

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funções82, e, por outro, pela relativa fragilidade com que o ordenamentointernacional regulamenta a matéria83. Importante destacar, nesse sentido, que alegitimidade das ações das ONGs está intimamente ligada à dimensão axiológica,na medida em que quanto maior for a homogeneidade em torno de certos valores,maior será o reconhecimento das atividades que visem à sua consagração.Não por acaso o regime internacional de proteção aos direitos humanos é

aquele que permite significativa participação de organizações com esse caráter.Tanto a Corte Européia de Direitos Humanos84 como a Corte Africana de DireitosHumanos85 permitem que elas figurem como partes em seus procedimentos.Apesarde não permitir o acesso direto de indivíduos ou ONGs à Corte Interamericanade Direitos Humanos, o Sistema Interamericano tem relevantes mecanismos quepermitem sua atuação.No âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as ONGs têm

duas funções relevantes: atuar no momento das visitas in loco86; e peticionarquando há desrespeito aos direitos garantidos pela Convenção Interamericana87.Na Corte Interamericana de Direitos Humanos, por sua vez, as ONGs agem tantono âmbito consultivo quanto no contencioso. Em ambos, a atuação ocorre pormeio do instituto do amicus curiae88. No que concerne à competência consultiva,

82 Ver, nesse sentido, BUCHANAN and KEOHANE, The Legitimacy of Global GovernanceInstitutions, 2006.

83 Ver, igualmente, BODANSKY, Daniel, The Legitimacy of International Governance:AComing Challengefor International Environmental Law?,American Journal of International Law, 1999.

84 Estão legitimados a submeter questões à apreciação da CEDH, “qualquer pessoa singular, organizaçãonão-governamental ou grupo de particulares, que se considere vítima de violação por qualquer AltaParte Contratante, dos Direitos reconhecidos na Convenção ou nos seus protocolos”.(Estatuto da CEDH,art.34).

85 Desde que o Estado a ser demandado tenha feito, de acordo com o artigo 34.6 do Protocolo à CartaAfricana,uma declaração aceitando a competência daCorte para demandas individuais. Para que nesses casos figuremasONGs comoparte do processo, elas devemainda ter o status de observadores perante aComissãoAfricana(artigo 5,3 do protocolo).

86 As ONGs, nesses casos, atuam como importantes provedores de informação. Neste sentido, são realizadosencontros entre a Comissão e as organizações da sociedade civil envolvidas com a proteção aos DireitosHumanos, como se deu, por exemplo, nas visitas in loco feitas ao Brasil em 1995, Bolívia e Colômbia em1997, Guatemala em 1998,Argentina, Haiti e México em 2002

87 São diversos os casos que demonstram a significância da atuação das ONGs como peticionárias naComissão, ao auxiliarem que as pretensões das vítimas sejam alcançadas sem necessidade de se recorrerà Corte Interamericana. Neste sentido, podem ser citados o caso Meninos Capados do Maranhão contra oBrasil (Casos 12.426 e 12.427, Solução Amistosa, 15 de março de 2006), caso Sergio Schiavini y MaríaTeresa Schnack de Schiavini contra aArgentina (Caso 12.080, SoluçãoAmistosa, 27 de outubro de 2005),caso Paulina del Carmen Ramírez Jacinto contra o México (Petição 161-02, Solução Amistosa, 9 deMarço de 2007) e caso Alejandra Marcela Matus Acuña e outros contra o Chile (Caso 12.142, Mérito,24 de outubro de 2005). Merecem destaque as seguintes organizações: Global Rights, CEJIL, LawyersCommittee for Human Rights, Casa Alianza, Guatemalan Association of Missing Detainee Next-Of-Kin(FAMDEGUA).

88 Pôde-se observar a participação como amicus curiae da Anistia Internacional e da Rights Internationalno Caso Benavides Cevallos Vs. Equador; ainda, a International Human Rights Law no Caso GangaramPandayVs. Suriname e no Caso BarriosAltos Vs. Peru.

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ele é o único meio de participação89. No que se refere à competência contenciosa90

há, além dele, a possibilidade de que atuem como testemunhas e com auxílio àvítima, na qualidade de seus representantes legais91.Diante desse contexto, forçosa é a conclusão de que a atuação das ONGs,

apesar de ser uma realidade na esfera internacional, ainda carece de instrumentoslegais apropriados, que sejam capazes tanto de permitir ações efetivas quanto delimitar e controlar o exercício das atividades das mesas92.Como visto, a tendência de incorporação de atores não-estatais no processo de

adjudicação internacional não pode ser questionada. É, nesse sentido, suficientea constatação de que o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC é, de acordocom a doutrina, o único com caráter exclusivamente inter-estatal. Deve-seressaltar que, à rigor técnico, ele admite a ação de um ator com característicasdistintas, uma vez que a Comunidade Européia participa efetivamente de seusprocedimentos93. Esse movimento não se desenvolve, no entanto, de forma linear,e sua sorte futura depende de uma conjuntura política ainda incerta.Como visto, o desenho institucional das Cortes Internacionais varia de

forma dramática, notadamente no que se refere àqueles atores com capacidadede participar, como partes ou não, de seus respectivos procedimentos. Segue,portanto, uma tabela com indicadores de acesso aos tribunais internacionais; cujoobjetivo é permitir que se possa avaliar minimamente os vários níveis de aberturaconsagrados por cada um deles94.

89 Nas Opiniões Consultivas, as cartas de amicus curiae estiveram presentes desde o primeiro caso levadoà Corte, quando da OC-1/82, solicitada pelo Peru, a qual discute acerca da interpretação do artigo 64 daConvençãoAmericana sobre Direitos Humanos. Na oportunidade, diversas ONGs ofereceram seus pontosde vista como amigos da Corte, tais quais International Human Rights LawGroup, International League forHumanRights e Lawyers Committee for International HumanRights o que levou ao estabelecimento de umimportante precedente.

90 Desde o primeiro caso contencioso (Velazquez Rodriguez), a Corte recebeu várias cartas amicus curiaede ONGs como Amnesty International e a Lawyers Committee for Human Rights. Entretanto, a mençãoà atuação das ONGs, enquanto amicus curiae é limitada somente ao registro, no corpo da decisão, dorecebimento de tais cartas, sem maiores análises ou referências ao texto particular de cada uma. Comoverdadeiras peças processuais, as cartas são submetidas a um juízo de admissibilidade.

91 Ver, por exemplo, o caso Penal Miguel Castro vs. Peru em 2006, no qual a sentença considerou a tese daimpetrante, mudando o rumo do julgamento. Em casos brasileiros, a atuação das ONGs também se mostrarelevante. Ver Ximenes Lopes (2003) e Gilson Nogueira de Carvalho (2005), no qual não houve, contudo,condenação do Brasil.

92 Ver, nesse sentido, COLLINGWOOD, Vivien; LOGISTER, Louis. State of the Art: Addressing the INGO‘Legitimacy Deficit’, 2005.

93 Ver, nesse sentido, Cesare P.R., The Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of The Puzzle;1999, p.739.

94 É importante frisar que, de acordo com o argumento defendido nesse trabalho, a opção por um determinadoníveldeabertura será feita emdecorrênciadasdemandaspolíticas colocadaspelaáreadaagenda internacionalsobre a qual o tribunal exercerá sua jurisdição.

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Tabela 4 - indicadoRes de acesso95

Nível de Acesso Legitimação para demanda Corte Internacional ou tribunal

Baixo Todos os Estados devem consentir Corte Permanente de Arbitragem, CIJ

Moderado Um Estado pode demandar*Acesso através de Cortes Nacionais

GATT, OMCCorte Européia de Justiça

Alto Acesso individual direto se instânciasdomésticas esgotadas

Cortes Européia e Interamericana deDireitos Humanos

* Inclusive influenciado por atores sociais domésticos96

3 - A Diversidade e Maleabilidade Funcional dos Órgãos JudiciaisInternacionais

Tradicionalmente, o tema da adjudicação tem sido estudado dentro da disciplina dachamada “resolução pacífica de controvérsias internacionais”97. No entanto, classificaros órgãos judiciais internacionais juntamente com os procedimentos políticos deresolução de controvérsias (negociação, inquérito, bons ofícios,mediação, conciliação)98e arbitragem ad hoc é tecnicamente impróprio e pode comprometer a análise de seureal efeito na sociedade internacional99. Tal afirmativa se justifica, basicamente, porduas razões: (i) pela participação de atores não estatais em seus procedimentos (muitasvezes associada à adoção do paradigma compulsório)100; e (ii) pela variedade funcionalresultante do aumento do número de cortes e tribunais internacionais. No primeiro caso,o que se pode constatar é que a abertura à atuação de atores não estatais nesses órgãosretirou dos Estados o controle que tinham sobre suas atividades e a exclusividade departicipação em seus procedimentos. O que se pode afirmar, nesse sentido, é que asCortes Internacionais deixam de ser um instrumento dos Estados, cuja utilização se dáapenas para a resolução de seus conflitos.As repercussões decorrentes do acesso de atores não estatais aos órgãos judiciais

internacionais já foram discutidas no tópico anterior. É necessário que se compreenda,portanto, qual a relação de sua diversidade funcional com a afirmação de que o estudoda adjudicação internacional deve ser feito a partir de um arcabouço teórico peculiar.Como ressalta Karen Alter, os diferentes papéis exercidos por esses órgãos mostramque por vezes seu maior objetivo é o respeito às normas do Direito Internacional, o quenão necessariamente se resume à solução de controvérsias (muitas vezes com alcancebilateral) entre Estados. Ao analisá-los, a autora identificou quatro padrões funcionais,

95 KEOHANE, Robert O.; MORAVCSIK, Andrew; & SLAUGHTER, Anne-Marie. Legalized DisputeResolution: Interstate and Transnational, p.464.

96 Ver, nesse sentido, LAGE, DélberA., Barganha Doméstica e Política Internacional:APolíticaAgrícola dosEUAe suaAtuação em Fóruns Multilaterais, 2005.

97 Ver, nesse sentido, MERRILS, International Dispute Settlement, 1998.98 Ver artigo 33.1 da Carta da ONU.99 ROMANO, Cesare P.R., The Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of The Puzzle; 1999,

p.749.100 Ver tabela relativa ao acesso aos principais tribunais internacionais, supra.

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os quais podem inclusive conviver em um mesmo tribunal101. Uma discussão maisdetida acerca de cada um deles será importante para corroborar a tese de que as cortesinternacionais ultrapassam a noção demeros instrumentos de resolução de controvérsiasinter-estatais.Karen Alter coloca, portanto, que os padrões funcionais assumidos pelos tribunais

internacionais são os seguintes: (i) administrativo, cuja principal função refere-se àfiscalização dos atores públicos que aplicam ou implementam determinada norma;(ii) Criminal, responsável por avaliar a legitimidade do emprego da força pelosagentes governamentais; (iii) de resolução de disputas, que refere-se à determinaçãodo dispositivo legal aplicável a uma determinada controvérsia; e (iv) constitucional,de acordo com o qual se avalia a coerência e adequabilidade de diplomas normativosproduzidos por atores legislativos. A autora afirma, igualmente, que seu entendimentodeve se dar a partir de três dimensões distintas: jurisdição, que inclui a competência emrazão da matéria e se o paradigma é ou não compulsório; regras de acesso; e remédioslegais que podem ser por eles utilizados102.Quando os juízes internacionais se revestem de uma função de cunho administrativo,

eles devem se preocupar em avaliar as decisões dos administradores públicos, de formaa garantir que elas foram tomadas de acordo com o procedimento adequado. Nessescasos, a competência da corte deve abarcar a legalidade de quaisquer de seus atos(regulamentos, diretivas, etc), bem como sua omissão quando tinham o dever de fazeralgo. Por se tratar de uma situação em que o próprio agente estatal será julgado, o ideal éque a jurisdição seja compulsória. Pela mesma razão, as regras de acesso devem permitiratores não estatais. Os remédios legais devem, por fim, serem capazes de anular o atoviciado, e, igualmente, de impor ação para o restabelecimento da situação de acordocom os ditames legais103.Um tribunal que assuma a função Criminal, por sua vez, deve apreciar demandas

relativas à legalidade do uso da força pela autoridade estatal. O ideal é que a jurisdiçãoseja, nesse caso, compulsória. As regras de acesso podem se restringir a Estados, ouse estenderem a procuradores institucionais ou outros atores não estatais. Os remédiospodemvariardesdeprisãodosresponsáveis,medidas legislativas internas,acompensaçãopor danos ilegalmente causados à vítima104.O objetivo da atuação jurisdicional pode ser, igualmente, a solução de controvérsias

de caráter particular, normalmente relativas à aplicação de determinados dispositivosnormativos específicos ou ao (des)cumprimento de alguma regra juridicamente

101 ALTER, Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and Their Implications forState-IC relations, 2005, pp. 16-39.

102 ALTER, Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and Their Implications forState-IC relations, 2005, p. 22, e 25.

103 Esse tipo de função pode ser identificado, por exemplo, na Corte de Justiça de Cartagena, relativa a umadecisão da ComissãoAndina; e no Tribunal Internacional da Lei doMar, em virtude de determinada ação da“SeabedAuthority”.

104 Exemplos dessa função podem ser encontrados nos Tribunais Penais Internacionais e nas Cortes de DireitosHumanos.

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vinculante. Nessas situações, a jurisdição da Corte varia entre os paradigmas consensuale compulsório. O acesso normalmente é de exclusividade estatal. Os remédios legaisnormalmente se limitamaocaráter vinculantedadecisão (queversa sobreaaplicabilidadede determinada norma ou impõe um dever de fazer ou não fazer); em alguns casos podehaver a possibilidade de retaliação (bilateral) quando persistir a violação105.Osórgãos judiciais internacionaispodem,porfim,assumirumafunçãoconstitucional.

Seu objetivo é o de controlar a produção de diplomas normativos, normalmente à luzde alguns valores que se consagraram como hierarquicamente superiores. Por vezes,esse tipo de atuação visa a uniformização da interpretação e aplicação de normascom status supra-nacional. A jurisdição deve ser compulsória, e abarcar atos estataise de Organizações Internacionais. As regras de acesso normalmente incluem entesnão estatais. Os remédios podem anular os atos em desconformidade com diplomasde hierarquia superior e até mesmo impor determinado dever de fazer à autoridadelegislativa106.

Tabela 5 – fUnções JUdiciais das coRTes inTeRnacionais107

RevisõesAdministrativas

Resoluções deDisputa

SançãoCriminal

RevisãoConstitucional

Revisão de açõesdas OIs

* ITLOS (Autoridadedo solo oceânico),*EFTAC, *CFI, *ECJ,*TJAC

*ECJ, *TJAC, *CACJ

Revisão de AçõesEstatais

*ECJ, *COMESA,*CCJ, * ITLOS (re:somente medição deembarcações)

ICJ, ITLOS,WTO,ECJ, EFTA, OAPEC,CCJ, ECCIS, CACJ,OHADA, COMESA,AMU,TJAC

ECJ, CACJ, *ECHR,IAHCR, COMESA,ACHR

ECJ (Comissões& outros estadosexpressamenteautorizados) Litigânciaprivada é um papelmodificado)

Revisão de CortesNacionais Decisões

*TJAC.*COMESA, *ECCIS,*OHADA, *CJAC,*BCJ, *CCJ

Revisões privadasComportamento do Ator

Disputas ParticularesOI: *ECJ, *TJAC

*ICC, *ICTY, *ICTR,*ICTSL

*Acesso não estatal / Cortes marcadas em Itálico: jurisdição compulsória.

A tabela 5 traz alguns exemplos dos principais tribunais internacionais, associadosàs funções que podem exercer. O que se pode notar, dessa forma, é que ummesmo órgãopode assumir mais de uma função diferente, dependendo da natureza da demanda com aqual se depara.Apossibilidade ou não de exercício da mesma, de acordo com as normas

105 Os exemplosmais latentes desse tipo de função podem ser encontrados naCIJ, naOMCe noTribunal da Leido Mar.

106 Exemplos: Corte Européia de Justiça, Corte Européia de Direitos Humanos, OMC, Corte de Justiça deCartagena, dentre outros.

107 Fonte: ALTER, Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and TheirImplications for State-IC relations, 2005, p.41.

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previamente fixadas pelos Estados (em seu acordo constitutivo), irá variar em funçãodas demandas políticas envolvidas108.Diante do exposto, pertinente se mostra a tese de os órgãos judiciais internacionais

têm assumido um papel muito mais abrangente do que aquele identificado no iníciodo século XX, qual seja, o de resolução de controvérsias inter-estatais109. A tendência,portanto, resultante do aumento do número de órgãos judiciais internacionais é que oefeito de suas decisões alcance tanto aos Estados quanto a outros atores; e que, emalguns desses casos, obrigue não apenas as partes envolvidas no litígio, mas sim a todosaqueles submetidos à sua respectiva jurisdição110. Ademais, deve-se frisar que o nível demaleabilidade funcional de cada uma das cortes será definido de acordo com o interessedos Estados quando da elaboração de seus acordos constitutivos. Há, contudo, o riscoque o desenvolvimento de suas atividades crie situações que não foram previstas pelosEstados, nas quais os tribunais se comportariam de uma forma que não era a princípiodesejada111.

4 - Os Estados Ainda são os Atores com Maior Influência no Comportamentodas Cortes e Tribunais Internacionais

Nas seções anteriores, foram discutidas algumas tendências decorrentes da“proliferação” de cortes e tribunais internacionais. De acordo com o exposto, se mostrarazoável a afirmativa de que, na última década, houve um significativo aumento donúmero de casos apresentados a esses órgãos, bem como uma diminuição do controledos Estados no estabelecimento dessas demandas – principalmente em decorrênciada mudança para o paradigma compulsório e da abertura dos órgãos à participaçãonão estatal. Isso não implica, contudo, que os Estados deixaram de exercer influênciadeterminante no seu estabelecimento e funcionamento112. São eles os responsáveis tantopela determinação das normas constitutivas dos tribunais, quanto pelo suporte (inclusivefinanceiro) a suas atividades, bem como, na maioria das vezes, pela implementaçãode suas decisões. Como destacam alguns autores: “Claramente o poder e preferências

108 Karen Alter argumenta, nesse sentido, que a utilização desses quatro padrões funcionais como variáveisde análise fornece importantes inferências para a compreensão da relação Estado-Cortes Internacionais;ALTER, Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and Their Implications forState-IC relations, 2005.

109 Para uma abordagem histórica dos principais desenvolvimentos do escopo dos tribunais internacionais,ver, igualmente, ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm inInternationalAdjudication: Elements for a Theory of consent, 2007, especialmente pp. 804-816.

110 Ver, no mesmo sentido, ROMANO, Cesare P.R., The Proliferation of International Judicial Bodies: ThePieces of The Puzzle; 1999, p.737.

111 VerALTER,Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles andTheir Implicationsfor State-IC relations, 2005, pp. 54-63.

112 Ver, nesse sentido, CARON, David, Towards a Political Theory of International Courts and Tribunals, 2006,pp.405-410.

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dos Estados influenciam o comportamento tanto do governo quanto dos tribunais desolução de controvérsias: o direito internacional opera à sombra do poder”113.Uma discussão mais detida acerca das formas de controle do Estado sobre os

órgãos judiciais internacionais é de suma importância para a compreensão do problemaenfrentado nesse trabalho. No âmbito desse trabalho, essa relação será avaliada apartir de uma variável que tem como objetivo determinar o nível de independênciade um tribunal vis-à-vis aos Estados que são submetidos à sua jurisdição. Ela deveser compreendida à luz dos mecanismos de controle utilizados pelos segundos, quepodem ser, conforme argumento que se segue, de duas ordens: jurídicos; ou políticos.Ademais, eles devem ser igualmente analisados a partir de uma dupla perspectiva: umainstitucional, relativa ao funcionamento do próprio órgão; e outra pessoal, relacionadaao nível de independência dos juízes.

A) Constrangimentos de Ordem InstitucionalOs Estados têm uma série de instrumentos para condicionar e avaliar a atuação

dos órgãos judiciais internacionais, que podem ser utilizados tanto no momento de suacriação quanto durante o exercício de suas atividades. Para que essa dinâmica seja maisbem compreendida, essa seção abarcará os constrangimentos (a) de ordem jurídica(formal); e (b) os de ordem política (informal)114.

a) Os Mecanismos Formais de Controle EstatalÉ no momento da negociação dos acordos constitutivos que os Estados têm a

oportunidade para fixar a competência, o procedimento, e os instrumentos para aplicaçãonormativa dos tribunais internacionais. Por essa razão, essa é uma fase crítica para adeterminação do nível de independência de um determinado órgão.O primeiro instrumento de controle refere-se ao nível de precisão das normas

substantivas, que constituirão a competência ratione materiae do tribunal. Quanto maioronível de precisãodeuma regra,menor o espaçopara interpretação, e consequentemente,menor a possibilidade de uma interpretação diversa daquela desejada pelo Estado115.Igualmente relevante, pelas mesmas razões, é o nível de precisão das normasprocedimentais que serão seguidas no âmbito do órgão. Merecem destaque, nessesentido, as regras relativas ao acesso116. Os Estados podem ainda se valer de reservas

113 KEOHANE, Robert O.; MORAVCSIK, Andrew; & SLAUGHTER, Anne-Marie. Legalized DisputeResolution: Interstate and Transnational, p.458, tradução do autor.

114 Para uma discussão ampla desses mecanismos, mas a partir de uma perspectiva um pouco diferente, verHELFER, Laurence R.; & SLAUGHTER, Anne-Marie, Why States Create International Tribunals: AResponse to Professors Posner andYoo, 2005, pp.42-56.Alguns dos mecanismos discutidos nesse trabalhoforam identificados a partir do argumento defendido por elas; ver especialmente quadro sinóptico da página46.

115 Ver, igualmente,ABBOTT, KennethW. et al. The concept of legalization, 2000.116 Ver seção Participação de atores não estatais, supra.

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tanto às normas substantivas que podem ser aplicadas quanto ao reconhecimento dajurisdição dos tribunais117.Mesmoapós o estabelecimento de uma corte internacional, osEstados ainda se valem

de instrumentos formais de controle sobre sua atividade. Eles podem, por exemplo,reinterpretar uma norma substantiva, cuja aplicação damaneira pela qual fora concebidapasse a contrariar seus interesses118. Se o funcionamento da corte implicar divergênciassignificativas em relação aos anseios iniciais que ensejaram sua criação, um Estadoainda pode: (i) renegociar as normas relativas à sua jurisdição, acesso e procedimento119;(ii) retirar a declaração pela qual reconhece sua competência ou denunciar ao tratadoao qual sua jurisdição se vincula120. Em uma medida mais unilateral, ele pode optar porretardar a implementação da sentença aplicada.A forma de implementação da sentença é, no que se refere ao nível de independência

de um tribunal, um indicador muito significativo. Uma decisão que seja, por exemplo,auto-aplicável na esfera doméstica do Estado (como ocorre com a Corte Européia deJustiça) permite que atores domésticos controlem seu cumprimento. Caso um Estadose recuse a fazê-lo, esses atores podem inclusive recorrer aos instrumentos jurídicosnacionais para garantir sua efetividade. Segue tabela indicativa donível de independênciaem relação a essa questão.

Tabela 6 – indePendência: imPlemenTação das decisões121

Nível de Independência Quem impõe cumprimento Corte Internacional ou Tribunal

Baixo Governos individuais podem vetarimplementação da decisão

GATT

Moderado Não há veto, mas não há mecanismoslegais de imposição de cumprimento

OMC, CIJ1

Alto Normas Internacionais aplicadas porCortes Nacionais

Normas de direitos humanos incorporadase relativas à CEDH, sistemas nacionaisem que tratados são auto-executávies

b) Os Mecanismos Informais de Controle EstatalOs Estados mais poderosos podem, nesse caso, se valer de seu prestígio político

para evitar que um estado mais fraco opte por levar a controvérsia a um tribunal, ou

117 Oalcance dessas últimas reservas é, contudo, bastante limitado pela tendência atual de adoção do paradigmacompulsório, mesmo por aqueles tribunais cuja jurisdição ainda é consensual – notadamente a CIJ e aCIADH. Ver seçãoAdoção do Paradigma Compulsório, supra.

118 O alcance desse mecanismo é, certamente, limitado, na medida em que ele somente terá o efeito desejado setambém for aplicado pelos outros Estados envolvidos ou se a interpretação for reconhecida como legítimapelo próprio tribunal.

119 Amesma limitação se aplica a esse caso, na medida em que esse instrumento somente poderá ser exercidose houver certa “homogeneidade” em relação às insatisfações dos Estados.

120 ComodestacaCesareRomano, esse é um instrumento que, emvirtude da adoção doparadigma compulsório,pode se fortalecer decisivamente no atual cenário internacional. Ver ROMANO, Cesare P.R., The Shiftfrom the Consensual to the Compulsory Paradigm in International Adjudication: Elements for a Theory ofconsent, 2007, pp. 857-865.

121 Fonte: KEOHANE, Robert O.;MORAVCSIK,Andrew;& SLAUGHTER,Anne-Marie. Legalized DisputeResolution: Interstate and Transnational, p.467.

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para que este não exerça o direito de retaliação eventualmente decorrente da inexecuçãode uma de suas sentenças122. Os Estados podem, tanto no momento da criação quantoposteriormente, prover fundos insuficientes123paraqueas atividades sejamdesenvolvidasda forma adequada124. Em caso de insatisfação com uma decisão, pode-se, igualmente,optar pela submissão do mesmo caso a um outro tribunal com jurisdição concorrente,prática que é conhecida como fórum shopping125. Se desejar agir de forma claramenteunilateral, basta ignorar a sentença ou cumpri-la parcialmente126.

B) Constrangimentos de Ordem Pessoal: a Independência dos JuízesAindependência dos juízes internacionais, comodiscutido anteriormente, é elemento

essencial do próprio conceito de órgão judicial internacional127. Conforme destacaPasquale Pasquino, ela é essencial para a consagração da estrutura tripartite de resoluçãode conflitos128. Os Estados podem, por meio da indicação dos juízes, controle financeiroe outros artifícios, influenciar decisivamente a atuação de um determinado juiz129. Éinteressante se notar que há instrumentos não obrigatórios que tratam da questão daindependência tanto do ponto de vista nacional130 quanto internacional131. Os própriostribunais, em seus estatutos ou regulamentos internos, consagram dispositivos nessesentido132. Alguns autores afirmam, nesse sentido, a necessidade de padronização dessasregras, para que se evite uma situação na qual uma corte interna se recuse a aplicar uma

122 É o que acontece, por vezes, em relação ao direito de retaliação decorrente da inexecução de uma decisão daOMC. Em vários casos os Estados ganhadores acabam por não se valer dele.

123 HELFER, Laurence R.; & SLAUGHTER, Anne-Marie, Why States Create International Tribunals: AResponse to Professors Posner andYoo, 2005, p. 50.

124 Foi o que aconteceu, por exemplo, com o Tribunal Penal de Ruanda, que enfrenta sérias dificuldadesdecorrentes da escassez de seus recursos. É interessante notar que o Tribunal Penal para Ex-Iugoslávia ,que fora criado por razões semelhantes, recebera um aporte dramaticamente maior de recursos. Ver, nessesentido, CARON, David, Towards a Political Theory of International Courts and Tribunals, 2006, p.410.

125 O Brasil, por exemplo, ao perder uma demanda no Tribunal de Arbitragem do MERCOSUL (Brasil v.Argentina, 21/V/01, 2001), recorreu à OMC, onde conseguiu uma decisão favorável (WT/DS241/R abril de2003).

126 Para uma análise do grau de cumprimento das decisões dos principais tribunais internacionais, ver POSNER,EricA; eYOO, John C., Judicial Independence in International Tribunals, 2005, pp. 29-54.

127 Ele aparece em ambas as definições analisadas nesse trabalho, quais sejam, a deMartin Shapiro e a do PICT.Ver seçãoACaracterização doMovimento: Expansão e Especificidade Institucional, nesse capítulo.

128 PASQUINO, Pasquale, Prolegomena to a Theory of Judicial Power: the Concept of Judicial Independencein Theory and History, 2003, p.14.

129 Ver, nesse sentido, MILLER, Nathan J., Independence in the International Judiciary: General Overview ofthe Issues, 2002, p.2.

130 UnitedNationsBasicPrinciples on the Independenceof the Judiciary,UNDoc.A/RES/40/146 (13December1985).

131 International Bar Association Code of Minimum Standards of Judicial Independence, aprovada em NovaDelhi, 1982; Montreal Universal Declaration on the Independence of Justice (1983); Beijing Statementof Principles of the Independence of the Judiciary in the LAWASIA Region (1995); Syracuse Principles(1981).

132 Estatuto da CIJ, art.2, bem como Practice Directions VII e VIII (7 de fev. 2002, disponível em http://www.icj-cji.org/icjwww/ibasicdocuments.htm, último acesso em 30/01/2008); art. 17 DSU (OMC); Estatuto doTPI, artigo 36; dentre outros.

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decisão internacional alegando que ela não esteja de acordo com os padrões legais deseu Estado, por exemplo133.A determinação das normas de seleção, reeleição, tempo de mandato, número de

juizes, é, portanto, essencial para se estabelecer o nível de controle sobre os mesmos.Os Estados ainda podem criar mecanismos de controle (implícitos ou explícitos) dentroda própria organização da qual o tribunal faz parte134. Além disso, o controle pode serfeito pela via (informal) de pressões políticas. Como destacam Sands e Mackenzie, areputação é algo bastante valorizado no meio jurídico internacional135, fato que podeser explorado tanto a favor quanto contra a independência dos juízes. Nesse sentido,destaca Gilbert Guillaume, ex-Presidente da CIJ: “Ultimamente, como mostrado porvários exemplos nacionais, independência é, acima de tudo, uma questão de caráter. Osúnicos juízes sobre pressão são aqueles que são suscetíveis a ela. Um juiz que desejaser independente o é”136.Segue tabela que traz indicadores para análise.

Tabela 7 – indicadoRes de indePendência137

Nível de independência Seleção e Mandato Corte Internacional ou Tribunal

Baixo Representantes diretos, talvez com vetoindividual

Conselho de Segurança da ONU

Moderado Litigantes controlam seleção ad hoc dejuízesGrupos de Estados controlam seleçãode juízes

Corte Permanente de Arbitragem

CIJ, GATT, OMC

Alto Governos individuais apontam juízes commandato longoGrupos de Estados selecionam juízes commandato longo

Corte Européia de Justiça

Cortes Européia e Interamericana deDireitos Humanos

Foram expostas, até agora, quatro tendências conjunturais, que, conformeargumentado, são a base para o entendimento do aumento do número de órgãos judiciaisinternacionais, quais sejam: (1) adoção do paradigma compulsório; (2) abertura a atoresnão estatais; (3) diversidade e maleabilidade funcional; e (4) significativa dependênciado Estado. Feito isso, deve-se proceder à análise das limitações enfrentadas por esse

133 MACKENZIE, Ruth; & SANDS, Phillippe, International Courts and Tribunals and the Independence of theInternational Judge, 2003, p.275.

134 Apesar de não haver nenhum mecanismo expresso no seio da ONU, muito se discute sobre uma eventualhierarquia entre aCIJ e oConselhodeSegurança (Ver casoLockerbie). Países que sãomembros permanentesdo C.S., por exemplo, tendem a ter um controle muito maior das decisões deste órgão, e teoricamentepoderiam se utilizar desse expediente caso para exercer algum tipo de pressão informal sobre os juízes daCorte.

135 MACKENZIE, Ruth; & SANDS, Phillippe, International Courts and Tribunals and the Independence of theInternational Judge, 2003, p.280.

136 GUILLAUME, Gilbert, SomeThoughts on the Independence of International Judges vis-à-vis States, 2003,p.168.

137 Fonte: KEOHANE, Robert O.;MORAVCSIK,Andrew;& SLAUGHTER,Anne-Marie. Legalized DisputeResolution: Interstate and Transnational, p.461.

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O Aumento do Número de Órgãos Judiciais Internacionais e suas Repercussõespara a Sociedade Internacional

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movimento, para que então se possa discutir com mais fundamento as principaiscorrentes teóricas que visam explicá-lo (Parte II do Capítulo).Antes, porém, uma última observação se mostra necessária: conforme discutido,

o grande número de tribunais internacionais, associado a seus diferentes arranjosinstitucionais, impede a identificação de um padrão singular de funcionamento dessesórgãos, bem como inviabiliza a formação de um sistema judicial unitário. Pode-se, contudo, formular um quadro comparativo, cujo objetivo é captar as principaiscaracterísticas desses órgãos, e que será de grande utilidade para o debate que se segue.

Tabela 8 –aRRanJos insTiTUcionais dos TRibUnais inTeRnacionais138

Espectro do “legalismo”

Revisão de Terceiros Nenhuma Acesso controlado pelo corpo político Direto automático de revisão

Decisões judiciais deterceiros

RecomendaçõesVinculante se aprovado pelo corpopolítico

Obrigação diretamente vinculante

Juízes Arbitragens Ad hoc Painéis Ad hoc baseado em listasTribunal de Justiça comrepresentação das partes

Partes Somente EstadosEstados e organismos acordadosindivíduos

Estados, organismos acordados, eindivíduos

Reparação Nenhuma Sanções de retaliação Efeito direto no direito doméstico

Título 2 –Os Alcances do Movimento de Juridicização do DI

Feitas as considerações acerca do caráter do movimento de proliferação de cortese tribunais internacionais, tem-se elementos suficientes para a compreensão do debaterelativo às suas repercussões sobre o ordenamento jurídico internacional. Deve-seevitar, contudo, algumas impropriedades de ordem teórico-conceitual – normalmentepresentes nas discussões a respeito do tema – que acabam por superestimar o alcancedesse movimento; o que, certamente, prejudica a avaliação de suas causas e efeitos.Duas advertências serão, nesse sentido, enunciadas a seguir: a primeira é relativa àconfusão que normalmente é feita entre os fenômenos da jurisdicionalização e o dajuridicização da sociedade internacional; ao passo que a segunda refere-se à idéia de quea adjudicação internacional necessariamente implica a adoção de padrões mais rígidospara garantir o cumprimento das normas internacionais.

1 - A Jurisdicionalização Enquanto Variável Interveniente no Processo deExpansão Não Uniforme (Legalização) do Direito Internacional

Quando do estudo do fenômeno da jurisdicionalização, o primeiro perigo a serevitado é o de que ele seja confundido com o movimento de expansão não uniformedo Direito Internacional. A juridicização (ou legalização) é uma tendência recente da

138 Fonte: SMITH, JamesMcCall, The Politics of Dispute Settelment Design: Explaining Legalism in RegionalTrade Pacts, 2000, p.143.

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Sociedade Internacional, pela qual os sujeitos têm optado por regulamentar suas relaçõesa partir de normas jurídicas. Não há, à rigor técnico, uma correspondência exata entre asduas tendências. Assumir, portanto, que o aumento do número de cortes internacionaisé uma decorrência imediata da criação de normas jurídicas, e que o primeiro fenômenose desenvolverá em função dos avanços e retrocessos do segundo é algo temerário, quecarece de comprovação fática. A jurisdicionalização, ao lado do crescente número deregimes internacionais, é, portanto, um seguro indicador da juridicização. Mas, por setratarem de movimentos distintos, com causas e repercussões peculiares, não devem,frise-se, ser analisados como se constituíssem um único objeto de estudo.Como destacado nesse capítulo139, a criação de cortes e tribunais internacionais não

obedece a um padrão preestabelecido, nem tampouco ocorre da mesma maneira nasdiversas áreas do DI. Isso implica, por exemplo, a existência de áreas que foram objetode significativa regulamentação legal, mas sobre as quais ainda não nenhum órgãojudicial com jurisdição específica para apreciar suas demandas140. Ademais, a simplescriação de uma Corte não significa que as controvérsias relativas àquelas matériasserão necessariamente submetidas a ela. Assumir, portanto, que sua existência implicao abandono dos meios políticos de solução de controvérsias é algo que não encontranenhuma fundamentação fática141, e, certamente, compromete decisivamente qualqueranálise a esse respeito. Há, igualmente, vários exemplos de cortes que ainda não exercemefetivamente suas atividades, seja por problemas estruturais decorrentes de poucosuporte estatal, seja pela falta de demandas a elas submetidas142. É importante ressaltar,nesse sentido, que a opção pela adjudicação não é aquela inicialmente preferida pelosEstados, uma vez que perderão a capacidade de decidir sobre como se comportarão emuma determinada situação. A delegação parece ser, dessa forma, o curso de ação viávelquando todo o espectro de opções políticas já se mostra esgotado143.Faz-se necessária, igualmente, uma observação acerca do acesso a esses tribunais.

Apesar de muitos órgãos permitirem a participação de atores não estatais, sabe-se queela ainda é incipiente, e, em alguns casos, pouco significativa144. Ademais, não se podeafirmar, como colocado anteriormente, que a abertura a participação desses atores éuma tendência irreversível, ou que ela caminha de forma homogênea no sentido de uma“transnacionalização” de seu acesso. Isso porque uma opção com esse caráter implica

139 Ver Expansão e Especificidade Institucional, supra.140 Pode-se citar, e.g,, as áreas da Segurança Internacional, dos Fluxos Monetários e Investimentos, do Meio

Ambiente, dentre outras.141 Ver, nesse sentido, ALVAREZ, José E., New Dispute Settlers: (Half) Truths and consequences, 2003,

p.411.142 CorteAfricanadeDireitosHumanos,TribunalEuropeudeEnergiaNuclear (OCDE,1957),TribunalEuropeu

sobre Imunidade Estatal (Conselho da Europa, 1972), Corte de Justiça da Comunidade EconômicaAfricana(1991), Corte de Justiça do MERCOSUL, dentre outros. Para uma lista completa, ver Carta Sinóptica noANEXO I desse trabalho.

143 Ver, nesse sentido, HOPMANN, P. Terrence, The Negotiation Process and the Resolution of InternationalConflicts, 1996,p.221;eKOREMENOS,et al,TheRationalDesignof International Institutions, InternationalOrganization, no.55, 2001.

144 Ver Participação de atores não estatais, supra.

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custos diferenciados aos Estados, na medida em que aumentar o número de legitimadospara agir significa diminuir o controle político sobre o estabelecimento das própriasdemandas. Além disso, o custo pecuniário de manutenção de uma estrutura judicialinternacional com acesso universal seria infinitamente maior do que aqueles que osEstados estão dispostos a suportar.Diante desse contexto, associar o aumento de tribunais internacionais ao movimento

de juridicização, assumindo que seguem a mesma dinâmica, é algo que se mostraequivocado, tanto a partir de uma perspectiva teórica quanto fática. Grande parte dasrelações internacionais, bem como de seus atores, ainda não são, por certo, passíveisde avaliação por um tribunal internacional. Não se pode negar, contudo, que há umarelação de interdependência entre eles, e que o primeiro tem significativas repercussõessobre o segundo.

2 - A Jurisdicionalização Não Necessariamente Implica Adoção de PadrõesMais Rígidos para Aplicação e Implementação das Normas Internacionais

Asegundaadvertênciaenunciadaanteriormenterefere-seaumapremissanormalmenteassumida pelos autores, de acordo com a qual os órgãos judiciais internacionais tendema (i) aplicar instrumentos normativos rígidos (hard law); a (ii) conferir precisão e algumpoder vinculante a normas brandas (soft law); e a (iii) consagrar instrumentos eficazes(remédios legais) para a aplicação e implementação das normas e decisões juridicamentevinculantes. Uma vez que se percebe, no entanto, que o desenho institucional dessesórgãos é variado, e que cada um deles adota procedimentos e medidas provisionaisdistintas, essa premissa cai por terra. O que se afirma, nesse sentido, é que a efetivaçãoou não de cada uma dessas “expectativas” deverá ser avaliada no caso concreto.Os tribunais internacionais normalmente são relutantes no que se refere tanto

à aplicação de normas imperativas quanto à utilização de normas brandas em suasdecisões. Elas são, via de regra, em ambos os casos, imprecisas. Dada a falta de unidadee hierarquia entre os órgãos judiciais internacionais, isso quer dizer que, mesmo quandoutilizadas, a questão de sua precisão não restará definitivamente superada. Por umlado, nenhuma dessas instituições conta com autoridade de criação normativa, motivopelo qual sua decisão terá alcance restrito, normalmente inter-partes. Por outro, ainterpretação dessas normas será feita de acordo com o caso concreto, sem que se tenhaem mente todas as possibilidades de sua aplicação. Isso implica que, caso um outrocaso seja submetido a essa ou outra instituição, haverá, certamente, dificuldades para aaplicação do padrão adotado na decisão anterior145.O risco de interpretações fragmentadas e inconsistentes é agravado, igualmente, pela

relutância dos Estados em permitir que os órgãos judiciais assumam um papel efetivonesse sentido, na medida em que visualizam a situação como uma ameaça potencial asua soberania. Conforme destaca Prosper Weil, a hierarquia normativa internacional

145 ALVAREZ, José E., New Dispute Settlers: (Half) Truths and consequences, 2003, p.426.

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pode retirar do Estado o controle sobre a criação normativa, bem como relativizar deforma perigosa a fronteira entre direito e política146. Em uma situação extrema, umaampla difusão e aplicação de uma norma branda criada por atores não estatais poderiagerar efeitos significativos sobre a sociedade internacional, hipótese que, de fato, secoloca contra os interesses dos Estados.Afirmar que a jurisdicionalização do DI necessariamente consagra instrumentos

eficazes para a aplicação e implementação das normas juridicamente vinculantes éalgo igualmente problemático. A delegação da capacidade decisória a um terceiroindependente não deve, nesse caso, ser confundida com a dimensão da garantia documprimento dessas decisões. É para o que nos adverte Cesare Romano:

“A questão da natureza vinculante dos julgamentos dos órgãos judiciaisinternacionais, contudo, não deve ser confundida com a da garantia documprimento dessas decisões. A função de garantia das decisões dosórgãos judiciais é de natureza executiva, e como tal é normalmenteconfiada a órgãos investidos de poderes executivos. É, em outraspalavras, uma matéria mais política que jurídica”147.

A percepção dessa questão é um fator relevante para a compreensão da razão para aexistência de órgãos com remédios legais tão distintos, e por vezes ineficientes. O casoda Corte Internacional de Justiça, por exemplo, cujo cumprimento da decisão deverá serfeito pelo Conselho de Segurança148, é emblemático nesse sentido. De acordo com o quese pode inferir dos artigos 24 e 39 da Carta da ONU, as decisões do CS são de carátereminentemente político, e seu procedimento decisório é claramente dependente dos cincopaíses com poder de veto. Em última análise, se o Estado vencedor da demanda na CIJoptar por pedir ao Conselho para garantir o cumprimento da mesma, o mecanismo somenteserá efetivamente utilizado após considerações de ordem política. A mesma situação éverificada na Corte Européia de Direitos Humanos, cuja garantia das decisões é confiadaao Conselho de Ministros149.Em outros casos, como o das decisões do órgão de apelação da OMC, o

descumprimento dá ao ganhador da demanda o direito de retaliar a outra parte.Interessante notar, nesse caso, que apesar da decisão ser proveniente de ummecanismomultilateral de solução de controvérsias, sua garantia é feita de forma bilateral. Essa,apesar de não ser a ideal, é a opção viável nesse caso, uma vez que dificilmente umEstado alheio à demanda iria se dispor a arcar com os custos políticos de impor umasanção a outro, que poderia ser inclusive um significativo parceiro comercial150. Os

146 WEIL, Prosper, Towards a Relative Normativity in International Law, 1983.147 ROMANO, Cesare P.R., The Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of The Puzzle; 1999,

p.714, nota no.25, tradução do autor.148 VerACaracterização doMovimento: Expansão e Especificidade Institucional, supra.149 Ver art.46.2 do Protocolo 11.150 Paraumacompreensãodas consideraçõespolíticas envolvendoosdiferentes desenhosparaosprocedimentos

decisórios na esfera internacional, ver KAHLER, Miles, Multilateralism with Smal and Large Numbers,

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O Aumento do Número de Órgãos Judiciais Internacionais e suas Repercussõespara a Sociedade Internacional

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Estados têm a opção de consagrar arranjos genéricos e pouco precisos, que sejam,por essa razão, difíceis de ser aplicados. É o que caso, por exemplo, com o artigo 39do Estatuto da Corte Centro Americana de Justiça, o qual determina que a Corte, emcaso de descumprimento, deve submeter a questão aos Estados Membro, que deverão,pelos meios “pertinentes”, garantir sua execução. Em situações mais extremas, o custopelo descumprimento da decisão será meramente político, simplesmente em razão daausência de um dispositivo que crie um mecanismo para sua garantia, como ocorrecom a Corte Interamericana de Direitos Humanos151.O que se percebe, portanto, é que a delegação da capacidade decisória acerca

de determinadas controvérsias não necessariamente significará que serão criadosmecanismos para garantir sua execução. Não se sustenta, dessa forma, a crença de que ajurisdicionalização do Direito Internacional é condição suficiente para uma melhoria nosmeios de aplicação e implementação das normas jurídicas internacionais.Uma vez caracterizado o recente aumento do número de cortes e tribunais

internacionais, bem como discutidas suas tendências (Título 1º) e alcances (Título 2º),pode-se colocar com mais precisão o problema que é enfrentado nesse capítulo. Dessaforma, considerando-se que (i) o movimento de jurisdicionalização se dá de maneiranão uniforme, tendo diferentes repercussões em cada uma das áreas do direito e dasrelações internacionais; (ii) que essa expansão é marcada por uma transformação nanatureza e competência das cortes e tribunais internacionais; (iii) que os diferentesarranjos institucionais visam a solução de problemas políticos específicos colocadosnas diferentes áreas (especificidade normativa em função da agenda); (iv) e que essesórgãos não formam um sistema judicial unitário; o problema que se coloca é o de seestabelecer de que forma sua existência pode influenciar no debate acerca da tensãoentre unidade e fragmentação do próprio Direito Internacional. A segunda parte docapítulo tem por objetivo a análise dessas questões.

Parte II - Jurisdicionalização e Ordem Jurídica Internacional

Seção I - O Aumento no Número de Cortes e Tribunais Internacionais e oProblema da Unidade do Direito Internacional

Oobjetivodessaseçãoé,àluzdascaracterísticasdomovimentodejurisdicionalização,colocado na primeira parte desse capítulo, compreender suas repercussões sobre aproblemática acerca da unidade do Direito Internacional. O argumento será construído

International Organization, 46, 3, 1992, pp.681-708.151 Quando do descumprimento de suas decisões, cujo caráter obrigatório é consagrado no art. 68.1 da

ConvençãoAmericana deDireitos Humanos, deve a Corte indicá-lo, em seus informes anuais, àAssembléiaGeral da OEA, que não tem, contudo, competência para tomar medidas vinculantes a esse respeito.Aúnicaprovisão de algum meio de garantia das determinações das sentenças refere-se ao caso de pagamento deindenizações compensatórias, quando ela poderá ser executada de acordo com as normas internas do Estadocondenado (art. 68.2 da ConvençãoAmericana de Direitos Humanos).

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no sentido de se identificar, dentre as peculiaridades decorrentes do aumento do númeroórgãos judiciais (não unitariedade, especialização funcional e forte influência estatal),as causas para as principais ameaças à noção de unidade do ordenamento jurídicointernacional (possibilidade de conflito de jurisdições; conflito de jurisprudência; e ofórum shopping). A partir desse panorama, será enunciada a tese de que esse fenômenosegue a lógica relativa à formação do ordenamento jurídico internacional com baseem um núcleo duro de valores fundamentais associado à especificidade normativa emfunção da agenda152. Por essa razão, argumentar-se-á que a jurisdicionalização acaba porreforçar a aplicação e a unidade do DI.

1 - A Natureza do Movimento de Jurisdicionalização e sua Potencial Ameaça àUnidade do Direito Internacional

Os teóricos que advogam a tese da fragmentação do Direito Internacionalpressupõem uma analogia entre as esferas internacional e interna. É com base, portanto,nessa noção de unidade que afirmam que a criação de cortes e tribunais internacionaiscontribui ainda mais para sua fragmentação. De acordo com eles, a existência de órgãosjudiciais internacionais com competências e procedimentos específicos contribuiriadecisivamente para a consolidação de regimes autônomos (self-contained regimes)153.Na medida em que eles consagrariam princípios e dinâmicas próprias, funcionariam deforma independente, pelo que restaria comprometida a unidade do DI154.Ao se analisar de forma mais detida cada um dos argumentos que defendem a

tese da fragmentação, o que se pode perceber é que retiram seu fundamento de trêscaracterísticas específicas do aumento do número de órgãos judiciais internacionais,discutidas na primeira parte desse capítulo, a saber: (i) existência de um sistema judicialnão unitário; (ii) especialização funcional desses órgãos; e (iii) forte influência dosEstados em sua dinâmica. O objetivo dessa discussão é, contudo, o de afirmar que essesargumentos abarcam apenas parcialmente a dinâmica do movimento. Há, de acordocom a tese construída a seguir, condicionantes estruturais que condicionam a dinâmicada jurisdicionalização a partir da tensão entre valores fundamentais e especificidadenormativa em função da agenda. A partir dessa constatação poder-se-á compreenderonde se situa o “equívoco” da abordagem tradicional.A peculiaridade do ordenamento jurídico internacional, que estabelece um

sistema normativo com padrões incipientes de hierarquização normativa, éum fator determinante para inexistência de um sistema judicial internacionalunitário155. O aumento do número de órgãos judiciais implica, dessa forma, uma

152 LAGE, Délber. O Movimento de Expansão Não Uniforme e a Tensão entre Unidade e Fragmentação doDireito Internacional, 2007,

153 Para um profundo estudo da questão dos self-contained regimes, ver SIMMA, Bruno; PULKOWSKI, Dirk.Of planets and the universe: self-contained regimes in International Law, 2006.

154 Ver, nesse sentido WEIL, Prosper. Towards relative normativity in International Law?, 1983; SHELTON,Dinah. Centennial Essay - Normative hierarchy in international law, 2006.

155 Ver Tendências Conjunturais, supra.

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estrutura de justaposição de jurisdições, cada uma das quais consagrando arranjosnormativos e institucionais específicos para as áreas sobre as quais exercerão seupoder. Esse panorama, associado ao fato de que há vários pontos de entrelaçamentoentre as diferentes matérias da agenda internacional (como, por exemplo, entrecomércio, integração, e direitos humanos), cria um ambiente em que há a concretapossibilidade de conflito entre a jurisdição desses órgãos156. Esse seria é o primeiropilar no qual se fundam os defensores da tese da fragmentação.O segundo elemento que dá sustentação a essa linha de argumentação decorre

justamente dadiversidade e especificidade funcional das cortes e tribunais internacionais.Na medida em que elas atuam a partir de um arcabouço normativo e institucionalpróprio, há o risco de que cada um deles consagrem interpretações divergentes acercade princípios gerais do direito internacional. A possibilidade desse tipo de conflito dejurisprudência comprometeria, no longo prazo, a frágil homogeneidade axiológica quemantém algum nível de inter-relação entre as diversas áreas do DI157.

O terceiro alicerce dessa abordagem está intimamente relacionado aos supracitadosmecanismos de controle estatal sobre a atuação desses órgãos158. A existência dessesinstrumentoscriaria, no longoprazo,umasituaçãodedependênciapragmáticados tribunaisem relação aos Estados; e esses apenas se utilizariam dos primeiros quando atendessem deforma precisa a seus interesses. Nas palavras dos professores Posner e Yoo:

“Nós concebemos os tribunais internacionais como artifícios criadoscom o único objetivo de resolver problemas (‘problem solving devices’).Eles não transformam os interesses dos Estados, nem fazem com que osEstados os ignorem para o bem de um ideal transnacional”159.

É por essa razão que esses autores argumentam que tribunais internacionaisdependentes são mais eficazes quando comparados àqueles que guardam algumnível de independência em relação aos Estados. Defendem, portanto, a tesede acordo com a qual possibilidade de decisões contra os interesses estataiscompromete seu próprio funcionamento, na medida em que não há “nada” naesfera internacional (ao contrário do que ocorre na arena doméstica) que impeçaos Estados de ignorarem a jurisdição desses tribunais160. De acordo com essa linhaargumentativa, estaria consolidado, portanto, um cenário no qual os Estados optampor submeter suas demandas àqueles órgãos que atendam a suas necessidades

156 DUPUY, Pierre Marie, The Danger of Fragmentation or Unification of the International Legal System andthe International Court of Justice, 1999, p.797.

157 KINGSBURY, Benedict, Foreword: Is the Proliferation of International Courts and Tribunals a SystemicProblem?, p 690.

158 Ver, Os Estados ainda são os atores com $maior influência no comportamento das Cortes e TribunaisInternacionais, supra.

159 Ver POSNER, Eric A; e YOO, John C., Judicial Independence in International Tribunals, 2005, pp. 6-7,tradução do autor.

160 Ver POSNER, EricA; eYOO, John C., Judicial Independence in International Tribunals, 2005, p. 13.

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(fórum shopping); o que criaria um círculo vicioso no qual ou os tribunais serenderiam ao controle estatal ou estariam fadados ao fracasso161.Esses são, portanto, os três principais pilares dos argumentos daqueles

que defendem a tese de acordo com a qual o aumento dos órgãos judiciaisinternacionais reforça a fragmentação do DI. O que se pode argumentar, deforma diversa, é que eles traduzem uma visão parcial do movimento, que falha aointerpretar a própria dinâmica do sistema normativo internacional. Como destacaDupuy, parece perfeitamente normal a criação de instituições cujo objetivo écontrolar a aplicação e obediência dos novos conjuntos normativos decorrentesdo movimento de expansão do DI. A criação desses órgãos não pode ser analisadacomo prejudicial ao sistema internacional. Deve, de uma forma diversa, sercompreendida como a consolidação de um estágio de sua maturidade162. Ainterpretação distinta de princípios internacionais não é, igualmente, uma ameaçatão robusta quanto a enunciada por esses autores. Como se sabe, a convivênciade princípios contraditórios é inerente à própria noção de ordem jurídica, e essesdevem ser, no momento da aplicação, equalizados de acordo com as vicissitudesdo caso concreto.

2 - A Jurisdicionalização e a Dinâmica entre os Valores Fundamentais e aEspecificidade Normativa em Função daAgenda

Como destacado anteriormente, a crescente tendência de adjudicação dascontrovérsias internacionais deve ser compreendida a partir de um contexto normativoamplo, que abarque tanto considerações de ordem política quanto de ordem jurídica.Os postulados da abordagem da fragmentação podem ser, nesse sentido, contestados apartir de uma dupla perspectiva. Por um lado, o anseio por uma plena uniformidade nainterpretação jurisprudencial é algo se mostra inviável inclusive para o Direito Interno.A situação é certamente exponenciada na esfera internacional, na medida em que não háuniformidade nem mesmo em relação ao padrão de criação de suas normas jurídicas163.O que se deve ter em mente, neste contexto, é a avaliação acerca da existência de umpadrão valorativo que oriente as decisões em torno de um objetivo social minimamenteestabelecido. A corrente tradicional (da fragmentação) falha na medida em que não fazconsiderações estruturais que dêem conta dessa dimensão axiológica.

161 HelfereSlaughter,emensaioespecífico,criticamfortementeessa linhadeargumentação,HELFER,LaurenceR.; & SLAUGHTER, Anne-Marie, Why States Create International Tribunals: A Response to ProfessorsPosner andYoo, 2005. Cesare Romano, por sua vez, afirma que esses argumentos não têm nenhum alcancesignificativo quando se analisa tribunais com jurisdição compulsória. Ver ROMANO, ROMANO, CesareP.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in International Adjudication: Elementsfor a Theory of consent, 2007, pp.802-803.

162 DUPUY, Pierre Marie, The Danger of Fragmentation or Unification of the International Legal System andthe International Court of Justice, 1999, p.795.

163 CHARNEY, Jonathan I., The Impact on the International Legal Systemof theGrowth of InternationalCourtsand Tribunals, 1999, p. 699-705.

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Por outro lado, como destaca Abi-Saab, “é claro que especialização significaregimes específicos. Mas apesar de seu nível de particularidade e autonomia, não podehaver um regime completamente independente dentro de uma ordem legal”164. Essaobservação se aplica, continua a ele, não só às normas, mas também às instituições deum dado ordenamento. A complexidade da ordem internacional gera, nesse sentido,uma demanda por organismos especializados, capazes de responder de forma dinâmicae eficiente às necessidades políticas de uma determinada área da agenda internacional.O que os teóricos tradicionais não percebem é que esse sistema especializado, paraque possa funcionar de forma correta, carece de fundamentos comuns capazes deimpedir seu desmoronamento, ruindo-se em um amontoado de partículas pequenas esem nenhuma finalidade quando consideradas isoladamente165. Afirma-se, nesse caso,que a especificidade funcional desses órgãos só é viável em virtude da existência de umarcabouço normativo que lhe confira objetivo e dinamicidade.Aaçãodascortese tribunais internacionaiscriaria, assim,um“processoacumulativo”,

que progressivamente condensaria e cristalizaria as distintas partículas desse modelojurisdicional consensual em uma estrutura166, que reforçaria os fundamentos axiológicosda sociedade internacional e conferiria mais legitimidade ao próprio ordenamentojurídico internacional. Há, nesse sentido, vários trabalhos que discutem a formação deuma incipiente “comunidade global de cortes” que, a partir de um diálogo transnacional,contribuiria decisivamente para a internalização de uma cultura judicial na sociedadeinternacional167.Pode-se inferir, diante do exposto, que a análise da dinâmica entre a constituição

axiológica do ordenamento jurídico internacional e sua especificidade normativa emfunçãodaagendaéessencial para a avaliaçãodos impactosdoaumentodecortes e tribunaisinternacionais sobre esse sistema normativo. Há a necessidade, portanto, de se estudar deformamais precisa qual a inter-relação entre a jurisdicionalização e as duas dimensões oracolocadas. O objetivo da seção que se segue é justamente o de dar conta deste debate. Eleserá feito a partir de considerações de ordem (i) política e (ii) normativa.

Seção II – Jurisdicionalização e Direito Internacional: uma Análise Jurídico-Política

A inserção do movimento de jurisdicionalização do Direito Internacional dentrode um contexto estrutural é, como visto, essencial para a compreensão de seus reaisefeitos sobre o ordenamento internacional. Isso será feito, por um lado, a partir de

164 ABI-SAAB, Georges, Fragmentation or Unification: Some Concluding Remarks, 1999, p. 926, tradução doautor.

165 Ver a discussão sobre normas primárias (regulatórias) e secundárias (constitutivas) na ordem jurídicainternacional, em HART, H. L.A., The Concept of Law, 1994.

166 ABI-SAAB, Georges, Fragmentation or Unification: Some Concluding Remarks, 1999, p. 927.167 Ver, nesse sentido, SLAUGHTER, Anne-Marie, A typology of transjudicial Communication, 1995; e A

Global Community of Courts, 2003.

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190 VANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1

considerações de ordem política, cujo objetivo será o de estabelecer qual o papel dosórgãos judiciais nas relações entre os Estados. Por outro, serão debatidas as repercussõesnormativas desse movimento, para que então se possa refutar a tese da fragmentação etecer algumas considerações finais a respeito do problema.

Título 1 –Órgãos Judiciais Internacionais como Variáveis Intervenientes noJogo Político Internacional

1 - As Implicações Políticas de um Tribunal Internacional não são ApenasExplicados pela Dimensão da Efetividade de suas Decisões

Na esfera internacional, a delegação da autoridade decisória a um terceiroindependente é uma escolha política dos Estados.A legalização é uma das opções que secolocam aos Estados como forma de regulação de seu comportamento, como forma deresposta a uma demanda específica dele decorrente, que envolve, igualmente, interessesde atores domésticos. É importante que se faça, assim, uma análise dos tribunaisinternacionais enquanto instrumentos de ação política, ou seja, instituições capazes decondicionar e modificar o comportamento dos atores.

Quando um problema dessa ordem é colocado, é natural que se tome o cumprimentodas decisões proferidas por esses órgãos como o principal indicador de sua efetividade.Vários argumentos se baseiam, nesse sentido, em dados dessa ordem. Muitos autoresestabelecem, assim, uma relação direta entre (des)cumprimento de sentenças e (in)efetividade do DI. A validade de um indicador como esse não pode, certamente, serdesconsiderada. Mas seu alcance explicativo não deve ser, contudo superestimado. Oque se argumenta, no âmbito desse trabalho, é que o estudo acerca dessa questão precisaser qualificado, para que se avalie de forma menos pontual o papel das cortes e tribunaisinternacionais. Para que se inicie a discussão, será útil um levantamento estatístico feitopelos professores Posner e Yoo, o qual se reproduz a seguir.

Tabela 9 – númeRo de demandas e cUmPRimenTo das senTenças168

CorteAnos de

OperaçãoCasos

ArquivadosEstadosSujeitos

Casos /AnoCasos/

Estado-Anos***

Consetimento /Reputação

TaxaCompleta deConsetimento

Arbitragem — — — 0,15 0,007 Bom 44-94%

PCA 104 33 88 0,32 0,004 — —

PCIJ 26 36 63 1,38 0,022 Ruim/misto —

ICJ- 57 30 62 0,53 0,008 Ruim 40%

Compul.ICJ-outros

57 62 187 1,09 0,017 — 72%

GATT 48 298 128* 6,21 0,05 Misto 38%

ECJ 51 12,800 15 251 17 Bom 82%

168 Fonte POSNER, EricA; eYOO, John C., Judicial Independence in International Tribunals, 2005, p53.

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O Aumento do Número de Órgãos Judiciais Internacionais e suas Repercussõespara a Sociedade Internacional

191

ECHRIACHR

44 24 1000s 32 44 21 — 1,33 — 0,06 Bom/Ruim 80% 4%

WTO 9 313 146 34,7 0,28 Misto 66%*

ITLOS 9 10 145 1,11 0,008 — —

ICC 1 0 92 — — — —

Afirmar, com base nos dados acerca do cumprimento das decisões, se o aumentodo número de cortes e tribunais internacionais implica (ou não) um reforço doDireito Internacional, é algo bastante comum na doutrina. Esse tipo de abordagemdesconsidera, contudo, outros fatores e variáveis envolvidos nesse processo. Anatureza da demanda é uma das variáveis que exerce significativa influência na opçãodo Estado. Basta comparar, por exemplo, uma decisão relativa a Direitos Humanoscom uma sobre Comércio Internacional. No primeiro caso, normalmente o benefíciode sua implementação é concentrado, ou ao menos se pode identificar um indivíduo(ou um determinado grupo social) que será imediatamente atingido. Seus custos, porsua vez, tendem a ser difusos. Por outro lado, quando se trata de uma relação comercial,os benefícios tendem a ser difusos e os custos concentrados. Imagine uma situaçãona qual um Estado deva retirar tarifas abusivas que impõe a um determinado produto.Os benefícios internos dessa ação atingirão aos consumidores do mercado interno(preço menor do produto, decorrente do aumento da oferta resultante de importações),ao passo que os custos se restringirão aos produtores domésticos daquele bem.Considerando que em ambos os casos haja grupos de pressão domésticos relevantes(ativistas de direitos humanos e sindicato de produtores, por exemplo), capazes deinfluenciar na dinâmica eleitoral interna, pode-se afirmar, com alguma segurança,que a implementação da decisão acerca dos Direitos Humanos tende a ser menoscustosa169.Esse é apenas um exemplo do tipo de distorção que uma análise semiótica do

papel das cortes e tribunais internacionais pode causar. A simples criação de umórgão judicial internacional pode ter repercussões relevantes nas arenas doméstica einternacional. Ao resolver ingressar na OMC, por exemplo, um governo pode mitigaros custos de uma redução de tarifas para determinado bem, a qual ele desejava fazermas que se mostrava inviável do ponto de vista estritamente doméstico. Isso porquea decisão de integrar a referida organização teria também efeitos positivos sobreprodutores de vários outros bens, e, o apoio deles diminuiria o impacto da oposiçãodo grupo defensor da política tarifária. Ademais, ao fazê-lo o governo desse Estado“terceiriza” o custo da decisão de retirar as tarifas, na medida em que fora imposta poruma OI (e não por uma decisão unilateral do governo). Mesmo que posteriormenteesse governo opte por descumprir as normas e decisões da OMC em casos específicos,

169 Essa argumentação se coaduna com a idéia de que grupos sociais domésticos exercem influência na opçãopolítica internacional de um determinado Estado. Para um argumento semelhante, ver, GOLDSTEIN, Judith&MARTIN, Lisa. Legalization, trade liberalization, and domestic politics: a cautionary note, 2000.

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não se pode negar que elas modificam os custos políticos (internos e internacionais)da ação desse Estado170.

2 - Jurisdição e Política: os Poderes dos Tribunais Internacionais

Com base nessa constatação, faz-se necessária uma discussão mais detida acercados poderes e implicações políticas que envolvem a criação de uma corte internacional.De uma forma geral, a criação de organizações internacionais cria um arcabouçonormativo minimamente rígido, o qual definirá de forma clara os procedimentos detomada de decisão acerca de uma determinada matéria171. O que se tem, portanto, é adefinição prévia dos interesses políticos que influenciarão decisivamente nas escolhasque serão feitas. Isso cria, portanto, uma situação de estabilização do locus deliberativo,e permite o acesso a grupos que de outra forma talvez não participariam da escolhapolítica172. Organizações Internacionais têm o potencial de assumir, igualmente, umrelevante papel para a formação das normas jurídicas internacionais, na medida emque podem constituir um foro específico para a discussão de tratados internacionais173,ou como um eficaz instrumento de fixação de significados e difusão e consolidaçãode princípios174.Essas considerações teóricas são aplicáveis, certamente, às cortes e tribunais

internacionais. Alvarez destaca, por exemplo, que esses órgãos reduzem custostransnacionais, servem para legitimar determinados interesses estatais, “aumentama sombra do futuro”, facilitam comunicação entre os Estados, coletam e difundeminformação175. Ademais, eles têm repercussões importantes para a reputação deseus integrantes, na medida em que provêem credibilidade e legitimidade das açõesdesenvolvidas de acordo com suas determinações176, além de reduzirem os custos

170 Ver, nesse sentido, LAGE, DélberA., Barganha Doméstica e Política Internacional:APolíticaAgrícola dosEUAe suaAtuação em Fóruns Multilaterais, 2005.

171 O estabelecimento do processo de tomada de decisões é particularmente importante na medida em que ele iráinserir ou excluir determinados grupos na estrutura de custos políticos.Mesmo que umEstado não tenha, porexemplo, grupos deDireitosHumanos capazes de influenciar a opinião pública, quando ele opta por ratificar,por exemplo, a Convenção Americana de Direitos Humanos ele reconhece a competência da Comissão eda Corte. Ele abre espaço, nesse caso, para a participação inclusive de ONGs transnacionais cujo objetivo étrabalhar junto a essas instituições para monitorar o comportamento dos Estados em relação à matéria.

172 Ver, nesse sentido, PROST,Mario; CLARK, Paul K.. Unity, diversity and the fragmentation of internationallaw: howmuch does the multiplication of international organizations really matter?, 2006, pp.348-354.

173 Ver, por exemplo, acerca do trabalho da CDI: FRANCK, Thomas M.; ELBARADEI, Mohamed. Thecodification and progressive development of international law: a unitar study of the role and use of theinternational la commission, 1982; MATHERSON, Michael J. The fifty-eighth session of the InternationalLaw Commission.American Journal of International Law 98, 2007.

174 Ver, nesse sentido, ALVAREZ, José E.. International Organizations: then and now, 2006; BARNETT,Michael N.; FINNEMORE, Martha. The Politics, Power and Pathologies of Internarional Organizations.International Organization, 1999.

175 ALVAREZ, José E., New Dispute Settlers: (Half) Truths and consequences, 2003, p.407.176 Ver, nesse sentido, CARON, David, Towards a Political Theory of International Courts and Tribunals, 2006,

p.410.

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O Aumento do Número de Órgãos Judiciais Internacionais e suas Repercussõespara a Sociedade Internacional

193

de monitoramento pelo descumprimento dos compromissos assumidos, podendo,inclusive, aumentar o custo doméstico decorrente desse curso de ação177.O que se pode concluir, por fim, é que eles definirão, a priori, os limites jurídicos

a partir dos quais se desenvolverá o jogo político. Não se trata, nesse caso, de umaexclusão da política em detrimento do direito, mas sim da utilização deste como formade incentivar um determinado tipo de comportamento178. Helfer e Slaughter destacam,nesse sentido, que a participação dos Estados será incentivada se os custos imediatos deuma eventual condenação forem superados pelos benefícios de longo prazo decorrentesda consolidação de um determinado regime179. Fica corroborada, nesse sentido, a teseanteriormente exposta que afirma que a diferenciação funcional dos órgãos judiciaisinternacionais não só é uma constante do movimento de jurisdicionalização do DireitoInternacional, mas também uma condição necessária para que eles sejam eficazes naconsecução de seus objetivos.Quando se opta pela criação de um mecanismo de solução de controvérsias

relativo a matérias comerciais, por exemplo, não se pode negligenciar o fato de quea liberalização normalmente implica custos concentrados (para aqueles grupos queperderão a proteção das políticas governamentais) e benefícios difusos (para todosaqueles que exportam produtos, para os consumidores nacionais que têm acesso amais bens por um preço menor). Entende-se, a partir dessas considerações, a razãopela qual a OMC produz suas normas multilateralmente mas consagra um mecanismode garantia das decisões de seu órgão de solução de controvérsias que é bilateral180.Os mecanismos criados por esses órgãos, nesse sentido, “alteram os cálculos decusto-benefício da defecção por aumentarem a possibilidade de detecção [dessecomportamento], resolver problemas de interpretação, e garantir as sanções impostasou criar regras diretamente aplicáveis no direito doméstico181”.A dinâmica entre normas jurídicas e política é, portanto, elemento indispensável

para a compreensão do papel dos órgãos judiciais internacionais. Charney nos atenta,por exemplo, para a grande discrepância entre o orçamento da Corte Internacionalde Justiça (US$ 11 milhões) e do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia(US$ 70 milhões182), o que indicaria, em sua visão, a falta de interesse da comunidade

177 Ver, igualmente,ALTER, Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles andTheirImplications for State-IC relations, 2005, p.39.

178 Ver, BRANT, Leonardo Nemer C.,Aautoridade da Coisa Julgada no Direito Internacional Público, 2002, p.371; eCARON,David,Towards a PoliticalTheory of International Courts andTribunals, 2006, pp. 411-422,quando o autor define ummodelo para se analisar os tribunais internacionais como instrumentos estratégicosde limitação de interesses políticos (theory of bounded strategic space).

179 HELFER, Laurence R.; & SLAUGHTER, Anne-Marie, Why States Create International Tribunals: AResponse to Professors Posner andYoo, 2005, p 35.

180 Ver discussão do tópicoA jurisdicionalização não necessariamente implica adoção de padrões mais rígidospara aplicação e implementação das normas internacionais, supra.

181 SMITH, JamesMcCall, The Politics of Dispute Settelment Design: Explaining Legalism in Regional TradePacts, 2000, p.143, pp. 138-139, tradução do autor.

182 Valores de 1998.

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internacional em reforçar o papel da CIJ como uma “Corte Internacional Suprema”183.Fora reforçada, anteriormente, a estreita relação entre a dimensão de acesso e aquantidade de casos em um determinado tribunal, bem como da relação entre autilização de remédios domésticos e o cumprimento das decisões. Deve-se, por fim,destacar o papel da própria jurisprudência na construção de uma imagem sólida dotribunal junto à comunidade internacional. Como ressaltam Keohane, Moravicsik eSlaughter, a decisãodaCIJ no casodasAtividades eParamilitares naNicarágua, quandoa Corte adotou uma posição extremamente extensiva para julgar sua competênciaem relação ao caso (contra os interesses dos EUA), ensejou um substancial aumentonas demandas propostas por países em desenvolvimento184. Concluem, portanto, osautores que é a interação entre direito e política, e não a ação isolada de cada umdeles, que gera decisões e determina sua efetividade185”.

Titulo 2 –Órgãos Judiciais Internacionais como Agentes de ProduçãoNormativa

Ao se conferir a competência para que um tribunal resolva controvérsiasinternacionais de acordo com um conjunto normativo preexistente, automaticamentese confere a ele um mandato implícito para que preencha lacunas e amenize suasambigüidades. Como destacam Helfer e Slaughter, isso dá a esses órgãos ao menosuma mínima capacidade de produção normativa186. Cesare Romano, nesse sentido,afirma que:

“Juízes internacionais estão bem advertidos para o fato de que, aoproferir julgamentos, estão de fato, senão de direito, contribuindopara o desenvolvimento de da ordem legal. Fazendo isso os juízesinternacionais afetam uma comunidade que é realmente muito maiordo que as partes envolvidas na ação187”.

Diante dessa constatação, pode-se formular a tese de que é da tensão entre osinteressesparticulares envolvidosnuma lide eo interessedacomunidade (emsegarantir

183 CHARNEY, Jonathan I., The Impact on the International Legal Systemof theGrowth of InternationalCourtsand Tribunals, 1999, p. 703.

184 KEOHANE, Robert O.; MORAVCSIK, Andrew; & SLAUGHTER, Anne-Marie. Legalized DisputeResolution: Interstate and Transnational, p.480. Para uma consistente análise da ação dos países emdesenvolvimento em relação aos tribunais internacionais, ver ROMANO, Cesare P.R.. Internationaljustice and developing countries: a quantitative analysis; e International justice and developing countries(continued): a qualitative analysis, 2002.

185 KEOHANE, Robert O.; MORAVCSIK, Andrew; & SLAUGHTER, Anne-Marie. Legalized DisputeResolution: Interstate and Transnational, p.488, tradução do autor.

186 HELFER, Laurence R.; & SLAUGHTER, Anne-Marie, Why States Create International Tribunals: AResponse to Professors Posner andYoo, 2005, p. 39.

187 ROMANO, Cesare P.R., The Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of The Puzzle; 1999,p. 751, tradução do autor.

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pelo cumprimento do Direito Internacional um nível de estabilidade e segurança nasrelações internacionais) que se consolida o papel das cortes e tribunais internacionaisenquanto agentes normativos. Para que se possa mostrar sua viabilidade teórica, segueanálise tanto do interesse particular na resolução de conflitos (1) quanto do alcancecomunitário de uma decisão judicial internacional (2).

1 - Interesse Particular na Resolução de Controvérsias como FundamentoImediato da Atuação Jurisdicional

Ao se analisar a dinâmica da delegação na esfera internacional, não se podenegligenciar o fato de que o fundamento primeiro (imediato) para a atuação de cortese tribunais internacionais é a necessidade que os Estados demandantes têm de resolversuas controvérsias.A jurisdição desses órgãos se justifica, nesse sentido, na medida emque responde aos anseios manifestos pelo consentimento dos Estados. Como destacaLeonardo Brant, a autoridade positiva da coisa julgada internacional é claramenteconsensual188. O argumento, nesse sentido, se coaduna com as idéias expostasanteriormente, quando se argumentou que o desenho institucional dos tribunais deve,necessariamente, responder às necessidades e particularidades de cada uma das áreassobre as quais têm jurisdição.A estreita relação entre o consentimento estatal (enquanto manifestação particular

de seu interesse) e o exercício da jurisdição internacional levanta, contudo, umaquestão significativamente complexa para o atual sistema judicial internacional.Considerando-se que (i) esse sistema não é unitário, motivo pelo qual há a concretapossibilidade de conflito de jurisdições189; que (ii) o fundamento imediato da atuaçãojurisdicional é a composição de um determinado conflito; e que (iii) o exercício dessajurisdição é altamente dependente da vontade estatal; o problema que se coloca é o dese determinar qual deve ser o curso de ação caso aconteça, em virtude da provocaçãode um Estado, um conflito entre decisões de tribunais diversos sobre um mesmo casoconcreto.Uma análise mais detida sobre as situações nas quais pode ocorrer esse conflito

extrapola o objetivo desse trabalho. Entretanto, é interessante notar que há três casos emque ele pode ocorrer: (i) conflito entre duas jurisdições compulsórias; (ii) conflito entreduas jurisdições consensuais e (iii) conflito entre uma jurisdição consensual e outracompulsória190. Asolução desses casos perpassa pela equalização entre o consentimento

188 O autor distingue, nesse caso, duas dimensões distintas da coisa julgada. Em sua dimensão negativa, ela setraduz a obrigatoriedade dadecisão emvirtude do caráter jurisdicional da atuaçãodos tribunais internacionais(perspectiva formal). Em sua dimensão positiva, avalia-se a eficácia da sentença a partir da adequação docomportamento das partes ao que fora por ela determinado. BRANT, Leonardo Nemer C., A autoridade daCoisa Julgada no Direito Internacional Público, 2002, p. 255.

189 Ver A natureza do movimento de jurisdicionalização e sua potencial ameaça à unidade do DireitoInternacional, supra.

190 Para uma análise robusta das hipóteses de conflito envolvendo essas situações, ver ROMANO, Cesare P.R.,The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in International Adjudication: Elements for a

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dos Estados para a atuação desses órgãos (e a conseqüente externalização do desejo dever a controvérsia definitivamente decidida) e a indagação se deve ou não ser permitidoque os próprios Estados se valham desse tipo de artifício para criar uma espécie demecanismo informal de revisão de sentenças. O dilema se coloca, então, a partir dadificuldade de se perceber se um conflito como esse gera um reforço da noção dejurisdição internacional (na medida em que os Estados reiteradamente se manifestamno sentido de solucionar a controvérsia) ou se, por outro lado, há um desafio à suaautoridade (uma vez que a constante possibilidade de “revisão informal” de uma decisãointernacional pode gerar nos Estados um sentimento de insegurança jurídica).Quando se tratar de duas jurisdições consensuais, talvez esse dilema seja

solucionado de forma mais simples, na medida em que os interesses envolvidossão quase que circunscritos às duas partes, e, na medida em que ambos optaram porsubmeter a controvérsia a outro órgão não há, pelomenos a princípio, nenhuma ameaçaà segurança jurídica. A situação se mostra mais complexa, contudo, nas situaçõesem que houver conflitos envolvendo pelo menos uma jurisdição compulsória. Duasconsiderações são, nesses casos, relevantes: a primeira refere-se ao fato de quea segunda demanda pode ser iniciada sem o consentimento específico de uma daspartes; e a outra é relativa ao fato de que uma jurisdição compulsória certamente éimbuída de um forte apelo comunitário. Como dito, a solução desse tipo de conflitoenvolve uma série de considerações de ordem estrutural, e não se pode, pelo menosno atual contexto, se estabelecer uma regra geral que consiga dar conta dos problemasdaí resultantes191.

2 - O Interesse Comunitário como Fundamento Mediato da AtuaçãoJurisdicional

A problemática do alcance normativo de uma decisão judicial internacional nãopode, contudo ater-se apenas à dimensão particular da resolução de um dado conflito.Conforme se argumentará, ela deve ser compreendida à luz da necessidade socialde estabilidade e convivência harmônica dos integrantes da sociedade internacional,que, ultimamente, é condicionada pela observação de valores que assumiram statusdiferenciado. A transposição da dimensão inter-partes de uma decisão fora, comprecisão, colocada por Hersch Lauterpacht:

Theory of consent, 2007, pp. 834-844.191 Cesare Romano chega a propor a interação entre três tipos de abordagens: a tecnocrática/legalista; a

sociológica/jurisprudencial e a do não-engajamento/defecção. Essa solução não se mostra, contudo,definitiva, na medida em que não há como se estabelecer um padrão para determinar em que medida serácadaumdeles aplicado.ROMANO,CesareP.R.,TheShift from theConsensual to theCompulsoryParadigmin International Adjudication: Elements for a Theory of consent, 2007, p 867. Leonardo Brant, ao analisara possibilidade de flexibilização do princípio da autoridade da coisa julgada no DI constata, igualmente, atensão entre a necessidade social de solução de conflitos e a demanda por segurança, além de enunciar ocaráter ainda “rudimentar” dos instrumentos disponíveis para tratar da questão. BRANT, Leonardo NemerC.,Aautoridade da Coisa Julgada no Direito Internacional Público, 2002, pp. 379-440.

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“Como cortes nacionais, também os tribunais internacionais, pelaprópria natureza da função judicial, não estão confinados a umaaplicação puramente mecânica da lei. Ao aplicar a regra legalnecessária ao caso concreto, eles criam a norma para o caso individualque lhes fora submetido. A real operação do direito em uma sociedadeé um processo de cristalização gradual da norma abstrata

No direito internacional o escopo desse aspecto da atividade judicialé muito mais amplo; a consciente criação normativa pela legislação,na sociedade internacional, está em um estágio rudimentar, acriação de normas costumeiras é lenta e de difícil identificação, e oprecedente judicial é relativamente raro e de autoridade controversa.(...) Dessa forma, o alcance normativo das decisões judiciais é deespecial importância para o propósito de solucionar as disputas pelodesenvolvimento e adaptação da lei das nações, dentro da órbita dodireito existente, para as novas condições da vida internacional por meiode um processo de interpretação judicial equânime e plausível192”.

Adiscussão do alcance normativo das decisões dos órgãos judiciais internacionaisremete, portanto, à equalização entre a função jurisdicional, o interesse das partesenvolvidas (fundamento imediato) e o interesse social de estabilidade e segurançaenvolvido nessa relação (fundamento mediato). Nas palavras de Leonardo Brant:

“(...) é claro que o caráter obrigatório e definitivo da sentençainternacional encoraja o estabelecimento e a coexistência de umdireito internacional híbrido, a meio caminho entre o voluntarismocontratual e a autoridade hierárquica de um terceiro. Ele reflete assim acontradição atual do direito internacional que aparece em seu conjuntocomo o resultado da dialética entre o movimento que leva os Estados aafirmar sua soberania, e o que os obriga a reconhecer sua necessáriainterdependência. Isto significa que o princípio da autoridade da coisajulgada registra a ambigüidade que leva os Estados a se ater a suaindependência, registrando sua interdependência193”.

A dinâmica entre essas três dimensões se mostra particularmente caracterizadanas discussões acerca do alcance de uma decisão jurisdicional que consagre umanorma de jus cogens ou uma obrigação erga omnes. Por um lado, o postulado doconsentimento estatal para o exercício da jurisdição (interesse imediato) é garantidopelo efeito apenas inter-partes das sentenças. Por outro, a necessidade de observância

192 LAUTERPACHT,Hersch,TheFunctionofLawin the InternationalCommunity, 1933,pp.255-256, traduçãodo autor. Para uma discussão do pensamento de Lauterpacht, ver KOSKENNIEMI, Martti, Lauterpacht:The Victorian Tradition in International Law, 1997.

193 BRANT, LeonardoNemer C.,Aautoridade da Coisa Julgada noDireito Internacional Público, 2002, p. 275,notas de rodapé omitidas.

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das normas que consagrem valores fundamentais da sociedade internacional para quesuas relações se desenvolvam de forma estável e segura se exponencia no carátermediato das provisões judiciais.Do ponto de vista prático, apesar da limitação da obrigatoriedade das decisões

apenas para as partes – o que faz com que esse reconhecimento não alcance, aprincípio os outros Estados – o reconhecimento de uma obrigação erga omnes temuma implicação material significativa. Afinal de contas, trata-se de uma situação naqual um órgão judicial com expertise e legitimidade afirma ser latente a existência deuma norma que, por definição todos devem obedecer. Outros Estados não são, frise-se, obrigados pela sentença. Deve-se salientar, contudo, que a ação de acordo com anorma (cuja existência fora declarada pelo tribunal) é imperativa. A repercussão deuma decisão como essa na sociedade internacional é de tal ordem que os principaisórgãos judiciais internacionais se mostram reticentes ao tratar do assunto, e não hánenhum sinal de homogeneidade nas opiniões doutrinárias a esse respeito194.

Conclusão

Ao se analisar a dinâmica de jurisdicionalização do Direito Internacional, pode-seperceber que ela acompanha o atual estado de maturidade da sociedade internacional–claramente marcado por uma tensão entre o voluntarismo inerente ao atributo dasoberania e a formação de um núcleo duro de valores comunitários que orientam odesenvolvimento das relações na esfera internacional. Por um lado, os Estados aindamantêm um alto nível de controle sobre a atuação das cortes e tribunais internacionais,e não houve nenhum esforço para a construção de um sistema judicial unitário. Poroutro, assiste-se a uma tendência de delegação em várias áreas da agenda internacional,que implica a proliferação de corpos com jurisdição e estrutura funcional diferenciada.Seus efeitos são exponenciados pela adoção do paradigma compulsório e abertura dosprocedimentos à participação de atores não estatais.Quando estudado à luz de considerações de ordem política, esse contexto permite

a inferência de que as cortes e tribunais internacionais reforçam a instrumentalidadedo Direito como uma forma de composição e regulação das relações na esferainternacional. Do ponto de vista jurídico, por sua vez, o que se pode perceber é quea atuação jurisdicional tem sua dinâmica condicionada por um movimento pendular,ora dominado pelo interesse particular, ora impulsionado pelos anseios comunitários.Os tribunais assumem, nesse contexto, um papel cada vez mais significativo, eseus impulsos pela observância das normas e princípios internacionais vão sendoconsubstanciados na crescente afirmação do direito enquanto condicionante estruturaldo comportamento na sociedade internacional.

194 Ver, por exemplo, WEIL, Prosper. Towards relative normativity in International Law?, 1983; e SHELTON,Dinah. Centennial Essay - Normative hierarchy in international law, 2006.

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RefeRências

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Vers une «Déterritorialisation» de l’Interdiction du Recours à la Force dans les Relations

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Vers une «Déterritorialisation» de l’Interdiction du Recours à laForce dans les Relations Internationales?1

olivier corten2

ResumoO presente artigo tem como objetivo discutir e responder, de forma crítica, à

indagação de se estamos indo em direção a uma “desterritorialização” da proibição dorecurso à força nas relações internacionais.

AbstractThis article aims to discuss and respond critically to the question if we are

currently going towards a “deterritorialization” of the prohibition of the use of forcein international relations.

cd

Dans le système de la Charte des Nations Unies, l’interdiction du recours à la forceapparaît intrinsèquement liée à la protection de l’intégrité territoriale des Etats3. Enapplicationdel’article2§4, lesEtatss’abstiennent,«dansleursrelations internationales,de recourir à la menace ou à l’emploi de la force, soit contre l’intégrité territoriale oul’indépendance politique de tout État, soit de toute autre manière incompatible avecles buts des Nations Unies»4. Une lecture des résolutions de l’Assemblée généraleportant interprétation de cette disposition confirme que l’attaque armée est souventcondamnée comme une tentative de s’approprier une partie du territoire d’un autreEtat5, ou à tout le moins de menacer ou remettre en cause les frontières internationales,

1 Le texte qui suit a été rédigé à partir du cours dispensé au mois de juillet 2009 dans le cadre des Cursode Inverno de Direito Internacional, organisés par le Centro didireito internacional (Belo Horizonte),cours intitulé: «Le concept d’intégrité territoriale: aspects contemporains». Je remercie très sincèrement leprofesseur Leonardo Nemer Caldeira Brant pour son invitation et son accueil, ainsi que son équipe (et enparticulier DelberAndrade Lage) pour toute l’aide qu’ils m’ont apportée.

2 Professeur à l’Université libre de Bruxelles. Centre de droit international et de sociologie appliquée au droitinternational

3 Jean Salmon (dir.), Dictionnaire de droit international public, Bruxelles,AUF, 2001, v° intégrité territoriale,p. 592.

4 Nous soulignons.5 Ainsi, par exemple, dans la résolution 2625 (XX) de l’Assemblée générale des Nations Unies, on lit

notamment que «Le territoire d’un Etat ne peut faire l’objet d’une occupationmilitaire résultant d’un emploide la force contrairement aux dispositions de la Charte. Le territoire d’un Etat ne peut faire l’objet d’uneacquisition par un autre Etat à la suite du recours à la menace ou à l’emploi de la force. Nulle acquisitionterritoriale obtenue par la menace ou l’emploi de la force ne sera reconnue comme légale […]». V. aussid’autres extraits cités ci-dessous.

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gages de la stabilité de la société internationale contemporaine6. Parallèlement, l’Etatest traditionnellement associé à un gouvernement souverain exerçant la pleinitude descompétences sur un territoire donné7. La «territorialisation» du pouvoir politique, quis’est développé historiquement avec l’avènement de la modernité, va logiquementde paire avec la protection de la souveraineté territoriale assurée par l’interdiction durecours à la force dans les relations internationales8.Depuis plusieurs années, les sociologues et politologues ont mis en évidence

un phénomène de «déterritorialisation» du pouvoir politique, qui serait l’une descaractéristiques de l’avènement d’une époque postmoderne9. En raison à la fois del’accroissement des compétences des organisations internationales et de la montéeen puissance de certains acteurs privés, chaque Etat a, dans les faits, de moins enmoins la plénitude des compétences sur son territoire10. Les frontières voient leursignification se modifier de manière radicale; alors qu’elles constituaient naguère deslignes précises et identifiées marquant une séparation radicale des pouvoirs étatiquesvoisins ou concurrents, elles tendent progressivement à se réduire à de simplessymboles, l’exercice de compétences extraterritoriales se développant parallèlementaux phénomènes d’intégration régionale11.Cette déterritorialisation progressive se répercute-t-elle sur l’interprétation

généralement admise de la règle de l’interdiction du recours à la force dans les relationsinternationales? 12 C’est à cette question que l’on tentera de répondre dans le cadrede la présente contribution, qui se limitera donc à une analyse du droit internationalpositif existant, et plus spécifiquement à ses évolutions récentes13. A l’analyse, onconstatera que les relations entre l’article 2 § 4 de la Charte et le concept d’intégritéterritoriale se caractérisent par la complexité, l’objet de l’interdiction du recours à laforce n’étant pas—et n’ayant d’ailleurs jamais été— limité à la protection du territoiredes Etats. En ce sens, évoquer une «déterritorialisation» de la règle semble inapproprié,et on le montrera en exposant deux de ses aspects. Tout d’abord, on constatera quel’interdiction du recours à la force a toujours eu un champ d’application très vaste,

6 V. p. ex. C.P.J.I., Affaire du Traité de Lausanne, Série B n°12, pp. 262 et ss.; C.I.J., Affaire du Différendterritorial (Libye/Tchad), Recueil 1994, sp. p. 37.

7 Jean Salmon (dir.), Dictionnaire de droit international public, op.cit., v° Etat, p. 454; dans l’affaire de l’Ilede Palmas, l’arbitre Max Huber a rappelé que «Territorial sovereignty […] involves the exclusive right todisplay the activities of a State»; R.S.A., vol. II, p. 839.

8 V. p. ex. Macolm Anderson, Frontiers, Territory and State Formation in the Modern World, Cambridge,Polity Press, 1996.

9 V. p. ex. Bertrand Badie, La fin des territoires, Paris, Fayard, 1995.10 Jean Salmon, «Le droit international à l’épreuve au tournant du XXIème siècle», Cursos Euromediterraneos

de Derecho Internacional, 2002, vol. VI, pp. 260-261; Serge Sur, «L’Etat entre l’éclatement et lamondialisation», R.B.D.I.,1999, p. 10.

11 V. p. ex. Bertrand Badie, Un monde sans souveraineté, Paris, Fayard, 1999.12 V., dans une perspective parallèle, les réflexions de Hélène Ruiz Fabri, «Immatérialité, territorialité et Etat»,

A.P.D., 1999, pp. 187-213.13 On se limitera donc à une analyse de type formaliste; v. les précisions dans notre ouvrage, Méthodologie du

droit international public, Bruxelles, ed. Université de Bruxelles, 2009, pp. 57 et ss.

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qui couvre le cas de tout attaque d’un Etat contre un autre, même en l’absence de toutfranchissement d’une frontière internationale. Ainsi, l’article 2 § 4 a, dès l’origine, étéconçu de manière relativement «déterritorialisée», ce qui remet en cause la prémissesur laquelle repose la thèse de la déterritorialisation. Est-ce à dire que l’élémentterritorial n’est pas pertinent pour en évaluer la portée? Une telle déduction seraitexagérée, comme on le constatera dans un second temps, dans lequel on montrera que,si le franchissement d’une frontière n’est pas une condition nécessaire à l’applicationde cette règle, un tel franchissement constitue une condition suffisante. Ainsi,contrairement à ce qu’ont pu avancer certains auteurs, on ne peut justifier un recoursà la force par la circonstance que l’Etat qui en est l’auteur n’aurait pas l’intentionde s’approprier ou d’annexer tout ou partie du territoire de l’Etat visé. En ce sens,la protection de l’intégrité du territoire —et donc de l’inviolabilité des frontières—des Etats reste l’une des valeurs —même si elle n’est pas la seule— protégées parl’interdiction du recours à la force dans les relations internationales. De ce point devue non plus, la thèse de la «déterritorialisation» ne résiste pas à l’analyse.

I. La Possibilité d’Appliquer l’Article 2 § 4 de la Charte en l’Absence de ToutFranchissement d’une Frontière Internationale

Dans un schéma classique de l’interdiction du recours à la force, les chosesapparaissent a priori relativement simples. La règle est violée losqu’un Etat franchitune frontière internationale sans pouvoir se fonder ni sur le consentement de l’Etatdont le territoire est touché ni, toujours par hypothèse, sur une résolution du Conseil desécurité ou encore un titre juridique résultant de la légitime défense14. Cette conception,dite objective, a été défendue par de très nombreux Etats lors de l’élaboration de ladéfinition de l’agression15, qui évoque comme premiers exemples en son article 3:

«a) L’invasion ou l’attaque du territoire d’un Etat par les forces arméesd’un autre Etat, ou toute occupation militaire, même temporaire,résultant d’une telle invasion ou d’une telle attaque, ou touteannexion par l’emploi de la force du territoire d’un autre Etat;

b) Le bombardement, par les forces armées d’un Etat, du territoired’un autre Etat, ou l’emploi de toutes armes par un Etat contre leterritoire d’un autre Etat»16.

14 V. p. ex. Ian Brownlie, International Law and the Use of Force by States, Oxford, Clarendin Press, 1968;Christine Gray, International Law and the Use of Force, 3rd ed., Oxford, O.U.P., 2008.

15 V. les extraits reproduits et présentés sur http://www.ulb.ac.be/droit/cdi/Site/Discussionsthematiques.html(résolution 3314 (XXIX); les sites internets cités dans le cadre de la présente étude ont été consultés en avril2010).

16 Définition de l’agression annexée à la résolution 3314 (XXIX) de l’Assemblée générale des Nations Unies.

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C’est sur cette base que la plupart des interventions militaires, y compris récentes,ont été condamnées; on pense à des exemples comme l’invasion du Kowëit par l’Iraken 1990 ou d’une partie de la République démocratique du Congo par le Rwanda etl’Ouganda à partir de 1998, ou les guerres menées contre la Yougoslavie en 1999 oul’Irak en 200317.Doit-on, a contrario, considérer qu’un Etat qui recourt à la force sur son propre

territoire ne peut avoir violé l’interdiction du recours à la force? Plusieurs précédentsrécents pourraient témoigner d’une certaine tendance en ce sens, en tout cas dans lechef de certains Etats. Deux cas de figure peuvent être distingués. Dans le premier,un Etat utilise la force sur une portion de territoire qui fait l’objet d’un différend avecun autre Etat, mais estime qu’il ne peut avoir violé l’article 2 §4, dans la mesureoù cette portion de territoire relève de sa souveraineté. Dans le second, le territoiretouché relève de la souveraineté de l’Etat attaquant sans aucune contestation, ce quipeut a fortiori mener cet Etat à rejeter l’application de l’interdiction du recours à laforce. Pourtant, que ce soit dans l’un (A) ou l’autre cas (B), on peut considérer quel’interdiction du recours à la force trouve bel et bien application, l’Etat intervenantne pouvant se justifier en se contentant d’affirmer, quand bien même il aurait raisonsur ce point particulier, ne faire qu’agir sur son propre territoire. En d’autres termes,dans ces cas de figure comme dans ceux, plus classiques, de franchissement d’unefrontière internationale, les seules justification possibles renvoient aux exceptionsclassiques que sont la légitime défense ou l’action du Conseil de sécurité. Il n’existedonc aucun lien nécessaire entre l’applicabilité de la règle énoncée à l’article 2 § 4 etle franchissement d’une frontière internationale.

A. L’Illicéité de Principe d’un Recours à la Force Réalisé sur un TerritoireContesté

En application de la résolution 2625 (XXV) de l’Assemblée générale des NationsUnies, considérée comme reflétant le droit international coutumier:

«Tout Etat a le devoir de s’abstenir de recourir à la menace ou àl’emploi de la force pour violer les frontières internationales existantesd’un Etat ou commemoyen de règlement des différends internationaux,y compris les différends territoriaux et les questions relatives auxfrontières des Etats»18.

17 V. les références et les commentaires dans notre étude, «La référence au concept d’intégrité territorialecomme facteur de la légitimation de la politique extérieure de l’Union» in Olivier Corten, Le discours dudroit international. Pour un positivisme critique, Paris, Pedone, 2009, pp. 263 et ss.

18 Nous soulignons; principe du non-recours à la force, 4ème considérant.Le considérant suivant étendl’interdiction aux lignes internationales de démarcation, comme on le détaillera plus bas.Cette précisionmontre également que les «relations internationales» au sens de l’article 2 § 4 de la Charte doivent êtreentendues indépendamment de la question du statut territorial de telle ou telle zone contestée.

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Il ne semble faire donc aucun doute, et ceci est confirmé par une pratique bienétablie19, que, même si un Etat est théoriquement dans son droit sur le plan d’un litigeterritorial, il ne peut en principe utiliser la force pour déloger les troupes ou les autoritésd’un autre Etat. En ce sens, l’article 2§4 de la Charte doit être mis directement enrelation avec l’article 2 §3, lequel prescrit le règlement pacifique de tous les différendsinternationaux, sans limitation d’aucune sorte20. Ainsi, même dans son acceptionde 1945, l’interdiction du recours à la force n’apparaît pas intrinsèquement liée aufranchissement d’une frontière internationale.Certains Etats ont récemment semblé se démarquer de cette acception. Dans

l’affaire de la frontière terrestre et maritime, le Cameroun avait accusé le Nigériad’avoir violé l’interdiction du recours à la force en occupant certaines des parcellescontestées qui relevaient de sa souveraineté. Dans son contre-mémoire, le Nigériarépond que:

«Many of the land, lacustrine and maritime areas in which acts arealleged to have taken place which Cameroon regards as engagingthe international responsibility of Nigeria are areas which have at allmaterial times been (and still are) under the sovereignty of Nigeriaand occupied and administered by Nigeria as of right. The presenceof Nigerian civil and military authorities in those areas is thus alegitimate exercise of Nigeria’s sovereignty. No acts or omissions byNigeria in such areas can constitute violations of international treatyor customary law of the kind alleged by Cameroon»21.

L’argument consiste bien à affirmer que, puisque le Nigeria ne ferait qu’exercersa souveraineté sur son propre territoire, il ne peut, par définition, pas avoir violél’interdiction du recours à la force dans les «relations internationales». Dans saréplique, le Cameroun a vigoureusement critiqué ce point de vue, en se prévalantnotamment de l’extrait de la résolution 2625 (XXV) précitée ainsi que du principe durèglement pacifique des différends internationaux22. La Cour internationale de Justicene s’est pas prononcée sur ce point particulier dans son arrêt23, mais il faut relever quele Nigeria lui-même a renoncé à cet argument dans ses plaidoiries24. Ce précédent est

19 V. les affaires deGoa, de la guerre Iran-Irak ou de la guerre desMalouines,mentionnées dansOlivier Corten,Le droit contre la guerre, Paris, Pedone, 2008, p. 207.

20 V. p. ex. Jean Charpentier et Batyah Sierpinski, «Article 2, Paragraphe 3» in Jean-Pierre Cot et Alain Pellet(dir.), La Charte des Nations Unies. Commentaire article par article, 3ème éd., Paris, Economica, 2005, pp.425-427.

21 Contre-mémoire du Nigeria, mai 1999, p. 638, par. 24.33 (disponible sur: http://www.icj-cij.org).22 Réplique de la République du Cameroun, 4 avril 2000, pp. 465 et 468-470.23 C.I.J.,Affaire de la Frontière terrestre et maritime, Recueil 2002, pp. 451-452.24 Dans ses plaidoiries orales, le Nigeria a développé une argumentation plus nuancée, par laquelle il prétendait

que l’article 2 § 4 de la Charte, s’il était applicable, n’avait pas été violé, soit en raison du caractère paisiblede l’occupation des parcelles contestées, soit, lorsqu’il s’est agi de véritables actions armées, en raison du faitqu’elles étaient justifiées par la légitime défense en riposte à certaines incursions de l’armée camerounaises;

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donc loin de consacrer la thèse initiale du Nigeria, basée sur une conception radicalede la compétence territoriale.Plus décisif est le précédent du conflit territorial entre l’Ethiopie et l’Erythrée.

Dans sa décision du 19 décembre 2005 consacrée au jus ad bellum, la commission desréclamations a en effet tenu à préciser de manière très claire qu’elle:

«cannot accept the legal position […] that recourse to force by Eritreawould have been lawful because some of the territory concerned wasterritory to which Eritrea had a valid claim […].In that connection, theCommission notes that border disputes between States are so frequentthat any exception to the prohibition of the threat or use of force forterritory that is allegedly occupied unlawfully would create a large anddangerous hole in a fundamental rule of international law»25.

Il faut noter que l’Erythrée n’avait, pourtant, pas soulevé un argument similaireà celui, pour un temps, retenu par le Nigeria dans le cadre de son différend avec leCameroun. Manifestement, la Commission a entendu, sur ce point, poser un énoncéjurisprudentiel de principe.Une même conclusion peut être déduite de la décision du17 septembre 2007

rendue par le tribunal arbitral dans une affaire ayant opposé le Guyana et le Surinam.Selon le tribunal, des navires du Suriname avaient utilisé la force dans le cadre d’undifférend portant sur des zones maritimes revendiquées par les deux Etats. C’est dansce contexte qu’il affirme qu’il

«[…] does not accept Suriname’s argument that in a maritimedelimitation case, an incident engaging State responsibility in a disputedarea renders a claim for reparations for the violation of an obligationprovided for by the Convention and international law inadmissible. Aclaim relating to the threat or use of force arising from a dispute underthe Convention does not, by virtue of Article 2(3) of the UN Charter,have to be “against the territorial integrity or political independence”of a State to constitute a compensable violation […]. As the Eritrea-Ethiopia Claims Commission explained, if the law recognised such anincompatibility, it would significantly weaken the fundamental rule ofinternational law prohibiting the use of force […]»26.

L’expression soulignéemontre bien que, en réalité, l’interdiction du recours à la forcen’a jamais été liée de manière radicale avec la protection de l’intégrité territoriale des

v. not. la plaidoirie de M.Abi Saab du 15 mars 2002, CR 2002/20, p. 21, par. 13 et les développements quisuivent.

25 PartialAward.Jus contra bellum.Ethiopia’s Claims 1-8, 19 décembre 2005, par. 10.26 Nous soulignons;Arbitral Tribunal Constituted Pursuant toArticle 287, and inAccordance withAnnex VII

of the UN Convention on the Law of the Sea (Guyana and Suriname, 17 September 2007, http://www.pca-cpa.org/showpage.asp?pag_id=1147), par. 423.

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Etats. C’est que, comme on le vérifiera dans l’hypothèse qui sera examinée ci-dessous,cette interdiction couvre toute attaque d’un Etat contre un autre Etat, que ce soit par lebiais d’une remise en cause du territoire de ce dernier ou d’une autre manière.

B. L’Illicéité de Principe d’un Recours à la Force Contre un Autre Etat, AlorsMême que le Territoire de ce Dernier n’a pas Été Atteint

Après avoir évoqué dans ses deux premiers alinéas comme exemples traditionnelsd’agression l’invasion ou le bombardement du territoire d’un autre Etat, l’article 3 dela définition adoptée en 1974 mentionne:

«c) Le blocus des ports ou des côtes d’un Etat par les forces arméesd’un autre Etat;d) L’attaque par les forces armées d’un Etat contre les forces arméesterrestres, navales ou aériennes, la marine ou l’aviation civiles d’unautre Etat».

Dans ces trois cas de figure, le franchissement d’une frontière internationalen’est manifestement pas considéré comme un élément de définition de l’agression,forme aggravée de recours à la force contraire à l’article 2 § 4. Une violation de cettedisposition peut ainsi survenir dans deux principaux cas de figure, dans lesquels leterritoire de l’Etat attaqué n’est pas matériellement atteint.En premier lieu, il se peut qu’un Etat recourre à la force contre un autre dans une

zone qui n’est soumise à aucune juridiction, en particulier la haute-mer et l’espaceaérien qui la surplombe, ou encore dans l’espace qui est soumis à la juridiction d’unEtat tiers. C’est notamment ce que recouvre l’alinéa d) précité, qui recouvre le casd’une attaque de l’aviation ou de la marine d’un autre Etat, où que celle-ci ou cellese situe. Dans l’affaire des Plates-formes prétrolières, la Cour s’est demandée si lesattaques menées contre des navires dans le Golfe étaient susceptibles de justifier undroit de légitime défense dans le chef des Etats-Unis. Si elle a répondu par la négative,ce n’est pas en raison du fait que le territoire des Etats-Unis n’avait pas été atteint,mais parce que ces actes ne revêtaient pas, selon la Cour, le caractère de gravité requispar la définition de l’agression27. L’Iran n’a, quant à lui, jamais prétendu qu’aucuneattaque armée n’aurait pu être établie parce que le territoire des Etats-Unis n’avait pasété touché; il a plutôt nié avoir été l’auteur des attaques28.En deuxième lieu, il est parfaitement envisageable qu’un Etat utilise la force

contre un autre Etat en n’agissant que sur son propre territoire. Le cas de figure le plusévident est la tentative, pour un Etat partiellement occupé, de recouvrir sa souverainetésur l’ensemble de son territoire. Dans ce cas, l’Etat occupé recourt indéniablement àla force contre l’Etat occupant et doit démontrer, pour justifier son action, que celle-ci remplit les conditions d’une légitime défense conformément à l’article 51 de la

27 C.I.J., Recueil 2003, pp. 184 et ss., par. 146 et ss., sp. p. 192, par. 64.28 C.I.J., Recueil 2003, p. 188, par. 54-55, pp. 194-195, par. 70.

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Charte29. De même, si un Etat dont les troupes stationnent sur le territoire d’un autreEtat conformément à un accord viole les termes de cet accord, l’Etat d’accueil pourraitinvoquer la légitime défense contre l’Etat invité30; là aussi, il y aurait indéniablementrecours à la force dans les «relations internationales», et ce alors même qu’aucunefrontière n’a été franchie. En évoquant l’«attaque par les forces armées d’un Etatcontre les forces armées terrestres, navales ou aériennes, la marine ou l’aviationciviles d’un autre Etat», la définition de l’agression ne mentionne aucune condition decet ordre. C’est ce qu’a rappelé la «Mission d’enquête internationale indépendante surle conflit en Géorgie»dans son rapport du mois de septembre 2009:

«Under the Resolution’s Art. 3(d) “an attack by the armed forces ofa state on the land, sea or air forces, or the marine and air fleets ofanother State” “shall qualify as an act of aggression”. The Resolutiondoes not say where the land forces of the victim state must be stationedin order to count as an object of an armed attack. The text cannot beinterpreted narrowly so as to exclude military bases outside the territoryof the victim state, because a systematic interpretation of this provisionshows that land forces outside their own state are the very object of thisprovision. Concerning land forces within the victim state, the provisionof Art. 3(d) of the Resolution would be superfluous, because forceswithin a state’s own territory are already protected by the general ruleprohibiting attacks on foreign territory. This interpretation of Art. 3(d)has been endorsed in case law and scholarship. Protected land forcesabroad include troops lawfully stationed in the territory of the attackerstate. These may constitute the object of an armed attack»31.

En l’espèce, personne n’a d’ailleurs nié que les actions militaires de l’arméegéorgienne contre les militaires russes stationnés en territoire géorgien, si elles étaientavérées, constituaient un recours à la force dans les relations internationales32.Faut-il, pour que l’on puisse établir un recours à la force, que l’attaque ait visé des

organes d’un autre Etat, ou des cibles privées peuvent-elles entrer en considération? Apremière vue, la deuxième branche de l’alternative semble s’imposer. L’article 3d) de ladéfinition précitée mentionne expressément «la marine ou l’aviation civiles d’un autreEtat»33 et, dans l’affaire des Plates-formes, la Cour a estimé que le critère décisif était

29 Onavu que, dans l’article 3a) de la définition de l’agression, on devait qualifier comme telle toute occupationmilitaire, même temporaire.

30 V. l’article 3d) de la définition de l’agression, selon lequel: «L’utilisation des forces armées d’un Etat qui sontstationnées sur le territoire d’un autre Etat avec l’accord de l’Etat d’accueil, contrairement aux conditionsprévues dans l’accord ou toute prolongation de leur présence sur le territoire en question au-delà de laterminaison de l’accord».

31 Independent International Fact-FindingMission on the Conflict in Georgia, Report, September 2009, vol II,pp. 264-265 (disponible surhttp://www.ceiig.ch/; ci-après «Rapport»).

32 V. aussi notre étude, «Le rapport de la Mission d’enquête internationale indépendante sur le conflit enGéorgie: quel apport au jus contra bellum?», R.G.D.I.P., 2010, sous presse.

33 Nous soulignons; texte complet reproduit ci-dessus.

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celui de savoir si les navires concernés battaient pavillon des Etats-Unis34, sans allerjusqu’à inclure dans les actes à prendre en considération ceux qui visaient des bâtiments«appartenant à des intérêts américains»35. Une question plus délicate est celle, non plusdes bâtiments comme les navires ou les aéronefs,mais des individus visés par une attaque.Ceux-ci doivent-ils, pour que l’on puisse invoquer l’article 2 § 4 de la Charte, être desorganes d’un Etat tiers? Ou l’attaque touchant une population civile est-elle susceptibled’entrer dans le champ d’application de cette disposition? Une réponse affirmative à cettedernière question ne saurait faire aucun doute dans les hypothèses, classiques, d’attaquestransfrontières. Certains estiment toutefois qu’il faudrait raisonner autrement si l’attaquereste confinée à l’intérieur du territoire d’un Etat. La Mission d’enquête internationaleindépendante sur le conflit en Géorgie a ainsi écarté toute possibilité d’invoquer lalégitime défense en riposte à une attaque menée par un Etat, sur son propre territoire,contre des personnes privées qui seraient les ressortissants d’un autre Etat:

«The basic argument here is that putting in danger and violating therights of a state’s nationals equals an “armed attack” on those nationals.According to one possible but unconvincing argument, because nationalsconstitute one element of statehood, an “armed attack” on nationals mustbe treated as analogous to an armed attack on territory and is thereforeapt to trigger self-defence. This analogy is not convincing, because puttingin danger or even killing a limited number of persons is not comparablein intensity to an attack on the other state’s territory. Unlike an attackon territory, attacking members of the nation is not apt to jeopardize theindependence or existence of the state»36.

Le raisonnement développé ne nous semble cependant pas très convaincant dans lamesure où, si on pousse sa logique jusqu’au bout, on arrive à un résultat manifestementabsurde et déraisonnable37 au regard de l’objet de l’interdiction du recours à la force.Imaginons en effet un Etat A, sur le territoire duquel vivent un million de ressortissantsd’un Etat B. Dans le contexte d’un différend entre les deux Etats qui s’envenime, l’EtatA utilise la violence contre tous les ressortissants de l’Etat B, en avertissant ce dernierque, s’il ne souscrit pas à ses exigences, il poursuivra son action. Peut-on, dans pareilcas, sérieusement prétendre que l’indépendance de l’Etat B n’est pas atteinte, ou entout cas visée? Il semble bien plus logique de considérer que l’attaque d’un Etat contreun autre Etat peut se traduire par une action contre le territoire, ou contre l’armée,ou encore contre une partie de sa population, qui constitue indéniablement l’un des

34 C.I.J., Recueil 2003, p. 191, par. 64.35 Au contraire de ce que demandaient les Etats-Unis; v. C.I.J., Recueil 2003, p. 191, par. 63.36 Rapport, vol II, pp. 287-288.37 Au sens de l�article 32 de la convention de Vienne sur le droit des traités; v. à ce sujet notre ouvrage,

Méthodologie du droit international, op.cit., pp. 210 et ss.

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éléments constitutifs de l’Etat38. C’est cette même logique que l’on retrouve dans lestextes pertinents, lorsqu’ils mentionnent les navires ou les aéronefs privés, et on ne voitpas pourquoi ce qui est valable pour des bâtiments ne le serait plus pour des personnesphysiques39. Bien entendu, tout dépend des circonstances de l’attaque en cause. Si cetteattaque vise le territoire ou l’armée d’un autre Etat, il ne fait aucun doute qu’elle estdirigée contre cet autre Etat et, à ce titre, qu’elle est couverte par l’article 2 § 4 dela Charte. Si une attaque vise en revanche des particuliers, l’Etat dont ceux-ci ont lanationalité devra montrer, s’il souhaite exercer une légitime défense que, au-delà desparticuliers, c’est bel et bien lui, en tant qu’Etat, qui est visé. Tel est bien le cas dans lasituation hypothétique que l’on vient d’évoquer. En pratique, cependant, on ne connaîtpas de précédent dans lequel un acte de violence visant des ressortissants étrangers aitété assimilé à un recours à la force entre Etats40. En pratique, les actions «en protectionde ressortissants» ont souvent, comme leur nom l’indique, officiellement consistéà tenter de secourir des individus, et non à proprement parler à défendre l’Etat dontces individus avaient la nationalité41. C’est pour cette raison que ces actions ont étécritiquées, l’argument de la légitime défense n’étant pas accepté par la communautéinternationale des Etats dans son ensemble42. Rien ne justifie toutefois que, par principe,on exclue toute possibilité d’invoquer l’interdiction du recours à la force pour la seuleraison que les victimes sont des personnes civiles. Cette conclusion est, nous semble-t-il,valable que l’attaque ait, ou non, été réalisée en franchissant une frontière internationale.Ici non plus, ce dernier élément n’apparaît nullement comme un élément constitutif durecours à la force au sens de la Charte des Nations Unies.

A l’issue de cette première partie de l’exposé, on ne peut que remettre en doutela thèse d’une déterritorialisation récente de l’interdiction du recours à la force, tellequ’elle a été exposée en introduction de cette étude. Dès l’origine, en effet, l’élémentterritorial n’a constitué qu’un élément de la règle, élément que l’on retrouve souvent enpratique, mais qui n’épuise certainement pas la portée de l’article 2 § 4. Celui-ci vised’ailleurs tout recours à la force dans les relations internationales, c’est-à-dire contrel’intégrité territoriale mais aussi, selon le texte de 1945, l’indépendance politique d’unautre Etat, ou encore réalisé de «toute autre manière incompatible avec la Charte desNations Unies». Ces derniers mots attestent la relativité du caractère territorial de laprohibition. Ils ont du reste été invoqués par une partie de la doctrine pour justifier unedéterritorialisation particulièrement poussée, en ce qu’elle impliquerait qu’un recours

38 V. not. James Crawford, The Creation of States in International Law, 2nd ed., Oxford, O.U.P., 2006, pp. 45-95.

39 Antonio Cassese, «Article 51» in J.P. Cot, M. Forteau et A. Pellet (dir.), La Charte des Nations Unies.Commentaire article par article, 3ème éd., Paris, Economica, 2005, p. 1350.

40 V. la pratique commentée dans notre ouvrage précité, Le droit contre la guerre, pp. 788-792 et 803-804.41 V. Tom Ruys, «The ‘Protection of Nationals’Doctrine Revisited», J.C.S.L., 2008, pp. 233-271.42 V. spécialement les récents travaux de la Commission du droit international sur la protection diplomatique;

article 1er du projet d’articles, A/CN.4/L.613/Rev.1, 7 juin 2002, ainsi que Rapport de la C.D.I., 58èmesession, 1er mai-9 juin et 3 juillet-11 août 2006,A/61/10, p. 27, par. 8, ainsi que l’historique des débats ayantprécédé l’adoption de ces textes, relaté dans Le droit contre la guerre, op.cit., pp. 774-777.

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à la force réalisé sans intention de s’approprier tout ou partie du territoire d’un autreEtat ne serait pas contraire à la Charte des Nations Unies. C’est cette thèse qui seraanalysée dans la seconde partie de la présente étude.

II. L’Applicabilité de Principe de l’Article 2 § 4 de la Charte à ToutFranchissement d’une Frontière Internationale

Dans les cas qui seront envisagés ci-dessous, il n’est pas contesté que, par hypothèse,un recours à la force est mené par un Etat sur le territoire d’un autre Etat. Cependant,certains auteurs estiment que, dans l’hypothèse où ce recours à la force serait dépourvude toute visée territoriale—l’Etat touché n’étant pas visé, en tant que tel, par l’attaque—,l’interdiction énoncée à l’article 2 § 4 ne serait pas d’application43. Cette dernière thèsea, depuis bien longtemps, visé les interventions dites «humanitaires», «démocratiques»ou en protection des ressortissants, menées officiellement dans le but de sauver lesvies de personnes victimes de graves violations de droits de l’homme ou menacées del’être44. Plus récemment, elle a aussi consisté à justifier des opérations militaires contredes terroristes situés sur le territoire d’un autre Etat, sans que le territoire de ce dernierne soit visé par l’attaque. Que ce soit dans l’un (A) ou l’autre (B) de ces déclinaisons,cette thèse de la déterritorialisation radicale n’a, à tout le moins à l’heure actuelle, pasété consacrée en droit international positif.

A. L’Illicéité de Principe des Interventions Transfrontières, Même si EllesReposent sur des Motifs Humanitaires, Démocratiques ou de Protection desRessortissants

La doctrine favorable au droit d’intervention humanitaire ou démocratique s’appuiesur un raisonnement mené a contrario: puisque l’article 2 § 4 interdit les recoursà la force contraire à l’intégrité territoriale ou l’indépendance politique d’un Etat,il n’interdit pas les actions militaires dont les objectifs sont conformes à la Charte,en particulier la défense des droits de l’homme. Il suffirait donc, même si cela nes’avère pas toujours aisé, de montrer que l’Etat intervenant n’a pas pour objectif ni des’approprier une partie du territoire d’un autre Etat, ni de renverser son gouvernement,pour démontrer la licéité de son action45.

43 V. p. ex. Julius Stone, Aggression andWorld Order. ACritique of United Nations Theories of Aggression,London, Stevens & Sons Limited, 1958, p. 95; Fernando R. Teson, Humanitarian Intervention.An Inquiryinto Law andMorality, 2nd ed., NewYork, Transnational Publishers, 1997, pp. 150-151; Brian D. Lepard,Rethinking Humanitarian Intervention, Pennsylvania, Pennsylvania Univ. Press, 2002, pp. 344-345.

44 On ne se prononcera pas sur la crédibilité de la motivation humanitaire (v. à cet égard Ryan Goodman,‘Humanitarian Intervention and Pretexts forWar»,A.J.I.L., 2006, pp. 107-141). Par hypothèse, on postuleraque cette motivation est sincère; en tout état de cause, comme on le constatera, cette question n’a pas d’effetjuridique particulier, l’intervention humanitaire étant par principe contraire à la Charte des Nations Unies.

45 V. les auteurs cités ci-dessus, note 41.

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Ce raisonnement n’a que très peu convaincu, qu’il s’agisse de la doctrine46, de lajurisprudence47, ou surtout les Etats. On ne peut, en effet, éluder le principe bien établide l’exclusivité des compétences territoriales de chaque Etat, qui découle directementde son indépendance politique, principe d’exclusivité qui est indéniablement atteinten cas d’action militaire transfrontière non consentie48. Cette applicabilité de principede l’article 2 § 4 à tout franchissement d’une frontière internationale ressort d’ailleursde plusieurs résolutions de l’Assemblée générale portant interprétation de cettedisposition49, et avait été affirmé dès les travaux préparatoires de la Charte50. Le débata été relancé dans les années 2000, à la suite de la crise du Kosovo et de la guerre quien a résulté51. Et il a donné lieu à des prises de position très fermes d’une très grande

46 V. p. ex. Robert Kolb, Ius contra bellum. Le droit international relatif au maintien de la paix, 2ème éd.,Bruxelles, Bruylant, Bâle, Helbing Lichtenhahn, 2009, pp. 250-251; Simon Chesterman, Just War of JustPeace?Humanitarian Intervention and International Law, Oxford, O.U.P., 2001, pp. 48-52; Olivier Cortenet Pierre Klein, Droit d’ingérence ou obligation de réaction?, 2ème éd. 1996, Bruxelles, Bruylant, pp. 163-164; Olivier Paye, Sauve qui veut? Le droit international face aux crises humanitaires, Bruxelles, Bruylant,1996, pp. 130-131.

47 La Cour internationale de Justice a, dans un célèbre obiter dictum consacré au droits de l’Homme, affirmétrès généralement que «l’emploi de la force ne saurait être la méthode appropriée pour vérifier et assurer lerespect de ces droits» (C.I.J., Affaire desActivités militaires, Recueil 1986, p. 134, par. 268). V. aussi C.I.J.,Affaires relatives à la Licéité de l’emploi de la force, ordonnances du 2 juin 1999, (Yougoslavie c. Belgique),par. 17.

48 V. p. ex. Oscar Schachter, «The Legality of Pro-Democratic Invasion», A.J.I.L., 1984, p. 649; NatalinoRonzitti, Rescuing NationalsAbroad ThroughMilitary Coercion and Intervention on Grounds of Humanity,Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1985, p. 8; Michael Akehurst, «Humanitarian Intervention» in Hedley Bull(Ed.), Intervention inWorld Politics, Oxford, Clarendon Press, 1984, p. 105.

49 En application de la résolution 2625 (XXV) de l’Assemblée générale, «Tout Etat a le devoir de s’abstenirde recourir à la menace ou à l’emploi de la force pour violer les frontières internationales existantes d’unautre Etat ou comme moyen de règlement des différends internationaux» (nous soulignons). Dans le mêmesens, la définition de l’agression annexée à la résolution 3314 (XXIX) de l’Assemblée générale définit cettenotion comme «l’emploi de la force armée contre la souveraineté, l’intégrité territoriale ou l’indépendancepolitique d’un autre Etat, ou de toute autre manière incompatible avec la Charte des Nations Unies» (noussoulignons). Dans le même sens encore, la résolution 42/22 énonce très généralement que les Etats «ontle devoir de s’abstenir de toute intervention armée et de toute autre forme d’ingérence ou de toute menacedirigée contre la personnalité d’un Etat ou contre ses éléments politiques, économiques ou culturels»(Principe I, 7 de la résolution). V. la clause, contenue dans certaines résolutions relatives à l’assistancehumanitaire, selon laquelle «la souveraineté, l’intégrité territoriale et l’unité nationale des Etats doivent êtrepleinement respectées, conformément à la Charte des Nations Unies» (résolutions 43/131, adoptée sans votele 8 décembre 1988, 45/100, 45/101 et 45/102, adoptées sans vote le 14 décembre 1990).

50 U.N.C.I.O., vol. 4, p. 3; U.N.C.I.O., vol. 6, pp. 340 et 729..V. not. Emile Giraud, «L’interdiction du recoursà la force.La théorie et la pratique des Nations Unies », R.G.D.I.P., 1963, pp. 512-513; C.H.M. Waldock,«The Regulation of the Use of Force by Individual States in International Law», R.C.A.D.I., 1952, II, tome81, p. 493; Simon Chesterman, Just War of Just Peace?Humanitarian Intervention and International Law,op.cit., pp. 49 et ss.; Ian Brownlie, «The Use of Force in self-Defence», B.Y.B.I.L., 1961, pp. 233-236;John F. Murphy, The United States and the Rule of Law in InternationalAffairs, Cambridge, C.U.P., 2004,p. 159; Ian Brownlie and C.J. Apperley, «Kosovo Crisis Inquiry: Memorandum on the International LawAspects», I.C.L.Q., 2000, pp. 884-885, par 33-36; Olivier Corten, Le droit contre la guerre, op.cit., pp. 748-749.

51 V. p. ex. John Currie, «NATO’s Humanitarian Intervention in Kosovo: Making or Breaking InternationalLaw?», C.Y.I.L., 1998, p. 305; Romualdo Bermejo Garcia, «Cuestiones actuales referentes al uso de la

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majorité d’Etat qui ont tenu à condamner toute velléité de remettre en cause le droitinternational de la Charte, comme en témoignent les déclarations du «groupe des 77»52,du «mouvement des non-alignés»53 ou de l’oganisation de la conférence islamique54,mais aussi de nombreux Etats occidentaux55 ou latino-américains56, lesquels ont réitéréleur refus d’admettre le concept de droit d’intervention humanitaire ou démocratique.Il est vrai que, en septembre 2005, le concept de «responsabilité de protéger» a étéadmis par l’Assemblée générale des Nations Unies57. Mais cette acceptation n’a étérendue possible que par une définition qui exclut tout droit d’action militaire sans leconsentement de l’Etat ou une autorisation du Conseil de sécurité58. Parallèlement,

fuerza en el Derecho Internacional», Ann.Der.Int., 1999, p. 64; Dino Kritsiotis, «The Kosovo Crisis andNATO’s application ofArmed Force against the Federal Republic ofYugoslavia», I.C.L.Q., 2000, pp. 357-358.

52 «[t]he Ministers stressed the need to maintain clear distinctions between humanitarian assistance and otheractivities of the United Nations. They rejected the so-called right of humanitarian intervention, which has nobasis in the UN Charter or in international law » (Declaration given on the occasion of the 35th anniversaryof the creation of the «Group of 77»; http://www.g77.org, par. 69-70); v. aussi Déclaration du Sommet dusud, adoptée par les chefs d’Etats et de gouvernement des pays membres du Groupe des 77 réunis à LaHavane, 14 avril 2000, annexé à la lettre datée du 5mai 2000, adressée au président de l’Assemblée généralepar le Représentant permanent du Nigéria auprès de l’ONU;A/55/74, 12 mai 2000, par. 54.

53 «We also reiterate our firm condemnation of all unilateral military actions including those made withoutproper authorization from theUnitedNations Security Council […]which constitute acts of aggression andblatant violations of the principe of non-intervention and non-interference» (Final Document, MinisterialConference, Cartagena (Columbia) 8-9 avril 2000, par. 11; http://www.nam.gov.za/xiiiminconf/); v. aussiDéclaration adoptée à la suite du XIIème sommet à Durban, 3 septembre 1998, par. 63, http://www.nam.gov.za/xiisummit/index.html).

54 «[i]t affirmed its rejection of the so-called right to humanitarian intervention under whatever name orfrom whatever source, for it has no basis in the Charter of the United Nations or in the provisions ofthe principles of the general international law» (Final Communiqué of the 27th session ot the IslamicConference of Foreign Ministers, Kuala Lumpur, Malaysia, http://www.oic-oci.org/index.asp, par. 79); v.aussi Final Communiqué of the 9h session ot the Islamic Conference of Heads of States, Doha (Qatar),12-13 November 2000, par. 88, et ICFM/28-2001/FC/Final, Final Communiqué of the 28th session of theIslamic Conference of Foreign Ministers, Bamako (Republic of Mali), 25-27 June 2001.

55 V. les positions de la France (La France, les Nations Unies et l’année 2005, p. 20, http://www.diplomatie.gouv.fr, consulté en septembre 2006), de la Norvège (A/59/PV.88, 7 avril 2005, p.14), de la Russie (A/59/PV.87, 7 avril 2005, pp. 6-7), de Saint-Marin (A/59/PV.86, 6 avril 2005, p. 26), de la Suisse (Missionpermanente de la Suisse auprès des Nations Unies, 59ème session de l’A.G., consultations informelles,point 45 et 55 de l’ordre du jour, Rapport du Secrétaire général: dans une liberté plus grande; Cluster II:Vivre à l’abri de la peur; Déclaration de S.E. M. Peter Mauer, représentant permanent de la Suisse auprèsdes Nations Unies, NewYork, le 21 avril 2005; v. déjà les notes circonstanciées rédigées par la Direction dudroit international public des autorités suisses («La pratique suisse enmatière de droit international public»,R.S.D.I.E., 1994, pp. 624-627; R.S.D.I.E., 2002, pp. 636-642), de l’Ukraine (A/60/PV.11, 18 septembre2005, p. 20).

56 V. p. ex. les Etats du «groupe de Rio»; U.N.G.A., Exchange of views on the President’s draft outcomedocument of the High-level Plenary Meeting of the General Assembly of September 2005 (A/59/HLPM/CPR.1), Statement by theArgentine Delegation (on behalf of the Rio Group), http://www.reformtheun.org.

57 A/RES/60/1, 24 octobre 2005, par. 138 et 139.58 Selon les termes du paragraphe 139, «[…] nous sommes prêts à mener en temps voulu une action collective

résolue, par l’entremise du Conseil de sécurité, conformément à la Charte, notamment son Chapitre VII,au cas par cas et en coopération, le cas échéant, avec les organisations régionales compétentes, lorsque ces

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il faut rappeler que l’intervention humanitaire ou démocratique a été condamnée àl’occasion de précédents particuliers, qu’il s’agisse de la guerre contre la Yougoslaviedans le premier cas59, de celle contre l’Irak dans le second60.La position de la Mission d’enquête sur le conflit en Géorgie mérite, à ce stade,

d’être mentionnée, en guise d’exemple de confirmation récente du droit existant. Toutd’abord, son rapport reprend une condamnation sans équivoque de la doctrine du droitd’intervention humanitaire:

«Under international law as it stands, humanitarian interventions arein principle not admissible and remain illegal. The intense scholarlyand inter-state debate in the aftermath of NATO’s Kosovo interventionof 1999 has not yet led to a development of international law in favourof unilateral humanitarian interventions without a Security Councilmandate. State practice and opinio iuris do not support the claimsscholars have made in favour of a rule on humanitarian interventionwithout a Security Council mandate, and the law has not developedin the direction of the experts’ proposals, however morally desirablesuch a rule might be. The cautious endorsement of the concept of“responsibility to protect” by international actors barely affected thelaw on unilateral interventions, because the “responsibility to protect”was quickly limited to UN-authorized operations. So the potentially

moyens pacifiques se révèlent inadéquats et que les autorités nationales n’assurent manifestement pas laprotection de leurs populations contre le génocide, les crimes de guerre, le nettoyage ethnique et les crimescontre l’humanité» (nous soulignons); v. aussi la résolution 1674 (2006), adoptée le 28 avril 2006 par leConseil de sécurité; comp. Carsten Stahn, «Responsibility to Protect: Political Rhetoric or Emerging LegalNorm?», A.J.I.L., 2007, p. 109, ainsi que pp. 119-120 et les déclarations adoptées postérieurement à larésolution 60/1 par unemajorité d’Etats, comme lemouvement des non-alignés (Statement byRastamMohdIsa, Permanent Representative of Malaysia to the U.N., in his capacity as Chairman of the CoordinatingBureau of the NAM, on behalf of the NAM, at the 4th Informal Meeting of the Plenary of the 59th Sessionof the General Assembly, 27 January 2005, par. 16, http://www.int/malaysia/NAM) ou le groupe de Rio(U.N.G.A., Exchange of views on thePresident’s draft outcomedocument of theHigh-level PlenaryMeetingof the GeneralAssembly of September 2005 (A/59/HLPM/CPR.1), Statement by theArgentine Delegation(on behalf of the Rio Group), http://www.reformtheun.org).

59 V. not. la déclaration du «Groupe de Rio» du 25 mars 1999 (GRIO/SPT-99/10; transmis au Conseil desécurité par le représentant permanent du Mexique par une lettre du 26 mars 1999, A/53/884-S/1999/347,26 mars 1999), ainsi que celle du mouvement des non-alignés (Statement by the NAM on the situationin Kosovo, Federal Republic of Yugoslavia, 9 April 1999; http://www.nam.gov.za). V. aussi les positionsprises individuellement par des Etats comme la Colombie (A/54/PV.35, 20 octobre 1999, p. 11), la Chine(ibid., p. 13), le Sénégal (A/54/PV.36, 20 octobre 1999, p. 11), la Malaisie (ibid., p. 2, ainsi queA/55/PV.16,15 septembre 2000, p. 7, en particulier dans la version anglaise), le Brésil (A/54/PV.4, 20 septembre 1999,pp. 5 et 8), de la Géorgie (A/54/PV.4, 20 septembre 1999, pp. 24-25 et 26) et le Vietnam (A/54/PV.15, 25septembre 1999, p. 18).

60 V. p. ex. S/PV.4625 (Resumption1) (16 octobre 2002), position de l’Iran; S/PV.4625 (Resumption 2) (17octobre 2002), positions duVietNamet de laMalaisie; S/PV.4709 (18 février 2003), position du représentantde la Ligue des Etats arabes (v. aussi la position du Yemen); S/PV.4709 (Resumption 1) (19 février 2003),positions de l’Inde et du Zimbabwe; S/PV.4714 (7mars 2003), position de l’Allemagne; S/PV.4717 (11mars2003), positions de l’Afrique du sud, de la Ligue des Etats arabes et de la Libye; S/PV.4721 (19 mars 2003),position de la Russie; S/PV.4726 (26 mars 2003),…

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emerging international principle of a “responsibility to protect” onlyallows humanitarian actions authorized by the Security Council, (if atall)»61.

LaMission relève que la Russie elle-même, si elle a dénoncé la répression dont ontété victimes les civils en Ossétie du sud et a évoqué la «responsabilité de protéger»,n’a jamais prétendu en déduire un titre juridique pour intervenir militairement enGéorgie62. Dans la même perspective, le fait que la Russie n’a pas invoqué à ce titrela doctrine de la protection des ressortissants n’empêche pas la Mission de rappelerl’invalidité de cet argument:

«Some scholars have argued that there is a customary law entitlement torescue own nationals abroad. However, state practice and opinio iuris donot support a specific right to intervention in order to protect or rescue ownnationals abroad as an independent legal title in itself. On the contrary,states have consistently rejected such a specific title to intervention. Thosestates which did undertake such actions in order to protect or rescue theirnationals always relied on other grounds to justify their behaviour, e.g.on self-defence (see also below). Therefore, no specific customary lawentitlement to protect or rescue own nationals abroad exists»63.

La Mission réserve cependant l’hypothèse d’une action coercitive extraterritorialetellement limitée dans sa portée et ses effets qu’elle ne constituerait pas un «recoursà la force» au sens de l’article 2 § 4. Il faut en effet rappeler, au vu d’une pratiqueinternationale bien établie, que toute mesure de violence physique n’entre pasnécessairement dans le champ d’application de cette disposition64. Un enlèvementréalisé sur le territoire d’un Etat tiers sans son autorisation, le franchissement d’unefrontière internationale par un agent poursuivant un délinquant en violation du régimeconventionnel de coopération policière ou judiciaire en vigueur, l’arraisonnement d’unnavire en violation des règles applicables du droit de la mer, ou encore l’interceptiond’un aéronef entré sans autorisation dans l’espace aérien d’un Etat, constituent autantd’exemples attestant cette possibilité65. Dans chacune des hypothèses qui viennent

61 Rapport, vol. II, p. 284.62 Comp. les accusationsde«génocide»avancéespar le président de laRussie (Statement byPresident ofRussia

Dmitry Medvedev, August 26, 2008, http://eng.kremlin.ru/speeches/2008/08/26/1543_type82912_205752.shtml) et la lettre envoyée auConseil de sécurité s’appuyant sur l’article 51 de la Charte (S/2008/545, 11 août2008), ainsi que les précisions juridiques transmisions à la Mission à la demande de cette dernière; Rapport,vol. III, pp. 437-438.

63 Rapport, vol. II, p. 286. Cette vision était défendue par la Géorgie devant la Mission; Rapport, vol. III, pp.229-230, ainsi que 241-243.

64 Le droit contre la guerre, op.cit., pp.68-85.65 Ibid. Ainsi, par exemple, dans l’affaire Eichmann, les débats n’ont pas porté sur une violation de l’article

2§4 de la Charte de la part d’Israël mais bien d’une violation de la souveraineté de l’Argentine; résolution138 (1960) du 23 juin 1960, ainsi S/PV.865, 22 juin 1960, ; S/PV.867, 23 juin 1960, S/PV.868, 23 juin 1960.

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d’être mentionnées, il n’y aura recours à la force dans les relations internationalesque si la mesure coercitive considérée s’inscrit dans le cadre d’une action militairemenée par un Etat à l’encontre d’un autre Etat66. L’élément intentionnel joue donc uncertain rôle dans la question de l’applicabilité du jus contra bellum67. L’intention dontil s’agit de vérifier l’existence est cependant celle de viser à attaquer un autre Etat,quelles que soient par ailleurs les motifs, humanitaires, démocratiques ou autres, decette attaque68. Si cette intention est absente, la licéité de la mesure coercitive en causedevra être mesurée à l’aune des règles particulières de jus dispositivum applicables,qu’il s’agisse de régimes conventionnels de coopération, du droit de la mer ou du droitinternational aérien, selon les cas. Si cette intention est bel et bien présente, c’est àune interprétation de l’interdiction énoncée à l’article 2 § 4 et de ses exceptions qu’ilfaudra se livrer pour appréhender la conformité de l’intervention militaire au droitinternational. Et, dans ce contexte, les motivations, par hypothèse légitimes (fairerespecter les droits de l’homme, établir un gouvernement démocratique, sauver sesressortissants), de l’Etat attaquant, seront sans pertinence aucune.

Ainsi, si nous avons vu dans la première partie de cette étude que la conditiondu franchissement de la frontière ne constitue pas une condition nécessaire del’applicabilité de l’article 2 § 4 de la Charte, cette condition semble, sauf le casexceptionnel d’une action coervitive extrêmement limitée, suffisante. Cette conclusionse confirme au vu d’un autre débat, que nous aborderons brièvement dans la suite del’exposé: celui des actions militaires transfrontières officiellement justifiées par lalutte contre le terrorisme.

B. L’Illicéité de Principe des Interventions Transfrontières, Même si EllesReposent sur les Nécessités de la Lutte Contre le Terrorisme

On sait que, surtout depuis le 11 septembre 2001, une partie de la doctrine a estiméqu’il convenait d’interpréter avec davantage de souplesse le régime du jus contrabellumétabli dans la Charte des Nations Unies, en 194569. Dans ce contexte, certainsauteurs ont considéré que, au nom de la légitime défense, un Etat pouvait attaquerdes bases terroristes, y compris sur le territoire d’un Etat tiers, sans que l’on doiveconclure à une violation de l’article 2 § 4 de la Charte. En effet, dans la mesure où

V., dans le domaine maririme, T.I.D.M., Affaire du Navire Saiga (Saint Vincent et Grenadines c. Guinée),décision du 4 décembre 1997, par. 155-159.

66 Le droit contre la guerre, op.cit., pp. 86-99.67 Cet élément intentionnel trouve une trace dans l’affaire des Plates-formes pétrolières, la Cour estimant

qu’«[i]l n’est pas démontré que le mouillage de mines auquel se serait livré l’Iran visait précisément, à uneépoque où l’Iran était en guerre avec l’Iraq, les Etats-Unis; de la même manière, il n’a pas été établi que lamine heurtée par le Bridgeton avait été mouillée dans le but précis d’endommager ce navire ou d’autresnavires américains» (C.I.J., Recueil 2003, p. 192, par. 64).

68 Le droit contre la guerre, op.cit., pp. 99-111.69 V. p. ex. Michaël N. Schmitt, Counter-Terrorism and the Use of Force in International Law, Garmisch-

Partenkirchen, TheMarshall Center Papers, N°5, 2002.

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l’action antiterroriste ne serait pas dirigée contre un autre Etat, mais bien contre lesterroristes qui y auraient trouvé refuge, celle action ne serait tout simplement pasinterdite par la Charte70.Une telle argumentation soulève d’emblée un problème d’ordre logique, car

de deux choses l’une. Soit l’action militaire considérée est menée par un Etat sansatteindre le territoire ou les agents d’un autre Etat et, en effet, l’article 2 § 4 estinapplicable. Soit un autre Etat est atteint par l’action et, dans ces cas, l’Etat victimepeut se prévaloir de la protection de cette disposition, laquelle garantit en tout état decause le respect de ses frontières internationales71. En réalité, si l’on se trouve biendans la deuxième branche de l’alternative, l’argument des nécessités de la lutte contrele terrorisme butte sur les mêmes obstacles que ceux déjà évoqués au sujet du droitd’intervention humanitaire ou démocratique: la légitimité d’un motif ne peut, en tantque telle, justifier un recours à la force. Aucune exception ne peut être déduite destextes récents, comme l’illustrent les articles 21 et 22 de la Convention internationalepour la répression des actes de terrorisme nucléaire, adoptée en 2005 dans le cadredes Nations Unies, soit bien après le 11 septembre 2001 et les débats qui se sontdéveloppés à sa suite:

«Les États Parties s’acquittent des obligations découlant de la présenteConvention dans le respect des principes de l’égalité souveraine et del’intégrité territoriale des États, ainsi que de celui de la non-ingérencedans les affaires intérieures des autres États»

«Aucune disposition de la présente Convention n’habilite un État Partieà exercer sur le territoire d’un autre État Partie une compétence ou desfonctions qui sont exclusivement réservées aux autorités de cet autreÉtat Partie par sa législation nationale»72.

Les termes de la première de cette disposition sont clairs. Le principe de l’intégritéterritoriale, tel qu’il est notamment énoncé dans l’article 2 § 4 de la Charte, continueà s’appliquer, même dans le cadre de la lutte contre le terrorisme. On ne peut doncprétexter des nécessités engendrées par cette dernière pour mener une opérationmilitaire transfrontière en dehors du cadre de la coopération prônée par tous lestextes en vigueur. Quant à l’article 22, il montre bien que l’argument, parfois évoqué,de l’«Etat défaillant» — failed State, selon la formule originale en anglais — ne peut êtreaccueilli73. Même si le gouvernement d’un Etat peut avoir vu son autorité sur le terrain

70 V. p. ex. Pierre Michel Eisemann, «Attaques du 11 septembre et exercice d’un droit naturel de légitimedéfense» in K Bannelier et al (dir.), Le droit international face au terrorisme, Paris, Pedone, 2002, p. 245;Thomas Franck, «Terrorism and the Right of Self-Defense» ,A.J.I.L., 2001, p. 841.

71 V. les sources citées ci-dessus, dans le cadre du débat sur l’intervention humanitaire ou démocratique.72 http://untreaty.un.org/French/Terrorism.asp73 V. à ce sujet Claus Dieter Classen, «’Failed States’ and the Prohibition of the Use of Force» in S.F.D.I., Les

nouvelles menaces contre la paix et la sécurité internationales, Paris, Pedone, 2004, pp. 129-139, sp. pp. 133

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se réduire de manière considérable, il peut toujours, à tout le moins, recevoir unedemande en provenance de la part d’un autre Etat de franchir sa frontière en vuede mettre fin aux activités criminelles de groupes terroristes qui y développeraientleurs activités74. Ainsi, chaque Etat peut toujours se prévaloir de la pleinitude descompétences exécutives qui, en théorie, relèvent exclusivement de sa compétence.Une action antiterroriste menée sans avoir obtenu, ni le cas échéant avoir même tentéd’obtenir, le consentement de l’Etat concerné, apparaît donc comme incompatibleavec le respect de son intégrité territoriale et de son indépendance politique. Commel’ont rappelé les Etats à l’occasion du 60ème anniversaire de la Charte des NationsUnies, «la coopération internationale en matière de lutte contre le terrorisme doits’exercer dans le respect du droit international, notamment de la Charte […]»75.Tout cela ne signifie pas que le droit international positif existant exclue toute

possibilité de riposte militaire contre le terrorisme, y compris dans les relationsinternationales. Tout d’abord, il faut rappeler l’hypothèse, certes exceptionnelle,d’une action de police tellement limitée que, dans le contexte dans lequel elle estmenée, elle n’est pas assimilable à un recours à la force au sens de l’article 2 § 476.L’enlèvement d’un dirigeant d’une organisation terroriste réfugié à l’étranger, ou uneaction-éclair menée contre un terroriste qui s’opérerait sans bombardement, tir massif,et également sans causer de dommage matériel ni de victime au préjudice d’un autreEtat, est susceptible de cadrer avec ce cas de figure77. On doit donc exprimer le mêmetempérament que celui opéré au sujet de l’intervention humanitaire ou démocratique,avec il est vrai les mêmes limites, tant ce cas de figure risque de rester théorique. Endeuxième lieu, et ceci peut en revanche trouver des illustrations dans la pratique, ilfaut rappeler que l’applicabilité de l’interdiction du recours à la force n’équivaut pasnécessairement à sa violation. Il existe en effet des exceptions prévues dans la Charte,qui peuvent indéniablement trouver application dans le cadre de la lutte contre leterrorisme. Le Conseil de sécurité peut ainsi, au nom du maintien de la paix et de lasécurité internationale, autoriser une action visant des groupes terroristes, comme ill’a fait enAfghanistan depuis la fin de l’année 200178. Par ailleurs, la légitime défensepeut toujours être invoquée, étant entendu que, en tant qu’exception à l’interdiction durecours à la force énoncée à l’article 2 § 4, elle ne s’applique que dans les relations entre

et 138-139, ainsi que Robin Geiss, «Failed States — Legal Aspects and Security Implications», G.Y.I.L.,2004, pp. 498-500; Gérard Cahin, «L’Etat défaillant en droit international: quel régime pour quelle notion?»in Droit du pouvoir, pouvoir du droit.Mélanges offerts à Jean Salmon, Bruxelles, Bruylant, 2007, pp. 177-209.

74 Le droit contre la guerre, op.cit., p. 233.75 A/60/1, par. 85.76 V. ci-dessus.77 V. nos développements dans Le droit contre la guerre, op.cit., pp. 111-121.78 V. résolution 1386 (2001) du 20 décembre 2001, par. 1, ainsi que nos commenataires dans «Vers un

renforcement des pouvoirs du Conseil de sécurité dans la lutte contre le terrorisme?» in K. Bannelier, Th.Christakis, O. Corten et B. Delcourt (dir.), Le droit international face au terrorisme, Paris, Pedone, 2002, pp.259-278.

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Vers une «Déterritorialisation» de l’Interdiction du Recours à la Force dans les Relations

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Etats79. La Cour internationale de Justice l’a rappelé dans sa jurisprudence récente, enparticulier dans son avis sur le Mur80. Si un Etat lutte contre le terrorisme sans toucherun autre Etat, il peut se prévaloir de sa souveraineté territoriale et de ses compétencesexécutives, sans devoir invoquer aucune exception particulière81. Si, en revanche, sonrecours à la force touche matériellement un autre Etat, il doit pouvoir invoquer lalégitime défense contre cet autre Etat, et pas seulement à l’encontre du groupe terroristequi y aurait trouvé refuge82. Rappelons à cet égard que l’article 3g) de la définitionde l’agression retenue en 1974 qualifie comme telle l’envoi par un Etat de bandesarmées qui se livrent à une action assimilable à une agression contre un autre Etat,ou l’«engagement substantiel» dans une telle action83. Cette disposition est toujoursconsidérée aujourd’hui comme énonçant le critère décisif permettant de déterminer siune agression armée, et par une répercussion un droit de légitime défense, peut êtrejuridiquement établi. Outre la jurisprudence de la Cour internationale de Justice84,déjà abondamment commentée par ailleurs85, on peut citer, en guise d’illustration, cetextrait du rapport de la Mission sur les événements en Géorgie:

«North and South Ossetian military operations are attributable toRussia if they were sent by Russia and if they were under effectivecontrol by Russia. This follows from Art. 3 (g) of UN Resolution 3314which states: “The sending by or on behalf of a State of armed bands,groups or irregulars, which carry out acts of armed force againstanother State of such gravity as to amount to the acts listed above, or itssubstantial involvement therein’ […].For the purpose of determiningthe possible international legal responsibility of Russia, and alsofor identifying an armed attack by Russia, the use of force by SouthOssetians and by other volunteers from North Caucasus, might beattributed to Russia under two headings. First, the other actors mighthave been de facto organs of Russia in the sense of Art. 4 ILC Articles.

79 Le droit contre la guerre, op.cit., pp. 173-264.80 C.I.J., avis du 9 juillet 2004, Recueil 2004, par. 139; v. aussi C.I.J., Affaire des Activités armées sur le

territoire du Congo, arrêt du 19 décembre 2005, Recueil 2005, par. 146.81 V. p. ex. les propos de Roberto Ago dans A.C.D.I., 1980, I, 1629ème s., 9 juillet 1980, p. 224, par. 21; v.

par ailleurs Alain Pellet et Vladimir Tzankov, «L’Etat victime d’un acte terroriste peut-il recourir à la forcearmée?» in S.F.D.I., Les nouvelles menaces contre la paix et la sécurité internationales, op.cit., pp. 100-101.

82 C’est en ce sens que l’on peut d’ailleurs interpréter la pratique existante, y compris récente; v. p. ex. lajustification avancée par les Etats-Unis pour riposter aux attentats du 11 septembre, qui a visé à la fois AlQaeda mais aussi l’Etat afghan; Lettre datée du 20 août 1998, adressée au président du Conseil de sécuritépar le représentant permanent des Etats-Unis d’Amérique auprès de l’ONU, S/1998/780, 20 août 1998.

83 Pour rappel, cette disposition vise «[l]’envoi par un Etat ou en son nom de bandes ou de groupes armés,de forces irrégulières ou de mercenaires qui se livrent à des actes de force armée contre un autre Etatd’une gravité telle qu’ils équivalent aux actes énumérés ci-dessus, ou le fait de s’engager d’une manièresubstantielle dans une telle action».

84 C.I.J., Affaire des Activités militaires, Recueil 1986, p. 103, par. 195; C.I.J., Affaire des Activités armées,arrêt du 19 décembre 2005, par. 146.

85 V. nos développements dans Le droit contre la guerre, op.cit., pp. 669-704.

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Under this first heading, the volunteer fighters could be equated withRussian organs only if they acted “in complete dependence” of Russiaof which they were ultimately merely the instrument. Second, SouthOssetian or other acts are attributable to Russia if they have been “infact acting on the instructions of, or under the direction or controlof, that state” (Art. 8 ILC Articles). Under that second heading, theactions of volunteers were attributable to Russia also if they actedunder control of Russia. In the law governing state responsibility, andarguably also for identifying the responsibility for an armed attack,control means “effective control»86.

Ainsi, pour attribuer à la Russie une agression armée susceptible de justifierune légitime défense dans le chef de la Géorgie, celle-ci devait démontrer soitque les groupes irréguliers concernés étaient sous la «totale dépendance» desautorités russes, soit que les actions de ces groupes étaient sous la «direction»ou sous le «contrôleeffectif» de ces autorités. En l’espèce, la Mission conclutqu’aucune de ces deux options n’avait pu être établie, et ce en dépit des liensétroits que la Russie entretenait avec les groupes concernés87. Plus généralement,ce précédent confirme à la fois qu’un droit de légitime défense est susceptiblede jouer en cas d’agression armée «indirecte» —c’est-à-dire qui est menée parun groupe irrégulier sous la dépendance ou le contrôle d’un Etat— et que lesconditions juridiques nécessaires à l’établissement de ce droit sont extrêmementexigeantes.On peut, toujours en ce sens, rappeler le précédent de l’intervention de la

Colombie en Equateur, le 1er mars 2008. Dans un premier temps, les autoritéscolombiennes se sont justifiées enniant avoir voulu remettre en cause la souverainetéde l’Equateur, le seul objectif de l’action militaire ayant été de poursuivre desmembres des FARC88. Ce n’est que dans un deuxième temps que la Colombiesemble avoir accusé l’Equateur de complicité avec les rebelles colombiens, sanstoutefois pouvoir établir l’existence d’une agression au sens de l’article 3g) de ladéfinition de 197489. En tout état de cause, cette argumentation est loin d’avoirconvaincu la communauté internationale des Etats dans son ensemble. Dès le5 mars, le Conseil permanent de l’Organisation des Etats américains a pris unedécision selon laquelle:

86 Rapport, vol. II, pp. 259-260, références omises, laMission citant les travaux de la C.D.I sur la responsabilitéde l’Etat ainsi que la jurisprudence de la C.I.J. (affaires des Activités militaires (1986) et du Génocide(2007).

87 Rapport, vol. II, pp. 132-133.88 «The Colombian Government has never intended to nor willingly disrespected or injured the sovereignty

of the Republic of Ecuador, its people or its authorities for whom it has historically professed affection andadmiration» (Reply of theMinistry of ExternalAffairs to the Government of Ecuador, 2March 2008, http://web.presidencia.gov.co/sp/2008/marzo/02/06022008.html).

89 Press Release, 3 March 2008, http://web.presidencia.gov.co/sp/2008/marzo/03/14032008.html

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Vers une «Déterritorialisation» de l’Interdiction du Recours à la Force dans les Relations

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«[Considérant] Qu’à l’aube du samedi 1er mars 2008, des forcesmilitaires et des effectifs de la police de la Colombie ont effectuédes incursions dans le territoire de l’Équateur, dans la province deSucumbíos, sans le consentement exprès du Gouvernement équatorienpour mener des opérations contre des membres d’un groupe irrégulierdes Forces armées révolutionnaires de la Colombie, qui se trouvaientclandestinement cantonnés dans le secteur frontalier de l’Équateur;Que cet acte constitue une violation de la souveraineté et del’intégrité territoriale de l’Équateur ainsi que de principes du droitinternational;DÉCIDE:1. De réaffirmer le principe selon lequel le territoire d’un État estinviolable, il ne peut être l’objet d’occupation militaire ni d’autresmesuresde forcede lapartd’unautreÉtat, directementou indirectement,pour quelque motif que ce soit et même de manière temporaire»90.

Dans lemême sens, le groupe deRio a fermement dénoncé la violation de l’intégritéterritoriale de l’Equateur91. Ainsi, même dans le cas d’une action très limitée dans sadurée et dans son ampleur, et même dans la mesure où cette action ne serait pas dirigéecontre un Etat mais contre un groupe qualifié de terroriste, le respect de l’intégritéterritoriale continue à prévaloir.En somme, ces réflexions montrent que l’interdiction du recours à la force

reste liée au concept d’intégrité territoriale, dans la mesure où cette interdictionest toujours conçue comme s’appliquant aux«relations internationales»,conformément au texte de l’article 2 § 4 de la Charte. Celui-ci protège toujours lesfrontières internationales existantes, et ne s’applique pas dans les relations entreEtats et groupes qui ne bénéficient pas de telles frontières, comme par exemple lesorganisations terroristes. La répression de celle-ci reste juridiquement encadréepar l’alternative suivante. Soit, et ceci constitue l’option traditionnellementprivilégiée par le droit international, cette répression s’opère dans un cadre decoopération, conformément à toutes les conventions adoptées dans le cadre del’ONU92. Le jus contra bellum n’a, alors, pas lieu de s’appliquer. Soit, au contraire,cette répression se développe à la suite d’un différend entre Etats, un Etat victimed’actes terroristes en rendant un autre responsable, soit en raison de son actionsoit, le cas échéant, de sa passivité coupables. Cette fois, les règles prohibant lerecours à la force trouvent bien à s’appliquer, une action militaire n’étant justifiéequ’en cas d’autorisation du Conseil de sécurité ou, dans des conditions assezstrictes, de légitime défense.

90 CP/RES. 930 (1632/08), 5 March 2008 (http://www.oas.org/consejo/fr/resolutions/res930.asp91 Declaration of the Heads of State and Government of the Rio Group on the recent events between Ecuador

and Colombia, 7 March 2008, annex 2 of the Report of the OAS Commission, ibid.92 V. p. ex. Linos-Alexandre Sicilianos, «L’invocation de la légitime défense face aux activités d’entités non-

étatiques», HagueYb.I.L., 1989, pp. 147-168.

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Conclusion

En introduction de cette étude, on a évoqué l’hypothèse de la «déterritorialistion»dupouvoir politique, et par répercussion de l’interdiction du recours à la force au sens dela Charte des Nations Unies. A l’analyse, cette hypothèse ne se vérifie pas. En premierlieu, on a signalé que l’applicabilité de l’article 2 § 4 n’avait jamais été subordonnéeau franchissement d’une frontière internationale, ce qui relativise d’emblée le postulatsur lequel repose la thèse de la déterritorialisation: cette disposition protège chaqueEtat dans ses différentes composantes, territoriales ou non. Dans un second temps, ona montré que cette protection de la protection territoriale restait l’une des composantesessentielles de l’article 2 § 4. Cette dimension territoriale n’a pas été ébranlée par lapratique contemporaine ni remise en cause par les textes récents. Aucune atténuationde la rigueur de cette protection n’a pu être constatée, ce qui n’exclut pas certainespossibilités de recours à la force, mais oblige à évaluer la licéité de ces derniers auregard de la Charte, et non de nouveaux arguments fondés sur la légitimité d’une«juste cause». Doit-on pour autant en conclure que le droit international n’est passusceptible de s’adapter aux évolutions de la société dans le cadre de laquelle ils’inscrit? Certainement pas. Tout d’abord parce que le renforcement des pouvoirsdu Conseil de sécurité, et plus généralement de celui de toutes les organisationsinternationales, y compris celles qui sont compétentes en matière de sécurité, se traduitpar un nouveau schéma normatif et institutionnel qui s’émancipe en grande partie dela logique territorialisée des années qui ont directement suivi l’adoption de la Charte93.Ensuite parce que rien n’empêche d’imaginer de nouveaux schémas juridiques danslesquels l’interdiction du recours à la force s’émanciperait de la logique territoriale.Il faut cependant comprendre que, dans ce cas, ce n’est pas à une évolution mais àune révolution que l’on assisterait. C’est que le principe de l’intégrité territoriale estdirectement lié à celui de souveraineté, de sorte que la remise en cause du premierimpliquerait une remise en cause du second ce qui, comme on le sait, pose toute unesérie de questions sur la portée voire l’essence même de ce qu’on appelle encore ledroit «international».

93 Le droit contre la guerre, pp. 485 et ss.

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Derechos Económicos, Sociales y CulturalesSu Operatividad en el Sistema Americano y el Caso de la República Argentina

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Derechos Económicos, Sociales y CulturalesSu Operatividad en el Sistema Americano y el Caso de la República Argentina1

orlando Pulvirenti2

ResumoEn el presente artículo se analiza el SistemaAmericano de Derechos Humanos con

especial énfasis en el alcance y judicialidad de los Derechos Económicos Sociales yCulturales. Se enfoca particularmente en el cambio de jurisprudencia ocurrido en laRepúblicaArgentina, en el que su Constitución y Justicia ha reconocido la supremacíade los Tratados Internacionales de Derechos Humanos y la posibilidad de demandarjudicialmente el pleno cumplimiento de los DESC a los que se considera directamenteoperativos.

AbstractThis article discusses the Inter-American Human Rights System with special

emphasis on the extent and the possible judicial aspect of the Economic, Socialand Cultural Rights. It particularly focuses on the jurisprudence change occurred inArgentina; its “Constitution and Justice” has recognized the supremacy of internationalhuman rights treaties and the possibility of demanding through the judicial organsthe full implementation of Economic, Social and Cultural rights that are considereddirectly operational.

1 - Una Introducción Conceptual a lo que Entendemos por DerechosHumanos

Los conceptos tranquilizan. Al menos en nuestro sistema educativo, es difícilencontrar materias que no tengan como punto inicial el referido a “concepto ynaturaleza jurídica”. Ahora bien, conceptualizar implica un proceso intelectivo, en el

1 Mi agradecimiento al Profesor, Dr. Leonardo Nemer, por su amistad, la cálida recepción queme acordarasu grupo de colaboradores y en particular su familia, y por su invitación a ese gran evento que resultóel V Curso de Inverno organizado por el CEDIN, lo que me permitió tomar contacto con prestigiosasUniversidades de Minas Gerais, ubicadas en Belo Horizonte y disfrutar del aporte de ideas de colegasy estudiantes brasileños. A los colegas Marinana Andrade e Barros, Daniela Rodrigues Vieira, DélberAndrade Lage, Gabriela Frazão Gribel, que me brindaron una amplia colaboración durante mi estadía enesa hermosa ciudad y el espacio para comentarios e intercambio de ideas. Al profesor Valério Mazzuolipor mantener enriquecidores debates. Al entusiasmo de muchos estudiantes, particularmente de BárbaraBrittes y Camila Portes, quienes me acercaran valiosos comentarios. A todos los amigos y compañerosbrasileños por su cordialidad y ameno trato.

2 Profesor de la Universidad Nacional de BuenosAires

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que llegar a esa definición supone abstraerse de notas casuísticas y particularidades,para intentar alcanzar la esencia o aspectos generales. Lo que resulta difícil de evitaral asumir ese derrotero, es que no se incurra en algunas imprecisiones, o que lostérminos que se utilicen – los que no pueden escapar a la ambigüedad y vaguedad dellenguaje – permitan varias posibles interpretaciones.El concepto de derechos humanos, en nuestro parecer, no ha escapado a ese

problema y es por eso que intentamos hacer . Por eso intentaremos acompañar algunasdefiniciones y críticas, no sin antes decir, que creemos que cualquiera de ellas serámeramente de aproximación al objeto y que el derecho se muestra, en la realidad yfrente a circunstancias concretas. En otras palabras, el concepto sirve a manera deintroducción del tema facilitando la comprensión, pero no brinda per se soluciones,ni puede comprender la totalidad del fenómeno que describe. Esta visión es menostranquilizadora para profesor y estudiante, pero entendemos, más próxima a la realidady al derecho mismo.Repasando las definiciones que se brindan sobre la materia, encontramos

apreciaciones genéricas tales como: “Los derechos humanos se fundamentan en ladignidad de la persona. Por eso todo ser humano, sin importar su edad, religión,sexo o condición social, goza de ellos. Los derechos humanos son las facultades,prerrogativas y libertades fundamentales que tiene una persona por el simple hechode serlo, sin los cuales no se puede vivir como tal.”3Nótese que en esta definición – como en muchas otras similares - se intentan

consignar en apretada síntesis, caracteres generales y elementos de la materia. Se diceasí que: a) hacen a la dignidad de la persona, b) son universales y c) son inherentes asu condición de persona.Sin embargo, hemos cotejado en clase el ejemplo de preguntarle a un alumno, si el

hecho de que alguien le dijese “mentiroso” afectaría su dignidad, a lo que respondióque sí; mientras que al indagarle si para el caso de que se tomase en contra de suvoluntad su libro lo consideraría de la mismamanera; respondiendo que “no”. La clasese dividió entre aquellos que consideraban que en los dos casos se afectaba la dignidadde la persona, los que dijeron que en ningún caso o los que compartieron la opinióndel alumno. Sencillo, en una pregunta concreta, difícilmente se coincide siquiera sobrequé se entiende por “dignidad” y por ende, cuándo ella resulta afectada.Podemos avanzar en la precisión diciendo que el diccionario de la RealAcademia

de la Lengua Española define como dignidad: “dignidad. f. Cualidad de digno. [...]digno, na. 1. adj. Merecedor de algo. 2. adj. Correspondiente, proporcionado almérito y condición de alguien o algo. 3. adj. Que tiene dignidad o se comporta conella. 4. adj. Dicho de una cosa: Que puede aceptarse o usarse sin desdoro. Salariodigno. Vivienda digna. 5. adj. De calidad aceptable. Una novela muy digna”.4Creemos que una mejor definición sobre el punto la trae Emmanuel Kant, al decir:“En el ámbito de las finalidades todo tiene o un precio o una dignidad. En el lugar

3 http://www.cedhj.org.mx/cdefi.html4 http:// www.rae.es.

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Derechos Económicos, Sociales y CulturalesSu Operatividad en el Sistema Americano y el Caso de la República Argentina

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de aquello que tiene preció se puede poner otra cosa como equivalente; en cambio,aquello que se encuentra por encima de todo precio y, por tanto, no admite nadaequivalente, tiene dignidad. Aquello que se refiere a las inclinaciones universalesy necesidades humanas tiene un precio de mercado; aquello que, también sinpresuponer necesidades, es conforme a cierto gusto, o sea, a una complacenciaen el puro juego, sin ninguna finalidad, de nuestras facultades anímicas, tiene unprecio afectivo; pero aquello que constituye la condición única bajo la cual algopuede ser fin en sí mismo no tiene meramente un valor relativo, o sea, un precio,sino un valor interior, esto es, dignidad”.5

Cabe añadir un dato más: la dignidad no sólo atañe a la persona en su carácterindividual, sino colectivamente a la humanidad. Tal como se ha dicho, protegerla dignidad de la persona es algo que concierne a todos y que debe ser defendidainclusive contra la voluntad del individuo.6En segundo término, la última nota, es decir la de inherencia a la condición humana

plantea un problema no menor.Todo derecho es inherente al hombre en tanto creación cultural. No se observa de

quémanera un derecho puede pertenecer a alguien que no sea humano. Indudablementey aclaramos esto frente a la siempre presente inquietud del alumno respecto delos “animales”; que ellos carecen de “derechos” por cuanto no son sino objeto derestricciones auto impuestas por el humano a otros humanos, de no dañarlos.Siendo así, que todo derecho es creación cultural y por ende “humano”, ¿Qué

nota diferencia a estos derechos de los otros? Obsérvese que en ambos supuestos, nila “dignidad” ni el carácter “humano” sirven per se para caracterizar a un grupo dederechos en particular como diferente del resto de ellos.Tampoco parece aportar demasiado la nota de universalidad, por cuanto se

detiene en una mera enunciación que carece de contenido concreto ¿Cuáles seríantales derechos? ¿Lo sería el de libertad personal, pero no el de propiedad? ¿Aquiénes alcanzan? En consecuencia, si aquí nos detuviéramos, sería posible pensarque estos caracteres de aproximación no cumplen con su tarea de definir qué haceque este grupo de derechos tengan un estatus particular o distintivo respecto deotros.

5 Kant Immanuel, Fundamentación de la metafísica de las costumbres, Barcelona, Ed.Ariel, 1996.6 En Francia se decidió el caso de un hombre deforme y enano, que trabajaba como objeto de diversión

en programas públicos a modo de “pelota” que los intervinientes se pasaban unos a otros como si de unapelota de rugby. La resolución judicial prohibió la misma, afirmando que la voluntad del afectado no podíacomprometer el valor colectivo de la dignidad humana.Miquel Roca i Junyent. LaVanguardia, 13-IV-2004.Un casomás complicado se ha registrado en los últimos tiempos en laArgentina, respecto de la investigaciónde hijos de desaparecidos durante la dictadura militar, llegando a la Justicia la cuestión de si los supuestosmenores apropiados – que han vivido y han sido educados como “hijos” por sus apropiadores, durante 30 omás años – pueden negarse a un análisis de ADN que determine su propia identidad. Es decir cotejando lanegativa de la propia persona a tener certeza de su identidad vis a vis el interés de la sociedad de determinarla verdad de lo ocurrido, inclinándose la decisión judicial por permitir el progreso de la investigación. CSJN,“Gualtieri Rugnone de Prieto, Emma Elidia y otros s/ sustracción de menores de 10 años (art. 146)”, G.291.XLII, 11-VIII-2009.

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2 - El Derecho Internacional Público como Criterio Distintivo

Bajo estas consideraciones, la gran nota que los particulariza y los separa de losderechosconstitucionales,eslaintervencióndelderechointernacionalpúblico,queimponea cada Estado la obligación frente a la comunidad mundial de no violar determinadosderechos de cualquier habitante, habiendo aquél de responder internacionalmente encaso de trasgresión. Es que sólo en este marco es posible establecer alguna distinciónentre los derechos constitucionales y los humanos; los primeros regulados por el ordenjurídico interno del Estado y los segundos por el derecho internacional.Nótese que en el párrafo se enuncia además una cuestión central desde el punto de

vista de la filosofía jurídica. Los derechos que se consideran esenciales o innegablesen cualquier sociedad, ¿lo son porque se los enumera y se les da entidad legal o porquenaturalmente hacen a la condición humana? La primera aproximación nos lleva alpositivismo, la segunda al iusnaturalismo.

Ahora bien, la realidad es que cuando se intenta considerar qué derechossonesenciales, es inevitable observar la relatividad respecto de los mismos, que surgeconforme al tiempo de la humanidad que se considere o del lugar y cultura apreciada.Esta situación nos confronta curso tras curso, a preguntas que parecen de difícilrespuesta, para el caso de no analizarse bajo estos parámetros.Amanera de ejemplo, en cada ocasión que se trata el derecho de las mujeres, la cultura

islámica, suele ser citada como un ejemplo de esa relatividad cultural. Sin que impliqueun demérito para esa otra cultura, ciertas pautas de conducta exigidas a la mujer, resultaninaceptablesparasucongénereoccidental.Tambiéndeberáobservarse,queacontramarcha,muchas prácticas occidentales, vistas desde la perspectiva islámica, serán apreciadas comoviolatorias de derechos esenciales. Es así un dato para nuestra conceptualización, la notade mutabilidad conforme a circunstancias de tiempo y espacio en el catálogo de derechosque se consideran inalienables para la comunidad internacional.Llegados a este punto, entendemos que como definición inicial de trabajo, resultan

“derechos humanos aquellos que tutela el ordenamiento jurídico internacional, deacuerdo a la cultura predominante en un lugar y tiempo, que corresponden por sunaturaleza de tal a toda persona y por ende de los que no se puede ser privado, singenerar responsabilidad internacional del Estado violador”.

3. Clasificación de los Derechos Humanos7

Efectuado ese primer acercamiento, intentaremos ir a un tipo de derechos en particular,son los denominados Derechos Económicos, Sociales y Culturales (DESC). Suele

7 En este sentido la indicación de la clasificación que se ha seguido se efectúa a los fines didácticos, dado quecompartimos en gran medida la crítica que realiza CANÇADOTRINDADE,AntônioA., en el prólogo a lacitada obra de PINTO,Mónica, “Temas de derechos humanos”, “Temas de derechos humanos”, Editores delPuerto, BuenosAires, 1997, respecto de que esa categorización en gran medida conspira a una concepciónintegradora de todos los derechos humanos.

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distinguirse, por cuanto así lo han hecho algunos instrumentos internacionales y por otraparte se condice con la evolución histórica de la humanidad, al menos tres categorías dederechoshumanos: a)Derechos individuales, b) derechos sociales y c) derechos colectivos;en ellos varía esencialmente la conducta que se espera asuma el Estado.En el caso de los derechos individuales, también llamados civiles y políticos, se

aguarda que un Estado democrático se abstenga de intervenir y/o de limitar y/o cercenarlas libertades esenciales de la persona, asegurándose además su participación en losprocesos de formación de la voluntad estatal (derecho a elegir y ser elegido, etc.).En otras palabras, el derecho supone que el Estado se abstenga de intervenir sobre

el particular, garantizando así su derecho. Claro está que esto no es lineal, por cuantoen muchos casos, para garantizar esos derechos resulta necesario que el Estado actúe.Por ejemplo, en el derecho a la seguridad individual, si bien el destinatario esencial esel Estado a quién se le da mandato de que no vulnere la integridad de la persona, noes menos cierto que tiene un deber de protegerlo frente a terceros y/o de investigar yesclarecer los atentados que aunque cometidos por terceros impliquen una trasgresióna esos derechos.En el supuesto de los derechos sociales, se exige al Estado un rol de proveedor

principal de esos bienes. Corresponde al mismo en principio garantizar las accionespositivas que permitan que sus habitantes gocen de ellos.

4. Derechos Económicos, Sociales y Culturales en el Sistema Americano

Pero señalado que es exigible al Estado un rol activo, desde el punto de vistapresupuestario, implica erogaciones, inversiones, respecto de las cuales muchasveces el el poder estatal menciona carecer de los recursos suficientes. Aparece asícomo cuestión central, el determinar qué grado de exigibilidad tienen y de qué formaplanteados los mismos ante la Justicia, puede el Poder Judicial obligar a los otrospoderes a proveerlos. La denominada “judicialidad” o carácter programático de estosderechos se torna así en un tema central.Advertimos por ende que son pocas las materias jurídicas que pueden generar

roces tan intensos entre los poderes públicos, como el tratamiento, reconocimiento yeficacia de los reclamos individuales y colectivos por derechos económicos, socialesy culturales.Acusaciones cruzadas de ejercicio abusivo de sus facultades por parte delPoder Judicial o la imputación de tratarse de un Gobierno de los jueces, son reprochesque provienen del Poder Ejecutivo; omisiones en el cumplimiento de disposicionesconstitucionales, la observación que en muchas de las sentencias se desprende hacialos otros poderes estaduales. En dicha encrucijada, se entrecruzan teorías respecto dederecho operativos y programáticos,8 la economía y el derecho, las mandas legales y

8 Respecto de su carácter plenamente operativo se han expedido organismos internacionales, al afirmarse: “B.Medidas jurisdiccionales contra la impunidad. 127. Las violaciones de los derechos económicos, sociales yculturalesdanderechoaremediosporeldañoquehancausado.Desdeelpuntodevistadelalegislaciónnacional,tales violaciones son delitos y están sujetas a dos tipos de sanciones, represivas y compensatorias. Bajo su

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las posibilidades reales de cumplimiento. Una contienda no resuelta entre poderes,que no puede tener jamás como resultado un incumplimiento de las obligacionesestaduales en la materia.9

yendo al sistema americano, éste presenta en la materia dos situaciones claramentediferenciadas: la de aquellosEstados que quedan tan sólo alcanzados por laDeclaraciónAmericana de Derechos y Deberes del Hombre y la de otros que también son reguladospor la Convención Interamericana de Derechos Humanos. Respecto de los primeros,la jurisdicción corresponde a la Comisión Interamericana de Derechos Humanos ycon relación a los segundos, en la medida en que acepten la competencia, también lohace la Corte Interamericana.El conjunto de disposiciones en materia de DESC básicamente comprende la

Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre (DADDH, arts. VIy VII, además del continuo normativo que se extiende entre los arts. XI a XVI), de1948; la CADH (arts. 26 y 42), de 1969; de la Carta de la Organización de EstadosAmericanos (OEA), de 1948 (bajo el rótulo de “Desarrollo integral”, en los arts. 30 a52); y el Protocolo de San Salvador.ElProtocolodeSanSalvadorno sóloda contenido a losderechos, sinoqueasimismo

crea los mecanismos formales que permiten el inicio de peticiones individuales ante laComisión Interamericana; si bien es cierto lo limita a algunos derechos en particular;tales como violaciones a la libertad sindical (art. 8.1.a), derecho a la salud y a laeducación (art. 13), todo ello conforme al art. 19.6.Desde esa vertiente, y luego de detallar que el Protocolo contiene obligaciones

generales para la adopción de medidas (arts. 1 y 2), asimilables a los deberesdel mismo signo que instaura la CADH, el nombrado autor señala que talesobligaciones pueden ser proyectadas hacia o contempladas desde los diversosderechos consagrados en el Protocolo, exactamente como sucede en la operaciónde la Convención y, así, bajo la lente que suministran los arts. 8 y 13, entiende quedifícilmente la Corte podría ignorar aquellas obligaciones generales. Finalmente,subraya que el Tribunal podría entrar al conocimiento de casos de discriminación— prohibida por el art. 3 — , si ella se aplicara en puntos concernientes a lalibertad sindical o a los derechos vinculados con la educación; lo que tambiénocurriría con la regla de interpretación que rechaza las restricciones de derechosreconocidos en la legislación interna o en convenciones internacionales bajo el

obligación garantizada, el Estado tiene que suministrar el marco legal necesario para salvaguardar el disfrutede los derechos económicos, sociales y culturales. Los Estados, en general, tanto como el resto de los sujetosde derecho, deben cesar de otorgar únicamente un valor programático a los derechos económicos, socialesy culturales. La mejor manera de lograr esto es incorporar las normas legales internacionales a la legislaciónnacional,paraqueestaspuedanserinvocadasantelasautoridadesjudicialesytribunalesdejusticianacionales.”Comisióndederechoshumanos,SubcomisióndePrevencióndeDiscriminacionesyProtecciónalasMinorías,49º período de sesiones - Tema 4 de la agenda provisional. E/CN.4/Sub.2/1997/8, 27-VI-1997.En http://www.derechos.org/nizkor/impu/guisse.html#saqueo%20del%20patrimonio%20cultural. Por otraparte, el artículo 10 de la CCABAno deja lugar a dudas respecto de que todos los derechos son operativos.

9 Hemos referido a esta cuestión enPulvirenti,OrlandoD.,Operatividad de losDerechos económicos, socialesy culturales en la CiudadAutónoma de BuenosAires y división de poderes, LLCABA2009 (abril),141.

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pretexto de que el Protocolo no los reconoce o lo hace en menor grado (art. 4); porúltimo, acota que la Corte podría pronunciarse sobre restricciones o limitacionesindebidas adoptadas por medio de actos calificados como leyes, tema que abordael art. 5 del Protocolo.Pero además, y ya fuera de las opciones reclamatorias específicas emergentes de

este último instrumento, se ha sostenido que el derecho a la protección judicial previstoen el art. 25 de la CADH (que comprende el acceso a un recurso sencillo y rápido o acualquier otro recurso efectivo ante los jueces o tribunales competentes, que la amparecontra actos que violen sus derechos fundamentales reconocidos por la Constitución, laley o la mencionada Convención) concreta— además de la mentada remisión al derechointerno estatal—un reenvío a los instrumentos internacionales que consagran derechoseconómicos, sociales y culturales (por ejemplo, el PIDESC), de tal modo que dicho art.25 de la Convención establece un mecanismo de tutela de los precitados derechos.10

El sistema americano presenta en materia de tratamiento y procedimientos dereclamo frente a eventuales violaciones de DESC, tres tipos de situaciones:

(i) Estados parte de la CADH, que aceptan la competencia dela Corte y que han ratificado el Protocolo de San Salvador.Ellos se encuentran obligados por la DADDH (arts. VIy VII, además del clausulado que discurre entre los arts.XI a XVII), la CADH (arts. 26 y 42), el Protocolo de SanSalvador, y la Carta de la OEA (arts. 29 a 50).Existe respecto de ellos el deber de informar periódicamente,pudiendo ser denunciados ante la Comisión conforme al art. 19.6del Protocolo, y de acuerdo al resultado final de ese proceso, elEstados puede ser demandado por la Comisión ante la Corte.

(ii) Estados parte de la CADH que aceptaron la competencia de laCorte pero que no han ratificado el Protocolo. Quedan así sujetosa los principios de la Corte y derechos generales contenidos en laDADDH, la CADH y la Carta de la OEA.

(iii)Estados que son partes de la OEA pero no de la CADH. Pueden serdenunciados ante la Comisión con base en la DADDH.

Las decisiones de la Comisión y la Corte Interamericanas de Derechos Humanosvinculados con la materia:

(i) La observación de la tarea de ambos órganos protectorios muestracómo se abre paulatinamente una práctica que, de consolidarse,permitirá ampliar el horizonte de alegabilidad de los DESC en el

10 ABRAMOVICH, Víctor, “Los derechos económicos, sociales y culturales en la denuncia ante la ComisiónInteramericana de Derechos Humanos”, en Presente y Futuro de los Derechos Humanos [Ensayos en honora Fernando Volio Jiménez], Instituto Interamericano de Derechos Humanos, San José de Costa Rica, 1998,p. 167.

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marco interamericano, en tanto se visualizan algunos signos que,v.gr., connotan: la interpretación de los derechos civiles y políticosen “clave social”; el empleo de derechos “puente” o “conectores”entre los civiles y políticos y los económicos, sociales y culturales;el descubrimiento de facetas “sociales” de algunos derechos civilesy políticos; y la “reconducción social” del derecho individual aobtener ciertas reparaciones de índole patrimonial.

(ii) Ahora bien, como suele ocurrir lamentablemente en muchos denuestros países, y más grave aún en materia de derechos sociales,es posible encontrar un abismo entre el texto de las disposicionesnormativas y su aplicación en la realidad. Por ello es importanterealizar un breve repaso de los antecedentes jurisprudenciales quegenera el sistema interamericano.

a) En la Comisión InteramericanaEn el caso “Milton García Fajardo y otros c/ Nicaragua” (fondo), de 11 de octubre

de 2001, la Comisión halló por primera vez unaviolación del art. 26 de la CADH; paraluego en el caso “Jorge Odir Miranda Cortez y otros c/ El Salvador” (37), expedirsesobre un tema particularmente sensible en materia de salud, que radica en la ausenciade provisión de medicamentos a pacientes portadores del Virus de InmunodeficienciaHumana/Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida (“VIH/SIDA”).

b) En la Corte Interamericanab.1) El máximo órgano interamericano ha realizado interesantes construcciones sobre

derechoscivilesypolíticosa losque interpretaenconsonanciaconpreocupacionessociales-Es así que en los casos “Villagrán Morales y otros (Caso de los ´Niños de la calle´) vs.Guatemala” (40) — fondo— , de 19 de noviembre de 1999, ubica como complementarioalderecho a la vida, el correspondiente a la calidad de la vida (41).En la causa “Baena, Ricardo y otros (270 trabajadores) vs. Panamá” (43) —

fondo— , de 2 de febrero de 2001, la libertad de asociación sindical fue admitidamediante remisión a las disposiciones de la OIT, correlacionando los arts. 16, incs. 2°y 3°, de la CADH y 8.3. del Protocolo de San Salvador.b.2) En autos “Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua” (44) 31

de agosto de 2001, la Corte refiere a los derechos indígenas respecto de la propiedady en autos “Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay” (47), sentencia de 17 dejunio de 2005, y “Comunidad Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguay” (48), sentencia de29 de marzo de 2006 estableció que cada Estado al interpretar y aplicar su normativainterna están obligados a respetar la identidad de los pueblos indígenas.Yendomás allála Corte reconoció que es necesario superar el estado de vulnerabilidad alimenticia,médica y sanitaria, que acucia en forma continua su supervivencia e integridad.b.3) Pero si existe un fallo paradagmático sobre el tema es “Cinco Pensionistas

vs. Perú” (49) (fondo), de 28 de febrero de 2003. Allí se discutió la decisión delGobierno de Perú de disminuir el importe de las pensiones de jubilados sobre

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la base de la existencia de una crisis económica. Si bien el caso fue planteadocomo una violación al derecho de propiedad, la Corte apuntó a las proyeccioneseconómicas y sociales del derecho a la vida, al entender disminuida la “calidad devida” de los pensionistas.Si bien es cierto que no se hacen extensas consideraciones respecto del art. 26 de la

CADH, al realizar tan solo un reenvío a lo dicho por el Comité específico de la ONUen su OG N° 3 [“La índole de las obligaciones de los Estados Partes (párrafo 1 delartículo 2 del Pacto)”], de 14 de diciembre de 1990,con relación a qué es el “desarrolloprogresivo” de los DESC; establece que ello es obligatorio para los Estados (50).La Corte establece si, una fórmula muy interesante que radica en la imposibilidad

de regresar en la materia. Es decir que obtenido un cierto nivel de desarrollo, luego elmismo no puede ser dejado sin efecto en desmedro de los habitantes.b.4) En el caso “Ximenes Lopes c. Brasil”, de 4 de julio de 2006, se avanzó en

el supuesto de personas con discapacidad mental, las que deben ser especialmenteprotegidas por el Estado. Y allí se indica que los Estados americanos están obligadosa adoptar medidas especiales de protección para con las personas que tienen menosrecursos, tales como aquellas que viven en condiciones de extrema pobreza; niños yadolescentes en situación de riesgo, y poblaciones indígenas.

5. El Derecho Argentino y los DESC

Sucesivos fallos judiciales dictados a partir del regreso de la democracia a laArgentina en el año 1983y la ulterior reforma constitucional de 1994,11 establecieronla supremacía de los tratados de derechos humanos sobre la Constitución Nacional.Este cambio fue sustancial, por cuanto hasta ese momento había imperado unapostura dualista, que no reconocía a los Tratados Internacionales sino un lugarinfra constitucional, siendo el valor de los mismos equiparable al de cualquiernorma interna.Los artículos 27, 31, 75 incisos 22, 24 de la Constitución, conforme a la

interpretación que les diera a esas normas jurídicas la Corte Suprema de Justicia dela Nación, aseguran ese criterio. Adicionalmente esos derechos deben ser aplicadosinternamente en las condiciones de vigencia internacional de los Tratados que losreconocen, lo que implica entre otras cosas, aceptar la lectura que de ellos haga el

11 Es especialmente relevante la decisión dictada por la CSJN, en autos “Ekjmekdjian c. Sofovich”, donde aldiscutirse la aplicación del derecho de réplica contenido en el artículo 14 de la CIDH yno establecido porla Constitución Nacional, ni reglamentado por norma interna alguna, la Corte se expidió señalando que losderechos de losTratados Internacionales enmateria de derechos humanos, son directamente operativos y quelas omisiones de unPoder – en el caso del Legislativo al no reglamentarlo – no habilitaban el incumplimientode una norma internacional, sin causar responsabilidad del Estado. Por talmotivo y sobre la base provista porla Convención deViena sobre el derecho de los Tratados, dispuso que no puede invocarse una norma o actointerno, para desobedecer lo expresado en un Convenio Internacional.

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sistema internacional.1213 En el caso concreto de los DESC, supone que los fallosque hemos analizado precedentemente dictados por los organismos internacionales,resultan directrices que deben ser seguidas por los Tribunales argentinos.

5.1. Jurisprudencia Referida a Peticiones ParticularesDado el marco jurídico referenciado, que entusiastamente además fuera apoyado por

amplios sectores de la doctrina14, no puede sorprender que se sucedieran casos en los cualesla Justicia Federal o Nacional y la de las Provincias y en particular de la CiudadAutónomade BuenosAires, dieran íntegra vigencia a las invocaciones y peticiones de estos derechosrealizados por individuos y entidades representativas de intereses colectivos.En forma concluyente se resolvió: “Cualitativamente hablando, la conjunción del

régimen legal nacional, local e internacional de los derechos humanos proporcionalos medios necesarios para impugnar los impedimentos estructurales que se lepresentan a quienes viven en situaciones de extrema pobreza. Tal como sostiene laCorte Suprema de Justicia de la Nación, en la dignidad humana reside el centro sobreel que gira la organización de los derechos humanos de nuestro orden constitucional(Fallos 314:424, entre otros). No es menos cierto que la “extrema pobreza y laexclusión social constituyen una violación de la dignidad humana” tal como expresóla Conferencia Mundial de los Derechos Humanos de la ONU (Declaración de Vienay Programa de Acción 25/6/1993. I. 25). Tampoco cabe tener dudas de que unaprovisión mínima de bienes y servicios puede ser reivindicada ante un tribunal. Esteargumento vale para cada derecho económico, social y cultural.” 15

Llegados a este punto del análisis y siendo cierto que todos los casos en los que seresuelven estos derechos se encuentran comprendidos bajo el mismo parámetro de DESC,entendimos necesario para plantear el eje de la discusión, referenciar por separado aquellaspretensiones que fueran presentadas individualmente y que tuvieran acogida favorable,

12 CSJN, “Espósito, Miguel Angel s/ incidente de prescripción de la acción penal promovido por su defensa-Bulacio,Walter David”, E. 224. XXXIX.; 23-XII-2004; T. 327 P. 5668; CSJN, “Simón, Julio Héctor y otross/ privación ilegítima de la libertad, etc. (Poblete)”, causa N° 17.768-. S. 1767. XXXVIII, 14-VI-2005; T.328 P. 2056,entre muchos otros.

13 Hacemos particular referencia al fallo Cinco Pensionistas de la CIDH que estableció el criterio deprogresividad y no regresividad en el avancede los derechos económicos, culturales y sociales; afirmandoademás la judiciabilidad de los reclamos individuales referidos a estos derechos. Corte Interamericana deDerechos Humanos, “Cinco Pensionistas” Vs. Perú, Sent. 28-II-2003, (Fondo, Reparaciones y Costas).

14 Bidart Campos, Germán, “Una Sentencia que supo dar curso efectivo a los derechos sociales…”, La Ley,2002 – E, 267, Bidart Campos, Germán, Las políticas sociales y su control constitucional por los tribunalesde la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, La Ley 2002-C, 175;.Bidart Campos, Germán, PrincipiosConstitucionales del derecho del trabajo y de la seguridad social en el artículo 14 bis, Buenos Aires, TomoVIII, p. 555; Salvioli Fabián: “Curso sobre Protección Internacional de los Derechos Económicos, Socialesy Culturales”; edit. IIDH, San José de Costa Rica, 2004; publicación on line www.iidh.ed.cr., D´Argenio,Inés A. “La zona de reserva de la administración en materia de derechos sociales”, LA LEY, 2006-D pág.231; “La zona de reserva de la administración en materia de derechos sociales II. Suplemento de DerechoAdministrativo”, 2006- Julio, pág. 10; entre otros.

15 C.A. Cont. Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala II, Expte. Nº 17601/1, “Ramírez, Tito Magdalena y Otros c/GCBAs/Otros Procesos Incidentales”, 8-XI-2005. Sentencia Nº 234; ver también C.A. Cont.Adm. y Trib.C.A.B.A., Sala II, exp. 17378/2,“Montenegro, PatriciaAlejandra y otros c/GCBAs/Amparo”, del 7-X-05.

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de aquellas en las que por su objeto o alcance la extensión de la sentencia refiriera másconcretamente a políticas de Estado. Lo hacemos, sencillamente, por cuanto en este últimosupuesto la línea existente entre ejecutar DESC e introducirse en políticas del gobiernoresulta más delgada.

Haciendo un racconto de algunas sentencias pronunciadas por la Justicia Nacionaly local referidas a pretensiones individuales, encontramos entre las más significativaslas presentes:

5.1.1. Derecho a la SaludLa Justicia Federal ha dictado numerosas sentencias obligando a entidades estatales

a realizar prácticas negadas a particulares; siendo constante la referencia a los TratadosInternacionales como base normativa de las mismas.16

La Justicia Contenciosa Administrativa de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires hacondenadoa laAdministraciónde laCiudad, agarantizar elderechoa lavidaydentrodeél seincluyen las17 medidas necesarias para asegurar tratamientos médicos,18 para paliar el doloraún cuando no existieran expectativas de curación19, medicamentos20, el acompañamientode celadores especializados21 e inclusive prestaciones alimentarias.

16 Así se ha dicho que: “El derecho a la salud, desde el punto de vista normativo, está reconocido en lostratados internacionales con rango constitucional (art. 75, inc. 22) entre ellos, el art. 12, inc. c) delPacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, inc. 1, arts. 4 y 5 de la ConvenciónAmericana sobre Derechos Humanos e inc. 1 del art. 6 del Pacto Internacional de Derechos Civilesy Políticos, extensivo no sólo a la salud individual sino también a la salud colectiva. -Del precedente“Reynoso”, al que remitió la Corte Suprema-.”S. 670. XLII; RHE Sánchez, Elvira Norma c/InstitutoNacional de Servicios Sociales para Jubilados y Pensionados y otro, 15-V-2007.

17 C.A. Cont. Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala II, Causa Nro.: 31665-1, “Frías Esteban c/ Hospital GeneraldeAgudos Dr. J.A. Fernández y Otros s/ Procesos Incidentales”, Sala II. 06-II-2009. En caso similar,tratándose de un paciente afectado por esclerosis múltiple, se dispone que no siendo adecuados losalimentos suministrados por la CABA, se cumpla proveyéndole de alimentos diferentes a la quele suministra la demandada de manera generalizada dentro del Programa de Apoyo AlimentarioDirecto a Familias. Se dice así que la alimentación debe ser “adecuada” definiéndose como tal a loquees “Apropiado a las condiciones, circunstancias u objeto de algo”. Así pues, la calificación queel artículo 11.1 del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales impone alderecho a la alimentación, esto es, adecuada, impone una obligación más profunda que la simpleentrega de alimentos. C.A. Cont. Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala I, Causa Nro.: 22386/0, “Vera VegaEduardo c/ Ministerio de derechos humanos y sociales s. Amparo”, 30-V-2008, Sentencia Nro. 76.

18 CSJN,M.2648.XLIRECURSODEHECHO,María Flavia Judith c/ Instituto deObra Social de la Provinciade Entre Ríos y Estado provincial, 30-X-2007; T. 330 P. 4647.

19 C.A. Cont.Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala II, Expte. Nº EXP14371/01, “G., b. N.c/OSCBA(Obra Social de laCiudad de BuenosAires) s/Otros Procesos Incidentales”, 13-VI-2005. Sentencia Nº 111.

20 C.A. Cont. Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala II, Causa Nro.: 31665-1, “Frias Esteban c/ Hospital General deAgudos Dr. J.A. Fernández s/ Otros procesos incidentales”. 06-II-2009.

21 Enautos“NGyOtrosc.GCABAs.Amparo(art.14GCABA)Expte.16877/0,10-II-2006, se resolvióordenarque dos menores de edad con capacidades diferentes fueran acompañados por celadores especializados envirtud de la especial dieta a cumplir por los mismos.

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Ahora bien, es necesario destacar que la pretensión de que se cumpla con esos derechos,no sólo es exigible al Estado, sino comobien ha resuelto la Justicia porteña, también alcanzaa las entidades privadas que se encuentren vinculadas al sistema prestacional.22

En una serie de fallos, tanto por aplicación de la Ley de Defensa al Consumidor,como bien por vía de las obligaciones sociales, el fuero contencioso administrativocondenó a empresas de medicina pre paga, a hacerse cargo de asistencias médicas.En esa última dirección condenó tanto a entregar leche maternizada23, como a

suministrar drogas para el tratamiento del HIV y otras enfermedades crónicas24,practicar tratamientos para adelgazar e inclusive para asistir en fertilizaciones asistidasa parejas que desean concebir por ese medio.

5.1.2. Derecho al TrabajoLa Justicia argentina también ha tenido múltiples oportunidades para referirse

al derecho al trabajo, máxime cuando las actividades desarrolladas por el afectadopueden encontrarse en algún punto en contienda con el ejercicio del poder regulatoriolocal. En tal sentido, los casos de licencias de conducir para taxistas25 o el de loscuentapropistas se encuentran entre los más usualmente decididos26. En la mayoría

22 La CSJN, ha dicho que: “Si bien la actividad que asumen las empresas de medicina prepagapuede representar determinados rasgos mercantiles, en tanto ellas tienden a proteger las garantíasconstitucionales a la vida, salud, seguridad e integridad de las personas, también adquieren uncompromiso social con sus usuarios, que obsta a que puedan desconocer un contrato, o invocarsus cláusulas para apartarse de obligaciones impuestas por la ley, so consecuencia de contrariarsu propio objeto que debe efectivamente asegurar a los beneficiarios las coberturas tanto pactadascomo legalmente establecidas”, CSJN, C. 595. XLI; RHE, Cambiaso Péres de Nealón, CeliaMaría Ana y otros c/Centro de Educación Médica e Investigaciones Médicas, 28/08/2007, T. 330,P. 3725; C. A. Cont. Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala II, Expte. Nº RDC 215 / 0, “Sociedad Italianade Beneficencia en Buenos Aires c/G.C.B.A. s/ otras causas con trámite directo ante la Cámara deApelaciones”, 07-X- 2004, Sentencia 6650;ver también C. A. Cont. Adm. y Trib. C.A.B.A., SalaII , “Asociación Civil Hospital Alemán contra G.C.B.A. sobre Otras causas con trámite directoante la Cámara de apelaciones”, RDC-470, 04-V-2004.

23 C.A. Cont.Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala I, Causa Nro. 1682-0, “Euromédica de salud SAc. GCBAs. Otrascausas con trámite directo ante la Cámara de Apelaciones”, 04-VII-2008. Sentencia Nro. 84. C. A. Cont.Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala II, causa Nº8919, “Asesoría Tutelar Justicia Cont. Adm. y Trib. c/ GCBA s/Amparo (Art. 14 CCABA)”, 17-II-2009.

24 C. A. Cont. Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala II, Causa Nro.: 1980/0, “CEMIC c/ GCBA s/ OTRAS CAUSASCONTRAMITEDIRECTOANTELACAMARADEAPEL.” 13-V-2008. SentenciaNro. 302; C.A. Cont.Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala II, Causa Nro.: 1943/0, “ASOCIACION CIVIL HOSPITAL ALEMAN c/GCBAs/ OTRAS CAUSAS CONTRAMITE DIRECTOANTE LACAMARADEAPEL.”, 14-III-2008.Sentencia Nro. 285. Se dijo así que “Vale decir, el sentido de contratar un plan de medicina prepaga esespecialmente, el de contar con una cobertura para las situaciones críticas en la salud de una persona, es allídonde la figura de la empresa de medicina prepaga se hace más fuerte, dado que el consumidor deposita suconfianza y expectativas.” C. A. Cont. Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala I, Causa Nro.: 1466/0, “HOSPITALBRITÁNICO DE BUENOS AIRES c/ GCBA s/ OTRAS CAUSAS CON TRÁMITE DIRECTO ANTELACÁMARADEAPEL.”, 20-XII-2007, Sentencia Nro. 141.

25 C.A. Cont.Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala I, Causa Nro.: 22895/0, “SILVAGLADIS CRISTINAc/ GCBAs/AMPARO (ART. 14 CCABA)”, 19-XII-2008.

26 “En el caso, corresponde revocar la sentencia dictada por el Sr. Juez aquo, y en consecuencia,hacer lugar a la acción de amparo, ordenando al Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires que

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de los casos en que estas cuestiones son planteadas, el fuero suele hacer una medidainterpretación de los estatutos y disposiciones legales, de manera tal de intentarconciliar la seguridad, moralidad y obligaciones del Estado con el derecho de unapersona a ganar dignamente su sustento por medio de su trabajo.

5.1.3. Derecho a la ViviendaNumerosas decisiones judiciales de la CABA han ordenado frente a peticiones

particulares el otorgamiento por parte del Estado de viviendas, ya sea en hotelesadecuados27 o pormedio de la construcción de lugares aptos y dignos para la habitaciónde personas carenciadas28.

se abstenga de llevar adelante cualquier medida que pudiese afectar la actividad laboral delaccionante, en tanto ésta consista en la venta de los productos no alimenticios con sustento enla inexistencia de habilitación, ello hasta tanto dicha actividad sea expresamente regulada por laLegislatura de la Ciudad y se establezca, por vía legal, el procedimiento que éste deberá seguirpara obtener el correspondiente permiso. El Estado local no ha establecido aún un régimen paralos permisos para vender en forma ambulante artículos de escaso valor pecuniario como actividadde mera subsistencia. A su vez, por principio general los derechos reconocidos por la Constituciónse ejercen de conformidad con las leyes que reglamenten su ejercicio (art. 14, C.N. y 80 inc. 1CCABA), siendo esta facultad –la de reglamentar los derechos tutelados en la Constitución– unapotestad exclusiva del Poder Legislativo. Por su parte, si bien el Estado puede reglamentar losderechos constitucionalmente reconocidos a los individuos, tal facultad encuentra su límite enla prohibición de alterar la sustancia de tales derechos (artículo 28, Constitución Nacional); esdecir, la reglamentación debe ser razonable, en el sentido de que el medio escogido para alcanzarel fin perseguido por la norma debe guardar proporción y aptitud suficientes con ese fin (BidartCampos, Germán, Manual de la Constitución reformada, 1998, t. I, p. 517). Pues bien, toda vezque no existe hasta el momento una regulación de origen legal para la venta de baratijas en lavía pública cuando, a su vez, esa actividad puede ser calificada como “de mera subsistencia”, esevidente que el derecho cuya tutela el amparista persigue –en el caso, el derecho a trabajar– nopuede ser restringido por un acto de alcance particular.” C. A. Cont. Adm. y Trib. C.A.B.A., SalaI, Causa Nro.: 24309/0. Autos: E. P. L. DE LA C. c. GCBA s. Amparo (Art.14 CCABA), 03-IV-2008. Sentencia Nro. 36.

27 En estas condiciones, es claro que el objeto del amparo se agotó: la asistencia habitacional se mantiene porvía de subsidio, o de alojamiento en hoteles, para los beneficiarios originales del Decreto N° 607/97 (versolución coincidente, STJ, in re “M. V.,J. F. y Otros c/ GCBA s/ amparo (art. 14 CCABA) s/ recurso deinconstitucionalidad concedido”, 4-XII-2003. En idéntico sentido: C.A. Cont.Adm. y Trib. C.A.B.A, SalaII, Expte. Nº EXP 3212/0 “D., M. P. c/GCBA s/Amparo (art. 14 CCABA)”, 22-II-2005. Sentencia Nº 27.También, C.A. Cont.Adm. yTrib. C.A.B.A., Sala II, Expte. Nº EXP2815/0, “Naccheri,AnaMaría yOtrosc. GCBAs.Amparo (art. 14 CCABA)”22-II-2005. Sentencia Nº 28.

28 “La cláusula del Decreto Nº 895/2002, que otorga el beneficio de un subsidio habitacional “por única vez”,no requiere de por sí una declaración de inconstitucionalidad pues es el Poder Ejecutivo quien deberá arbitrarlos medios que entiendan pertinentes para la protección del derecho habitacional de los beneficiarios. Loque podrá consistir, desde ya, en la prolongación del beneficio otorgado de algún otro plan que garanticeel efectivo goce del derecho aparado y permita el desarrollo progresivo (y no regresivo) del acceso a unavivienda digna y que, en cumplimiento de la normativa en materia de derechos humanos vigente, preservela integridad del grupo familiar que se encuentra actualmente en situación de calle”. C.A. Cont.Adm. yTrib.C.A.B.A., Sala II, Expte. Nº 8714/0, “A., C. R.yOtros c/GCBAs/Amparo (art. 14CCABA)”, 26-VIII-2005.Sentencia Nº 166.

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La Justicia asimismo ha velado inclusive sobre las condiciones que deben sersatisfechas por el inmueble que es asignado en cumplimiento de la manda, paraconsiderar que realiza adecuadamente el derecho constitucional.Es así que por ejemplo se confirmó una ampliación de una medida cautelar

otorgada por un Juez de primera instancia que ordenara al Instituto de la Vivienda dela Ciudad Autónoma de Buenos Aires a que en el plazo de 5 días de notificado éstaarbitrara las medidas necesarias a fin de proveer a la actora y a su grupo familiar unavivienda que garantizara sus necesidades básicas y de salud, teniendo en cuenta laespecial situación del menor. A tales fines se dispuso las condiciones que tenía quetener esa vivienda, en cuanto a habitaciones y comodidades29.

5.1.4. Derecho a la EducaciónEn términos de derecho individual a la educación, se han dictado numerosos

pronunciamientos en los cuales la justicia removió obstáculos creados tanto paraeducadores como para educandos.El caso de personas con capacidades diferentes, se ha convertido en uno de los

tópicos en los cuales la judicatura local más énfasis ha puesto. Tanto la Corte Supremade Justicia de la Nación,30 como la Justicia de la Ciudad han ordenado a los Gobiernosa arbitrar los medios necesarios para posibilitar la concurrencia a la escuela de un niñocon discapacidad con la asistencia permanente del personal de apoyo especializado,que cumpliera con las exigencias que las condiciones del menor requirieran31. Enforma general, la Corte Suprema ha cuestionado normas provinciales que dificulten laeducación, invocando al respecto disposiciones internacionales.32

5.1.5. Derecho CulturalEl derecho cultural, incluido el de educación, cuentan con numerosos fallos

judiciales por medio de los cuales se atiende a su satisfacción, ello por vía del

29 C.A. Cont.Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala I, Causa Nro.: 25831-3, “E. T. P. E.YOTROS c/ INSTITUTODEVIVIENDADELACABAYOTROS s/ OTROS PROCESOS INCIDENTALES”, 12-XI-2008. SentenciaNro. 121.

30 CSJN, R. 1629. XLII; RHE Rivero, Gladys Elizabeth s/amparo – apelación, 09-VI-2009, T. 332, P. 1394-31 C.A. Cont. Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala II, Expte. Nº EXP 15516/1, A., K. E. y Otros c/GCBA s/Otros

Procesos Incidentales, 29-IV-2005. Sentencia Nº 77.32 “La subsistencia de normas provinciales que afectan gravemente el régimen jurídico estructurado por el

Estado Nacional para conformar un sistema educativo permanente, conduciría a generar eventualmente laresponsabilidaddelEstadopor incumplimientodeobligaciones impuestas en tratados internacionales, habidacuenta que, según las normas incluidas en aquéllos, son los Estados los que tienen el poder de garantizarel derecho a la educación (arts. 13, inc. 2°, del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Socialesy Culturales; 26, párrafo 1°, de la Declaración Universal de Derechos Humanos y 26 de la ConvenciónAmericana sobre Derechos Humanos).CSJN, F. 466. XXXVII., Ferrer de Leonard, Josefina y otros c/Superior Gobierno de la Provincia de Tucumán s/ amparo, 12-VIII-2003, T. 326, P. 2637.

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dictado de medidas cautelares innovativas y no innovativas, e inclusive por medio dereparaciones ulteriores, cuando el daño fue efectivamente causado.33

5.2. Jurisprudencia Referida a Afectados ColectivosUn repaso de la jurisprudencia vinculada a este tema muestra el extraordinario

desarrollo que estas decisiones han asumido en el derecho público de la Argentinay particularmente en la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, pudiéndose afirmar sintemor a equivocaciones, que ninguna otra jurisdicción en laArgentina presenta tamañacantidad y variedad de fallos vinculados a la cuestión.

5.2.1. SaludEn salud se han visto casos en los que se imparte la orden contra un hospital en

particular o con respecto del Ministerio de Salud respecto de todos ellos. Así porejemplo se ha resuelto por medio de una medida cautelar se garantice la seguridadde las pacientes y del personal que se desempeña en un hospital psiquiátrico,ordenándose se contrate el personal suficiente para proveer el servicio de seguridad deforma adecuada y eficaz,34 o a una provincia para que brinde condiciones adecuadasen sus clínicas y sanatorios.35Más recientemente se ha obligado al Estado a desarrollarprogramas contra la adicción a la droga denominada “paco”, controlando y exigiendodeterminadas condiciones de cumplimiento al mismo.36 Asimismo se ha legitimado

33 En un caso se condenó a una empresa constructoraa abonar la suma de $ 500.000 y al GCABAel monto de$ 550.000 por el daño colectivo extrapatrimonial causado a los habitantes de la CABA, por la demolición deun edificio integrante del patrimonio cultural-histórico (-casa “Millán”-, cuyo propietario fue el cofundadordel barrio de Flores), en tanto ello implicó la privación del uso, goce y disfrute de los bienes que forman partedel patrimonio histórico y cultural cuya protección ha sido expresamente consagrada constitucionalmente(arts. 41 y 43, CN). C.A. Cont.Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala II, Causa Nro.: 1772/0.Autos: DEFENSORIADEL PUEBLO DE LA CIUDAD DE BUENOS AIRES c/ GCBAY OTROS s/ OTRAS DEMANDASCONTRALAAUT.ADMINISTRATIVA, 14-VIII-2008.

34 C. A. Cont. Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala I, Causa Nro.: 15558-0. Autos: ACUÑAMARIA SOLEDAD c/GCBAs/AMPARO (ART.14 CCABA), 18-VII-2008. Sentencia Nro. 113.

35 CSJN, Quienes tienen a su cargo la administración de los asuntos del Estado deben cumplir con laConstitución garantizando un contenido mínimo a los derechos fundamentales y muy especialmente enel caso de las prestaciones de salud, en los que están en juego tanto la vida como la integridad física de laspersonas; una sociedad organizada no puede admitir que haya quienes no tengan acceso a un hospital públicocon un equipamiento adecuado a las circunstancias actuales de la evolución de los servicios médicos, y nose cumple con ello cuando los servicios son atrasados, descuidados, deteriorados, insuficientes, o presentanun estado lamentable porque la Constitución no consiente interpretaciones que transformen a los derechosen meras declaraciones con un resultado trágico para los ciudadanos (Voto del Dr. Ricardo Luis Lorenzetti).M. 291. XL; RHE, Ministerio de Salud c/Gobernación s/acción de amparo, 31-X-2006, T. 329, P. 4741.

36 “En el caso, el dictado del Decreto nº 1681/07 con posterioridad a la promoción de la acción, por elcual se creó el Programa Programa Interministerial de Proyectos Especiales “Atención Integral sobre elConsumo y Dependencia de la Pasta Base de Cocaína, no hizo devenir abstracta la cuestión, dado queexiste una gran distancia entre la existencia de una norma y la adopción de las medidas concretas ypertinentes que se deben adoptar para hacerla efectiva. Esto es, entre la validez y la eficacia de lasnormas. En rigor, esa norma no comprueba per se cuál es la asistencia concreta que se está dispensandoa los menores afectados por el consumo del “paco”. Es decir, no se cumple con el objeto de la pretensiónmediante el simple dictado de un decreto por el que se implementa un programa, si no se acredita-paralelamente- su vigencia práctica y, además, que las medidas adoptadas sean suficientes frente a la

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a asociaciones civiles para reclamar por planes generales en materia de políticas decontrol de natalidad.37

5.2.2. Derecho al HabitatRespecto de este tema, existen diversas decisiones judiciales en las que

reconociéndose la representación colectiva a asociaciones que nuclean a diversasfamilias alcanzadas por un mismo problema habitacional, se decide respecto deluniverso de las mismas.38En tal sentido se resolvió que aún tratándose de un derecho social, el estado de

derecho obliga que frente a toda exigencia constitucional o legal, laAdministraciónno está facultada, sin coaccionada a actuar en consecuencia. 39Ahora bien, también puede ocurrir que el avance que suponen estas decisiones,

a la hora de la ejecución enfrenten el mismo problema económico que tienecualquier ejecución presupuestaria, con más la posibilidad cierta de que ademásla Justicia no acompañe ese proceso, tal como se ha advertido.40 41

Entre esas obligaciones vinculadas al hábitat, también se ha dispuesto la obligaciónde suministrar agua potable a zonas carenciadas; sosteniéndose en tal sentido que esederecho es un derecho humano fundamental cuyo respeto por parte de los poderes

dimensión del problema. C. A. Cont. Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala II, Causa Nro.: EXP 23262- 0. Autos:ASESORIA TUTELAR JUSTICIA CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO Y TRIBUTARIO c/GCBA s/ AMPARO (ART. 14 CCABA)”, 17-II-2009.Por su parte la CSJN en autos D. 1270. XLI; RHEDefensoría del Niño c/provincia del Neuquén s/acción de amparo, 07-X-2008, ordenó a la Justicia de laProvincia de Neuquén que siguiera estudiando un planteo respecto de la política general de dicho Estadorespecto de los menores que consumen drogas.

37 CSJN,M. 970.XXXIX;REX“Mujeres por laVida -AsociaciónCivil sin Fines deLucro—filial Córdoba—c/E.N.—P.E.N.—M° de Salud yAcción Social de la Nación s/amparo”, 31-X-2006, T. 329, P. 4593.

38 C. A. Cont. Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala II, Asociación Civil Casa Amarilla 2005 c. GCBA y Otros s.Amparo (Art. 14 CCABA). 02-XII-2008. SentenciaNro. 1237. Nota: en igual sentido se resolvió en la causaNº8700;C.A. Cont.Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala I, Causa Nro.: 26034-0.Autos: M. B. R.YOtros c. GCBAy otros s.Amparo (Art. 14 CCABA), 23-XII-2008.

39 Con el objeto de posibilitar la reubicación de las personas y así garantizar debidamente sus derechos, laCiudad deberá otorgar albergue en hoteles u otros ámbitos que reúnan condiciones de habitabilidad, dignidady seguridad adecuadas, o un subsidio suficiente para satisfacer las necesidades básicas de vivienda. Lareubicación o percepción del subsidio se hallarán condicionadas a la efectiva desocupación de los inmueblesque, con carácter transitorio, ocupan los beneficiarios, y no implicará la renuncia a la vivienda definitiva enlos términos de la Ley Nº 1987. C.A. Cont.Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala I, Causa Nro.: 26034-0.Autos: M.B. R. y otros c. GCBAs/Amparo (Art. 14 CCABA), 23-XII-2008.

40 Ver causa Vizeconte Mariela c. Estado Nacional, el Juzgado Nacional en lo Contencioso AdministrativoFederal Nº 11, María José Sarmiento, consideró que como existía una previsión presupuestaria para eldesarrollo de esa vacuna, no podía exigir nada más al gobierno. Además señaló que excedía el marco delamparo judicial garantizar el acceso a la medicación de todos los habitantes de las zonas afectadas. Ladecisión fue apelada. En junio de 1998, la Sala IV de la Cámara Nacional en lo ContenciosoAdministrativoFederal, revocó la decisión.

41 Ver, Gabriela Kletzel y Laura Royo con la colaboración de Carolina Fairstein, Pilar Arcidiácono y DiegoMorales, “Una experiencia de exigibilidad jurídica y política del derecho a la vivienda: El caso de losVecinosde Villa la Dulce”, Buenos Aires, CELS, junio de 2008. http://www.cels.org.ar/common/documentos/sistematizacion_ladulce.pdf

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del Estado no puede ser obviado, ya sea por acción o por omisión, toda vez que seconstituye como parte esencial de los derechos más elementales de las personas comoser el derecho a la vida, a la autonomía y a la dignidad humana, derechos que irradiansus efectos respecto de otros derechos de suma trascendencia para el ser humano,como ser, el derecho a la salud, al bienestar, al trabajo.42

5.2.3. Asistencia SocialTambién abundan los procesos en los cuales se ha ordenado asistencia social;

aunque en materia colectiva, tal vez el fallo que más polémica despertó en cuanto asus alcances fue la medida cautelar dispuesta por el Juzg. Cont. Adm. yTrib. Nro. 2,al GCABA, por medio de la cual se acordó a partir del 1ro de Septiembre de 2005a todos los “Recuperadores de Residuos Reciclables “– Ley 992,(cartoneros), quese encuentren inscriptos en el Registro Único Obligatorio Permanente (art. 4to ley992) un subsidio mensual provisional por cada hijo menor de diecisiete (17) años deedad de pesos doscientos cinco ($ 205.-) (monto según Decreto 212/05) 43. La suma aabonar por ese concepto, tenía una incidencia presupuestaria marcada.

6. El Quid de la Economía

Hasta aquí hemos intentado hacer una descripción respecto del marco jurídico engeneral y de la forma en que la Justicia argentina ha resuelto distintos casos que se lehan presentado vinculados a los DESC.

Ahora bien resulta necesario hacer otro análisis, al cual suelen escaparle tantoabogados como muchas veces los propios Jueces, es el económico.44 Una vía de escapea confrontar con la necesidad de recursos es el mero desentendimiento de la situación.Planteada la cuestión a un reputado Juez del fuero, el mismo nos dijo, “yo estoy paraimpartir Justicia mediante la aplicación de las normas existentes, si el Constituyente y elLegislador, apreciaron las circunstancias y reconocieron determinados derechos, planteadoel caso, no puedo preguntarme cómo se hará efectivo, sino determinar el mismo”.45 Esa

42 Cámara de Apelaciones Contencioso, Administrativo y Tributario, Sala I, Causa Nro.: 20898/0,ASOCIACIONCIVILPOR LAIGUALDADYLAJUSTICIAc/ GCBAs/AMPARO., 18-VII-2007.

43 “Montenegro Patricia Alejandra y Otros c. GCBA s. Amparo (ART. 14 CCABA)” , Exp. 17378 / 0,10-VIII,Ciudad de BuenosAires,10-VIII-2005.

44 Una afirmación que prescinde de ese factor por ejemplo se encuentra en los decires de una muy reputadaentidad dedicada a la protección de los derechos humanos: “La violación de los derechos económicos,sociales y culturales no es una cuestión de ausencia de recursos adecuados, si no de falta de voluntad,negligencia y discriminación”, Amnesty Internacional,http://www.amnesty.org.ar/nuestro-trabajo/temas/derechos-economicos-sociales-yculturales.

45 Casi bajo iguales términos dice, “De acuerdo con la doctrina de separación de poderes, lo judicial no deberíaimponerse por sobre las legítimas funciones de hacer la ley y la política de las ramas coordinadas al ordenarla adopción de una política que el legislativo o el ejecutivo haya rechazado previamente o que no hayaconsiderado en primera instancia. Sin embargo, una vez que la legislatura o el ejecutivo ha creado una ley,ratificado un tratado, o se ha comprometido en una política consistente, la corte podrá hacer responsablea la otra rama en cuanto a las obligaciones legales que se han asumido según las mismas (es decir, según

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declaración tiene además sentencias que lo respaldan afirmando que en tal estado decosas, la actuación del Poder Judicial, comprobado el incumplimiento de un mandato dellegislador y, consecuentemente, la violación a un derecho, se ciñe a disponer las medidasnecesarias a los fines de revertir el proceder contumaz de la administración.4647

Sobre el particular, el voto del Dr. Carlos Balbín es elocuente:

“Los jueces como integrantes de uno de los poderes del estadose encuentran en la misma obligación que los legisladores o losorganismos administrativos en lo que se refiere al respeto y realizaciónde los derechos reconocidos expresa o implícitamente en los pactosinternacionales que, en el caso particular de nuestro país, además, gozande jerarquía constitucional tras la incorporación –como consecuenciade la reforma constitucional de 1994- del artículo 75 inciso 22 a la LeySuprema, conformando juntamente con las cláusulas constitucionalesy el resto de las normas internacionales a las que adhirió nuestro paísel llamado “bloque de constitucionalidad” que debe orientar toda laactividad ejecutiva, legislativa y judicial de nuestro país. Ello, cuandodeban intervenir en la resolución de controversias entre partes traídasante sus estrados.”48

la doctrina relacionada de revisión judicial). Esto no constituye una violación de doctrina de separaciónde los poderes; más bien es precisamente la razón por la cual fue creada la doctrina—es decir, para evitarel ejercicio arbitrario del poder público al asegurar la rendición de cuentas políticas de los sectores máspoderosos”. Melish, Tara, “La Protección de los Derechos Económicos, Sociales y Culturales en el SistemaInteramericano de Derechos Humanos:Manual para la Presentación de Casos”, Orville H. Schell, Jr. CenterCentro de Derechos for International HumanRights Económicos y SocialesYale Law School CDES, Quito,2003, Pp 62-63.

46 Cámara de Apelaciones Contencioso, Administrativo y Tributario, Sala II, Causa Nro.: 22076/0,Barila,Santiago c/ GCBAs/Amparo (art. 14 CCABA), 17-II-2009.

47 Se ha afirmado frente a este dilema la supremacía de las metas constitucionales con prescindencia del marcopresupuestario, así se ha dicho que: “Existe una correlación lógica entre los derechos constitucionales,la organización pública y la legislación presupuestaria. Pero mientras las estructuras administrativasy la legislación presupuestaria son medios, la protección de los derechos constitucionales es un fin en símismo. El principio de razonabilidad de las leyes cobra aquí todo su vigor; son los medios los que debenser adecuados a los fines. No los fines a los medios (Horacio Corti, “Crítica y defensa de la supremacíade la Constitución”, LL 1997-F, 1033).” “Es ilegítimo cualquier intento de invertir el orden jerárquico delas disposiciones, subordinando los derechos constitucionales a las decisiones presupuestarias. Una erróneavaloración de la actividad financiera pública y del Derecho Financiero pone en cuestión el sentido últimodel Estado constitucional de derecho: el valor de la persona y la protección irrestricta de sus derechos.” C.A.Cont. Adm. y Trib. C.A.B.A., Sala II, Expte. Nº EXP 8014/0 –“Cámara, José Eduardo c/GCBA s/Amparo(art. 14 CCABA)”, 28-IV-2005. Sentencia Nº 73.

48 Cámara deApelaciones Contencioso,Administrativo yTributario, Sala I, Causa Nro.: 20898/0, “Asociacióncivil por la igualdad y la justicia c. GCBAs.Amparo”, 18-VII-2007.

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Las decisiones en la materia de DESC, más allá de la invocación de la reserva delactuar de la administración, no exoneran de lajudiciabilidad de las mismas, tal comoha sido decidido conforme ilustran las citas traídas.49

Pero esta salida conlleva el germen de que dificultades en su aplicación ulterioro simplemente que se convierta en letra muerta, al no ejecutarse, ni seguirse sucumplimiento50. Es que con prescindencia de que el sentenciante se preocupe o no sobredesarrollo ulterior que habrá de tener su sentencia o del efecto que la misma habráde producir sobre la economía del Estado, no resulta menos cierto que el presupuestoes uno sólo.51 Ello implica que hay determinados recursos y no más, para cubrir elconjunto de demandas que tiene la sociedad en servicios, bienes y prestaciones acargo del Estado.No es necesario ahondar demasiado para saber a dónde se dirige este comentario.

Si las demandas son escalonadas o simplemente aparecen en el tiempo sin acumularse,será posible que algunas o tal vez todas ellas puedan ser cumplidas. Si son medidasgenerales, amplias y concomitantes sobre distintos temas, ¿Cómo hacer para ejecutartodas ellas? ¿Quién tendrá prioridad? ¿La primera medida judicial obtenida o aquellaque contenga los valores más importantes en juego? ¿No es beneficiar a aquellos quetienen mejor acceso a la Justicia de aquellos que no pueden hacerlo? Para hacer aúnmás gráfico el tema; si un Juez ordena se cree un programa para sacar a los menores delflagelo del Paco, otro ordena se arreglen todas las escuelas de la Ciudad, otro disponeque se suministren insumos a hospitales; todas ellas medidas loables e indiscutibles,que ninguno puesto a juzgar evitaría adoptar, ¿a quién deberá hacer caso primero laAdministración que sabe habrá de afrontar esos costos con la misma billetera?Es en este punto donde aparece la búsqueda de un equilibrio entre la plena vigencia

de los derechos económicos, culturales y sociales, cuando se intenta que los mismossean satisfechos mediante órdenes judiciales y los poderes electos por los votantes, esdecir Poder Legislativo y Ejecutivo.La teoría política nos enseña que estos dos últimos poderes, en tanto canalizadores

de la representación popular, son quienes deben ordenar las prioridades políticasy consecuentemente de ejecución de gastos plasmada en el presupuesto votadoanualmente, ello conforme al diseño que solicitan sus propios representados. Malcumpliría el gobernante, si en un momento político el votante demanda y lo acompaña

49 En el caso, la señora juez de grado ordenó al Gobierno de la Ciudad que arbitre los medios necesarios paraposibilitar la concurrencia a la escuela de un niño con discapacidad con la asistencia permanente del personalde apoyo especializado que cumpla con los requisitos que el menor requiera. Asimismo hizo saber a laSecretaría de Educación que debería comunicar la medida a la Directora a fin de garantizar el inicio del ciclolectivo.

50 Numerosos informes del CELS dan cuenta de la falta de seguimiento ulterior en el cumplimiento de lassentencias por las que se disponen derechos sociales, máxime cuando estas abarcan a un colectivo deafectados.

51 “El escrutinio judicial del gasto público es viable y no invade la competencia de otros poderes, cuando enun proceso en el que se impugna la lesión de derechos, resulta dirimente la consideración de ese gasto”, TSJCABA, “F., E.R. c. Ciudad de BuenosAires”, 14-IX-2007.

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con su decisión electiva, sobre la promesa de mejorar la salud pública y éste dedicaratodos sus recursos a la seguridad. Bien podría ser el caso contrario o infinidad deposibles combinaciones; pero lo cierto es que esos poderes se asumen como intérpretesde la voluntad soberana y como tales destinados a ordenar las prioridades de lasociedad en términos de gobierno.Bajo esta premisa, se observa entonces quemedidas de amplitud en lamateria, tales

como disponer que se les brinde viviendas a dos mil habitantes, sabiendo que detrásexisten muchos más carenciados, pero no sólo en viviendas, sino en salud, educación,alimentación, seguridad, etc., implican asumir un rol de asignación de prioridadessociales, que no parece propio del Poder Judicial; sino de aquellos poderes electosy que serán removidos por el mismo voto popular para el caso de no asignársele laatención debida.52

Esto no implica ir en desmedro del valioso avance jurisdiccional en hacer queestos derechos humanos sean cumplidos, sino en la necesidad de intentar armonizarlos esfuerzos conjuntos de todos los poderes del Estado, en procura de cumplir con lasexigencias constitucionales, tal como a nuestro entender auspiciosamente propone laCámara en lo CAYTCABA en autos “M.B.R. y Otros c. Gcba”.53

7. Conclusiones

Los derechos económicos, sociales y culturales integran la categoría de losderechos humanos y comparten con todos ellos, las características de ser universales,indivisibles, irrenunciables, absolutos e interdependientes.Los derechos económicos, sociales y culturales, en tanto tales, son plenamente

operativoshabiéndosedesplazado la teoríaquesostenía sumerocarácterprogramático54

y tienen su piso de ejecución, en el nivel de desarrollo económico alcanzado por

52 Comité de DESC de la ONU lo ha explicado: “A veces se ha sugerido que las cuestiones que suponen unaasignación de recursos deben remitirse a las autoridades políticas y no a los tribunales. Aunque haya querespetar las competencias respectivas de los diversos poderes, es conveniente reconocer que los tribunalesya intervienen generalmente en una gama considerable de cuestiones que tienen consecuencias importantespara los recursos disponibles. La adopción de una clasificación rígida de los derechos económicos, socialesy culturales que los sitúe, por definición, fuera del ámbito de los tribunales sería, por lo tanto, arbitrariae incompatible con el principio de que los dos grupos de derechos son indivisibles e interdependientes.También se reduciría drásticamente la capacidad de los tribunales para proteger los derechos de los gruposmás vulnerables y desfavorecidos de la sociedad.” Comité DESCONU,Observación General 9, párr. 10.

53 Por tanto, el Tribunal advierte la necesidad de evitar —por todos los medios disponibles— la continuidadde este estado de cosas, que hace imprescindible la reubicación urgente de los habitantes del asentamiento.Para concretar esta finalidad, el Señor juez de primera instancia deberá convocar a las partes, con la urgenciadel caso, a una audiencia en la que propondrá las fórmulas conciliatorias que estime pertinentes (doctr. art.29, inc. 2, ap. ‘a’, CCAyT) para que los litigantes acuerden la reubicación de la totalidad de los habitantesdel asentamiento, a fin de posibilitar el cierre del centro de evacuados. Cámara deApelaciones Contencioso,Administrativo y Tributario, Sala I, Causa Nro.: 26034-0, “M. B. R. y Otros c. GCBA y Otros s. Amparo(Art. 14 CCABA)”, 23-XII-2008.

54 La lucha por los derechos sociales y de tercera generación debe comenzar por considerar a estos derechoscomo bienes, incorporados a los activos de cada ciudadano y no como una abstración conceptual que sólo

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una sociedad. Ello implica que en cada País, y aún dentro del mismo si se tratara deuna Federación, debe exigirse al mismo y a las Provincias garanticen estos derechos,conforme a su grado de desarrollo.La jurisprudencia emanada de los órganos americanos, determina la judiciabilidad

del cumplimiento de esos derechos, en materia de análisis del cumplimiento deuna efectiva progresividad y particularmente en la prohibición de retroceso en losdesarrollos que se logren en la materia.La Justicia argentina ha realizado importantes avances en la materia; sin embargo,

en algunos supuestos no se puede escapar a la propia lógica del funcionamientojurisdiccional: se focaliza y centra en la solución del caso que se encuentra por ante él.Ahora bien, es indudable la existencia de posibles colisiones, siendo que resolver

un planteo individual por indiscutibles y elogiables que sean las intenciones delsentenciante, sin considerar el sistema económico y el universo de demandas políticas,sociales, culturales, entre otras de una comunidad, máxime en aquellos expedientesen los que se deciden medidas judiciales con un alcance colectivo amplio, tales comoordenar la construcción de múltiples viviendas, asignar programas de salud para todoun grupo poblacional determinado o respecto de la totalidad de los colegios, puedeconstituirse en un grave problema para quienes tienen a su cargo la administración derecursos escasos.La tensión entre jueces, administración y legislatura, se torna entonces en un

problema constante, que requiere de unamutua comprensión. Por cierto algunos jueceshan elegido el camino de las audiencias y búsqueda de compromiso por parte delGobierno, actuando en muchos casos como facilitadores o mediadores en la búsquedade una solución. Otros jueces han impartido sentencias medidas y razonables dentrodel marco existente, ordenando el cumplimiento de las previsiones constitucionales ydejando en cabeza de la Administración decidir los medios para llevarlas adelante; ymuy pocos, se encuentran en una línea de avance desmedido sobre atribuciones quecorresponden a los poderes electos democráticamente, sustituyendo en la práctica alos mismos e imponiendo valoraciones personales que se apartan del derecho55.

Dicho esto, queda claro que la responsabilidad por el cumplimiento de losderechos económicos, sociales y culturales compete a todos los poderes del Estado yque su incumplimiento genera las consecuentes responsabilidades estaduales, pero sudesarrollo no puede realizarse sin un mutuo entendimiento de todos los actores en elproceso con vistas al único destinatario de toda la acción pública: el hombre.

puede encontrarse en un texto constitucional o un libro de la materia.21 Jauretche, Arturo: “Manual deZoncerasArgentinas”, Corregidor, BuenosAires, 2005, pág. 153.

55 Nos permitimos recomendar la lectura, por su claridad, de GordilloAgustín y otros, “Derechos Humanos”,Fundación de DerechoAdministrativo, 5ta. Ed, BuenosAires, 1999, Cap. X.

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valerio de oliveira mazzuoli1

ResumoEste ensaio tem por finalidade estudar a sistemática de processamento do

Estado no sistema interamericano de direitos humanos, o que se pode chamar deprocesso civil internacional no sistema interamericano. Ênfase especial será dada àeficácia interna das sentenças condenatórias proferidas pela Corte Interamericanade Direitos Humanos contra o Brasil.

AbstractThis essay aims to study the Inter-American system of human rights and its

monitoring organs the Inter-American Commission and the Inter-American Courtof Human Rights, as well as the effectiveness of their condemnatory sentences inwhat concerns the Brazilian Law.

Contents1. Introduction; 2. The Inter-American System of Human Rights; 3. The Inter-

American Convention on Human Rights; 4. The Inter-American Commission onHuman Rights; 5. The Inter-American Court of Human Rights; 6. Processing ofthe State Before the Court; 7. Internal Effectiveness of Sentences Passed by theICHR – the Case of Brazil; 8. The Problem of the Court’s Judgments in Brazil; 9.Concluding Remarks; References.

1. Introduction2

This essay aims to study the Inter-American system of protection of humanrights, with special focus on its reflection on the Brazilian law.3 Therefore, it ismeant, at first, to provide understanding on the genesis of the Inter-American

1 PhD, Juris Doctor summa cum laude in International Law by the Federal University of Rio Grande doSul (Brazil). Master in International Law by the São Paulo State University (Brazil). Professor of PublicInternational Law and Human Rights and Coordinator of the Master in Law Program at the FederalUniversity of Mato Grosso (Brazil). Honorary Professor of the University of Huanuco Law and PoliticalSciences School (Peru). Guest Professor at the post-graduation law courses of the Federal University of RioGrande do Sul, São Paulo Pontificial Catholic University and Londrina State University. Member of theBrazilian Society of International Law and of the BrazilianAssociation of Democratic Constitutionalists.

2 The author thanks Mr. Gilberto Carvalho Cury for his efforts in the translation and revision of this article.3 See Mazzuoli, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público, 4ª ed. rev., atual. e ampl. São

Paulo: Revista dos Tribunais Publishing, 2010, pp. 824-842.

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system, its creation and its organs (the Inter-American Commission and Court).Then it will survey the procedural iter of the processing of a State in the Inter-American system, the internal effectiveness of judgments passed by the Inter-American Court, as well as the (always complicated) issue of the enforcement ofthe sentences of that Court in Brazil.Among the existing regional systems of protection, the first and oldest one

is the European system (its original treaty, called the European Convention onHuman Rights, dates back to 1950). It has dealt with the largest number of casesof human rights violation so far. The Inter-American regional system is the secondone. It was established by the American Convention on Human Rights, in 1969.The third and most recent one is the African regional system, still very incipient,established by the African Charter on Human and Peoples’ Rights, in 1981.The creation of all these systems is in accordance with the Charter of the

United Nations of 1945, which expressly states (in its Article 1, 3, in fine) thatone of the goals of the UN is “to achieve international cooperation” in order topromote and stimulate “respect for human rights and fundamental freedoms forall, without distinction of race, sex, language or religion”4.We focus here on the study of the Inter-American regional system of human

rights, which is the system that directly affects Brazil (as well as all the Statesof the American Continents). This should not lead us to think, however, that theInter-American system of human rights protection concerns only the so-called“Latin American countries”, since it also affects the United States of America, aswell as the Caribbean States that have already become parties of the Organizationof American States (OAS) or will in the future.A complete study of the Inter-American system of human rights can be found

in the book Comments on the American Convention on Human Rights that thisauthor has written in collaboration with Luiz Flávio Gomes, and was published inBrazil by the Revista dos Tribunais Publishing (2nd edition, 2009),5 to which werefer the interested reader.

4 For the text in Portuguese, see mazzuoli, Valerio de Oliveira, Coletânea de direito internacional, 8ª ed.,rev., ampl. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais Publishing, 2010, p. 233.

5 See Gomes, Luiz Flávio & Mazzuoli, Valerio de Oliveira. Comentários à Convenção Americana sobreDireitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dosTribunais Publishing, 2009, 349p.

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2. The Inter-American System of Human Rights

Parallel to the global system of protection of human rights, there are also regionalsystems of protection (e.g., the European6 and the African7 ones). Among them standsthe Inter-American system,8 composed of four main instruments: the Charter of theOrganization of American States (1948); the American Declaration of the Rights andDuties of Man (1948), which, although not being technically a treaty, outlines therights mentioned in the Charter of the OAS; the American Convention on HumanRights (1969), known as the Pact of San Jose of Costa Rica; and the AdditionalProtocol to the American Convention in the Area of Economic, Social and CulturalRights, dubbed the Protocol of San Salvador (1988).9

6 For a study on the European system of human rights protection, see Fawcett, James E. S., The applicationof the European Convention on Human Rights, Oxford: Clarendon Press, 1987; Flauss, Jean-François,Le droit de recours individuel devant la Cour européenne des droits de l’homme: le Protocole nº 9 àla Convention Européenne des Droits de l’Homme, Annuaire Français de Droit International, vol. 36,Paris, 1990, pp. 507-519; Mahoney Paul & Prebensen, Søren, The European Court of Human Rights,The European system for the protection of human rights., R. St. J. MacDonald; F. Matscher; H. Petzold(eds.), The Hague: Martinus Nijhoff Publishing, 1993, pp. 621-643; Harris, David; Janssen-Pevtschin,Geneviève, Le Protocole nº 11 à la Convention Européenne des Droits de l’Homme, Revue Trimestrielledes Droits de l’Homme, nº 20, out./1994, pp. 483-500; O’boyle, Michael & Warbrick, Colin, Law ofthe European Convention on Human Rights, London: Butterworths Publishing, 1995; Gomien, Donna;Harris, David & Zwaak, Leo, Law and practice of the European Convention on Human Rights and theEuropean Social Charter, Strasbourg: Council of Europe Publishing, 1996; Rideau, Joël, Le rôle del’Union Européenne en matière de protection des droits de l’homme, Recueil des Cours, vol. 265 (1997),pp. 9-480; Matscher, Franz, Quarante ans d’activités de la Cour Européenne des Droits de l’Homme,Recueil des Cours, vol. 270 (1997), pp. 237-398; and Lambert, Elisabeth, Les effets des arrêts de la CourEuropéenne des Droits de l’Homme: contribution à une approche pluraliste du droit européen des droitsde l’homme, Bruxelles: Bruylant Publishing, 1999.

7 About the African regional system, see Ngom, Benoît Saaliu, Les droits de l’homme et l’Afrique,Paris: Silex Publishing, 1984; Bello, Emmanuel G., The African Charter on Human and Peoples’Rights: a legal analysis, Recueil des Cours, vol. 194 (1985-V), pp. 9-268; Mbaye, Kéba, Les droitsde l’homme en Afrique, Paris: A. Pedone Publishing, 1992; Ouguergouz, Fatsah, La Charte Africainedes Droits de l’Hhomme et des Peuples: une approche juridique des droits de l’homme entre traditionet modernité, Paris: PUF, 1993; Umozurike, U. Oji, The African Charter on Human and Peoples’Rights, The Hague: Martinus Nijhoff Publishing, 1997; and Evans, Malcolm&Murray, Rachel (Eds.),The African Charter on Human and Peoples’ Rights: the system in practice, 1986-2006, 2nd ed.,Cambridge: Cambridge University Press, 2008.

8 See Ledezma, Héctor Faúndez. El sistema interamericano de protección de los derechos humanos: aspectosinstitucionales y procesales. San José: IIDH Publishing, 1999, 786p.

9 See Hitters, Juan Carlos. Derecho internacional de los derechos humanos, Tomo II: SistemaInteramericano. Buenos Aires: Ediar Sociedad Anónima Publishing, 1993; Nieto Navia, Rafael,Introducción al sistema interamericanodeprotección a los derechoshumanos,Bogotá:TemisPublishing,1993; Dulitzky, Ariel, Una mirada al sistema interamericano de derechos humanos, América LatinaHoy, nº 20, Salamanca: Instituto de Estudios de Iberoamérica y Portugal, 1998, pp. 9-19; and Andreu-Guzmán, Federico, 30 años de la ConvenciónAmericana sobre Derechos Humanos: todavía hay muchocamino por recorrer, El sistema interamericano de protección de los derechos humanos en el umbral delsiglo XXI, tomo 1., San José: Corte IDH, 2001, pp. 301-307.

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Throughout this Inter-American set of rules, there dwells the general obligationof protecting the “fundamental rights of the individual without distinction as torace, nationality, creed or sex”10 (Article 3, l, of the OAS Charter).11 In relation tothe international responsibility of the American States for violation of human rights,we should highlight the system proposed by the American Convention on HumanRights, in which the Member States of the OAS take part. This system does notexclude the subsidiary application of the system introduced by the OAS Charteritself, as detailed by Article 29(b) of the American Convention (entitled Rules ofInterpretation). It says that none of its provisions can be interpreted as “restrictingthe enjoyment or exercise of any right or freedom recognized by virtue of the lawsof any State Party or by virtue of Conventions to which one of the said States maybe a party”.12

The American human rights protection system historically originated withthe proclamation of the Charter of the Organization of American States (Charterof Bogotá),13 in 1948, adopted at the 9th Inter-American Conference, which alsocelebrated the Declaration of the Rights and Duties of Man.14 The latter formed thebasis of regulatory protection in the American system before the conclusion of theConvention (in 1969) and still remains the instrument of regional expression in thisarea, mainly to the non-parties to the American Convention.15

After the adoption of these two instruments, a gradual process of maturationof the mechanisms of human rights protection in the American system occurred,whose first step was the creation of a specialized body to promote and protecthuman rights within the OAS: the Inter-American Commission on Human Rights,a proposal adopted at the 5th Meeting of Foreign Ministers, held in Santiago,Chile in 1959. As initially proposed, the Commission should work temporarily

10 For the text in Portuguese, see Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Coletânea de direito internacional, cit., p.261.

11 For a study on the precedents of human rights protection in the OAS Charter, see Gros Espiell, Héctor, Lesystème interaméricain comme régime régional de protection internationale des droits de l’homme, cit., pp.13-20.

12 For the text in Portuguese, see Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Coletânea de direito internacional, cit., p.1006. For a study on the interpretation of this kind of international clause, seeMazzuoli, Valerio de Oliveira,Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno, São Paulo: Saraiva Publishing, 2010, pp. 116-128.

13 SeeMárquez, Edith. Documentos internacionales sobre los derechos humanos: la Carta de la OEA.Méxicoy las declaraciones de derechos humanos. México, D.F.: Instituto de Investigaciones Jurídicas de la UNAM,1999, pp. 217-232.

14 See Buergenthal, Thomas & Cassel, Douglas. The future of the Inter-American human rights system, Elfuturo del sistema interamericano de protección de los derechos humanos, San José: IIDHPublishing, 1998,pp. 539-572; Ayala Corao, Carlos, El sistema interamericano de promoción y protección de los derechoshumanos, México y las declaraciones de derechos humanos, México, D.F.: Instituto de InvestigacionesJurídicas de la UNAM, 1999, pp. 99-118; andAyala Corao, Carlos, Reflexiones sobre el futuro del sistemainteramericano de derechos humanos, Revista IIDH, vol. 30/31 (ediciónespecial), San José: IIDHPublishing,2001, pp. 91-128.

15 See Cançado Trindade, Antônio Augusto. Tratado de direito internacional dos direitos humanos, vol. III.PortoAlegre: SergioAntonio Fabris Publishing, 2003, pp. 33-34.

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until the establishment of an Inter-American Convention on Human Rights, whicheventually took place in San Jose, Costa Rica, in 1969.16

3. The American Convention on Human Rights

The American Convention on Human Rights,17 which is the key instrument ofthe Inter-American system of human rights, was signed in 1969 and entered intoforce on July 18, 1978, after having obtained the minimum of 11 ratifications. Onlythe Member States of the Organization of American States (OAS) have the right tobecome part of it. Its creation has strengthened the human rights system established bythe Charter of the OAS and made explicit by the American Declaration, thus makingthe Commission on Human Rights more effective. Until then, this Commission wasonly an organ of the OAS. Despite its importance in consolidating the system ofindividual liberty and social justice in the Americas, some countries like the UnitedStates ofAmerica, which has just signed it, and Canada have not ratified theAmericanConvention and, apparently, are not willing to do so. Brazil did not ratify it before1992. It was internally promulgated by the Decree 678 of November 6, in that year.The protection of human rights in the American Convention brings reinforcement

to or complements the protection provided by the internal laws of its States Parties(see the Preamble of the Convention). This means that it does not withdraw from theStates the primary competence to nurture and protect the rights of persons within theirjurisdiction. However, in cases of lack of shelter, or protection shorter than needed,the Inter-American system can interact, contributing to the common goal of protectinga certain right that the State has not guaranteed or preserved as it should.The Convention, in Part I, lists an array of civil and political rights similar to the

International Covenant on Civil and Political Rights of 1966. Among many otherswe find the right to life, the right to liberty, the right to be entitled to a fair and publichearing and an impartial trial, the right not to be held in slavery or servitude, the rightto freedom of conscience and belief, the right to freedom of thought and expression,and the right to name and nationality. In Part II the treaty sets out the means to achievethe protection of the rights listed in Part I.The basis of theConvention is found in its two first articles.18According toArticle 1,

entitled Obligation to Respect Rights, the States Parties to the Convention “undertaketo respect the rights and freedoms recognized herein and to ensure to all personssubject to their jurisdiction the free and full exercise of those rights and freedoms,

16 SeeGros Espiell, Hector. Le système interaméricain comme régime régional de protection internationale desdroits de l’homme, cit., pp. 35-37; and Ramos,André de Carvalho, Direitos humanos em juízo: comentáriosaos casos contenciosos e consultivos da Corte Interamericana de Direitos Humanos, São Paulo: MaxLimonad Publishing, 2001, pp. 57-58.

17 The official Brazilian version of the American Convention on Human Rights can be found published inMazzuoli, Valerio de Oliveira, Coletânea de direito internacional, cit., pp. 998-1015.

18 SeeGros Espiell, Héctor. Le système interaméricain comme régime régional de protection internationale desdroits de l’homme, cit., pp. 38-39.

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without any discrimination for reasons of race, color, sex, language, religion, politicalor other opinion, national or social origin, economic status, birth, or any other socialcondition”. In turn, Article 2 establishes that, “Where the exercise of any of the rightsor freedoms referred to in Article 1 is not already ensured by legislative or otherprovisions, the States Parties undertake to adopt, in accordancewith their constitutionalprocesses and the provisions of this Convention, such legislative or other measures asmay be necessary to give effect to those rights or freedoms”.19

It is important to observe that the American Convention does not specificallyestablish any social, economic or cultural right. It contains only a general predictionof such rights, which appears in Article 26, which declares that “The States Partiesundertake to adopt measures, both internally and through international cooperation,especially those of economic and technical nature, with a view to progressivelyachieving, by legislation or other appropriate means, the full realization of the rightsimplicit in the economic, social, educational, scientific, and cultural standards set forthin the Charter of the Organization of American States, as amended by the Protocol ofBuenos Aires, to the extent of available resources, by statute or other appropriatemeans”.20 In 1988, aiming at guaranteeing such rights, the General Assembly of theOAS adopted theAdditional Protocol to theAmerican Convention – the ESC Protocol,known as the Protocol of San Salvador, which entered into force in November 1999,when the 11th instrument of ratification was deposited, in accordance with Article 21of the Protocol.21 Brazil ratified the Protocol in 1999. It was internally promulgated byDecree 3321 of December 30, in that year. The ESC Protocol is notable for its inclusionof a “right to a healthy environment” inArticle 11, as follows: “1. Everyone shall havethe right to live in a healthy environment and to have access to basic public services.2. The States Parties shall promote the protection, preservation and improvement ofthe environment”.22

As to the other international instruments that compose the Inter-American system,these are also noteworthy: the Protocol to theAmerican Convention on Human Rightsto Abolish the Death Penalty (1990);23 the Inter-American Convention to Prevent andPunish Torture (1985); the Inter-American Convention on the Prevention, Punishmentand Eradication ofViolence againstWomen (1994), known as theConvention of Belem

19 For the text in Portuguese, see Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Coletânea de direito internacional, cit., p.999.

20 For the text in Portuguese, see Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Idem, p. 1005.21 See Piovesan, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, 7ª ed. rev., ampl. e atual. São

Paulo: Saraiva Publishing, 2006, p. 228.22 For the text in Portuguese, seeMazzuoli,Valerio deOliveira, Coletânea de direito internacional, cit., p. 1025.

About this theme in the ESC Protocol, see Shelton, Dinah, Environmental rights and Brazil fs obligations inthe Inter-American human rights system,TheGeorgeWashington International LawReview, vol. 40 (2009),pp. 733-777.

23 Brazil made the following statement at the signing of the Protocol: “In ratifying the Protocol toAbolish theDeath Penalty, adopted inAsunción on June 8, 1990, I declare that, due to constitutional obligations, I makea reservation in terms set out inArticle 2 of the Protocol in question, which guarantees to the States Partiesthe right to apply death penalty in wartime in accordance with the international law, for extremely seriouscrimes of a military nature”.

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do Para; the Inter-American Convention on International Traffic in Minors (1994);and the Inter-American Convention on the Elimination of All Forms of Discriminationagainst Persons with Disabilities (1999). Unfortunately, these instruments have notbeen ratified by many of the States Parties to the OAS, the only exception being theConvention of Belem do Para, which so far has been ratified by the expressive numberof 31 out of 35 Member States of the Organization.For the protection and monitoring of the established rights, the American

Convention is composed of two bodies: the Inter-American Commission on HumanRights and the Inter-American Court of Human Rights, as follows.

4. The Inter-American Commission on Human Rights

The origin of the Inter-American Commission on Human Rights was a resolutionand not a treaty. This was Resolution VIII of the Fifth Meeting of Consultation ofForeign Ministers, held in Santiago (Chile) in 1959.24 However, the Commissionbegan to operate in the next year, following what had been set by its first statute, underwhich its function would be to promote the rights established both in the OAS Charter,and in the Declaration of the Rights and Duties of Man.According to the Charter of the OAS, the Inter-American Commission on Human

Rights is not only an organ of the Organization of American States, but also an organof the American Convention on Human Rights, and thus has a double function. TheInter-American Court of Human Rights, in turn, is only an organ of the AmericanConvention. While all States Parties of theAmerican Convention must be members ofthe OAS, the converse is not true, since not all the members of the OAS are parties tothe American Convention.25

In this topic we will consider the Inter-American Commission more as an organ ofthe American Convention than as an organ of the OAS.26

The Commission consists of seven members who shall be persons of high moralauthority and recognized competence in the field of human rights. These members areelected individually by the General Assembly of the OAS, from a list of candidatesproposed by the governments of the Member States. Each of these governments maypropose up to three candidates, nationals of the proposing States, or of any otherMember of the organization. Whenever a list of three candidates is offered, at leastone of them shall be a national of a Member State other than the applicant. Thecommissioners are elected for four years and may be reelected only once, but theterms of the three members appointed at the first election shall expire after two years.

24 SeeGros Espiell, Hector. Le système interaméricain comme régime régional de protection internationale desdroits de l’homme, cit., p. 23; and Cançado Trindade,AntônioAugusto, Tratado de direito internacional dosdireitos humanos, vol. III, cit., pp. 34-35.

25 See Arrighi, Jean Michel. OEA: Organização dos Estados Americanos. Transl. by Sérgio Bath. Barueri:Manole Publishing, 2004, p. 52.

26 See Gros Espiell, Héctor. Le système interaméricain comme régime régional de protection internationaledes droits de l’homme, cit., pp. 23-34.

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Soon after such election, the names of these three members shall be drawn by lot inthe General Assembly. No more than one national of each country can take part in theCommission.The Commission represents all the Member States of the OAS and has as its main

function to promote the observance and protection of human rights. In exercising itsmandate, the commission has the following functions (Article 41):

a) to develop an awareness of human rights among the peoples ofAmerica;

b) to make recommendations to the governments of the Member States,when it considers such action advisable, for the adoption of progressivemeasures in favor of human rights within the framework of theirinternal law and constitutional provisions, as well as appropriatemeasures to further the observance of those rights;

c) to prepare such studies or reports as it considers advisable in theperformance of its duties;

d) to request the governments of the Member States to supply it withinformation on the measures adopted by them in matters of humanrights;

e) to respond, through the General Secretariat of the Organization ofAmerican States, to inquiries made by the Member States on mattersrelated to human rights and, within the limits of its possibilities, toprovide those States with the advisory services they request;

f) to take action on petitions and other communications pursuant toits authority under the provisions of Articles 44 through 51 of theConvention; and

g) to submit an annual report to the General Assembly of the Organizationof American States.27

One of the main competences of the Commission is to consider claims fromindividuals or groups of individuals, or from non-governmental entities legallyrecognized in one or more Member States of the OAS, related to infringements of thehuman rights contained in the American Convention by a State Party (Article 41, f).28

27 For the text in Portuguese, see Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Coletânea de direito internacional, cit., p.1008.

28 SeeGros Espiell, Hector. Le système interaméricain comme régime régional de protection internationale desdroits de l’homme, cit., pp. 27-30; Ramos,André de Carvalho, Processo internacional de direitos humanos:análise dos sistemas de apuração de violações dos direitos humanos e a implementação das decisões noBrasil, Rio de Janeiro: Renovar Publishing, 2002, pp. 229-238; and Piovesan, Flávia, Direitos humanos eo direito constitucional internacional, cit., pp. 232-233. For an overview of the cases against Brasil in theInter-American Commission until 2005, see Gomes, Luiz Flávio &Mazzuoli, Valerio de Oliveira, O Brasile o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, Novos rumos do direito penal contemporâneo:livro em homenagem ao Prof. Dr. Cezar Roberto Bitencourt, Schmidt, Andrei Zenkner (coord.), Rio deJaneiro: Lumen Júris Publishing, 2006, pp. 427-437.

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Thus, individuals, despite not having direct access to the Court, may also initiate theprocedure for the processing of the State, by presenting a petition to the Commission.Under Article 44 of the Convention it is stated that: “Any person or group of persons,or any non-governmental entity legally recognized in one or more Member States ofthe Organization, may lodge petitions with the Commission containing denunciationsor complaints of violation of this Convention by a State Party h.29 This is an exceptionto the so-called optional clause (which allows the State Party to manifest on whetheror not it accepts this mechanism), since the Convention provides that any personor group of persons (whether national or not) can make use of the Inter-AmericanCommission, independently of the State’s express declaration recognizing thissystematic. Hence Hélio Bicudo’s observation that the Inter-American Commission“has a quasi-jurisdictional function, since it receives the denunciations presented bythe victims of violation of fundamental rights by the States, or by any person or non-governmental organizations, or any that has not found recognition or protection bythese same States” [emphasis added].30Notwithstanding, for the acceptance of a petition on violation of the Convention

and the human rights recognized by it, such petition should fulfill the requirementsof Article 46(1) of the American Convention, namely: a) that the remedies underinternal law have been pursued and exhausted in accordance with generallyrecognized principles of International Law (the principle of prior exhaustion ofinternal remedies); b) that the petition or communication is lodged within a periodof six months from the date on which the party alleging violation of his rights wasnotified of the final judgment; c) that the subject of the petition or communicationis not pending in another international process for settlement (i.e. no internationallis pendens or res judicata). However, for the first and second conditions, one mustobserve the provisions of paragraph 2 of the same Article 46, according to whichthe provisions of subparagraphs a and b mentioned above do not apply when: a) theinternal legislation of the State concerned does not afford due process of law for theprotection of the right or rights that have allegedly been violated; b) the party allegingviolation of his rights has been denied access to the remedies under internal law orhas been prevented from exhausting them; and c) there has been unwarranted delay inrendering a final judgment under the aforementioned remedies.31In the practice of the Inter-American system, the rule of prior exhaustion of internal

remedies has been (with absolute consistency) interpreted restrictively, thus mitigating itsscopewhen the victimof the human rights violation does not have the necessarymeans andconditions to assuredly exhaust internal legal action before triggering the Inter-American

29 For the text in Portuguese, see Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Coletânea de direito internacional, cit., p.1008.

30 Bicudo, Hélio. Defesa dos direitos humanos: sistemas regionais, Estudos Avançados, vol. 17, nº 47, SãoPaulo, 2003, p. 231.

31 For the text in Portuguese, seeMazzuoli,Valerio deOliveira, Coletânea de direito internacional, cit., p. 1009.About this theme, see Gros Espiell, Héctor, Le système interaméricain comme régime régional de protectioninternationale des droits de l fhomme, cit., p. 45.

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Commission procedures.32 The Commission, in accordance with such conventionalarrangement, has thus made it easier for claimants to establish the admissibility of theirpetitions or communications when at least one of these factors is present.33 In this case theState may even be liable internationally, exactly for not having provided the claimant withlegal means to repair the damage caused by the violation of human rights.The procedure before the Commission is governed by the Articles 48 to 51 of the

Convention. According to Article 48(1), when the Commission receives a petition orcommunication alleging violation of any of the rights protected by this Convention, itshall proceed as follows:

a) if it considers the petition or communication admissible, it shallrequest information from the government of the State indicated asbeing responsible for the alleged violations, and shall furnish thatgovernment a transcript of the pertinent portions of the petitionor communication. This information shall be submitted within areasonable period to be determined by the Commission in accordancewith the circumstances of each case;

b) after the information has been received, or after the periodestablished has elapsed and the information has not been received,the Commission shall ascertain whether the grounds for the petitionor communication still exist. If they do not, the Commission shallorder the closing of the record;

c) the Commission may also declare the petition or communicationinadmissible or out of order on the basis of information or evidencesubsequently received;

d) if the record has not been closed, the Commission shall, with theknowledge of the parties, examine the matter set forth in the petitionor communication in order to verify the facts. If necessary andadvisable, the Commission shall carry out an investigation, for theeffective conduct of which it shall request, and the States concernedshall furnish to it all necessary facilities;

e) the Commission may request the States concerned to furnish anypertinent information and, if so requested, shall hear oral statementsor receive written statements from the Parties concerned; and

f) the Commission shall place itself at the disposal of the Partiesconcerned with a view to reaching a friendly settlement of thematter on the basis of respect for the human rights recognized in thisConvention (conciliatory phase).34

32 About this theme, see the classic work by Cançado Trindade,AntônioAugusto, O esgotamento de recursosinternos no direito internacional, 2ª ed. atual. Brasília: Universidade de Brasília Publishing, 1997, 327p.

33 See CançadoTrindade,AntônioAugusto. Tratado de direito internacional dos direitos humanos, vol. III, cit.,pp. 39-40.

34 For the text in Portuguese, seeMazzuoli,Valerio deOliveira, Coletânea de direito internacional, cit., p. 1009-1010.

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However, in serious and urgent cases, only the presentation of a petition orcommunication that fulfills all the formal requirements of admissibility shall benecessary in order for the Commission to conduct an investigation with the priorconsent of the State in whose territory a violation has allegedly been committed(Article 48, 2).According to Article 49, if a friendly settlement has been reached in accordance

with paragraph 1(f) of Article 48, the Commission shall draw up a report, which shallbe transmitted to the petitioner and to the States Parties to the Convention, and shallthen be communicated to the Secretary General of the Organization of AmericanStates for publication. This report shall contain a brief statement of the facts and thesolution found. If any party in the case so requests, the fullest possible informationshall be provided to it. If a settlement is not reached, the Commission shall, withinthe time limit established by its Statute, draw up a report (first report) setting forth thefacts and stating its conclusions. If the report, in whole or in part, does not representthe unanimous agreement of the members of the Commission, any member mayattach to it a separate opinion. The written and oral statements made by the parties inaccordance with paragraph 1(e) of Article 48 shall also be attached to the report. Thereport shall be transmitted to the States concerned, which shall not be at liberty topublish it. In transmitting the report, the Commission may make such proposals andrecommendations as it sees fit (Article 50, 1 to 3). If the State does not meet theserecommendations, and if the petitioner is in agreement, the case is then submitted tothe Court by the Commission.35If, within a period of three months from the sending of the Commission report

to the States concerned, the matter has not either been settled or submitted by theCommission or the State concerned to the Court, and its jurisdiction accepted, theCommission – now in the phase of the second report– may, by the vote of an absolutemajority of its members, set forth its own opinion and conclusions concerning thequestion submitted to its consideration.36 This phase of the second report, as noted,will only occur when “the matter has not been resolved or [has not been] submittedto the Court’s decision [in general, because the State is not Party to the AmericanConvention or, if is, has not yet recognized the contentious jurisdiction of the Court]by the Commission or the State concerned” (Article 51, 1).37 Note that the term “hasnot been” also binds to the last phrase “submitted to the Court decision”, which leadsus to conclude that only if the case was not submitted to the Court’s decision wouldthe Commission continue to its internal procedure of (non-judicially) processingthe State, thus editing its second report.38 At this stage, the Commission shall makepertinent recommendations and shall prescribe a period within which the State is to

35 SeeArrighi, JeanMichel. OEA: Organização dos EstadosAmericanos, cit., p. 108.36 See Piovesan, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, cit., p. 236.37 For the text in Portuguese, see Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Coletânea de direito internacional, cit., p.

1010.38 SeeMazzuoli, Valerio de Oliveira. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, cit., p.

255.

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take the measures that are incumbent upon it to remedy the situation examined. Whenthe prescribed period has expired, the Commission shall decide by the vote of anabsolute majority of its members whether the State has taken adequate measures andwhether to publish its report (Article 51, 2 and 3).The States that have not ratified the American Convention are not relieved from

their obligations under the OAS Charter and the Declaration of the Rights and Dutiesof Man, of 1948. They may normally trigger the American Commission, which willmake recommendations to governments with respect to the human rights violated inthe State concerned. As mentioned before, this happens because the Inter-AmericanCommission, besides being an organ of the American Convention, is also (originally)an organ of the OAS. In case of not-respecting what has been established by theCommission, this could trigger the General Assembly of the OAS to impose furthersanctions against the State.39 Although the imposing of international sanctions onhuman rights violators is not expressly mentioned among the powers of the GeneralAssembly (under Article 54 of the Charter of the OAS), the fact is that, while apolitical body, it is responsible for ensuring compliance with the provisions of the OASCharter, which, in this case, would be a violation of human rights.40 This subsidiarysystem of the OAS will only be extinguished from the day when all American Stateshave ratified the American Convention and accepted the contentious jurisdiction ofthe Inter-American Court.Notice, therefore, that there is a functional split as to the duties of the Commission,

which can act both as an organ of the OAS, or an organ of the American Convention(in the latter case, assuming that the States Parties to the Convention have alreadyaccepted the contentious jurisdiction of the Inter-American Court). The Commission,then, is at the same time an Inter-American system organ of “general vocation” (whenit acts as an OAS organ), and a “procedural organ” of that same system (in thefunctions assigned by the Convention).41 This is the ambivalent or two-faced aspectof the Commission, to which we referred above. There is no doubt, however, thatthe system of the American Convention is superior to the OAS system. First of all,it covers many more rights than those mentioned in both the OAS Charter and theAmerican Declaration; second, because the judgments of the Inter-American Courtare binding on the States Parties to the Convention, which is not the case with therecommendations of the quasi-judicial system of the OAS Charter.42

To finish this study on the Commission, let us remember that three Brazilians havealready chaired the Inter-American Commission on Human Rights: the jurist Carlos

39 See Gros Espiell, Héctor. Le système interaméricain comme régime régional de protection internationaledes droits de l’homme, cit., pp. 30-31.

40 See Ramos, André de Carvalho. Direitos humanos em juízo…, cit., pp. 68-69; and also his Processointernacional de direitos humanos…, cit., pp. 221-224 (in these twoworks, for obvious typo, the author refersto theArt. 53 of the OAS Charter, when the device which addresses the powers of the GeneralAssembly istheArt. 54 of the Charter).

41 See Bicudo, Hélio. Defesa dos direitos humanos: sistemas regionais, cit., p. 231.42 See Ramos,André de Carvalho. Direitos humanos em juízo…, cit., p. 71.

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Alberto Dunshee de Abranches (1969-1970), Professor Gilda Maciel Correa MeyerRussomano (1989-1990), and the lawyer Hélio Bicudo (1999-2000). More recentlyMr. Paulo Sérgio Pinheiro, also a Brazilian, participated in the Commission (not asPresident). His mandate expired on December 31, 2007.

5. The Inter-American Court of Human Rights

The Inter-American Court of Human Rights – which is the second organ ofthe American Convention – is the jurisdictional organ of the American system thataddresses the cases of human rights violations alleged to have been committed bythe States Parties of the OAS that have ratified the American Convention.43 This is asupranational tribunal able to condemn the States Parties to the American Conventionfor human rights violations. The Court does not belong to the OAS, but to theAmerican Convention, having the nature of an international judicial body. This isthe second court of human rights established in regional contexts (the first was theEuropean Court of Human Rights, based in Strasbourg, responsible for implementingthe 1950 Convention44). Its birth was in 1978, on the entry into force of the AmericanConvention, but its operation was effective only in 1980 when it issued its firstadvisory opinion, and seven years later, when it issued its first ruling.45

The Inter-American Court – which is based in San Jose, Costa Rica – is composedof seven judges (always of different nationalities) from the Member States of theOAS. They are elected on account of their individual capacity from among jurists ofthe highest moral authority and recognized competence in questions of human rights,who meet the conditions required for the exercise of the highest judicial functions,in accordance with the law of the State of which they are nationals or the State thatproposes them as candidates (section 52). The judges of the Court are elected for aperiod of six years and may be reelected only once. They must remain in office untilthe expiration of their term. There is also the possibility of a respondent State to offeran ad hoc judge (eighth judge) to the Court, which sometimes is not well regardedby other States, although this possibility has been often used. The quorum for thedeliberations of the Court is of five judges (Article 56).

43 For details, see Dunshee de Abranches, Carlos Alberto, The Inter-American Court of Human Rights,American University Law Review, vol. 30 (1980), pp. 79-125; Buergenthal, Thomas, The Inter-AmericanCourt of Human Rights, American Journal of International Law, nº 76, april/1982, pp. 1-27; and Dwyer,Amy S., The Inter-American Court of Human Rights: towards establishing an effective regional contentiousjurisdiction, Boston College International and Comparative Law Review, vol. 13 (1990), pp. 127-166.

44 For a detailed comparison between the two systems, see Gros Espiell, Héctor, La ConventionAméricaine etla Convention Européenne desDroits de l’Homme: analyse comparative, Recueil des Cours, vol. 218 (1989-VI), pp. 167-412.

45 See Buergenthal, Thomas. Recordando los inicios de la Corte Interamericana de Derechos Humanos,Revista IIDH, vol. 39, San José, Costa Rica: IIDH Publishing, 2004, pp. 11-31; and Arrighi, Jean Michel,OEA: Organização dos EstadosAmericanos, cit., pp. 105-107.

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The Court has an advisory jurisdiction (on the interpretation of the provisionsof the Convention as well as the provisions of treaties concerning the protection ofhuman rights in the American States46), as well as a contentious jurisdiction, suitablefor the trial of concrete cases, when one some of the States Parties of the AmericanConvention is alleged to have violated any of its precepts.47 However, the contentiousjurisdiction of the Inter-American Court is limited to States Parties to the Conventionthat explicitly recognize its jurisdiction. This means that a State Party to theAmericanConvention cannot be sued in Court if he does not accept its contentious jurisdiction.In ratifying the American Convention, the States Parties automatically accept theadvisory jurisdiction of the Court. However, as to the contentious jurisdiction, this isoptional and may be accepted later.This was the way found by the American Convention to make the States ratify the

Convention, without fear of becoming immediately defendants. It was an internationalpolicy strategy that paid off. Brazil adhered to the contentious jurisdiction of the Courtin 1998, through the Legislative Decree 89, on December 3. According to this Decreeonly the allegations of human rights violations that occurred after the recognitioncan be submitted to the Court (note the temporal clause of Brazil in accepting thecontentious jurisdiction of the Inter-American Court: Brazil is only liable to be suedbefore the Court from this recognition on). It must be pointed out that there was noneed of an Executive decree for the promulgation of the recognition of the Court’scontentious jurisdiction, beyond that Legislative Decree 89/98, since it has onlyauthorized the Executive to accept the jurisdiction of the Court, not having innovatedthe Brazilian legal order (thus dispensing the enactment of the same by means of anew presidential decree).48It is noteworthy that both individuals and private institutions are prevented from

entering directly to the Court (Article 61), unlike what occurs in the European Courtof Human Rights.49 The Commission – which in this case acts as a primary instanceto the jurisdiction of the Court – is the one that will refer the case to the Court. Thiscan also be done by another Member State, provided that the country accused haspreviously accepted the Court’s jurisdiction to act in such a context – i.e. to dealin interstate cases involving human rights – either requiring or not the reciprocitycondition.50 It must be stressed also that the Commission (in the cases triggered by

46 See Buergenthal, Thomas. The advisory practice of the Inter-American Human Rights Court, AmericanJournal of International , vol. 79 (1985), pp. 1-27; and Miguel, Carlos Ruiz, La función consultiva en elsistema interamericano de derechos humanos: ¿crisálida de una jurisdicción supra-constitucional? Liberamicorum: Héctor Fix Zamudio, vol. II. San José: CIDH, 1998, pp. 1345-1363.

47 SeeGros Espiell, Héctor. El procedimiento contencioso ante la Corte Interamericana deDerechosHumanos,Boletin Mexicano de Derecho Comparado, vol. 19 (1986), pp. 511-548.

48 SeeRamos,André de Carvalho. Direitos humanos em juízo…, cit., p. 61.49 See, about this theme, Cançado Trindade, Antônio Augusto, Evolution du droit international au

droit des gens: l’accès des individus à la justice internationale (le regard d’un juge), Paris: A.Pedone Publishing, 2008, 188p.

50 See Rezek, Jose Francisco. Direito internacional público: curso elementar, 9ª ed., rev. São Paulo: SaraivaPublishing, 2002, p. 215.

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individuals) can not act as a party in such a case, since it has already acted as to theadmissibility of the case.

The Court neither reports cases nor makes any recommendation in exercising itscontentious jurisdiction, but gives sentences that, according to the Pact of San Jose arefinal and binding. In other words, the Court’s judgments are binding in those Statesthat recognize its jurisdiction over litigation.51 When the Court declares the occurrenceof violations of right safeguarded by the Convention, it demands the immediate repairof the damage and requires, if applicable, the payment of just compensation to theinjured party. Under Article 68 of the Convention it is said that the States Parties tothe Convention undertake to comply with the judgment of the Court in any case towhich they are parties. The part of a judgment that stipulates compensatory damagesmay be executed in the country concerned in accordance with its internal proceduresgoverning the execution of judgments against the State.

6. Processing of the State Before the Court

If the State concerned refuses to accept the conclusions established by the Inter-American Commission in its first report (or preliminary report), it can refer the caseto the Inter-American Court, provided that the State has recognized its compulsoryjurisdiction. This drive of the Court by the Commission is done by means of judicialproceedings, just like the bringing of any action into court under the rules of civilprocess. Beyond the Commission, however, other States (which also have expresslyrecognized the contentious jurisdiction of the Court) may also process a State beforethe Court, since the human rights guarantee is an objective requirement of interest toall States Parties to the American Convention.52 This last case, being a denunciationof one State against another, has never occurred in the Inter-American system (forobvious reasons).The rite of the processing of the State before the Inter-American Court is stated

in the Rule of Court. The version currently in force, is dated of November 24, 2009.It was approved by the Court in its LXXXV Ordinary Period of Sessions. This is thefifth Regulation of the Inter-American Court since its establishment.The action of the Commission shall be brought before the Secretariat of the Court

(in San Jose, Costa Rica), through the docket of the application of demand in theworking languages (which are Spanish, English, Portuguese and French). The petitionmust give the claims (including those relating to reparations and costs); the parties inthe case; the statement of the facts; the resolutions to initiate the procedure and theadmissibility of the complaint by the Commission; the supporting evidence, stating

51 SeeCançado Trindade,AntônioAugusto. Tratado de direito internacional dos direitos humanos, vol. III, cit.,p. 52.About the authority of international judgments, see Brant, Leonardo Nemer Caldeira, L’autorité de lachose jugée en droit international public, Paris: LGDJ Publishing, 2003, 396p.

52 See Ramos,André de Carvalho. Direitos humanos em juízo…, cit., pp. 88-99.

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the facts on which they will deal; the individualization of the witnesses and expertsand the object of their statements; the ground laws and the relevant conclusions.

Moreover, to examine the case the Court must receive the follow ing informationfrom the Commission: a) the names of the Delegates; b) the names, address, telephonenumbers, electronic addresses and facsimile number of the representatives of thealleged victims, if applicable; c) the reasons leading the Commission to submit thecase before the Court and its observations on the answer of the respondent State tothe recommendations of the report to which Article 50 of the Convention refers (v.its content infra); d) a copy of the entire case file before the Commission, includingall communication following the issue of the report to which the Article 50 of theConvention refers; e) the evidence received, including the audio and the transcription,with an indication of the alleged facts and arguments on which they bear (theevidence received in an adversarial proceeding will be indicated); f) when the Inter-American public order of human rights is affected in a significant manner, the possibleappointment of expert witnesses, the object of their statements, and their curriculavitae; and g) the claims, including those related to reparations. When it has not beenpossible to identify one or more of the alleged victims who figure in the facts of thecase because it concerns massive or collective violations, the Tribunal shall decidewhether to consider those individuals as victims (v.Article 35 of the Rule of Court).Asthe Inter-American Commission is the plaintiff, the complaint must be accompaniedby the report referred to in the quoted Article 50(1) of the Convention (in verbis: “asettlement is not reached, the Commission shall, within the time limit established byits Statute, draw up a report setting forth the facts and stating its conclusions h53).Afterthe suit is proposed, the President of the Court will preliminarily examine the demandby checking whether or not all the requirements necessary for its commencementwere met, and may require the applicant to remedy deficiencies within twenty days(Article 38 of the Rules of Court).54

It is interesting to remark that the new Rules of the Court (2009) now provide forthe figure of an “Inter-American Defender”, who will act, by the Court’s designation,in the cases where the alleged victims don’t have a duly accredited legal representation(v. Article 37).According to Article 28(1) of the Rules of the Inter-American Court, the demand,

its defense, the written pleadings, motions, other evidences and petitions to the Courtmay be submitted in person, via courier, facsimile, telex, mail and other meansgenerally used. In case of submission by electronic means, the original documents, aswell as the proof that follows, should be submitted within 21 days (and this is a non-extendable deadline) from the written documents last submission day. In the previous

53 For the text in Portuguese, see Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Coletânea de direito internacional,cit., p. 1010.

54 See Mazzuoli, Valerio de Oliveira. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos,cit., pp. 279-280.

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Regulation (of 2000) the time limit was of only seven days (under Article 26, 1),considered too exiguous.The preliminary stage of the demand will be followed by the citation of the State

defendant and the subpoena of the Inter-American Commission when it is not theplaintiff (the Commission will act in this case as custos legis). The adversary systemprocedures are then begun, in which the State defendant may submit preliminaryobjections within two months of its citation. If the Brazilian State is the defendant, itshould act through the international office of the Solicitor-General of the Union, withoperational support from the Ministry of Foreign Affairs. It has to be mentioned thatnothing prevents the applicant from quitting the process. If the State defendant hasnot yet been cited, the withdrawal must necessarily be accepted. After the defendantis cited, the Court may accept or refuse the withdrawal of the applicant (to make thisdecision, representatives of the victims or their relatives etc., should be heard). It mayalso occur that the State defendant accepts, by notifying the Court, the claims of theplaintiff (which, obviously, occurs infrequently), in which case the Court will decideon the merits of compliance and its legal effects, setting – in case of observance –repairs and compensation due.55

Nothing prevents the parties from reaching an amicable settlement for the dispute,by informing the Court of the solution found. In this case, the Court approves theconciliation, acting now as a supervisor of the human rights standards protectedby the American Convention. Nothing also prevents the Court from not approvingthe conciliation of the parties, taking into account some aspects of the cooperativeagreement between them (Articles 63 and 64 of the Rules of Court).The defendant, within the fixed period of four months following the notification

of the case, has the right to present his defense, when he should gather thenecessary documents to prove his arguments as well as call witnesses and experts.Such defense shall be communicated by the Secretary to the persons mentionedin Article 39(1), a, c and d, of the Rules of the Court which are: the Presidentand the Court judges; the Commission, provided it is not the plaintiff; and thealleged victim, his/her representatives, or the Inter-American Defender, if this isthe case.Preliminary exceptions may only be invoked in the contestation of the demand.

Together with their filing, the facts concerned them should be exposed, as well asthe grounds of law, the conclusions, the supporting documents with the indication ofevidence that the author of the exception may intend to enforce. The presentation ofpreliminary exceptions shall have no suspensive effect on the proceedings as for merits,deadlines and terms thereof. The parties interested in presenting written responses tothe preliminary exceptions may do so within a period of thirty days from the receiptof the notice. When considered indispensable by the Court, it may convene a specialhearing for the preliminary exceptions, after which it will decide on them. However,

55 See Ramos,André de Carvalho. Direitos humanos em juízo…, cit., pp. 90-91.

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the Court may also decide in a just a single sentence the preliminary exceptions andmerits of the case, according to the principle of economy of procedure (Article 42 ofthe Rules of the Court).Next step, the President of the Court shall fix the date of the opening of the oral

procedure and set the necessary hearings (Article 45 of the Rules).After concluding the discovery process (with the discussions, the questions during

the debates etc.56) the Court shall proceed to the deliberation and delivery of thejudgment of merits. This shall contain: a) the names of the person who presides inthe Court, Judges who rendered the decision, the Secretary and the Deputy Secretary;b) the identity of those who participate in the proceedings and their representatives;c) a description of the proceedings; d) the facts in the case; e) the submissions ofthe Commission, the victims or their representatives, the respondent State, and, ifapplicable, the petitioning State; f) the legal arguments; g) the ruling on the case; h)the decisions on reparation and costs, if applicable; i) the result of the voting; and j) astatement indicating which text of the judgment is authentic (Article 65 of the Rulesof the Court).When the sentence on themerit of the case does not rule specifically on reparations,

the Court will set the opportunity for a posterior decision and indicate the procedure.57

If the Court is informed that the parties to the proceedings came to an agreementon enforcement of the judgment of merits, it will verify whether the agreement isconsistent with the Convention and will decide what it sees fit in the matter (Article66, 1 and 2).Notification of the award to the parties is made by the Court Secretariat. Until the

parties are notified of the sentence, the texts, the arguments and votes will remainsecret. The sentences will be signed by all the judges who participated in the vote andby the Secretary. However, the sentence shall be valid when signed by amajority of thejudges and the Secretary. The originals of judgments shall be deposited in the archivesof the Court. The Secretary shall deliver certified copies to the States Parties, to theparties concerned, to the Permanent Council through its President, to the SecretaryGeneral of the OAS and all other interested persons who so requests.

7. Internal Effectiveness of Sentences Passed by the ICHR – the Case ofBrazil

A complex legal issue that arises in relation to decisions made by the Inter-American Court – a discussion that is also extensive to the judgments of any of theinternational courts known today – relates to the alleged need for such decisions to be

56 On the probative question in the Inter-American Court, seeBovino,Alberto,Aatividade probatória perante aCorte Interamericana de Direitos Humanos, SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos, ano 2, nº 3,São Paulo: Rede Universitária de Direitos Humanos Publishing, 2005, pp. 61-83.

57 See Rescia, Víctor Manuel Rodríguez. Las reparaciones en el sistema interamericano de protección de losderechos humanos, Revista IIDH, vol. 23, San José: IIDH Publishing, 1996, pp. 129-150.

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subject to homologation by the Superior Court of Justice (STJ – Superior Tribunal deJustiça) to be internally effective in Brazil.58An observation to be made here is that we are not dealing with a problem regarding

the homologation of foreign judgments by the STJ, but of international judgments,which is a different issue, for the reasons discussed below.The subject is regulated in Brazil by the Federal Constitution of 1988 (Article 105,

I(i), introduced by the Constitutional Amendment 45/2004), the Law of Introductionto the Civil Code (Articles 15 and 17), the Code of Civil Procedure (Articles 483and 484) and the Internal Rules of the Supreme Court (Articles 215 to 224). On aninternational level, there are rules for this matter in the Bustamante Code of 1928,still in force in Brazil (Article 423 et seq.)In our view, the sentences handed down by international courts do not require

homologation by the STJ. In the specific case of judgments of the Inter-AmericanCourt, the rule contained in Article 105, inc. I, point i, introduced by ConstitutionalAmendment 45/2004 and repeated by Article 483 of the Code of Civil Procedure, whichstates that “the sentence pronounced by a foreign court will not be effective in Brazilunless after passing through homologation by the Supreme Court, is not applicable”59

[presently, after the Constitutional Amendment 45/2004, the competent court is theSuperior Court of Justice]. Judgments handed down by “international courts” donot fit in the guise of foreign judgments referred to by the instruments mentioned.“Foreign judgments” should be understood as ones pronounced by a court under thesovereignty of any State, and not emanating from an international tribunal which hasjurisdiction over its own States Parties.One might think that a foreign judgment is any that is not national and, therefore,

is an award either made by the judiciary of any State, or issued by an internationalcourt. Both should then be subject to homologation before they accomplish theirinternal purposes in Brazil. However, this argument does not seem to find solid legalbasis, when differentiating the legal status and procedure of foreign judgments fromthat of international courts.

It is known that international law is not to be confused with the so-called foreignlaw. This has to do with the international legal regulations, in most cases done byinternational standards. International law, therefore, disciplines the performanceof the States, international organizations, and also individuals in the internationalscenario. The foreign law, however, is the one subject to the jurisdiction of a certainState, such as the Italian, French or German Law, and so on. It is any law subject to thejurisdiction of another country other than Brazil. A verdict pronounced in Argentinawill always be foreign. But how about another made by the Inter-American Court of

58 Before the entry into force of the Constitutional Amendment 45/2004, the jurisdiction for homologation offoreign judgmentswas subjected to the SupremeCourt. See, about this theme,Mazzuoli,Valerio deOliveira.Sentenças internacionais no Supremo Tribunal Federal, Jornal Correio Braziliense, supplement “Law &Justice”, Brasília, 14.10.2002, p. 3.

59 For the text in Portuguese, see Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Coletânea de direito internacional, cit., p.1562.

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Human Rights, will it be foreign, too? There is no way to answer the question butnegatively. Every court “that knows legal issues not likely to be decided by a nationalcourt is considered an international court”,60 and the sentence it pronounces will alsobe qualified accordantly. The sentences handed down by “international courts” willbe international judgments in the same proportion that the sentences handed down by“foreign courts” will be foreign judgments, not to be confused with each other.There is, therefore, clear distinction between foreign judgments (subject to the

sovereignty of any State) to which Article 483 of the Code refers, and the internationaljudgments rendered by international courts that do not bind to the sovereignty of anyState, but, on the contrary, have jurisdiction over the State itself.One of the Brazilian internationalists who have expressly indicated such

discernment is José Carlos de Magalhães, who teaches:“It should be stressed that an international judgement, although it can have the

character of a foreign judgment, for not coming from a national judicial authority,is not always the same thing. An international sentence consists of a judicial actemanating from an international judiciary organ of which the State is a Party, eitherbecause it accepted the compulsory jurisdiction, such as the Inter-American Court ofHuman Rights, or because, in special agreement, agreed to submit the solution of aparticular dispute to an international body such as the International Court of Justice.The same can be said of submitting a dispute to an international arbitration court,giving specific jurisdiction for the designated authority to decide the dispute. In bothcases, the submission of the State to the jurisdiction of the International Court, or tothe arbitrators, is optional. One can accept it or not. However, if accepted by a formaldeclaration, as is authorized by the Legislative Decree 89 of 1998, the State is obligedto comply with the decision that will be given. If it does not, it will not be complyingwith an obligation of international character and thus subject to sanctions that theinternational community has the right to apply”.And the same professor concluded:“One such sentence is, therefore, not dependent on homologation by the Supreme

Court [the Superior Court of Justice], even as it itself may have been the Power thatviolated the human rights for which the compensation was determined. It is not, inthis case, an inter alios sentence strange to the country. Being part of it, it needs to becomplied with, as one would comply with the decision of its own courts”.61

This will lead us to the conclusion that the STJ has neither constitutional, norlegal authority to provide the homologation of judgments pronounced by internationalcourts, which decide over the alleged sovereign State power, and have jurisdiction overthe State itself. To think otherwise is subversive to the international principles that seek

60 Brownlie, Ian. Princípios de direito internacional público. Transl. by Maria Manuela Farrajota (et all.).Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian Publishing, 1997, p. 603.

61 Magalhães, Jose Carlos de. O Supremo Tribunal Federal e o direito internacional: uma análise crítica. PortoAlegre: Livraria doAdvogado Publishing, 2000, p. 102. In this same sense, seeRamos,André de Carvalho,Direitos humanos em juízo…, cit., pp. 496-497; and his Processo internacional de direitos humanos…, cit.,pp. 331-336.

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to govern the community of States as a whole, with a view to the perfect coordinationof the powers of the States in this international scenario of rights protection.In short, the judgments of theCourt, by thewording ofArticle 68(1) of theAmerican

Convention, have immediate effect on domestic law, and should be enforced (spontesua) by the authorities of the condemned State.

8. The Problem of Enforcement of the Court Judgments in Brazil

Unfortunately, the Inter-American system of human rights still lacks an effectivesystem of enforcement of the Court judgments under the internal legislation of theStates condemned, in spite of Article 68(1) of the American Convention, whichexpressly provides for the commitment of States Parties in “accepting the decision ofthe Court in any case in which they are parties”.62 Also Article 65, in fine, determinesthat the Court shall inform the General Assembly of the organization of the “caseswhere a State has not complied with its judgments”.63The first international condemnation of Brazil for violation of rights protected

under the American Convention was related to the Case of Damião Ximenes Lopes,which came from Demand 12.237, referred by the Inter-American Commission onHuman Rights (which is based in Washington, in the United States) to the Inter-American Court of Human Rights (located in San Jose, Costa Rica) on October 1st,2004. The case concerned the death of Mr. Damião Ximenes Lopes (who suffered frommental retardation) in a health center called Guararapes Nursing Home, located inSobral, in the State of Ceará, which is part of the Brazilian Unified Health System.While in the hospital for psychiatric treatment, the victim suffered torture and ill-treatments by the attendants of the said Nursing Home. The failure to investigateand punish those responsible, and the lack of judicial guarantees, we considered toviolate the Convention in four main articles: 4 (right to life), 5 (right to physicalintegrity), 8 (right to judicial guarantees) and 25 (right to judicial protection). Inits decision of July 4, 2006 – which was the first judgment in the Inter-Americansystem concerning human rights violations of persons with a disability – the Inter-American Court determined, among other things, the obligation of the BrazilianState to investigate those responsible for the death of the victim, to conduct trainingprograms for professionals in psychiatric care, and to pay compensation (within oneyear) to the victim’s family for material and immaterial damage, totaling US$146thousand (equivalent to R$ 280.532,85 at that time).

62 For the text in Portuguese, see Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Coletânea de direito internacional, cit., p.1013.

63 For the text in Portuguese, see Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Idem, p. 1012.About this theme, seeArrighi,Jean Michel, OEA: Organização dos Estados Americanos, cit. p. 108; Rescia, Víctor Manuel Rodríguez,La ejecución de sentencias de la Corte, El futuro del sistema interamericano de protección de los derechoshumanos, Méndez Juan E. & Cox Francisco (coords.), San José: IIDH Publishing, 1998, pp. 449-490; andMazzuoli, Valerio de Oliveira, Comentários à ConvençãoAmericana sobre Direitos Humanos, cit., pp. 308-310.

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The Brazilian government, in this case, decided to pay immediately, sponte sua,the amount ordered by the Inter-American Court, in deference to the rule of Article68(1) of the Pact of San Jose, which provides that “States Parties to the Conventionundertake to comply with the decision of the Court in any case in which they areparties”. Through the Decree 6185 of August 13, 2007, the President authorized theSpecial Secretariat for Human Rights of the Presidency to “promote the necessarysteps to comply with the decision of the Inter-American Court of Human Rights,issued on July 4, 2006, regarding the case Damião Ximenes Lopes, especially thecompensation for the violations of human rights to the family” (Article 1st).In another case tried by the Inter-American Court (the second case against Brazil

before the Court), the Brazilian State was victorious, winning an acquittal. This wasthe case Nogueira Carvalho vs. Brazil, submitted to the Court on January 13, 2005, bythe Inter-American Commission. The demand proposed by the Commission aimed tohold the Brazilian State responsible for violating the rights provided for under Articles8 (Judicial Guarantees) and 25 (Judicial Protection) of the American Convention, tothe detriment of Jaurídice Nogueira de Carvalho and Geraldo Cruz de Carvalho, forthe alleged lack of due diligence in the process of investigating the facts and punishingthose responsible for the death of their son Francisco Gilson Nogueira de Carvalho,and lack of provision of an effective remedy in this case. Mr. Gilson Nogueira deCarvalho was a lawyer, a human rights activist, and devoted part of his professionalwork to denounce the crimes committed by the “Golden Boys” (an alleged deathsquad in which civil police officers and other government officials took part) and tosupport prosecutions initiated as a result of these crimes. On account of this he wasmurdered on October 20, 1996, in the city of Macaíba, in the State of Rio Grande doNorte. The Commission stressed that the poor performance of State officials, viewedas a whole, led to the lack of investigation, persecution, arrest, trial and convictionof those responsible for the murder of Mr. Gilson Nogueira de Carvalho, and that,after more than 10 years these persons had still not been identified and condemned.The Inter-American Court, in a sentence of 28 November 2006, emphasized thatalthough it is a State duty to facilitate the necessary means to ensure that humanrights defenders carry out their activities freely, as well as to protect them from threatsincurred as a means to prevent injuries to their lives and integrity, there were not, inthis case, elements that might prove themselves offensive to any rights provided forin the Convention. The acquittal was due to the fact that the Brazilian police openedan investigation on 20 October 1996 to elucidate the death of Gilson Nogueira deCarvalho, in which different assumptions about the authorship of the murder wereconsidered, among them one that related his death to public denunciations filed byhim against an alleged death squad known as “Golden Boys”. On this basis, the Courtfound that it was not established that the State violated the rights to judicial protectionand guarantees enshrined in Articles 8 and 25 of the Convention.64

64 See the sentence in <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_161_por.pdf>.

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The major problem concerning the full compliance with the obligations imposedon the State by the Inter-American Court is not related to the payment of indemnity(which should be fulfilled by the State sponte sua, as did the Brazilian governmentin the case of Damião Ximenes Lopes, cited above), but the difficulty of performingthe duties of investigating and punishing those who are responsible for violations ofhuman rights. Although it is not expressly written in the Convention that the Stateshave such duties (investigation and punishment of the guilty), its best interpretation isthat these duties are implied there. Therefore, three obligations of the States convictedby the Court could be abstracted, when so stated in the due sentence: a) the dutyto indemnify the victim or his family; b) the duty to investigate the facts in order toprevent new similar events from happening again; and c) the duty to punish thoseresponsible for the human rights violations occurred.Here we must emphasize that, if the State fails to observe Article 68(1) of the

American Convention (which ordains that the States accept, sponte sua, the Court’sdecisions), it incurs in further violation of the Convention, thus activating in the Inter-American system the possibility of a new contentious procedure against such State.65

If the State fails to complywith theCourt sentence sponte sua, the victim him/herselfor the Federal Prosecutor (on the basis of Article 109, III, of the Constitution, whichstates that “federal judges are the ones to process and decide cases based on a treatyor contract between the Union and a foreign State or international organization”66)are to trigger a suit to ensure the effective enforcement of the sentence, since it alsoserves as a valid enforceable in Brazil, with immediate application, and must merelycomplywith internal procedures regarding the implementation of decision unfavorableto the State.67

Also, in case of failure by the State to comply with the sentence sponte sua, theInter-American Court (according to Article 65 of the Convention) should so inform theGeneral Assembly of the OAS, in the annual report to be submitted to the organization,making proper recommendations. The General Assembly of the OAS, unfortunately,has done nothing in practice to require that the States condemned by the Court complywith the reparation or compensation sentences.68In the opinion of some authors, in case of default by the State on an international

decision, the well-known order of preference pursuant to Article 100 of the BrazilianConstitution of 1988, should be excluded from the procedure of enforcement ofthe Court order, for causing too much delay to the financial compensation due tothe victim.69 Thus, pursuant to this understanding, one should match the Court

65 SeeCançado Trindade, Antônio Augusto. O direito internacional em um mundo em transformação. Rio deJaneiro: Renovar Publishing, 2002, pp. 612-613.

66 For the text in Portuguese, see Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Coletânea de direito internacional, cit., p. 93.67 See Piovesan, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, cit., p. 241.68 For criticism of the OAS work in these cases, seeMazzuoli, Valerio de Oliveira, Comentários à Convenção

Americana sobre Direitos Humanos, cit., pp. 309-310.69 Thus states theArticle 100 of the Constitution (changed by the ConstitutionalAmendment 62 of December

9, 2009): “The payments owed by the Federal, State, District andMunicipal Public Treasuries, by virtue of a

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The Inter-American Human Rights Protection SystemStructure, Functioning and Effectiveness in Brazilian Law

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condemnatory sentence with support obligation and thereby create a proper order forits payment, certainly faster and more attuned to the spirit of the Pact of San Jose.70 Inthis case, the problem is that, whenArticle 100, paragraph 1, of the Constitution defineswhat “alimony debts” are, it makes no reference, however remote, to the possibilityof matching an international condemnatory sentence with support obligation. It refersonly to “compensation for death or disability, based on civil liability due to forceof res judicata”, which may not be the case before the Inter-American Court (forexample, a Court condemnation in case of civil arrest for debt of an unfaithful trustee,not allowed byArticle 7, 7, of the Convention, which is neither a death nor a disabilitycase, among many others).The truth is that there is no provision in Brazilian law to obligate the preferred

payment of compensation ordered by the Inter-American Court. In this sense there isonly the Bill 4667/2004 pending before the Congress. If approved, it will mandate theUnion to pay the due compensation to the victim. Thus, pursuant to Article 1 of theBill, the “decisions and recommendations of the international organs of human rightsprotection stated by treaties that have been ratified by Brazil, bring forth immediatelegal effects and have binding legal force under the Brazilian legal system”. It furtherstates that “The Union, in view of the enforceable character of the decisions of theInter-American Court of Human Rights provided for in the Legislative Decree 89of December 3, 1998, and the quasi-jurisdictional importance of the Inter-AmericanCommissiononHumanRights provided for in theLegislativeDecree678, ofNovember6, 1992, will adopt all necessary measures to fully comply with the internationaldecisions and recommendations, giving them absolute priority”. According to Article2 of that Bill, when “the decisions and recommendations of the international humanrights protection organs involve compliance with the obligation to pay, the Union willbe in charge of the payment of the economic compensation to the victims”. Theparagraph 1 of this Bill also requires the Union to make the payment of economicreparations to the victims within 60 (sixty) days of notification of the decision orrecommendation of an international human rights protection organ.In Brazil, the accountability for the payment of the compensation amount

belongs to the Union, which is (internally) responsible for the acts of the Republic(internationally convicted). However, the loss suffered by the Federal Treasury due

court decision, are to be issued solely in chronological order of submission of the judicial requests, and to therespective credits account, being it prohibited the designation of cases or people in budgetary appropriationsand additional credits opened for this purpose. § 1 The debts of alimony include those derived from salaries,wages, pensions and their complements, pension benefits and compensation for death or disability, based oncivil liability due to force of res judicata, and shall be paid with precedence over all other debts, except thosereferred to in § 2 of this article. § 2The debts of alimonywhose holders are sixty (60) years old, or even older,on the date of issuance of the judicial request, or are patients of serious disease, defined according to the law,shall be paid with precedence over all other debts, even to the triple value of the equivalent set by law for thepurposes of the provision of § 3 of this article, admitted the fractioning for this purpose, while the remainderwill be paid in chronological order of submission of the judicial request”. For the text in Portuguese, seeMazzuoli, Valerio de Oliveira, Coletânea de direito internacional, cit., pp. 84-85.

70 See, in this sense, Ramos,André de Carvalho, Direitos humanos em juízo…, cit., pp. 499.

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to the obligation to indemnify will be joined by a suit to recover such amount fromthe immediately responsible party for the violation of human rights that caused theinternational conviction of the State.

9. Concluding Remarks

The Inter-American system of human rights is still scarcely known in Brazil,although well-articulated and fully operational. Today, our jurists (much to our regret)do not have much knowledge of the exact operation of the international judiciarysystem, able to condemn the State (and require damages) for infringement of a rightprovided for in the American Convention.Our country has been several years behind in adapting to the third wave of the

State, Law and Justice, called internationalism. Only after the leading case triedby the STF (the Brazilian Supreme Court) in the Extraordinary Appeal 466.343-1/SP (through which, in December 2008, this Court has phased out the institute ofcivil imprisonment for debt of an unfaithful trustee) does Brazil seem to have entered(actually, just stepped into…) the “wave” of internationalist law, which is the trendin the most advanced countries in the world.71 Similarly, even long after it joined themajor international covenants and conventions on human rights of the global and theInter-American systems, the conventionality control of laws is not yet mentioned inBrazil.72

So far we have been surrounded by legalistic law operators, who neither care toconsult the Constitution nor hold it as a paradigm. What could we say then of theapplication of human rights treaties by those operators, which always sound to themlike something distant and foreign to our Brazilian core?Therefore, to know the functioning of the judicial mechanism of the Inter-

American system of human rights is an obligation of everyone, and especially of thethird millennium jurist.

71 About this subject, see Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Curso de direito internacional público, cit., pp. 334-346; and Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno, cit.,pp. 125-126.

72 For a pioneer study on this theme in Brazil, seeMazzuoli, Valerio de Oliveira, O controle jurisdicional daconvencionalidade das leis, São Paulo: Revista dos Tribunais Publishing, 2009, 143p.

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The Inter-American Human Rights Protection SystemStructure, Functioning and Effectiveness in Brazilian Law

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Jurisprudência Relativa ao Direito Internacional no Supremo Tribunal Federal (STF) 279

ANEXO I

Jurisprudência Relativa ao Direito Internacional noSupremo Tribunal Federal (STF)

Pesquisadores

érica beatriz da silva oliveira

leonardo silveira de souza

gills loPes macedo souza

vanessa alencar da silva

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280 VANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1

1.Habeas coRPUs

HC 96118 / SP - SÃO PAULOTema: Ordem de prisão que tem como fundamento a condição de ser o paciente

depositário judicial infielJulgamento: 03/02/2009Publicação: 06/03/2009Ementa: Habeas Corpus. Constitucional. Prisão civil. Ordem de prisão que tem

como fundamento a condição de ser o paciente depositário judicialinfiel: impossibilidade. Precedente do plenário deste Supremo TribunalFederal. Ordem concedida. 1. A jurisprudência predominante desteSupremo Tribunal firmou-se no sentido da inviabilidade da prisão civildo depositário judicial infiel (HC 92.566, Rel. Min. Marco Aurélio). 2.Habeas corpus concedido.

HC 84078 / MG - MINAS GERAISTema: Dignidade da pessoa humanaJulgamento: 05/02/2009Publicação: 26/02/2010Ementa: Habeas corpus. Inconstitucionalidade da chamada “execução

antecipada da pena”. Art. 5º, LVII, da Constituição do Brasil.dignidade da pessoa humana. Art. 1º, III, da Constituição do Brasil. 1.O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não temefeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos dotraslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução dasentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da penaprivativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória.A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII,que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado desentença penal condenatória”. 2. Daí que os preceitos veiculados pelaLei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente,sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 doCPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somentepode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a podevisualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais,inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execuçãoda sentença após o julgamento do recurso de apelação significa,também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrioentre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado,de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos efeitos dainterposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, semqualquer contemplação, nos “crimes hediondos” exprimem muito bem

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Jurisprudência Relativa ao Direito Internacional no Supremo Tribunal Federal (STF) 281

o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva:“Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, nofundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao própriodelinqüente”. 6. A antecipação da execução penal, ademais deincompatível como texto daConstituição, apenas poderia ser justificadaem nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal.A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-seSTJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordináriose subseqüentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais serápreso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudênciadefensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputagarantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidadede funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. NoRE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatidaa constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõea redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suasfunções por responderem a processo penal em razão da suposta práticade crime funcional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação àLei n. 869/52], o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implicaflagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituiçãodo Brasil. Isso porque --- disse o relator --- “a se admitir a redução daremuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validandoverdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedidado devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação,nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, emcaso de absolvição”. Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade,sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da leiestadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime aimpossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedadeanteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamenteprestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia dapropriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade,mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaçaàs liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nasdemocracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Nãoperdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais.São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmaçãoconstitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil).É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, emquaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, oque somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgadoa condenação de cada qual Ordem concedida.

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HC 89634 / SP - SÃO PAULOJulgamento: 24/03/2009Publicação: 30/04/2009Ementa: Depositário Infiel - Prisão.A subscrição pelo Brasil do Pacto de São José

da Costa Rica, limitando a prisão civil por dívida ao descumprimentoinescusável de prestação alimentícia, implicou a derrogação das normasestritamente legais referentes à prisão do depositário infiel.

HC 89171 / RJ - RIO DE JANEIROJulgamento: 24/03/2009Publicação: 08/05/2009Ementa: Habeas corpus. Carta rogatória. Interrogatório. Exequatur deferido sem

a prévia notificação do paciente. Possibilidade. Risco de frustração dadiligência. Diligências, providências oumedidas que sejam decorrentes dopróprio ato que se está praticando. Participação das autoridades suíças semnenhuma interferência no ato praticado. Precedentes. 1. Há precedentesdesta Suprema Corte validando a disciplina da Resolução nº 9, do SuperiorTribunal de Justiça, em que se assentou ser legítima, em carta rogatória,a realização de diligência sem a prévia audiência e sem a presença doréu da ação penal, quando essas possam frustrar o resultado da diligência,isso sem prejuízo da possibilidade do que se chama de exercício plenodo direito de defesa diferido, através de embargos, cabendo agravoregimental da decisão desses embargos. 2. O deferimento do exequaturcom a possibilidade da realização de medidas de investigação que sefizerem necessárias não caracteriza uma cláusula em aberto, porque podehaver diligências ou providências ou medidas que sejam decorrentes dopróprio ato que se está praticando, além de estarem submetidas ao crivodo Juiz Federal brasileiro que está na direção do processo. 3. No planoda cooperação internacional, é possível a participação das autoridadesestrangeiras, desde que não haja nenhuma interferência delas no curso dasprovidências tomadas. 4. Habeas corpus denegado.

HC 95433 / RJ - RIO DE JANEIROJulgamento: 02/04/2009Publicação: 15/05/2009Ementa: Habeascorpus.Extradição.Supostas irregularidades.Questõesanalisadas

no processo extradicional. Impossibilidade de liberdade provisóriaou prisão domiciliar em processo extradicional, salvo em hipótesesexcepcionais. Retirada do extraditando condicionada ao trânsito emjulgado da decisão que não conheceu de habeas corpus, em razão daliminar nele deferida. Embargos declaratórios com intuito protelatóriosão desprovidos de efeito suspensivo (art. 339, caput, c/c § 2º do RISTF).

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Retirada imediata do estrangeiro. Precedentes. Ordem denegada. 1.Suposta violação do art. VIII do Tratado bilateral específico e a falta deassinatura de compromissode reciprocidadepor parte dosEstadosUnidosda América, relativamente à pena a ser executada naquele país, já foramdevidamente examinadas quando do julgamento da Extradição nº 1.041,de relatoria do Ministro Eros Grau, não havendo o que ser discutidona via estreita do habeas corpus. 2. A prisão preventiva é condição deprocedibilidade para o processo de extradição e, tendo natureza cautelar,“destina-se, em sua precípua função instrumental, a assegurar a execuçãode eventual ordem de extradição” (RTJ 149/374-375, Relator o MinistroCelso de Mello), nos termos dos artigos 81 e 84 da Lei nº 6.815/90,não comportando a liberdade provisória ou a prisão domiciliar, salvoem hipóteses excepcionais. 3. Os embargos declaratórios com intuitoprotelatório são desprovidos de efeito suspensivo, nos termos do quedispõe o caput do art. 339, c/c § 2º do Regimento Interno do STF, oque autoriza a retirada imediata do estrangeiro do território nacional. 4.Ordem denegada.

HC 95169 / SP - SÃO PAULOJulgamento: 19/05/2009Publicação:19/06/2009Ementa: Processual Penal. Habeas Corpus. Crime de Tráfico Internacional

de Drogas. Nulidade da sentença condenatória. Ausência de provas.Exame que implica supressão de instância. Impossibilidade. Prisãopreventiva. Alegação de ausência de fundamentação. Inocorrência.Decisão lastreada na garantia da ordem pública. Pressupostos do art. 312do código de processo penal. Demonstraçao. Impetração parcialmenteconhecida. Ordem denegada nessa extensão. I - O pleito quanto à faltade provas para a condenação não pode ser conhecido, uma vez quesequer foi submetido à apreciação pela Corte a quo, sob pena de indevidasupressão de instância e de extravasamento dos limites de competênciado STF descritos no art. 102 da Constituição Federal. II - Presentesos requisitos autorizadores da prisão cautelar previstos no art. 312 doCódigo de Processo Penal, em especial o da garantia da ordem pública,existindo sólidas evidências da periculosidade do paciente, supostamenteenvolvido em gravíssimo delito de tráfico internacional de drogas, aoqual se irroga, ainda, a reiteração das condutas criminosas. III - A atualjurisprudência desta Casa, ademais, é firme no sentido da proibição deliberdade provisória nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, queela decorre da inafiançabilidade imposta pelo art. 5º, XLIII, da CF e davedação legal imposta pelo art. 44 da Lei 11.343/06. IV - Impetraçãoparcialmente conhecida, denegando-se a ordem nessa extensão.

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HC 93503 / SP - SÃO PAULOTema: Direito de audiência e direito de presençaJulgamento: 02/06/2009Publicação: 07/08/2009Ementa: “Habeas corpus”. Instrução processual. Réu preso. Pretendido

comparecimento à audiência penal em que inquiridas testemunhas daacusação. Réu requisitado, mas não apresentado ao juízo deprecado.Indeferimento do pedido de adiamento da audiência. Constrangimentoilegal caracterizado. A garantia constitucional da plenitude de defesa: umadas projeções concretizadoras da cláusula do “due process of law”. Caráterglobal e abrangente da função defensiva: defesa técnica e autodefesa (direitode audiência e direito de presença). Pacto Internacional sobre Direitos Civise Políticos/ONU (Artigo 14, n. 3, “d”) e ConvençãoAmericana de DireitosHumanos/OEA (Artigo 8º, § 2º, “d” e “f”). Dever do Estado de assegurar,ao réu preso, o exercício dessa prerrogativa essencial, especialmente a decomparecer à audiência de inquirição das testemunhas, ainda mais quandoarroladas pelo Ministério Público. Razões de conveniência administrativaou governamental não podem legitimar o desrespeito nem comprometer aeficácia e a observância dessa franquia constitucional. Nulidade processualabsoluta. Pedido deferido. O acusado, embora preso, tem o direito decomparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, osatos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instruçãodo processo penal, que se realiza, sempre, sob a égide do contraditório. Sãoirrelevantes, para esse efeito, as alegações do Poder Público concernentesà dificuldade ou inconveniência de proceder à remoção de acusadospresos a outros pontos da própria comarca, do Estado ou do País, eis querazões de mera conveniência administrativa não têm - nem podem ter -precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito aoque determina a Constituição. Doutrina. Jurisprudência (HC 86.634/RJ, Rel.Min. CELSO DE MELLO, v.g.). - O direito de audiência, de um lado, eo direito de presença do réu, de outro, esteja ele preso ou não, traduzemprerrogativas jurídicas essenciais que derivam da garantia constitucionaldo “due process of law” e que asseguram, por isso mesmo, ao acusado, odireito de comparecer aos atos processuais a serem realizados perante o juízoprocessante, ainda que situado este em local diverso daquele em que estejacustodiado o réu. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos/ONU(Artigo 14, n. 3, “d”) e Convenção Americana de Direitos Humanos/OEA(Artigo 8º, § 2º, “d” e “f”). Precedente: HC 86.634/RJ, Rel. Min. Celso deMello. - Essa prerrogativa processual reveste-se de caráter fundamental,pois compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquantocomplexo de princípios e de normas que amparamqualquer acusado em sede

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de persecução criminal, mesmo que se trate de réu processado por supostaprática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados. Precedentes.

HC 97983 / SP - SÃO PAULOTema: Organização criminosa voltada para o tráfico internacional de drogasJulgamento: 02/06/2009Publicação: 21/08/2009Ementa: Processual penal. Habeas corpus. Organização criminosa voltada para

o tráfico internacional de drogas. Prisão preventiva. Periculosidadedo réu. Garantia da ordem pública. Precedentes do STF. Excesso deprazo na formação da culpa. Inexistência. Processo complexo. Ordemdenegada. 1. A custódia cautelar também foi decretada para garantiada ordem pública, visto que, segundo as investigações, o pacienteexercia função de chefia na organização criminosa e praticava comhabitualidade o tráfico internacional de entorpecentes. 2. Verifico queo juiz fundamentou suficientemente a decisão que decretou a prisãopreventiva do paciente, eis que, diante do conjunto probatório dosautos da ação penal, a custódia cautelar se justifica para a garantia daordem pública, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.3. A periculosidade do réu constitui motivo apto à decretação de suaprisão cautelar, com a finalidade de garantir a ordem pública, consoanteprecedentes desta Suprema Corte (HC 92.719/ES, rel. Min. JoaquimBarbosa, DJ 19.09.08; HC 93.254/SP, rel. Min. Carmen Lúcia, DJ01.08.08;HC94.248/SP, rel.Min.RicardoLewandowski,DJ 27.06.08).4. Há informações nos autos que apontam para a complexidade doprocesso, que apura a existência de organização criminosa especializadano tráfico internacional de drogas, com a existência de nove réus,sendo três de nacionalidade búlgara e nenhum deles com defensorcomum, com a necessidade de expedição de cartas precatórias paraoitiva de testemunhas arroladas pela defesa e realização de perícia, oque justifica a demora na formação da culpa. 5. A razoável duração doprocesso (CF, art. 5°, LXXVIII), logicamente, deve ser harmonizadacom outros princípios e valores constitucionalmente adotados noDireito brasileiro, não podendo ser considerada de maneira isolada edescontextualizada do caso relacionado à lide penal que se instauroua partir da prática dos ilícitos. 6. Entendo que a prisão cautelar dopaciente, ainda que com prazo superior a 81 dias, pode se justificarcom base no parâmetro da razoabilidade, em se tratando de instruçõescriminais de caráter complexo (HC 89.090/GO, rel. Min. GilmarMendes, Segunda Turma, Sessão de 21.11.2006, DJ de 05.10.2007),como parece ocorrer na hipótese. 7. Ante o exposto, denego a ordemde habeas corpus.

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HC 96772 / SP - SÃO PAULOTema:Habeas Corpus. Prisão civil de depositário infiel. Pacto de São José da Costa Rica.Julgamento: 09/06/2009Publicação: 21/08/2009Ementa: “Habeas Corpus”. Prisão civil. Depositário judicial. Revogação

da Súmula 619/STF. A questão da infidelidade depositária.Convenção Americana de Direitos Humanos (Artigo 7º, n. 7).Natureza constitucional ou caráter de supralegalidade dos TratadosInternacionais de Direitos Humanos? Pedido deferido. Ilegitimidadejurídica da decretação da prisão civil do depositário infiel, aindaque se cuide de depositário judicial. Não mais subsiste, no sistemanormativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária,independentemente da modalidade de depósito, trate-se de depósitovoluntário (convencional) ou cuide-se de depósito necessário, comoo é o depósito judicial. Precedentes. Revogação da Súmula 619/STF.Tratados internacionais de direitos humanos: as suas relações como direito interno brasileiro e a questão de sua posição hierárquica.A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7).Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria dedireitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos dapessoa humana. - Relações entre o direito interno brasileiro e asconvenções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e3º). Precedentes. - Posição hierárquica dos tratados internacionais dedireitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: naturezaconstitucional ou caráter de supralegalidade? - Entendimento doRelator, Min. Celso de Mello, que atribui hierarquia constitucionalàs convenções internacionais em matéria de direitos humanos.A interpretação judicial como instrumento de mutação informalda Constituição. A questão dos processos informais de mutaçãoconstitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicialcomo instrumento juridicamente idôneo de mudança informal daConstituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretaçãodo Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se equando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora,com as novas exigências, necessidades e transformações resultantesdos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, emseus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea.Hermenêutica e direitos humanos: a norma mais favorável comocritério que deve reger a interpretação do poder judiciário. Osmagistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa,especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitoshumanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal

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como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana deDireitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que serevele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe amais ampla proteção jurídica. - O Poder Judiciário, nesse processohermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (quetanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que seacha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extraira máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamaçõesconstitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dosindivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis,a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentaisda pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeitoà alteridade humana tornarem-se palavras vãs. - Aplicação, ao caso,do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americanade Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um casotípico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do serhumano.

HC 97147 / MT - MATO GROSSOTema: Estrangeira sem domicílio no país e objeto de processo de expulsãoJulgamento: 04/08/2009Publicação: 12/02/2010Ementa: Execução penal. Pena privativa de liberdade. Progressão de regime.

Admissibilidade. Condenação por tráfico de drogas. Estrangeira semdomicílio no país e objeto de processo de expulsão. Irrelevância. HCconcedido. Voto vencido. O fato de o condenado por tráfico de drogaser estrangeiro, estar preso, não ter domicílio no país e ser objeto deprocesso de expulsão, não constitui óbice à progressão de regime decumprimento da pena.

HC 99394 AgR / SP - SÃO PAULOTema:AG.REG.NO HABEAS CORPUSJulgamento: 20/08/2009Publicação: 16-10-2009Ementa: Habeascorpus.Extradição.Aplicaçãodas súmulas606e692.Seguimento

negado. Jurisprudência assentada. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a impugnar, sem razõesnovas, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte.

HC 99402 MC / MG - MINAS GERAISTema:MEDIDACAUTELAR NO HABEAS CORPUSJulgamento: 10/09/2009

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Publicação: 02-10-2009Ementa: Habeas corpus - liminar - impugnação a ato de integrante do supremo

- atribuição. Ombreando, no ofício judicante, o relator do habeas e oautor do ato atacado, cumpre ao Plenário do Supremo examinar o pedidode concessão de medida acauteladora. Extradição - prisão preventiva- razoabilidade do período de custódia - indeferimento da liminar.Descabe cogitar de excesso de prazo na prisão processual quando operíodo transcorrido surge razoável.

HC 99405 / DF - DISTRITO FEDERALTema: HABEAS CORPUSJulgamento: 18/08/2009Publicação: 26/08/2009DESPACHO (Decisão monocrática): [...] Trata-se de habeas corpus impetrado.por Martin Augusto Carone dos Santos, em favor de Tony Toby Anison, contradecisão do Superior Tribunal de Justiça que denegou ordem em habeas corpus(HC nº 131.702-DF), mantendo a proibição ao paciente de ingressar em territórionacional.

HC 101109 / SP - SÃO PAULOTema: HABEAS CORPUSJulgamento: 20/10/2009Publicação: 03/11/2009DESPACHO (Decisão monocrática): [...] Habeas corpus. Processo penal.Impetração redigida nas línguas portuguesa e espanhola. Deficiência na instruçãodo pedido.Precedentes. Habeas corpus ao qual se nega seguimento.

HC 98878/ MS MATO GROSSO DO SULTema: HABEAS CORPUS – PRISÃO CAUTELAR – EXCESSO DE PRAZOJulgamento: 27/10/2009Publicação: 20/11/2009Ementa: “HABEAS CORPUS” - PROCESSO PENAL - PRISÃO CAUTELAR

- EXCESSO DE PRAZO - INADMISSIBILIDADE - OFENSA AOPOSTULADO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOAHUMANA (CF, ART. 1º, III) - TRANSGRESSÃO À GARANTIADO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, LIV) - CARÁTEREXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADEINDIVIDUAL - UTILIZAÇÃO, PELO MAGISTRADO, DECRITÉRIOS INCOMPATÍVEIS COM A JURISPRUDÊNCIA DOSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - SITUAÇÃO DE INJUSTOCONSTRANGIMENTO CONFIGURADA - PEDIDO DEFERIDO. OEXCESSO DE PRAZO NÃO PODE SER TOLERADO, IMPONDO-

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SE, AO PODER JUDICIÁRIO, EM OBSÉQUIO AOS PRINCÍPIOSCONSAGRADOSNACONSTITUIÇÃODAREPÚBLICA,OIMEDIATORELAXAMENTO DA PRISÃO CAUTELAR DO INDICIADO OU DORÉU. - Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, semculpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de suasegregação cautelar (RTJ 137/287 - RTJ 157/633 - RTJ 180/262-264 - RTJ187/933-934), considerada a excepcionalidade de que se reveste, em nossosistema jurídico, a prisão meramente processual do indiciado ou do réu. - Oexcesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário- não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmenteatribuível ao réu - traduz situação anômala que compromete a efetividadedo processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdadedo cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direitoà resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e comtodas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive ade não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelarda liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei. -A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguémofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana,que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF,art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte queconforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso Paíse que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta,entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema dedireito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV eLXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos(Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência. - O indiciado e o réu, quandoconfigurado excesso irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não podempermanecer expostos a tal situação de evidente abusividade, sob pena deo instrumento processual da tutela cautelar penal transmudar-se, mediantesubversão dos fins que o legitimam, em inaceitável (e inconstitucional) meiode antecipação executória da própria sanção penal. Precedentes.

2. exTRadição

EXT 1159 / REPÚBLICA PORTUGUESATema: EXTRADIÇÃOJulgamento: 12/02/2009Publicação: 13/03/2009DESPACHO (Decisão monocrática): [...] O Ministro de Estado da Justiça, peloAviso 167-MJ, de 9/2/2009, com base no art. XII do Tratado de Extradição firmado

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entre Brasil e Portugal em 7 de maio de 1991, e promulgado pelo Decreto 1.325, de2 de dezembro de 1994, encaminhou, para apreciação desta Corte, os documentos‘justificativos e formalizadores’(fl. 02)dopedidodeextradição, propostopeloGovernode Portugal, contra o nacional português Joaquim Lopes Francisco. Solicitou, ainda,‘se julgar cabível, determinar a prisão para fins de extradição do referido estrangeiro,com fundamento no art. 81 da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, alterada pela Leinº 6.964, de 09 de dezembro de 1981, e no art. XV do mencionado Tratado’ (fl. 02).

EXT 1160 / REPÚBLICA PORTUGUESATema: EXTRADIÇÃOJulgamento: 12/02/2009Publicação: 28/04/2009DESPACHO (Decisão monocrática): [...] OMinistro de Estado da Justiça (Avisonº 0166-MJ) encaminha os documentos justificativos e formalizadores de um“novo” pedido de extradição do nacional portuguêsAntonio Gustavo Morais Pintoda Mota. Pedido extradicional, por via diplomática, que se apóia nos artigos XIIe XV do Tratado de Extradição entre o Brasil e Portugal (Decreto nº 1.325/1994);bem como no art. 81 da Lei nº 6.815/80.

EXT 1153 / REPÚBLICA ORIENTAL DO URUGUAITema: EXTRADIÇÃOJulgamento: 17/02/2009Publicação: 25/02/2009DESPACHO (Decisão monocrática): [...] Referente às petições nº 849, 2519e 8334. Trata-se de pedido de extradição, formulado pela República Oriental doUruguai, do nacional uruguaio Ernesto André Vargas Villanueva. Pedido que tempor fundamento dois mandados de detenção, expedidos pelo ‘Juzgado Letrado dePrimera Instancia de Segundo Turno de Rivera’ (fls. 11 e fls. 33, verso).

EXT 975 / REPÚBLICA DAÁUSTRIATema: EXTRADIÇÃOJulgamento: 18/02/2009Publicação: 10/03/2009DESPACHO (Decisão monocrática): [...] O pedido de extradição foi formuladopelo Governo da Áustria, com base no art. 76 da Lei no 6.815, de 19 de agosto de1980 (‘Estatuto do Estrangeiro’) e na promessa de reciprocidade.

Ext 1031 ED / REPÚBLICA FRANCESAJulgamento: 02/04/2009Publicação: 30/04/2009Ementa: Embargos Declaratórios - Explicitação Do Acórdão. Surgindo dúvida

quanto ao alcance do pronunciamento do Tribunal, impõe-se a acolhida

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dos embargos declaratórios para os esclarecimentos cabíveis. Isso ocorrerelativamente à impossibilidade de o extraditando vir a ser processadopor fatos anteriores ao pedido formulado que nele não foram versados.

Ext 1128 / REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHAJulgamento: 16/04/2009Publicação: 11/09/2009Ementa: Extradição. República Federal da Alemanha. Pedido formulado com

promessa de reciprocidade. Atendimento aos requisitos da Lei nº6.815/80. Dupla tipicidade atendida. Extraditando condenado no Brasilpelo crime de tráfico ilícito de entorpecentes. Cumprimento integral dapena imposta.Ausência de óbice.Deferimento da extradição. Precedentesda Suprema Corte. 1. O pedido formulado pela República Federal daAlemanha, com promessa de reciprocidade, atende aos pressupostosnecessários ao seu deferimento, nos termos da Lei nº 6.815/80. 2. Osfatos delituosos imputados ao extraditando correspondem, no Brasil, aoscrimes de tráfico ilícito de entorpecentes e de associação para o tráfico,previstos, respectivamente, nos artigos 33 e 35 da Lei nº 11.343/06,satisfazendo, assim, ao requisito da dupla tipicidade, previsto no art. 77,inc. II, da Lei nº 6.815/80. 3.Apena imposta ao extraditando pela JustiçaFederal de São Paulo, pela prática do crime de tráfico internacional deentorpecentes, foi integralmente cumprida, não subsistindo óbice para aexecução imediata da presente extradição. 4. Extradição deferida.

EXT 1156 / REINO DA SUÉCIATema: ExtradiçãoJulgamento: 04/06/2009Publicação: 01/07/2009Ementa: Extradição. Promessa de reciprocidade. Roubo cometido com emprego

de arma de fogo e em concurso de agentes. Dupla tipicidade. Anuênciado extraditando. Exame da legalidade do pedido extraditório. Requisitosformais atendidos. Extradição deferida. 1. Nos termos da jurisprudênciado Supremo Tribunal Federal, a anuência do extraditando ao pedido deentrega não desobriga o Estado requerente do atendimento das exigênciasque timbram o processo extradicional. Noutro falar, a concordânciado estrangeiro requestado não afasta o exame, por esta nossa Casa deJustiça, da legalidade do pedido de extradição. 2. Na concreta situaçãodos autos, o pedido de extradição se acha instruído com o mandado dedetenção, expedido contra o extraditando, bem assim a Nota Verbalem que o Governo Sueco promete reciprocidade ao Estado Brasileiro.Ademais, o pleito está fundado em documentos indicadores do local, datae circunstâncias da conduta delitiva atribuída ao estrangeiro requestado,

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além de vir acompanhado dos pertinentes textos legais suecos, todosdevidamente traduzidos. Pelo que, atendidos os requisitos formaisdefinidos em regramento próprio (Lei nº 6.815/80), é de se deferir opedido de extradição. 3. Extradição deferida.

EXT 1161 / REPÚBLICA PORTUGUESATema: ExtradiçãoJulgamento: 04/06/2009Publicação: 26/06/2009Ementa: Extradição executória. Ocorrência de prescrição. Art. 113 do cpb.

Ausência do requisito da dupla punibilidade. Pedido indeferido. 1. OGoverno de Portugal pretende a extradição de seu nacional para queeste cumpra o restante da pena que lhe foi imposta, pela prática doscrimes de violação e de detenção de arma proibida. 2. Nos termos do art.113 do Código Penal brasileiro, na hipótese de evasão do condenado,a prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena. 3. No caso emexame, restando ao extraditando cumprir 19 (dezenove) meses de prisão,o prazo para prescrição da pretensão executória é de 4 (quatro) anos,consoante o disposto no art. 109, V do CPB. 4. Assim, considerando queo extraditando evadiu-se em dezembro de 1993, a prescrição operou-seem dezembro de 1997. 5. Deste modo, fica prejudicado o presente pedidoextradicional, ante a ausência do requisito da dupla punibilidade. 6.Anteo exposto, indefiro a extradição requerida pela República portuguesa.

EXT 1070 / REPÚBLICA ORIENTAL DO URUGUAITema: ExtradiçãoJulgamento: 04/06/2009Publicação: 14/08/2009Ementa: Extradição - Dupla tipicidade - Ausência de prescrição. Se estiver

configurada a dupla tipicidade e não houver incidido a prescrição, cabedeferir a extradição. Extradição - Penas - Individualização -Continuidadedelitiva. Uma vez verificada a continuidade delitiva, é dispensável aindividualização das penas.

EXT 1143 / REPÚBLICA DA CORÉIATema: ExtradiçãoJulgamento: 01/07/2009Publicação: 21/08/2009Ementa: Extradição. Governo da República da Coréia. Existência de tratado

bilateral. Condições de admissibilidade. Observância. Presença da duplatipicidade. Inocorrência de extinção da punibilidade pela prescrição dapretensão punitiva. Preenchimento dos requisitos formais. Negativa de

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autoria. Incidência dos arts. 89 e 90 c/c art. 67 da Lei nº 6.815/1980.Aplicação da Súmula nº 421. O pedido de extradição foi formalizadonos autos, com mandado de prisão que indica precisamente o local, adata, a natureza e as circunstâncias dos fatos delituosos atribuídos aoextraditando, transcrevendo os dispositivos legais da ordem jurídicacoreana pertinentes ao caso. Observados os requisitos do art. 77 da Lein° 6.815/80. Infere-se, dos documentos apresentados junto às NotasVerbais, que os crimes imputados ao extraditando atendem o requisitoda dupla tipicidade e correspondem, no Brasil, aos crimes de estelionatoe defraudação de penhor. A extinção da punibilidade pela prescrição dapretensão punitiva não ocorreu nem à luz da legislação coreana, nemda brasileira. Preenchidos todos os requisitos exigidos pelo art. 80 eparágrafos da Lei 6.815/1980 e pelo Tratado de Extradição firmadoentre o Brasil e a República da Coréia. Não cabe, em processo deextradição, o exame do mérito da pretensão penal deduzida em juízono país solicitante, razão por que alegações concernentes à matéria dedefesa própria da ação penal, tal como a negativa de autoria, não elidemo deferimento do pedido. Precedentes. Existência de filha brasileira nãoé obstáculo à extradição, conforme pacífico entendimento da Corte.Súmula n° 421. O tempo de prisão do extraditando no Brasil, por forçado presente pedido, deve ser contabilizado para efeito de detração, naeventualidade de condenação na Coréia. A extradição só será executadaapós a conclusão do processo a que o extraditando eventualmenteresponde no Brasil, ou após o cumprimento da pena aplicada, podendo,no entanto, o Presidente da República dispor em contrário, nos termos doart. 67 da Lei n° 6.815/80. Pedido de extradição parcialmente deferidocom as restrições indicadas.

EXT 974 / REPÚBLICA ARGENTINATema: ExtradiçãoJulgamento: 06/08/2009Publicação: 04/12/2009Ementa: Extradição. Argentina. Tratado bilateral. Atendimento aos requisitos

formais. Aditamento quanto ao crime de sequestro de menor. Duplatipicidade. Configuração parcial. Prescrição. Inocorrência. Pedidoextradicional parcialmente deferido. I - O Decreto 1.003/89, expedidopelo Governo da Argentina, foi declarado inconstitucional pela CorteSuprema de Justicia de La Nación, em 25/7/2006, razão pela qual nãose presta a afastar o exame das condutas supostamente cometidas peloextraditando. II - Crime de sequestro de menor que, em tese, subsiste. III- Delito que encontra correspondência no ordenamento jurídico pátrio.IV - Extradição deferida em parte.

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EXT 1079 / REPÚBLICA ORIENTAL DO URUGUAITema: ExtradiçãoJulgamento: 06/08/2009Publicação: 04/12/2009Ementa: Extradição. RepúblicaOriental doUruguai. Extradição deferida emoutro

processo. Prejudicialidade de pedido. I - Com o deferimento do pedidodo Governo da República Argentina, resta prejudicada esta extradição.

EXT 1138 / REINO DA ESPANHATema: EXTRADIÇÃOJulgamento: 17/08/2009Publicação: 28/08/2009EMENTA (Decisão monocrática): [...]Pressuposto necessário para que se pudessedar prosseguimento ao pedido extradicional, portanto, seria a evidência de que oExtraditando estaria efetivamente em território nacional – o que não se dá na espécie.Daí porque ficam prejudicados os requerimentos formulados pela Procuradoria-Geral da República quanto a diligências que se fariam necessárias paracomplementação instrutória da presente extradição, pois o seu não seguimentose deve à ausência de comprovação do seu pressuposto fático, a saber, a presençado Extraditando em território nacional, consoante certificado pela Interpol.

EXT 1157 / ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICATema: EXTRADIÇÃOJulgamento: 18/08/2009Publicação: 26/08/2009DESPACHO (Decisão monocrática): O Extraditando requer, às fls. 166/168, arevogação de sua prisão preventiva para extradição. Alega que a medida não énecessária, há vícios graves indicando que o pedido será indeferido e ausência deprevisão, no Tratado de Extradição Brasil-Estados Unidos, quanto à imputação docrime de exploração sexual praticado contra menores do sexo masculino. Afirma,de outra banda, ter transcorrido mais de 30 (trinta) da comunicação ao Estadorequerente para regularização do feito.O Ministério Público Federal manifesta-se pelo indeferimento do pedido (fls.177/179).A prisão preventiva para extradição constitui requisito de procedibilidade doprocesso extradicional (HC 90.070, Eros Grau, DJ de 30/3/2007).A questão atinente ao não arrolamento do crime de exploração sexual no Tratadode Extradição específico será examinado no julgamento da extradição.A Embaixada dos Estados Unidos da América somente foi notificada a respeitodas diligências requeridas por esta Corte em 2 de junho do corrente ano. Nãoobstante o prazo de 60 (sessenta) dias, previsto no art. 85, § 2º da Lei n. 6.815/80ter-se escoado em 2 de agosto, não é o caso de reconhecer excesso de prazo pela

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ausência de resposta. A prudência recomenda a dilação do prazo legal, ainda quepor curto período.Indefiro o pedido de revogação da prisão preventiva para extradição.

EXT 1167 / REPÚBLICA ARGENTINATema: EXTRADIÇÃOJulgamento: 02/09/2009Publicação: 14/09/2009DESPACHO (Decisão monocrática): [...]O pedido do extraditando se choca nãosó com a atual jurisprudência desta Corte, não alterada até os dias atuais, conformea própria defesa reconhece (fls. 97), como também com o disposto no parágrafoúnico do art. 84 da Lei 6.815/1980, segundo o qual a “prisão perdurará até ojulgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdadevigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão albergue.”Ainda que se admita, em tese, o temperamento deste dispositivo legal, em hipótesesexcepcionais, como o excesso não razoável de prazo na custódia, não é este o casodos autos, dado que o estrangeiro está preso há pouco mais de dois meses (fls. 74,81 e 88), tempo bem inferior aos quinze meses verificados na QO na Ext 1054,citada pelo extraditando (fls. 104).Também não se aplica ao caso a decisão monocrática igualmente citada peloextraditando, proferida em 1999 pelo ministro Néri da Silveira na prisãopreventiva para extradição 365, uma vez que ali se tratava de “excesso de prazo naformalização do pedido de extradição” (fls. 103), e não de excesso de prazo para acomplementação dos documentos juntados ao pedido de extradição, o qual já foifeito pelo Governo argentino.Por essas razões, indefiro, por ora, o pleito sob enfoque.

EXT 1139 / REPÚBLICA PORTUGUESATema: EXTRADIÇÃOJulgamento: 10/09/2009Publicação: 02-10-2009DESPACHO (Decisão monocrática): [...]Extradição executória. Condenação peloscrimes de lenocínio simples, auxílio à imigração ilegal, angariação de mão-de-obrailegal e coação. Pedido devidamente instruído. A circunstância do extraditando sercasado com brasileira e ter filho brasileiro não impede a extradição. Súmula 421 dostf. Presença do requisito da dupla tipicidade. Ocorrência da prescrição executória emrelação ao delito de coação. Compromisso do estado requerente de computar o tempode prisão cautelar cumprido pelo extraditando no brasil. Pedido parcialmente deferido.

EXT 1146 / REPÚBLICA FRANCESATema: EXTRADIÇÃOJulgamento: 17/09/2009

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296 VANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1

Publicação: 06-11-2009Ementa: Extradiçãoexecutória.Contrabandooudescaminhoetráficodeentorpecentes.

Dupla tipicidade. Regularidade formal do pedido. Pena única. Prescrição docrime de contrabando, considerada a pena cominada para o tipo.

EXT 1158 / REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHATema: EXTRADIÇÃOJulgamento: 18/09/2009Publicação: 25/09/2009DESPACHO (Decisão monocrática): [...]Pedido de extradição formulado pelarepública da alemanha, com base em promessa de reciprocidade. Extraditandopreso no estado do amazonas. Ausência de cópias de textos legais, como exige alei n. 6.815/80. Omissão do estado-requerente em complementar a instrução dopedido. Parecer do procurador-geral pelo indeferimento da presente extradição.Pedido de extradição ao qual se nega seguimento. Alvará de soltura.

EXT 1135 / REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHATema: EXTRADIÇÃOJulgamento: 01/10/2009Publicação: 27/11/2009Ementa: Extradição. Promessa de reciprocidade. Crimes de extorsão grave com

caráter de roubo e lesão corporal. Extraditando menor de dezoito anosà época do fato. Inimputabilidade. Equiparação a atos infracionais.Ausência de dupla tipicidade 1. Crimes de extorsão grave com caráter deroubo e lesão corporal. Paciente menor de dezoito anos à época dos fatos.Inimputabilidade segundo a lei brasileira. 2. A Lei n. 6.815/80 impede aextradição quando o fato motivador do pedido não for tipificado comocrime no Brasil. Considerada sua menoridade, as condutas imputadas aoextraditando são tidas como atos infracionais pela Lei n. 8.069/90 (Estatutoda Criança e do Adolescente). Ausente o requisito da dupla tipicidadeprevista no art. 77, inc. II da Lei n. 6.815/80. Extradição indeferida.

EXT 1154 / REPÚBLICA ARGENTINATema: EXTRADIÇÃOJulgamento: 02/10/2009Publicação: 14/10/2009Ementa (Decisão monocrática): [...] Extradição – Prisão preventiva – TratadoentreBrasil e Argentina – Impropriedade – Negativa de seguimento.

EXT 1119 / REPÚBLICA TCHECATema: EXTRADIÇÃOJulgamento: 20/10/2009

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Jurisprudência Relativa ao Direito Internacional no Supremo Tribunal Federal (STF) 297

Publicação: 27/10/2009DESPACHO (Decisão monocrática): [...] Em uma análise perfunctória do pedidode extensão, verifica-se que, em tese, o delito imposto ao extraditando correspondeao crime de abandono material, previsto no art. 244 do Código Penal brasileiro.A jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores é no sentido de que o delitode abandono material é crime permanente, significa dizer, o resultado delituosose protrai no tempo enquanto a vítima estiver privada dos recursos necessáriospara sua mantença ou enquanto não houver o pagamento da pensão alimentíciaacordada em Juízo.Não se vislumbra, portanto, qualquer óbice ao processamento do presente pedido deextensãodaextradição.Dessarte, faz-senecessárioqueoextraditandoseja formalmenteinterrogado a respeito do fato que lhe é imputado no pedido de extensão, bem comoapresente a defesa escrita corresondente, nos termos do art. 85 da Lei nº 6.815/80.

EXT 1126/ REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHATema: EXTRADIÇÃOJulgamento: 22/10/2009Publicação: 11/12/2009Ementa: Extradição.RepúblicaFederaldaAlemanha.Pedidoformuladocompromessa

de reciprocidade. Condições de admissibilidade. Observância. Presença dadupla tipicidade. Inocorrência de extinção da punibilidade pela prescriçãoda pretensão punitiva. Preenchimento dos requisitos formais. Negativade autoria. Incidência dos arts. 89 e 90 c/c art. 67 da Lei nº 6.815/1980.Aplicação da Convenção das Nações Unidas contra o Crime OrganizadoTransnacional, promulgada pelo Brasil mediante o Decreto nº 5.015/04.Competência reconhecida ao Estado requerente. Preliminar rejeitada.Precedentes. Extraditando condenado no Brasil pelo crime de tráfico ilícitode entorpecentes. Cumprimento integral da pena imposta. Ausência deóbice. Deferimento da extradição. Precedentes da Suprema Corte. O pedidode extradição foi formalizado nos autos, com mandado de prisão que indicacomsuficiente precisãoo local, a data, a natureza e as circunstâncias dos fatosdelituosos atribuídos ao extraditando, transcrevendo os dispositivos legaisda ordem jurídica alemã pertinentes ao caso. Observados os requisitos doart. 77 da Lei n° 6.815/80. Infere-se, dos documentos apresentados junto àsNotas Verbais, que os crimes imputados ao extraditando atendem o requisitoda dupla tipicidade e correspondem, no Brasil, aos crimes de tráfico ilícitode entorpecentes e de associação para o tráfico, previstos, respectivamente,nos artigos 33 e 35 da Lei nº 11.343/06, satisfazendo, assim, ao requisito dadupla tipicidade, previsto no art. 77, inc. II, da Lei nº 6.815/80.Aextinção dapunibilidade pela prescrição da pretensão punitiva não ocorreu nem à luz dalegislação alemã, nem da brasileira. Todos os requisitos exigidos pelo art. 80e parágrafos da Lei 6.815/1980 foram integralmente preenchidos. Não cabe,

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em processo de extradição, o exame do mérito da pretensão penal deduzidaem juízo no país solicitante, razão por que alegações concernentes à matériade defesa própria da ação penal, tal como a negativa de autoria, não elidem odeferimento do pedido. Precedentes. O Estado requerente tem competênciapara processar e julgar extraditando, por crime de tráfico internacional desubstâncias entorpecentes, na hipótese de a infração ter sido cometida por umde seus cidadãos.Apena imposta ao extraditando pela Justiça Federal de SãoPaulo, pela prática do crime de tráfico de entorpecentes, foi integralmentecumprida, não subsistindo óbice para a execução imediata da presenteextradição.O tempodeprisãodoextraditandonoBrasil, por forçadopresentepedido, deve ser contabilizado para efeito de detração, na eventualidade decondenação naAlemanha. A extradição só será executada após a conclusãode outro processo a que o extraditando eventualmente responde no Brasil,ou após o cumprimento da pena aplicada, podendo, no entanto, o Presidenteda República dispor em contrário, nos termos do art. 67 da Lei n° 6.815/80.Pedido de extradição deferido com as ressalvas indicadas.

EXT 888/ ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICATema: EXTRADIÇÃOJulgamento: 22/10/2009Publicação: 27/11/2009Ementa: PEDIDO DE EXTRADIÇÃO. INSTRUÇÃO DEFICIENTE.

DOCUMENTOS ESSENCIAIS PREVISTOS NO ART. 80 DA LEI6.815/80. EXTRADITANDO EVADIDO. INDEFERIMENTO. 1. Ascópias dos textos legais relativos às causas de suspensão e interrupçãodo prazo prescricional dos crimes imputados ao extraditando constituemdocumentos essenciais ao pedido de extradição, como preceitua o art. 80da Lei 6.815/80, inclusive para verificar a presença do requisito da duplapunibilidade. 2. Desse modo, o presente pedido extradicional não reúneas condições necessárias ao seu exame, já que deficiente a sua instrução.3. Segundo informações da Polícia Federal, não há notícias da presençado extraditando no território nacional desde 8 de dezembro de 2003,sendo que sua esposa e filhos deixaram o País em maio de 2008. Assim,como ressaltou o Parquet, mostra-se razoável supor que o extraditandohá muito se evadiu do Brasil. 4. Pedido indeferido.

EXT 1005 AgR/ REPÚBLICA ITALIANATema: EXTRADIÇÃOJulgamento: 29/10/2009Publicação: 19/02/2010Ementa:I. Pedido de expedição de ofício à Interpol sobre o extravio da bagagem do

extraditando.II.AlegaçãodequeoEstadorequerenteestariadescumprindo

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Jurisprudência Relativa ao Direito Internacional no Supremo Tribunal Federal (STF) 299

o Tratado de Extradição firmado entre a República Federativa do Brasile a República Italiana, ao deixar de aplicar a detração do períodocorrespondente à prisão preventiva para extradição. III. Como julgamentoda extradição, resta esgotada a jurisdição do Supremo Tribunal Federal(STF). A competência para exigir ao Estado requerente o cumprimentodo Tratado de Extradição é do Poder Executivo.Adefesa busca a detraçãodo tempo em que o extraditando permaneceu preso no Brasil não porforça deste pedido extradicional mas em razão de período anterior, lapsotemporal que não pode ser usado para fins de detração. Precedentes doSTF. Decisão agravada mantida. IV. Agravo regimental desprovido.(Ext 1005 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente),Tribunal Pleno, julgado em 29/10/2009, DJe-030 DIVULG 18-02-2010PUBLIC 19-02-2010 EMENT VOL-02390-01 PP-00062)

EXT 1148/ REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHATema: EXTRADIÇÃOJulgamento: 29/10/2009Publicação: 05/03/2010Ementa: EXTRADIÇÃO.Tratado extradicional. Inexistência. Irrelevância. Promessa

de reciprocidade, mediante nota verbal. Suficiência. Aplicação do art. 76 daLei 6.815/80. Precedentes. Além dos tratados bilaterais, que atuam comoleges speciales, a promessa de reciprocidade constitui fundamento jurídicosuficiente para legitimar pedido de extradição passiva.

EXT 1136/ REPÚBLICA ITALIANATema: EXTRADIÇÃOJulgamento: 29/10/2009Publicação: 12/03/2009Ementa: EXTRADIÇÃO.Passiva.Documentosessenciais.Traduçãoporprofissional

juramentado.Desnecessidade.Apresentação por via diplomática.Dispensaexpressa, ademais, pelo art. 10, nº 2, do Tratado Brasil-Itália. Vícioinexistente. Preliminar repelida. Pedido julgado procedente. Precedentes.É dispensável tradução por profissional juramentado, bem como chancelado consulado brasileiro, quando os documentos que instruem pedido deextradição são apresentados, por via diplomática, pelo governo requerente,sobretudo quando também já a dispense o próprio tratado de extradição.

EXT 1149/ REPÚBLICA ITALIANATema: EXTRADIÇÃOJulgamento:03/12/2009Publicação: 05/02/2010

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Ementa: EXTRADIÇÃO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. REPÚBLICAITALIANA. TRATADO DE EXTRADIÇÃO. REQUISITOSOBSERVADOS. EXTRADIÇÃO DEFERIDA. 1. Pedido de extradiçãorequerido com base no Tratado Bilateral promulgado pelo Decreto n°863/93. 2. Acusação da prática do crime de tráfico de entorpecentes,em 2006, na Itália, com mandado de prisão preventiva expedido pelaautoridade competente. 3. Razões atinentes ao mérito da ação penal emtrâmite na Itália ou condições pessoais favoráveis ao Extraditando nãosão passíveis de análise no processo de extradição nem impedem seudeferimento. 4. Observados os requisitos impostos para a concessão daextradição. 5. Extradição deferida.

EXT 1125/ CONFEDERAÇÃO HELVÉTICATema: EXTRADIÇÃOJulgamento:17/12/2009Publicação: 05/03/2010Ementa: EXTRADIÇÃO. Passiva. Delitos imputados. Não caracterização

dos crimes de falsificação de documento e de lavagem de dinheiro.Falso praticado como antefato de estelionato. E outros fatos que nãocorrespondem a nenhum dos tipos previstos no art. 1º da Lei nº 9.613/98.Dupla tipicidade não caracterizada a respeito. Pedido julgado, em parte,procedente. Não se caracteriza o requisito de dupla tipicidade, para efeitode extradição, a imputação de falso praticado como antefato não punívele de outros fatos que não cabem nas hipóteses de lavagem de capitais.

EXT 1035 AgR/ REPÚBLICA PORTUGUESATema: AGRAVO REGIMENTAL NA EXTRADIÇÃOJulgamento: 17/12/2009Publicação: 26/02/2010Ementa: EXTRADIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. PEDIDO DE PRISÃO

DOMICILIAR. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RECURSODESPROVIDO. 1. Esta Corte tem entendimento pacífico de que “aprivação cautelar da liberdade individual do extraditando deve perduraraté o julgamento final, pelo Supremo Tribunal Federal, do pedido deextradição, vedada, em regra, a adoção de meios alternativos que asubstituam, como a prisão domiciliar, a prisão-albergue ou a liberdadevigiada (Lei nº 6.815/80, art. 84, parágrafo único).” (Ext 1.121 AgR,Rel. Min. Celso de Mello, DJe 071, 16.04.2009). 2. De outro giro, nãoverifico, no presente caso, situação excepcional que pudesse justificar odeferimento de prisão domiciliar ao extraditando. 3. Agravo regimentaldesprovido.

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Jurisprudência Relativa ao Direito Internacional no Supremo Tribunal Federal (STF) 301

EXT 1139 ED/ REPÚBLICA PORTUGUESATema: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA EXTRADIÇÃOJulgamento: 17/12/2009Publicação: 19/02/2010Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REDISCUSSÃO DOS

FUNDAMENTOS EXPOSTOS NO VOTO. INADMISSIBILIDADE.AUSÊNCIA DE OBSCURIDADE, OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO.EMBARGOS REJEITADOS. 1. Os embargos de declaração são cabíveispara devolver ao órgão jurisdicional a oportunidade de pronunciar-se nosentido de aclarar julgamento obscuro, completar decisão omissa oudirimircontradição de que se reveste o julgado. 2. É imperioso o registro de que,no julgamento dos embargos de declaração, a regra é que não há prolaçãode nova decisão ou julgamento, mas sim apenas clareamento do quejá foi julgado. 3. Não há obscuridade, omissão ou contradição no julgadoimpugnado. 4. Com efeito, todas as questões ora suscitadas já foramdevidamente analisadas quando do julgamento do pedido extradicional,restando nítida a intenção do embargante de rediscutir os fundamentos dadecisão do Plenário deste Tribunal. 5. Embargos rejeitados.

3. RecURso em Habeas coRPUs

RHC 97667 / DF - DISTRITO FEDERALTema: Crime de tráfico internacional de drogasJulgamento: 09/06/2009Publicação: 26/06/2009Ementa: Processual penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Crime de tráfico

internacionaldedrogas.Nulidades. Inexistência.Ausênciadecomprovaçãode efetivo prejuízo. Precedentes do STF. Erromaterial no nome do acusadocorrigido por meio de embragos de declaração. Recurso desprovido. 1.Consta dos autos que o recorrente foi condenado à pena de 05 (cinco) anose 04 (quatro) meses de reclusão, pela prática dos crimes previstos nos arts.12, e 18, I, da Lei nº 6.368/76 (fls. 38/54). 2. O recorrente foi preso noaeroporto internacional dos Guararapes/PE, quando tentava embarcar emum vôo para Lisboa/Portugal, trazendo consigo quatro pacotes contendo1,127 Kg de cocaína. 3.As alegações de nulidade do processo por ausênciade interrogatório prévio ao recebimento da denúncia, como previsto narevogadaLei nº 10.409/02, e por extemporaneidadedoexame toxicológico,não merecem acolhida. De fato, o recorrente não demonstrou, em nenhummomento, qualquer prejuízo decorrente da falta do interrogatório previstono art. 38 da revogada Lei nº 10.409/02. 4. De acordo com o que constados autos, o recorrente apresentou defesa preliminar, antes do recebimento

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da denúncia, foi interrogado em Juízo, suas testemunhas foram ouvidas(apesar de arroladas intempestivamente) e, ainda, apresentou alegaçõesfinais, tudo através de advogado constituído. 5. Deste modo, não obstantenão ter sido interrogado antes do recebimento da denúncia, consoanteprevia o revogado art. 38 da Lei nº 10.409/02, o recorrente pôde exercerde forma ampla a sua defesa no curso do processo. 6. O fato de não ter sidointerrogado antes do recebimento da denúncia não é capaz de acarretara nulidade do processo, sem a demonstração de efetivo prejuízo para adefesa, de acordo com o princípio pas de nullité sans grief, adotado peloartigo 563 do Código de Processo Penal. 7. Esta Suprema Corte possuiprecedentes no sentido de que “a demonstração de prejuízo, a teor do art.563doCPP, é essencial à alegaçãodenulidade, seja ela relativaouabsoluta”(HC 85.155, de minha relatoria, DJ 15.04.2005). 8. Apesar do laudo dedependência ter sido negativo, a Juíza sentenciante considerou crível aalegação do recorrente de que era viciado em drogas. Mesmo assim, diantedo conjunto probatório dos autos da ação penal, a Magistrada concluiuque a droga transportada pelo recorrente não era para uso próprio e simdestinada ao tráfico internacional. 9. Por fim, a citação pela Juíza do nomedo réu Carlos Alberto Simões na sentença condenatória do recorrente foimero erro material e restou devidamente corrigido por meio de embargosdeclaratórios. 10. Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

4. RecURso exTRaoRdináRio

RE 556817 AgR / RN - RIO GRANDE DO NORTEJulgamento: 28/04/2009Publicação: 29/05/2009Ementa: Agravos regimentais no recurso extraordinário. Funcionamento de rádio

comunitária. Controvérsia decidida com fundamento no Pacto de SãoJosé da Costa Rica. Controvérsia decidida com fundamento no Pactode São José da Costa Rica. Ofensa indireta à Constituição do Brasil.Agravos regimentais a que se nega provimento.

RE 311626 AgR / PA - PARÁTema: Importação de equipamentos médicosJulgamento: 26/05/2009Publicação: 26/06/2009Ementa: Agravo Regimental no Recurso Extraordinário. Tributário. Imunidade:

abrangência do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços -ICMS. Importação de equipamentos médicos. Precedentes. Agravoregimental ao qual se nega provimento.

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Jurisprudência Relativa ao Direito Internacional no Supremo Tribunal Federal (STF) 303

RE 592396 RG / SP - SÃO PAULOTema: Imposto de renda sobre exportações incentivadasJulgamento: 04/06/2009Publicação: 19/06/2009Ementa: Constitucional. Tributário. Imposto de renda sobre exportações

incentivadas. Majoração de alíquota. Princípios da anterioridade e dairretroatividade da lei tributária. Recurso extraordinário 183.130/PR,Rel. Min. Carlos Velloso, que trata da mesma matéria e cujo julgamentojá foi iniciado pelo plenário. Existência de repercussão geral.

RE 572946 / RS - RIO GRANDE DO SULTema: RECURSO EXTRAORDINÁRIOJulgamento: 27/08/2009Publicação: 18/09/2009DESPACHO (Decisão monocrática) : [...] Recurso extraordinário.Constitucional. Art. 37, inc. I, da constituição da república (com a alteração daemenda constitucional n. 19/98: norma de eficácia limitada. Julgado recorrido emdesarmonia com a jurisprudência do supremo tribunal federal.

RE 574490 / RJ - RIO DE JANEIROTema: RECURSO EXTRAORDINÁRIO.Julgamento: 27/08/2009Publicação: 14/09/2009DESPACHO (Decisão monocrática) : [...] Trata-se de recurso extraordinário,interposto com fundamento na alínea “a” do inciso III do art. 102 da ConstituiçãoFederal, contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça. Acórdão cuja ementa é aseguinte (fls. 139/140):“Processual civil. Violação do art. 535 do cpc. Inocorrência. Importação.Reimportação. Atividades distintas. Tipicidade. Princípio da legalidade.Impossibilidade de interpretação extensiva.Tenho que a insurgência não merece acolhida. Isso porque o Superior Tribunal deJustiça se limitou a aplicar ao caso a legislação infraconstitucional pertinente. Peloque eventual ofensa à Carta Magna ocorreria de modo reflexo ou indireto, o quenão autoriza a abertura da via extraordinária. Como bem ressaltou a Procuradoria-Geral da República, restringiu-se “... o Superior Tribunal de Justiça a afastar odiploma em questão, tendo-o por não aplicável à espécie, por diverso o quadrofático”.Isso posto, e frente ao caput do art. 557 do CPC e ao § 1º do art. 21 do RI/STF, nego seguimento ao recurso.

RE 598173 / RS - RIO GRANDE DO SULTema: RECURSO EXTRAORDINÁRIOJulgamento: 17/09/2009

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304 VANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1

Publicação: 05/10/2009DESPACHO (Decisão monocrática): Recurso extraordinário. Processual civil.Administrativo. Ensino superior. Revalidação de diploma estrangeiro. Resoluçãocne/ces n. 01/2002. Intimação do julgado recorrido posterior a 3.5.2007.Insuficiência da preliminar de repercussão geral. Não atendimento ao disposto no§ 2º do art. 543-a do código de processo civil e no art. 327 do regimento interno dosupremo tribunal federal. Recurso extraordinário ao qual se nega seguimento.

5. agRavo RegimenTal no agRavo de insTRUmenTo

AI 441930 AgR / MG - MINAS GERAISTema: Prisão civil do depositário infielJulgamento: 03/02/2009Publicação: 13/03/2009Ementa: Agravo regimental no agravo de instrumento. Direito Civil. Contrato de

depósito. Impossibilidade da análise da legislação infraconstitucional.Ofensa constitucional indireta. Prisão civil do depositário infiel:inadmissibilidade. Precedente do plenário. Agravo regimental ao qualse nega provimento.

AI 610574 AgR / RJ - RIO DE JANEIROTema: ICMS sobre operação de importaçãoJulgamento: 23/06/2009Publicação: 14/08/2009Ementa: Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Tributário. ICMS.

Operação de importação. Plataforma de petróleo. Impossibilidade daanálise da legislação infraconstitucional e do reexame de provas (Súmula279). Ofensa constitucional indireta. Agravo Regimental ao qual se negaprovimento.

AI 686970 AgR / SP - SÃO PAULOTema: Importação de aeronavesJulgamento: 23/06/2009Publicação: 14/08/2009Ementa: Tributário. Agravo Regimental emAgravo de Instrumento. Importação de

aeronaves. Contrato de arrendamento mercantil. Não incidência do ICMS.Precedentes da corte.Agravo improvido. I -A jurisprudência da Corte é nosentido de que não incide ICMS sobre as importações de aeronaves, pormeio de contrato de arrendamento mercantil, quando não haja circulaçãodo bem, caracterizada pela transferência de domínio (RE 461.968/SP, Rel.Min. Eros Grau, Plenário). II - Agravo regimental improvido.

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Jurisprudência Relativa ao Direito Internacional no Supremo Tribunal Federal (STF) 305

AI 586299 AgR/ PR-PARANÁTema: IMPOSTO DE RENDA – DUPLATRIBUTAÇÃOJulgamento: 15/12/2009Publicação: 05/02/2010Ementa: PROMULGA A CONVENÇÃO INTERNACIONAL ENTRE

BRASIL E SUÉCIA PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃOSOBRE A RENDA. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DEINSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PESSOASJURÍDICAS. TRATAMENTO ISONÔMICO. DUPLA TRIBUTAÇÃO.ART. 24 DA CONVENÇÃO BRASIL E SUÉCIA. CONTROVÉRSIAINFRACONSTITUCIONAL.OFENSACONSTITUCIONALINDIRETA.AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.Inexistência de declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal a quo.Não há falar em ofensa ao art. 97 da Constituição da República nem emincidência da Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIORE 590663 AgR/ RR - RORAIMATema: ESTRANGEIRO. ACESSOAO CARGO DE PROFESSORJulgamento: 15/12/2009Publicação: 12/02/2010Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

CONSTITUCIONAL.ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO.ACESSOAO CARGO DE PROFESSOR DA REDE DE ENSINO DO ESTADODE RORAIMA. AUSÊNCIA DE NORMA REGULAMENTADORA.ARTIGO 37, I, DA CB/88. Por não ser a norma regulamentadora deque trata o artigo 37, I, da Constituição do Brasil matéria reservadaà competência privativa da União, deve ser de iniciativa dos Estados-membros. Agravo regimental a que se nega provimento.

6. ação RescisóRia

AR 1169 / SP - SÃO PAULOTema: Homologação de sentença estrangeira de divórcioJulgamento: 03/08/2009Publicação: 02/10/2009Ementa: AçãoRescisória. Homologação de sentença estrangeira de divórcio, datada

de 1982. Revelia no processo de homologação após a citação da ré poredital. Dolo do autor do pedido de homologação, que requereu a citaçãoda ré em endereço no Brasil, quando sabia que ela residia nos EstadosUnidos da América. Ação Rescisória julgada procedente [Artigo 485, III,do CPC]. 1. Há dolo na conduta daquele que, em pedido de homologação

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306 VANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1

de sentença estrangeira, indica para citação do réu endereço no Brasil,tendo conhecimento inequívoco da residência deste no exterior. Hipóteseque determina a rescisão do julgado, nos termos do disposto no art. 485,III do CPC. 2. A autora da rescisória comprovou que não residia no Brasilno período em que julgado o pedido de homologação [1980-1982]. 3. Asprovas juntadas aos autos demonstraram que o ora réu tinha conhecimentoinequívoco de que a autora residia nos Estados Unidos da América desde1977. Não obstante, ao requerer homologação de sentença estrangeira aeste Tribunal afirmou que a autora residia em São Paulo, silenciando sobrea existência de endereço dela nos Estados Unidos da América. 4. Açãorescisória julgada procedente para rescindir a homologação da sentençaestrangeira.

7. embaRgo de declaRação da exTRadição

EXT 1122 ED / ESTADO DE ISRAELTema: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NAEXTRADIÇÃOJulgamento: 23/09/2009Publicação: 20-11-2009Ementa: Extradição.Estadode israel.Embargosdeclaratórios.Alegadaomissãono

acórdão embargado. Suposta ausência de citação válida do extraditando.Objetivo meramente protelatório dos embargos. Cumprimento imediatodo acórdão embargado. Prejuízo do pedido de transferência.

8. medida caUTelaR na Reclamação

RCL 8744 MC / SP - SÃO PAULO.Tema:MEDIDACAUTELAR NARECLAMAÇÃO.Julgamento: 20/08/2009.Publicação: 28/08/2009.DESPACHO (Decisão monocrática): [...] Trata-se de reclamação, com pedido demedida liminar, na qual se sustenta que o ato judicial ora questionado – emanadodoMM. Juiz Federal da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo - teria desrespeitadoa autoridade da decisão que o Supremo Tribunal Federal proferiu no julgamentodo HC 94.016/SP.

RCL 8794 MC / SP - SÃO PAULO.Tema:MEDIDACAUTELAR NARECLAMAÇÃO.Julgamento: 20/08/2009.Publicação: 31/08/2009.

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Jurisprudência Relativa ao Direito Internacional no Supremo Tribunal Federal (STF) 307

DESPACHO (Decisão monocrática): [...] Trata-se de reclamação, com pedido demedida liminar, na qual se sustenta que o ato judicial ora questionado – emanadodoMM. Juiz Federal da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo - teria desrespeitadoa autoridade da decisão que o Supremo Tribunal Federal proferiu no julgamentodo HC 94.016/SP.

HC 99742 MC / SP - SÃO PAULOTema:MEDIDACAUTELAR NO HABEAS CORPUS.Julgamento: 11/09/2009.Publicação: 21/09/2009DESPACHO (Decisão monocrática): [...]Trata-se de habeas corpus, com pedidode liminar, impetrado em favor de Charles Amuzie Orji ou Agwu Okpa Onwuka,cidadão nigeriano, contra ato do Presidente da República, que decretou a suaexpulsão do território nacional em ato datado de 23.11.1999 e publicado no D.O.Uem 24.11.1999.

HC 101053 MC / RS - RIO GRANDE DO SULTema:MEDIDACAUTELAR NO HABEAS CORPUS.Julgamento: 19/10/2009.Publicação: 26/10/2009.DESPACHO (Decisão monocrática): [...]Habeas corpus. Constitucional.Processual penal. Crime de tráfico internacional de drogas praticado no brasil.Prisão preventiva decretada. Mandado de prisão cumprido na argentina pelainterpol. Cidadão argentino. Pedido de extradição em tramitação.alegação deexcesso de prazo. Deficiente instrução do pedido. Liminar indeferida. Informaçõesrequeridas.

9. PRisão PRevenTiva PaRa exTRadição

PPE 625 / REPÚBLICA DA HUNGRIATema: PRISÃO PREVENTIVA PARAEXTRADIÇÃOJulgamento: 06/10/2009Publicação: 15/10/2009DESPACHO (Decisão monocrática): [...]É certo que o SupremoTribunal Federaltem garantido, aos Advogados, o exercício pleno das prerrogativas profissionaisque lhes são asseguradas pelo Estatuto da Advocacia (art. 7º).

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Decisões e Opiniões Consultivas da Corte Internacional de Justiça (CIJ) 309

ANEXO II

Decisões e Opiniões Consultivas da Corte Internacional de Justiça (CIJ)

Pesquisadorascristiane helena de Paula lima

júlia oliveira lanza tolentino

mércia cardoso de souza

rachel juliene menezes sodré

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310 VANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1

caso: esTados Unidos da améRica vs. méxico

inTeRPReTação do acóRdão de 31 de maRço de 2004

Caso em que oMéxico solicitou à Corte Internacional de Justiça (CIJ) interpretaçãodo acórdão de 31 de março de 2004.Para entendimento do caso citado, é importante fazer uma abordagem histórica de

toda a situação que ensejou o pedido de revisão pelo México do julgamento de 2004,referente ao caso Avena and Other Mexican Nationals.Trata-se de demanda impetrada pelo México em 2003, no que tange à violação

dos artigos 5º e 36º da Convenção de Viena sobre Relações Consulares em relaçãoa 54 cidadãos mexicanos que haviam sido julgados e condenados à morte em algunsEstados americanos sem que lhes fossem garantidas quaisquer assistência consularpara auxiliá-los na defesa de seus julgamentos.Nesse sentido, o México requereu que os Estados Unidos fossem condenados por

violação de suas obrigações internacionais, conforme previsto no dispositivo legalsupracitado e fosse instaurado o status quo.Ademais, solicitou que devem adotar todasas medidas necessárias para garantir que nenhum cidadão mexicano seja executadoenquanto não lhes for garantido o direito à assistência consular.Como decisão provisória, a CIJ solicitou aos Estados Unidos que adotassem todas

as medidas necessárias para garantir que alguns cidadãos mexicanos não fossemexecutados enquanto não houvesse uma decisão definitiva sobre o caso, devendo osEstados Unidos informar a aplicação dessa ordem.A CIJ entendeu que os Estados Unidos violaram a Convenção de Viena sobre

Relações Consulares, por não permitir aos cidadãos mexicanos acesso aos serviçosconsulares para que fosse garantida a assistência jurídica, bemcomopor não comunicarao México as detenções dos seus cidadãos.Estabeleceu ainda que, os Estados Unidos devem, através de seus próprios meios,

garantir que haja uma revisão e reconsideração das sentenças e condenações impostasaos cidadãos mexicanos, tendo em vista todas as violações referentes ao cumprimentoda Convenção de Viena sobre Relações Consulares, firmando assim, entre o referidopaís e a CIJ um compromisso para cumprir a referida obrigação.Em 2008, o México ingressou com nova demanda perante a CIJ, porém agora de

interpretação do acórdão proferido em 2004, no caso citado, referente ao artigo 60 doEstatuto da CIJ, referente à interpretação de um dispositivo do acórdão de 2003. Estetratou da obrigação de adoção demedidas por parte dos Estados Unidos de fornecerem,pormeios próprios, revisão e reconsideração das sentenças e condenações dos cidadãosmexicanos, por entender que os tribunais americanos não estão cumprindo o que foradisposto pela CIJ, principalmente para assegurar que cinco de seus cidadãos tenhamo direito a um julgamento justo.Importante citar um trecho do acórdão (n. 153, parágrafo 9º), da parte dispositiva,

o qual baseou-se em todas as alegações apresentadas pelo México, posteriormente:

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Decisões e Opiniões Consultivas da Corte Internacional de Justiça (CIJ) 311

[...] Por essas razões, a Corte: por 14 votos a 1 considera que areparação adequada para este caso, consiste na obrigação de osEstados Unidos da América fornecerem meios, de sua própria escolha,e análise e reconsidere as condenações e sentenças dos cidadãosmexicanos referidas nas alíneas 5, 6 e 7 do acórdão citado, uma vezque trata de violação dos direitos previstos no artigo 36 da Convençãode Viena sobre Relações Consulares e dos acórdão que deram causa àessa demanda.1

Assim, a CIJ considerou que os Estados Unidos devem utilizar de todas asmedidas necessárias para assegurar que os 5 cidadãos mexicanos não sejamexecutados enquanto estiver pendente o julgamento do pedido de interpretação feitopelo México, a não ser que esses cidadãos recebam revisão e reconsideração nasmedidas que foram utilizadas no seus julgamentos, conforme disposto no acórdãode 2004, devendo o Governo dos Estados Unidos informar à CIJ a aplicação dareferida ordem.Por fim, o caso tratado em 2009, trata de uma nova solicitação feita pela México

no que tange ao cumprimento pelos Estados Unidos da decisão de 2004, relativa aocaso Avena and Other Mexican Nationals com o pedido de uma nova interpretaçãoda decisão de 2004, acompanhada de um pedido de indicação de medidas provisórias,tendo em vista o disposto no artigo 60 do Estatuto da CIJ.O México comunicou à CIJ que um dos seus nacionais - condenado à morte - foi

executado no Estado do Texas.A CIJ decidiu desconsiderar essa nova interpretação, uma vez que não se tratava

de matéria ressaltada no artigo 60 do seu Estatuto, não podendo ser apresentada umanova interpretação do acórdão de 2004.Ademais, decidiu que os Estados Unidos violaram a obrigação que lhes foram

impostas nos acórdãos de 2004 e 2008, no que diz respeito à adoção de medidasprovisórias no caso envolvendo os cinco cidadãos americanos que estavam naiminência de serem executados.Estabelecem ainda, o caráter contínuo, isto é, a necessidade de cumprimento pelos

Estados Unidas das medidas impostas pelas acórdãos anteriores, principalmente,tendo em vista o compromisso assumido pelos Estados Unidos em adotarem todasas medidas necessárias para que os cidadãos mexicanos tivessem acesso ao serviçoconsular.Por fim, a CIJ decidiu que os Estados Unidos devem oferecer garantias de que não

haverá nova execução de um cidadãomexicano envolvido no processo, enquanto todasas medidas referentes ao acesso aos serviços consulares e de revisão e reconsideraçãodas sentenças não sejam adotadas.

1 Tradução livre.

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312 VANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1

caso: nicaRágUa vs. cosTa Rica

diReiTos de libeRdade de navegação da cosTa Rica Pelo Rio san JUan

Em29 de setembro de 2005, a República da Costa Rica e a República daNicarágua,submeteram à CIJ decisão acerca da disputa de direitos de navegação concernentes àRepública da Costa Rica pelo rio San Juan. A Costa Rica alegava que o exercício deseu direito de navegação estava sendo violado e negado por parte da Nicarágua - atorsoberano das águas do rio San Juan. O Tratado de Limites feito por ambos os Estadosem 1858 deveria ser suficiente para resolver a questão da extensão dos seus direitossobre livre navegação.A Nicarágua argumentou seu poder de regulamentação sobre a navegação pelo

rio San Juan, alegando que o desacordo entre as partes estava relacionado com o tipode navegação acordada no tratado, sendo este apenas liberado quando seu propósitofosse o comércio, este caracterizado apenas por transporte de objetos.

O rio San Juan faz fronteira com a Nicarágua e a Costa Rica. Estes dois Estados setornaram independentes em 1821 e, pouco tempo após a independência, constituírama República Federal da América Central, juntamente com outros Estados. Em 1858,fixaram o Tratado de Limites, o qual determinava qual o curso e as fronteiras do rioentre Nicarágua e Costa Rica, delimitando assim seus limites. O tratado afirmava asoberania da Nicarágua sobre as águas do rio, porém ao mesmo tempo, afirmou odireito de livre navegação da Costa Rica com fins comerciais.Nos anos 80 do século XX, vários incidentes começaram a ocorrer em relação ao

regime de navegação adotado, no qual a Nicarágua fez algumas restrições à CostaRica justificando estas como temporárias, porém permaneceram sem justificativas.Para a Costa Rica os atos de soberania da Nicarágua estavam ferindo seus direitos,

namedida emque tais direitos foram acertados pelas partes através do acordo.Ademaispodem ser regidos por normas internacionais generais.Após várias tentativas de acordosem êxito, por outros meios e institutos, mostrou-se a necessidade da intervenção daCIJ para a afirmação dos seus direitos e prevenção de futuros atos abusivos de podernesta disputa, declarando assim, a violação de seus direitos pela Nicarágua.ANicarágua alegou que as previsões feitas pela Costa Rica não estavam incluídas

no tratado de 5 de abril de 1858, sendo suas determinações não caracterizadascomo abusivas. Assim como o rio San Juan não era considerado internacional eque o Estado da Costa Rica deveria ser obrigado a cumprir com as regulamentaçõesimpostas, pagando impostos e taxas especiais, pois estes eram destinados a melhoriae modernização da navegação pelo rio.Para a CIJ, o Tratado de Limites de 1858, define por completo as regras de

aplicabilidade e direitos de navegação pelo rio San Juan, interpretando também que osignificado de “propósito comercial” abrange qualquer atividade comercial, incluindoo transporte de passageiros, turistas e não apenas às transportações de materiais eobjetos. Assim, os juízes, por unanimidade, reconheceram esses direitos à Costa Rica,considerando que pessoas viajando no rio San Juan em barcos pertencentes à Costa

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Decisões e Opiniões Consultivas da Corte Internacional de Justiça (CIJ) 313

Rica não necessitam de obter visto da Nicarágua, por 9 votos contra 5, bem comopessoas viajando em navios porto riquenhos exercendo os direitos da Costa Rica, nãosão solicitados a ter visto de turista da Nicarágua, por unanimidade.No que se refere aos habitantes da margem do rio San Juan na Costa Rica, a CIJ

decidiu que estes têm o direito de navegar pelo rio entre as comunidades costeiras como fim de obter suas necessidades essenciais à vida cotidiana, o que exige transporterápido.ACIJ decidiu, por unanimidade, que a Costa Rica não tem o direito de navegar no

rio San Juan, com navios que exerçam funções de polícia, bem como com a finalidadedo intercâmbio de pessoas dos postos de polícia de fronteira ao longo da margemdireita e do refornecimento desses lugares, com equipamento oficial, incluindo armasde serviço e munição.A CIJ considera o direito da Costa Rica de navegar pelo rio San Juan com navios

oficiais, utilizados apenas em situações específicas, para prestar serviço para oshabitantes das margens costeiras, na qual o transporte rápido é uma condição para ocumprimento das necessidades dos habitantes, por 12 votos contra 2.Ademais, no que diz respeito a Nicarágua, ao direito de regulamentação das

navegações no rio San Juan, onde a área de navegação é comum, os juízes decidirampor unanimidade, que a Nicarágua tem o direito de parar navios pertencentes à CostaRica no primeiro e no último posto de rotina nicaragüense, de exigir que os passageirosque viajam pelo rio levem um passaporte ou documento de identificação, autorizam aemissão de certificados de autorização de saída, porém não tem o direito de solicitaro pagamento de uma taxa para a emissão desses certificados, impor horários para anavegação dos navios, requerer que os navios costa riquenhos estejam equipados commastros ou torre de hastear a bandeira da Nicarágua.No exame da pesca de subsistência, por 13 votos contra 1, os juízes da CIJ

decidiram que os habitantes da margem do rio San Juan, na Costa Rica devem ter apesca respeitada pela Nicarágua, como forma de direito consuetudinário.

caso: Romênia vs UcRânia

delimiTação de fRonTeiRas no maR negRo

Trata-se de requerimento feito por parte da Romênia contra a Ucrânia com o fimde estabelecer em definitivo a fronteira marítima entre os dois países, delimitandocada plataforma continental e zona comercial exclusiva.O cerne da disputa parece estar na zona marítima que circunda uma pequena

elevação rochosa, localizada a aproximadamente 21 milhas das costas romenae ucraniana, denominada Ilha da Serpente. Ao longo dos anos, como resultado deconflitos e disputas territoriais, a ilha da Serpente já pertenceu à Grécia, mas setornou território romeno ainda no século XIX. No período anterior à Segunda GuerraMundial, todavia, a ilha da Serpente foi incorporada ao território da União das

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314 VANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL | V. 1

Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), sendo utilizada como posto de observaçãomilitar, pois conta com um pequeno farol. Tal incorporação foi compulsória, e emnenhum momento obedeceu ao princípio da proporcionalidade para delimitação domar territorial soviético. Por mais de trinta anos, a Romênia tentou redefinir os limitesterritoriais nessa região do Mar Negro, sem sucesso. Em 1991, quando oficialmentehouve a dissolução da URSS, a ilha passou a integrar o território ucraniano, cujasoberania não é discutida pelo governo romeno.Após esse período, os países da região passaram a buscar instrumentos de

manutenção da estabilidade territorial e cooperação. O pleiteante argumenta existirum Tratado bilateral sobre relações de boa vizinhança e cooperação entre Romêniae Ucrânia, que data de 1997. Nesse tratado, determinam-se as linhas gerais para umprocesso de cooperação e desenvolvimento mútuos, que inclui a proteção aos direitoshumanos e às minorias nacionais, a convergência de políticas econômicas e sociaise a ampliação da infra-estrutura interna de cada país (como transporte, tecnologia,educação, assistência médica, redução da criminalidade, dentre outros). O documentodispõe, ainda, que a resolução de controvérsias entre os dois países deve ser feita pormeios pacíficos, segundo os ditames do Direito Internacional e dos princípios queregem as Nações Unidas.O Tratado prevê a delimitação da fronteira marítima entre os dois países, segundo

consta no art. 2.2. Em correspondências oficiais entre os respectivos ministros dasrelações exteriores, que se denominou Acordo Suplementar, concordou-se que essadelimitação deveria ser finalizada em até dois anos a contar da data de ratificaçãodo Tratado Bilateral. Ultrapassado esse período, as partes deveriam recorrer aosorganismos internacionais para acelerar a negociação, o que não foi feito.Os dois países assinaram um terceiro acordo em 2003, chamadoAcordo do Regime

de Fronteira, que versa especificamente sobre a delimitação das fronteiras nacionais,tanto terrestres quanto marítimas. Esse acordo define as regras gerais de circulaçãoe aproveitamento de zonas limítrofes, como trânsito de pessoas, navegação de rios,pesca, caça, exploração do solo e subsolo, construções de rodovias e ferrovias eproteção do meio ambiente. Em termos simples, determinou-se que os limites naturaise aqueles estabelecidos de comum acordo não devem ser modificados sem o devidoconhecimento e anuência da outra parte. E para garantir o cumprimento do tratado, aspartes estabeleceram uma comissão conjunta para assuntos de fronteira.Porém, após 24 rodadas de negociação, pouco se resolveu acerca dos limites

territoriais. Em vista disso, a Romênia decidiu levar o caso para apreciação pela CorteInternacional de Justiça, como previsto nos tratados em caso de impasse, e emissão deparecer definitivo sobre a questão.Em seus argumentos, a Romênia expõe que a controvérsia reside no fato de,

quando do cálculo das doze milhas náuticas que compõem o mar territorial de cadapaís, a localização da ilha da Serpente forçar a linha imaginária a fazer um arco em seuentorno. Além disso, a ilha é usada como um dos marcos para delimitação das zonasmarítimas dos países, a partir da qual são traçadas linhas imaginárias em relação ao

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Decisões e Opiniões Consultivas da Corte Internacional de Justiça (CIJ) 315

continente. Contudo, segundo dispõe a Convenção das Nações Unidas sobre Direitodo Mar (UNCLOS), art. 121(3), pequenas formações rochosas incapazes de sustentarocupação humana ou desenvolvimento de atividade econômica não podem constituirou servir de referência para delimitação de zona econômica exclusiva de um Estado.Esse é justamente o caso da ilha da Serpente, uma pequena elevação rochosa sem águapotável, com pouquíssima vida vegetal ou animal. As poucas pessoas que lá habitam(vigilantes do farol e do posto militar) o fazem por curtos períodos, e todos os seussuprimentos devem ser trazidos do continente.Nesse contexto, aRomênia sustenta que esse arco na delimitação domar territorial e

utilização da ilha como marco de referência não seguem os princípios da eqüidistânciae especialidade impostos pela UNCLOS no que diz respeito à definição de zonasmarítimas. Assim, o país pleiteia nova medição das zonas de influência de cada país,o que lhe garantiria um ganho na sua zona exclusiva de exploração.AUcrânia, por outro lado, afirma que os tratados anteriores, apesar demencionarem

a definição de zonas econômicas exclusivas, nada prevêem acerca da delimitaçãode mar territorial. Além disso, o país contesta a legitimidade dos diplomas legaismencionados como meio de corroboração de posição romena: o Tratado Bilateral e oAcordo Suplementar versariam sobre normas gerais programáticas, apenas, não tendoefeito vinculante entre os dois países.Ainda no que diz respeito às contrarrazões, levanta-se o problema dos marcos

geográficos escolhidos pela Romênia para sustentar seu pedido. Segundo a Ucrânia,os pontos geográficos descritos pelo governo romeno que servem de base paraa medição do mar territorial e zona exclusiva são tendenciosos, isto é, ignoram areal configuração geográfica da região e estabelecem outros limites, que carecem dequalquer respaldo técnico reconhecido pelo Direito do Mar.Adicionalmente, defende-se não ser possível desconsiderar a Ilha da Serpente como marco de referência.Conforme exposto, há uma interpretação equivocada das disposições da UNCLOS: ofato de a ilha não sustentar ocupação humana de forma permanente não significa serela inapta a sustentar qualquer tipo de ocupação.Amera existência do farol e do postomilitar seriam provas cabais disso.Assim, não haveria qualquer violação ao critério daeqüidistância para delimitação das zonas limítrofes.De posse desses argumentos, passou-se à fase oral do processo, na qual foram

ouvidos políticos e especialistas de ambas as partes.Por fim, a Corte procedeu à decisão, de forma unânime. No que diz respeito à

escolha dos marcos de delimitação da costa romena, a Corte acatou dois daquelespleiteados pela Romênia, quais sejam, Península Sacalina e Dique Sulina.Além disso,considerou como marco inicial da fronteira marítima entre os dois países um pontogeográfico presente no Acordo de Regime de Fronteira de 2003.Com relação à Ilha da Serpente, decidiu-se que, apesar de reconhecê-la como parte

integrante da costa ucraniana, não poderia ser ela usada como um ponto de demarcaçãoda zona marítima dos dois países, sob o risco de se promover umamodificação judicialda geografia da região, fato não autorizado pelo Direito ou pela prática referente à

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delimitação marítima. Argumentou-se que adotar ilhas tão diminutas como pontos dereferência constituiria uma ofensa ao princípio da proporcionalidade que deve reger adelimitação de zonas marítimas.Do exposto, pode-se dizer que a configuração final dos limites marítimos

estabelecidos pela Corte localiza-se numa posição intermediária em relação àsdemandas dos países.

RefeRências

United Nations – General Assembly, fifty-ninth session. Report of the International Court of Justice. 1August 2003-31 July 2004. Avena and Other Mexican Nationals (Mexico v. United States of America),New York, 2004, p. 37-41;United Nations – General Assembly, sixty-fourth session. Report of the International Court of Justice.1 August 2007 - 31 July 2008. Request for Interpretation of the Judgment of 31 March 2004 in the Caseconcerning Avena and Other Mexican Nationals (Mexico v. United States of America), New york,2008, p. 42-45United Nations – General Assembly, sixty-fourth session. Report of the International Court of Justice.1 August 2008-31 July 2009. Request for Interpretation of the Judgment of 31 March 2004 in the Caseconcerning Avena and Other Mexican Nationals (Mexico v. United States of America), New york,2009, p. 48-50International Court of Justice. Request for interpretation of the judgment of 31 de March 2004 inthe case concerning Avena and other Mexican Nationals (Mexico vs. United States of America). 19January, 2009.Todas as referências estão disponíveis na Página Oficial da Corte Internacional de Justiça. Disponívelem <http://www.icj-cij.org/homepage/index.php?lang=en>.International Court of Justice. Dispute regarding Navigational and Related Rights (Costa Rica v.Nicaragua) - Judgment of 13 July 2009. General List No. 133 p. 52-55International Court of Justice. Summary of the Judgment of 13 July 2009. Dispute regardingNavigational and Related Rights (Costa Rica v. Nicaragua)International Court of Justice. Application instituting proceedings. Filed in the Registry of the Court on29 September 2005 regarding Navigational and Related Rights (Costa Rica v. Nicaragua)INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Maritime delimitation in the Black Sea (Romania v.Ukraine). Application instituting procedures, 2004. Disponível em: http://www.icjcij.org/docket/index.php?p1=3&p2=3&k=95&case=132&code=ru&p3=0>INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Maritime delimitation in the Black Sea (Romania v.Ukraine). Memorial of Romania. Disponível em: <http://www.icj-cij.org/docket/index.php?p1=3&p2=3&k=95&case=132&code=ru&p3=1>.INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Maritime delimitation in the Black Sea (Romania v.Ukraine). Rejoinder of Ukraine, 2007. Disponível em: <http://www.icj-cij.org/docket/index.php?p1=3&p2=3&k=95&case=132&code=ru&p3=4>INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Maritime delimitation in the Black Sea (Romania v.Ukraine). Judgement of 3 February 2009. Disponível em: <http://www.icj-cij.org/docket/index.php?p1=3&p2=3&k=95&case=132&code=ru&p3=4>UNITED NATIONS. United Nations Convention on the Law of the Sea. Disponível em: <http://www.un.org/Depts/los/index.htm.

* Todas as referências estão disponíveis na página oficial da Corte Internacional de Justiça. Disponívelem <http://www.icj-cij.org/homepage/index.php?lang=en.

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