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AO UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE FILOSOFIA WALTER ALVES PEREIRA JUNIOR A DISCIPLINA EM FOUCAULT: UMA INVESTIGAÇÃO ACERCA DOS CONCEITOS DE PODER, SABER E CONTROLE Salvador 2013 WALTER ALVES PEREIRA JUNIOR

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AO

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE FILOSOFIA

WALTER ALVES PEREIRA JUNIOR

A DISCIPLINA EM FOUCAULT:

UMA INVESTIGAÇÃO ACERCA DOS CONCEITOS DE PODER, SABER E

CONTROLE

Salvador 2013

WALTER ALVES PEREIRA JUNIOR

A DISCIPLINA EM FOUCAULT:

UMA INVESTIGAÇÃO ACERCA DOS CONCEITOS DE PODER, SABER E

CONTROLE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Universidade Federa l da Bahia, Faculdade de

Filosofia e Ciências Humanas, como requisito

final para obtenção do título de licenciatura em

Filosofia, orientado por Profº Mestre Ricardo

Calheiros.

Salvador

2013

A

Roseri, por ser toda amor e renúncia, sempre.

Valter, meu espelho de vida, luta e superação, pessoa que me ensinou a formula para o

sucesso.

Thais e Vitor, cúmplices.

O Vinicius Viana, meu eterno amigo, irmão e mentor intelectual. (in memoriam).

Catarina Melo, por me mostrar que é possível ultrapassar as barreiras da vida e vencer.

AGRADECIMENTOS

A todos os professores, colegas de faculdade e amigos que, de forma direta ou

indireta, me ajudaram nessa importante etapa da vida.

Em especial ao professor Dr. Genildo Ferreira da Silva que foi meu tutor no Pet

(programa de educação tutorial) além de ministrar algumas disciplinas na qual fui seu

aluno e ao professor, orientador e amigo Ricardo Calheiros que com toda paciência e

dedicação tornou possível a elaboração dessa pesquisa.

“A vida é a arte do encontro embora haja tantos desencontros pela vida.”

Vinicius de Moraes

RESUMO

O presente trabalho apresenta como conteúdo a temática da disciplina a partir das contribuições de Michel Foucault. Trata-se de uma pesquisa que visa mostrar que a disciplina é um tema importante, que perpassa toda a história da filosofia, porém, para

Foucault, ela se intensifica com a modernidade, sobretudo na transição entre os Séculos XVII e XVIII, pois a partir desse momento histórico, percebe-se que a disciplina

apresenta-se como uma “tecnologia do poder”, que é utilizada pelas instituições disciplinares para dominar, controlar e vigiar os corpos, e, dessa forma, extrair deles uma maior utilidade. A disciplina está relacionada a uma mudança histórica e estrutural

das sociedades modernas e contemporâneas, tendo em vista que a disciplina pode ser entendida como peça fundamental para organizar e controlar a sociedade. Nossas

reflexões serão mediadas a partir da terceira parte do livro vigiar e Punir (1975). Com esse livro, Foucault começa investigar a sociedade por um ponto de vista do poder disciplinar, mostrando de que forma tal conceito é importante para a existência de um

novo modelo econômico, político, científico e social, sobretudo, a partir do final do século XVII, quando tais mudanças podem ser percebidas de maneira muito mais

dinâmicas.

Palavras-chave: Disciplina, controle, dominação, organização e poder.

ABSTRACT

This paper presents how the thematic content of the discipline from the contributions of Michel Foucault. This is a survey which aims to show that discipline is an important

theme running through the whole history of philosophy , but for Foucault it intensifies with modernity, particularly in the transition between the XVII and XVIII Centuries

because from that historic moment realizes that discipline is presented as a "technology of power" that is used by institutions for disciplinary dominate, control, and monitor the bodies , and thus extract them greater utility. The discipline is related to a change of the

structural and historical societies modern and contemporary with a view that discipline can be understood as a key for organizing and controlling society. Our reflections are

mediated from the third part of the book watch and Punishment (1975 ). With this book Foucault begins investigating the company for a view of disciplinary power, showing how this concept is important for the existence of a new economic , political, scientific

and social . Especially since the late seventeenth century when such changes can be seen in a much more dynamic.

Keywords: Discipline. Control. Domination. Power. Organization.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

1 A HISTÓRIA COMO EPISTEME EM FOUCAULT 10

1.1 UM OLHAR SOBRE O DETALHE 12

1.2 A ORGANIZAÇÃO A PARTIR DE QUADROS VIVOS 15

1.3 O HORÁRIO COMO FORMA DE VIGILÂNCIA, CONTROLE E

DOMINAÇÃO

17

2 A DISCIPLINA COMO CONCEITO FILOSÓFICO, UM

DIÁLOGO ENTRE FOUCAULT E PLATÃO

22

2.1 JUSTIÇA, EDUCAÇÃO E DISCIPLINA NA CIDADE 22

2.2 O CONTROLE DOS ATOS PARA MANTER UMA EDUCAÇÃO

VOLTADA PARA ÉTICA

26

3 CONCLUSÃO 28

REFERÊNCIAS 31

8

INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é fazer uma discussão a cerca da terceira parte

do livro Vigiar e Punir de Foucault (1975) que trata da disciplina. Nessa parte do livro,

Foucault utiliza o conceito de disciplina para mostrar que as técnicas punitivas e de

controle sofrem uma grande transformação na transição do século XVII para o século

XVIII.

O autor utiliza a episteme para mostrar que tais transformações produziram uma

grande mudança, tanto no indivíduo quanto nas sociedades. Para fundamentar tais

mudanças, o autor estuda algumas instituições, tentando mostrar que estas sofrem o que

Foucault chama de mutação do sistema punitivo, e, dessa forma, apresentam modelos

disciplinares bastante semelhantes, e tais ferramentas estão ligadas a uma coesão e um

controle.

Entender tais semelhanças conceituais que acontecem em instituições diferentes

é perceber que existe uma “microfísica do poder” que, em uma análise genérica pode

ser entendida como uma relação de poder que acontecer em diversos espaços sociais,

tais como: escolas, quartéis, indústrias e etc. O filósofo, nessa parte do livro, tenta

explicar qual é a origem desses modelos disciplinares e de que forma isso interfere nas

relações sociais e de que forma isso traz uma série de consequência para o corpo, por

isso Foucault faz um estudo acerca das transformações ocorridas no corpo a partir da

“invenção” de uma tecnologia punitiva, ou seja, a partir dessa dinâmica social surge o

que Foucault conceitua como “homem máquina”, que passaria por uma relação entre

poder-saber para ser utilizado para um fim determinado.

Dessa forma, tenta explicar a existência de uma “tecnologia de poder”,

tecnologia essa que tem como objetivo dominar, disciplinar e controlar o indivíduo

(corpo).

Foucault mostra que a partir da utilização de uma tecnologia punitiva, o corpo

passa a ser disciplinado, moldado, treinado. Assim, o autor compara o soldado do

Século XVII, que deveria apresentar uma inclinação física para ser soldado e que não

detinha de tantas técnicas de guerra, com o novo modelo de soldado do Século XVIII,

que era “fabricado”, treinado e que era percebido enquanto soldado, não apenas pela

postura física, mas pela disciplina técnica que adquiria em contato com o novo modelo

institucional.

9

A intenção da presente pesquisa é dialogar a respeito de tais conceitos, a fim de

tentar entende- los e de identificar uma problemática filosófica que tenha uma

consonância com o problema contemporâneo de vigiar e punir, mostrando assim a

atualidade do autor e do tema proposto.

O primeiro capítulo trata de uma arqueologia disciplinar, tentando explicar de

maneira clara os principais conceitos apresentados na parte do livro escolhida para a

pesquisa, e tentando mostrar qual a espisteme do autor.

O segundo capítulo apresenta um diálogo entre Foucault e Platão mostrando que

o problema da disciplina não é algo exclusivo da modernidade, para isso extrairemos os

conceitos ligados a disciplina, saber, educação, justiça e organização social,

conhecimento a partir da leitura dos Livros II e IV da República, e posteriormente

apresentaremos as possíveis diferenças e semelhanças com o pensamento de Foucault

presente em Vigiar e Punir (1975). O objetivo é mostrar que durante a história da

filosofia a sociedade sofre diversas mudanças e que um estudo epistemológico sobre a

disciplina podem apontar para um olhar crítico filosófico sobre tais transformações.

10

1 A HISTÓRIA COMO EPISTEME EM FOUCAULT

Uma arqueologia 1 acerca da relação entre o poder e o corpo, através da

disciplina, nos leva a perceber que, a partir do século XVII, o poder sobre o corpo se

intensificou, e fez surgir uma série de regimes disciplinares em instituições

(dispositivos) 2 como escolas, hospitais, oficinas, quartéis entre outras. A partir daí,

houve a necessidade de se investir em modelos e técnicas disciplinares com a finalidade

de dominar, controlar, disciplinar3. Para isso, o indivíduo deveria adaptar-se e aprender

novas técnicas, ou seja, o corpo passaria por diversas transformações.

Nesse contexto, percebe-se, que para esse novo modelo disciplinar funcionar,

fez-se necessária a existência de uma tecnologia disciplinar, que será abordada ao longo

do presente trabalho.

Do século XVII ao início do século XX, acreditou-se que o investimento do

corpo pelo poder deveria ser denso, ríg ido, constante, meticuloso. Daí esses

terríveis regimes disciplinares que se encontram nas escolas, nos hospitais,

nas casernas, nas oficinas, nas cidades, nos edifícios, nas famílias...

(FOUCAULT, 1993 p. 147).

Vale lembrar que, segundo Foucault, tais relações não se limitavam apenas às

relações de poder, controle e domínio do corpo, deve-se perceber que o processo de

saber é indispensável para entender toda lógica de controle das instituições sociais,

tendo em vista que o indivíduo deveria aprender e tornar-se cada vez apto a seguir o

modelo disciplinar de sua instituição. Tal conceito se aplica em diversas instituições

disciplinares. “O poder, longe de impedir o saber o produz” (FOUCAULT, 1993 p.

148).

1 Arqueologia explica-se porque a episteme de Foucault é a h istória, ou seja, o filósofo explica as

mudanças ocorridas no mundo a part ir das mudanças históricas: o mundo muda ao passo que a história se

transforma. “Digamos que a arqueologia, procurando estabelecer a constituição dos saberes, privi legiando

as inter-relações discursivas e sua articulação com as instituições, respondia a como os saberes apareciam

e se transformavam”. (FOUCAULT, 2000 p. X). 2

Um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações

arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos,

proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o d ito e o não dito são os elementos do

dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode tecer entre estes elementos (Foucault, 2000, p. 244). 3 Segundo Judith Revel, essa extensão do controle social corresponde a uma "nova distribuição espacial e

social da riqueza industrial e agrícola": é a formação da sociedade capitalista, isto é, a necessidade de

controlar os fluxos e a repartição espacial da mão de obra, levando em consideração necessidades da

produção e do mercado de trabalho, que torna necessária uma verdadeira ortopedia social, para a qual o

desenvolvimento da polícia e da vigilância das populações são os instrumentos essenciais. (REVEL,

2005, p 35.)

11

Ao analisar o pensamento de Foucault, percebe-se que tal relação entre poder-

corpo influenciou de maneira direta nas relações de poder4, transformações essas que

foram possíveis através das mudanças ocorridas no mundo a partir do século XVII. O

autor utiliza alguns dispositivos disciplinares como base para ilustrar seu ponto de vista

filosófico. Uma dessas instituições é o exército.

A partir daí, descreve a figura ideal do soldado no século XVII, para mostrar que

o modelo disciplinar sofre uma série de mudanças a partir do século XVIII. Tais

transformações podem ser vistas, por exemplo, se visualizarmos o corpo como exemplo

de mudanças nas técnicas de dominação a partir dos novos modelos disciplinares. Se

antes, por exemplo, o soldado do século XVII deveria apresentar uma estrutura corporal

adequada e isso independia de suas habilidades técnicas, a partir da virada prática do

século XVIII, o soldado ideal deveria ser moldado, treinado e disciplinado, a fim de

saber utilizar seu corpo como uma “máquina de guerra”.

Soldado é antes de tudo alguém que se reconhece de longe; que leva os sinais

naturais de seu vigor e coragem, as marcas também de seu orgulho, seu corpo

é o brasão de sua força e de sua valentia (...) pois um homem desse tipo não

poderia deixar de ser ágil e forte. (FOUCAULT, 2011 p. 131)

Dessa forma, parece que o soldado do Século XVII deveria apresentar tais

características físicas para ser um soldado em potencial. Outro ponto marcante é

perceber que o soldado aprendia a utilizar suas armas bélicas ao entrar no campo de

batalha sem um treinamento rigoroso e disciplinar prévio.

Para o filósofo, para analisar a dominação do indivíduo através instituições das

disciplinares, deve-se fazer uma arqueologia a cerca das transformações disciplinares

ocorridas na história, tomando como base, por exemplo, as formas de dominação do

indivíduo, utilizando técnicas de controle disciplinares do corpo.

Se no século XVII, o soldado teria que apresentar uma inclinação física e uma

postura adequada, a partir do Século XVIII, o soldado podia ser moldado.

4 No livro: Foucault conceitos essenciais Judith Revel apresenta o seguinte pensamento Foucaultiano

sobre o poder: “Foucault nunca trata do poder como uma entidade coerente, unitária e estável, mas de

"relações de poder" que supõem condições históricas de emergência complexas e que implicam efeitos

múltip los, compreendidos fora do que a análise filosófica identifica trad icionalmente como o campo do

poder.”. (REVEL, 2005, p.67)

12

O soldado se tornou algo que se fabrica; de uma massa infame, de um corpo

inapto, fez-se a máquina de que se precisa; corrigiram- se aos poucos a

postura: lentamente uma coação calculada percorre cada parte do seu corpo

(...) fo i expulso o camponês e foi lhe dado a fisionomia de soldado.

(FOUCAULT, 2011 p. 131)

A partir do Século XVIII, o corpo é além de objeto de poder, algo que pode ser

ligado à coerção e ao controle, tentando aproximar-se a uma “máquina”, e dessa forma,

seus movimentos deveriam ser treinados e controlados para um fim. Nesse sentido,

percebe-se claramente, que o saber é indispensável para as novas formas de disciplina e

controle, pelas relações de poder, ou seja, é necessário ensinar, avaliar e vigiar

constantemente o corpo, para que as relações de poder se estabeleçam de maneira

sólida. Nessa perspectiva, percebe-se que o poder não é algo forte como parece, ele é

algo fraco, porque precisa de diversas técnicas punitivas e de controle para estabelecer-

se.

Dessa forma, o indivíduo poderia aumentar a sua aptidão física, através dos

treinamentos e especializações de suas atividades, este indivíduo seria utilizado como

ferramenta de controle dos dispositivos disciplinares. Pode-se perceber tal conceito, por

exemplo, nos exército, nas escolas e nas indústrias.

A citação a seguir ilustra o pensamento do autor: “se a exploração econômica

separa a força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar exerce no

corpo o elo coercitivo entre a aptidão aumentada e uma dominação acentuada.”

(FOUCAULT, 2011 p. 134).

A partir do Século XVIII, o modelo disciplinar no qual o corpo foi submetido

“coerção” e “docilidade”, houve uma redução materialista da alma, tendo em vista que o

corpo era visto como algo que poderia ser moldado e controlado, através de uma série

de técnicas e exercícios que, por um lado, tornavam o corpo mais forte e eficaz ao

trabalho, mas por outro lado, o deixava cada vez mais dominado e alienado.

Segundo Foucault, tal conceito só pode ser entendido se for feita uma

investigação minuciosa sobre o detalhe.

1.1 UM OLHAR SOBRE O DETALHE

“A disciplina é uma anatomia política do detalhe” (FOUCAULT, 2011 p. 134).

Para entender a virada prática que acontece com a noção de controle e disciplina, deve-

se perceber a importância do detalhe, sua função enquanto anatomia política e sua

13

aplicação em algumas instituições disciplinares como, por exemplo: as escolas

religiosas, os exércitos ou indústrias.

A minúcia dos regulamentos, o olhar esmiuçante das inspeções, o controle

das mín imas parcelas da vida e do corpo darão em breve, no quadro da

escola, do quartel, do hospital ou da oficina, um conteúdo laicizado, uma

racionalidade econômica ou técnica a esse calculo místico do ínfimo e do

infinito (FOUCAULT, 2011 p. 134).

Foucault define tal conceito como uma “microfísica do poder5” tendo em vista

que algumas instituições utilizam modelos disciplinares semelhantes. Tais

transformações só podem ser percebidas ao se fazer um estudo minucioso do detalhe,

pois tais mudanças mesmo agindo de forma sutil, discreta, minuciosa e a partir de uma

coesão sem grandeza, promovem uma “mutação do regime punitivo” (FOUCAULT,

2011 p. 134).

Uma observação minuciosa do detalhe, e ao mesmo tempo um enfoque

político dessas pequenas coisas, para controle e utilização dos homens,

sobem través da era clássica, levam consigo todo o conjunto de técnicas, todo

um corpo de processos e de saber, de descrições, de receitas e dados. E

desses esmiuçamentos, sem dúvida nasce o homem do humanis mo moderno.

(FOUCAULT, 2011 p. 136).

A disciplina não pode ser vista como algo homogêneo, mesmo apresentando

características semelhantes de controle em diversas instituições. Isto fica claro quando o

autor observa a necessidade da distribuição dos indivíduos no espaço, pois cada

instituição pode se manter autônoma de certa forma das outras instituições, e a partir

daí, ditar suas próprias regras.

Para ilustrar tais conceitos, Foucault apresenta como base algumas instituições: o

exército, os colégios (sobretudo o modelo de alguns colégios religiosos) e as indústrias,

porque todas apresentam características estruturais e disciplinares semelhantes: muros

altos, internatos, horários definidos, sistemas de vigilância, disciplina rígida e controle

do corpo. Tais semelhanças servem como base teórica para mostrar a existência de uma

microfísica do poder, que pode ser vista pelo que o autor atribui como a mutação

5 O interessante da análise é justamente que os poderes não estão localizados em nenhum ponto específico

da estrutura social. Funcionam como uma rede de dispositivos ou mecanismos a que nada existe exterior

possível, limites ou fronteiras. Daí a importante e polêmica ideia que o poder não é algo que se detém

como uma co isa, como uma propriedade, que se possui, ou não . (...) Rigorosamente falando, o poder não

existe, existem sim práticas ou relações de poder. O que significa dizer que o poder é algo que se exerce,

se efetua, que funciona. E que funciona como uma maquinaria, como uma máquina social que não está

situada em um lugar privilegiado ou exclusivo, mas se dissemina por toda a estrutura social. Não é um

objeto, uma coisa, mas uma relação. (FOUCAULT, 2000, p. XIV).

14

disciplinar, que veio acompanhada de uma série de transformações no mundo na

transição entre os séculos XVII e XVIII.

Os exemplos a seguir ilustram de maneira clara o pensamento do autor:

Colégios (grifo nosso): o modelo do convento se impõe pouco a pouco; o

internato aparece como o regime de educação senão o mais frequente, pelo

menos o mais perfeito; torna-se obrigatória em Louis-Le-Grand quando,

depois da partida dos jesuítas, fez-se um colégio modelo.

(...)

Quartéis (grifo nosso): é preciso fixar o exército, essa massa vagabunda;

impedir a pilhagem e as violências; acalmar os habitantes que suportam mal

as tropas de passagem; evitar os conflitos com as autoridades civis, fazer

cessar as deserções; controlar as despesas.” (FOUCAULT, 2011 p. 137).

Tais instituições apresentam uma forma de controle: disciplina e dominação

eficazes. O efeito disso pode ser percebido quando observamos alguns modelos, como

por exemplo, nas indústrias, pois estas apresentam uma área demarcada e protegida,

uma estrutura disciplinar detalhada e um controle excessivo dos operários, para que seja

possível obter um maior controle da utilização das técnicas dos operários, e fazer com

que eles produzam em grande escala e com uma boa qualidade técnica. Ou seja, era

necessário dominar as forças de trabalho e reduzir as organizações e motins dos

operários. Para isso, foi necessário desenvolver uma série de táticas de antideserção,

antivadiagem e de antiaglomeração, havendo a necessidade de dividir o espaço de

trabalho, colocando cada indivíduo em um local específico.

“A disciplina organiza um espaço analítico” (FOUCAULT, 2011 p. 143). Tal

organização do espaço tornou-se imprescindível para manter um sistema de vigia

constante para evitar comunicações perigosas, ou seja, ações que vão de encontro com a

disciplina e a ordem da instituição e, sobretudo, para tornar um espaço útil.

Para manter um bom sistema de vigilância é necessário que a estrutura do lugar

seja pensada e planejada para esse fim. Dentre algumas instituições, o autor cita

algumas indústrias do final do século XIX, onde suas estruturas são organizadas a tal

ponto visando a disciplina do indivíduo que deveria trabalhar isolado e em locais que

possibilitassem uma localização fácil, pois, diminuía-se a chance de uma articulação

com outros funcionários.

Essa estratégia, além de garantir uma vigilância constante, proporcionava um

controle das atividades produtivas do operário, tais como: agilidade, concentração,

qualidade do seu trabalho, comparar os operários entre si, classificá- los segundo suas

habilidades, além de acompanhar os sucessivos estágios da fabricação.

15

Nessa passagem temporal, percebe-se que a divisão social do trabalho, além de

proporcionar uma separação do trabalhador e do seu “objeto” de trabalho, já que este só

participa de uma pequena parte de todo processo produtivo, possibilita que haja um

maior controle e coesão dos indivíduos, e as relações de poder podem ser vistas,

claramente, a partir desse modelo disciplinar de tais instituições.

As disciplinas, organizando as “celas”, os “lugares” e as “fileiras” criam

espaços complexos: ao mesmo tempo arquiteturais funcionais e hierárquicos.

São espaços que realizam a fixação e permitem a circulação; recortam

segmentos individuais e estabelecem ligações operárias; marcam lugares e

indicam valores; garantem a obediência dos indiv íduos, mas também uma

melhor economia dos movimentos (FOUCAULT, 2011 p. 142).

Para fazer uma investigação filosófica a cerca das relações de poder pelo

pensamento de Foucault, é necessário entender que ele atribui tais mudanças nas formas

de disciplina, dominação, às diversas transformações históricas ocorridas, como por

exemplo, na transição do século XVII para o XVIII.

Tais mudanças apresentam uma série de processos de saberes, o que trouxe

diversas mudanças científicas e estruturais. E fez-se necessário o desenvolvimento de

uma tecnologia do poder.

1.2 A ORGANIZAÇÃO A PARTIR DE QUADROS VIVOS

Para controlar e disciplinar os indivíduos tornou-se necessário adaptar a

arquitetura do lugar, de modo que se pudesse ao mesmo tempo controlar, vigiar e

dominar os corpos. Por isso, houve uma grande preocupação em organizar os indivíduos

no espaço que o autor chama de “quadros vivos”, ou seja, “transformar as multidões

confusas, inúteis ou perigosas em multiplicidades organizadas” (FOUCAULT, 2011 p.

143). Isso possibilitou uma mudança considerável do espaço institucional, bem como da

própria sociedade.

O que norteia os “quadros vivos”, segundo Foucault, é uma tecnologia do poder,

e um processo de saber. As mudanças nas relações vistas no século XVIII só

foram possíveis através de uma mudança econômica, científica e política, pois tais

mudanças possibilitaram o surgimento de novas técnicas de dominação que podem ser

entendidas como instrumentos que são utilizados para organizar, disciplinar e controlar

o múltiplo. Tal tecnologia tornou-se possível a partir de um processo de saber.

16

No campo econômico, percebeu-se uma grande preocupação em criar uma

organização para que fosse necessária a acumulação de riquezas, daí a importância em

criar condições disciplinares que pudessem acompanhar a nova dinâmica econômica.

A constituição de “quadros” foi um dos grandes problemas da tecnologia

científica, polít ica e econômica do século XVIII; arrumar jard ins de plantas e

de animais, construir ao mes mo tempo classificações racionais dos seres

vivos; observar, controlar, regularizar a circulação das mercadorias e da

moeda e estabelecer assim um quadro econômico que possa valer como

princípio de enriquecimento (...) (FOUCAULT, 2011 p. 143).

Era necessária uma técnica de poder que pudesse organizar, vigiar e utilizar o

múltiplo para um fim. A partir dessa visão, o múltiplo ocioso, que apresentava

características individuais diversas, deveria se encaixar a um “corpo”, instituição ou

dispositivo, sendo disciplinado, avaliado, além de passar por um processo de produção

de saber a partir do desenvolvimento dessas novas técnicas.

Essa organização é feita através de taxonomias 6 do corpo e das ciências

envolvidas no processo de transformação disciplinar, que acontecia paralelamente a um

processo de mudanças históricas e sociais.

Enquanto a taxonomia tem por função caracterizar (e em consequência

reduzir as singularidades individuais) e constituir classes (por tanto exclu ir as

considerações de número). Mas, sob a forma de repart ição disciplinar, a

colocação em quadros tem por função, ao contrário, tratar a multiplicidade

por si mes ma, d istribuí-la e dele tirar o máximo possível de efeitos. Enquanto

a taxonomia natural se situa sobre o eixo que vai do caráter à categoria, a

tática disciplinar se situa sobre o eixo que liga o singular e o múltiplo. Ele

permite ao mes mo tempo a caracterização do indiv íduo e a colocação em

ordem de uma multiplicidade dada. Ela é a condição primeira para o controle

e o uso de um conjunto de elementos distintos: a base para uma microfísica

de um poder que poderíamos chamar de “célula”. (FOUCAULT, 2011 p.

143).

Foucault utiliza o conceito de “célula” para mostrar a importância da

organização do múltiplo, mas sem descartar a importância de cada peça individual dessa

multiplicidade para formar um corpo sólido e coeso, e, nesse sentido, percebe-se que tal

coesão só se torna possível se cada corpo individual for controlado, disciplinado, de

modo que suas atitudes estejam de acordo com o objetivo da instituição.

6

Taxonomia é a ciência que classifica os seres vivos. Também chamada de “taxionomia” ou

“taxeonomia”, ela estabelece critérios para classificar todos os animais e p lantas sobre a Terra em grupos

de acordo com as características fisiológicas, evolutivas e anatômicas e ecológicas de cada animal ou

grupo animal.

17

Dentro dessa estrutura, percebe-se claramente que o poder se apresenta pela

formação de “poderes hierárquicos”, ou relações e laços de poder, que se situa dentro de

uma microfísica, pois essas relações de poder acontecem de diversas maneiras em toda

estrutura social.

1.3 O HORÁRIO COMO FORMA DE VIGILÂNCIA, CONTROLE E DOMINAÇÃO

Segundo Foucault, a demarcação do tempo não é algo que a modernização

inventou, pois podemos perceber sua utilização em vários períodos históricos, como por

exemplo, pelas sociedades monárquicas. Porém, a partir do século XVII, o horário

torna-se mais uma ferramenta da tecnologia punitiva, pois as instituições devem segui-

lo rigorosamente, pois esta ferramenta possibilitaria um maior controle e utilização dos

indivíduos pertencentes à instituição. Isso implica dizer que, ao fugir dessa lógica, o

dispositivo passaria por diversos problemas organizacionais, já que o tempo é uma das

bases para manter um sistema sobre um determinado controle e disciplina. Ou seja,

utilizam-se os corpos dóceis para um fim, bem como, cada indivíduo envolvido no

processo passa por um controle eficaz do tempo.

No começo do século XIX, serão propostos para a escola mútuos horários

como o seguinte: 8:45 entrada do monitor, 8:52 chamada do monitor, 8:56

entrada das crianças e oração, 9 horas entrada nos bancos, 9:04 primeira

lousa, 9:08 fim do ditado, 9:12 segunda lousa, etc. A extensão progressiva

dos assalariados acarreta por seu lado um quadriculamento cerrado do tempo .

(FOUCAULT, 2011 p. 145).

A modernidade o tempo passa a ser uma grande aliada das instituições. Sendo

assim, toda lógica disciplinar, controle das atividades, todo processo de aprendizagem

(processo de saber) utiliza o tempo como peça fundamental.

Para exercer o controle do horário os dispositivos, foram criadas uma série de

punições. Isso implica dizer que o não cumprimento do horário pelo indivíduo

acarretaria em punições que, a depender do tipo de instituição ou da atividade exercida,

poderiam ser leves ou severas.

Como a religião católica ainda exercia uma grande influência sobre o mundo

ocidental no século XVII, algumas instituições deixavam transparecer tal influência no

início do horário das execuções das atividades.

18

O exemplo a seguir ilustra o olhar esmiuçante do horário, bem como a influência

religiosa nos dispositivos. “Todas as pessoas..., chegando a seu ofício de manhã, antes

de trabalhar começarão lavando as mãos oferecerão seu trabalho a Deus, farão o sinal da

cruz e começarão a trabalhar.”7. (FOUCAULT, 2011 p. 144).

Do ponto de vista filosófico, percebe-se que a imposição religiosa pode cercear a

liberdade do indivíduo ou cultuar outras formas religiosas, pelo menos nos horários que

o corpo fizer parte de uma instituição que adote um determinado tipo de religião.

Um corpo ligado a um dispositivo deve se comportar como uma “máquina”,

sendo treinado para desenvolver diversas habilidades técnicas.

O horário é uma estratégia do poder disciplinar que Foucault atribui a uma

tecnologia do poder. Isso implica dizer que tal tecnologia, ao ser utilizada em uma

instituição, e, consequentemente nos corpos que a compõe, acarreta uma série de

consequências aos indivíduos, tais como: controle, dominação e vigilância constante,

além de desenvolver um determinado aprendizado.

Ao fazer essa análise, percebe-se que algumas características individuais sede

lugar às exigências institucionais, o que implica em uma “redução” de um corpo

múltiplo e autônomo a um corpo institucional, que deve exercer-se como tal, ou seja,

suas atividades devem se subordinadas a um fim útil, e seus desejos individuais

suprimidos durante o intervalo de tempo que esteja ligado a um dispositivo disciplinar.

Sendo assim, um estudante, operário ou soldado, podem ser percebidos e

avaliados por suas instituições, por sua função, técnicas, relações hierárquicas, que

foram se moldando aos poucos através da relação saber-poder8. Nesse sentido, percebe-

se que a importância do indivíduo para o dispositivo está de acordo com sua adaptação

aos modelos disciplinares e ao desenvolvimento de suas técnicas.

7 Foucault apresenta essa frase que ele extraiu tal exemplo do artigo primeiro do regulamento da fábrica

de Saint-Maur. 8 No livro: Foucault conceitos essenciais Judith Revel apresenta o seguinte pensamento Foucaultiano

sobre o poder: saber está essencialmente ligado à questão do poder, na medida em que, a partir da idade

clássica, por meio do discurso da racionalidade - isto é, a separação entre o científico e o não-científico,

entre o racional e o não-racional, entre o normal e o anormal - vai-se efetuar uma ordenação geral do

mundo, isto é, dos indivíduos, que passa, ao mesmo tempo, por uma forma de governo (Est ado) e por

procedimentos disciplinares. A d isciplinarização do mundo por meio da produção de saberes locais

corresponde à disciplinarização do próprio poder: na verdade, o poder d isciplinar, "para exercer-se nesses

mecan ismos sutis, é obrigado a formar, organizar e pôr em circu lação um saber, ou melhor, aparelhos de

saber" 109, isto é, instrumentos efetivos de acumulação do saber, de técnicas de arquivamento, de

conservação e de registro, de métodos de investigação e de pesquisa, de aparelhos de verificação etc.

(REVEL, 2005, p. 65)

19

Um soldado, estudante ou um operário são também percebidos por suas

características de soldado, operário ou estudante, e não por suas características

individuais ligadas às suas vontades, culturas ou crenças.

Foucault utiliza o exemplo a seguir para ilustrar seu pensamento:

É expressamente proibido durante o trabalho divertir os companheiros com

gestos ou de outra maneira, fazer qualquer brincadeira, comer, dormir, contar

histórias e comédias; [e mes mo durante a interrupção para a refeição], não

será permitido contar histórias, aventuras ou outras conversações que

distraiam os operários de seu trabalho; é expressamente proibido a qualquer

operário, e sob qualquer pretexto que seja, introduzir v inho na fábrica.9

(FOUCAULT, 2011 p. 145).

O controle do corpo se intensificou a partir do século XVII. Desde então, um

soldado, por exemplo, passou a mover- se em movimentos ordenados e controlados em

um determinado tempo. Na transição para o século XVIII, o soldado movia-se com uma

sintonia entre movimento corpóreo e tempo muito mais rígido e minucioso, pois o corpo

deveria acompanhar uma nova dinâmica social, política e econômica.

Vejamos duas maneiras de controlar a marcha de uma tropa. Começo do

século XVII:

Acostumar os soldados a marchar por fila ou em batalhão, a marchar na

cadência do tambor. E, para isso, começar com o pé direito a fim de que toda

a tropa esteja levantando o mesmo pé ao mesmo tempo.

Metade do século XVIII, quatro tipos de passo:

O comprimento do pequeno passo será de um pé, o do passo comum, do

passo dobrado e do passo de estrada de dois pés, medidos ao todo de um

calcanhar ao outro; quanto à duração, a do pequeno passo e do passo comum

serão de um segundo, durante o qual se farão dois passos dobrados; a duração

do passo de estrada será de um pouco mais de um segundo. O passo oblíquo

será feito no mesmo espaço de um segundo; terá no máximo 18 polegadas de

um calcanhar ao outro... O passo comum será executado mantendo-se a

cabeça alta e o corpo direito, conservando-se o equilíbrio sucessivamente

sobre uma única perna, e levando a outra à frente, a perna esticada, a ponta

do pé um pouco voltada para fora e baixa para aflorar sem afetação o terreno

sobre o qual se deve marchar e colocar o pé na terra, de maneira que cada

parte se apoie ao mesmo tempo sem bater contra a terra.10

(FOUCAULT,

2011 p. 146).

9 Foucault extrai tal exemplo de dois artigos: regulamentos para a fábrica de M.S Oppenheim. 1809, art.

16. E do Projet de règlemente pour La fabrique d´amboise, art. 4. 10

O autor extrai os exemplos a partir dessas referências: L. de Montgommery, La Milice française, ed. de

1636, p. 86. E Ordonnance du ler janvier, 1766, pour régler 1’ exercice de l’infanterie.

20

Dessa maneira, percebe-se uma mudança técnica e disciplinar na transição entre

os séculos XVII e XVIII, e o que permite constatar que o tempo é uma tecnologia

disciplinar fundamental para tornar as técnicas cada vez mais complexas, precisas e

ordenadas. “o tempo penetra o corpo, e com ele todos os controles minuciosos do

poder”. (FOUCAULT, 2011, p. 147).

Percebe-se claramente na passagem a cima que o corpo é uma peça fundamental

para se conseguir uma eficácia dos movimentos e uma otimização do tempo, sendo

assim segundo o indivíduo deve projetar seus movimento dentro de uma atitude global

que significa dizer que o corpo deve obedecer a uma determinada dinâmica

institucional, afim de que todos os movimentos do corpo sejam uteis, ordenados,

precisos e harmônicos.

Um controle das atividades em um determinado tempo passa por um controle

e dominação do corpo, por isso uma série de estratégias de saber, controle e disciplina

tiveram que ser arquitetados afim tornar as relações de corpo, tempo e gestos cada vez

mais “mecanizadas” e voltadas para um fim institucional.

Donde o corpo e o gesto postos em correlação: o controle disciplinar não

consiste simplesmente em ensinar ou impor uma série de gestos definidos;

impõe a melhor relação entre um gesto e a at itude global do corpo, que é sua

condição de eficácia e de rapidez. No bom emprego do corpo, que permite

um bom emprego do tempo, nada deve ficar ocioso ou inútil: tudo deve ser

chamado a formar o suporte do ato requerido. Um corpo bem disciplinado

forma o contexto de realização do mín imo gesto. Uma boa caligrafia, por

exemplo, supõe uma ginástica (FOUCAULT, 2011 p. 147).

O que está em jogo em uma análise mais ampla é o aproveitamento máximo

possível do tempo, não se pode perder tempo, isso significa doutrinar e apurar os

movimentos, vigiar, controlar, e dessa forma parece que o tempo é o juiz de uma

eficácia utilitarista produtiva, pela qual o indivíduo teve que aprender e se adaptar a essa

lógica moderna.

Essa utilização do tempo exigiu da sociedade uma organização detalhada e

disciplinar do tempo, essa dinâmica do tempo aplicada a uma instituição possibilitaria

uma atividade cada vez mais exaustiva, e muitas vezes desumanas uma vez que a

aplicação de certas técnicas de controle do corpo trazem uma série de consequências

negativas para o indivíduo tais como: stress, problemas físicos e psicológicos entre

outros.

21

Essa forma de utilizar o tempo impõe uma vida social cada vez mais acelerada,

competitiva, reducionistas, técnica, onde o indivíduo está sempre com pressa, pois o

mesmo tem que estar sempre lutando contra o tempo para participar das dinâmicas

sociais.

Do mes mo modo, os controles disciplinares da atividade encontram lugar em

todas as pesquisas, teóricas ou práticas, sobre a máquina natural dos corpos;

mas elas começaram a descobrir nisso processos específicos; o

comportamento e suas exigências orgânicas vão pouco a pouco substituir a

simples física do movimento. O corpo, do qual se requer que seja dócil até

em suas mínimas operações, opõe e mostra as condições de funcionamento

próprias a um organis mo. O poder disciplinar tem por correlato uma

individualidade não só analítica e “celular”, mas também natural e

“orgânica”. (FOUCAULT, 2011 p. 150).

Percebe-se mais uma vez uma redução do homem em “objeto” útil, que ao longo

dos períodos históricos foi mudando sua forma de viver na sociedade até se aproximar a

uma “máquina de controle”.

22

2 A DISCIPLINA COMO CONCEITO FILOSÓFICO, UM DIÁLOGO

ENTRE FOUCAULT E PLATÃO

No presente capítulo será apresentado um diálogo entre Foucault e Platão. Devido a já

termos na bibliografia discussões a respeito da relação entre Foucault e Platão, percebi

que, de forma ampla, podemos comparar a noção de disciplina descrita na modernidade

por Foucault com as ponderações de Platão em algumas de suas obras, principalmente A

República, no qual encontram-se algumas semelhanças com o pensamento de Foucault.

Entretanto, sabemos que são culturas diferentes que envolvem o período da

modernidade e a antiguidade grega. Os conceitos, portanto, aqui analisados, são

aproximações dessas diferenças analisadas. Da mesma maneira, em obras como

Cuidado de si, Foucault retorna a muitos conceitos da Grécia e do comportamento

grego e da sua preocupação com a disciplina necessária para cumprir as normas

délficas, como “nada em excesso”.

Dessa forma, “O último Foucault” retorna ao pensamento grego em busca de

uma ética, de uma autodeterminação, que coincide, em parte, em transformar a vida

como obra de arte.

Platão, apesar de falar de uma disciplina, aponta para uma autoconsciência para

construir uma sociedade baseada na justiça e sem opressão.

Já a semelhança com a disciplina, descrita com a modernidade, a partir de

Foucault, acaba porque é uma disciplina para o exercício do poder, e não para um

crescimento pessoal inspirado filosoficamente em questões éticas da paidéia grega, que

estabelecia um agogê ἀγωγή (treinamento e educação) para chegar a uma aretê ἀρετή

(estado de exelência) para atingir a ataraxia (tranquilidade) e a eudemonia

(eudaimonia).

Sendo assim, o presente capítulo apresenta muito mais diferenças do que

semelhanças entre o pensamento Foucaultiano e o platônico, no que tange o conceito de

23

disciplina, isso sem deixar de tratar a disciplina como um conceito filosófico importante

para analisar a sociedade em diferentes épocas sociais.

2.1 JUSTIÇA, EDUCAÇÃO E DISCIPLINA NA CIDADE

Platão apresenta a ideia de justiça no Livro II da República para mostrar a

origem da cidade (pólis), e para investigar a natureza da justiça e sua importância para o

indivíduo, e, consequentemente, para a harmonia da cidade, pois, segundo ele, a justiça

deve ser percebida em uma escala mais ampla, ou seja, deve partir do menor para o

maior. Nesse caso, em relação à cidade, podemos dizer que esta é maior que o

indivíduo.

A citação a seguir ilustra bem o pensamento socrático sobre tal conceito:

– Vou dizer-to – respondi. – Diremos a justiça é de um só indivíduo ou que é

também de toda a cidade?

– Também replicou.

– Logo a cidade é maior que o indivíduo?

– É maior.

– Por tanto, talvez exista uma justiça numa escala mais ampla, e mais fácil de

aprender. Se quiseres então investigaremos primeiro qual a sua natureza nas

cidades. Quando tivemos feito essa indagação, executá-la-emos em relação

ao

indivíduo, observando a semelhança com a maior na forma da menor.

Pode-se ver, claramente, que a justiça norteia a organização da cidade e a justa

convivência entre os cidadãos. Platão afirma que a cidade mais justa será a melhor e

mais organizada. Tal organização torna-se necessária porque, segundo Platão, o

indivíduo não é autossuficiente, depende de uma organização para viver em sociedade,

daí o papel da justiça, educação e disciplina.

Esses e outros conceitos serão apresentados no presente capítulo investigando os

conceitos platônicos em diálogos com alguns conceitos apresentados por Michel

Foucault, afim de mostrar semelhanças e diferenças conceituais.

Ao investigar o livro A República, sobretudo o livro IV, percebe-se que o

conceito de disciplina não é algo próprio e exclusivo da modernidade.

Para Platão, a organização da cidade seria possível a partir de união dos

cidadãos, pois a cidade só cresceria se houvesse uma unidade, e, para isso, se deve

organizar e conscientizar o múltiplo, e cada indivíduo deve compreender seu papel

nessa unidade.

24

Nessa cidade, cada indivíduo deveria ser responsável por um papel social. Cada

um deveria entender o papel e a importância dessa unidade, pois isso possibilitaria seu

crescimento e desenvolvimento. Daí o papel da educação e da disciplina, que teriam

como objetivos comuns tornar possível a consciência sobre uma cidade melhor e mais

justa.

Percebe-se na República algo que está presente na modernidade, e que é de suma

importância para manter um regime disciplinar, que é a divisão da sociedade em setores.

No caso da República, cada cidadão traria em si uma potencialidade para exercer uma

determinada função social, e essa inclinação deveria ser percebida e educada durante a

vida do indivíduo. Já na modernidade, as instituições disciplinares são responsáveis por

dividir a sociedade em setores determinados. Dessa forma, a autoconsciência platônica

dá lugar ao controle, dominação, vigilância e disciplina, que nasce com a modernidade.

Na modernidade, o cidadão é educado para ser útil, no Período da antiguidade

Clássica, o indivíduo deveria ser educado para ter consciência sobre si e sobre a cidade.

Nesse mesmo capítulo aparece o termo “comedido”, que, para Platão, seria o

cidadão que passou por uma educação, e, por conseguinte, entenderia seu papel para o

crescimento da cidade. O indivíduo comedido é um ser controlado, não através de uma

relação de poder, mas por estímulo a uma consciência crítica sobre seu papel social, já

que, para Platão, a cidade é o espelho da alma, na medida em que a evolução da alma

levaria a uma evolução da cidade.

Outro conceito utilizado por Foucault, que aparece de maneira implícita na

República é o conceito de saber, que está envolvido no processo de educação, porém,

para Platão, esse processo não levaria a uma dominação do indivíduo, pois, ao passar

pelo processo de saber, o cidadão adquiriria uma consciência acerca da importância da

unidade da cidade. Ou seja, se na antiguidade clássica um dos principais objetivos do

saber era estimular a autoconsciência, o autoconhecimento e o equilíbrio do indivíduo,

na modernidade, tal conceito é também utilizado como uma ferramenta de uma

tecnologia punitiva para a dominação e o controle do indivíduo.

Para Judith Ravel segundo Foucault o saber está ligado ao poder, disciplina e controle.

O saber11

está essencialmente ligado à questão do poder, na medida em que, a

partir da idade clássica, por meio do d iscurso da racionalidade – isto é, a

11

Foucault distingue nitidamente o "saber" do "conhecimento": enquanto o conhecimento corresponde à

constituição de discursos sobre classes de objetos julgados cognoscíveis, isto é, à construção de um

processo complexo de racionalização, de identificação e de classificação dos objetos independentemente

25

separação entre o científico e o não-científico, entre o racional e o não-

racional, entre o normal e o anormal – vai-se efetuar uma ordenação geral do

mundo, isto é, dos indivíduos, que passa, ao mesmo tempo, por uma forma de

governo (Estado) e por procedimentos disciplinares. (REVEL, 2005, p.77).

Para Platão, a educação, quando utilizada de maneira honesta (educação que

estaria de acordo com a justiça e a ética), tornaria a natureza melhor, mais consciente e

mais justa. Assim como a alma, em sua busca pelo conhecimento (verdade), deveria

passar por diversas etapas, até chegar próximo de um conhecimento ideal, já que, para

Platão, o conhecimento verdadeiro, a imutabilidade e a perfeição não ser ia possível no

mundo sensível. Da mesma forma, a educação deveria também passar por um processo

“evolutivo”, e isso fica claro quando o filósofo afirma que “... e, por sua vez, naturezas

honestas que tenham recebido uma educação assim tornam-se ainda melhores que os

seus antecessores”. (PLATÃO, A República, livro IV p. 168).

Essa educação passaria pelo entendimento das leis da cidade, do modelo correto

de organização e de uma inclinação correta da alma para manter a sua unidade. Daí

aparece outro termo na República, que Foucault utiliza para falar de disciplina: o

conceito de vigilância. Porém, para Platão, essa vigilância deve ser feita pelo próprio

cidadão, a fim de perceber qualquer mudança que possa por em risco a ideia de unidade

da cidade, ou seja, um cidadão bem educado perceberia facilmente qualquer mudança

nas leis e organizações da cidade, e saberia avaliar se tal mudança era nociva para a

harmonia da cidade.

A citação a seguir expressa o pensamento platônico sobre o tema:

– Portanto, resumindo em poucas palavras, devem os encarregados12

da

cidade apegar-se a este sistema de educação, afim de que não lhes passe

despercebida qualquer alteração, mas que a tenham sob vigilância em todas

as situações, para que não haja inovações contra as regras estabelecidas na

ginástica nem na música (PLATÃO, A República, livro IV p. 169).

do sujeito que os apreende, o saber designa, ao contrário, o processo pelo qual o sujeito do conhecimento,

ao invés de ser fixo, sofre uma modificação durante o trabalho que ele efetua na atividade de conhecer.

(Judith, Revel, Foucault conceitos essenciais p.77) 12

Segundo Platão, quem teria a inclinação necessária para governar a cidade seriam os filósofos , pois

estes foram preparados e educados durante toda a vida para governar a cidades, tal importância e

inclinação aparece na metáfora do navio presente no Livro V da república, a partir dessa metáfora Platão

defende que uma cidade que não é governada por um filósofo está à deriva, ou seja, em uma profunda

desordem.

26

Já na modernidade, segundo Foucault, a vigilância estaria ligada também a uma

constante avaliação de como se deve agir na sociedade, e quem ficaria responsável por

tal avaliação e controle dos atos seriam as diversas instituições disciplinares, como por

exemplo, o estado, que vai criar as leis e as respectivas punições para quem descumpri-

las, e não mais o indivíduo e a sua autoconsciência. Na modernidade, a noção de

unidade e autoconsciência, que possibilitaria uma organização da cidade, daria lugar a

uma burocracia exagerada e a punições severas, para tentar manter a ordem e a

organização social.

A citação a seguir exemplifica o pensamento de Foucault sobre o assunto:

O exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo do

olhar; um aparelho onde as técnicas que permitem ver induzam a efeitos de

poder, e onde, em troca, os meios de coerção tornem claramente visíveis

aqueles sobre quem se aplicam. Lentamente, no decorrer da época clássica,

são construídos esses “observatórios” da mult iplicidade humana para as quais

a história das ciências guardou tão poucos elogios. Ao lado da grande

tecnologia dos óculos, das lentes, dos feixes luminosos, unida à fundação da

física e da cosmologia novas, houve as pequenas técnicas das vigilâncias

múltip las e entrecruzadas, dos olhares que devem ver sem ser vistos; uma

arte obscura da luz e do visível preparou em surdina um saber novo sobre o

homem, através de técnicas para sujeitá-lo e processos para utilizá -lo

(FOUCAULT, 2011 p.165).

A vigilância passa a ser uma estratégia disciplinar ligada ao poder, à

disciplina e ao controle, e, para tornar-se efetiva, fez-se necessário o desenvolvimento

de uma série de técnicas que garantisse a exploração dos corpos: a vigilância associada

a outras tecnologias disciplinares proporcionaram uma nova forma de lidar com o corpo

disciplinando seus movimentos, gestos, expressões, para que os movimentos soltos

dessem lugar a orem do como e porque agir, ao saber para controlar os movimentos,

torna- los cada vez mais precisos, aptos, rápidos, pois as instituições disciplinares

necessitavam disso utilizar esse corpo em prol de uma utilidade.

Nessa dinâmica as estruturas de poder agem como o norteador dessa relação

entre saber para poder, que pode ser visto por um duplo sentido: o poder do indivíduo

dominar, o corpo, deixando-o cada vez mais preciso, apto, versátil, hábil como uma

“máquina”, e o poder exercido pelas instituições nesses mesmo corpos e dessa forma

reduzindo-os a uma ferramenta institucional.

A articulação corpo-objeto: a disciplina define cada uma das relações que o

corpo deve manter com o objeto que manipula. Ela estabelece cuidadosa

engrenagem entre um e outro. (FOUCAULT, 2011 p.147).

27

2.2 O CONTROLE DOS ATOS PARA MANTER UMA EDUCAÇÃO VOLTADA

PARA ÉTICA.

Para Platão os bons costumes devem ser estar presentes na vida do indivíduo

desde a infância, pois isso levaria o cidadão a agir de forma, justa e honesta. Sendo

assim, a cidade que apresentasse uma educação voltada para tais costumes seria

consequentemente uma cidade mais voltada para a ética, ou seja, para um bem maior

que era a unidade e a harmonia da mesma.

O filósofo apresenta tal conceito na seguinte passagem do livro IV da República:

- Por tanto, como dizíamos de início os nossos filhos devem logo participar

em jogos mais conformes com a lei, pensando que, se eles lhe forem

contrários, é impossível que formem homens cumpridores da lei e honestos.

-Como não?

- quando por tanto as crianças principiam por brincar honestamente,

adquirem, através da música, a boa ordem e, ao contrário daqueles (entende-

se: no caso mencionado anteriormente), ela acompanha-os para toda parte, e

com seu crescimento, endireita qualquer coisa que anteriormente tenham

decaído na cidade.

- É verdade.

- E sem dúvida descobrirão aquelas leis, que pareciam pequenas, e que os

seus antecessores tinham deitados todas a perder. (PLATÃO, A República,

livro IV p. 169).

O que se nota a partir de alguns textos de Platão em formar uma subjetividade

cultivada pela educação e quanto na modernidade na qual Foucault identificou o saber-

poder, os corpos são destituídos de uma sensibilidade interior cultivada por uma

educação de cidadãos livres para se transformar em uma vigilância sistemática do corpo

para criar no subjetivo do indivíduo uma obediência cega ao poder daqueles que os

dominam.

Dessa forma, segundo Michel Foucault:

De uma maneira g lobal, pode-se dizer que as disciplinas são técnicas para

assegurar a ordenação das multiplicidades humanas. É verdade que não há

nisso nada de excepcional, nem mesmo de característico: a qualquer sistema

de poder se coloca o mesmo problema. Mas o que é próprio das disciplinas, é

que elas tentam definir em relação às multip licidades uma tática de poder que

responde a três critérios: tornar o exercício do poder o menos custoso

possível (economicamente, pela parca despesa que acarreta; politicamente,

por sua discrição, sua fraca exteriorização, sua relativa invisibilidade, o

pouco de resistência que suscita); fazer com que os efeitos desse poder social

sejam levados a seu máximo de intensidade e estendidos tão longe quanto

possível, sem fracasso, nem lacuna; ligar enfim esse crescimento

“econômico” do poder e o rendimento dos aparelhos no interior dos quais se

28

exerce (sejam os aparelhos pedagógicos, militares, industriais, médicos), em

suma fazer crescer ao mesmo tempo a docilidade e a utilidade de todos os

elementos do sistema. Esse triplo objet ivo das disciplinas responde a uma

conjuntura histórica bem conhecida. (FOUCAULT, 2011 p.206).

Podemos concluir então que a educação clássica é uma auto disciplina

introduzida pela Paidéia.

Já na modernidade a disciplina é imposta pelas relações de poder que cria um

sistema de dominação e controle.

3 CONCLUSÃO

Ao longo dessa pesquisa, minha intenção foi a de me aproximar um pouco do pensamento de Michel Foucault no que diz respeito às suas considerações sobre a noção da relação poder-saber, para impor uma disciplina, dominação e controle13. Para tanto, foi preciso uma trabalhosa e cuidadosa investigação, que me

permitisse uma constante interação com alguns conceitos que permeiam a análise da

disciplina proposta por Foucault, além evidentemente, do auxílio indispensável de seus

comentadores.

Para tal empreitada, parti essencialmente do livro Vigiar e punir (1975) onde na

terceira seção o autor fala sobre o surgimento de uma tecnologia disciplinar que

possibilitou uma disciplina cada vez mais rígida, que seria voltada para a coerção, a

docilidade, controle, dominação e a transformação do sujeito em um “homem

máquina”, que, ligado a uma instituição disciplinar, passaria por um processo de saber-

poder, que se apresentaria por um duplo sentido: o homem deveria aprender a dominar e

controlar o corpo, para tornar-se cada vez mais hábil para cumprir de maneira eficaz o

que foi imposto pelas instituições, e, dessa forma, essas mesmas instituições poderiam

13

Com a extensão das disciplinas, no século XIX ingressamos na época do controle social, a diferença

das sociedades penais precedentes. 0 panoptismo é uma das características fundamentas de nossa

sociedade. É um tipo de poder que exerce sobre os indivíduos sob a forma de vig ilância individual e

contínua, sob a forma da correção, ou seja, da transformação dos indivíduos a partir de certas normas.

(CASTRO, 2009, p. 85).

29

ter o controle do indivíduo e de seus movimento, utilizando-o para um determinado

fim.

Segundo Foucault, para entender o conceito de disciplina, deve-se ter um olhar

minucioso sobre o poder. Vale lembrar que, para o filósofo, o poder não é uma entidade

coerente, unitária e estável, pois tal conceito se apresenta através de relações de poder,

que estariam de acordo com uma série de transformações históricas complexas que

implicariam multipolos efeitos na sociedade, dentre eles, uma série de tecnologias

disciplinares. Essas “relações de poder” deram origem ao que o autor atribui a uma

Micro física do poder, isso quer dizer que o poder se manifesta em toda e qualquer

esfera social, das mais simples às mais complexas, ou seja, o poder se apresenta em toda

sociedade como uma rede que está interligada e que estaria ligada a toda lógica social

presente na sociedade moderna.

Foucault exemplifica tais relações de poder a partir do estudo de algumas

instituições disciplinares como o exército, as escolas e as indústrias. Dessa forma, o

filósofo apresenta semelhanças e diferenças entre as instituições disciplinares. As

semelhanças estariam de acordo uma microfísica do poder; já as diferenças, a

potencialidade que tais instituições têm para criar suas próprias regras. Tais

semelhanças são perceptíveis comparando algumas características das instituições,

como o modelo arquitetônico (muros altos, espaços específicos e corredores que

permitissem um sistema de vigilância constante), sistema de controle (horários

definidos, ordenação e encarceramento provisório), relações hierárquicas, controle das

massas e do corpo.

Tais tecnologias disciplinares teriam como objetivo organizar, controlar e

disciplinar o múltiplo, organizá- los em diversas instituições, aproximando-os a uma

“máquina produtiva” onde suas vontades individuais deveriam dar lugar às vontades

institucionais, ou seja, o indivíduo deve apresentar-se de acordo com as normas

institucionais, pelo menos no intervalo de tempo que o indivíduo esteja ligado a uma

determinada instituição. Dessa forma, um soldado, estudante ou operário deve ser

percebido por suas características e técnicas, que aprendem a partir do processo de

poder-saber. Em uma medida maior, podemos dizer que essa tecnologia disciplinar

proporciona uma redução materialista do indivíduo, já que, a partir de uma relação

hierárquica de poder, esse indivíduo seria utilizado como uma “engrenagem” dessas

instituições disciplinares.

30

Foucault entende que a disciplina não é algo específico da modernidade. É

possível ver isso claramente a partir de alguns de seus escritos, como O cuidado de si,

no qual o autor utiliza conceitos do período clássico para explicar algumas

características sociais modernas. Porém, o filósofo apresenta a disciplina como algo que

se intensifica com uma virada prática vista na modernidade. Tal dinâmica se justifica a

partir de diversas mudanças histórico-sociais, vistas a partir do século XVII, ou seja, as

novas formas políticas, sociais e econômicas fizeram surgir para manter-se uma série de

tecnologias disciplinares e punitivas, que seriam alicerçadas por diversas formas

hierárquicas de poder.

Vale lembrar que a episteme de Foucault é a história e sendo assim o autor

explica que as mudança disciplinares vistas na sociedade moderna foram possíveis a

partir das mudanças sociais, ou seja, a história é algo dinâmico, sendo ao assim a

sociedade muda ao passo que as mudanças históricas se apresentam.

Segundo Foucault, o que nortearia tais relações seria um processo de saber-

poder que, entre outras coisas, estaria ligada a um processo de alienação do indivíduo,

tendo em vista que este nem sempre percebe que, ao participar de tais instituições

disciplinares, são utilizados para um determinado fim.

Portanto, esta pesquisa, ainda de caráter inicial, sirva para futuros trabalhos aos

interessados em se aprofundar no tema norteador.

31

REFERÊNCIAS

CASTRO, Edgardo. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos seus temas, conceitos e autores. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

DELEUZE, Gilles. Foucault. Trad. Claudia Sant’Ana Martins. São Paulo: Brasiliense,

1998.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Trad. Raquel Ramalhete. 39 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.

________. A Arqueologia do Saber. 3 Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.

________. As palavras e as Coisas. 8 Ed. São Paulo: Martins fontes, 2000.

________. Microfísica do Poder. 11 Ed. Rio de Janeiro: Graal, 1993.

MACHADO, Roberto. A ciência e o Saber. 3 Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

32

OKSALA, Johanna. Como Ler Foucault. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges Rio de

Janeiro: Zahar, 2011.

PLATÃO. A República, 6 Ed. Fundação Calouste Gulbenkian. 1990

_____. A Ordem do discurso, tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. – São Paulo: Edições Loyola, 2011.

REVEL, Judith. Michael Foucault: conceitos essenciais. Trad. Maria do Rosário

Gregolin. Nilton Milanez, Carlos Piovesani. São Paulo: Claraluz, 2005.