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Ao Paulo, meu companheiro de caminhada em Oníris e na vida real.

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Uma chuva de Verão lavou a terra enquanto o sol brilhava, e a anciã de cabelos roxos pôde confirmar os seus piores receios.

Sobre a sua cabeça, um arco-íris diferente ganhou forma, e, por trás dos círculos das sete cores, um novo círculo de luz branca ilu-minou o céu.

Não havia dúvida sobre o significado desta alteração, a deusa par-tilhava agora, com os filhos, um lugar na prisão celeste.

Desta vez o grupo não poderia contar com a ajuda Dela. Teriam de cumprir a sua missão sozinhos, utilizando apenas os seus recur-sos...

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LIVRO III — ESQUECIMENTO E LEMBRANÇA

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CAPÍTULO 1 Caída do céu

Tudo era silêncio e escuridão.Então o vazio foi interrompido por uma voz distante que me di-

zia para acordar, e senti uma mão fria, desagradável, a bater-me no rosto.

Depois, dei-me conta do burburinho, do ruído de fundo, onde por vezes identificava comentários soltos que pareciam vindos de um so-nho...

— Alguém viu como foi?— O que se passa?— Deixem-me ver!— Coitadinha...Abri os olhos, e um conjunto de rostos desconhecidos que me fi-

tavam materializou-se à minha frente. Voltei a fechá-los, assustada.“Onde estou?” foi a primeira pergunta que me veio à cabeça... a

que se seguiu outra: “O que aconteceu?” E só então me ocorreu a questão mais central: “Quem sou eu?” Não me conseguia lembrar!

Inspirei fundo para acalmar o desespero que aquela dúvida me provocava, e abri novamente os olhos. Estava deitada de costas num chão de terra e, por cima das cabeças que encobriam parcial mente a minha visão do céu, pude ver os beirais dos telhados de casas. Devia estar numa rua movimentada de algum povoado!

— Afastem-se, por favor, dêem-lhe espaço, ela está a acordar!Quem falava era uma senhora de meia-idade, que se distinguia en-

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tre todos os restantes por apresentar cabelos de cor laranja, em vez da cor anil que emoldurava todas as outras cabeças.

— Como te sentes? Consegues levantar-te? — perguntou-me ela.Fiz um esforço para me sentar. Sentia a cabeça pesada e o corpo

dorido, e acima de tudo desejava estar só, desejava que todos aqueles olhos curiosos desaparecessem da minha frente.

A tentativa de me erguer foi premiada com uma tontura forte que me desequilibrou e me fez cair para trás, mas a senhora estava atenta e agarrou-me antes de a minha cabeça embater no solo.

Fui invadida por uma forte vontade de chorar e fechei novamente os olhos, na esperança de que ninguém reparasse. Então, senti que me agarravam, retirando-me do chão e colocando-me sobre uma su-perfície de tecido áspero, cujo suave balançar me embalou enquanto me tiravam daquele lugar.

Um cheiro intenso a desinfectante chegou até mim e adormeci.

***

Acordei numa cama macia. Sentado a meu lado, numa pequena cadeira, um jovem vigiava o meu descanso. Ao ver-me despertar, levantou-se e saiu, gritando:

— Mãe, já acordou!Pouco depois a senhora de cabelos cor de laranja estava ao meu

lado, com uma malga de caldo quente. Pediu-me que bebesse. Sen-tei-me na cama e obedeci, notando a energia a voltar com o calor da sopa. Fisicamente sentia-me bem, mas, na minha cabeça, a incerteza martirizava-me. Depressa percebi, no entanto, que não seria ali que encontraria o conhecimento para apaziguar as minhas dúvidas.

A minha interlocutora explicou-me que, depois de uma estranha tempestade que trouxera a noite em pleno dia, quando a luz retor-nou, eu tinha sido encontrada estendida no meio da rua deserta, sem que ninguém testemunhasse como ali aparecera. Era como se eu

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tivesse... caído do céu.Ao perceber que eu tinha sido invadida pelo esquecimento, re-

comendou-me que fosse até ao Registo, onde existiam dados sobre todos os habitantes daquele território. Lá, talvez encontrasse a in-formação que desejava sobre quem eu era. Sugeriu-me também que desse uma volta pelo povoado, pois por vezes a visão de algo fami-liar constitui a ponta do novelo a que nos podemos agarrar para recuperar fios de recordações com os quais poderemos voltar a tecer a manta da nossa memória.

Apesar da sua sugestão para que descansasse um pouco antes de partir, decidi que não queria perder mais tempo e fui em busca do meu passado, aceitando a companhia do seu filho Iago, de 15 anos, como guia.

Despedi-me com alguma pena da minha anfitriã, a quem agradeci do fundo do coração todo o apoio prestado. Agradeci também aos deuses que ela tivesse sido uma das primeiras pessoas a encontrar--me e que a sua generosidade aliada aos seus conhecimentos de cura a tivessem motivado a prestar-me auxilio.

Segui Iago pelo estreito carreiro entre as árvores em direcção ao casario.

O Registo era um edifício austero, feito de pedra. Iago iria apro-veitar para visitar uns amigos e encontrar-se-ia comigo mais tarde, pelo que fiquei só.

Entrei hesitante no edifício, insegura quanto ao que iria encontrar.Um único funcionário sonolento assegurava todo o serviço. As

cinco pessoas à minha frente foram atendidas com uma exasperante falta de pressa, e penso que terei adormecido enquanto esperava a minha vez.

Quando comecei a ser atendida, expliquei ao funcionário o que desejava, e ele disse-me para me descalçar.

Pedi-lhe que repetisse, pensando ter percebido mal.— Faça o favor de se descalçar — insistiu ele. — Tire os sapatos

e as meias.Sem compreender os porquês, obedeci, olhando envergonhada a

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sujidade que me cobria a pele dos pés e das pernas.O funcionário fez-me sinal para que o seguisse até uma outra sala,

o que fiz, sentindo a frescura do chão de pedra nos pés descalços.Na sala onde entrámos indicou-me uma bancada alta onde pediu

que me deitasse. Abriu o armário e dele retirou um frasco e um pe-queno pano de linho que colocou sobre uma mesa auxiliar, junto a diversos objectos metálicos anarquicamente dispostos. Além de fa-cas, tesouras, uma pinça e uma pequena serra, identifiquei também, a completar a desarrumação da mesa auxiliar, uma pena de aparo metálico, um tinteiro, folhas de papel, uma lupa, uma bacia e uma pequena caixa fechada. Junto à bacia, uma mancha vermelho-escu-ra sugeria sangue seco.

O homem sentou-se então numa cadeira à minha frente, e orde-nou-me:

— Estique o pé, e não se mexa. — Hesitei, olhando desconfiada o frasco, o pano, mas sobretudo os instrumentos afiados que lhe faziam companhia.

“O que é que ele vai fazer? Vai tirar-me um pedaço de carne ou de sangue para o processo de identificação. Será que vai doer? Ele não parece do tipo cuidadoso. Aposto que vai doer...”, pensei.

— Ponha aí o pé e não se mexa. Não tenho tempo a perder, há muita gente à espera de ser atendida — resmungou ele.

Decidi obedecer. Se queria que me ajudasse a descobrir quem era, o melhor seria fazer o que ele me dizia. Mesmo que fosse doloroso, teria de aguentar.

Assim, coloquei o pé no local indicado e fechei os olhos. Senti a sua mão agarrando-me com força o calcanhar e o contacto

frio do pano molhado esfregando o meu tornozelo.“Agora que já limpou, vai usar a faca para fazer um golpe”, pen-

sei, contraindo-me, e fechando ainda mais os olhos.— Aqui não há nada. Vire-se para o outro lado e dê-me o outro

pé! — ordenou.Reabri os olhos, surpreendida.— Deve ter achado que o outro é mais indicado para a análise —

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deduzi.Virei-me, retirei o pé direito e pus o esquerdo no seu lugar. Ele

deslocou-se lentamente para o outro lado da bancada, de forma a manter-se à minha frente, e arrastou consigo a mesa auxiliar que se movia sobre umas rodas toscas.

Desta vez arranjei coragem e mantive os olhos abertos. Vi-o, as-sim, colocar o líquido no pano e com ele esfregar-me o tornozelo, enquanto exclamava:

— Estamos com sorte. Cá está ela.Retirou então de cima da mesa um objecto, do qual só consegui

ver o cabo preto, e aproximou-o do meu pé, exclamando:— Vamos lá ver melhor!Contraí-me mais uma vez, esperando sentir o corte. E só então

me apercebi de que o objecto que ele tinha na mão era a lupa e não a faca.

— O que é que encontrou? — perguntei, suspirando aliviada.— O teu código de identificação, claro. Após o Dia da Separação,

quando se procedeu ao registo generalizado dos habitantes do terri-tório, muita gente optou por seguir a sugestão do regente e tatuar o seu código de identificação no tornozelo. Sobretudo os pais passa-ram quase todos a tatuar os filhos ainda crianças, para o caso de eles se perderem. Se todos tivessem feito isso antes do Dia da Separação, teria sido infinitamente mais fácil o trabalho de reunir as famílias divididas e identificar os corpos. Felizmente os teus pais eram gente previdente e trouxeram-te cá para fazer a tatuagem.

Toquei o meu tornozelo, e ao fazê-lo tive uma recordação de in-fância, uma memória da dor e do medo que sentira quando ela tinha sido feita. Mas o meu cérebro limitou-se a recuperar a sensação, não trazendo qualquer conhecimento associado.

— Vamos então tentar encontrar o teu registo nos ficheiros — dis-se o funcionário.

Segui-o até à sala de arquivo, sorrindo para mim própria.“És mesmo tonta, não podias ter imaginado uma forma mais

simples de identificação? Só porque havia objectos cortantes e uma

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mancha vermelha sobre a mesa, tinhas de te pôr a imaginar amos-tras de carne e sangue? Como se fosse possível identificar cada pes-soa pelo seu sangue...”

— Aqui está a tua ficha — disse-me, interrompendo os meus pen-samentos. — Chamas-te Norma, tens 20 anos, e moras aqui perto. És solteira e não tenho registo de quaisquer familiares vivos. Eu es-crevo aqui a tua morada.

Agradeci-lhe e abandonei o Registo, transportando comigo, cui-dadosamente, um papelinho com os meus dados pessoais.

À saída encontrei Iago, que lia um livro enquanto me aguardava. Pu-lo a par das novidades, e ele ajudou-me a encontrar aquela que, de acordo com as informações do Registo, seria a minha morada.

Era uma casa pequena com um jardinzito à volta, que, invadido por ervas daninhas, sugeria muitas luas ao abandono. As portadas das janelas estavam fechadas, e pelo aspecto há muito que não eram abertas. As floreiras estavam transformadas em depósitos de plantas secas e erva. A sólida porta encontrava-se trancada, impedindo-nos de matar a curiosidade sobre o interior.

— Se tivesse de esconder uma chave, que sítio escolheria?— Um vaso com flores, junto à casa — respondi eu, depois de

pensar um pouco.— Posso? — perguntou Iago, apontando para dois vasos decora-

dos de plantas mortas que ladeavam a entrada. — Não custa tentar, antes de arrombarmos a porta...

Acenei afirmativamente, e assisti expectante enquanto ele esva-ziava os dois vasos. Remexemos a terra do primeiro sem encontrar nada. No segundo, no entanto, encontrámos um saco de pano com uma chave dentro. Com as mãos a tremer introduzi-a na fechadura, que correspondeu abrindo-se.

— Quer que entre consigo? — perguntou Iago, vendo-me hesitar à porta.

— Agradeço, mas prefiro fazê-lo sozinha. A tua ajuda foi precio-sa, muito obrigada por tudo, mais uma vez.

— Se precisar de alguma coisa é só dizer. Até amanhã. — Ao cru-

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zar o portão virou-se e acenou-me em despedida.Fiquei ali parada, hesitante, olhando a porta aberta. Então en-

treguei-me à tarefa menos relevante: voltei a pôr a terra nos vasos, utilizando as minhas mãos como concha à falta de instrumento mais apropriado. A tarefa acalmou-me um pouco, e, depois de concluída, decidi-me a entrar.

Não me recordava daquele espaço, mas um sentimento de familia-ridade, de segurança, começou a invadir-me. Embora não me lem-brasse das paredes, dos móveis, dos objectos, tinha a sensação de estar em casa.

A sala estava coberta de pó, assim como as restantes dependên-cias. Abri todas as janelas, para arejar, arregacei as mangas e, en-quanto procedia às limpezas, procurei elementos que me dissessem mais sobre quem eu era.

— Quem era a rapariga de nome Norma que tinha vivido naquela casa, e porque tinha partido?

Um som inesperado junto à janela arrancou-me bruscamente das minhas divagações e fez-me dar um salto.

— Não se assuste Norma, sou eu, a vizinha da casa em frente, e vim só ver se precisava de alguma coisa.

Abri-lhe a porta, envergonhada do meu aspecto mal arranjado e da poeira que cobria os móveis, e observei com curiosidade a minha vizinha.

Era uma senhora pequenina e enérgica, de cabelos cor de anil apa-nhados num carrapito, que trazia nas mãos uma cesta de vime co-berta por folhas de videira.

Convidei-a a entrar, mas ela recusou-se, pois não queria incomo-dar. Entregou-me uma cesta de boas-vindas, que continha leite de zebra, pão, queijo fresco, fruta e biscoitos recheados de bagas doces, dizendo:

— Imaginei que lhe soubesse bem comer alguma coisa depois da viagem, e tomei a liberdade de lhe trazer um lanchinho.

Agradeci muito e insisti para que entrasse um pouco, e, como ela recusasse, conversámos ali mesmo, junto à porta.

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A nossa conversa foi breve, pois ela tinha em casa o jantar à espera de ser feito, mas ainda houve tempo para me responder a algumas perguntas.

Através dela soube que a minha casa estivera abandonada duran-te um ano. A vizinha não sabia o dia exacto da minha partida, mas lembrava-se de que no primeiro dia de férias escolares eu já não esta-va lá, pois o seu filho mais novo, a jogar à bola, partira-me um vaso, e ela desde essa altura nunca mais me vira para pedir desculpa e me compensar do prejuízo.

Em princípio os outros vizinhos não poderiam acrescentar muito mais informação, pois, na altura, ela falara com eles e nenhum lhe soubera dizer para onde eu fora, ou quando voltaria.

Quanto a mim, fiquei a saber que era considerada uma pessoa muito reservada, que pouco me dava a conhecer, e que, além dos bons-dias, era raro ouvirem a minha voz.

Quando partiu, comi para retemperar as forças, e voltei furiosa-mente à luta contra o pó, só descansando quando vi a casa minima-mente limpa e arrumada. Sabia que agia como se ao organizar aque-le espaço estivesse a contribuir, de alguma forma, para pôr ordem na minha cabeça...

Durante o trabalho encontrei um objecto que me despertou a atenção. Era uma pequena caixa de madeira, com delicados embuti-dos, dentro da qual se encontrava guardada uma rosa seca. Na tam-pa tinha gravado o meu nome — “Norma” — e, no fundo, trazia a marca do fabricante “Oficinas Kanel”. Ao tocar-lhe senti que aquele objecto tinha para mim um significado especial, mas não consegui recordar-me de quem mo havia oferecido.

Na sala, dentro de uma gaveta, descobri ainda um saco com as minhas economias, que me deu resposta a uma outra questão im-portante: como garantir a subsistência nos próximos dias?

Deitei-me apenas quando a exaustão me impediu de continuar, e adormeci a imaginar que era uma pessoa extraordinária, de quem todos gostavam.

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***

Acordei com o som de batidas na porta. Fui abrir e encontrei o meu amigo Iago, que passara por ali para ver como eu estava.

Convidei-o para me fazer companhia ao pequeno-almoço, e ele aceitou um biscoito, mais por educação do que por fome, pois já comera em casa.

Expliquei-lhe o meu plano para esse dia: procurar informações que me ajudassem a saber quem eu era. Para já, tinha uma pista a seguir: tentar encontrar o fabricante da curiosa caixa, na esperança de que me dissesse algo sobre quem a mandara gravar.

A ideia de desvendar o meu misterioso passado, seguindo pistas, motivou o jovem Iago, e ele ofereceu-se para me ajudar.

Como Iago conhecia as Oficinas Kanel, foi para lá que nos diri-gimos.

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