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“A intertextualidade entre o cinema e a publicidade: uma análise do case The Hire*Rebeca Azevedo de Oliveira 1 *Vanessa Brasil Campos Rodríguez 2 Resumo Este trabalho dedica-se a investigar e analisar as conexões que o espaço da publicidade e do cinema possuem entre si, através de um estudo de caso sobre os filmes que possuem em média sete minutos da série The Hire, peças da campanha publicitária da empresa automobilística BMW. Os filmes foram exibidos apenas na internet e ganharam diversos prêmios pela sua eficácia criativa e mercadológica. A metodologia empregada é qualitativa e exploratória, onde se fundamenta principalmente nos conceitos dos teóricos Jaques Aumont, Jesús González Requena e Francis Vanoye. Abordam-se aqui, elementos isolados do cinema e da publicidade para colaborar com o entendimento sobre a análise e compreender onde estas linguagens se encontram. Palavras-chave: cinema; publicidade e propaganda; The Hire; análise fílmica. Abstract This work is dedicated to investigate and analyze the connections that space advertising and movie theater have in common, through a case study on the films that have an average of seven minutes on the series The Hire, parts of advertisements campaing of automobile company BMW. The films were shown only on the Internet and they won multiple awards for its creative and marketing effectiveness. The methodology is qualitative and exploratory, which is based mainly on the concepts of theoretical Jauqes Aumont, Jesús González Requena and Francis Vanoye. They’re addressed isolated elements of cinema and advertising to assist in the understanding of the analysis and where these languages are. Keyword: movie theater; advertising; The Hire; film analysis. 1 Estudante de Comunicação Social com hab. em Publicidade e Propaganda. Bolsista de IC Institucional UNIFACS. [email protected] 2 Doutora e Professora do curso de graduação de Comunicação Social com hab. em Publicidade e Propaganda na UNIFACS. Líder do Núcleo de Estudos Avançados em Comunicação Empresarial (NAVE) e orientadora deste trabalho. [email protected]

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“A intertextualidade entre o cinema e a publicidade:

uma análise do case The Hire”

*Rebeca Azevedo de Oliveira1

*Vanessa Brasil Campos Rodríguez2

Resumo

Este trabalho dedica-se a investigar e analisar as conexões que o espaço da publicidade e do cinema

possuem entre si, através de um estudo de caso sobre os filmes que possuem em média sete minutos da

série The Hire, peças da campanha publicitária da empresa automobilística BMW. Os filmes foram

exibidos apenas na internet e ganharam diversos prêmios pela sua eficácia criativa e mercadológica. A

metodologia empregada é qualitativa e exploratória, onde se fundamenta principalmente nos conceitos

dos teóricos Jaques Aumont, Jesús González Requena e Francis Vanoye. Abordam-se aqui, elementos

isolados do cinema e da publicidade para colaborar com o entendimento sobre a análise e compreender

onde estas linguagens se encontram.

Palavras-chave: cinema; publicidade e propaganda; The Hire; análise fílmica.

Abstract

This work is dedicated to investigate and analyze the connections that space advertising and movie theater

have in common, through a case study on the films that have an average of seven minutes on the series

The Hire, parts of advertisements campaing of automobile company BMW. The films were shown only

on the Internet and they won multiple awards for its creative and marketing effectiveness. The

methodology is qualitative and exploratory, which is based mainly on the concepts of theoretical Jauqes

Aumont, Jesús González Requena and Francis Vanoye. They’re addressed isolated elements of cinema

and advertising to assist in the understanding of the analysis and where these languages are.

Keyword: movie theater; advertising; The Hire; film analysis.

1Estudante de Comunicação Social com hab. em Publicidade e Propaganda. Bolsista de IC Institucional UNIFACS. [email protected] 2Doutora e Professora do curso de graduação de Comunicação Social com hab. em Publicidade e Propaganda na UNIFACS. Líder do Núcleo de Estudos Avançados em Comunicação Empresarial (NAVE) e orientadora deste trabalho. [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

A campanha publicitária veiculada pela BMW em 2001 e 2002, teve o cinema

como fonte de inspiração. A marca contratou oito cineastas reconhecidos em

Hollywood, para lançar um novo modelo de carro (Z4) e estes conceberam curtas que

exploravam as linguagens fílmica e publicitária. A campanha produziu oito curtas-

metragens que foram lançados apenas na internet, uma estratégia de branded content,

onde a imagem de uma empresa/marca é consolidada a partir da produção de conteúdo.

Como o conteúdo produzido é de caráter audiovisual, ele foi gerado através de técnicas

cinematográficas. Aumont (1994) esclarece que as cenas fazem parte de uma sucessão

de imagens, fotografias que geram movimento e podem ou não construir uma narrativa.

Um filme não-narrativo seria apenas para apresentar imagens conduzidas por técnicas,

como o escurecimento, distanciamento ou desfoque, feitas pela câmera. Mas isto pouco

acontece, a narrativa é uma concepção de uma ideologia, de fatos entrelaçados, que

mesmo que não seja o princípio do filme contar uma história, ela está presente pela

condição da linguagem, pois para existir filme, é necessário a montagem, feita pela

composição de planos. Segundo Aumont (1994, p.40) a definição de plano é dada como

“unidade de montagem” e coloca que são “considerados como planos fragmentos muito

breves (da ordem do segundo ou menos) e fragmentos muito longos (vários minutos)”,

sendo a duração uma característica que o marca. Para o conceito de montagem o autor

destaca sua principal função: a narrativa. Pois a partir dela se organizam os elementos

para exprimir ideias, dentro de uma construção diegética3.

Busca-se através do cinema, inserir o espectador no campo imagético, a atração

é quase que exclusivamente visual, não necessariamente se compreende na

representatividade, e sim, na ilusão que nos leva a um outro lugar que não o do real,

mas que se pareça com ele. Aumont (1994) explica isso, citando Bazin:

Qualquer que seja o filme, seu objetivo é dar-nos a ilusão de assistir

a eventos reais que se desenvolvem diante de nós como na realidade

cotidiana. Essa ilusão esconde, porém, uma fraude essencial, pois a realidade

existe em um espaço contínuo, e a tela apresenta-nos de fato uma sucessão de

pequenos fragmentos chamados “planos”, cuja escolha, cuja ordem e cuja

3Derivada da diegese; a história compreendida como pseudomundo, como universo fictício, cujos elementos se combinam para formar uma globalidade (AUMONT, 1994, p. 114).

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duração constituem precisamente o que se chama “decupagem” de um filme.

Se tentarmos, por um esforço de perceber as rupturas impostas pela câmera

ao desenrolar contínuo do acontecimento representado e compreender bem

por que eles nos são naturalmente insensíveis, vemos que os toleramos

porque deixam subsistir em nós, de algum modo, a impressão de uma

realidade contínua e homogênea (BAZIN, 1972, pp. 66-67).

A semiótica4 permite a interpretação dos signos de acordo com o que eles

representam dentro do contexto inserido. Segundo Santaella (2003) os signos

representam sempre outro signo, ou seja, ele substitui a si próprio para outra coisa

diferente dele. Dessa forma, um objeto (signo) está cheio de significância, e seus

significados ganham força a depender do modo na qual ele se apresenta. Portanto, fazer

o filme é se utilizar da câmera para direcionar o espectador para o foco desejado.

Somente quem o analisa precisa estar atento aos planos, parar e voltar, assistir várias

vezes, entender as continuidades e as intenções. Assisti-lo por mero prazer é se deliciar

na ilusão.

4Ciência dos signos

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2. CINEMA: O CAMINHO PARA BANALIZAÇÃO

Requena (1996) concebeu um percurso teórico para o cinema americano como

um caminho que vai do cinema clássico ao maneirista e culmina no cinema pós-

clássico. No clássico, o campo do simbólico se encontra de forma mais precisa e

simbólica. Ou seja, morte e sexo não aparecem explicitamente, e, metáforas são

construídas para criar uma simbologia para estes acontecimentos. O herói que surge

nesse cinema, tem seu comportamento formatado na honra de fazer o bem para o

próximo, onde não hesita em dar a própria vida por isso.

No artigo “A Trajetória da Imagem Cinematográfica: do simbólico ao sinistro”,

Rodríguez (2003) aborda que o cinema clássico utiliza alguns mecanismos da

linguagem onírica: a metáfora e a metonímia. Para Rodríguez (2003, p. 04) “É um lugar

aonde convergem os acontecimentos, dando-lhes um sentido, cristalizando os atos dos

heróis, convertendo o desejo em lei.”

No maneirista, o plano subjetivo é mais constante, a lente da câmera quer

enganar o espectador, na qual a diegese ocorre através de suspense e acontecimentos

que surpreendem. No momento da morte, a forma de representá-la aparece em meio

termo, no quase, e o olhar é cada vez mais atraído para as imagens. Este tipo de filme,

através das imagens, potencializa a pulsão escópica, o gozo proveniente desta relação

entre o espectador e a tela. “Freud (1999) definiu o termo como pulsão do prazer de

olhar e de exibir. O escópico é, segundo ele, a primeira experiência de satisfação que

ordenará a percepção do homem conforme as coordenadas do desejo” (RODRÍGUEZ,

2003, p. 04).

Por fim, temos o cinema pós-clássico, o transparente, onde tudo é explícito e

objetivo. Não prevalece o campo do simbólico, a situação representada é dada tal como

é. E o olhar agora não se desprende da tela, porque ele é colocado em um lugar que

nunca lhe foi mostrado, como nas palavras de Rodríguez (2003), o sujeito quer ver e ver

mais. Os signos aparecem mais claramente. Os planos são concebidos para mostrar as

imagens da forma mais literal possível, sem metáforas.

Esses três caminhos servem de fonte para muitas construções fílmicas. No

século XXI assistimos filmes contemporâneos que se utilizam dos formatos clássico ou

maneirista. Então se evidencia a importância da diversidade de filmes para satisfazer

distintos públicos. Na contemporaneidade, os efeitos especiais se expandem, juntamente

com a tecnologia da mecânica das grandes produções. E uma vez que, se olha para a

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tela, o espectador é atraído totalmente para os eventos sucessivos, realizados a partir de

técnicas que só o cinema pode proporcionar.

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3. FILME PUBLICITÁRIO NO CAMPO DA SEDUÇÃO

Segundo Compagno (2009) a comunicação de uma organização é contemplada

através do marketing (setor que gerencia o produto, a praça, o preço e a promoção de

uma empresa), e, para obter um desempenho superior na comunicação é preciso agregar

valor superior. Isto é, gerar valor de conteúdo agregado a marca. E toda marca se

apresenta como imagem, aqui não deve haver o aprofundamento sobre a questão

imagética, mas o relevante é saber que a imagem é também o que seduz. Afinal, os seres

humanos utilizam mais a percepção visual dentre todos os outros sentidos que possui, e

ela não está nem um pouco intrinsecamente ligada ao campo visual, mas também ao do

imaginário. No livro Él spot publicitário: las metáforas del deseo, Requena (1995, p.17)

afirma que as metáforas usadas para provocar o desejo do espectador, são antes de mais

nada, imagens delirantes, e que toda análise do filme publicitário deve começar por elas.

Na visualização de um comercial sedutor, o espectador não se atrai somente pela

marca que o comercial faz referência, mas pelo próprio comercial. A tentativa é de se

criar uma relação de consumo imediata, para Requena (1995, p.19) ocorre no momento

mesmo de sua observação. Na qual, tratam-se de duas figuras, a que fala (sedutor) e a

que escuta (seduzido), esta última não almeja mais ter o objeto, e sim, ser ele.

A provocação está em mostrar o campo do narcisismo, do ser aquela

persona/ator que dirige aquele carro ou que está passando aquele protetor solar na praia.

E esse lugar que é apresentado é total, não existe mais nada além dele, os olhos que

estão diante da metáfora delirante do comercial sedutor é totalmente hipnotizado.

Consequentemente, o ambiente é apresentado como inverossímil, faz parte do mundo da

ilusão em um mesmo tempo e espaço. Torna-se uma identidade particular, pois quem

olha se reconhece.

Também fazem parte da construção dessa relação sedutora, o fetiche e a fase do

espelho, que segundo Requena (1995, p.17-42), é respectivamente, o que estrutura de

forma semiótica a metonímica, ou seja, o resultado de uma operação que tenta

restabelecer a plenitude narcísica; e a percepção da identidade separada do indivíduo

que começa a aparecer com o descobrimento do externo, que é por sua vez, o

descobrimento do outro, na busca da completude de algo que lhe falta, que é por ele

mesmo, o objeto de desejo.

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4. A INTERTEXTUALIDADE

Para entender a relação das duas linguagens já abordadas, primeiramente, deve-

se entender a noção de linguagem. Na “Breve síntese sobre a trajetória do filme

publicitário”, Ribaric (2001, p.4) cita Castells e Martín-Barbero para definir o conceito

de linguagem.

Segundo Castells (1999) e Martín-Barbero (1997), a linguagem é

tida como um sistema flexível da cultura de determinadas sociedades

humanas, sendo necessário perceber a cultura como resultado de uma

comunicação mediada pelas interações com as diferentes linguagens e o

desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação.

Para Humberto Maturana, o fenômeno da linguagem só pode ser

observado em comunidades que têm uma história de interações

suficientemente longas e íntimas, a ponto de possibilitarem a recursividade

de ações envolvidas na interação com outros, da mesma espécie ou não

(MATURANA E VARELA, 1984).

Ribaric (2001) exemplifica relações entre publicidade e cinema, quando cita os

soviéticos e como eles se utilizaram do cinema como forma de propagandear seus ideais

revolucionários, e, os Estados Unidos que também não se furtaram em produzir filmes

voltados a divulgar seus ideais governamentais vigentes no mesmo período, e atacar o

regime comunista. O filme por ele mesmo é uma forma de publicidade, pois nele se

expressa ideias, e de uma forma ou de outra, as imagens são capazes de impactar

qualquer espectador para aquelas informações, partindo do conhecimento de que são

imagens e trazem consigo uma mensagem. As reações e os estímulos causados que são

diferentes, e podem variar com o relativo uso de cada uma.

Na contemporaneidade, as relações de consumo passam a ser mediadas pelo

cinema, pela publicidade, pela imprensa e pelos programas de televisão,

criando uma experiência que antecede a vivência real. A imagem se tornou

uma mercadoria submetida à lógica da sociedade do espetáculo, ou seja, a da

valorização das imagens vinculadas às mercadorias (RIBARIC, 1995, p.55).

Nem todo filme ou propaganda garante retorno financeiro para a empresa. No

cinema, os blockbusters são os filmes que lotam as salas, e como exemplo, temos os

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filmes de super-heróis que transformam os arquétipos em estereótipos e enchem o

espectador de fantasia através do surrealismo. Referência mundial, de gênero, que torna

mais evidente o avanço da tecnologia, através de aparelhagens modernas que trazem o

surreal para o mais próximo do real.

É neste contexto de volubilidade que surge, ou melhor, se firma o

advertainment, híbrido entre a publicidade e o entretenimento. O termo inglês

deriva das palavras advertising (publicidade) e entretainment

(entretenimento) e é definido como um conteúdo de entretenimento que imita

formas de mídia tradicional, mas criado somente como um novo formato para

promover anunciantes (RUBARIC, 1995, p.2).

Sendo assim, as imagens do cinema ou da propaganda, querem chamar a atenção

do espectador para um fim maior. Mas a ficção do filme, colabora para que o intuito

final não seja tão direto. Pode-se então, correlacionar a propaganda sedutora com o

filme clássico. Ambos possuem metáforas, onde o espectador é induzido a decifrar a

ilusão. As imagens nesse modelo, não são objetivas.

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5. BMW: THE HIRE

A BMW (Bayerische Motoren Werke AG) começou como fabricante de motores

para veículos, passou a ser uma fábrica de automóveis que se tornou marca de fama

mundial, com os lançamentos de carros e motos de alta tecnologia. Desde 1917

forneceu não somente os seus produtos, mas ideias inovadoras. Possui uma equipe

integrada de cientistas, designers, técnicos, gerentes e engenheiros. Sua estética possui

um design moderno e jovial. Seu lema é despertar “o puro prazer de dirigir”, frase usada

frequentemente pela marca que tenta passar em toda sua publicidade essa ideia

(Disponível em

<http://www.bmw.com.br/br/pt/insights/events/motor_show/2012/showroom/_shared/pd

f/bmw_e-book.pdf>. Acesso em: 05 de março de 2015).

Para o lançamento do modelo BMW Z4, a marca contou com a originalidade e

mudou de estratégia publicitária. Ao invés de gastar mais na veiculação do que na

produção do material de propaganda, ela usou mais de 90% da verba para a produção de

oito curtas-metragens e cada um foi dirigido por cineastas consagrados de Hollywood,

com isto, teve um gasto irrisório para veicular os vídeos.

Usando a estratégia de branded content, o mesmo que advertaiment (ver pág. 8),

que estimula as marcas a produzir conteúdo de entretenimento para o seu target

conhecer ou reconhecer a sua imagem, os curtas ficaram disponíveis apenas como

download (processo de transferência de dados) na internet. The Hire gerou sucesso em

vendas e levou vários prêmios pela sua eficácia criativa, como no festival de Cannes em

2002, onde chegou a ser a causa da criação de um novo prêmio denominado Titanium.

Neste artigo, serão analisados dois dos oito curtas-metragens, intitulados como The

Follow e Powder Keg.

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6. INTRODUÇÃO À ANÁLISE

Francis Vanoye, em seu livro “Ensaio da análise fílmica”, explica que as

análises fílmicas são uma forma de tradução das manipulações que os autores da obra

fazem com as imagens. Elas partem do princípio de desconstrução do filme. De modo

que, segundo Vanoye (1994, p. 15) o analista seja capaz de despedaçar, descosturar,

desunir, extrair, separar, destacar e denominar materiais que não se percebem

isoladamente “a olho nu”, pois se é tomado pela totalidade. E termina no princípio da

compreensão de cada elemento isolado como parte integrante de um mesmo propósito.

É necessário a escolha de planos significativos para serem descritos e

compreendidos. Por exemplo, Vanoye (1994, p. 26) diz que “deve-se decerto também a

Griffith a técnica do insert, esse primeiro plano de detalhe que, na dinâmica de uma

cena, dá uma informação importante ao expectador, ao mesmo tempo que sublinha seu

impacto dramático (plano de uma arma, por exemplo).” Isso evidencia que cada plano

tem um objetivo e não é usado por acaso, cabe a análise perceber isto. Rodríguez (2011)

aborda em seu livro “Além do Espelho” a necessidade de fazer diversos

questionamentos em cada evento da diegese: quem? o quê? como? onde? por que? E

daí, tirar conclusões que se interliguem umas com as outras. A chave é fazer uma teia de

informações.

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7. THE FOLLOW

A partir do próprio título o curta-metragem, The Follow, já se apresenta como

uma narrativa sobre perseguição, isto é, onde existe a presença do perseguidor e

perseguido. A trama gira em torno de um motorista que passa a seguir a esposa de um

ator que suspeita de sua infidelidade por intermédio de um produtor de cinema.

O plano inicial (close-up) mostra o protagonista (Clive Owen), também

denominado na série como o driver (motorista), com o olhar vigilante, neste instante

não se sabe o que ele observa. É algo que ele também não pode dizer, visto que, existe

uma sombra que cobre a sua boca, e que não estaria ali por acaso. Os dedos das mãos

sobem e descem pelo seu rosto, em um estado introspectivo de mistério e de apreciação

do objeto no qual os seus olhos se fixaram. É o ponto de ignição que Requena (1994)

aborda como sendo um lugar nuclear no texto, um ponto que emerge como

preponderante na análise. Aqui, nós o localizamos neste momento onde o olho do ator

se metaforiza no olho do espectador fixo na imagem.

Figura 1

Os dois seguintes planos revelam quem é o objeto admirado e vigiado, e qual a

sua representação na diegese. É uma mulher que aparece de costas, ela não sabe que a

observam, e segue em frente sem olhar para trás. Inicialmente está posicionada à

esquerda e depois aparece ao centro no mesmo momento quando gaivotas aparecem

voando atrás dela. Metaforicamente a mulher ganhou asas também, pois sua roupa

branca de tecido leve começa a balançar com o vento. Isto marca a transição da

personagem, pois em um momento ela aparece caminhando pelo canto da tela, até que

ganha o seu centro e se apresenta como um ser livre. A personagem acuada se liberta da

vigília, isso faz todo o sentido para a história, onde ela começa sendo vigiada, mas que

no fim deixa de ser.

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Figura 2 Figura 3

Dada a partida (o ponto de ignição dos planos anteriores), a próxima cena retrata

os carros em movimento. Antes, os sons eram de pássaros, brisas de vento, para compor

um ambiente paradisíaco, agora ouvem-se ruídos de motores e pneus girando, são os

dois carros presentes na cena: o branco, a mulher dirige, o preto, o driver. As cores já

revelam que os carros são personificações desses personagens, onde a mulher veste o

branco, a cor que transmite pureza, e o motorista veste o preto, a cor da proteção (é a

cor, por exemplo, do colete antibala), que serve como bloqueio (escudo), tornando-o

invisível. Na locução (em off) do motorista, é dito “você fica para trás, à direita”, que

nesse caso é o lugar do direito, do herói. O motorista dirige o carro indo para esse lado,

como sendo ele uma figura heroica.

Figura 4 Figura 5

O filme se mostra como o mais introspectivo da série. O driver pensa nas suas

qualidades: “é tudo questão de paciência, de porcentagens, de coordenação”, que

também podem ser associadas às vantagens do carro em que dirige. O carro que a

mulher dirige é o alvo, algo a ser alcançado. Na perseguição o lado do direito sempre

aparece como o lado do herói nos planos seguintes, como no plano detalhe da mão

direita segurando o volante. A mulher não percebe, está usando óculos escuros, esconde

os olhos. Contudo, sendo um herói, ele não está apenas a seguindo, pois a figura heroica

quer também proteger.

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Figura 6 Figura 7

O motivo pelo qual se tornou alvo, se apresenta na próxima cena, onde ocorre

um flashback que dá sentido à narrativa. Um novo personagem aparece, um produtor de

cinema que quer contratar o motorista para seguir a esposa de um ator paranoico. A

esposa, no caso, é a mulher das cenas anteriores. O produtor diz que ela “está

enlouquecendo ele” e se refere ao ator/marido que anda suspeitando de algo e precisa

saber dela: “onde vai, quem vê”. No seu discurso também ele diz que precisa de alguém

de confiança, a palavra confiança reforça mais uma vez que o motorista é uma figura

heroica, pois não existe ameaças, pelo contrário, o herói possui credibilidade. Porém o

produtor não o convence de imediato a fazer o serviço, pois o motorista foge dos seus

olhos, não se intimida pelo seu discurso. Foi preciso que uma foto do alvo se

apresentasse para ele, e que o outro lhe diga que a mulher da foto é uma “estrela de

cinema”. Após o instante em que ele olha para foto, o close-up mostra que os seus olhos

encaram pela primeira vez durante toda a conversa a pessoa à sua frente com seriedade

e obstinação. Isto é, ele aceitou o serviço, mas não pelo motivo que lhe foi incumbido, e

sim, para ir atrás da mulher, ou seja, para lhe dar a liberdade.

Figura 8 Figura 9

Afinal, não existe liberdade na vida supostamente real de uma estrela de cinema.

O seu casamento está falido ao ponto de fazer que o seu marido contrate alguém para

segui-la. O motorista vai se colocar em uma posição anti-heroica, receber dinheiro para

seguir uma mulher, mesmo que o seu desejo seja proteger o seu alvo.

O cenário retorna para cidade, onde há carros, pessoas, letreiros, cartazes e

começa uma busca cada vez mais obstinada e implacável. A locução em off também se

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inicia “se chegar próximo, mire em seu ponto cego”, metáfora referente ao ponto cego

do carro, um ponto que não se vê outro carro se aproximando mesmo ao olhar pelo

retrovisor lateral. Isto é, o ponto cego é que torna o heroi invisível aos olhos do seu

alvo. Ele também diz “se houve perda, mantenha-se em movimento”, manter-se em

movimento é o que o carro faz em cena, é mais uma metáfora. “Espere o melhor”,

durante essa fala o carro faz uma manobra, que se refere para ir em direção a um atalho,

o “melhor” neste caso também é o carro, sem ele o herói estaria em uma missão

impossível. O carro sempre está como objeto indispensável nos curtas-metragens do

The Hire. A marca se insere na história sutilmente, mas encontra-se presente e implícita

na cena.

Figura 10 Figura 11

Figura 12 Figura 13

No atalho ele mostra a sua capacidade de encontrar uma saída diante dos

obstáculos. E se encontra novamente com o alvo. A locução continua “...a distância é

subjetiva. Pode deixar que seu alvo se afaste, sempre e quando você sabe onde está

indo”, uma metáfora sobre a distância necessária que os carros precisam ter entre eles

quando estão em movimento por questão de segurança. O verbo “ir” define a

perseguição como o caminho que o herói percorre para sua glória, que é uma conquista

pessoal, não tem a ver com dinheiro ou poder. O alvo que persegue pode ser qualquer

um, trata-se da determinação e de conseguir alcançar aquilo que se quer. A liberdade é o

poder de escolher o caminho a seguir. O motorista não ultrapassa o sinal vermelho em

um momento em que o alvo se afasta, pois é um herói e não infringe a lei. Prefere

respeitá-la, pois sabe que vai conseguir seu objetivo seguindo o caminho correto da lei,

pois de qualquer forma ele sabe para onde está indo.

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Figura 14 Figura 15

Quando o produtor de filmes aparece falando ao telefone, em um cenário que

exprime o universo cinematográfico com uma personagem fantasiada ao fundo (figura

16). Ele diz que o marido da mulher é um homem bastante ocupado com o trabalho e

entrevistas, mas que o motorista deve ir visitá-lo. O próximo plano o homem

ator/marido aparece penteando os cabelos e se olhando no espelho, índice de

narcisismo. O motorista está em sua casa, e no último diálogo ele diz que não tem

esposa, logo depois o homem revela “bem... eu, eu não vou perder a minha”, isto

confirma o desespero do marido, que coloca sua esposa como mercadoria, algo que não

se pode perder e demonstra ainda mais que é um personagem bastante narcísico ao

repetir a palavra “eu”.

Figura 16 Figura 17

O motorista recebe do produtor de filmes dinheiro dentro de um envelope, ele

não aparece em sua forma real, ou seja, não está visível, porque a escolha do herói,

assim como o cumprimento da sua missão, não tem a ver com o dinheiro.

Figura 18

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Quando a mulher aparece no aeroporto para ir ao Brasil ver a mãe, descobre que

o voo está atrasado e adormece. O fato da personagem ser uma brasileira está ligado a

um fato real, de que a atriz na vida real (Adriana Lima) possui a mesma nacionalidade.

Reforça ainda mais a sua característica de ser uma estrela de cinema que por sua vez é

uma star-system. Segundo Jaques Aumont (p. 133, 1994) “[...] star-system tende a já

fazer do ator um personagem, mesmo fora de qualquer realização fílmica: o personagem

do filme só vem a existir através desse outro personagem que é o astro”.

O herói percebe a fragilidade da moça, ao descobrir que ela não está traindo o

marido e só queria ver a mãe no Brasil. Quando ela dorme na mesa do aeroporto, a

locução diz: “O que quer que você faça, não fique próximo demais, não encontre seus

olhos”. Mas ele acaba sentando ao seu lado e vigia o seu sono, já que ela está de olhos

fechados. Nessa oportunidade de observá-la melhor, ele encontra um hematoma no seu

rosto, perto dos olhos, algo que ela escondia com seus óculos escuros e é marca da

violência cometida pelo marido. Isto também se torna uma marca para ele, e o faz

desistir de persegui-la. O seu papel de herói, não o faria continuar sabendo que outras

cicatrizes poderiam aparecer. A lua aparece entre as nuvens, como um farol aceso na

escuridão, na mesma posição do herói, no lado direito. A descoberta foi como o

aparecimento da luz na escuridão, ele devolveu o dinheiro e pegou a estrada. Deu a

liberdade a quem precisava, e se tornou livre também. E com a última locução entende-

se que o herói alcançou o seu objetivo e fez o que devia ser feito: “Há sempre algo

esperando no fim da estrada. Se não deseja ver o que é, provavelmente não deveria estar

lá para começar. ”

Figura 19 Figura 20

Figura 21 Figura 22

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8. POWDER KEG

Neste filme, o motorista aparece com uma missão de emergência, no intuito de

salvar uma vida. O cenário é de guerra, onde um fotógrafo norte-americano, Harvey

Jacobs, foi ferido enquanto fazia o seu trabalho. Assim como em um documentário,

alguns dados são apresentados inicialmente (quem, quando, como, onde e por quê?):

“13 de janeiro, 2011. O fotógrafo de guerra da Times, Harvey Jacobs, foi ferido depois

de testemunhar o massacre em Nuevo Colón. Em um esforço desesperado, a Nações

Unidas enviou um veículo para resgatá-lo”.

A câmera faz planos em movimentos, traveling e zoom. Aumont (1994, p. 40)

define como movimentos de tipos variados do aparelho, onde a câmera não fica inerte,

como por exemplo o zoom, que é correlato ao precedente e participa da instituição de

um ponto de vista. O zoom, foi um movimento muito usado em Powder Keg, não

apenas para dar enfoque a um objeto, mas se trata da vida do fotógrafo, personagem que

tem o seu olhar sempre em foco, onde suas fotos fazem parte do seu ponto de vista. A

história perpassa entre os sentimentos de dor e esperança e o suspense gira em torno da

possível sobrevivência do ferido.

O motorista é o herói que aparece para salvar a vida de Harvey Jacobs, mas o

sentido da história se encontra no objeto que o fotógrafo leva consigo, um pingente com

uma mensagem em braile. Esse pingente aparece pela primeira vez no momento onde

Jacobs é baleado e cai no canavial, e depois reaparece em outras cenas. Este mesmo

canavial faz parte do plano de abertura, e com isto, a história começa como se alguém

estivesse se escondendo. Sons de flashes disparando começam a surgir, é o fotógrafo

que tira fotos das pessoas por detrás do canavial que estão sendo torturadas e mortas na

guerra. Os flashes somem, e ouvem-se tiros, a relação entre os sons de flashes

disparados e os tiros se torna evidente, quando o próprio fotógrafo diz que aquelas fotos

nunca salvaram ninguém, apenas servem para mostrar a tragédia aos interessados em

comprar jornais, estes vendem mais quando tragédias como essa acontecem. Ele diz:

“Eu tive pessoas com feridas nos joelhos na minha frente implorando ajuda. Sabe o que

eu faço? Tiro uma foto. Eu nunca salvei ninguém”.

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Figura 23 Figura 24

Figura 25 Figura 26

No filme a morte aparece representada pelas imagens de homens armados,

pessoas em situação de miséria, pelo cemitério e pela própria palavra morte escrita em

espanhol na parede (figura 31). Assim como no cinema clássico, ela é simbólica,

nenhum personagem é filmado enquanto recebe um tiro. Dentro do carro do motorista o

fotógrafo conta sua percepção diante das imagens que vê, o vidro do carro é a metáfora

de sua lente. O que ele vê pela janela é o que ele viu em quinze guerras que presenciou.

A cena acontece em plano sequência, para Aumont (1994, p.59), equivalente a duração

sequencial mais longa dos fatos. É como se toda a trajetória daquele personagem se

resumisse naquelas imagens. No diálogo entre os personagens, o driver percebe a

solidão e tristeza do fotógrafo, quando este pergunta “Sabe o que é pior em ser um

fotógrafo de guerra?”, e logo depois responde, “Que nunca tenho tempo para brincar

com meus filhos”, o driver então questiona, “Quantos filhos tem?”, e a resposta do

fotógrafo se resume em, “Nenhum”.

Figura 27 Figura 28

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Figura 29 Figura 30

A memória de sua família é representada na forma dos filhos de que fala, mas

que simbolizam ele mesmo, pois nesse momento ele se coloca implicitamente como o

filho que não tem tempo para ver a mãe. Esta personagem se revela ao final do filme,

como sendo o incentivo para o que ele faz. Com isto, os dois sinais marcantes para a

diegese são: o pingente em braile e este diálogo que revela a importância que o

fotógrafo expressa pela sua família. Os cegos não veem, e, ele também não vê com

frequência a sua mãe. A ausência deste olhar é o que traz o fotógrafo até aqui: o carro

do driver. O motorista é o olhar que ele necessita nessa situação de quase morte, de

quase cego, e o foco deste olhar aparece por vezes ao retrovisor.

Figura 31 Figura 32

Figura 33 Figura 34

O herói é a figura que anima, que permeia a esperança do que é importante para

o outro e não apenas para si mesmo, em seu trajeto encontra dificuldades, obstáculos e

passa por todos eles com coragem e determinação. O carro é a metáfora de um objeto

também heroico, é o seu instrumento principal necessário. O primeiro obstáculo: um

carro aproxima-se muito de sua traseira e quer ultrapassá-lo enquanto um caminhão

surge à frente. Naquela estrada o herói não pode voltar, seu objetivo está adiante, na

câmera a estrada vazia se mostra ao fundo do carro, onde não há nada para alcançar.

Somente com a sua habilidade e um carro capacitado ele consegue sair do perigo. Por

isso o close-up no rosto atento do motorista, e o plano detalhe da quilometragem do

carro. Os planos passam em ritmo frenético para causar tensão, subjetivamente é a vida

do fotógrafo que pede pressa.

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Figura 35 Figura 36

Figura 37 Figura 38

Após o incidente, eles chegam ao Barril de Pólvora, esse ambiente é que dá

nome ao filme (Powder Keg) e já transmite que tudo está por um triz, prestes a explodir.

Quando eles estão perto de atravessar a fronteira do país onde estão, um soldado

aparece para interrogá-los, nesse momento o fotógrafo começa a disparar flashes da sua

câmera. Logo depois, os tiros começam, assim como no início do filme, os flashes

simbolizam os tiros que o fotógrafo dispara nele mesmo, é a sua própria dor. O soldado

se incomodou com a câmera e atira, o herói grita “pare de tirar fotos”, como não é

correspondido acelera o carro, na tentativa de evitar uma tragédia.

Figura 39 Figura 40

Figura 41 Figura 42

Ele consegue cruzar a fronteira, mas quando olha para trás vê que o fotógrafo

está morto, pois o soldado conseguiu baleá-lo. Antes de morrer ele colocou o rolo de

filme negativo da câmera fotográfica na cadeira da frente e pediu ao motorista para

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entregá-lo no jornal onde ele trabalha, no New York Times. Em seguida também colocou

o pingente em braile, e disse para entregá-lo à sua mãe. O herói desconsolado, tenta

animá-lo mais uma vez dizendo que a entrega dos objetos seria feita por ele mesmo,

mas depois não obtêm resposta.

O driver se encontra agora na mesma condição de antes do fotógrafo, sozinho,

metáfora que se mostra através da imagem do carro parado no canavial, ambiente onde

ele se encontra totalmente isolado. Diante disso, o herói só tem uma coisa a fazer,

cumprir a missão que lhe foi dada para dar sentido a tudo que se passou.

Figura 43 Figura 44

Figura 45 Figura 46

Em uma cena anterior, um diálogo esclarece a importância da mãe na trajetória

do fotógrafo, o motorista pergunta “Por que você é fotográfo?”, e ele responde, “Não

sei. Porque minha mãe queria que eu visse o mundo”. Essa personagem dá o sentido à

história, mas só quando o motorista vai visitá-la para lhe entregar o pingente em braile,

é que este objeto significante que sinalizou o que estava além da guerra e da morte,

passa a fazer sentido. A mãe de Harvey Jacobs é cega, e o pingente foi um presente seu.

Figura 47 Figura 48

O herói além do pingente, lhe traz uma boa notícia, diz que seu filho ganhou o

Pulitzer, prêmio outorgado nos Estados Unidos para os melhores trabalhos na área de

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jornalismo. Fato que evidencia que o rolo do filme negativo foi entregue ao jornal como

prometido. Enfim, o driver termina a cena indo em direção ao seu carro, instrumento

que o fez chegar ali. A luz branca por onde caminha, nada mais é que o seu carro branco

metamorfoseado. Com o dever cumprido, o motorista chega ao fim da sua busca pelo

sentido.

Figura 49 Figura 50

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9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das duas análises, identificam-se nos curtas-metragens similaridades

com os filmes clássicos, onde o espectador encontra heróis, a morte simbólica, a busca

pelo sentido, e no fim, a revelação dos significados dos signos que aparecem com ênfase

durante a história. Contudo, The Hire não é uma série de filmes clássicos, seu caráter

cinematográfico é baseado sim, na perspectiva clássica, e isto valoriza o material

fílmico, visto que se mostra cheio de significações no seu conjunto de imagens.

Os curtas-metragens mostram solidez nos personagens inseridos, consistência

nas suas narrativas, elementos visuais e sonoros que não confundem a fronteira entre o

subjetivo (do autor, do personagem) e do objetivo (do que é mostrado). Para Vanoye

(1994) essas características voltadas para o modelo clássico são o que as diferem do

contemporâneo. O autor ainda esclarece que as técnicas cinematográficas empregadas

na narrativa clássica serão, portanto, no conjunto, subordinadas à clareza, à

homogeneidade, à linearidade, à coerência da narrativa, assim como, o seu impacto

dramático.

O inusitado destes curtas é que, ao mesmo tempo, possuem registro simbólico e

por isso seguem o modelo clássico do cinema, e, também são filmes publicitários que

seguem o princípio de comunicar sobre uma marca, que no caso é a BMW. Então, o

espectador é atraído pelos gestos e fatos heroicos e pelo simbolismo das imagens, e com

isto, digere facilmente a imagem do carro que é o produto da marca. Ao conceberem

filmes curtos dentro do modelo clássico, o espectador pode fazer uma analogia do carro

com um herói clássico, pois este é capaz de enfrentar barreiras, combater os vilões,

sacrificar-se por uma causa nobre, defender os fracos e oprimidos. Neste sentido o carro

se metaforiza na figura do herói, o driver. Ou seja, esta estratégia que é muito utilizada

no comercial sedutor – a metáfora do objeto do desejo e o ator, é usada aqui com

eficácia pela BMW. E o carro passa, através de um recurso imaginário a ter um

conteúdo simbólico. É aqui que reside a grande estratégia destes curtas e sua capacidade

de sintetizar a linguagem do filme clássico com a linguagem da publicidade sedutora.

As análises feitas foram baseadas no que, segundo Aumont (1994), faz parte das

duas condições que uma análise fílmica supõe, a primeira é constituir um estado

intermediário entre a própria obra e sua análise, e a modificação mais ou menos radical

das condições da visão do filme. Dessa forma, as análises compartilham o ponto de

vista com base em estudos específicos para que a ilusão da construção do filme seja, na

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verdade, um caminho de volta para a desconstrução. A ilusão também acontece no uso

da propaganda, onde a marca quer provocar uma imagem que se relacione com o seu

público-alvo, e para isso precisa atraí-lo através do campo imagético. Contudo, ambas

as linguagens estão para comunicar, então a ilusão precisa ter um propósito, além do

efeito de atração.

Através do mecanismo de identificação com a trama clássica, o espectador se

espelha na marca e estabelece com ela uma relação de consumo imediata ao visualizar

os filmes. As análises revelam, justamente, o encontro das linguagens na inserção da

imagem do carro nos curtas, pois ele aparece como o objeto que soluciona problemas,

em questões de distância, de tempo e desafios enfrentados pelos personagens. Enfim, é

garantido o valor da marca diante do seu público-alvo (linguagem publicitária) a partir

do conteúdo que foi produzido (linguagem cinematográfica) pelas qualidades que ele

transmitiu, como jovialidade, beleza, segurança, heroísmo, ética, coragem e aventura.

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REFERÊNCIAS

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2009.

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olhos bem fechados”, de Stanley Kubrick. Communicare: revista de pesquisa, São

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2003.

RODRÍGUEZ, Vanessa B. Campos. A trajetória da Imagem cinematográfica.

Do simbólico ao sinistro. Revista Cógito (ISSN 1519-9479). Nº. 05, Salvador, 2003.

SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2003.

VANOYE, F.; GOLIOT-LÉTÉ, A. Ensaio sobre a análise fílmica. Campinas,

SP: Papirus, 1994.