AP13 - Formação Econômica e Social do Brasil

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    NOTAS DE AULA: FORMAO ECONMICA E SOCIAL DO BRASIL

    IRACIDEL NERODA COSTA (*)SO PAULO, FEA-USP, MARODE 1999

    1. A Coroa, interessada em manter o territrio que lhe coube pelo tratado de Tordesilhas

    por esperar nele encontrar metais preciosos como ocorrera na Amrica Espanhola pe

    em prtica um plano para torn-lo vivel economicamente atraindo, assim, o capital

    privado que se encarregar de ocup-lo, preservando-o sob domnio portugus. Destarte,

    a Coroa distribui o meio de produo bsico a terra graciosamente a todos os que

    demonstrassem deter recursos para explor-la, facilitando, assim, o acesso terra para a

    elite proprietria que, em face do estabelecimento da grande produo voltada para fora,

    mantinha reservas de terra para saciar sua nsia por prestgio e poder e para poder

    dispor de um fundo de terras que foram sendo, pouco a pouco, incorporadas produo,

    isto porque a explorao do solo em face mesmo da abundncia do fator e da

    facilidade em adquiri-loassumiu um carter predatrio.

    2. Tal fato propiciou o acesso ao usufruto da terra por parte de desprivilegiados que no

    se viam compelidos a oferecer-se num eventual mercado de trabalho, pois podiam

    garantir sua subsistncia fazendo uso de terras alheias. Lembre-se que a entrega da terra

    em usufruto interessava aos grandes proprietrios que, assim, podiam manter

    "guardies" nas terras por eles reclamadas e ocupar novas reas, aumentando o

    tamanho de suas propriedades

    3. A produo em larga escala e a grande propriedade foram complementadas pelotrabalho escravo que dispensava o eventual uso da mo-de-obra representada pelos

    desprivilegiados os quais, como apontado acima, viam-se atrados pela possibilidade de

    subsistirem em terras de terceiros praticando uma agricultura de autoconsumo.

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    4. A existncia do escravismo e a facilidade em se conseguir o usufruto da terra

    impediram a constituio de um mercado interno de trabalho livre.

    5. Assim, cresceu o contingente de marginalizados e no se constituiu um mercado

    consumidor interno integrado e consistente, pois, eles subsistiam com base no

    autoconsumo.

    6. No devem ser esquecidas, tambm, as prticas mercantilistas (proibio da produo

    de bens que pudessem ser fornecidos pela metrpole) que operavam no sentido de

    reafirmar o modelo exportacionista-concentrador por colocarem enormes obstculos

    emergncia de alternativas rentveis grande produo voltada para fora. Assim, a

    grosso modo, desenvolveu-se no Brasil, to-s, um mesquinho artesanato que no pdealcanar nveis de produo qualitativamente mais sofisticados e quantitativamente

    significativos.

    7. No obstante, a ausncia de um mercado consumidor interno amplo e integrado

    estreitava em termos quase absolutos as oportunidades de investimento em bens

    manufaturados, ficando-se, como avanado, to-somente, no nvel de uma produo

    artesanal que s alcanou alguma expresso maior em poucos casos (como, por

    exemplo, o fabrico de ferro e de panos em Minas Gerais). No existia, assim, presso do

    elemento colonial no sentido de se enfrentarem as restries impostas pelas prticas

    mercantilistas contrrias ao estabelecimento, no Brasil, de atividades que pudessem

    concorrer com os interesses comerciais metropolitanos.

    8. Portanto, alm de faltarem colnia o mercado interno de bens e servios e um

    mercado de trabalho, no existiam estmulos para o estabelecimento de manufaturas.

    9. Isso reforou o crescimento da massa de populao redundante, consagrou o modelo

    concentrador de renda e impediu a mobilizao por efetiva melhoria das condies de

    vida dos desprivilegiados deixando as questes do Estado nas mos das elites que o

    manipulam em seu favor, distribuindo migalhas para a massa de despossudos. Criam-se

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    as bases para o clientelismo e o populismo: a) ausncia de participao poltica e de luta

    econmica efetiva; b) subordinao das classes subalternas s elites; c) manipulao da

    coisa pblica em favor do clientelismo e dos interesses das camadas dominantes; d)

    inconsistncia ideolgica dos grupos que se formam (hodiernamente dos partidos), pois o

    jogo poltico reduz-se a conquistar o poder a fim de manipul-lo em favor do interesse de

    grupos restritos; e) criam-se, tambm, condies para implementao de polticas

    econmicas que visam socializao das perdas; f) refora-se o carter excludente

    (poltica e economicamente falando) da sociedade brasileira.

    10. Neste quadro faz-se difcil resolver, com base na fora de trabalho autctone, o

    problema da escassez de mo-de-obra que se apresentou quando j vai avanado o

    sculo XIX; da a soluo imigrantista que reforou o modelo preexistente. Emboraintroduza os elementos que levaram afirmao do capitalismo industrial e das relaes

    de produo capitalistas, a imigrao macia reforou aquele modelo porque tornou

    dispensvel o elemento nacional que, com certo grau de justeza uma vez que no

    demonstrava interesse nos processos de acumulao capitalista por subsistir

    secularmente com base no autoconsumo e/ou em arranjos econmicos precrios era

    depreciado pelos grandes proprietrios e continuava marginalizado. Lembre-se, aqui, que

    o imigrante, em face de sua experincia nas reas das quais estava a ser expulso,mostrava-se vido participante de tal processo mesmo se, num primeiro momento, fosse

    muito explorado.

    11. Deve-se ter presente, tambm, que a monocultura decorreu da maximizao do lucro.

    Quem detinha cabedais suficientes (e "conhecimento do ramo") engajava-se na atividade

    mais rentvel. Assim, a racionalidade econmica (maximizao do lucro) est na raiz da

    monocultura: concentrar recursos na atividade mais rentvel.

    Esta mesma racionalidade conduziu grande propriedade (dadas a oferta abundante de

    terra e a necessidade de guardar "fundos de reserva" para uso futuro). Assim, a grande

    propriedade tambm explicada pela maximizao do lucro: produzir em larga escala.

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    O carter predatrio da atividade econmica, a no utilizao de insumos e/ou

    equipamentos mais sofisticados, a inexistncia de preocupao com a perda de

    qualidade dos solos; tudo isso derivou da abundncia de terra e da poltica de distribu-

    la generosamente para a elite. Assim, o carter predatrio, o "despreparo", o no uso de

    mtodos mais sofisticados tambm correspondiam aludida racionalidade econmica

    que visava maximizao do lucro.

    O escravismo tambm decorreu de tal racionalidade, pois, dada a ausncia de processo

    pretrito que levasse constituio de fora de trabalho livre que pudesse oferecer-se no

    mercado de trabalho, a utilizao da mo-de-obra que fosse alm da familiar

    necessariamente teria de ser alcanada com base no trabalho compulsrio. O qual no

    uma opo mas uma imposio colocada ao colono que utilizou intensamente o ndio edepois passou escravizao do Africano.

    12. Temos, pois:

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    Consequncias de tal modelo:

    a. monocultura, grande propriedade, escravismo, ao predatria.b. no constituio de mercado de trabalho.c. no constituio de mercado interno de bens e servios.

    d. ausncia de alternativas de investimento e de desenvolvimento manufatureiro.e. grande concentrao de renda e riqueza.f. excludncia dos trabalhadores diretos e da massa despossuda. Excludnciaeconmica, social e poltica. Donde decorre a ausncia de condies para a organizaoda sociedade civil em torno de interesses econmicos e/ou polticos dos segmentossubalternos.g. comportamento econmico "cclico", que pode ser visto como "inchao" econmico nosmomentos propcios, distinto do desenvolvimento econmico que exige crescimentoeconmico autossustentado, vale dizer, ocorria crescimento da economia quando osmercados internacionais favoreciam a produo de bens exportveis; quando ocorriaalguma quebra de preos no mercado internacional a economia brasileira se atrofiava ato aparecimento de um bem que oferecesse boas condies de comercializao. Assim,nossa economia tornou-se reflexa, vale dizer, dependente das condies internacionaispara os produtos passveis de serem produzidos em larga escala pelos ofertantesbrasileiros.h. concentrao do poder poltico por grupos econmicos privilegiados que utilizam talfora para manipular as instituies (Igreja, Estado, Partidos etc.) em seu benefcioprprio sem ter de atentar para os interesses das camadas subalternas. Aqui se assentaa poltica de "socializao das perdas", idia esta que ser elaborada por Celso Furtado.

    13. Tenha-se presente, tambm, a ausncia de um processo pretrito que viesse a

    "obrigar" as camadas dominantes a elaborar um programa no qual estivessem inscritosalguns dos interesses bsicos das camadas subalternas, como ocorreu com a burguesia

    europia em sua luta contra os senhores feudais e a nobreza. Isto est na base da

    excludncia e, a cada momento, a refora.

    14. Em face do exposto deve-se concluir que no estamos a tratar de uma sociedade mal

    resolvida ou que se tenha assentado na irracionalidade e no atraso. a racionalidade

    econmica que visa maximizao do lucro que estrutura a sociedade brasileira. Enfim,

    o Brasil no o que por decorrncia de um engano perpetrado por colonizadores ou

    elites inconscientes, mas, sim, decorrncia da aludida maximizao. A impresso de que

    estamos a tratar com colonizadores ou elites compostas de incapazes grosseiros e

    ignorantes um engano pueril e, se d ao "oprimido" a "satisfao" de sentir-se

    mentalmente superior consegue, justamente, o que interessa ao "opressor": a apatia e

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    abulia do oprimido que se julga superior e continua a ser explorado. funcional com

    respeito ao modelo o dominado poder sentir-se superior a tipos que povoam nossa vida

    econmica e, sobretudo, a poltica. Este sentimento de superioridade, absolutamente

    infundado diga-se de passagem, funciona como anestesia das energias populares e,

    sobretudo da "intelectualidade". A estes ltimos (vide o filme Carlota Joaquina) devemos

    lembrar que sua incapacidade para superar aqueles dbeis a expresso maior de sua

    prpria indigncia.

    15. A estupidez no est, pois, nos agentes, mas sim no modelo calcado na racionalidade

    econmica capitalista, que deve ser denunciada como a grande responsvel pelas

    mazelas nacionais, tanto de ontem como de hoje.

    16. No Brasil, as instituies do Estado estruturaram-se segundo moldes mercantilistas

    de contedo fiscalista de sorte a assegurarem o controle da economia visando,

    sobretudo, aos rditos rgios.

    17. Assim, o Pacto Colonial define-se como o conjunto de normas e instituies que

    garantiam a explorao da colnia em benefcio dos interesses metropolitanos

    (particularmente a Coroa) e em proveito da elite colonial dominante na medida em que

    ela dirigia localmente a atividade produtiva.

    18. Tradies de fundo feudal aliadas ausncia da ao do Estado conduziram a

    sociedade civil a estabelecer uma srie de aes/instituies de carter particular (vale

    dizer, no mbito familiar) ou comunitrio visando a prover servios e/ou garantias aos

    menos aptos. Como exemplo podemos lembrar: a) a figura do agregado, que tambm se

    define no meio urbano; b) o enjeitamento; c) a assistncia a parentes idosos; d) as

    confrarias; e) as Santas Casas de Misericrdia. Instituies essas que praticamente

    deixaram de existir em decorrncia do avano do Estado capitalista, o qual, no obstante,

    mostrou-se incapaz de substitu-las altura.

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    19. Funes clssicas do Estado capitalista: servir ao capital oferecendo servios como

    educao, segurana, sade, previdncia etc., estimulando os proprietrios na forma de

    amparo legal e institucional e garantindo a reproduo do modo de produo

    (preservando a mo-de-obra dos interesses imediatos das fraes do capital

    capitalistas tomados um a um que a destruiriam mediante prticas de

    superexplorao). No Brasil alm de exercer tais funes o Estado tem servido: a) direta

    e imediatamente formao do capital; b) para impor a socializao das perdas com

    continuado saque dos bens pblicos; c) alm disto o Estado, muitas vezes, serve como

    "assistente social" ao garantir "renda mnima" para a classe mdia e como instrumento

    para a camada dominante apropriar-se de empregos e benesses, praticar o nepotismo

    etc.); d) a corrupo mais ou menos estimulada apenas uma agravante no quadro de

    toda uma estrutura que beneficia o capital e/ou grupos polticos.

    NOTA

    (*) Nesta apostila apresentamos, em suas linhas gerias, o modelo proposto por Caio Prado Jniorconcernente formao socioeconmica do Brasil, a qual se assentou na grande propriedadeescravista e monocultora votada produo de gneros de exportao, sem considerao maiorcom respeito ao meio ambiente.