Apas Area de Protecao Ambiental

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LUCIANA GRANGEIRO LINS APAs( ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL) FEDERAIS Análise da APA da Chapada do Araripe Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de bacharelado em Direito do Centro Universitário de Brasília. Orientadora: Profª Márcia Dieguez Leuzinger BRASÍLIA

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sobre áreas de proteção ambiental

Transcript of Apas Area de Protecao Ambiental

  • LUCIANA GRANGEIRO LINS

    APAs( REA DE PROTEO AMBIENTAL) FEDERAIS

    Anlise da APA da Chapada do Araripe

    Monografia apresentada como requisito para

    concluso do curso de bacharelado em Direito

    do Centro Universitrio de Braslia.

    Orientadora: Prof Mrcia Dieguez Leuzinger

    BRASLIA

  • 2009

  • Dedico este trabalho ao meu filho Jos Otto, fonte de vida e inspirao.

    Aos meus familiares pela fora e incentivo.

    Ao meu amor e companheiro, Rommel Feij, por sempre acreditar na minha capacidade de vencer.

    Aos que no passado lutaram pela defesa da natureza, os que lutam e os que no futuro pretendem lutar, pois faro tudo valer pena.

    E ainda, a todos que me apoiaram no decorrer da vida.

  • Agradeo a Deus, meu tudo.

    Prof Mrcia Dieguez Leuzinger, pelo voto de confiana para realizao deste trabalho.

    Ao Sr. Jackson Antero, pela ateno na poca da pesquisa de campo.

    Aos meus familiares e amigos que sempre me apoiaram e colaboraram nos momentos de alegrias e tristezas, comprovando assim, o valor da verdadeira amizade.

  • Cad a flor que estava aqui? Poluio comeu...

    O peixe que do mar?Poluio comeu...

    O verde onde que est?Poluio comeu...

    Nem o Chico Mendes sobreviveu.

    Luiz Gonzaga

  • RESUMO

    O presente trabalho tem como objetivo discutir as questes que envolvem a criao de reas de Proteo Ambiental e sua eficcia no combate degradao ambiental, utilizando como exemplo ftico, a APA da Chapada do Araripe, localizada nos estados do Cear, Pernambuco e Piau. Fundamentado na pesquisa doutrinria, legal e de campo, o estudo faz uma abordagem acerca das Unidades de Conservao; apresenta conceitos e finalidades das APAs, enfatizando a criao das APAs federais; e expe a anlise feita sobre a estrutura, o funcionamento e os problemas ambientais encontrados na APA da Chapada do Araripe. Acrescente-se que o caso investigado serve como parmetro para verificar a atuao dos responsveis pela gesto, a sociedade e como os governantes se comportam na soluo de problemas envolvendo a degradao do meio ambiente dentro de uma rea de preservao ambiental.

    Palavras-chave: APAs federais; Chapada do Araripe; Unidades de Conservao; meio

    ambiente.

  • LISTAS DE FIGURAS

    Figura 1 Chapada do Araripe (Foto: IBAMA)............................49

    Figura 2 APA do Araripe: um santurio da biodiversidade .......51

    Figura 3 Turismo religioso......................................................52

    Figura 4 Fonte do Stio Batateira-Crato/CE..............................54

    Figura 5 gua encanada das fontes........................................54

    Figura 6 Piscina Arajara Park.................................................55

    Figura 7 Barramento de gua no Balnerio das Nascentes.......56

    Figura 8 Soldadinho-do-araripe..............................................57

    Figura 9 Retirada de pedras...................................................58

    Figura 10 Apreenso de carvo vegetal..................................59

    Figura 11 Plantao de eucaliptos na Fazenda Redeno.........60

    Figura 12 Floresta sustentvel na Fazenda Barreiro Grande/PE 61

    Figura 13 Lixo da cidade de Barbalha/CE...............................62

    Figura 14 Tronco de aroeira retirado no Stio das Flores..........63

    Figura 15 Queimada na mata.................................................64

    Figura 16 Construes na encosta da Chapada do Araripe........65

    Figura 17 Propriedade venda para construo de chals.......65

    Figura 18 Projeto Ouvindo os Municpios.............................68

    Figura 19 Placa do Centro de Pesquisas e Capacitao Apcola.70

    Figura 20 Cultivo de uva no municpio de Crato.......................71

  • LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    APAs reas de Proteo Ambiental

    APP rea de Preservao Permanente

    Aquasis Associao de Pesquisa e Preservao de Ecossistema Aquticos

    COGERH Companhia de Gesto de Recursos Hdricos

    CONAMA Conselho Nacional de Meio Ambiente

    FECOMRCIO Sistema da Federao do Comrcio

    Flona Floresta Nacional do Araripe

    FUNAI Fundao Nacional do ndio

    ICMbio Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade

    MMA Ministrio do Meio Ambiente

    MP Ministrio Pblico

    RPPN Reserva Particular do Patrimnio Natural

    Sebrae Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas

    SEMA Secretaria do Meio Ambiente

    SEMACE Superintendncia do Meio Ambiente do Cear

    SESC Servio Social do Comrcio

    SISNAMA Sistema Nacional de Meio Ambiente

    SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservao

    SNUC Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservao

    SRH Secretaria de Recursos Hdricos

    UCs Unidades de Conservao

    UICN Unio Mundial para a Natureza

    URCA Universidade Regional do Cariri

    ZEE Zoneamento Ecolgico-Econmico

  • SUMRIO

    INTRODUO...........................................................................11

    INTRODUO...........................................................................11

    1 UNIDADES DE CONSERVAO................................................14

    1 UNIDADES DE CONSERVAO................................................141.1 Conceito e legislao.......................................................141.1 Conceito e legislao.......................................................141.2 Gesto e pressupostos.....................................................191.2 Gesto e pressupostos.....................................................191.3 O desenvolvimento sustentvel e as UCs..........................221.3 O desenvolvimento sustentvel e as UCs..........................22

    2 REAS DE PROTEO AMBIENTAL (APAs)................................26

    2 REAS DE PROTEO AMBIENTAL (APAs)................................262.1 Conceito e finalidades......................................................262.1 Conceito e finalidades......................................................262.2 APAs federais e suas normas............................................312.2 APAs federais e suas normas............................................312.3 Criao...........................................................................352.3 Criao...........................................................................352.4 Polticas de conservao, objetivos e conflitos..................392.4 Polticas de conservao, objetivos e conflitos..................392.5 Situao atual das APAs ..................................................432.5 Situao atual das APAs ..................................................43

    3 ANLISE DA APA DA CHAPADA DO ARARIPE/CE.......................47

    3 ANLISE DA APA DA CHAPADA DO ARARIPE/CE.......................473.1 A APA da chapada do Araripe...........................................47

  • 3.1 A APA da chapada do Araripe...........................................473.1.1 A APA e sua degradao.......................................................................................52

    3.1.2 Do funcionamento da APA....................................................................................65

    3.1.3 As possveis solues.............................................................................................67

    CONCLUSO............................................................................74

    CONCLUSO............................................................................74

    REFERNCIAS..........................................................................77

    REFERNCIAS..........................................................................77

  • INTRODUO

    Atualmente um dos maiores problemas da humanidade a destruio do

    meio ambiente. Nesse contexto, tem-se lutado em busca de meios para proteg-lo e preserv-

    lo a fim de manter a sobrevivncia do planeta e de todo o seu ecossistema. Essa tem sido uma

    das prioridades de muitos pases, aps sculos de utilizao irracional dos recursos naturais,

    principalmente daqueles economicamente mais desenvolvidos, que so os maiores

    degradadores.

    O crescimento tecnolgico, o progresso industrial, a urbanizao crescente e

    desenfreada, o consumismo enlouquecido, dentre outros fatores, vm tornando dramtica a

    manuteno dos recursos naturais. Destarte, a implantao de uma poltica ambiental

    fundamental para equilibrar e compatibilizar as necessidades de progresso e proteo ao meio

    ambiente, para que possa haver harmonizao entre os vrios interesses sociais.

    Porm, preciso que haja punies mais severas para aqueles que causam

    danos ambientais, que as normas sejam cumpridas com maior rigor, que os rgos ambientais

    possam promover uma fiscalizao mais ostensiva e que a sociedade tambm se faa presente,

    participando mais ativamente no combate degradao do meio ambiente.

    Entre os instrumentos institudos pela legislao ambiental brasileira,

    considerada uma das mais avanadas do mundo, esto as Unidades de Conservao, que so

    extenses do territrio nacional legalmente protegidas conforme sua modalidade. Uma dessas

  • modalidades e que ser objeto de estudo neste trabalho so as reas de Proteo Ambiental

    (APAs).

    Com o intuito de corroborar com o debate a respeito de medidas eficazes

    para a preservao do meio ambiente, este trabalho tem como objetivo discutir as questes

    que envolvem a criao de reas de Proteo Ambiental e se estas tm cumprido o seu papel,

    qual seja: proteger os recursos naturais. A verdade que essa uma questo controversa, vez

    que a complexidade da associao entre os propsitos e os fins para os quais as APAs vm

    sendo usadas tem causado polmica e certo descrdito modalidade. Vrios estudiosos

    discutem o tema e o que se percebe que, em geral, muitas APAs esto sendo criadas, mas

    poucas so levadas risca como estabelece a legislao.

    Para o desenvolvimento do estudo, a metodologia adotada se baseia na

    pesquisa doutrinria, legal e na pesquisa de campo, consistindo na investigao da legislao

    vigente; no levantamento bibliogrfico no mbito do Direito Ambiental, por meio de artigos

    publicados, revistas impressas e eletrnicas, e sites ambientais; e na observao e nas

    informaes obtidas por esta autora durante a visitao APA da Chapada do Araripe, para

    apurar se a criao dessas reas soluo eficaz para a proteo dos recursos naturais.

    A fim de fundamentar o estudo, ser utilizado como exemplo ftico, a rea

    de Proteo Ambiental da Chapada do Araripe, de forma a demonstrar os problemas

    enfrentados pelos rgos ambientais no combate degradao, o descaso da sociedade local,

    sem educao ambiental e sem interesse de preservar a rea onde vive.

    O trabalho ser desenvolvido em trs captulos. No captulo inicial, far-se-

    uma abordagem sobre as Unidades de Conservao, apresentando conceito, legislao

  • pertinente, caractersticas, gesto e pressupostos. Mostrar-se- tambm a importncia do

    desenvolvimento sustentvel para o objetivo estabelecido pelas APAs no que tange proteo

    dos recursos naturais.

    O conceito e finalidade das reas de Proteo Ambiental, suas normas,

    criao, polticas de conservao, objetivos e conflitos sero abordados no segundo captulo.

    No terceiro captulo ser feita uma anlise da APA da Chapada do Araripe,

    localizada no Nordeste do Brasil, verificando sua estrutura e funcionamento, os maiores

    problemas de degradao e possveis solues para estes, como forma de melhoria da situao

    que se encontra esta e grande parte das APAs brasileiras.

    Por fim, importante ressaltar que no se tem a pretenso de apresentar uma

    soluo definitiva sobre a problemtica que envolve o tema, mas simplesmente tentar

    contribuir e mostrar o quanto as APAs so importantes para preservar o meio ambiente e

    promover o desenvolvimento econmico, desde que a sua criao e manuteno sejam

    realmente compatveis com seu objetivo.

  • 1 UNIDADES DE CONSERVAO

    Para melhor compreenso do objeto do estudo proposto, este captulo expe

    os conceitos, a classificao e as caractersticas das Unidades de Conservao (UCs), como

    tambm a legislao pertinente, gesto e pressupostos, com enfoque na Lei n 9.985/2000

    Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservao (SNUC).

    1.1 Conceito e legislao

    A degradao do meio ambiente fez surgir uma grande preocupao com a

    conservao dos recursos naturais, o que levou criao de espaos territoriais especialmente

    protegidos, a fim de preservar os ecossistemas para que as futuras geraes tambm pudessem

    usufruir desses bens, j que a sobrevivncia humana depende da qualidade ambiental do

    planeta.

    Para tal, tornou-se essencial a participao integral do Estado e de toda

    sociedade num compromisso humanitrio para garantir a sobrevivncia do homem e de

    diversas espcies da flora e fauna no intuito de harmonizar homem, meio ambiente e

    progresso.

    Para Guilherme Jos Purvin de Figueiredo, no campo da proteo ambiental

    merecem destaques os recentes compromissos declarados pela Igreja Catlica, nos quais foi

    admitido que os mecanismos de mercado no so suficientes para atender as exigncias para

    uma boa qualidade de vida. A encclica Centesimus Anmus, do Papa Joo Paulo II, proclamou

  • o dever do Estado de prover a defesa e tutela dos bens coletivos, como so o meio ambiente

    natural e humano, considerando necessrio e urgente uma grande obra educativa e cultural.1

    Partindo dessa concepo, pode-se dizer que necessria a criao de

    espaos protegidos no territrio brasileiro com respaldo na Constituio Federal e em

    destaque as UCs, que tema deste trabalho. Mrcia Dieguez Leuzinger e Sandra Cureau

    definem os espaos protegidos como:

    Qualquer espao ambiental, institudo pelo Poder Pblico, sobre o qual incida proteo jurdica, integral ou parcial, de seus atributos naturais. ETEP , portanto, gnero, que inclui as unidades de conservao, as reas protegidas e os demais espaos de proteo especfica.2

    Porm, importante destacar que esses espaos no devem ser criados

    somente para constiturem nmeros e colocar o Brasil em situao confortvel em relao ao

    mundo. Na medida em que a existncia das unidades de conservao deve refletir a

    preocupao da sociedade, ou parte dela, com usos inapropriados dos recursos naturais, que

    esto constantemente ameaados, significa uma garantia do Estado aos cidados de que pelo

    menos algumas amostras significativas do patrimnio da nao estaro permanentemente

    protegidas das ameaas de desaparecimento que sofrem.3

    A Lei n 9.985/2000 traz, em seu 2, I, o conceito de UC:

    I [...] espao territorial e seus recursos ambientais, incluindo as guas jurisdicionais, com caractersticas naturais relevantes, legalmente institudo pelo Poder Pblico com objetivos de conservao e limites definidos, sob regime especial de administrao, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteo.4

    1 FIGUEIREDO, Guilherme Jos Purvin de. A propriedade no direito ambiental: funo social da propriedade. Rio de Janeiro: Esplanada, 2004, p. 75.

    2 LEUZINGER, Mrcia Dieguez; CUREAU, Sandra. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 69.3 BENJAMIN, Antnio Herman. Direito das reas protegidas. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2001, p.

    9.

  • Existem, no SNUC, doze categorias de manejo de UC, formando dois

    grupos distintos: unidades de proteo integral e unidades de uso sustentvel. Este ltimo,

    dada a sua relevncia para o objetivo deste trabalho, ser tratado mais adiante durante o

    estudo das APAs, uma de suas espcies. O grupo das unidades de conservao de uso

    sustentvel rene as categorias onde possvel a utilizao direta dos recursos naturais, desde

    que de forma sustentvel, dentro dos limites legalmente estabelecidos.5

    No incio, a criao de UC, no Brasil, no obedecia nenhum planejamento e

    somente foram criadas por razes polticas e estticas. Na dcada de 1970, houve uma

    preocupao maior em tornar o processo mais abrangente e eficaz, momento em que surgiu o

    interesse e a preocupao dos estudiosos sobre o problema, o que levou produo dos

    primeiros resultados.6

    Dessa preocupao e de todo trabalho desenvolvido, foi elaborada uma

    pesquisa denominada Anlise de Prioridade em Conservao da Natureza na Amaznia. Foi

    desse documento que surgiu a fundamentao para a elaborao do chamado Plano do

    Sistema de Unidades de Conservao do Brasil, que teve a primeira etapa publicada em 1979

    e a segunda em 1982.7

    4 MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE. Sistema Nacional de Unidades de Conservao - SNUC, Lei n 9.985, de 18 de julho de 2000; Decreto n 4.340, de 22 de agosto de 2002. 5. ed. Braslia, 2004, p. 7.

    5 LEUZINGER, Mrcia Dieguez. Natureza e cultura: direito ao meio ambiente e direitos culturais diante da criao de unidades de conservao de proteo integral e domnio pblico habitadas por populaes tradicionais. 2007. 358 p. Dissertao. (Doutorado em Desenvolvimento Sustentvel - Gesto Ambiental). Centro de Desenvolvimento Sustentvel, Universidade de Braslia, Braslia, 2007, p. 124.

    6 BENJAMIM, Antnio Herman. Direito ambiental das reas protegidas. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2001, p. 9.

    7 WETTERBERG, G. B. Uma anlise em conservao da natureza na Amaznia. Braslia: IBDF/PNUD/FAO, 1976.

  • De acordo com Maurcio Mercadante, os objetivos do plano eram

    identificar as reas mais importantes para a conservao da natureza, propor a criao de UCs

    para proteg-las e indicar as aes necessrias para implementar, manter e gerir o sistema.8

    Todavia, at chegar ao que se tem hoje, depois de discutida por 12 anos,

    vale destacar que a Lei do SNUC, em sua histria e elaborao, demonstra um embate entre

    preservacionistas e socioambientalista, conforme avalia Mrcia Leuzinger:

    A histria da elaborao da Lei do SNUC demonstra claramente o embate travado entre preservacionistas e socioambientalistas e revela, como produto final, uma norma que fruto da composio desse e de outros conflitos de interesses presentes no seio da sociedade brasileira.9

    Um importante instrumento para a concretizao dessa norma, inscrito no

    art. 225 da Constituio Federal, surgiu com a Lei n 9.985, de 18 de julho de 2000, que

    instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza. Ao dispor sobre o

    contedo das unidades de conservao e ao criar uma rede diversificada de espaos

    especialmente protegidos, a referida lei pretendeu oferecer meios para a realizao daquele

    fim ltimo ponto de ancoragem da ao do Poder Pblico e da coletividade, que o meio

    ambiente ecologicamente equilibrado.10

    A Constituio Federal de 1988, em seu art. 225, caput, prev ser o meio ambiente ecologicamente equilibrado direito de todos, impondo ao Poder Pblico e coletividade o dever de preserv-lo para as presentes e futuras geraes. Estabeleceu a Carta Federal, portanto, uma funo - funo ambiental, cuja titularidade foi outorgada ao Estado e sociedade de um

    8 MERCADANTE, Maurcio. Uma dcada de debate e negociao: a histria da elaborao da Lei do SNUC. In: BENJAMIM, Antnio Herman (Coord.). Direito ambiental das reas protegidas. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2001, p. 9.

    9 LEUZINGER, Mrcia Dieguez. Natureza e cultura: direito ao meio ambiente e direitos culturais diante da criao de unidades de conservao de proteo integral e domnio pblico habitadas por populaes tradicionais. 2007. 358 p. Dissertao. (Doutorado em Desenvolvimento Sustentvel - Gesto Ambiental). Centro de Desenvolvimento Sustentvel, Universidade de Braslia, Braslia, 2007, p. 132.

    10 DERANI, Cristiane. A estrutura do Sistema Nacional de Unidades de Conservao. In: BENJAMIM, Antnio Herman (Coord.). Direito ambiental das reas protegidas. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2001, p. 233.

  • modo geral. At ento, a tutela do meio ambiente era apenas reflexa, na medida em que estava o Estado obrigado a garantir a sade, a preservar o patrimnio histrico e artstico ou a proteger bens ambientais econmica ou estrategicamente relevantes, alcanando-se, assim, de forma indireta, aes que acabavam por produzir efeitos de proteo ao ambiente natural ou a alguns dos seus elementos.11

    No entendimento de Cristiane Derani, a Lei do SNUC no cria unidades de

    conservao, apenas estabelece medidas para sua criao, ou seja, estabelece os quadros de

    ao. Para a autora, a Lei do SNUC se apresenta como: A medida para a ao do Poder

    Pblico, unificando e ordenando sistematizando o procedimento de criao das unidades

    de conservao, as denominaes de cada UC, bem como s caractersticas que devem conter

    cada espcie de UC.12

    Contudo, o art. 4 da Lei do SNUC descreve os objetivos gerais das

    unidades de conservao, que sucintamente podem ser divididos em trs grandes campos:

    conservao da diversidade biolgica, proteo cnica, criao de meios e incentivos para a

    pesquisa cientfica. O art. 5 dessa lei trata das diretrizes, especificando, em 13 incisos, os

    objetivos e a razo da instituio das unidades de conservao. O art. 6 trata dos rgos

    administrativos encarregados da gesto das unidades de conservao.13

    Deve-se observar procedimento prvio para a criao de UC, bem como

    para sua implantao e gesto. O Poder Pblico quem as estabelece por lei ou outro

    instrumento normativo, geralmente por decreto. Pelo art. 22 do SNUC, pargrafo segundo, a

    criao deve ter antes estudos tcnicos, consulta pblica para identificar localizao,

    11 LEUZINGER, Mrcia Dieguez; CUREAU, Sandra. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 30.12 DERANI, Cristiane. A estrutura do Sistema Nacional de Unidades de Conservao. In: BENJAMIM,

    Antnio Herman (Coord.). Direito ambiental das reas protegidas. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2001, p. 236-237.

    13 Ibidem, p. 237.

  • dimenso, limites mais adequados para a unidade, questes que sero abordadas

    posteriormente por ocasio da anlise feita durante as pesquisas nas APAs federais.

    Todas as unidades de conservao devem dispor de um plano de manejo,

    elaborado no prazo de cinco anos a partir da criao da unidade. Passado esse prazo, os

    rgos executores, como o Instituto Chico Mendes da Biodiversidade, os governos estaduais e

    municipais podero figurar como rus na ao civil pblica.14

    Paulo Afonso Leme Machado complementa que o plano de manejo, na

    prtica ser a lei interna das unidades de conservao. No podemos ter a ingenuidade de

    supor que o plano, em todos os casos, observar o interesse pblico.15

    importante observar no plano de manejo o princpio da precauo,

    especialmente quando houver dvida ou discrepncia de opinio ou entendimento cientfico

    sobre o contedo do plano de manejo e sobre as atividades, obras e zoneamento projetados ou

    levados a efeito em uma unidade de conservao.16

    1.2 Gesto e pressupostos

    Os espaos ambientais estaduais e municipais nem sempre integram o

    SNUC, mas devem obedec-lo para que haja uma proteo maior do meio ambiente por todos

    os entes federados. o que afirma Paulo Afonso Leme Machado: As normas gerais da Lei

    9.985/2000 aplicam-se a Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios, medida

    que eles criarem e mantiverem unidades que se ajustem os dispositivos dessa lei.17

    14 MACHADO, Paulo Afonso Leme. reas protegidas: a Lei n 9.985/2000. In: BENJAMIM, Antnio Herman (Coord.). Direito ambiental das reas protegidas. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2001, p. 254.

    15 Ibidem, p. 256.16 Ibidem, p. 260.17 Ibidem, p. 267.

  • A gesto do SNUC e os rgos competentes esto elencados no art. 6 do

    SNUC, in verbis:

    Art. 6 O SNUC ser gerido pelos seguintes rgos, com respectivas atribuies:

    I - rgo consultivo e deliberativo: o conselho Nacional do Meio Ambiente- CONAMA, com as atribuies de acompanhar a implementao do sistema;

    II - rgo central: o Ministrio do Meio Ambiente, com a finalidade de coordenar o sistema; e

    III - rgos executores: o Instituto Chico Mendes e o IBAMA, em carter supletivo, os rgos estaduais e municipais, com a funo de implementar o SNUC, subsidiar as propostas de criao e administrar as unidades de conservao federais, estaduais e municipais, nas respectivas esferas de atuao.18

    Vale ressaltar que, mesmo com a evoluo da Constituio no mbito

    ambiental, ainda perceptvel o no cumprimento dos dispositivos, pois, em se tratando das

    UCs, o Brasil conseguiu criar vrias unidades, mas nunca viabilizou meios de fiscalizao

    adequados para que os objetivos fossem cumpridos, conforme explica Antnio Herman

    Benjamim:

    No decorrer dos anos, conseguiu erigir um agrupamento de unidades de conservao que, mais do que cpia infantil ou descuidada de formatos estrangeiros, apresente muito de peculiar, afastando-se, em muitos pontos, das referncias alheias que, inicialmente foram, no raro, usada como inspirao.19

    Contudo, da Lei do SNUC que se podem retirar os pressupostos

    necessrios configurao jurdico-ecolgica de UC: relevncia natural, oficialismo,

    delimitao territorial, objetivo conservacionista e regime especial de proteo e

    administrao.20

    18 MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE. Sistema Nacional de Unidades de Conservao - SNUC, Lei n 9.985, de 18 de julho de 2000; Decreto n 4.340, de 22 de agosto de 2002. 5. ed. Braslia, 2004, p. 12.

    19 BENJAMIM, Antnio Herman. Direito ambiental das reas protegidas. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2001, p. 286.

    20 Ibidem, p. 291.

  • A relevncia natural no quer dizer somente raridade ou singularidade do

    bem, pode ser tambm constituda de elementos comuns, corriqueiros ou at banais da

    natureza. Logo, no precisa ser de grande notoriedade e o que se deve observar o contexto

    ecolgico local, regional ou nacional do territrio a ser protegido.

    A raridade, a beleza ou endemismo, conquanto importantes at suficientes para disparar a aplicao do regime especial, no so os nicos denominadores do dever de tutela do meio ambiente e, por via de conseqncia, da natureza. O atributo da excepcionalidade estranho ao duplo e simultneo comando constitucional de preservar os processos ecolgicos essenciais e a diversidade e integridade do patrimnio gentico do Pas, ambos deveres em ntima comunho com a tutela da biodiversidade.21

    O ato oficial que declara uma UC pode ser genrico ou individual, legal ou

    administrativo. genrico quando a instituio da unidade de conservao se d por meio de

    uma referncia universal a atributos espalhados pelo territrio nacional, mas que, ainda assim,

    bastam para apartar a rea em questo do seu entorno. De outras vezes, a declarao oficial

    individual, quando, por exemplo, o Poder Pblico, por via de decreto, institui um Parque

    Nacional ou acorda com o particular a criao de uma Reserva Particular do Patrimnio

    Natural (RPPN). A declarao legal quando estatuda pelo legislador ordinrio; ao revs,

    administrativa na hiptese de o agente emissor ser a administrao pblica.22

    Alm desses dois pressupostos, outro tambm est estabelecido na Lei, o da

    delimitao territorial, que especifica o espao a ser resguardado, ou seja, com o auxlio de

    indicaes relevantes jurdicas (averbao, na reserva legal ou na servido florestal),

    geogrficas ou topogrficas (topo de morro ou margem de curso dgua, nas APPs), objeto de

    proteo diferenciada individualizado.23

    21 BENJAMIM, Antnio Herman. Direito ambiental das reas protegidas. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2001, p. 293.

    22 Ibidem, p. 294.23 Ibidem, p. 295.

  • Contudo, os objetivos conservacionistas devem assegurar a integridade e

    funo ecolgica da flora e fauna, protegidas pela Constituio Federal. Diante do que se

    expressa Antnio Herman Benjamim:

    Unidades de Conservao, na sua caracterizao, reclamam um regime protetrio especial, que se manifesta em dois planos. Primeiro no terreno post fctum, com uma tipologia penal e administrativa particular. Segundo, com a vinculao simultnea a um regime de modificabilidade e a um regime de fruio, ambos peculiares.24

    O debate agora segue para uma avaliao se realmente a Lei do SNUC tem

    efetividade. O contexto de sua implementao, a estrutura dos governos, o povo, a cultura de

    cada local so outros aspectos que tambm auxiliam para essa anlise. O estudo sobre a APA

    da Chapada do Araripe certamente mostrar alguns fatores que tornam a caminhada pela

    preservao do meio ambiente longa, uma vez que a criao de APAs s ter eficcia quando

    tiver a finalidade de proteger os recursos naturais.

    1.3 O desenvolvimento sustentvel e as UCs

    Visando solucionar os problemas causados pela ocupao humana em

    unidades de conservao uma das questes polmicas na gesto de reas protegidas , foi

    institucionalizado o desenvolvimento sustentvel.25

    O desenvolvimento sustentvel tem como fundamentao terica a

    consolidao da ponderao constitucional dos interesses sociais, econmicos e ambientais.

    Assim, o aproveitamento racional dos recursos naturais e a conservao devem andar juntos,

    conforme se depreende das palavras de Ignacy Sachs a seguir transcritas:24 BENJAMIM, Antnio Herman. Direito ambiental das reas protegidas. Rio de Janeiro: Forense

    Universitria, 2001, p. 296.25 TEIXEIRA, Cristina. O desenvolvimento sustentvel em unidade de conservao: a naturalizao do

    social. Revista Brasileira de Cincias Sociais, vol. 20, n. 59, So Paulo, out. 2005. Disponvel em: . Acesso em: 2 maio 2009.

  • Nosso problema no retroceder aos modos ancestrais de vida, mas transformar o conhecimento dos povos dos ecossistemas, decodificado e recodificado pelas etnocincias, como um ponto de partida para a inveno de uma moderna civilizao de biomassa, posicionada em ponto completamente diferente da espiral de conhecimento e do progresso da humanidade.26

    No entanto, aos poucos a proposta de delimitao de reas protegidas sem

    a ocupao humana presente na criao dos primeiros parques nacionais, foi se modificando

    pela presena da sociedade no espao que se pretendia proteger. Logo, essa questo passou

    a ser tratada de forma regulamentar, impondo-se sociedade o controle do uso dos recursos

    naturais.27

    A questo como escolher estratgias corretas de desenvolvimento e no

    simplesmente multiplicar reas inviolveis, embora necessrias, j que a degradao chegou a

    tal limite, que num futuro prximo a existncia do homem no planeta pode se tornar

    impossvel.28

    Nesse sentido, Ignacy Sachs leciona que: O uso produtivo no

    necessariamente precisa prejudicar o meio ambiente ou destruir a diversidade, se tivermos

    conscincia de que todas as nossas atividades econmicas esto solidariamente fincadas no

    ambiente natural.29

    Sobre o assunto, Jos Renato Nalini ressalta que a sustentabilidade importa

    em transformao social, sendo conceito integrador e unificante. Ele prope a celebrao de

    26 SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentvel. 2. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2002, p. 30.

    27 TEIXEIRA, Cristina. O desenvolvimento sustentvel em unidade de conservao: a naturalizao do social. Revista Brasileira de Cincias Sociais, vol. 20, n. 59, So Paulo, out. 2005. Disponvel em: . Acesso em: 2 maio 2009.

    28 SACHS, Ignacy. Op. cit., p. 31.29 Ibidem, p. 30.

  • unidade homem/natureza, na origem e no destino comum, o que significa um novo

    paradigma. Portanto, no h necessidade de se renunciar ao progresso para a presena do

    patrimnio ambiental.30

    preciso tica e conscincia nesse dilema para se manter a sustentabilidade,

    a preservao e o progresso, conforme assevera Jos Renato Nalini:

    Essa escolha tica porta ao Estado, sociedade e cidadania brasileira, pois insistir num modelo cuja sustentabilidade - medida pela perda de ativos da natureza - compromete a capacidade de as futuras geraes satisfazerem suas prprias necessidades, constitui tambm uma escolha tica.31

    Os homens pblicos tm vinculao tica, poltica e jurdica evidente com a

    busca do desenvolvimento sustentvel. Alm da responsabilidade moral, partilhada com

    qualquer cidado, o governante, o parlamentar e o exercente de uma funo estatal titulariza

    um dever poltico e jurdico na conservao do bem comum. Deixar de atuar para legislar,

    significa omisso inadmissvel, podendo caracterizar improbidade ou, quando no, um crime

    de responsabilidade.32

    Nem todos sero espertos em biodiversidade, desenvolvimento sustentvel,

    macro polticas ou macroeconomia sustentvel ambiental. O dever de se preocupar, de

    participar e de se manter vigilante, contudo, pode ser exercido eficientemente por qualquer

    pessoa. Assim como o sistema jurdico legitima todo cidado a defender judicialmente o

    ambiente, pelo qual responsvel perante as presentes e as futuras geraes.33

    30 NALINI, Jos Renato. tica ambiental: desenvolvimento sustentvel. 2. ed. Campinas, SP: Millennium, 2003, p. 146.

    31 Ibidem, p. 149.32 Ibidem, p. 161.33 Ibidem, loc. cit.

  • Porm, importante lembrar que os projetos sobre desenvolvimento

    sustentvel devem estar adequados s populaes locais e gerar nelas incentivo de proteo do

    meio ambiente e vontade de denunciar os casos de danos ambientais na sua localidade por

    outros. S assim ser possvel notar a interao entre a sociedade, rgos ambientais e

    governantes, peas chaves para coibir as desastrosas atividades econmicas em todo pas.

    No que tange aos problemas encontrados nas APAs brasileiras, percebe-se

    que o princpio do desenvolvimento sustentvel ainda est longe de ser empregado

    efetivamente. No caso da APA da Chapada do Araripe, objeto deste estudo, isso pode ser

    observado em aes praticadas por donos de propriedades na canalizao da gua as fontes

    existentes na regio, entre tantas outras irregularidades encontradas na rea e que sero

    enfocadas mais detalhadamente no ltimo captulo.

  • 2 REAS DE PROTEO AMBIENTAL (APAs)

    Conforme apresentando, a responsabilidade pela preservao do meio

    ambiente de todos. Um dos mecanismos de grande importncia na luta pela preservao

    ambiental a criao de espaos protegidos, os quais reprimem as atitudes de degradao e a

    infringncia da lei por parte dos poluidores.

    O presente estudo pretende discutir se as APAs federais no Brasil realmente

    tm cumprido sua finalidade de conservao e recuperao das reas degradadas pela ao do

    homem, que utiliza o meio ambiente para o desenvolvimento de suas atividades econmicas, e

    assim deixa de proteg-lo. Nesse contexto, este captulo far uma anlise da legislao e da

    doutrina acerca das APAs federais, mostrando sua finalidade, eficcia e as consequncias

    quando criadas sem uma verdadeira anlise e planejamento.

    2.1 Conceito e finalidades

    A Lei do SNUC traz no caput do seu art. 15 a definio de APA:

    Art. 15. A rea de Proteo Ambiental uma rea em geral extensa, com um certo grau de ocupao humana, dotada de atributos abiticos, biticos, estticos ou culturais ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populaes humanas, e tem como objetivos bsicos proteger a diversidade biolgica, disciplinar o processo de ocupao e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

    Ainda de acordo com a Lei n 9.985, a APA constituda por terras

    pblicas e privadas ( 1 do art. 15), sendo que as terras privadas, para serem utilizadas,

  • devem respeitar os limites constitucionais e atender normas e restries devidamente

    estabelecidas (2 do art. 15).

    Quanto s condies para a realizao de pesquisa cientfica e visitao

    pblica nas reas sob domnio pblico, estas devero ser estabelecidas pelo rgo gestor da

    unidade ( 3 do art. 15).

    Porm, so nas reas sob domnio privado que se encontram os maiores

    problemas quanto utilizao dos espaos. Embora haja restries pela lei, fica a critrio do

    proprietrio o estabelecimento das condies para pesquisa e visitao pelo pblico. Questo

    apresentada no 4 do art. 15: 4 Nas reas sob propriedade privada, cabe ao proprietrio

    estabelecer as condies para pesquisas e visitaes para o pblico, observar a exigncias e

    restries legais.

    No h que se falar em proibio de uso das reas inseridas em APAs,

    apenas um controle prvio para a sua criao e este no inviabiliza o uso do imvel, que pode

    ser explorado economicamente. O que se substancia no problema, mesmo nas unidades de

    conservao em domnio privado, que deve haver uma limitao administrativa, j que o

    interesse coletivo deve ser maior e predominar diante do privado. E o Estado, nestes casos,

    deve ficar livre de indenizao ao proprietrio, j que a criao de algumas UCs tem um

    interesse social e pode cominar com atividades econmicas sem prejudicar o proprietrio,

    como o caso de APAs.34

    34 MACHADO, Paulo Afonso Leme. reas protegidas; a Lei n 9.985/200. In: BENJAMIM, Antonio Herman (Coord.). Direito ambiental das reas protegidas. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2001, p. 40.

  • Nesse sentido, ressalta-se a lio de Paulo Afonso Machado: Estabelecer a

    razoabilidade dessa utilizao. Devendo-se, quando a utilizao no for razovel ou

    necessria, negar o uso, mesmo que os bens no sejam atualmente escassos.35

    A fiscalizao e a superviso da APA ser realizada pelo Instituto Chico

    Mendes de Conservao da Biodiversidade (ICMbio) ou pelo rgo equivalente no mbito

    estadual e municipal.

    A APA o mais tpico exemplo de espao ambiental criado com a

    finalidade de garantir o cumprimento da funo socioambiental da propriedade.36 O

    proprietrio mantm todos os poderes inerentes ao domnio, sofrendo apenas as limitaes

    ditadas pelo prprio contedo do direito, eis que relacionadas dimenso ambiental da sua

    funo social. Assim sendo, as APAs visam garantir exclusivamente o cumprimento da

    funo socioambiental, no implicando, sua instituio, em aniquilamento do contedo

    econmico da propriedade e nem a perda da exclusividade, no so indenizveis.37

    As crticas que as APAs vm sofrendo, levam reflexo quanto aos motivos

    de sua criao e de sua efetividade, pois para alguns s servem para disciplinar o uso do solo e

    mostrar que a falta de zoneamento no protege os ecossistemas, s parte deles.

    35 MACHADO, Paulo Afonso Leme. reas protegidas; a Lei n 9.985/200. In: BENJAMIM, Antonio Herman (Coord.). Direito ambiental das reas protegidas. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2001, p. 43.

    36 No Direito ptrio, em razo de o valor ambiental permear todo o sistema jurdico, a doutrina, a partir da concepo da funo social da propriedade, prevista no art. 5, inc. XXIII, art. 170, inc. III, art. 182, pargrafo 2, art. 186, incisos I e II , elaborou a concepo da funo social ambiental da propriedade, que consiste em uma atividade do proprietrio e do Poder Pblico exercida como poder-dever em favor da sociedade, titular do direito difuso ao meio ambiente. MINISTRIO PBLICO DO RIO GRANDE DO SUL. A funo scio-ambiental da propriedade privada. Disponvel em: . Acesso em: 3 maio 2009.

    37 LEUZINGER, Mrcia Dieguez. Natureza e cultura: direito ao meio ambiente e direitos culturais diante da criao de unidades de conservao de proteo integral e domnio pblico habitadas por populaes tradicionais. 2007. 358 p. Tese (Doutorado em Gesto Ambiental). Centro de Desenvolvimento Sustentvel, Universidade de Braslia, Braslia, p. 149.

  • Nesse sentido, Mrcia Leuzinger aduz que realmente as APAs no poderiam

    cumprir as finalidades bsicas de proteger a diversidade biolgica, regular o processo de

    ocupao e assegurar a sustentabilidade de uso dos recursos naturais. Porm, a autora

    complementa que a baixa efetividade de parte das reas de proteo ambiental no significa

    sua inutilidade.38 Ou seja, se fossem elaborados planos de manejo adequados e sofressem as

    APAS efetiva fiscalizao, seriam espaos ambientais teis proteo do meio ambiente, com

    baixssimo custo para o Estado. Cri-las apenas no papel, entretanto, para aumentar as

    estatsticas de volume de reas protegidas no pas, de certo no atende s necessidades de

    conservao.

    No entanto, para que as APAs tenham sua efetividade garantida, seria

    necessrio, como cita Maria Tereza Jorge Pdua, que fossem estabelecidas com zoneamento

    claro, onde se previsse um sistema de gesto adequado, do qual participassem as lideranas

    locais e os proprietrios de terras privadas includas em seus limites. S assim poderiam

    funcionar convenientemente.39

    Esse posicionamento corroborado por Mrcia Leuzinger, ao afirmar que:

    Apesar da posio preservacionista assumida pela autora as crticas que deferiu as APAs so verdadeiras, bem como a observao de que, houvesse um plano de manejo aprovado, com um bom zoneamento, adquiririam as APAs efetividade no trato da questo ambiental.40

    38 LEUZINGER, Mrcia Dieguez. Natureza e cultura: direito ao meio ambiente e direitos culturais diante da criao de unidades de conservao de proteo integral e domnio pblico habitadas por populaes tradicionais. 2007. 358 p. Tese (Doutorado em Gesto Ambiental). Centro de Desenvolvimento Sustentvel, Universidade de Braslia, Braslia, p. 149-150.

    39 PDUA, M. T. J. Sistema nacional de unidades de conservao: de onde viemos e para onde vamos? In: Anais do I Congresso Brasileiro de Unidades de Conservao. Curitiba, IAP; Unilivre; Rede Nacional Pr-Unidades de Conservao, 1997, v. I, p. 363-371.

    40 LEUZINGER, Mrcia Dieguez. Op. cit., p. 150.

  • O problema resiste quando as APAs so criadas por questes polticas e os

    critrios cientficos no so levados em considerao, assim como as populaes tradicionais,

    a cultura das pessoas que vivem no local, a economia, a fiscalizao, o conhecimento sobre o

    tamanho da rea e o seu funcionamento. Assim sendo, prevalece a fora poltica quando h

    interesses contrrios entre o meio ambiente e o desenvolvimento econmico.

    Alm disso, como as APAs so reas de proteo de uso sustentvel, nota-se

    que alguns projetos no condizem com a realidade da populao local, causando desinteresse

    nos habitantes em manter o meio preservado. Isso porque muitos visam obter formas de renda

    que lhes tragam maior retorno financeiro, mesmo que gerem prejuzos ao meio ambiente,

    como o caso de desmatamentos clandestinos, mineradoras, carvoarias, biopirataria etc., que

    so encontradas como economia local numa incrvel facilidade.

    Com o intuito de regular essa situao, foi editada a Lei n 6.902/1981, a

    qual instituiu a criao das APAs no Brasil nos termos do seu art. 9, in verbis:

    Art. 9 Em cada rea de Proteo Ambiental, dentro dos princpios constitucionais que regem o exerccio do direito de prioridade, o Poder Executivo estabelecer normas, limitando ou proibindo:

    a) a implantao e o funcionamento de indstrias potencialmente poluidoras, capazes de afetar mananciais de gua;

    b) realizao de obras de terraplanagem e a abertura de canais, quando essas iniciativas importam em sensvel alterao das condies ecolgicas locais;

    c) o exerccio de atividades capazes de provocar uma acelerada eroso das terras e/ou acentuado assoreamento das colees hdricas;

    d) o exerccio de atividades que ameacem extinguir na rea protegida as espcies raras da biota regional.

    Embora exista legislao para regulamentar tal ao, o descumprimento

    enorme. O que se pode notar que nessas reas de uso sustentvel h mais uso descontrolado

    do que proteo, questo a ser analisada mais adiante.

  • 2.2 APAs federais e suas normas

    As APAs federais foram introduzidas no Brasil na dcada de 1990 e

    representaram uma importante inovao no campo da conservao da natureza. Seus objetivos

    eram compatibilizar a conservao dos recursos naturais com seu uso sustentvel, mediante a

    permanncia das populaes humana dentro de seus limites.41

    Segundo Jos Augusto Drummond, a Secretaria do Meio Ambiente (SEMA)

    [...] vinha, entre outras atividades, criando desde o fim da dcada de 1970 suas prprias

    unidades de proteo ambiental, chamadas estaes ecolgicas e reas de proteo ambiental

    (APAs). Elas foram codificadas legalmente em 27 de abril de 1981, com a Lei n 6.902,

    podendo inclusive ser criadas em mbito estadual e municipal. [...] Ambas se distinguem

    conceitualmente de parques e reservas ecolgicas, pois as estaes previam experimentos

    cientficos e as APAs por definio abarcavam reas degradadas e intensamente usadas

    (inclusive dentro das cidades).42

    Mesmo sem alcanar a maior parte da plenitude dos seus objetivos, as APAs

    esto disseminadas em quase todo territrio brasileiro, dada a amplitude de possibilidades que

    norteiam sua criao e gesto, conforme as citadas abaixo:

    ) ser criadas nas esferas estaduais e municipais;

    ) ser implementadas sem a necessidade de desapropriao;

    ) compreender paisagens naturais ou com qualquer tipo de alterao;

    41 DRUMMOND, Jos Augusto. A legislao ambiental brasileira de 1934 a 1988- comentrios de um cientista ambiental simptico ao conservacionismo. In: Ambiente e sociedade, Ano II, N 3 e 4. Campinas: Unicamp1999, p. 140.

    42 Ibidem, p. 141.

  • ) abranger ecossistemas urbanos e rurais;

    ) envolver tanto reas pblicas quanto propriedades privadas;

    ) estender-se por mais de um municpio ou bacia hidrogrfica;

    ) englobar outras unidades de conservao mais restritivas; e

    ) permitir praticamente todas as atividades econmicas ou obras de infra-

    estrutura em seu interior, desde que sob certas condies, e excetuadas

    suas zonas de vida silvestre.43

    As APAs encontram respaldo em vrias leis. A Lei n 6.902/81, por

    exemplo, j dispunha sobre a criao de Estaes Ecolgicas e APAs, tendo sido o primeiro

    instrumento jurdico a definir a categoria de unidade de conservao em foco. Em seu art. 8,

    ela disps que o Poder Executivo, quando houver relevante interesse pblico, poder declarar

    determinadas reas do territrio nacional como de interesse para a proteo ambiental, a fim

    de assegurar o bem-estar das populaes humanas e conservar ou melhorar as condies

    ecolgicas locais. Nota-se, desde esse dispositivo, a preocupao no s com a proteo

    ambiental, mas tambm com a melhoria de qualidade de vida humana.44

    A Lei acima s foi regulamentada quase dez anos aps sua edio, mediante

    os arts. 28 a 32 do Decreto n 99.274/90. Todavia, esses dispositivos no trouxeram grandes

    novidades em relao ao tema, mesmo porque o Decreto no pode ir alm da lei que ele

    regulamentava ou estatua contra os seus preceitos. Tambm merece registro, a disposio

    43 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Braslia: Cmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 6.

    44 Ibidem, p. 8.

  • contida no art. 32 daquele diploma regulamentar acerca da prioridade de eventuais crditos e

    financiamentos para a melhoria do uso nacional do solo e das condies sanitrias e

    habitacionais das propriedades situadas em APAs.45

    Cabe salientar que a Lei de Poltica Nacional de Meio Ambiente n 6.938,

    editada em 1981, referiu-se s APAs de maneira superficial. Assim, alguns anos mais tarde, a

    Lei n 7.804/89 estabeleceu como um dos instrumentos da Poltica Nacional do Meio

    Ambiente, a criao de espaos territoriais especialmente protegidos pelo Poder Pblico

    federal, estadual e municipal, tais como reas de proteo ambiental, de relevante interesse

    ecolgico e reservas extrativistas (art. 9, inc. VI).46 Interessante notar que as APAs

    constituem categoria de unidade de conservao integrante ao Grupo de Uso Sustentvel, cujo

    objetivo compatibilizar a conservao da natureza com o uso sustentvel dos recursos

    naturais.

    A Lei n 6.938/81 criou o Conselho Nacional de Meio Ambiente

    (CONAMA), rgo colegiado com poder para regulamentar tudo o que se refere explorao

    de recursos naturais, como a gua, o ar, a floresta e toda a biodiversidade. Algumas

    resolues elaboradas pelo CONAMA dispuseram sobre as unidades de conservao. A

    Resoluo n 11/8747 declarou como unidades de conservao diversas categorias de stios

    ecolgicos de relevncia cultural (categoria esta que no mais existe), entre as quais as APAs,

    especialmente suas zonas de vida silvestre onde os corredores ecolgicos esto inseridos.

    45 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Braslia: Cmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 8.

    46 Ibidem, p. 9.47 CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE CONAMA. Resoluo n 11, de 03.12.87. Disponvel

    em: . Acesso em: 22 fev. 2009.

  • J a Resoluo n 10/88 tratou das APAs de maneira mais ampla.

    Primeiramente, ela estabeleceu a obrigatoriedade do Zoneamento Ecolgico-Econmico

    (ZEE), admitindo terras de distintas dominialidades e outras unidades de conservao nos

    seus limites, obrigando a definio de zonas de vida silvestre e, caso fosse necessrio, o uso

    agropecurio, sendo que nesta estavam vedadas prticas agrcolas e pecurias degradadoras

    do meio ambiente.48

    Outro diploma legal que disciplinou as APAs foi o Decreto n 4.340/02, que

    regulamentou a Lei do SNUC. Mas apenas dois de seus artigos (12 e 33) fizeram referncia s

    mesmas.49

    O art. 12 tratou do Plano de Manejo de Unidade de Conservao,

    documento elaborado pelo rgo gestor ou pelo proprietrio, cuja aprovao ficaria a cargo

    rgo executor, por meio de portaria, no caso de plano para as APAs.

    No art. 33, referente aplicao dos recursos da compensao ambiental

    prevista no art. 36 da Lei do SNUC, ficou estabelecido que no caso das APAs e de outras

    categorias que pudessem conter reas privadas, quando posse e domnio no fossem do Poder

    Pblico, os recursos da compensao somente poderiam ser aplicados para custear as

    atividades de elaborao do Plano de Manejo ou das atividades de proteo da unidade; de

    realizao das pesquisas necessrias para o manejo da unidade, sendo vedada a aquisio de

    bens e equipamentos permanentes; de implantao de programas de educao ambiental e de

    48 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Braslia: Cmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 9.

    49 DECRETO N 4.340, de 22.08.2002. Regulamenta artigos da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, que dispe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza - SNUC, e d outras providncias. DOU de 23.08.2002. Disponvel em: . Acesso em: 22 fev. 2009.

  • financiamento de estudos de viabilidade econmica para uso sustentvel dos recursos naturais

    da unidade afetada.50

    2.3 Criao

    No que se refere criao de APA, no existem normas especficas, seja na

    Lei do SNUC ou no Decreto que a regulamenta. A Resoluo do CONAMA n 10/88 dispe

    somente acerca do zoneamento dessa categoria de unidade de conservao, assim como sobre

    atividades que podero ou no ser realizadas na rea, e nada em relao ao processo de sua

    criao.

    A criao de unidades de conservao, como cita Mrcia Leuzinger,

    envolve a adoo de um procedimento administrativo-ambiental. Apesar de no haver, na Lei

    do SNUC, uma clara previso da ordem em que devam ser praticados os atos que o compem,

    bem como uma especificao dos atos que devam ser praticados em cada fase, ela determina

    algumas providncias que, necessariamente, tero que constar do procedimento. Como o

    caso do art. 22 que impe, em primeiro lugar, que as unidades de conservao sejam criadas

    por ato do Poder Pblico. Expresso esta que engloba tanto os atos administrativos

    provenientes do Poder Executivo, quanto os atos expedidos pelo Poder Legislativo. Desta

    forma, podero ser institudas por atos administrativos normativos (decreto, resoluo,

    portaria) ou por lei.51

    A Lei do SNUC estabelece normas gerais aplicveis tambm a essa

    categoria. Destarte, a criao da APA deve ser precedida de estudos tcnicos e de consulta

    50 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. Op. cit., p. 11.51 LEUZINGER, Mrcia Dieguez. Natureza e cultura: direito ao meio ambiente e direitos culturais diante da

    criao de unidades de conservao de proteo integral e domnio pblico habitadas por populaes tradicionais. 2007. 358 p. Tese (Doutorado em Gesto Ambiental). Centro de Desenvolvimento Sustentvel, Universidade de Braslia, Braslia, p. 212.

  • pblica, por meio dos quais se identifica a localizao, a dimenso e os limites mais

    adequados para a unidade. De acordo com o Decreto n 4.340/2000 (art. 4), que regulamenta

    a lei, tanto os estudos quanto a consulta pblica devero ser realizadas pelo rgo executor

    proponente da nova unidade.

    Conforme alterao introduzida na Lei do SNUC pela Lei n 11.132/05,

    quanto aos estudos tcnicos, o Poder Pblico poder decretar limitaes administrativas

    provisrias ao exerccio de atividades e empreendimentos efetivos ou potencialmente

    causadores de degradao em rea submetida a estudo para criao de unidade de

    conservao. O estabelecimento das limitaes fica a critrio do rgo ambiental competente,

    quando houver risco de dano grave aos recursos naturais existentes na rea.52

    A Lei do SNUC no est clara quanto a essas restries. O 2 de seu art.

    15 apenas estatui que, respeitados os limites constitucionais, podem ser estabelecidas normas

    e restries para a utilizao de uma propriedade privada localizada em uma APA. J o art. 9

    da Lei n 6.902/81, determina que, dentro dos princpios constitucionais que regem o

    exerccio do direito da propriedade, o Poder Executivo estabelecer normas, limitando ou

    proibindo a implantao e o funcionamento de indstrias potencialmente poluidoras, capazes

    de essas iniciativas importarem em sensvel alterao das condies ecolgicas locais; o

    exerccio de atividades capazes de provocar uma acelerada eroso das terras e/ou um

    acentuado assoreamento das colees hdricas; e o exerccio de atividades que ameacem

    extinguir na rea protegida as espcies raras da biota.53

    52 CMARA DOS DEPUTADOS. Disponvel em: . Acesso em: 30 mar. 2009.

    53 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Braslia: Cmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 28.

  • Quanto consulta pblica, o Decreto n 4.340/2000 estabelece que seja

    realizada por meio de reunies pblicas ou a critrio do rgo ambiental competente, por

    outras formas de oitiva da populao local e de outras partes interessadas, cabendo ao rgo

    executor indicar, de modo claro e em linguagem acessvel, as implicaes para a populao

    residente no interior e no entorno da unidade proposta.

    Ainda de acordo com esse mesmo Decreto, o ato de criao da APA deve

    indicar a denominao, a categoria de manejo, os objetivos, os limites, a rea da unidade e o

    rgo responsvel por sua administrao, assim como as atividades econmicas, de segurana

    e de defesa nacional envolvida.

    Como o Brasil possui um territrio enorme e de vasta paisagem, muitas

    APAs foram criadas porque apresentam alguma caracterstica notvel, como o exemplo da

    APA do Delta do Parnaba; e tambm quando tem recurso biolgico importante, espcie

    carismtica, como o caso da APA da Bacia do Rio So Joo Mico-Leo-Dourado; e de um

    grande potencial turstico, como ocorre com as APAs do Anhatomirim e Baleia Franca, com a

    presena do boto e a baleia-franca, respectivamente. Ressalte-se que todas so APAs federais.

    As APAs tambm podem ser criadas englobando reas urbanas, de modo a

    proteger os mananciais, regular o uso dos recursos hdricos e o parcelamento do solo. Em

    outras reas, como a APA do Guapimirim que foi afetada por contaminao oriunda de

    vazamento de leo, podem ser institudas obras de infra-estruturas de grande porte, como

    rodovias, linhas de transmisso, oleodutos, estaes de tratamento de gua e de esgoto e

    aterros sanitrios, usinas hidreltricas, atividades de extrao mineral e distritos industriais.54

    54 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Braslia: Cmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 15

  • Entende-se que a criao em reas com escassa presena humana, embora

    no seja proibida, inapropriada. Como clama o art. 15 da Lei do SNUC, a APA rea em

    geral extensa, com certo grau de ocupao humana e, quando no h atividade econmica,

    cabvel a implantao de unidade de conservao do Grupo de Proteo Integral.55

    Em sntese, a criao de uma rea de Proteo Ambiental pressupe a

    identificao de atributos ou fatores ambientais que apresentam graus de fragilidade ou, em

    outras palavras, que apresentam demanda por proteger.56 Entretanto, inapropriada, mas no

    proibida, a criao de APA na falta desses atributos ou fatores.

    Todavia, mesmo com o controle pblico, a APA gerida por um conselho

    gestor, presidido pelo rgo responsvel por sua administrao e constitudo no s de

    representantes dos rgos pblicos, como tambm de organizaes da sociedade civil e da

    populao residente (art. 15, 5, Lei n 9.985/2000).

    Conforme pesquisa realizada no site do ICMbio, os biomas representados

    nas APAs so: Floresta Amaznica (duas Tapajs e Igarap-gelado); Caatinga (duas

    Chapada do Araripe e Serra da Ibiapaba); Cerrado (oito Bacia do Rio Descoberto, Bacia

    do Rio So Bartolomeu, Caverna Peruau, Serra da Tabatinga, Meandros do Rio Araguaia,

    Nascentes do Rio Vermelho, Planalto Central e Morro da Pedreira); Mata Atlntica (cinco

    Bacia do Rio So Joo e Mico-leo-dourado, Ilhas e Vrzeas do Rio Paran, Petrpolis, Bacia

    do Paraba do Sul, Serra da Mantigueira), Zona Costeira (onze Cairuu, Piaabuu,

    Canania-iguape-perube, guapimirim, Guaraqueaba, Fernando de Noronha, Anhatomirim,

    Barra do Rio Mamanguape, Delta do Parnaba, Costa dos Corais, Baleia Franca); ainda 55 INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVVEIS

    IBAMA. Disponvel em: . Acesso em: 1 maio 2009.56 CABRAL, Njila Rejanne Alencar Julio; SOUZA, Marcelo Pereira de. rea de proteo ambiental:

    planejamento e gesto de reas protegidas. So Carlos: Rima, 2002, p. 57.

  • Floresta Estacional, como Carste Lagoa Santa e Campos Sulinos (pampa) como a

    Ibirapuit. Perfazendo assim 30 APAs federais, embora a APA da Bacia do Rio So

    Bartolomeu seja federal, foi passada a administrao para o Governo do Distrito Federal.57

    2.4 Polticas de conservao, objetivos e conflitos

    As APAs ensejam a conservao de ecossistemas cujas condies de

    ocupao humana no permitiriam a implantao de uma unidade de conservao do Grupo

    de Proteo Integral.58

    Alm disso, por vezes, elas esto associadas a unidades desse grupo,

    constituindo zonas de transio ou reas de amortecimento dessas unidades com maiores

    estruturas. Esse o caso, por exemplo, da APA de Canania-Iguape-Perube, que abrange um

    mosaico de unidades de conservao dos Grupos de Proteo Integral e de Uso Sustentvel.

    As APAs tambm podem integrar corredores ecolgicos, com vistas a conectar remanescentes

    significativas de cobertura vegetal que, de outra forma, permaneceriam estanques, com o

    isolamento de populaes da flora e da fauna. o caso da APA do Planalto Central, que

    integra, em parte, o Corredor Paran-Pirineus.59

    Alm do aspecto de conservao, as APAs tambm devem desempenhar

    papel de relevo nas polticas de melhoria da qualidade de vida das comunidades locais,

    conforme entendimento que se vem firmando em nvel mundial, desde a dcada de 1980, em

    relao s unidades de conservao. Essa foi a posio assumida pela Unio Mundial para a

    Natureza (UICN) na Estratgia Mundial para a Conservao da Biodiversidade, de 1982, a

    57 INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAO DA BIODIVERSIDADE - ICMBio. Disponvel em: . Acesso em: 19 jan. 2008.

    58 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Braslia: Cmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 19.

    59 Ibidem, loc. cit.

  • qual, quela poca, j enfatizada a importncia de que as unidades de conservao

    integrassem as comunidades locais e promovessem o seu desenvolvimento social e

    econmico. Tal posio refletiu o debate que ento se realizava, acerca da necessidade cada

    vez mais premente de que o crescimento econmico ocorresse em bases sustentveis, que

    culminou com a consolidao do paradigma do desenvolvimento sustentvel por ocasio da

    Conferncia ECO-92.60

    O mesmo vem ocorrendo com as APAs que, at o momento, no se

    consolidaram como um instrumento eficaz de polticas governamentais sociais e de

    conservao.61

    Em termos qualitativos, a implantao e a gesto das APAs encontram-se,

    com poucas excees, em pior situao no s em relao s demais categorias do Grupo de

    Uso Sustentvel, mas tambm, e principalmente, quanto s do Grupo de Proteo Integral.62

    Para que a gesto das APAs seja eficaz, deve buscar os objetivos de

    conservao das caractersticas ecolgicas da rea protegida, garantir a manuteno da

    qualidade de vida das populaes residentes e promover o desenvolvimento a partir da

    sustentabilidade dos recursos naturais e do ordenamento do uso do solo. As APAs vm

    encontrando dificuldades, desde a criao das mesmas nos anos 80.63

    Para que uma APA seja implementada com xito preciso a integrao da

    unidade com as polticas pblicas e capacidade operacional do rgo executor. Depende,

    60 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Braslia: Cmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 19.

    61 Ibidem, loc. cit.62 Ibidem, loc. cit.63 Ibidem, p. 20.

  • acima de tudo da relao entre a comunidade local e o meio ambiente, no que diz respeito ao

    uso dos recursos naturais, aos produtos e aos resduos gerados e aos beneficirios potenciais.

    O processo de participao fundamental. Segundo Marie Rou, a APA

    como instrumento de planejamento e gesto visa conciliar a conservao da natureza com a

    cultura das populaes, melhorando sua qualidade de vida, demonstrando que, se tomadas as

    providncias bsicas, essa unidade pode reverter-se em um instrumento democrtico de

    negociao, construtor da cidadania e de equilbrio da distribuio dos ganhos.64

    Um ponto importante tem que ser considerado: no se pode considerar a

    gesto de uma unidade de manejo sustentvel do mesmo modo que uma unidade de proteo

    integral, ou seja, com nfase centrada em preservao estrita.65

    Casos como conflitos de zoneamento ou de previses discrepantes em

    Planos de Manejo devem ser solucionados mediante a proposta prevista na Lei do SNUC, que

    gesto integrada. No havendo consenso, pode-se recorrer ao Ministrio do Meio Ambiente

    (MMA), que o rgo coordenador do SNUC e central do Sistema Nacional de Meio

    Ambiente (SISNAMA). Como regra geral, deve ser aplicada a norma mais restritiva, ou seja,

    a que melhor proteja o ambiente, pois vige como princpio do Direito Ambiental o da

    precauo, segundo o qual, na falta de certeza cientfica, deve-se adotar a ao que prestigie a

    preservao/conservao do meio ambiente.66

    64 ROU, Marie. Nova perspectiva em etnoconservao: saberes tradicionais e gesto de recursos naturais. In: DIEGUES, Antonio Carlos (Org.). Etnoconservao: novos rumos para a proteo da natureza dos trpicos. 2 ed. So Paulo: Hucitec, 2000, p. 76.

    65 GUAPYASS, Masa dos Santos. Unidades de manejo sustentvel: ajustando o foco para sua gesto. In: Anais do II Congresso Brasileiro de Unidades de Conservao, 2000, v. III. Campo Grande, Rede Nacional Pr-Unidades de Conservao; Fundao O Boticrio, 2002, p. 43.

    66 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Braslia: Cmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 21.

  • Na atuao do Poder Pblico, quantos aos limites sobre a propriedade

    privada dentro de uma APA, podem ocorrer restries e limitaes de natureza ambiental, em

    razo da incidncia do princpio da funo social da propriedade, previsto

    constitucionalmente, desde que no seja inviabilizado totalmente o uso da propriedade.67

    A dimenso ambiental da funo social da propriedade, no direito brasileiro, volta-se tanto ao aspecto impulsivo (art. 70 da CF), como ao limitativo (arts. XXIII, c182 e 186, CF), sendo em muitos casos possvel localizar os dois aspectos numa nica norma, como por exemplo, no art. 2 da Lei n. 4.771/65 (Cdigo Florestal).68

    As limitaes ao uso da propriedade devem constar de ato normativo ou do

    Plano de Manejo da unidade, devidamente aprovado por meio de instrumento normativo pela

    autoridade competente. Uma das formas de minimizar conflitos existentes ocorre com a

    introduo de modelos produtivos que garantem a sustentabilidade no uso dos recursos

    naturais, aliados assistncia tcnica e extenso rural qualificada. O gestor da unidade tem

    de estabelecer o dilogo, a negociao e alianas entre todos os envolvidos.69

    Outro problema diz respeito a empreendimentos, no que tange aos

    licenciamentos para atividades potencialmente poluidoras ou degradadoras do meio ambiente.

    As licenas ambientais so os instrumentos jurdicos que aprovam a realizao de

    determinadas atividades e so institudas mediante ato administrativo que autoriza o

    empreendimento, estabelecendo condies, restries e medidas de controle. De forma que

    sem fiscalizao os empreendedores no cumpram com parte das normas estabelecidas.70

    67 Ibidem, loc. cit.68 FIGUEIREDO, Guilherme Jos Purvin de. A propriedade no direito ambiental: funo social da

    propriedade. Rio de Janeiro: Esplanada, 2004, p. 82.69 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa,

    Braslia: Cmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 22.70 Ibidem, loc. cit.

  • Ressalta-se tambm o direito cultural e o direito ao meio ambiente

    equilibrado, ambos muito discutidos e conflitantes dentro das APAs. Ao mesmo tempo em

    que a Constituio Federal de 1988, em seu art. 225, declara terem todos o direito ao meio

    ambiente ecologicamente equilibrado; no seu art. 215, caput, garante a todos o pleno

    exerccio culturais e acesso s fontes da cultura nacional, apoiando e incentivando a

    valorizao e a difuso das manifestaes culturais, alm de determinar em seu 1, que o

    Poder Pblico, com a colaborao da comunidade, promover e proteger o patrimnio

    cultural brasileiro.71

    2.5 Situao atual das APAs

    Atualmente, trava-se um debate sobre a situao e efetividade das APAs

    para a conservao da biodiversidade e a melhoria das condies socioeconmicas das

    comunidades locais.

    Participam desse debate os que desqualificam as APAs como unidades de

    conservao e os que as defendem como modelo de gesto territorial e de proteo da

    biodiversidade calcado no princpio do desenvolvimento sustentvel.72

    Afirmam M. J Dourojeanni e M. T. J. Pdua que as unidades de uso

    sustentvel tm valor menor para a conservao da biodiversidade, pois so unidades com

    maior apelo social para o grande pblico e, em geral, politicamente mais fceis de criar, por

    no implicarem deslocamento de ocupantes humanos.73

    71 LEUZINGER, Mrcia Dieguez. A presena de populaes tradicionais em unidades de conservao. Revista de Direitos Difusos, So Paulo, v. 21, n. IV, p. 312.

    72 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Braslia: Cmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 26.

    73 DOUROJEANNI, M. J.; PDUA, M.T. J. Biodiversidade: a hora decisiva. Curitiba: UFPR, 2001, p. 175.

  • Sustentam ainda que as APAs tenham crescido em nmero, no s no Brasil

    como em outros pases, por evitarem os custos da desapropriao de terras. Da mesma forma,

    Ibsen de Gusmo Cmara assevera que as APAs, na realidade, destinam-se muito mais ao uso

    supostamente bem controlado dos recursos da natureza do que sua proteo.74

    Segundo M. T. J. Pdua, o presente momento fundamental para se decidir

    o futuro do sistema, pois as unidades esto em geral mal manejadas, com pouqussimo

    pessoal, no cumprindo os objetivos para os quais foram estabelecidas. De outra parte, cada

    dia se cria mais, em especial as de uso direto e as APAs, que infelizmente passaram a ser a

    panacia, para servir a medidas demaggicas.75

    Pode-se notar que h muito mais interesse poltico do que a vontade real de

    preservao, conforme ressalta M. T. J. Pdua no trecho abaixo colacionado:

    Os governos estaduais vm criando muitas APAs, pois no necessrio alm do decreto de criao, se bem que em determinadas condies e dependendo da participao dos proprietrios particulares a categoria poderia funcionar, como um ordenamento territorial.76

    Das 30 APAs Federais (embora a APA da bacia do rio So Bartolomeu no

    Distrito Federal tenha passado a administrao estadual, ainda est na lista das Federais)

    existentes no Brasil, algumas apresentam estrutura fsica e de pessoal, mas outras continuam

    com problemas fundirios.

    As APAs representam menos de 14% da superfcie total das unidades de

    conservao do pas. Est claro que as unidades do Grupo de Proteo Integral conferem 74 CMARA, Ibsen de Gusmo. A poltica de unidades de conservao- uma viso pessoal. In: MILANO, M.

    S. (Org.). Unidades de conservao: atualidades e tendncias. Curitiba: Fundao O Boticrio, 2002, p. 167.75 PDUA, M. T. J. Sistema nacional de unidades de conservao: de onde viemos e para onde vamos? In:

    Anais do I Congresso Brasileiro de Unidades de Conservao. Curitiba: IAP; Unilivre; Rede Nacional Pr-Unidades de Conservao, 1997, v. I, p. 215.

    76 Ibidem, p. 222.

  • maior grau de preservao biodiversidade. Mas as APAs tm um papel complementar

    importante: dar suporte para as primeiras, atuando nos corredores e zonas de amortecimento

    ou mesmo possibilitando a conservao de ecossistemas cujas condies de ocupao humana

    no permitiriam a implantao de uma unidade de proteo integral.77

    Tambm preciso lembrar que h pouco tempo que o Brasil dispe de um

    sistema nacional, uno e consistente, de unidades de conservao da natureza. Alm disso, no

    existiam critrios definidos para a criao e a gesto dessas categorias de reas protegidas no

    Pas, as quais durante um bom perodo, sequer ficaram sob controle de um s rgo pblico.

    Sabe-se, no entanto, que ainda existem muitas dificuldades para a criao e

    implementao das APAs, principalmente por envolver objetivos de preservao de espcies e

    ecossistemas versus desenvolvimento de atividades econmicas, embora se saiba que isso

    pode ser possvel, basta vontade integrada de todos da sociedade.

    Nas palavras de Njilla Rejanne Alencar Julio Cabral et al.:

    No h garantias seguras de que as decises ou recomendaes do conselho sero implementadas pelos proprietrios particulares. E bvio que as restries ao direito de propriedade, as chamadas limitaes administrativas, so potencialmente geradoras de conflitos.78

    perceptvel que, no Brasil, ainda h muito que se fazer quanto s APAs,

    haja vista a falta de uma boa estrutura administrativa, recursos financeiros e humanos, e de

    instrumentos adequados de gesto, que contribuem para que a categoria de unidade de

    conservao se apresente em estgio de desenvolvimento.

    77 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Braslia: Cmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 27.

    78 CABRAL, Njilla Rejanne Alencar Julio et al. Gesto ambiental em reas de proteo ambiental. In: Anais do II Congresso Brasileiro de Unidades de Conservao, 2000. v. II. Campo Grande: Rede Nacional Pr-Unidades de Conservao; Fundao O Boticrio, 2000, p. 121.

  • Sejam quais forem os motivos, com a gradativa ocupao do homem e a

    necessidade de preservao de espcies e ecossistemas, as APAs tm excelente potencial de

    implementao no Pas. E que, daqui pra frente, ao invs de se criar outras unidades, seria

    interessante que as j implementadas pudessem cumprir com os objetivos para as quais foram

    criadas, quais sejam: proteger a diversidade biolgica, disciplinar o processo de ocupao e

    assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

    Como esclarece Dione Anglica de Arajo Crte, desistir de implantao

    deste instrumento o mesmo que assumir que no possvel conciliar proteo e

    desenvolvimento, e que o desenvolvimento sustentvel no passa de uma utopia.79

    Por isso preciso aprender a gerenciar o meio ambiente, dosando as

    medidas impositivas e estimulando as participativas, de modo a transformar esse espao

    territorial num objetivo comum de todos os que l habitam ou dele dependem. Assim, quando

    se atingir esse nvel de responsabilidade e conscientizao, no ser mais necessria uma

    unidade gestora da APA ou a prpria rea de Proteo Ambiental.80

    Por enquanto, esse processo ainda est longe de alcanar o xito desejado,

    conforme ser mostrado na anlise feita no prximo captulo sobre a APA da Chapada do

    Araripe, que um elemento profundamente incorporado vivncia da bio-regio da bacia

    sedimentar do Araripe.

    79 CRTE, Dione Anglica de Arajo. Planejamento e gesto de APAs. In: Anais do I Congresso brasileiro de Unidades de Conservao. Curitiba: IAP; Unilivre; Rede Nacional Pr-Unidades de Conservao, 1997, v. I. p. 94.

    80 Ibidem, p. 97.

  • 3 ANLISE DA APA DA CHAPADA DO ARARIPE/CE

    Este captulo ir analisar a rea de Proteo Ambiental Federal da Chapada

    do Araripe. A inteno averiguar como ocorre o funcionamento de uma APA no Brasil e as

    dificuldades encontradas pelos rgos gestores em manter a relao entre a preservao do

    meio ambiente, a comunidade local e os empreendedores.

    3.1 A APA da chapada do Araripe

    Criada pelo Decreto n 148, de 04 de agosto de 1997, a APA da Chapada do

    Araripe est localizada no Nordeste brasileiro, abrangendo uma rea de 1.063 hectares, sendo

    47% no estado do Cear (15 municpios), 36% em Pernambuco (12 municpios) e 17% no

    Piau (11 municpios). Foi idealizada pela comunidade local e pelo ex-deputado federal

    Rommel Feij, que conseguiu recursos junto ao Governo Federal de mais de 700 mil reais

    para que fosse feito o primeiro diagnstico em 1998, logo aps sua criao. Esse diagnstico

    bastante completo e importante para o conhecimento dos problemas existentes.81

    A rea compreende quatro zonas fisiogrficas e socioeconmicas bem

    definidas nos 38 municpios que a compe:

    a) topo da chapada trata-se de uma zona que exige cuidados especiais,

    vez que sofre com a escassez de gua, motivo pelo qual a cultura adotada

    na regio utiliza a tcnica de lavoura seca (plantaes de mandioca, andu,

    caju, abacaxi, gergelim, urucum etc.).

    81 MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE. Convnio MMA N. 97CV 0026, Zoneamento Ambiental, Plano de Gesto da rea de Proteo Ambiental da Chapada do Araripe CE/PE/PI. Relatrios, 1999.

  • b) Zona de escarpa considerada por lei como rea de Preservao

    Permanente (APP) e comporta uma nica explorao permitida: a

    apicultura.

    c) P de Serra nesta zona esto localizados os recursos hdricos da regio

    (nascentes, minadouros, rios, riachos), plantao de cana, feijo e milho,

    e criao de gado. Pelo seu clima, pelo potencial hdrico, proximidade

    dos centros consumidores e por sua malha rodoviria, a zona propcia

    horticultura e fruticultura.

    d) Serto constitui a zona menos mida da APA e se estende por muito

    alm de seus territrios. Sua principal atividade a pecuria, em especial

    a criao de ovinos e caprinos, e suporta apenas culturas menos exigentes

    em gua ou adaptadas s condies de semi-aridez. O clima quente e

    semi-rido, com curta estao chuvosa no vero-outono. A precipitao

    mdia anual de 698 mm no setor ocidental e 934 mm no setor oriental.82

    Figura 1 Chapada do Araripe (Foto: IBAMA)Fonte: DIRIO DO NORDESTE. Disponvel em: .

    Acesso em: 13 mar. 2009.

    82 SUPERINTENDNCIA ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE SEMACE. Disponvel em: . Acesso em: 18 dez. 2008.

  • A APA apresenta sete unidades fitoecolgicas: Floresta Supereneniflica

    Tropical Pluvial-Nebular (matas midas, serranas); Floresta Sucaduciflica Tropical (matas

    Secas); Floresta Subcaduciflica Xeromorfa (cerrado); Floresta Caduciflica Espinhosa

    (caatinga arbrea); Floresta Ribeirinha (mata ciliar); carrasco e cerrado.83

    A Chapada do Araripe um divisor hidrogrfico entre as bacias do rio

    Jaguaribe para o Cear, do rio Brgida e outros para Pernambuco e do rio Itaim para o Piau.

    A gesto de recursos hdricos obedece, em primeiro plano, diviso territorial hidrogrfica

    dessas trs bacias. A bacia do Jaguaribe, no Cear, e Brgida, em Pernambuco, ocupam reas

    muito extensas ao longo do flanco da chapada, com microrregies distintas, por isso tambm

    se torna difcil fiscalizar toda rea com o quadro efetivo de fiscais.84

    A chapada rica em belezas naturais e culturais. Existem na rea, as jazidas

    fosslicas do cretceo, Floresta Nacional do Araripe (embora no esteja dentro da APA, mas

    fica na Chapada do Araripe a maior riqueza que a regio possui), as grutas do Brejinho e das

    Corujas, as reas de pesca, as nascentes, guas trmicas, a baa do Montevidu, e Floresta do

    Stio Nascente. Entre as atraes culturais esto: o Museu de Paleontologia da Universidade

    Regional do Cariri (URCA), em Santana do Cariri, audes do Monte Belo e de Alagoinha,

    arquitetura antiga, Igreja Matriz de Santo Antnio (sec. XIX), o casaro colonial do Seu

    Carlinho, a casa de Pitia, o mercado pblico municipal.85

    Datada de 120 milhes de anos, a floresta possui mil metros de altitude e

    abriga fsseis de dinossauros e peixes. As relquias podem ser vistas no Museu de

    Paleontologia em Santana do Cariri. A floresta tem uma enorme diversidade de pssaros, 83 ASSOCIAO PLANTAS DO NORDESTE. Disponvel em: . Acesso

    em: 22 fev. 2009.84 SEMACE. Disponvel em: . Acesso em: 18 dez. 2008.85 Ibidem.

  • animais e vegetais, alm de relquias arqueolgicas. Em 1946, foi considerada reserva

    ecolgica.86

    Figura 2 APA do Araripe: um santurio da biodiversidade Fonte: Foto produzida por Antnio Vicelmo.

    Uns dos atrativos da regio so os fsseis encontrados na cidade de Santana

    do Cariri. Esse tipo de material despertou o interesse de muitos estudiosos em vrias partes do

    mundo, assim como de contrabandistas que os comercializam para museus de outros pases.

    Um caso recentemente divulgado mostrou um espcime extrado da formao de Santana, que

    estava sendo anunciado pelo site americano PaleoDirect, de AltamonteSprings (Flrida).87

    O turismo cientfico e cultural se integram como grande atrao para os

    visitantes da regio do Cariri. Um levantamento realizado pelo Servio Brasileiro de Apoio s

    Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/CE) mostra a prtica do ecoturismo, alm do turismo

    religioso, pedaggico e tcnico-cientfico. Exemplo disso so os dados levantados pela

    Arquidiocese de Juazeiro do Norte que apontam uma mdia de dois milhes de visitantes no

    municpio ao longo das cinco maiores romarias, gerando emprego e renda em toda a regio.

    Isso mostra que com uma boa orientao, fora de vontade dos governantes e participao 86 DIRIO DO NORDESTE. Disponvel em: . Acesso em:

    13 mar. 2009.87 Ibidem.

  • ativa da comunidade, possvel unir progresso, gerao de renda e meio ambiente numa s

    realidade sustentvel e ecolgica.88

    Figura 3 Turismo religiosoFonte: BLOG DO CRATO. Disponvel em:

    . Acesso em: 22 dez. 2008.

    Vale acrescentar que a regio tambm abriga comunidades tradicionais

    como os quilombolas e os ndios cariris. Estes ltimos encontram-se espalhados pelos

    caldeires e vivem da agricultura familiar. Recentemente, a Fundao Nacional do ndio

    (FUNAI) precisou intervir para conservar os ndios na rea, vez que muitos estavam migrando

    para outras regies.89

    Note-se que alm da preservao ambiental, tambm existe um trabalho de

    preservao cultural na regio. E, embora a prtica do ecoturismo tenha se tornado uma forma

    de conscientizar a populao local para a preservao dos recursos naturais dentro da APA,

    ainda grande a falta de conhecimento acerca das leis ambientais.

    88 DIRIO DO NORDESTE. Disponvel em: . Acesso em: 13 mar. 2009.

    89 Ibidem.

  • 3.1.1 A APA e sua degradao

    A rea de Proteo Ambiental da Chapada do Araripe est dividida em trs

    partes importantes: ao centro, com uma vegetao mais abundante que inclui a Floresta

    Nacional do Araripe (Flona); reas extensas semi-ridas que passam, devido presso

    antrpica, por um processo de degradao (desertificao parcial); e reas urbanas, em

    processo de modernizao (calamento, redes de esgoto, estaes de depurao etc.).90

    Cabe esclarecer que algumas informaes sobre os problemas

    socioambientais na regio foram obtidas em entrevista com o atual chefe da APA, Francisco

    Jackson Antero de Sousa, e por meio da observao pela autora durante as visitas aos locais

    que vm sofrendo maior degradao ou onde existem projetos de recuperao das reas.

    A degradao ambiental na APA da Chapada do Araripe e a m utilizao

    das guas das fontes preocupam os ambientalistas e os rgos ambientais responsveis na

    regio.91 Os problemas mais srios esto relacionados forma de captao das guas das

    fontes. Algumas fontes esto localizadas dentro de terrenos particulares, e os proprietrios

    (donos de chcaras, clubes, balnerios e agricultores familiares), por sua vez, instalam canos

    dentro delas, impedindo seu fluxo natural. Isso acaba acarretando falta de gua nas cidades

    que se abastecem dos rios e fontes.92

    90 FUNDAO ARARIPE. Disponvel em: . Acesso em: 23 dez. 2008.91 GEOPARK ARARIPE. Disponvel em: . Acesso em: 28 fev. 2009.92 SOUSA, Francisco Jackson Antero de. Entrevista concedida Luciana Grangeiro Lins. Chapada do

    Araripe, 08 jan. 2009.

  • Figura 4 Fonte do Stio Batateira-Crato/CEFonte: Foto produzida por Luciana Lins.

    Figura 5 gua encanada das fontesFonte: Foto produzida por Luciana Lins.

    Como demonstrado nas figuras 4 e 5, a maior fonte da Chapada do Araripe,

    a da Batateira, com vazo de 300 mil litros de gua por hora, encontra-se totalmente

    canalizada.93

    Em entrevista com o Chefe do ICMbio, foi dito existirem mais de 341

    fontes na regio e as maiores esto localizadas em Barbalha e Crato (CE), duas importantes

    cidades integrantes da APA. Contudo, a utilizao das guas nos balnerios imensa. E estes,

    para funcionarem, necessitam de anuncia do ICMbio, que libera licena por dois anos, e da

    93 POVOS INDGENAS NO BRASIL - PIB. Disponvel em: . Acesso em: 28 fev. 2009.

  • fiscalizao da Superintendncia do Meio Ambiente do Cear (SEMACE). Mas a maioria dos

    balnerios da regio est sem licena e a previso que sejam interditados, pois no tm

    plano de manejo quanto rede de esgoto, funcionamento de restaurantes e tratamento da gua

    das piscinas. As guas utilizadas nas piscinas so retiradas das fontes e desperdiadas a cada

    lavagem, pois, segundo os proprietrios, o tratamento muito caro. Isso apenas demonstra o

    grande descaso com a preservao da gua doce na regio. Mas, em algumas situaes, a

    fiscalizao tem sido eficaz, como foi o caso do Arajara Park que utilizava 80% da gua da

    fonte e, aps a interveno do Ministrio Pblico (MP) e do Instituto Chico Mendes, passou a

    usar apenas 18%.94

    Figura 6 Piscina Arajara ParkFonte: Disponvel em: .

    Acesso: 11 mar. 2009.

    Ressalte-se que o proprietrio do Arajara Park tambm j teve um projeto

    para construo de chals interditado, porque no identificou a rede de esgoto.95

    94 SOUSA, Francisco Jackson Antero de. Entrevista concedida Luciana Grangeiro Lins. Chapada do Araripe, 08 jan. 2009; e POVOS INDGENAS NO BRASIL - PIB. Disponvel em: . Acesso em: 28 fev. 2009.

    95 ARAJARA PARK. Disponvel em: . Acesso em: 12 jan. 2009.

  • Em visita de campo, foi constatado outro balnerio de menor porte, o

    Nascente, localizado em Crato/CE, que tambm est cercado pela degradao. O rio

    desviado para abastecer o restaurante e a piscina que se encontram dentro do Balnerio das

    Nascentes, ao proibida pelos rgos ambientais. Ademais, a populao local lava roupas

    margem da nascente h mais de