Apcentrevista

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ANA PAULA COSTA [email protected]

Entrevista ao Formador em Destaque

1 - Nome:

ANA PAULA COSTA

2 - Profissão:

Formadora desde 1997, prefiro não considerar esta actividade como uma profissão, e sim como

uma mistura entre forma de arte, missão e vício, que fui desenvolvendo paralelamente à minha

experiência profissional no seio das organizações. É nesse sentido que poderei dizer que me

encontro actualmente entre empregos, e em busca de um novo desafio que me dê a oportunidade

de continuar a demostrar o meu valor e a ampliar o meu potencial.

Trabalhei, desde 1991, ao serviço de várias empresas nacionais e multinacionais - como sejam a

Rank Xerox e a Merck Sharp & Dhome - em áreas como a comercial, organização de eventos,

controlo de qualidade de procedimentos clínicos, etc. Fui, até meados de 2011, directora do centro

de formação da Associação Portuguesa de Agentes de Viagens e Turismo.

3 - Refira a sua idade, o que faz, qual a sua área

de formação e há quanto tempo é formadora?

Sou licenciada em Ciência Política, na vertente de Relações Internacionais e finalista do mestrado

integrado em Psicologia Clínica, tendo concluído a pós-graduação em Intervenção Humanitária na

Catástrofe, por mero gosto pessoal.

Tenho 39 anos e, de há 15 anos a esta data, ministro formação a adultos, nas áreas pedagógica e de

desenvolvimento pessoal, a exemplo: Formação de Formadores, Técnicas de Apresentação,

Relacionamento Interpessoal, Atendimento ao Cliente, Gestão de Reclamações, Gestão do Tempo,

etc. Recentemente comecei a formar também sobre Novo Acordo Ortográfico, sendo o estudo da

língua portuguesa um vício antigo, e a partilha de informações sobre o tema um prazer.

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4 - Quais os cursos que mais gostou de ministrar?

Gostei de vários, e nunca aceitei dar formação contra vontade. Mas privilegio o expectro da

Comunicação, sendo a Formação de Formadores o meu “menino de ouro”, pois foi uma escolha

que fiz desde o primeiro momento (integrei já para cima de 80 acções de FPIF e mais de 2000 horas

só de simulações pedagógicas), a par com as Técnicas de Apresentação (Falar em Público), que

ministro miúde em contexto organizacional.

Algumas acções perduram mais na minha memória, mas por motivos que se prendem com a

qualidade da dinâmica relacional estabelecida com o grupo de formandos e os resultados atingidos,

independentemente do tema da acção ou do tipo de destinatários, sejam eles desempregados,

indiferenciados (termo que não colhe, porque eu diferencio-os), quadros superiores; a PME e

multinacionais, polícia e forças armadas; em diferentes áreas de negócio e várias regiões do país.

5 - Quais as maiores dificuldades que encontra ou

encontrou no exercício da atividade formativa?

Sinceramente, a forma como as entidades formadoras gerem o processo: umas, na mira de

produzirem lucro fácil, descuram a qualidade da oferta; outras têm uma percepção completamente

deturpada quanto aos objectivos a perseguir; e em algumas parece-me, por vezes, que ninguém

tem ideia do que significa formar. Isto porque, no imediato, o lucro de uma entidade é o mesmo

quer com essa consciência, quer sem ela. O pior é que para os formandos a equação não é essa.

Deparei-me com um exemplo desses recentemente: depois de mais de um mês investido em

provas de selecção e castings com o intuito de seleccionar dois formadores a quem seria atribuída

uma formação de responsabilidade junto de um importante grupo financeiro, todo esse trabalho

foi posto a perder pela falta de visão da entidade formadora que, com um exagerado receio de não

obter, por parte do cliente, uma elevada avaliação final, acreditou que o segredo residiria em

padronizar, de forma obsessiva, conteúdos, metodologias e actividades, retirando aos formadores

toda a autonomia e qualquer hipótese de inovação e de adaptação ao grupo, ao seu nível de

competências, às suas expectativas e dinâmicas próprias, o que acabou por obter o efeito contrário.

Por isso insisto que a gestão pedagógica tem de ter feita por quem detenha uma ampla perspectiva

das coisas. Os responsáveis pedagógicos deverão selecionar formadores competentes e com

excelentes capacidades relacionais, e confiar no trabalho destes, ainda que mantendo-se em

estreita comunicação, contribuindo, discutindo e influenciando positivamente.

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O problema é que falta muita formação às pessoas que gerem as entidades formadoras e os

processos pedagógicos. Isto é, fundamentalmente, aquilo que mais venho notando. E é uma pena.

Mas também é verdade que cabe aos formadores ir sensibilizando e esclarecendo, contribuindo

assim para a melhoria contínua. E isso passa, inevitavelmente, por engolir alguns sapos. Faz parte.

Ao fim e ao cabo, estamos a ajudar a construir pessoas, e isso não deixa de fazer valer a pena,

apesar dos pesares a que esta missão frequentemente nos expõe e da imensa flexibilidade a que

nos obriga.

Ainda assim, há “sapos” maiores e menores. E não hesito em abandonar uma entidade que se

revela pouco ética, seja com formandos, seja com formadores. É uma decisão que tomo de forma

determinada.

6 - Qual foi a história mais engraçada que teve

como formador(a)?

Guardo muito boas histórias vividas em formação. Umas são particularmente bonitas, marcantes

por qualquer motivo, ou comoventes até. Engraçadas, propriamente, não sei se encontrarei

alguma, assim de repente.

Interessantes foram as situações em que decidi juntar dois grupos de formação na mesma sala.

Num dos casos, ia eu ministrar um módulo numa acção, quando percebo que a um outro grupo

acabara de ser comunicado que a formadora deles não iria poder estar presente, o que faria com

que os formandos tivessem de voltar para casa frustrados e exigiria que o módulo fosse reposto

mais tarde e o curso se prolongasse no tempo. Arrisquei, e juntei os grupos. Nesse dia tive uma sala

cheia de gente a aprender como se definem objectivos pedagógicos. E acredito ter cumprido os

meus, apesar de o número de formandos exceder o recomendado. Da segunda vez, cheguei ao fim

de uma acção com apenas quatro formandos (os outros integrantes do grupo eram colaboradores

de uma empresa e tiveram de se ausentar por motivos profissionais), pelo que cada um deles iria

ter de efectuar as suas derradeiras simulações pedagógicas para uma plateia de três pessoas. Não

crendo que isso constituísse um desafio à sua altura, convidei um grupo de formandos recém

chegados para assistirem às sessões. Foi engraçado porque os novatos ainda não havia passado por

uma autoscopia, e, sendo assim, nada fizeram para “proteger” os colegas que as realizavam, tendo-

se comportado de forma muito mais fiel à realidade, e confrontado os meus finalistas com

situações que lhes exigiram muito jogo de cintura, e que estes dominaram muito bem. Quase todos

excederam o tempo, mas, em contrapartida, revelaram outros comportamentos muito valiosos,

como a receptividade e o empenho pedagógico.

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De vez em quando há coisas assim... Que não planeio, que experimento. Na última sessão de um

grupo que fechei há pouco tempo, ao saber que o esposo de uma das minhas formandas, formador

senior, a aguardava na recepção, convidei-o a fazer parte da sessão e a opinar sobre os

desempenhos do grupo... Uma manobra de excepção, claro está, mas que senti que resultaria, e

que ajudou o grupo a “comportar-se”, ainda que a poucas horas do esperado jantar de despedida.

Engraçado foi talvez o dia em que fui para dar formação aos CTT, na Rua da Palma, e, chegando lá,

afinal a acção, de dois ou três dias, não era suposto realizar-se cá em Lisboa, mas sim no Porto.

Meti-me de imediato a caminho, apenas com a roupa do corpo, sem a escova de dentes e sem

pensar no assunto.

No mês passado dei uma formação completamente afónica; o que agora pode ter graça, mas na

altura não teve muita. Não foi a primeira vez que isso aconteceu e não sei explicar como é que o fiz.

Não tanto engraçado, mas de certa forma curioso, é o facto de, num dos grupos que acompanho

actualmente, ter como formandos uma mãe e o seu filho, e noutro, um pai e sua filha, o que é uma

ternura.

Terna, também, a memória que trago da minha incursão como formadora voluntária na AMI. Tive a

oportunidade de conhecer gente de grande valor e aprender imenso, mas o que me tocou

particularmente foi o conhecimento travado com um dos fundadores, o Enfermeiro Serafim Jorge,

pessoa extraordinária em tantos aspectos, e que me deu o privilégio de privar um pouco consigo e

de, a cada dia de formação, sair de lá mais rica. Lembro-me, particularmente, de me ter ido a

apresentar as árvores de fruto plantadas por si, de me contar histórias interessantíssimas, de ter

ido à sala de formação oferecer-me umas peças de fruta (que, no regresso, eu comia sempre com

imenso gosto). Certo dia, acabara eu de entrar, bem cedo pela manhã, quando logo me chegou um

cheirinho tão bom, quase como se eu estivesse de novo em África, onde nasci. Aproximei-me, e lá

estava ele, na copa, cozendo goiabas para fazer doce delas. E todos os dias eram diferentes...! No

último dia, de entre os muitos livros que havia no seu gabinete recheado de magníficas fotografias

dele lado a lado com os principais líderes partidários africanos e afins, retirou um pote, abriu-o à

minha frente e, depois de despejar a areia com que a conservava, tirou de lá uma flor - que, quando

viva, desabrocha apenas uma vez por ano - e ofereceu-ma. Tenho-a até hoje guardada num frasco

de vidro. O que é engraçado nesta história, é que foi numa formação pela qual não cobrei qualquer

valor que eu acabaria por receber mais.

7 - O que é que a destaca como formadora?

Creio que desperto os formandos para muita coisa, e creio que desperto muita coisa neles. Por vezes

instigo a um certo “caos” de ideias, para que sejam eles, aos poucos (e comigo), a arrumá-las, como

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que montando um puzzle. Porque é importante descontruir certas noções pré-concebidas, e a

formação está cheia delas. Prefiro essa atitude de abertura, de relatividade, do que primar pela

ortodoxia e nada fazer realmente sentido para eles ou não lhes tocar à alma, e não os transformar.

Tudo o que é suposto partilhar com eles partilho, mas nunca o faço de igual forma. É sempre como

que uma “primeira vez”. Isto porque é minha prioridade focar-me neles ao máximo, perceber o que

lhes falta, suprir as suas necessidades, dar-lhes a perceber o seu valor, incitar à melhoria e permitir

que evoluam. É para isso que eu trabalho. E é por isso que termino as sessões como que “amnésica,

disléxica e paralítica”, exausta dessa entrega. Tenho a preocupação de evitar regrá-los

excessivamente, de os “enformar”, de os espartilhar. O meu intuito é o de que cheguem ao final da

acção de formação sabendo fazer escolhas, razão pela qual trabalho muito a autonomia e a

responsabilidade, relativizo mitos e alerto para a importância do “depende”, do espírito crítico, da

inovação e de valores como a ética profissional, a honestidade intelectual e a generosidade

pedagógica. Porque “dar formação é dar”! Terá dito Leonardo Da Vinci que “pobre é o discípulo

que não supera o seu mestre”; o que gosto de ler também a contrario sensu, i.e., fraco é o

formador que não produz formandos potencialmente melhores do que ele.

Faço questão que saiam do curso a sentirem-se capazes de enfrentar, com prazer, o inesperado!

E sim, há aspectos, estratégias e formas de expressão que me caracterizam. Por exemplo, é fácil

adivinhar quem é que foi meu formando, porque deverá ter desenhados no seu caderno, lado a

lado, um triângulo, um círculo e um quadrado, consequências de uma deambulação a que chamo

“geometrosofia da formação”, uma brincadeira que questiona quais as expectativas que se tem

sobre um formador e introduz três competências que requerem especial atenção, vontade e

esforço: motivar, gerir o tempo e estabelecer uma boa relação pedagógica. Apresento o conceito

de “pessoalidade”, neologismo que utilizo para defender que para se ser formador é preciso

“gostar-se de pessoas” (do jeito de cada um ser pessoa), chamando a atenção para a importância

da tolerância e da inteligência emocional no controlo das reacções, e porque cada grupo não é

apenas um grupo, mas um conjunto de vários indivíduos, cada qual com o seu [imenso] valor. Por

vezes sinto que os “evangelizo” (um dia destes dão-me um “amén!”), como quando evoco a

questão do zelo pedagógico, do quão imperativo é perceber-se se a mensagem chegou realmente

aos formandos, etc.

Também corrijo e esclareço sempre os lapsos no uso da língua portuguesa que lhes encontro. Ao

fim e ao cabo, a oralidade e a escrita são dois importantes cartões de visita de um comunicador.

Já agora, sou a formadora que raramente utiliza slides, porque adepta do conceito de Presentations

Zen, de Garr Reynolds, e porque a algum formador deverá caber levar aos formandos este exemplo.

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Certa vez ocorreu um corte na energia eléctrica num edifício inteiramente destinado à formação, o

que obrigou toda a gente a descer das suas salas e a aguardar no átrio que a situação se resolvesse.

Como isso não aconteceu, das cerca de vinte acções que ali decorreriam (algumas tendo por

formandos colaboradores do norte e sul do país, e das ilhas), nem uma mão cheia delas prosseguiu,

apesar de a luz natural entrar pelas janelas de todas as salas. E isto porquê? Por causa de uma

espécie de maleita que existe no contexto formativo, denominada dependência dos powerpoints.

E é em relação a estas pequenas grandes coisas que tenho especial fé nos meus ex-formandos!

Desde que foi abolida a obrigatoriedade de revalidação dos certificados de formador, ministro a

formação inicial como se de uma formação avançada se tratasse. Claro que não do ponto de vista

da estrutura, mas da exigência. Para já, porque não me obriguem a dar o menos, quando posso dar

o mais. Depois, porque o mercado de trabalho está mais exigente, nomeadamente no que respeita

às softskills; os formandos também nos chegam mais bem equipados em vários aspectos; e os

formadores e as entidades formadoras têm de acompanhar (têm, aliás, de liderar!) esses avanços.

Também por isso faço questão de acompanhar os formandos nos módulos iniciais e finais, pois só

assim consigo percepcionar as suas carências e garantir que essas foram efectivamente supridas.

Já agora, as minhas escolhas regem-se pelo maior benefício pedagógico dos formandos. Por isso,

sempre que uma empresa me propõe que ministre uma formação cujos planos, exercícios e demais

materiais já se encontram criados por outrém (e sim, isso ainda acontece), invariavelmente recuso.

Se quem concebeu tudo isso sabia o que fazia, por que razão não implementa essa pessoa a

formação? Um formador não é um “papagueador”. E o papel de mero “animador” nunca foi o meu.

Eu comprometo-me a desenvolver nas pessoas competências úteis, duradouras e aplicáveis no

futuro. E não brinco em serviço... Apesar de ser brincalhona! Formar é um trabalho muito sério!!!

Por fim, se há coisa que me deixa realmente feliz, é conseguir “amadrinhar” a entrada de um ex-

formando no mercado de trabalho. Orgulho-me de o ter conseguido fazer várias vezes, até porque

nunca me reúno com uma entidade formadora sem levar comigo o CV ou o contacto de um deles.

8 - Qual é o seu maior defeito como formadora?

Posso tornar-me bastante acelerada, quase nunca os deixo sair mais cedo, e é-me extremamente

difícil avaliá-los (resumir toda a riqueza de um indivíduo em números é de uma frieza lapidar!). Para

as gestões e coordenações pedagógicas: não sou fã de burocracias, por isso por vezes têm de me

renovar os lembretes; sou muito crítica (preciso de reconhecer exactidão, justiça e ética em todas

as etapas); levo as reclamações dos formandos muito a sério, o que significa que “cobro” às

instituições, e aí sou eu a fazer-lhes os lembretes. E se uma entidade desiste dos formandos, eu

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desisto dela. Confesso que pedi ajuda a alguns formandos para responder a esta questão, mas eles

foram uns queridos. Vai na volta os meus defeitos são grandes demais para eu aguentar a verdade!

9 - Quais as estratégias pedagógicas que mais

utiliza para dinamizar as sessões?

Tudo o que esteja ao meu alcance. Menos importa que métodos e que técnicas se aplica, mas sim o

quão adequados são a cada contexto formativo. Mas entendo que importa desenvolver especial

mestria no expositivo, porque é o único ao qual não conseguimos nunca fugir numa sessão, por

pouco tempo que essa possa ter, e o que mais se arrisca a cansar a plateia. Aliás, se as

metodologias e os recursos são como que ferramentas, o verdadeiro Macgyver da formação tem de

dar o seu melhor com o que tiver disponível; donde, defendo que os indivíduos devem sair da FPIF

capazes de trabalhar não apenas em ambientes altamente tecnologizados, como algures pela

savana adentro, com uma ardósia debaixo do braço e um pau de giz na mão.

Claro que recorro ao método activo sempre que posso. Mas sem facilitismos... Joguetes vazios de

substância ou mal seleccionados para o público em questão são uma perda de tempo imperdoável.

De resto, muitas perguntas, uma grande proximidade, alguma informalidade e muito humor, para

além de exemplos práticos, histórias, metáforas, desafios, rabiscos, referências culturais variadas e

bastante espontaneidade. E com inspiração e uma boa relação pedagógica, consegue-se muito bem

adequar, a cada momento, as melhores estratégias, bem como fazer com que adiram a elas.

Depois, a experiência vai-nos oferecendo várias formas de fazer a mesma coisa, e o segredo está no

dominar as alternativas à disposição e em adaptar tudo quanto a cada grupo, aos objectivos e ao

tempo. Não descuro na planificação das sessões, mas o meu planeamento é permeável aos

imprevistos (que são, afinal, do que a vida é feita). Pessoalmente, creio que é em muito a garra, a

raça e o jogo de cintura que faz um formador. Certo é que muito importam a competência, a

credibilidade e o carisma. Mas também boas doses de sensibilidade e de resiliência. E criatividade.

10 - Como avalia, de um modo geral, a formação

profissional em Portugal?

Ao longo de quinze anos já vi a situação pior, é um facto. Mas também já estivemos melhores. No

essencial, muita coisa se mantém: o mercado ainda está descredibilizado; produzem-se formadores

em barda; subsistem a ligeireza e a leviandade formativa (formadores que se oferecem para

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ensinar o que não sabem e entidades que propõem formação sem investir num prévio e sério

diagnóstico de necessidades); continua a haver mercenários da formação, sem qualquer sentido de

missão; persistem muitos dogmas, informações deturpadas e de fontes desconhecidas, repetidas e

desvirtuadas, matérias nocivas do ponto de vista da construção de bons formadores (ensinamentos

do género: “a um formando com um perfil do tipo A, deve-se responder de forma B” – uma

afirmação perniciosa, porque restritiva e falível, que apenas estimula o preconceito e a

estigmatização e atravanca o desenvolvimento da empatia e do bom senso). Alguns formadores

nem se perguntam de onde vêm estas ou outras heranças, a quando remontam, quem as criou, que

sentido fazem, etc. Não põem em causa, não investigam, não se actualizam, não inovam.

É incrível a panóplia de exercícios que são utilizados nas formações e que não são os adequados às

competências a adquirir por parte dos formandos, que pecam por desactualizados e que mantêm

os mesmíssimos erros que já apresentavam há vinte anos. Pior: de tão rotineiros, já uma grande

parte da população teve contacto com eles (em processos de recrutamento e selecção, nas

universidades e noutras formações), pelo que já não constituem surpresa alguma, estando mais do

que na hora de serem substituídos. Mas como na grande maioria dos casos os honorários dos

formadores são pagos de acordo com o tempo que esses passam em sala, subsiste algum desleixo.

Muitos formadores serão também “formadores profissionais”, de raiz, nunca tendo tido acesso a

outras realidades, e por isso não dominam variáveis imprescindíveis para as empresas clientes que

os contratam, desconhecem os mercados e os contextos organizacionais aos quais se propõem dar

formação, e, se não fizerem o devido trabalho de casa, acabam por não acrescentar especial valor

aos seus colaboradores, o que leva a um inevitável desacreditar da formação. Uma das principais

razões de queixa por parte das empresas que contratam formação externa é a falta de

aplicabilidade dos exemplos trazidos pelos formadores, fruto do parco conhecimento sobre a

realidade da empresa - estrutura, cultura e processos -, o que leva a que pouco ou nada do que

teorizam vá ao encontro das necessidades dos formandos. Já agora, formandos esses que esperam

ter à sua frente quem os entenda quando, en passant, se exprimem com acrónimos como CFO, ROI,

CRM, referem os estrangeirismos benchmarking, merchandising, branding, ou nos apresentam o

seu core business. Não podemos saber tudo, é um facto; mas temos o dever de tentar saber um

pouco mais sobre o contexto laboral dos nossos destinatários; de entender a sua linguagem.

Depois, a formação profissional no geral (e a de desenvolvimento de competências sociais em

particular) tem de ser ministrada por alguém com experiência, cultura e maturidade. E tem de ser

gerida por quem assegure que a equipa de formadores detém qualidade. Por quem exija isso e, já

agora, por quem o reconheça.

É também muitíssimo importante que as equipas pedagógicas comuniquem assídua e eficazmente.

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Por outro lado, muitos formadores vêm sendo explorados. Concebem programas, manuais e

materiais que alienam às instrituições às quais prestam serviço e, pela formação que ministram,

estas pagam-lhes, abaixo da tabela, sem aparente pudor. Já para não falar que há empresas que

solicitam o grosso do trabalho a um formador para depois o entregarem a um outro, seu amigo.

É importante que as entidades formadoras se convençam de que os formadores não se posicionam

na cauda da cadeia produtiva, e que não é por trabalharem em regime de freelance (como será o

caso da maioria) que deverão ser dos últimos a ter em conta no que respeita, só para dar um

exemplo, aos prazos de pagamento. Muito pelo contrário, os formadores são os mais implicados na

qualidade do serviço que a empresa presta e, por isso, os principais responsáveis pelo seu sucesso.

Relativamente aos clientes finais da formação, cada vez mais se verifica uma espécie de “forretice

formativa”, que passa por solicitar às entidades formadoras qualquer coisa que se possa travestir

de formação, mas que seja possível de administrar em mini-doses. E a um mini-preço. Já várias

empresas me pediram para voltar a realizar uma acção com os mesmos conteúdos de outra

efectuada por mim no passado, mas desta feita reduzindo o número de dias. E quando se lhes tenta

explicar que em se cortando na carga horária se perdem conteúdos pedagógicos, conclui-se que

isso não importa assim tanto, pois que até nos perguntam se não podemos comprimir a matéria e

dar o que der para dar, que “o resto segue em fotocópias”. É difícil fazer perceber que existe um

ritmo que tem de ser respeitado; que os colaboradores têm de poder percepcionar as coisas como

fazendo sentido para as aceitarem e para que a mudança se opere; que há um limite a partir do

qual não podemos reduzir aquilo que pretendemos transmitir, sob pena de o volatizarmos. Por fim,

se cairmos no erro de aceitar estes “saldos pedagógicos” e a transformação daquilo que seriam

formações consistentes em workshops temáticos de curtíssima duração, no final das sessões

teremos quem se nos queixe (e com razão) de não ter podido ver ali respondidas as suas dúvidas e

sanadas as suas dificuldades. É que formar é satisfazer e superar expectativas!

Por fim, sabemos que existe legislação que tenta assegurar que aos trabalhadores das empresas

seja ministrado um determinado número de horas de formação. Mas, presumindo que o número

de horas é realmente fiscalizado, pergunto-me quem é que assegura a qualidade dessa formação. E

é nesse sentido que o formador se me afigura como o maior responsável de todo este processo.

11 – Uma mensagem para outros formadores:

Não terei a veleidade de avançar conselhos a colegas que obviamente conhecerão melhor o

contexto em que se movimentam do que eu. É certo, porém, que discuto muitas ideias com outros

formadores e aprendo com eles também, sendo para mim um prazer pensar a formação. As

mensagens que mais ecoam na minha cabeça são:

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Be Passionate. Be Positive. Be a [good] Person!

Gostar de formar será, sem dúvida, mais de meio caminho andado para se ser um bom formador. É

o que nos move no sentido de sermos mais e melhores. Acrescente-se a isso o facto de os

formandos merecerem cruzar-se com quem realmente se importe com eles; o que significa que se

um formador trabalha focado apenas nos seus interesses próprios (ou seja, para receber uns

dinheiritos), está a privar os formandos desse benefício.

Ser optimista e proactivo é, a meu ver, outra condição que faz a diferença, na medida em que

concorre para uma maior evolução por parte dos formandos. Frases como “o grupo é fraco”, “o

tempo é pouco”, “o tema é chato”, “os formandos não participam”, “os formandos não se calam”,

“há lá um tipo que é assim ou assado...” são muitas vezes proferidas pelos formadores como que

servindo de desculpa para um menor investimento da sua parte. Quando, a conter um quê de

verdade, correspondem a situações que exigirão um desdobrar de esforços no sentido de nivelar e

elevar os perfis desses formandos. Estas e outras situações deverão ser encaradas como desafios à

altura de um verdadeiro profissional, a quem não cabe desistir nem desencorajar. O mais tímido

dos formandos, o que aparenta ser mais sério ou ter maiores dificuldades, terá certamente em si o

potencial para nos surpreender, e vai de nós sabermos identificá-lo, acicatá-lo e desenvolvê-lo.

Para além disso, uma interpretação não raras vezes dirá mais de quem interpreta do que daquilo ou

daquele que é interpretado, o que significa que categorizações desse tipo habitualmente mais não

são do que fruto da falta de capacidade do formador para estimular o interesse dos formandos.

Em suma, defendo que se esperarmos o melhor dos outros, abrimos espaço a uma espécie de

profecia auto-realizável positiva. E a formação é uma oportunidade como nenhuma outra para

tornar as pessoas melhores pessoas. Não costumo esperar pouco dos meus formandos. E não

costumo arrepender-me.

Nesse seguimento, com o “ser pessoa” pretendo lembrar dois aspectos, próximos mas distintos:

por um lado, que não aproveita ao formador exagerar da impecabilidade técnica em detrimento da

naturalidade, nem erguer muros entre formador e formandos, de tal forma que as emoções fiquem

barricadas e interditas de fluirem. As pessoas sentem; e não é por estarem em ambiente formativo

que deixam de sentir. Elas irão sentir-se ou bem, ou mal ou indiferentes. Compete ao formador

zelar por um ambiente emocional aprazível. Quanto mais genuíno e menos artificial ele for, melhor.

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Por outro lado, defendo que o formador não pode deixar de ser uma boa pessoa! E isso passa por

manter uma irrepreensível postura ética e de respeito quer perante os formandos, quer perante os

colegas (nunca desdizer um colega, depreciar o seu trabalho e/ou desacreditá-lo ante terceiros),

quer ainda perante as entidades com as quais colabora. Há, pois, que treinar a capacidade de se

colocar no lugar do outro, e abster-se de analisar as atitudes alheias à luz de realidades que

desconhece, impedindo-se de levar as coisas muito a peito, de reagir com arrogância, de alimentar

rancores e de prejudicar injustamente outros, sobretudo os formandos. O formador deverá ser

honesto. E humilde q.b. E paciente... Porque as coisas não são como nós gostaríamos que fossem, e

não está nas mãos de nenhum formador mudar o mundo já hoje. Se somos promotores de alguma

mudança (e procuramos sê-lo), essa acontece na proporção de um ínfimo grão de areia num vasto

deserto. Todavia, numa sociedade de aparências, egoísmos e preguiças, o formador tem uma

responsabilidade acrescida, que passa por dar o exemplo e por lançar a centelha motivacional nos

grupos pelos quais ele passa, promovendo assim melhorias nos comportamentos pessoais e sociais.

12 - O que acha do portal Forma-te, o portal dos

formadores?

Já há alguns anos que sou utilizadora, e dou sempre a conhecê-lo aos meus formandos. Admiro

imenso o projecto, que considero extremamente útil como espaço de encontro entre formadores e

enquanto arquivo de materiais com interesse.

É também uma forma de ir tomando pulso à realidade. Quando leio certos posts, alegadamente

escritos por quem se formou formador, que em desespero apelam a outros nestes termos: -

“ajudem-me!, aceitei uma formação mas não tenho ideia do que é suposto eu dizer”, ou “alguém

me arranja uns slides, que eu não tenho nada sobre o tema?”, ou “uma empresa pediu-me que

fizesse uma proposta de formação, e eu não sei como é que se faz”, constato que ainda existe

formação que não é digna desse nome. E chego a mostrar aos meus formandos esses exemplos

daquilo que não é suposto acontecer, assegurando-os que se algum deles sair dali com tais dúvidas

e comportamentos, é sinal de que o meu trabalho ficou bastante aquém do pretendido.

É suposto as pessoas formarem outras naquilo que dominam. Se não detêm conhecimentos nem

experiências para partilhar, estão a querer formar em quê, para quê e como?

O Forma-te foi uma excelente ideia, que evoluiu para uma plataforma de qualidade, à custa,

certamente, de muito esforço, de muito investimento pessoal e amor à causa. Parabéns e obrigada!

Agradeço também o convite para dar esta entrevista e partilhar a minha forma de ver a formação.