Aplicação de IVA nos descontos de pronto pagamento

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41 TOC Janeiro 2006 #70 F ace às actuais dificuldades de te- souraria de algumas empresas, a utilização de descontos de pronto pagamento pode ajudar a realizar dinhei- ro fresco, mesmo que para isso seja ne- cessário aumentar os custos de financia- mento. Neste sentido, os descontos de pronto pagamento representam para o fornecedor a antecipação de um recebi- mento e, por essa razão, este está dis- posto a suportar um determinado custo: o desconto, que concede ao adquirente dos bens vendidos. A sujeição ou não a IVA dos valores considerados como des- conto de pronto pagamento, tem levanta- do algumas questões que a doutrina não tem clarificado, razão pela qual se apre- senta a presente exposição. Este tipo de desconto, porque apenas es- tá definido como uma condição de paga- mento das facturas, não se apresenta co- mo uma certeza quando é efectuada a transacção das mercadorias, razão pela qual há que distinguir dois momentos na análise fiscal desta matéria: o primeiro, quando as mercadorias mudam de pro- priedade entre quem vende e quem com- pra; e o segundo, quando o pagamento dessa transacção é efectuado. Com base neste pressuposto, a contabili- zação da transacção económica afecta as contas de compras e vendas na contabili- dade dos intervenientes, no momento da transferência de propriedade. Assim, a base tributável para aplicação do IVA é a que existe no momento da transferência e que vem expressa na factura, originan- do o facto gerador do imposto. A contrapartida deste lançamento, na contabilidade do adquirente, é o recon- hecimento da dívida numa conta de for- necedores. Até ao momento, a base tri- butável de IVA e o imposto obrigatoria- mente liquidado já estão definidos e re- gistados, tornando-se o montante de im- posto exigível por parte da Administração Fiscal. Do lado do adquirente, o direito à dedução do imposto também já se regis- tou, com base na factura apresentada pe- lo fornecedor, pelo que pode ser exerci- do tendo como suporte o que vem ex- presso na factura. A partir daqui, cabe ao adquirente deter- minar o momento em que irá efectuar o pagamento da factura em dívida, e no ca- so de existirem várias condições, a liqui- dação pode estar dependente das dispo- nibilidades de tesouraria. Deste modo, no caso de se optar por realizar o pagamen- to antes da data normal acordada, pode ser exercida a opção de utilizar o des- conto de pronto pagamento. Uma vez Fiscalidade A sujeição ou não a IVA dos valores considerados como desconto de pronto pagamento, tem levantado questões que a doutrina não tem clarificado. Este texto apresenta reflexões que podem ajudar a fundamentar as decisões que os responsáveis por estes assuntos venham a tomar. Da não aplicação de IVA nos descontos de pronto pagamento Por António Nabo António Nabo • Economista • TOC n.º 9593

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A sujeição ou não a IVA dos valores considerados como desconto de prontopagamento, tem levantado questões que a doutrina não tem clarificado.

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Face às actuais dificuldades de te-souraria de algumas empresas, autilização de descontos de pronto

pagamento pode ajudar a realizar dinhei-ro fresco, mesmo que para isso seja ne-cessário aumentar os custos de financia-mento. Neste sentido, os descontos depronto pagamento representam para ofornecedor a antecipação de um recebi-mento e, por essa razão, este está dis-posto a suportar um determinado custo:o desconto, que concede ao adquirentedos bens vendidos. A sujeição ou não aIVA dos valores considerados como des-conto de pronto pagamento, tem levanta-do algumas questões que a doutrina nãotem clarificado, razão pela qual se apre-senta a presente exposição.Este tipo de desconto, porque apenas es-tá definido como uma condição de paga-mento das facturas, não se apresenta co-mo uma certeza quando é efectuada atransacção das mercadorias, razão pelaqual há que distinguir dois momentos naanálise fiscal desta matéria: o primeiro,quando as mercadorias mudam de pro-priedade entre quem vende e quem com-pra; e o segundo, quando o pagamentodessa transacção é efectuado.Com base neste pressuposto, a contabili-zação da transacção económica afecta as

contas de compras e vendas na contabili-dade dos intervenientes, no momento datransferência de propriedade. Assim, abase tributável para aplicação do IVA é aque existe no momento da transferênciae que vem expressa na factura, originan-do o facto gerador do imposto.A contrapartida deste lançamento, nacontabilidade do adquirente, é o recon-hecimento da dívida numa conta de for-necedores. Até ao momento, a base tri-butável de IVA e o imposto obrigatoria-mente liquidado já estão definidos e re-gistados, tornando-se o montante de im-posto exigível por parte da AdministraçãoFiscal. Do lado do adquirente, o direito àdedução do imposto também já se regis-tou, com base na factura apresentada pe-lo fornecedor, pelo que pode ser exerci-do tendo como suporte o que vem ex-presso na factura.A partir daqui, cabe ao adquirente deter-minar o momento em que irá efectuar opagamento da factura em dívida, e no ca-so de existirem várias condições, a liqui-dação pode estar dependente das dispo-nibilidades de tesouraria. Deste modo, nocaso de se optar por realizar o pagamen-to antes da data normal acordada, podeser exercida a opção de utilizar o des-conto de pronto pagamento. Uma vez

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eA sujeição ou não a IVA dos valores considerados como desconto de prontopagamento, tem levantado questões que a doutrina não tem clarificado. Estetexto apresenta reflexões que podem ajudar a fundamentar as decisões queos responsáveis por estes assuntos venham a tomar.

Da não aplicação de IVAnos descontos

de pronto pagamentoPor António Nabo

António Nabo

• Economista

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que o que está em causa é o pagamentototal da factura, o desconto será assimefectuado com base na totalidade da dí-vida existente para com o fornecedor, is-to é, sobre o montante ilíquido, com im-posto incluído e que se encontra regista-do na respectiva conta de fornecedores,apresentada no balanço, e não apenas so-bre o valor dos bens adquiridos.Neste caso, o que está em causa é, parao fornecedor, o recebimento antecipadode um determinado montante, o que re-presenta uma operação diferente da ope-ração económica realizada anteriormen-te. Isto é, a concessão de um desconto depronto pagamento não vai afectar a com-pra e a venda anteriormente efectuada,razão pela qual a sua contabilização é fei-ta numa conta de resultados financeiros enão numa conta de custos ou proveitosoperacionais, levando em consideração aefectiva natureza financeira da operaçãoem causa.Do ponto de vista do Código do IVA, aalínea b) do número 6 do artigo 16.º, nãodistingue entre descontos financeiros ecomerciais, mas deve ser entendido queos descontos referidos neste artigo são osde natureza comercial expressos na fac-tura, uma vez que o IVA incide sobre astransacções comerciais, pelo que, nestecaso, o valor do desconto tem impacto no

cálculo do imposto, devendo o mesmoser deduzido à base tributável. Não estando expressos na factura, os des-contos de pronto pagamento apenas de-pendem do momento em que o clienteexerce a opção de pagamento, pelo queeste não está dependente da acção ante-rior de compra ou venda, por isso nãodeverão ser tratados como descontos co-merciais. Deste modo, não deverá ser efectuadaqualquer correcção ao imposto liquida-do, porque as respectivas contabili-zações do desconto, tanto do lado docomprador como do lado do vendedor,não vão corrigir o valor pelo qual amercadoria é transaccionada. Nestaconformidade, a base tributável sobre aqual se aplicou o imposto, não sofreuqualquer alteração pelo facto de se terexercido uma opção de antecipação depagamento de uma dívida, antes do seuprazo de vencimento. Aliás, vai nessesentido o disposto na alínea a) do nú-mero 1 do artigo 7.º do CIVA, ao referirque o imposto é exigível no “momentoem que os bens são postos à disposiçãodo adquirente”, o que revela o caráctereconómico do imposto e não o carácterfinanceiro do pagamento das facturas.No mesmo sentido, segue a referênciafeita no Ofício Circulado, número 1353,de 17 de Junho de 1985, onde se alegaque a dedução dos descontos à base tri-butável deve ser efectuada “desde queconstantes da factura”, o que não é ocaso dos descontos de pronto paga-mento, consubstanciando a tese de queestes descontos não devem corrigir abase tributável nem o imposto que lheestá associado.Com base nestes argumentos, não existerazão para a aplicação da rectificação deimposto aquando da utilização dos des-contos de pronto pagamento, uma vezque o número 2 do artigo 71.º do CIVAapenas faz referência a rectificações deimposto nos casos em que seja “anuladaa operação” ou “reduzido o seu valor tri-butável”. Mesmo no caso da referênciaaos descontos que é feita neste artigo, a

Não deverá ser efectuada qualquer correcção ao impostoliquidado, porque as respectivas contabilizações do des-conto, tanto do lado do comprador como do lado do ven-dedor, não vão corrigir o valor pelo qual a mercadoria étransaccionada

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mesma deve ser entendida como descon-tos comerciais, na mesma linha do quefoi defendido acima para a aplicação daalínea b) do número 6 do artigo 16.º, por-que são estes que vão corrigir a base tri-butável. Assim como não existe rectifi-cação da base tributável, porque o regis-to contabilístico da compra e da vendanão sofre alterações, nem o preço acor-dado em termos contratuais sofre qual-quer mudança, não deve haver lugar arectificações de imposto.Embora a doutrina até ao momento tenhadado ao fornecedor a faculdade, não aobrigação, de emitir uma nota de créditopara suportar o registo das operações dedescontos de pronto pagamento, ondeaqueles poderão tentar corrigir o IVA li-quidado aquando da emissão da factura,(como se refere no parecer técnico nú-mero MT19845 da Câmara dos TécnicosOficiais de Contas) aquele documentoapenas poderá ser utilizado para corrigiro imposto, se o adquirente assinar e co-locar a data na nota de crédito emitidapelo fornecedor. Pretende-se, deste mo-do, garantir perante a Administração Fis-cal que a dedução de imposto que o for-necedor venha a fazer seja compensadapela liquidação a realizar pelo adquiren-te dos bens. No entanto, caso o adquirente suporte aopinião expressa neste artigo, não deve-rá assinar e datar a nota de crédito emiti-da pelo fornecedor, uma vez que, tal co-mo referido acima, não há lugar à cor-recção de imposto porque não existe cor-recção à base tributável. A faculdade aci-ma referida não é mais do que isso mes-mo, pelo que a sua emissão não obriga oadquirente dos bens a concordar com asituação proposta pelo fornecedor. As-sim, no caso do adquirente não efectuarqualquer correcção de imposto em sedede IVA, o fornecedor não terá direito acorrigir o imposto liquidado, uma vezque não existe justificação para efectuara correcção, de acordo com a opiniãoaqui expressa.Aliás, da mesma forma que o fornecedorpode colocar como condição de paga-

mento a existência de um desconto depronto pagamento, pode igualmente co-locar naquelas condições a possibilidadede debitar juros de mora sobre a totali-dade dos valores a receber, sem que osmesmos constem da factura original,quando o adquirente não liquida a dívidadentro do prazo acordado. De igual for-ma também, neste caso, não existe alte-ração à base tributável de imposto, sen-do o débito de juros de mora expurgadodo valor tributável, ao abrigo da alínea a)do número 6 do artigo 16.º. Embora esta não seja uma matéria quegere consenso, as reflexões acima podemajudar a fundamentar as decisões que osresponsáveis por estes assuntos venhama tomar. ★

(Texto recebido pela CTOC em Setembro de 2005)

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