7/26/2019 Aplicao do princpio da insignificncia pelo delegado de polcia - Henrique Hoffmann

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COMO CITAR:

CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Delegado pode e deve aplicar o princpio dainsignificncia. Revista Consultor Jurdico, set. 2015. Disponvel em:. Acesso em: 18 ago. 2015.

ACADEMIA DE POLCIA

Delegado pode e deve aplicar oprincpio da insignificncia18 de agosto de 2015, 8h01

Por Henrique Hoffmann Monteiro de Castro

Com a evoluo dos estudos do Direito Penal, a tipicidade, que era vista sob feio

exclusivamente formal, como mera subsuno do fato norma, passou a ser vista sob outra

tica, abrangendo tambm o aspecto material, a demandar relevncia da leso ou perigo deleso ao bem jurdico tutelado.

Como decorrncia do postulado da interveno mnima, exige-se proporcionalidade entre a

conduta a ser punida e a drasticidade da interveno estatal penal[1].Surgiu exatamente nesse

contexto o princpio da insignificncia, inserido na esfera qualitativa do postulado da lesividade,

para afastar a tipicidade material[2]:

O Direito Penal s pode ir at o limite estritamente necessrio para a proteo do

bem jurdico, no devendo se preocupar com bagatelas. Nessa senda, o fato

penalmente insignificante deve ser excludo da tipicidade penal, devendo o ilcito ser

trabalhado por outros ramos do Direito[3].

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A jurisprudncia dos Tribunais Superiores[4]seguiu o mesmo norte, no sentido de que, ainda

que num primeiro momento a conduta se encaixe na descrio do tipo penal, no h que se falar

em crime caso ausente a relevante leso ao objeto jurdico, incidindo o princpio da bagatela.

Isto , no basta a tipicidade formal, devendo o jurista perquirir a presena concomitante da

tipicidade material.

Nesse sentido, o postulado da insignificncia nada mais faz do que revelar a natureza

subsidiria e fragmentria do Direito Penal[5],ultima rationa proteo a bens jurdicos[6].No

razovel a utilizao desse rgido ramo do Direito, movimentando-se toda a mquina estatal, a

fim de investir numa persecuo penal acerca de fato sem relevncia tpica. Pela fora de sua

resposta, o Direito Criminal deve incidir sobre o menor nmero possvel de situaes, deixando

para os demais ramos a soluo para os ilcitos de menor gravidade:

A soluo punitiva sempre importa num grau considervel de violncia, ou seja, de

irracionalidade, alm da limitao de seu uso, impe-se, na hiptese em que se deva

lanar mo dela, a reduo, ao mnimo, de sua irracionalidade[7].Tambm parece indiscutvel que a to s instaurao de procedimento policial j configura um

atentado ao chamadostatus dignitatisdo investigado[8]. O inqurito policial representa um

constrangimento (strepitus) ao investigado, embarao esse que s ser legal se houver justa

causa a motivar a instaurao do procedimento. dizer, a deflagrao de inqurito policial

depende da possibilidade de se reunir um conjunto de elementos mnimos capazes de

estabelecer um liame entre autoria e materialidade de uma infrao penal.

A instaurao de inqurito policial contra pessoa determinada traz consigo inegvel

constrangimento. Esse constrangimento, todavia, pode ser tido como legal, caso ofato sob investigao seja formal e materialmente tpico, cuida-se de crime cuja

punibilidade no seja extinta, havendo indcios de envolvimento dessa pessoa na

prtica delituosa. Em tais casos, deve a investigao prosseguir. Todavia,

verificando-se que a instaurao do inqurito policial manifestamente abusiva, o

constrangimento causado pelas investigaes deve ser tido como ilegal, afigurando-

se possvel o trancamento do inqurito policial[9].

Bem assim, no h que se falar em instaurao de inqurito policial, e muito menos em priso

em flagrante, diante de fato insignificante[10].No por outra razo as Cortes Superiores tmtrancado[11]inquritos policiais instaurados sem justa causa, para apurar fato formal ou

materialmente atpico:

Nessa perspectiva, a moderna doutrina confirma a possibilidade de o delegado de Polcia aplicar

o princpio bagatelar prprio:

O princpio da insignificncia afasta a tipicidade do fato. Logo, se o fato atpico

para a autoridade judiciria, tambm apresenta igual natureza para a autoridade

policial[12].

No s os delegados podem como devem analisar os casos de acordo com oprincpio da insignificncia. Merecem aplauso e incentivo os delegados que agem

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dessa forma, pois esto cientes do papel que lhes cabe na investigao preliminar,

atuando como filtros de conteno da irracionalidade potencial do sistema penal. (...)

No interessa reafirmar qualquer lugar de autoridade: interessa obstaculizar a

irracionalidade e para isso, os delegados devem ser a primeira barreira[13].

O raciocnio no poderia ser diferente. Inexiste dispositivo legal limitando a anlise do delegado

de Polcia tipicidade formal. Ademais, o inqurito policial desacompanhado dofumus comissi

delictitraduz um procedimento natimorto, fadado a movimentar inutilmente a mquina estatal,

com todo o nus decorrente. A instaurao indiscriminada de cadernos investigativos acarreta

imenso prejuzo financeiro ao Estado, sendo custo do procedimento indevido assimilado pela

coletividade. preciso romper com a equivocada ideia de que o procedimento policial, por no

exigir o prvio recolhimento de custas, grtis. Os atores jurdicos que se recusam a considerar

o custo de manuteno do sistema penal so verdadeiros perdulrios investidos em funes

pblicas, incapazes de pensar para alm do formalismo e, portanto, juristas do sculo

passado[14].Nessa toada entende o Superior Tribunal de Justia:Restando evidente, por conseguinte, a ausncia de justa causa para o prosseguimento

do inqurito policial, pela desnecessidade de movimentar a mquina estatal, com

todas as implicaes conhecidas, para apurar conduta desimportante para o Direito

Penal, por no representar ofensa a qualquer bem jurdico tutelado[15].

Demais disso, no se pode esquecer o contexto brasileiro de superlotao carcerria[16],onde

existem mais de 570 mil pessoas segregadas, sendo quase a metade por prises provisrias,

cenrio que seria indevidamente agravado caso fosse obrigatria a priso dos responsveis por

condutas penalmente insignificantes.Com efeito, se a insignificncia for perceptvelprimo ictu oculi,o delegado de Garantias no s

pode como deve aplicar o princpio da insignificncia e se abster de lavrar auto de priso em

flagrante ou mesmo de baixar portaria de instaurao de inqurito policial[17].O delegado de

Polcia, autoridade estatal que, assim como magistrado, age com imparcialidade e concentra em

suas mos o poder de decidir sobre o direito de ir e vir dos cidados, no deve atuar como

chancelador de capturas feitas na maioria das vezes por policiais fardados integrantes de

carreiras no jurdicas. A autoridade policial no uma mquina de encarcerar, e sua livre

convico motivada no pode ser substituda por uma atuao robotizada, entendimento essereforado pela Lei de Investigao Criminal, que outorga ao Estado-Investigao a funo de

realizar anlise tcnico-jurdica do fato sob seu exame[18].

Nesse nterim, chama a ateno a tentativa de algumas autoridades de pressionar a autoridade

de Garantias a lavrar prises em flagrante e instaurar inquritos policiais indiscriminadamente,

ainda que a insignificncia seja afervel de plano. A pergunta que surge inevitavelmente a

quem interessa tolher o poder decisrio do delegado de Polcia e o obrigar a prender o ladro de

chocolate? Certamente no sociedade.

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A Polcia Judiciria no deve ceder a qualquer tipo de presso no exerccio de seu mister,

mesmo que proveniente do Poder Judicirio ou Ministrio Pblico, e especialmente se

direcionada a realizar prises e investigaes descabidas:

necessrio respeitar sempre a autonomia valorativa de cada um dos rgos estatais

que atuam no sistema de justia criminal (Polcia Judiciria, Ministrio Pblico emagistratura). Mesmo porque inexiste hierarquia entre esses rgos. Todos so

carreiras jurdicas com assento constitucional. E, acima de tudo, deveriam todos

empreender medidas para a reduo do arbtrio punitivo[19].

No se pode olvidar que a lavratura do auto de priso em flagrante e o indiciamento possuem

pressupostos semelhantes, a saber, a existncia de indcios de autoria ou participao do

suspeito em relao a uma infrao penal. Logo, a requisio de lavratura do auto de custdia

flagrancial relativa a fato insignificante resulta, ainda que por via indireta, em uma requisio

de indiciamento, absolutamente rechaada pelas Cortes Superiores[20]e pela doutrina[21].Obviamente, a deciso da autoridade de Garantias deve ser sempre fundamentada, como se

exige das autoridades num Estado Democrtico de Direito. Alm do mais, a no instaurao do

caderno investigativo no impede que a Polcia Judiciria documente os elementos colhidos em

verificao preliminar das informaes, espcie de procedimento policial ao lado do

inqurito policial e do termo circunstanciado de ocorrncia que possui amparo

jurisprudencial[22],legal[23]e doutrinrio:

Verificada a improcedncia das informaes (artigo 5, pargrafo 3, do CPP) por

fora do princpio da insignificncia, a autoridade policial no estar obrigada alavrar o flagrante ou baixar portaria instaurando o inqurito policial. Possui nesse

momento autoridade para fazer o primeiro juzo de tipicidade[24].

No custa sublinhar que o procedimento em nada prejudica o controle externo do membro do

Ministrio Pblico, que, cumprindo seu dever de visitar a delegacia de Polcia, possui acesso s

informaes[25],podendo eventualmente sustentar posio diversa dentro de sua esfera de seu

convencimento motivado. Prejuzo tampouco h para o juiz de Direito, cuja livre convico

fundamentada, de igual modo, permanece intacta.

De mais a mais, o procedimento estar sujeito fiscalizao da Corregedoria da Polcia, no

para interferir na independncia funcional do delegado de Garantias, mas a fim de constatar que

fundamentou sua deciso; e tambm da sociedade, j que a Polcia Judiciria inegavelmente

um dos mais fiscalizados rgos pblicos.

Por tudo isso, mesmo que outra autoridade discorde do posicionamento da autoridade de

Garantias[26], revela-se totalmente descabida e teratolgica a tentativa de responsabiliz-lo

criminal, administrativa ou funcionalmente por sua deliberao funcional motivada.

Uma vez que no pode transigir com direitos fundamentais do cidado, o delegado de Polcia

no pode ser coagido a levar adiante uma investigao policial temerria. Garantir a liberdadefundamentada de ao da Polcia Judiciria significa ampliar as possibilidades de preservao

do princpio da dignidade da pessoa humana.

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Mais do que um poder do delegado de Polcia, a aplicao do princpio da insignificncia um

dever no desempenho da sua misso de garantir direitos fundamentais, devendo ser repelidas

eventuais interferncias escusas em detrimento do interesse pblico. Entendimento diverso

reduziria a autoridade Policial a mero instrumento repressivo focado em ninharias, reforando o

vis seletivo do Direito Penal.

Nessa esteira, a autoridade de Garantias no pode relegar a segundo plano:

Sua misso institucional de primeiro garantidor da legalidade da persecuo penal, a

qual foi redimensionada, em boa hora, pelos princpios da Constituio cidad de

1988, que no se contenta com o singelo exerccio de uma atividade investigativa a

qualquer custo[27].

Comoafirmamos anteriormente,a persecuo penal deve caminhar lado a lado com a franquia

constitucional de liberdades pblicas, razo pela qual a independncia funcional do delegado de

Polcia, mais do que uma prerrogativa do cargo, traduz uma garantia do cidado.

[1]BITENCOURT, Roberto. Tratado de Direito Penal. v. 1. So Paulo: Saraiva, 2012, p. 2012,

p. 49.

[2]SANTOS, Juarez Cirino dos.Direito Penal: Parte Geral. Curitiba: Lumen Juris, 2008, p. 26.

[3]TOLEDO, Francisco de Assis.Princpios Bsicos de Direito Penal. So Paulo: Saraiva,

1994, p. 134-135.

[4]STF, HC 119.778, Rel. Min, Carmen Lcia, DP 21/11/2013; STJ, RHC 42.454, Rel. Min.

Laurita Vaz, DJ 01/04/2014.

[5]VICO MAAS, Carlos. O Princpio da Insignificncia como Excludente da Tipicidade no

Direito Penal. So Paulo: Saraiva, 1994, p. 81.

[6]ROXIN, Claus.Derecho Penal: Parte General. T. 1. Madrid: Civitas, 1997, p. 65.

[7]PIERANGELI, Jos Henrique; ZAFFARONI, Eugnio Raul.Manual de Direito Penal

Brasileiro. v.1. So Paulo: RT, 2010. p. 35.

[8]CHOUKR, Fausi Hassan. Garantias Constitucionais na Investigao Criminal. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2001, p.7.

[9]LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Niteri: Impetus, 2013, p. 138.[10]NUCCI, Guilherme de Souza.Manual de Processo Penal e Execuo Penal. Rio de

Janeiro: Forense, 2014, p. 135.

[11]STF, HC 218.234, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 13/03/2012; STJ, RHC 42.454, Rel. Min.

Laurita Vaz, DJ 01/04/2014.

[12]MASSON, Cleber.Direito Penal Esquematizado. So Paulo: Mtodo, 2013, p. 36.

[13]KHALED JR, Salah H.; ROSA, Alexandre Morais da.Delegadosrelevantes e leses

insignificantes: a legitimidade do reconhecimento da falta de tipicidade material pela

autoridade policial. Justificando. 25 nov. 2014.[14]ROSA, Alexandre Morais da.Direito Penal no d mais do que se pede e engana quem

quer ser enganado. Revista Consultor Jurdico, 15 ago. 2014.

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7/26/2019 Aplicao do princpio da insignificncia pelo delegado de polcia - Henrique Hoffmann

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[15]STJ, HC 72.234, Rel. Min. Napoleo Nunes Maia Filho, DJ 09/10/2007.

[16]Anurio Brasileiro de Segurana Pblica, ano 8, 2014, publicado pelo Frum Brasileiro de

Segurana Pblica.

[17]CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. So Paulo: Saraiva, 2014, p. 126; MEROLLI,

Guilherme.Fundamentos Crticos de Direito penal: dos Princpios Penais de Garantia. So

Paulo: Atlas, 2014, p. 319.

[18]Artigo 2, pargrafo 6 da Lei 12.830/13.

[19]MACHADO, Leonardo Marcondes.Flagrantes de bagatela: consideraes sobre a

aplicao do princpio da insignificncia pelo delegado de polcia . In: SANTOS, Cleopas

Isaas; ZANOTTI, Bruno Taufner (Org.). Temas avanados de polcia judiciria. Salvador:

Juspodivm, 2015, p. 161.

[20]STF, HC 115.015, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ 27/08/2013; STJ, HC 165.600, Rel. Min.

Napoleo Nunes Maia Filho, DJ 04/11/2010.

[21]NUCCI, Guilherme de Souza.Manual de Processo Penal e Execuo Penal. Rio deJaneiro: Forense, 2014, p. 119; LIMA, Renato Brasileiro de.Manual de Processo Penal.

Salvador: Juspodivm, 2014, p. 142; ANSELMO, Mrcio Adriano. In: DEZAN, Sandro Lcio;

PEREIRA, Eliomar da Silva.Investigao Criminal: Conduzida por Delegado de Polcia.

Curitiba: Juru, 2013, p. 211.

[22]STJ, HC 199.086, Rel. Min. Jorge Mussi, DP 21/05/2014; STJ, HC 103.566, Rel. Min. Jane

Silva, DP 01/12/2008; TRF2, RHC 130.2002.51.01.501285-8, Rel. Des. Sergio Feltrin Correa,

DP 22/07/2003.

[23]Artigo 5, pargrafo 3, 2 parte do CPP; Parecer 409/2013 sobre o Projeto de Lei 132/12,que aps aprovao foi convertido na Lei 12.830/13.

[24]NICOLLIT, Andr.Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 86.

[25]Artigo 9, I e II da Lei Complementar 75/93 e artigo 4, I e V da Resoluo 20/07 do

Conselho Nacional do Ministrio Pblico.

[26]Termo utilizado por BARBOSA, Ruchester Marreiros.A denominao Polcia

Judiciria no se justifica mais. Consultor Jurdico, 27 abr. 2012.

[27]GOMES, Rodrigo Carneiro.Inqurito policial. In: Revista dos Tribunais, v. 852, p. 732.

Out. 2006.

Henrique Hoffmann Monteiro de Castro delegado de Polcia Civil do Paran, especialista em

Direito Penal e Processual Penal pela UGF e em Segurana Pblica pela Uniesp. Tambm

professor convidado da Escola Nacional de Polcia Judiciria, da Escola Superior de Polcia

Civil do Paran, da Escola da Magistratura do Paran e da Escola do Ministrio Pblico do

Paran, e professor-coordenador do Curso CEI e da ps-graduao em Cincias Criminais da

Facnopar.

Revista Consultor Jurdico, 18 de agosto de 2015, 8h01

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