Aplicando Mapas de Poincar´e no estudo de modelos … · variante geneticamente modificada...

57
Universidade Federal do Rio de Janeiro Aplicando Mapas de Poincar´ e no estudo de modelos para combater a mal´ arianaAmazˆonia Felipe Soares Figueiredo Rio de Janeiro 2006

Transcript of Aplicando Mapas de Poincar´e no estudo de modelos … · variante geneticamente modificada...

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Aplicando Mapas de Poincare

no estudo de modelos para

combater a malaria na Amazonia

Felipe Soares Figueiredo

Rio de Janeiro

2006

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Aplicando Mapas de Poincare

no estudo de modelos para

combater a malaria na Amazonia

Felipe Soares Figueiredo

Dissertacao de Mestrado apresentada ao Programa de Pos–graduacao em Matematica

Aplicada, Instituto de Matematica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),

como parte dos requisitos necessarios a obtencao do tıtulo de Mestre em Matematica

Aplicada.

Orientador: Prof. Marco Aurelio Palumbo Cabral.

Rio de Janeiro

2006

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Aplicando Mapas de Poincare

no estudo de modelos para

combater a malaria na Amazonia

Felipe Soares Figueiredo

Dissertacao de Mestrado apresentada ao Programa de Pos–graduacao em Matematica

Aplicada, Instituto de Matematica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),

como parte dos requisitos necessarios a obtencao do tıtulo de Mestre em Matematica

Aplicada.

Orientador: Prof. Marco Aurelio Palumbo Cabral.

Aprovada por:

Presidente, Prof. Marco Aurelio Cabral

Prof. Jair Koiller

Prof. Claudio Struchiner

Prof. Ricardo Rosa

Rio de Janeiro

Outubro de 2006

ii

Resumo

Wyse et al. [2004] propuseram um modelo de Equacoes Diferenciais Ordinarias que

representa a interacao entre uma especie de mosquito transmissor de Malaria, e uma

variante geneticamente modificada incapaz de transmitı-la, e apresentam simulacoes que

mostram que o modelo se ajusta a dados colhidos previamente na regiao amazonica.

Esse modelo foi concebido para estudar o efeito da sazonalidade anual entre os perıodos

de chuva e seca da Amazonia. Essa questao climatica influi enormemente na disseminacao

da doenca, pois a quantidade de mosquitos transmissores diminui drasticamente no pe-

rıodo chuvoso. Essa sazonalidade acrescenta um termo periodico nas equacoes fornecendo

um sistema nao-autonomo de equacoes.

Usando mapas de Poincare e outras tecnicas de Sistemas Dinamicos pudemos investi-

gar esse modelo em grande profundidade. Nossos resultados incluem prova de existencia

de solucoes globais, existencia, unicidade e estabilidade de orbitas periodicas.

Finalmente, apresentamos simulacoes numericas que permitem constatacao visual dos

resultados analıticos, e solucoes numericas nos casos em dimensoes maiores onde as tec-

nicas analıticas nao se aplicam.

iii

Abstract

Wyse et al. [2004] proposed a model given by a system of ODEs that addressed the

interaction between wild mosquitoes and genetically modified ones, along with numerical

simulations which shows that the model fits the data previously obtained in the analysis

of malaria epidemics in the brazilian Amazon region.

The model was conceived to study the effect of year-basis seasonality of rain in the

Amazon. This weather issue greatly interferes in the disease spread in the rain season by

vastly decreasing the mosquito-vector population. This seasonality adds a periodic term

in the equations and we have a non-autonomous system of equations.

Using Poincare maps and other dynamical systems techniques we are able to investi-

gate this model in more detail. Our results include proof of existence of global solutions,

stability and existence and uniqueness of periodic orbits. We are able to do this under

some mild assumptions on the values of the parameters.

We end with numerical simulations that provide visual support for the analitical

results, and numerical solutions in higher dimensions where analytical techniques are

not applicable.

iv

Agradecimentos

WiKipedia [2006]. Apesar de nao ser possıvel citar diretamente a Wikipedia num

trabalho academico1, esta teve valor inestimavel neste, e em outros trabalhos que fiz,

faco, e provavelmente farei, na busca inicial por conceitos, definicoes, ou indicacoes de

links, nomes e livros. Mesmo nao sendo 100% confiavel, e minha humilde opiniao que,

na maior parte das vezes, ela e dominada por pessoas de bem, com conhecimento sobre

os assuntos a que se propoem explicar, e na maior parte das vezes, bem organizada por

uma incansavel comunidade de voluntarios autores e faxineiros . Definitivamente e um

site que vale a pena a visita, e por isso incluı o endereco principal na bibliografia deste

trabalho: como uma forma de propagar a ideia de liberdade da informacao de qualidade,

e uma forma de agradecimento ao esforco de alguns em mante-la no ar.

Google, Inc., muito mais que um site de busca. Uma suıte de servicos sempre em cres-

cimento, que usa a tecnologia para o fim mais puro: garantir o acesso a informacao. Isso

ja seria motivo suficiente para fazer propaganda gratuita, mas eles nao param de inovar.

Mapas do mundo inteiro, agregador e classificador de notıcias, calculadora, conversor de

medidas e de moedas, e o Google Scholar, o maior catalogo de artigos academicos de que

tenho conhecimento. A quantidade de enderecos a citar seria grande, por isso resolvi nao

citar nenhum.

Linux, um farol na escuridao. Em se tratando de liberdade de informacao (e por que

nao diversao), e difıcil escolher um ıcone mais evidente para a liberdade pura de expressao

e diversidade. Alguns fieis dessa religiao moderna inclusive vivem para catequizar o

rebanho dominado pela grande empresa. De minha parte, ja consegui instalar o sistema

do pinguim nos computadores de minha mae e minha namorada. Isso deve bastar para

meu ingresso para o ceu dos nerds.

1(segundo suas proprias instrucoes )

v

Agradeco ao meu professor do segundo grau, Sergio Antinarelli que, mesmo sem saber,

me influenciou definitivamente para essa jornada nas artes matematicas.

Ao amigo Leonardo Roxo Stern, que poderia ser um excelente pesquisador em qualquer

area exata, mas preferiu se aprofundar nos misterios impossıveis da mente humana, e seus

possıveis desdobramentos no mundo fısico.

Aos amigos Gustavo, Guilherme e Leo pelas viagens inesquecıveis, e conversas sobre

motos, musica, cinema.

Caique e Digo pelas infindaveis discussoes sobre o que e Blues e o que nao e.

Vanessa e Fabia, que sempre fizeram questao de me manter no caminho da sanidade.

Aos amigos matematicos Fabio, Felipao, Andrezinho, Miltinho, Bruno Morier e Bia-

motta que tanto me motivaram nos momentos em que parecia nao haver mais esperancas

de continuar. Dizem que todo estudante de matematica passa por uma crise seria e pensa

em largar essa area pelo menos uma vez por ano. Sem eles, essa jornada certamente nao

teria a menor graca.

Ao amigo Fabio Ramos que se destaca pelo papel de orientador suplente, a amiga, e

Cecılia a artista mais matematica, e matematica mais artıstica, a poetisa inconformada.

Aos amigos do mestrado, Aline, Beatriz e Vinıcius, que formaram a infra-estrutura

necessaria para uma turma, mas nao se contentaram com tao pouco.

A funcionaria Samanta da biblioteca, que nunca poderia ser mais solıcita.

Ao meu orientador, pela paciencia, e acima de tudo a confianca que o trabalho vin-

garia, apesar de todos os atrasos.

Ao professor Orlando Martins, que nao sabe dizer “nao” quando um aluno precisa

conversar, e com sua mentalidade vanguardista me influenciou para me infiltrar na area

intermediaria entre a Matematica e a Biologia, e despejou em mim problemas da Bio-

Informatica. Sou eternamente grato por tudo que aprendi direta ou indiretamente com

ele.

A minha irma Talita, que sempre manteve firme o sentido de famılia.

A meus pais Heider e Marilene, sem os quais eu nada seria.

A minha namorada, Bel, que mereceria varias paginas pelo espetacular suporte emo-

cional.

vi

Dedicatoria

A minha namorada, Bel.

A minha famılia.

(agora poderei arrumar meu quarto...)

vii

viii

Sumario

1 Introducao 3

1.1 Motivacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

1.2 Malaria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

1.3 Mosquitos geneticamente modificados (transgenicos) . . . . . . . . . . . . 6

2 Modelagem 9

2.1 Mosquitos num ambiente sazonal periodico . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

2.2 Modelo de interacao mosquitos selvagens x mosquitos GM num ambiente

sazonal periodico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

2.3 Normalizacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

3 Equacoes nao-autonomas e Mapa de Poincare 15

3.1 Equacoes periodicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

3.2 Solucoes periodicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

3.3 Contra-exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

3.4 Mapa de Poincare . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

3.5 Derivada do Mapa de Poincare . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

4 Estudo do modelo de mosquitos GM 25

4.1 Analise da equacao (2.5) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

4.2 Analise da equacao (2.6) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

5 Simulacoes 31

5.1 Estimacao dos parametros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

5.2 Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

ix

6 Discussao 35

A Enunciados de teoremas importantes 37

B Codigos de rotinas MATLAB 39

B.1 poinc.m . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

B.2 vprime.m . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

B.3 itpm.m . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

B.4 poinc2.m . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

B.5 vprime2.m . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

B.6 itpm2.m . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

1

2

Capıtulo 1

Introducao

1.1 Motivacao

Este trabalho e baseado nos modelos descritos por Wyse, Bevilacqua, e Rafikov [2005b,

2004] para o fenomeno epidemiologico da malaria na Amazonia. Eles diferem dos modelos

comumente associados a Africa pelo comportamento sazonal do clima, que divide o ano

em estacoes bem definidas de chuva e vazante. Essa diferenca explica, entre outras coisas,

porque a doenca na Africa tem contagem de casos mais ou menos constante ao longo do

ano, ao passo que na Amazonia (foi considerada principalmente a regiao ribeirinha do

Amapa) a incidencia flutua consideravelmente durante o ano, diminuindo no inıcio do

perıodo de chuva, e aumentando na estiagem.

No primeiro artigo, Wyse, Bevilacqua, e Rafikov [2005b] apresentam um modelo pu-

ramente ecologico, que descreve a dinamica da populacao de mosquitos transmissores da

malaria no ambiente sazonal amazonico, sujeito a perıodos bem definidos de chuva e seca.

No segundo, Wyse, Bevilacqua, e Rafikov [2004], consideram uma competicao entre

os mosquitos selvagens, e uma especie geneticamente modificada (GM) de mosquitos,

refrataria a doenca. Tal especie transgenica ainda nao foi desenvolvida, apesar de ja se

ter disponıvel a sequencia genomica da especie An. gambiae [Holt et al., 2002].

Simulacoes de ambos os modelos sao feitas para determinar parametros para que a

safra de mosquitos GM suprima a populacao silvestre de mosquitos.

O perıodo de chuvas tem forte impacto na populacao do vetor da doenca, os mosquitos

do genero Anopheles (mais comumente representados na regiao Amazonica pela especie

3

An. darlingi), aparentemente pela eliminacao dos ovos e larvas. Esse mosquito tem

uma expectativa de vida media em torno de 15,6 dias, e cada femea se reproduz duas

vezes na sua vida, gerando em torno de 110 ovos, em cada postura. Isso faz com que a

eliminacao de ovos ou larvas restrinja rapidamente a populacao do mosquito na regiao.

Wyse, Bevilacqua, e Rafikov [2005b] e Santos e et al [1997]

Esse elemento sazonal e incorporado ao modelo na forma de um termo periodico no

tempo. Veremos que a equacao, apesar de nao-autonoma, e suficientemente particular

para permitir um tratamento matematico mais profundo.

O presente trabalho tem a finalidade primeira de aprofundar a investigacao desses

modelos, apresentando tecnicas de sistemas dinamicos apropriadas aos modelos nao-

autonomos propostos.

1.2 Malaria

A malaria e uma doenca infecto-contagiosa, cujos sintomas incluem febre, dores nas

juntas, dores de cabeca, vomitos e anemia. Se nao tratada, pode causar coma e ate a

morte (principalmente em gestantes e criancas).

Em 1880, Charles Louis Alphonse Laveran (1845 – 1922) propos que ela seria causada

por um protozoario (foi a primeira vez que relacionaram um protozoario a uma doenca).

Por essa e outras descobertas, ele recebeu o Premio Nobel de Medicina, em 1907.

A teoria matematica das doencas infecto-contagiosas proporcionou importantes avan-

cos na concepcao de estrategias de controle dessas doencas, incluindo programas de vaci-

nacao em massa.

Sir Ronald Ross (1857 – 1932) foi possivelmente o primeiro a usar um modelo ma-

tematico para estudar a dinamica de uma doenca infecto-contagiosa. No final do seculo

XIX, seu trabalho sobre um modelo determinıstico possibilitou diversas conclusoes de

cunho epidemiologico.

Ate entao nao se sabia como a malaria era transmitida, nem tampouco se imaginava

como combate-la. Ross provou que uma doenca podia usar mosquitos como vetores.

Baseando-se nessa descoberta (por si so revolucionaria) ele usou seu modelo nao so

para entender o comportamento da epidemia, estudando a relacao vetor-hospedeiro, como

4

tambem pode propor taticas para o controle da doenca, controlando a populacao do vetor.

Nascia a semente da ideia de se usar inseticidas no combate a doencas. Essas e outras

contribuicoes lhe valeram um premio Nobel (Medicina, 1902).

Os esforcos para a criacao de drogas mais eficientes no tratamento dos males da

doenca, bem como vacinas, sao dificultados pelo fato de que os plasmodios causado-

res se tornam resistentes - o parasita tem um ciclo complexo, e seus antıgenos mudam

constantemente. Alem disso, os cientistas das areas biomedicas ainda nao desvendaram

suficientemente o sistema de resposta imunologica que protege os humanos da malaria,

conforme mencionado no FAQ do CDC - Center for Disease Control and Prevention (or-

gao governamental americano para combate a doencas contagiosas, e efeitos de radiacao,

entre outros). [CDC, 2006]

O controle e prevencao da doenca atualmente se dao com a administracao de drogas

profilaticas, e a eliminacao do vetor com inseticidas bem como telas nas portas, janelas e

mosquiteiros de cama. Estatısticas apresentadas no documentario Malaria: Fever Wars,

2006 da PBS (Public Broadcasting Service, uma empresa de mıdia nao comercial ame-

ricana) indicam que o uso de telas e mosquiteiros com inseticidas sao consideravelmente

mais eficazes. Adicionalmente, o CDC sugere que alem das telas nas portas e janelas se

aplique o DDT nas paredes da casa.

Ito et al. [2002] estimam que se a situacao atual permanecer, e nenhum controle

alternativo for implementado, dentro de 20 anos a quantidade de mortes por malaria tera

dobrado. A malaria ja e considerada a principal pressao seletiva a que estamos sujeitos

nos tempos recentes [Kwiatkowski, 2005], dada a quantidade de mortes que ela causa ao

redor do mundo (a maioria dos casos se da no continente africano). De acordo com a

Organizacao Mundial de Saude, em seu relatorio anual sobre a malaria, [OMS, 2005], cerca

de 1 milhao de pessoas morrem por ano em decorrencia da doenca. O objetivo do controle

da malaria e diminuir a mortalidade causada por esta, bem como os efeitos negativos de

ordem social e economica. Sachs e Malaney [2002] destacam o fato que a evolucao da

malaria numa determinada regiao e inversamente proporcional ao desenvolvimento social

e economico da sociedade humana ali presente.

Sabe-se porem, que o mosquito e necessariamente um vetor da doenca para o ser

humano, e se for possıvel impedir a transmissao do parasita daquele para este, a doenca

5

pode teoricamente ser erradicada.

Seguindo essa tendencia, e aproveitando recentes avancos da tecnologia e da Biologia

Molecular, uma das propostas atuais e acrescentar genes exogenos ao mosquito neste, de

forma que esses transgenes sejam expressos em tecidos estrategicos (como por exemplo a

glandula salivar), diminuindo ou neutralizando sua eficacia como transmissor da doenca.

1.3 Mosquitos geneticamente modificados (transge-

nicos)

A ideia de se usar uma safra modificada do vetor transmissor de uma doenca infecto-

contagiosa para substituir a populacao existente na natureza nao e exatamente nova.

Propostas teoricas foram apresentadas ainda na decada de 1940. Algumas experiencias

foram feitas com diversos graus de sucesso desde meados da decada de 1960, tanto com

organismos modelos (como a mosca de frutas Drosophila Melanogaster), e mesmo com

vetores de doencas contagiosas e pragas agrıcolas. [Gould e Schliekelman, 2004]

As primeiras tecnicas foram propostas independentemente nos anos 1940s pelo cien-

tista sovietico Aleksandr S. Serebrovskii (1892 – 1948), e nos anos 1950s pela dupla de

americanos Edward F. Knipling (1909 – 2000) e Raymond C. Bushland (1910 – 1995).

O primeiro teve importancia fundamental na concepcao das bases teoricas das tecnicas

modernas, tendo idealizado e descrito procedimentos teoricos antes de ter seu trabalho

interrompido pela Segunda Guerra Mundial, enquanto os dois ultimos tiveram considera-

vel historico de experiencias bem sucedidas, com a tecnica conhecida como SIT (Sterile

insect technique).

Esta tecnica consiste em tentar extinguir uma populacao objeto liberando uma amos-

tra nao-esteril proporcionalmente pequena, que transmite as geracoes futuras os defeitos

geneticos potencialmente esterilizantes introduzidos atraves do cruzamento com especimes

nativos. Eles se basearam principalmente em mutacoes induzidas por material radioa-

tivo. Assim, se expunha o objeto de pesquisa a uma dose controlada de radioatividade,

ate que se observasse que determinado protocolo gerava criaturas estereis, ou capazes de

gerar filhotes, sendo estes ultimos estereis. Essa amostra mutante era entao liberada num

6

ambiente natural, e interagia normalmente com a populacao nativa, se reproduzindo e

gerando crias mutantes incapazes de se reproduzir.

Em 1954, a tecnica SIT foi usada com sucesso para erradicar a mosca comumente

conhecida como “varejeira” (screwworm fly - Cochliomyia hominivorax ), cuja larva para-

sita a pele e mucosas de mamıferos (bovinos e humanos) e infestava o gado bovino da

pequena ilha de Curacao, na costa da Venezuela. Naquela ocasiao, essas moscas foram

erradicadas num perıodo de apenas 7 semanas, preservando o gado que provia carne e

leite pra a populacao local.

Durante os anos 1960s e 1970s, a tecnica SIT foi tambem usada para controlar a

populacao de moscas varejeiras nos Estados Unidos. Nos anos 1980s foram erradicadas

do Mexico e em Belize, e casos semelhantes de sucesso na erradicacao dessa praga foram

tambem notados em outros paıses da America Central, ate estabelecer uma barreira

biologica no Panama, na tentativa de barrar a reinfestacao vinda do sul. Em 1991 a

tecnica de Knipling e Bushland interromperam uma seria infestacao no norte da Africa.

Hoje, com o advento das tecnicas de engenharia genetica e biologia molecular, concebe-

se mutacoes mais direcionadas que, ao contrario das mutacoes aleatorias proporcionadas

pelos metodos de esterilizacao induzidas por mutagenes (agentes externos capazes de indu-

zir mutacao como, por exemplo, radioatividade), podem ser minuciosamente planejadas,

possibilitando assim uma programacao biologica para o vetor.

Alem da tecnica SIT, Gould e Schliekelman [2004] analisam diversas outras tecnicas

classicas para controle populacional de pestes e vetores de doencas, como Genes Condi-

cionalmente Letais (uma especie de “bomba-relogio” programada na informacao genetica

do objeto de estudo, que apos se fixar na populacao nativa pode ser ativada por algum

fenomeno ambiental predeterminado), e Translocacoes cromossomicas, que se multipli-

cam a cada geracao deteriorando as chances de sobrevivencia do inseto. Sao tambem

citadas diversas fontes de importancia historica e providas um apanhado sobre essas e

outras tecnicas de controle de populacoes de insetos por meios geneticos.

Ainda nao ha consenso na comunidade cientıfica sobre a eventual eficacia dessas tecni-

cas de controle genetico, e mesmo que o futuro prove essa eficacia, o debate ainda precisa

passar tanto pelo crivo tecnico quanto pelos crivos etico, economico, social e legal, visto

que todas essas esferas sao diretamente afetadas por esses planos. James [2005] resume al-

7

gumas bases estrategicas propostas na literatura para o futuro proximo dessas pesquisas,

levantando aspectos potencialmente problematicos tanto no procedimento das tecnicas

geneticas, quanto nas experimentacoes de campo. Campos de teste devem ser cuidadosa-

mente selecionados, a fim de evitar danos ambientais descontrolados, contaminacoes. Tal

lista de recomendacoes precisa incluir profundo conhecimento dos ciclos biologicos dos

principais vetores envolvidos, isolamento geografico para minimizar o risco de se difun-

dir mosquitos liberados acidentalmente, aprovacao polıtica. Planos de contingencia para

mitigar possıveis catastrofes originalmente nao previstas tambem devem existir e estar

prontamente disponıveis.

Outro ponto em que nao se tem consenso e sobre a liberacao puramente experimental

de insetos transgenicos na natureza. Alguns grupos defendem que quaisquer introducoes

de tais insetos devem ser feitas apenas com a intencao de surtir efeito de carater epide-

miologico na area em questao. Outros defendem introducoes controladas em carater de

teste, por exemplo incluindo apenas marcadores geneticos para acompanhar o processo

antes de causar um impacto ambiental potencialmente danoso. Qualquer resolucao nesse

sentido dependera principalmente do tipo de mecanismo biologico usado para o controle

genetico, e estara sujeito a apreciacao das classes polıticas vigentes.

Finalmente, outra discussao relevante e sobre o objetivo de tal projeto de se liberar

insetos geneticamente modificados num ambiente natural deve ter o objetivo de extinguir

os insetos naturais existentes, ou substituı-la por uma variante menos danosa. Cada uma

dessas opcoes tem vantagens e desvantagens, sendo necessaria uma analise especıfica para

cada situacao. No entanto, a supressao de vetores pode na verdade gerar uma subsequente

resistencia desse vetor a tecnicas inseticidas convencionais [Christophides, 2005; Boete e

Koella, 2002, 2003].

8

Capıtulo 2

Modelagem

Comecemos pelo classico modelo de Verhulst, a equacao logıstica. Seja V (t) a densi-

dade de femeas do mosquito Anopheles no instante t. Entao

V (t) = rV (t)(1 −

1

κV (t)

),

onde r e a taxa de crescimento do mosquito e κ e a capacidade suporte do modelo.

Nao e nosso proposito estudar em detalhes as propriedades dessa equacao, ubıqua na

literatura (por exemplo, Diekmann e Heesterbeek [2000]; Brauer e Castillo-Chavez [2001];

Caswell [2001]). Limitaremo-nos a ressaltar os topicos mais relevantes.

Nessa equacao V (t) possui um crescimento aproximadamente proporcional a popula-

cao existente, quando esta e pequena em relacao a capacidade de suporte, o que implica

crescimento exponencial. Esse estagio favorece o florescimento da populacao de mosqui-

tos incluindo pouca ou nenhuma competicao por recursos. Na teoria ecologica da Selecao

r/K, esse e o comportamento r-estrategico.

A teoria da selecao r/K classifica o comportamento de uma dada especie modelada

pela equacao logıstica como uma opcao entre dois estereotipos, “r-selecionado” e “K-

selecionado”, nomeados conforme os parametros da equacao logıstica. Tipicamente um

organismo “r-selecionado” produz muitos descendentes, que em geral nao chegam a fase

adulta, e um organismo “K-selecionado” produz menos descendentes, mas cada um dos

quais com maiores chances de chegar a idade reprodutiva. Exemplos podem ser encon-

trados na ecologia para ambas estrategias evolutivas, mas a tendencia e que a maioria

9

dos seres vivos esteja no meio termo, definindo assim um espectro contınuo de estrate-

gias. Em geral, organismos pequenos como insetos, microorganismos, arbustos e ervas

se beneficiam de r-estrategias, e organismos maiores como elefantes, baleias e arvores se

beneficiam de K-estrategias.

Alem disso, essa teoria justifica a ideia de sucessao ecologica, pois em situacoes de

invasao de um novo territorio, ou apos eventos com poder extintor (vulcoes, maremotos e

catastrofes naturais, pesticidas, etc) uma especie pioneira se beneficia de uma capacidade

de reproducao exacerbada, ate que se chegue a um clımax. A razao de propagacao comeca

a diminuir conforme a ocupacao proporciona um excesso de encontros intra-especıficos,

privilegiando a K-estrategia. Eventualmente um novo clımax e atingido, passando a

populacao r-selecionada a ser gradualmente substituıda por uma populacao K-selecionada.

Finalmente, num ambiente estavel e previsıvel, organismos K-selecionados predomi-

nam, pois a habilidade de competir por recursos se faz mais importante quando a popula-

cao atinge nıveis proximos a capacidade suporte. Por outro lado, em ambientes variaveis,

com condicoes imprevisıveis quanto a sobrevivencia e disponibilidade de recursos, e im-

prescindıvel uma habilidade reprodutiva abundante.

E exatamente nessa situacao onde focamos nossa atencao, pois pretendemos estudar

uma perturbacao especıfica do ambiente, e tirar vantagem dessa teoria para analisar o

aspecto dinamico dos mosquitos (portanto uma populacao r-selecionada) num ambiente

com variacao sazonal entre o extremamente favoravel e o extremamente desfavoravel.

De fato, dados entomologicos [Santos e et al, 1997] sugerem que a densidade atinge

uma quantidade quase inexpressiva nos meses em que a densidade e mınima, e oscilando

periodicamente durante o ano.

2.1 Mosquitos num ambiente sazonal periodico

Os modelos tıpicos SIS, SIR e SEIR da literatura basica de modelagem epidemiologica

por Equacoes Diferenciais [Brauer e Castillo-Chavez, 2001] sao todos autonomos, isto e,

a funcao que os define depende apenas da densidade populacional, e nao explicitamente

do tempo. Todos sao extremamente simples, e servem nao apenas para ilustrar conceitos

mas sao a pedra fundamental de boa parte dos modelos determinısticos usados hoje em

10

dia em epidemiologia matematica.

Para modelar tal fenomeno sao feitas algumas consideracoes: a taxa de crescimento

r sera igual a diferenca entre a taxa de sobrevivencia e a taxa de mortalidade natural

(morte por idade). Tomemos 1ε

como sendo a taxa de sobrevivencia, e δ como taxa de

mortalidade natural, de tal forma que r = 1ε− δ.

Assim,

V =1

εV

(1 −

1

κV

)− δV =

(1

ε− δ

)V −

1

εκV 2. (2.1)

A taxa de sobrevivencia 1ε

e determinada considerando a quantidade de ovos posta

por uma femea, multiplicada pela probabilidade estimada de sobrevivencia de cada ovo,

nivelada pela longevidade do mosquito e pelo perıodo de transicao entre o ovo recem-

posto e a fase adulta. A taxa de morte natural e tomada como a razao entre a unidade

de tempo e a expectativa de vida do inseto.

Seguindo Wyse et al. [2004] o impacto do meio ambiente e modelado por uma per-

turbacao periodica da taxa de sobrevivencia, cuja intensidade e dada por ε0 < ε. Essa

perturbacao periodica pode ser dada por uma funcao arbitraria ψ(t) periodica real que

tome valores no intervalo [−1, 1]. Levando-se em conta o impacto do meio ambiente

obtemos o modelo

V =1

ε + ε0ψ(t)V −

1

εκV 2 − δV. (2.2)

A capacidade suporte e determinada pela media entre as quantidades de mosquitos

capturadas nos meses de variacao media (ψ(t) = 0).

Simulacoes preliminares atestaram que a escolha ψ(t) = cos π6t faz com que a equacao

se adeque aos dados colhidos na regiao amazonica, considerando a unidade de tempo

como sendo um mes, e que o fenomeno sazonal varia com as estacoes do ano (com a taxa

mınima de sobrevivencia nos meses de chuva, e a taxa maxima nos meses de seca).

Assim, a variacao da populacao de mosquitos selvagens V (t) sujeita a uma forca

externa periodica correspondente ao ambiente variavel, pode ser modelado baseando-se

na equacao logıstica de Verhulst como:

11

V =

(1

ε + ε0 cos π6t− δ

)V −

(1

κε

)V 2. (2.3)

Nesse caso o tempo e medido em meses, e o ciclo sazonal e tido como anual, portanto

foi escolhida uma funcao com perıodo 12 (1 ano). E importante notar que os parametros

sao todos positivos, e ε0 < ε.

E claro que se ε0 = 0, a equacao se transforma na equacao (2.1). Mostraremos que o

comportamento das solucoes de ambas se assemelham, preservados os devidos contextos.

2.2 Modelo de interacao mosquitos selvagens x mos-

quitos GM num ambiente sazonal periodico

A competicao entre as duas especies de mosquito, selvagem e geneticamente modi-

ficada, e modelada por um sistema de duas equacoes nao-lineares, cada uma das quais

com o mesmo padrao da equacao (2.3). Isso se da pois, por hipotese, a unica diferenca

entre ambos mosquitos e que o transgenico e imune ao patogeno da malaria (e portanto

nao o transmite aos humanos que eventualmente picar). Assim, ambos estao sujeitos as

mesmas condicoes de sobrevivencia e mortalidade, tanto por seus ciclos biologicos como

pelo ambiente sazonalmente hostil.

Consideramos V (t) a densidade de femeas do mosquito selvagem, e T (t) a densidade

de femeas do mosquito transgenico. Quando ambas especies se cruzam num encontro

reprodutivo, existe uma probabilidade de que a modificacao genetica seja passada para

cada filhote. Isso e representado no modelo como a perda de um indivıduo da classe

V para a classe T . Consideraremos b a probabilidade de que um dado filhote tenha a

modificacao genetica requerida, e a = 1 − b. Assim obtemos o modelo de competicao:

V =(

aε+ε0 cos π

6t− δ

)V −

(aκε

)V (T + V )

T =(

bε+ε0 cos π

6t− δ

)T −

(bκε

)T (V + T ).

(2.4)

12

2.3 Normalizacao

Podemos simplificar os coeficientes, e normalizar o perıodo da equacao, para que esta

se torne 1-periodica introduzindo as mudancas de variaveis t = t/12, V (t) = (κε)−1V (t)

e T (t) = (κε)−1T (t).

Assim, obtemos para a equacao (2.3)

V /12 =

(1

ε + ε0 cos 2πt− δ

)V − V 2 (2.5)

e para o sistema (2.4)

V /12 =(

aε+ε0 cos 2πt

− δ)

V − aV (V + T )

T /12 =(

bε+ε0 cos 2πt

− δ)

T − bT (V + T ).(2.6)

13

14

Capıtulo 3

Equacoes nao-autonomas e Mapa de

Poincare

A teoria geral de Equacoes Diferenciais Ordinarias permite garantir a existencia local

de solucoes e sua unicidade. Para se conhecer mais sobre as solucoes, como a existencia

de solucoes periodicas, podemos aplicar tecnicas desenvolvidas nos ultimas 100 anos,

originalmente proposta por Poincare no fim do seculo XIX [Poincare, 1899].

Deve-se a Poincare a ideia de se associar sistemas dinamicos discretos (mapas) a

sistemas dinamicos contınuos (equacoes diferenciais). Isto permite reduzir o estudo da

estabilidade de uma orbita periodica ao estudo da estabilidade de pontos fixos do chamado

Mapa de Poincare.

Nao existe um modo unico de se construir Mapas de Poincare de equacoes diferenciais

arbitrarias. Para equacoes nao-autonomas e t-periodicas existe uma definicao simples e

direta que apresentaremos no momento oportuno.

A organizacao da presente secao, e boa parte do conteudo, foi tirada do livro Hale e

Kocak [1991]. Algumas demonstracoes, omitidas no referido livro, sao apresentadas aqui

para a compleicao do presente trabalho.

3.1 Equacoes periodicas

Para estudar propriedades de equacoes como o modelo (2.5) nesse capıtulo, estudare-

mos o caso geral das equacoes da forma

15

x(t) = f(t, x) (3.1)

onde f : R × R → R e C1 e periodica na variavel t.

A existencia e unicidade de solucoes e garantida pelo Teorema de Picard (A.2), pois

f , por ser C1, e localmente Lipschitz.

Podemos assumir, sem perda de generalidade, que o perıodo e igual a 1. De fato, se

f(t, x) tiver perıodo T , a mudanca de variaveis s = tT

transforma (3.1) numa equacao

com f com perıodo 1 cujas solucoes sao topologicamente conjugadas, ou seja, tem o

comportamento qualitativamente identico1.

Notacao: A partir de agora assumiremos, sem mencionar, que as funcoes periodicas

tem perıodo 1. Alem disso, por simplicidade, chamaremos as funcoes t-periodicas apenas

de periodicas, quando nao houver ambiguidade.

Proposicao 3.1.1 :

Se f(t, x) e periodica em t, e x(t) e solucao de (3.1), entao x(t + k), com k ∈ Z

tambem e solucao de (3.1).

Prova:

Basta considerar a mudanca de variaveis s = t + k (dsdt

= 1).

Pela regra da cadeia, temos que dx(s)dt

= dx(s)ds

.dsdt

, ou seja, dx(s)dt

= f(s, x(s)). Mas

f(s, x(s)) = f(t, x(s)) = f(t, x(t + k)), pela periodicidade de f .

Acabamos de concluir que dx(t+k)dt

= f(t, x(t + k), o que conclui a prova.

¤

Usando a proposicao 3.1.1, e a unicidade das solucoes, mostra-se que:

Lema 3.1.2 Se x(t; t0, x0) e solucao de (3.1), as seguintes relacoes sao verdadeiras.

x(t + 1; t0 + 1, x0) = x(t; t0, x0) (3.2)

x(t + 1; t0, x0) = x(t; t0, x(t0 + 1; t0, x0)) (3.3)

1Mais precisamente, existe um homeomorfismo que leva um sistema no outro

16

Prova:

(Relacao 3.2)

Tomemos a expressao dada pelo primeiro membro da igualdade. Por simplicidade,

chamemo-na, por ora, de u(t). Da mesma forma, chamemos de v(t) a solucao de (3.1)

dada pelo segundo membro.

Pela proposicao (3.1.1), u(t) e solucao , pois u(t) = v(t+1) e, de fato, v(t) e obviamente

solucao.

Alem disso, u(t0) = x(t0 + 1; t0 + 1, x0) = x0 = v(t0) o que significa que ambas as

solucoes tem mesmo valor inicial. Disso decorre que elas tem que ser iguais, pela unicidade

de solucoes.

(Relacao 3.3)

Procederemos como na relacao (3.2), isto e, consideraremos separadamente os mem-

bros da igualdade.

De fato, se u(t) = x(t + 1; t0, x0) e v(t) = x(t; t0, x(t0 + 1, t0, x0)), ambas sao solucoes

da equacao (3.1), e tem mesmo valor inicial, isto e, v(t0) = x(t0; t0, x(t0 + 1, t0, x0)) =

x(t0 + 1; t0, x0) = u(t0).

Da mesma forma como acima, concluımos que ambas as solucoes tem necessariamente

que ser iguais, portanto a igualdade e valida.

¤

3.2 Solucoes periodicas

Definicao 3.2.1 Uma solucao t-periodica da equacao (3.1) e dita estavel se, dado ε > 0

existir um δ(ε) > 0 tal que, para cada y0 satisfazendo |y0 − x0| < δ, a solucao x(t, t0, y0)

satisfaz |x(t; t0, y0) − x(t; t0, x0)| < ε para todo t ≥ t0.

Se uma solucao periodica nao e estavel, e dita instavel.

Definicao 3.2.2 Uma solucao t-periodica da equacao (3.1) e dita assintoticamente es-

tavel se for estavel e alem disso todas as solucoes proximas dela convergirem para ela,

isto e, se existir um r > 0 que nao depende de t0 tal que |x(t; t0, y0) − x(t; t0, x0)| → 0

quando t → +∞, para todo y0 satisfazendo |y0 − x0| < r.

17

Dessas definicoes, pode-se constatar que as solucoes periodicas desempenham para as

equacoes nao-autonomas periodicas papel semelhante ao dos pontos fixos nas equacoes

autonomas.

A relacao (3.3) nos indica um caminho na busca por propriedades interessantes das

solucoes da equacao (3.1): particionar o domınio em intervalos do tamanho do perıodo e

analisar separadamente as solucoes em cada um desses intervalos.

De fato, a relacao (3.3) pode ser interpretada geometricamente de duas formas extre-

mamente uteis, intrinsecamente relacionadas.

A primeira e que ao se comparar as solucoes de dois intervalos adjacentes, vemos

que a solucao no primeiro intervalo, iniciada em (t0, x0) coincide com a solucao iniciada

no segundo intervalo em (t0 + 1, x0), ou mais precisamente, a translacao da porcao do

segundo intervalo da solucao x(t; t0, x0) coincide inteiramente com a porcao da solucao

x(t; t0, x(t0 + 1; t0, x0)) no primeiro intervalo.

Figura 3.1: Invariancia por translacao no tempo

A segunda, corolario da primeira, e que se fizermos a identificacao entre o plano e

o cilindro unitario (identificando t = 0 com t = 1), vemos que as solucoes espiralam

neste ultimo, de modo que as identificacoes mencionadas no ultimo paragrafo se tornam

identificacoes naturais.

A ideia e restringir a analise global da solucao ao conjunto discreto do tempo restrito

ao conjunto Z dos naturais.

Outra propriedade que se deriva diretamente da periodicidade da equacao pode ser

resumida no seguinte lema:

Lema 3.2.3 Seja x(t) uma solucao de (3.1). Entao x(t) e periodica se e somente se

x(t0 + 1) = x(t0).

18

Figura 3.2: Representacao de duas solucoes de x = sen2πt

Prova:

(⇒) Se x(t) e periodica, o resultado e trivialmente verificado. (⇐) Se por outro lado

assumirmos que x(t0 +1; t0, x0) = x0 entao como, por (3.3), x(t+1; t0, x0) = x(t; t0, x(t0 +

1; t0, x0) = x0, temos que x(t + 1; t0, x0) = x(t; t0, x0) e x(t) e periodica.

¤

Esse lema nos fornece um criterio para determinar se uma solucao e periodica: testar

o valor em apenas dois valores de t, ao inves de todo um intervalo.

A seguir enunciamos um teorema que garante que o limite de solucoes da equacao

(3.1) e tambem solucao dessa equacao, e ainda por cima e periodico.

Teorema 3.2.4 Se uma solucao x(t; t0, x0) da equacao (3.1) e limitada para t ≥ 0, entao

a sequencia φk(t) definida por φk(t) = x(t + k; t0, x0), converge monotonamente em k, e

uniformemente em t para uma solucao t-periodica Φ(t).

Prova:

(A sequencia e monotona)

A sequencia de funcoes φk(t) e monotona. Mais precisamente, se φ1(0) ≥ φ0(0) entao

φk+1(t) ≥ φk(t). Se assim nao fosse, seria violada a unicidade de solucoes.

De fato, supondo por absurdo que existam t > t0 e k ∈ Z satisfazendo φk+1(t) < φk(t).

Defina a funcao ψ(s) = φk+1(t) − φk(t), onde s = t + k. Entao, ψ(s) = x(s + 1) − x(s),

assim ψ(0) ≥ 0. Se chamarmos s = t + k, teremos ψ(s) < 0.

Como ψ(s) e contınua, concluımos pelo Teorema do Valor Intermediario que ela tem

um zero em (0, s) e portanto nesse ponto as solucoes x(t+k+1) e x(t+k) se cruzam, o que e

19

proibido pelo teorema de Picard (A.2). Esse absurdo veio da hipotese que φk+1(t) < φk(t)

portanto a sequencia e monotona.

(A sequencia tem limite)

Sendo a sequencia monotona e limitada, devera existir uma funcao φ(t) para onde a

sequencia converge monotonamente.

(O limite e solucao)

Como, pela relacao (3.3), φk(t) = x(t; 0, φk(0)), e x(t; t0, x0) e contınua em (t0, x0),

segue que x(t; 0, φ(0)) esta bem definida para t ∈ [0, 1] e φ(t) = x(t; 0, φ(0)), ou seja, φ(t)

e solucao.

(O limite e periodico)

φ(1) = limk→+∞ x(1, 0, φk(0)) = limk→+∞ φk+1(0) = φ(0).

Decorre do lema (3.2.3) que φ(t) e uma solucao periodica, o que encerra a demonstra-

cao. ¤

Esse teorema e central nessa teoria que estamos introduzindo pois ele garante que o

limite de solucoes de uma equacao periodica e sempre solucao, e mais ainda, e periodico.

3.3 Contra-exemplos

Os exemplos a seguir ilustram algumas importantes propriedades das equacoes perio-

dicas.

Comecemos com um exemplo em que o limite de uma sequencia de solucoes nao

converge para um solucao. Considere assim o

Exemplo 3.3.1 x = −x + 1t− 1

t2

Essa equacao nao-periodica e linear e nao-homogenea. Usando-se o metodo de variacao

dos parametros, obtem-se a solucao

x(t; t0, x0) = e−(t−t0)(x0 −

1

t0

)+

1

t

E facil ver que toda solucao x(t; t0, x0) tende a zero, quando t → +∞, mas que

x(t) ≡ 0 nao e solucao desta equacao.

20

Esse problema se deve ao fato que a equacao nao e periodica. Mas como veremos

no exemplo a seguir, a periodicidade de uma equacao nao garante a convergencia nas

solucoes. De fato, por si so, isso nao garante nem mesmo a existencia global das solucoes.

Exemplo 3.3.2 x = (cos t)x2

Essa equacao tem perıodo 2π. Usando-se o metodo de separacao de variaveis, obtem-se

a solucao

x(t; 0, x0) =1

x−10 − sent

Se |x−10 | > 1, a solucao e global, isto e, esta definida para todo t ≥ 0. Se por outro

lado, |x−10 | ≤ 1, ela existe apenas num certo intervalo de tempo finito.

Exemplo 3.3.3 x = (cos2 2πt)x

Novamente pelo metodo da separacao de variaveis, obtemos a solucao

x(t; 0, x0) = x0 exp[ t

2+

sen4πt

]

Se x0 6= 0 entao a solucao e ilimitada quando t → +∞, mas tende a zero quando

t → −∞, portanto a solucao periodica garantida pelo teorema 3.2.4 e instavel. De fato,

se x0 = 0, entao x = 0,∀t ≥ 0, portanto a solucao nula satisfaz trivialmente a equacao.

Sendo constante, ela e periodica com qualquer perıodo.

3.4 Mapa de Poincare

Definicao 3.4.1 O Mapa de Poincare da equacao (3.1) e o mapa

Π : R → R; x0 7→ Π(x0) = x(1, 0, x0)

Em palavras, o Mapa de Poincare de uma equacao toma o ponto inicial x(0) = x0

e o mapeia ao valor da solucao x(1) (estamos tomando o perıodo da equacao igual a

1). Segue dessa definicao que o mapa de Poincare e monotono, e portanto traduzimos o

problema de estudar o comportamento de uma equacao nao linear e nao-periodica para

um mapa monotono.

21

E imediato de sua definicao, e do Teorema 3.2.4, que

Πk(x0) = x(k, 0, x0)

Podemos agora reescrever o Teorema 3.2.4 como o seguinte corolario, que e o resultado

em que estamos particularmente interessados:

Corolario 3.4.2 Um ponto x0 e valor inicial de uma solucao periodica se e somente se

ele e ponto fixo do mapa de Poincare, isto e, Π(x0) = x0.

A importancia desta teoria e que permite reduzir a busca de orbitas periodicas pelos

pontos fixos do Mapa de Poincare.

3.5 Derivada do Mapa de Poincare

A partir do fato que uma solucao periodica da equacao (3.1) corresponde biunivoca-

mente a um ponto fixo do Mapa de Poincare correspondente, e obvio que podemos usar

a teoria de estabilidade para mapas para estudar a estabilidade dessas solucoes.

Alem disso, o Mapa de Poincare e diferenciavel e, como vimos na secao anterior, e

monotono.

Lema 3.5.1 O Mapa de Poincare Π e derivavel

A aparente dificuldade de se precisar saber a solucao da equacao, para em seguida

determinar o Mapa de Poincare, e finalmente a derivada deste, e contornada pelo belo

teorema a seguir. Ele explicita a derivada do mapa de uma equacao, em funcao apenas

do campo vetorial que a define.

Lema 3.5.2 Seja x(t; 0, x0) uma solucao periodica da equacao (3.1) e Π(x0) o Mapa de

Poincare dessa solucao. Entao

Π′(x0) = exp{

∫ 1

0

∂f

∂x(t, x(t; 0, x0)) dt} (3.4)

22

Prova:

A solucao x(t; 0, x0) e dada pela expressao:

x(t; 0, x0) = x0 +

∫ t

0

f(s, x(s; 0, x0))dt

Derivando ambos os lados em relacao a x0, e chamando dxdx0

de z(t), temos

z(t) :=dx

dx0

= 1 +

∫ t

0

∂f

∂x(s, x(s; 0, x0))z(s)ds

que e solucao da equacao x = ∂f

∂x(s; x(s, 0, x0))z com valor inicial z(0) = 1. Mas

este e um sistema linear, possuindo portanto uma solucao exponencial da forma z(t) =

exp∫ t

0∂f∂x

(s; x(s, 0, x0))ds.

Concluımos a demonstracao observando que, por definicao, a derivada do mapa de

Poincare e Π′(x0) = dΠdx0

(x0) = ∂x∂x0

(1; 0, x0) = z(1). ¤

O lema acima transforma a equacao (3.1) numa equacao linear variacional.

A melhor caracterizacao possıvel, nesse momento, para as solucoes periodicas, pode

ser resumida pelo seguinte teorema:

Teorema 3.5.3 Seja x(t; 0, x0) uma solucao periodica da equacao (3.1) e seja a0 =∫ 1

0∂f

∂x(t, x(t; 0, x0)) dt, entao:

(i) se a0 < 0, x(t; 0, x0) e assintoticamente estavel;

(ii) se a0 > 0, x(t; 0, x0) e instavel.

Prova:

Como x(t; 0, x0) e periodica, x0 e um ponto fixo do Mapa de Poincare Π, e pelo Lema

3.5.2 Π′(x0) = ea0 . Assim, a0 < 0 ⇒ ea0 < 1 e a0 > 0 ⇒ ea0 > 1, e as afirmacoes (i) e (ii)

sao satisfeitos.

¤

23

24

Capıtulo 4

Estudo do modelo de mosquitos GM

4.1 Analise da equacao (2.5)

Como V ≡ 0 e solucao de (2.5), pela unicidade das solucoes, se ela comecar positiva,

permanecera positiva para todo t > 0.

Considere o coeficiente nao-autonomo

ϕ(t) = (ε + ε0 cos(2πt))−1 − δ. (4.1)

Definindo

γ− = (ε + ε0)−1 − δ e γ+ = (ε − ε0)

−1 − δ,

e facil ver que

γ− ≤ ϕ(t) ≤ γ+.

Pela hipotese biologica que a populacao nao esta em processo de extincao, e necessario

que

δ < (ε + ε0)−1, (4.2)

o que implica γ+ > γ− > 0.

25

Teorema 4.1.1 Seja V (t) uma solucao de (2.5) com V (0) > 0. Entao

γ− ≤ lim inft→∞

V (t) ≤ lim supt→∞

V (t) ≤ γ+.

Prova:

Como V (0) > 0, sabemos que V (t) > 0 para todo t > 0. Usando (4.1) em (2.5)

obtemos

V (t)/12 = V (t)(ϕ(t) − V (t)).

Se V (t) > γ+ > 0, teremos

V /12 = V (ϕ − V ) < V (γ+ − V ) < 0.

Assim V (t) < 0 o que implica que V (t) decresce sempre que V (t) > γ+ e lim supt→∞V (t) ≤

γ+.

Analogamente se 0 < V (t) < γ−, teremos

V /12 = V (ϕ − V ) > V (γ− − V ) > 0.

Se V (t) > 0 o que implica que V cresce e γ− ≤ lim inft→∞ V (t).

¤

Esse teorema implica que se V (0) > 0, entao 0 < V (t) ≤ (γ+ + V (0)) para todo t: a

solucao existe e e limitada (existe globalmente).

Consideremos agora a media ψ(t) da solucao V (t) definida como:

ψ(t) :=

∫ 1

0

V (s + t)ds =

∫ t+1

t

V (s)ds

Derivando em relacao ao tempo e usando (2.5) obtemos

ψ(t)/12 =

∫ t+1

t

V (s)/12ds =

∫ t+1

t

V (s)(ϕ(s) − V (s))ds. (4.3)

Teorema 4.1.2 A media ψ(t) da solucao da equacao (2.5) converge para β, onde

β =

∫ 1

0

ϕ(t)dt =

∫ t+1

t

ϕ(s)ds =1√

ε2 − ε20

− δ.

26

Prova:

Pelo Teorema do Valor Medio para integrais (A.1), temos que

∫ t+1

t

V (s)f(s)ds = V (ξ)

∫ t+1

t

f(s)ds, para algum ξ ∈ [t, t + 1].

Aplicando esse fato em (4.3), para algum ξ ∈ [t, t + 1],

ψ(t)/12 = V (ξ)

∫ t+1

t

(ϕ(s) − V (s))ds = V (ξ) (β − ψ(t)) . (4.4)

Portanto

ψ/12 = V (ξ)(β − ψ).

Como a solucao e sempre positiva temos que V (ξ) > 0 para todo ξ. Se ψ(t) > β,

entao (4.4) implica que ψ(t) < 0 e a solucao decresce. Por outro lado, se ψ(t) < β, entao

ψ(t) > 0 e a solucao cresce. Logo limt→∞ ψ(t) = β.

¤

Determinaremos agora explicitamente a solucao e o Mapa de Poincare desta equacao

usando um artifıcio usado em alguns casos particulares da equacao de Riccati. [Hale e

Kocak, 1991]

Considere a mudanca de variaveis W (t) = V −1(t). Ela transforma a equacao (2.5) na

equacao linear

W (t)/12 = −ϕ(t)W + 1 (4.5)

cuja solucao e dada por

W (t) = exp

(−12

∫ t

0

ϕ(s)ds

)(12

∫ t

0

exp

(12

∫ s

0

ϕ(z)dz

)ds + W0

).

Fazendo t = 1 determinamos o Mapa de Poincare Π da equacao (4.5),

Π(W0) = W (1) = e−12βW0 + C,

onde C = 12

∫ 1

0

exp

(−12

∫ 1

s

ϕ(z)dz

)ds.

27

Como

Π(W0) = W (1) =1

V (1)=

1

Π(V0),

o mapa de Poincare de (2.5) e dado por

Π(V0) =V0

e−12β + CV0

.

O unico ponto fixo V0 de Π precisa satisfazer

e−12β + CV0 = 1. (4.6)

Teorema 4.1.3 O ponto fixo do Mapa de Poincare de (2.5) dado por (4.6) atrai todas

as orbitas.

Prova:

Se V0 > V0, como e−12β + CV0 > 1, temos que Π(V0) < V0, i.e., Π e decrescente.

Similarmente, se V0 < V0, entao Π e crescente. Portanto V0 e o unico ponto fixo, e este

atrai todas os outros pontos.

¤

Assim, existe uma solucao periodica de (2.5) (correspondendo a V0) que atrai todas

as outras solucoes.

Alem disso, pelos Teoremas 4.1.1 e 4.1.2 essa solucao periodica e limitada superior-

mente por γ+, inferiormente por γ− e sua media no intervalo [t, t + 1] e β.

E como Π′(W0) = e−β, pela regra da cadeia

Π′(V0) =e−β

e−β + CV0

.

4.2 Analise da equacao (2.6)

Primeiro mostremos que o primeiro quadrante {(V, T ); V, T ≥ 0} e invariante pelo

sistema (2.6). Pela unicidade das solucoes, e suficiente mostrar que os semi-eixos positivos

de V e T sao invariantes, de modo que nenhuma solucao possa cruza-los. De fato, se

T (t0) = 0, isto implica que T ′(t0) = 0. Portanto T (t) ≡ 0 e a solucao esta restrita ao eixo

28

V : o sistema se torna equivalente ao sistema unidimensional. Assim, pela secao 4.1, se

V (t0) ≥ 0, entao V (t) ≥ 0 para todo t > 0. Pela simetria das equacoes, o mesmo ocorre

se V (t0) = 0.

Considere as medias dos coeficientes nao-autonomos (2.6)

A =

(∫ t+1

t

a

ε + ε0 cos 2πsds − δ

)=

a√ε2 − ε2

0

− δ,

B =

(∫ t+1

t

b

ε + ε0 cos 2πsds − δ

)=

b√ε2 − ε2

0

− δ

e as medias das solucoes V (s) e T (t)

ψα(t) =

∫ t+1

t

V (s)ds and ψβ(t) =

∫ t+1

t

T (s)ds.

Usando-se o mesmo artifıcio da secao (4.1), obtem-se para algum ξα e ξβ

ψα/12 = V (ξα) (A − a(ψα + ψβ)) = aV (ξα)(

Aa− (ψα + ψβ)

)

ψβ/12 = T (ξβ) (B − b(ψα + ψβ)) = bT (ξα)(

Bb− (ψα + ψβ)

).

Se ψα+ψβ < min{Aa, B

b}, entao tanto ψα como ψβ crescem. Analogamente se ψα+ψβ >

max{Aa, B

b}, entao ambas decrescem. Se ψα + ψβ esta entre A

ae B

b, entao uma cresce e a

outra decresce.

Assumindo a < b temos, por definicao de A e B que A/a < B/b, donde ψα(t) tende

a zero e ψβ(t) tende a B/b = 1/√

ε2 − ε20 − δ/b. Como ψα(t) tende a zero e V (t) e

sempre positiva, a populacao de mosquitos selvagens V (t) tende a zero. Nesse caso o

sistema (2.6) e reduzido ao caso (2.5) para T . Pela analise da secao (4.1), a populacao

de mosquitos transgenicos T (t) converge para a unica solucao periodica (cuja expressao

exata e estimativas sao dadas na secao (4.1)).

Analogamente, se a > b temos, pela simetria da equacao, que T (t) tende a zero, e V (t)

converge para a solucao periodica. Finalmente, se a = b, V (t) e T (t) tem comportamento

identico a equacao (2.5).

29

30

Capıtulo 5

Simulacoes

Usando os valores para os parametros obtidos de Wyse, Bevilacqua, e Rafikov [2004],

e a teoria e tecnicas descritas nos capıtulos anteriores, iteramos numericamente o mapa

de Poincare para ambos os modelos (2.5) e (2.6).

5.1 Estimacao dos parametros

Apresentamos agora dados de Wyse et al. [2004]; Santos e et al [1997] do ciclo biologico

do Anopheles Darlingi que serao usados para estimar os parametros.

Como todos os mosquitos, os anofelinos passam por quatro estagios durante seu ciclo

biologico: ovo, larva, pupa e adulto. As tres primeiras sao aquaticas, e em geral duram

5-14 dias, dependendo da especie e da temperatura ambiente. A fase adulta e quando

a femea do mosquito age como vetor da malaria. As femeas adultas podem viver apro-

ximadamente um mes (ou mais em cativeiro) mas provavelmente nao passam de 1 ou 2

semanas no ambiente natural.

Consideramos que o mosquito tem longevidade aproximada de 40 dias. A passagem

do primeiro estagio (ovo) para a fase adulta dura em media 15,6 dias, com uma taxa de

sobrevivencia de 57%. Cada femea coloca em media 110 ovos em cada postura, e o faz

duas vezes na vida.

Assim, a quantidade de ovos por dia e 22040

e a proporcao por dia dos que ja cumpriram

a transicao para a fase adulta e 115,6

. Por outro lado, a media diaria de morte natural e

140

. Reunindo essas estimativas, temos que, por mes, a taxa media de sobrevivencia e

31

1

ε=

220

40×

1

15, 6× 0, 57 × 30 = 6, 03

e a mortalidade natural e

δ =1

40× 30 = 0, 75.

A capacidade suporte e tomada como a media entre as quantidades de mosquitos

femeas capturadas nos meses de Marco e Setembro, e pelos dados colhidos na regiao

Amazonica:

κ ≈ 20.

5.2 Resultados

Ambos os modelos (2.5) e (2.6) tem convergencia extremamente rapida para seu ponto

fixo. Mostramos na figura 5.1 o logaritmo da distancia entre o Mapa de Poincare e o ponto

fixo da equacao (2.5).

0 20 40 60 80 100−12

−11

−10

−9

−8

−7

−6

−5

−4

−3

n

log 10

||P

i − p

f||

Figura 5.1: 100 iteracoes

Essa simulacao mostra que a convergencia para o ponto fixo do Mapa de Poincare

acontece rapidamente. Apos 5 iteracoes a distancia se torna tao pequena que atinge a

32

ordem do zero de maquina. Em escala logarıtmica isso se representa como o −∞ de

maquina.

Usando a tecnica dos Mınimos Quadrados ajustamos uma reta aos dados obtidos ate

a quinta iteracao. Podemos assim obter a taxa de convergencia como se segue:

log10(|Πn(x0) − x0|) = ax + b,

|Πn(x0) − x0| = 10(ax+b) = 10ax10b,

Πn(x0) = c10ax + x0

onde c = +/ − 10b. Portanto a convergencia e exponencial da ordem de 10a, tanto

para a equacao (2.5) como para a equacao (2.6).

1 1.5 2 2.5 3 3.5 4 4.5 5−12

−11

−10

−9

−8

−7

−6

−5

−4

−3

n

log 10

||P

i − p

f||

Figura 5.2: 5 iteracoes

Os coeficientes a e b dessa reta obtidos numericamente sao

-2.03186957873046 -1.59329946924603.

Mostramos na figura 5.3 o logaritmo da distancia entre o Mapa de Poincare e o ponto

fixo da equacao (2.6).

33

0 20 40 60 80 100−14

−12

−10

−8

−6

−4

−2

0

2

n

log 10

||P

i − p

f||

Figura 5.3: 100 iteracoes

Novamente usamos Mınimos Quadrados para ajustar uma reta, usando os dados ate a

vigesima iteracao, obtendo os coeficientes

-0.60663897932225 1.14613582834795.

0 5 10 15 20−12

−10

−8

−6

−4

−2

0

2

n

log 10

||P

i − p

f||

Figura 5.4: 20 iteracoes

34

Capıtulo 6

Discussao

O resultado central de nossa analise e que esse modelo tem um atrator global, dado por

uma solucao periodica nao nula, considerando apenas duas hipoteses sobre os parametros:

sao todos estritamente positivos, e a < b. A primeira hipotese implica, entre outras coisas,

que o sistema biologico e aproximadamente estavel, no sentido que nao esta em processo

de extincao. O segundo considera que a variante transgenica leva vantagem na genetica

mendeliana ao transmitir a modificacao a seus descendentes.

Esse modelo, extremamente simples em sua genese, da pistas de onde se procurar

informacoes para um futuro projeto que se proponha a efetivamente implementar tal

metodologia: enquanto as forcas sazonais permanecerem com a mesma periodicidade, e

na ausencia de outras forcas agindo (como campanhas de exterminacao de mosquitos,

extincao de animais predadores, etc), o sistema tera comportamento previsıvel.

Tentativas de se alterar artificialmente a dinamica do modelo podem ser interpretadas

como variacoes dos parametros. Uma campanha macica de aplicacao de inseticidas con-

sistiria, por exemplo, num aumento da taxa de mortalidade δ, supondo que esta seja feita

de forma constante e igualmente distribuida durante os meses. Enquanto essa taxa nao

exceder a quantidade mınima 1(ε+ε0)

, as solucoes do sistema convergirao para a solucao

periodica nao nula na componente T e para a solucao nula na componente V .

Esse raciocınio nos traz a um conceito central da epidemiologia teorica, o de Numero

de Reprodutividade basica, o numero medio de casos secundarios a partir de um caso

primario, e e comumente denotado R0.

Esse numero e usado como parametro determinante para a verificacao da expansao

35

ou reducao do numero de casos de uma epidemia. Se R0 > 1, a doenca esta em processo

de expansao e dara origem a um surto, R0 < 1, o numero de casos nao sera suficiente

para sustentar um aumento, ou uma situacao de estabilidade e a epidemia sera neutrali-

zada. Por fim R0 = 1 e o limiar de estabilidade, no qual o numero de casos se mantem

aproximadamente constante. O R0 desse modelo periodico foi calculado em Wyse et al.

[2005a].

As solucoes periodicas encontradas proporcionam uma ferramenta adicional no com-

bate a doencas transmissıveis por vetores na Amazonia e outras areas semelhantes. Acre-

ditamos ter mostrado que Mapas de Poincare podem ser eficientemente usados no estudo

de fenomenos sazonais, que dependem de parametros periodicos.

Esperamos que futuramente as tecnicas descritas nesse trabalho possam ser usadas

nao somente em estudos epidemiologicos de malaria na Amazonia, bem como para dengue

no estado do RJ, ajustando-se os parametros as caracterısticas particulares do vetor desta

ultima, e das caracterısticas climaticas que aqui diferem da Amazonia.

36

Apendice A

Enunciados de teoremas importantes

Demonstracoes para esses teoremas podem ser encontrados em Hale [1980], Robinson

[1998], Rosa [2005] e Wiggins [2003].

Teorema A.1 (Teorema do Valor Medio para integrais)

Sejam f, g : [a, b] ⊂ R → R contınuas. Entao existe ξ ∈ [a, b] tal que

∫ b

a

f(x)g(x)dx = f(ξ)

∫ b

a

g(x)dx.

Teorema A.2 (Teorema de Picard)

Sejam (t0, x0) ∈ R × Rn e U aberto em R × R

n. Se f e localmente-Lipschitz em U ,

entao existe um unico x ∈ C1 definido em uma vizinhanca de t0, tal que (t, x(t)) ∈ U, x =

f(t, x) e x(t0) = x0.

Teorema A.3 (Dependencia Ck das condicoes iniciais e dos parametros)

Seja U ⊂ R×Rn aberto, e λ ∈ Λ ⊂ R

m um vetor de parametros, onde Λ e aberto. Se

f ∈ Ck(U ×Λ, Rn), com k ≥ 1, entao a solucao x(t; t0, x0, λ) do problema de valor inicial

37

x(t) = f(t, x, λ)

x(t0) = x0

e uma funcao Ck de (t, t0, x0, λ).

Teorema A.4 (Teorema de Hartman-Grobman)

Seja x0 um ponto fixo hiperbolico de x = f(x). Entao o fluxo gerado por x = f(x) e

homeomorfo a y = Df(x0)y em uma vizinhanca de x0.

38

Apendice B

Codigos de rotinas MATLAB

B.1 poinc.m

%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%

% poinc.m Felipe Figueiredo (2006)

% Rotina para calcular o mapa de poincare da equacao 1d

%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%

%clear all; close all;x

function pm = poinc(x0);

%options = odeset(’OutputFcn’,’odeplot’,’Outputsel’,[1]);

% resolvedor de EDO

[t x] = ode45(@vprime,[0 1], x0);

% pm = x(1), se x(t) eh a solucao, e a eq eh 1-periodica

pm = x(length(x));

B.2 vprime.m

%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%

39

% vprime.m Felipe Figueiredo (2006)

% Equacao 1d

%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%

% os parametros da equacao podem ser recebidos de poinc.m

function vprime = odefile(t,x)

e=0.1232;

d=6.545;

e0=.12;

k=20;

vprime = (1/(e + e0*cos(2*pi*t)) - d)*x - (1/e)*x*x/k;

B.3 itpm.m

%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%

% itpm.m Felipe Figueiredo (2006)

%% Iteracoes do mapa de poincare 1d

%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%

%clear all; close all;

function p = itpm(x0,n)

% n numero de iteracoes

%n=10;

p(1)= poinc(x0);

for i = 2:n;

p(i)=poinc(p(i-1));

40

end;

B.4 poinc2.m

%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%

% poinc2.m Felipe Figueiredo (2006)

% Rotina para calcular o mapa de poincare da equacao 2d

%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%

%clear all; close all;

function [pmV,pmT]=poinc2(vt);

% resolvedor de EDO

%options = odeset(’OutputFcn’,’odeplot’,’Outputsel’,[1])

[t y] = ode45(@vprime2,[0 1], vt);

pmV = y(length(y(:,1)),1);

pmT = y(length(y(:,2)),2);

%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%

%% Para mostrar as solucoes

% figure(1)

% plot (t,y(:,1))

% xlabel(’t’)

% ylabel(’V’)

% title(’Wild mosquitoes’)

%

% figure(2)

% plot (t,y(:,2))

% title(’Transgenic mosquitoes’)

41

% xlabel(’t’)

% ylabel(’T’)

%

% figure(3);

% plot3(t,y(:,1),y(:,2));

% xlabel(’t’);

% ylabel(’V’);

% zlabel(’T’);

% rotate3d on

B.5 vprime2.m

%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%

% vprime2.m Felipe Figueiredo (2006)

% Equacao 2d

%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%

% os parametros da equacao sao recebidos de poinc.m

function vtprime = odefile(t,y)

e=0.1232;

d=6.545;

e0=.12;

k=20;

a=.44;

b=.56;

% y(1) eh V(t)

% y(2) eh T(t)

42

vtprime = [

(a/(e + e0*cos(2*pi*t)) - d)*y(1) - a/(e*k)*(y(1) + y(2) )*y(1) ;

(b/(e + e0*cos(2*pi*t)) - d)*y(2) - b/(e*k)*(y(1) + y(2) )*y(2)

];

B.6 itpm2.m

%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%

% itpm2.m Felipe Figueiredo (2006)

% Iteracoes do mapa de poincare 2d

%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%

%clear all; close all;

function pm=itpm2(vt,n);

% n numero de iteracoes

%n=100;

v=zeros(n,1);

t=zeros(n,1);

pm=zeros(n,2);

[v(1),t(1)]=poinc2(vt);

for i = 2:n;

[v(i),t(i)]=poinc2([v(i-1),t(i-1)]);

end;

pm(:,:)=[v(:) t(:)];

43

44

Referencias Bibliograficas

Boete C e Koella JC (2002). A theoretical approach to predicting the success of genetic

manipulation of malaria mosquitoes in malaria control. Malaria Journal, vol. 1(3).

Boete C e Koella JC (2003). Evolutionary ideas about genetically manipulated mosquitoes

and malaria control. Trends in Parasitology, vol. 19(1).

Brauer F e Castillo-Chavez C (2001). Mathematical Models in Population Biology and

Epidemiology. Springer. ISBN 0387989021.

Caswell H (2001). Matrix population models: construction, analysis, and interpretation.

Sinauer, 2 ed.

CDC (2006). Centers for disease control and prevention. URL

http://www.cdc.gov/malaria/.

Christophides GK (2005). Transgenic mosquitoes and malaria transmission. Cellular

Microbiology, vol. 7(3):pp. 325–333.

Diekmann O e Heesterbeek JAP (2000). Mathematical Epidemiology of Infectious Dise-

ases: Model Building, Analysis and Interpretation. Wiley Series in Mathematical &

Computational Biology. John Wiley & Sons. ISBN 0471492418.

Gould F e Schliekelman P (2004). Population genetics of autocidal control and strain

replacement. Annual Review of Entomology, vol. 49:pp. 193–217.

Hale J (1980). Ordinary Differential Equations. Robert E. Krieger.

Hale JK e Kocak H (1991). Dynamics and Bifurcations. Texts in Applied Mathematics,

Vol. 3. Springer. ISBN 0387971416.

45

Holt RA, et al. (2002). The genome sequence of the malaria mosquito Anopheles gambiae.

Science, vol. 298(5591):pp. 129–149.

Ito J, et al. (2002). Transgenic anopheline mosquitoes impaired in transmission of a

malaria parasite. Nature, vol. 417(6887):pp. 452–455.

James AA (2005). Gene drive systems in mosquitoes: rules of the road. TRENDS in

Parasitology, vol. 21(2).

Kwiatkowski DP (2005). How malaria has affected the human genome and what hu-

man genetics can teach us about malaria. American Journal of Human Genetics,

vol. 77(2):pp. 171–192.

OMS (2005). Who roll back malaria report. URL

http://www.rollbackmalaria.org/wmr2005/.

Poincare H (1899). Les Methodes Nouvelles de la Mechanique Celeste. Gauthier-Villars.

Robinson C (1998). Dynamical Systems: Stability, Symbolic Dynamics, and Chaos, Se-

cond Edition. CRC. ISBN 0849384958.

Rosa RM (2005). Equacoes Diferenciais Ordinarias e Introducao aos Sistemas Dinamicos.

IM-UFRJ.

Sachs J e Malaney P (2002). The economic and social burden of malaria. Nature, vol.

415:pp. 680–685.

Santos J e et al (1997). Entomologia da malaria em Areas de colonizacao da amazonia.

Programa de Pesquisa Dirigida - PPD.

Wiggins S (2003). Introduction to Applied Nonlinear Dynamical Systems and Chaos

(Texts in Applied Mathematics). Springer. ISBN 0387001778.

WiKipedia (2006). URL http://www.wikipedia.org.

Wyse APP, Bevilacqua L, e Rafikov M (2004). Population dynamics of an. darlingi

in the presence of genetically modified mosquitoes with refractoriness to malaria. In

Proceedings Symposium on Mathematical and Computational Biology.

46

Wyse APP, Bevilacqua L, e Rafikov M (2005a). The basic reproductive ratio for a malaria

model. In Proceedings Symposium on Mathematical and Computational Biology.

Wyse APP, Bevilacqua L, e Rafikov M (2005b). Modelo matematico sazonal para a

malaria. In Congresso Nacional de Matematica Aplicada e Computacional.

47