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Instituto Superior Técnico Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular 1º Semestre 2010/2011 2º Ano Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica Upgrade dos apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular de Inês Amorim, baseado nas aulas teóricas e laboratoriais de 2010, dos docentes Arsénio Fialho, Jorge Leitão e Miguel Teixeira

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Instituto Superior Técnico

Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular

1º Semestre – 2010/2011

2º Ano – Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica

Upgrade dos apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular de Inês Amorim,

baseado nas aulas teóricas e laboratoriais de 2010, dos docentes Arsénio Fialho,

Jorge Leitão e Miguel Teixeira

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1ºAno - Mestrado Integrado em Engenharia Biológica
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Índice I. Evolução Prebiótica – Evolução Molecular .......................................................................................... 4

II. Água e pH ........................................................................................................................................... 10

III. Aminoácidos e Proteínas ............................................................................................................... 13

a. Catálise Enzimática ........................................................................................................................ 28

IV. Glúcidos ......................................................................................................................................... 34

V. Lípidos ................................................................................................................................................ 37

VI. Ácidos Nucleicos ............................................................................................................................ 44

VII. Metabolismo ................................................................................................................................. 48

a. Glicólise e Neoglucogénese ........................................................................................................... 50

b. Ciclo de Krebs ................................................................................................................................ 53

c. Cadeia Respiratória ....................................................................................................................... 55

d. Outras vias metabólicas ................................................................................................................ 59

i. Oxidação de ácidos gordos ....................................................................................................... 59

ii. Catabolismo proteico ................................................................................................................ 62

VIII. Fotossíntese .................................................................................................................................. 62

a. Fase fotoquímica ........................................................................................................................... 65

b. Fase química .................................................................................................................................. 67

c. Variantes do processo ................................................................................................................... 68

IX. Replicação do DNA ........................................................................................................................ 70

X. Reparação do DNA ............................................................................................................................. 75

XI. Recombinação do DNA .................................................................................................................. 79

XII. Transcrição de DNA ....................................................................................................................... 87

a. Regulação da Transcrição .............................................................................................................. 92

i. Operão da lactose ..................................................................................................................... 93

ii. Operão do triptofano ................................................................................................................ 96

iii. Regulação em eucariotas .......................................................................................................... 99

XIII. Processamento de RNA ............................................................................................................... 101

a. Processamento de tRNA .............................................................................................................. 101

b. Processamento de rRNA .............................................................................................................. 103

c. Processamento de mRNA ............................................................................................................ 104

XIV. Tradução de RNA ......................................................................................................................... 106

XV. Ciclo Celular ................................................................................................................................. 111

XVI. Laboratório – Restrição de Plasmídeos ....................................................................................... 121

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Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular A bioquímica estuda a estrutura e função de biomoléculas (compostos de carbono com uma grande variedade de ligações químicas e de grupos funcionais) e as reacções químicas envolvidas nos processos biológicos.

Grupos Funcionais

Nome do Grupo Funcional Hidroxilo Carbonilo Carboxilo Imino

Estrutura

Nome do Grupo Funcional

Amino Tiol Fosfato Pirofosfato

Estrutura

De todos os elementos químicos, apenas uma pequena parte entra na composição das biomoléculas. Os mais abundantes são H, O, C e N e existem vestígios de outros elementos como Na, Ca, K, P ou S. Em concentrações ainda mais reduzidas, mas desempenhando funções muito importantes, podemos encontrar Fe, Ni, Zn, I, Cu, etc. Quanto aos elementos que mais contribuem para a massa de um organismo, destacam-se O, C (mais abundante nos organismos que no resto do universo), H, N, P e S, que se ligam entre si por ligações muito estáveis, as ligações covalentes. Os diferentes átomos e moléculas reagem entre si e estabelecem diferentes ligações e interacções:

Covalentes – têm origem na partilha de electrões e são as ligações mais fortes; Não-covalentes – Individualmente são mais fracas que as ligações covalentes mas em

conjunto tornam-se mais fortes e são essenciais para a estrutura e função das macromoléculas:

Ligações iónicas – um ou mais electrões são transferidos de um átomo para o outro, mais electronegativo.

Interacções de Van der Waals;

Ligações por pontes de hidrogénio;

Ligações hidrofóbicas. As biomoléculas englobam 4 tipos de macromoléculas:

Lípidos; Proteínas – cujos monómeros são os aminoácidos; Glícidos – cujos monómeros são os monossacarídeos; Ácidos Nucleicos – cujos monómeros são os nucleótidos.

A formação destas macromoléculas ocorre quando dois monómeros se juntam através de uma reacção de condensação (com libertação de uma molécula de água, por exemplo). Todas estas moléculas e macromoléculas participam em reacções bioquímicas que apresentam uma série de características:

Dão-se em ambiente aquoso (condições suaves); Estão associadas a variações de energia. A sua forma mais vulgar de energia química é

o ATP (Adenosina TriFosfato);

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Reacções bioquímicas diferentes localizam-se em diferentes partes da célula; Estão frequentemente organizadas em vias metabólicas; São reguladas de acordo com a necessidade de controlar a quantidade e a actividade

de enzimas do sistema.

I. Evolução Prebiótica – Evolução Molecular

Com o arrefecimento da crusta terrestre tornou-se possível a condensação da água e a formação de massas de água (sopas pré-bióticas), onde se acumulavam várias moléculas.

Como não havia protecção contra os raios ultra-violeta, estes alcançavam as massas de água e, funcionando como fontes de energia (em conjunto com a energia geotérmica), criaram condições para o estabelecimento de novas ligações químicas entre as moléculas já existentes.

Deste modo surgiram moléculas de origem biológica, como ácidos gordos, nucleótidos, glucose, aminoácidos, etc., moléculas que conduziram ao aparecimento das primeiras formas de vida primitivas.

Em 1950 foi realizada uma experiência, a experiência de Urey-Miller, com o intuito de descobrir como ocorreram as primeiras reacções que originaram as macromoléculas:

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Ilustração 1 - Esquema da Experiência de Urey-Miller.

Com esta experiência foram verificados alguns factos:

Glucose, ribose, desoxirribose e outros açúcares formaram-se a partir de CH2O quando este composto estava exposto à radiação UV.

A adenina, formada a partir de 5 HCN e radiação UV, foi provavelmente a primeira base a surgir.

Formaram-se péptidos com mais de 50 aminoácidos de comprimento. Os aminoácidos e bases eram facilmente sintetizados a partir das moléculas da

atmosfera primitiva e num ambiente redutor, não ocorrendo a sua formação numa atmosfera neutra ou rica em oxigénio.

Apesar de ser impossível recriar com exactidão as condições da Terra primitiva, foi possível verificar a sintetização de macromoléculas in vitro partindo de compostos inorgânicos.

A glicina, um dos aminoácidos mais abundantes produzidos na experiência Urey-Miller, é sintetizada da seguinte forma:

Onde: CH2O – formaldeído NH3 – amoníaco HCN – cianeto de hidrogénio

NH2CH2COOH – glicina NH2CH2CN – ammonitrile

Ilustração 2 - Fórmula de Estrutura da Glicina.

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Apesar das experiências a seu favor, a teoria da sopa pré-biótica tem alguns pontos fracos como o facto de ser uma mistura diluída, já que nessas condições as moléculas têm tendência a separar-se e não a serem sintetizadas. Contudo, a evaporação da água devido ao calor interno da Terra pode ter levado ao aumento da concentração das substâncias presentes nessa sopa, facilitado as reacções que levaram à formação de moléculas mais complexas.

Produtos formados sob condições pré-bióticas

Ácidos carboxílicos Nucleótidos e Bases Aminoácidos Açúcares Ácido Fórmico Adenina Glicina Pentoses Ácido Acético Guanina Alanina Hexoses

Ácido Propanóico Xantina Ácido -aminobutírico Ácidos Gordos (C4-C10) Hipoxantina Valina

Ácido Glicólico Citosina Leucina Ácido Láctico Uracilo Isoleucina

Ácido succínico Prolina Ácido arpártico Ácido glutâmico Serina

Treonina

Pensa-se que a primeira “molécula da vida” a surgir terá sido o RNA pois este ácido nucleico não necessita de enzimas ou primers para se replicar; pode, ele próprio, actuar como uma enzima; e, ainda nos dias de hoje, se encontram organismos cujo material genético se restringe a moléculas de RNA (ex. retro-vírus). Num primordial Mundo do RNA terão sido produzidas moléculas de RNA com sequências aleatórias. Alguns fragmentos ter-se-ão auto-replicado, num processo catalisado por ribozimas – segmentos do próprio RNA. Os segmentos seleccionados terão catalisado a síntese de péptidos específicos que, por sua vez, participaram na replicação do RNA. Deu-se então um período de co-evolução do RNA e proteínas seguido da evolução dos sistemas primitivos de tradução e do aparecimento no genoma de RNA. O papel catalítico e genético deste genoma foi sendo separado ao longo do tempo, acabando o DNA por ser a fonte de material genético e as proteínas os principais agentes catalíticos. Estes e muitos outros factores contribuíram para a crescente complexidade do mundo pré-biótico e para a evolução da vida.

Ilustração 3 - RNA e a sua importância na evolução biológica.

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Desde o aparecimento das primeiras células até à diversidade de organismos que se verifica nos dias de hoje deu-se uma grande evolução. As primeiras células a surgir eram quimioheterotróficas e utilizavam como fonte de carbono e energia moléculas sintetizadas por processos não biológicos. A escassez de nutrientes favoreceu a evolução de seres autotróficos capazes de sintetizar as suas próprias moléculas orgânicas, primeiro a partir de compostos químicos e, mais tarde, a partir da radiação solar. A evolução de seres fotossintéticos levou à libertação de O2 para a atmosfera terrestre e, apesar de este gás ser tóxico para a maioria dos seres anaeróbios (os únicos existentes até esta altura), o aumento da sua concentração favoreceu a evolução de seres aeróbios. Estes seres apresentavam uma enorme vantagem em relação aos seres anaeróbios quando competiam num ambiente rico em oxigénio e, devido à sua maior eficiência energética, tinham ainda maior potencialidade de se desenvolverem para formas de vida mais complexas.

Relativamente à organização celular, as primeiras células tinham uma estrutura muito simples, sem núcleo individualizado, organitos celulares ou sistema endomembranar. Estas células procarióticas foram sofrendo uma série de alterações até darem origem às células eucarióticas, mais complexas e com um núcleo perfeitamente organizado e delimitado, diversos organitos celulares e sistema endomembranar.

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Comparação entre uma célula eucariótica e uma célula procariótica

Escherichia coli (Célula Procariótica)

Célula Animal ou Vegetal (Célula Eucariótica)

Célula pequena e simples que cresce e se replica depressa. Pode adaptar-se rapidamente a alterações do meio em que se encontra.

Célula de grandes dimensões e muito complexa.

Não possui um núcleo individualizado; o ADN e outras moléculas coexistem na célula numa região nucleóide. Não possui organelos membranados.

Possui núcleo (onde se encontra a informação genética), organelos membranados para assegurar variadas funções celulares, desde a digestão à produção de energia e armazenamento de nutrientes.

Normalmente encontra-se sob forma singular.

Normalmente forma seres multicelulares.

Pode não precisar de oxigénio para existir.

Precisa normalmente de oxigénio para existir.

Existe ADN extra-cromossomal sob forma de plasmídeo.

Existe ADN extra-cromossomal nas mitocôndrias e nos cloroplastos. Diferencia-se em vários tipos de células.

Os ribossomas são do tipo 70S. Os ribossomas são do tipo 80S.

Ilustração 4 - Célula de E. coli.

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Ilustração 5 - Célula animal (à esquerda) e célula vegetal (à direita).

Esta evolução das células procarióticas para células eucarióticas pode ser explicada pela teoria da endossimbiose. O modelo endossimbiótico, desenvolvido por Lynn Margulis, defende que os seres eucariontes terão resultado da evolução conjunta de vários organismos procariontes, os quais foram estabelecendo associações simbióticas entre si. Este modelo admite que os sistemas endomembranares e o núcleo resultaram de invaginações da membrana plasmática e que as mitocôndrias e os cloroplastos, até há cerca de 2100 M.a., eram organismos autónomos. Nessa altura, algumas células de maiores dimensões (células hospedeiras) terão capturado células mais pequenas, como os ancestrais das mitocôndrias e dos cloroplastos. Alguns destes ancestrais conseguiram sobreviver à digestão no interior da célula procariótica de maiores dimensões, estabelecendo relações de simbiose. A íntima

cooperação entre estas células terá conduzido ao estabelecimento de

Ilustração 6 – Modelo endossimbiótico.

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uma relação simbiótica estável e permanente que trouxe inúmeras vantagens, desde uma maior capacidade de metabolismo aeróbio (levado a cabo pelas mitocôndrias) até a uma maior facilidade de obter nutrientes (produzidos pelo endossimbionte autotrófico). Alguns aspectos que suportam a teoria são os seguintes:

As mitocôndrias têm um ADN mitocondrial e dividem-se como algumas bactérias; Algumas proteínas usadas na mitocôndria são importadas do citoplasma e traduzidas a

partir de mRNA produzidos a partir de genes nucleares; A mitocôndria e a célula “hospedeira” apresentam uma relação simbiótica; Há mil milhões de anos, uma bactéria aeróbica sofreu endocitose por uma célula

eucariótica anaeróbica que, desde então, a manteve para produzir energia. Existem evidências em sequências do ADN, membrana e comportamentos da

mitocôndria que são semelhantes aos encontrados em bactérias. A dada altura, organismos unicelulares começaram a agrupar-se e a organizar-se em colónias. As vantagens deste tipo de relações acabaram por prevalecer e surgiram os primeiros seres multicelulares. Com o decorrer da evolução deu-se a diferenciação celular e a especialização de grupos de células em determinadas funções. Hoje em dia, considera-se que todos os organismos vivos pertencem a um dos domínios/ramos da árvore da vida e que evoluíram a partir de um ancestral comum. Os domínios baseiam-se no RNA Ribossomal.

Ilustração 7 - Árvore da vida.

II. Água e pH A água é a substância química predominante nos organismos vivos, perfazendo cerca de 70% da sua massa. É um óptimo solvente para a maioria das moléculas polares e apresenta diversas características que fazem dela uma molécula única. Entre as principais características da água destacam-se:

Molécula polar – ligação entre átomos com electronegatividades diferentes (a partilha dos electrões entre os átomos é assimétrica);

Forma pontes de hidrogénio; Constante dieléctrica elevada.

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As pontes de hidrogénio ocorrem quando dois átomos muito electronegativos (oxigénio, flúor ou azoto, os elementos mais electronegativos, ou seja, com maior tendência para captar um electrão) competem pelo mesmo átomo de hidrogénio, o doador dos electrões que acabam por ser atraídos principalmente pelos átomos electronegativos. Apesar de isoladamente cada ligação hidrogénio não ser muito energética (sendo, contudo, mais forte com um ângulo de “ligação” de 180°), a uma escala macroscópica estas interacções tornam-se bastante relevantes. No estado sólido, cada molécula de água forma 4 ligações hidrogénio estáveis com moléculas vizinhas. Por outro lado, no estado líquido essas ligações estão constantemente a formar-se e a ser

quebradas, durando cerca de 1 ns. No entanto, em qualquer dos casos, a quebra das ligações requer uma quantidade considerável de energia, justificando o facto de os pontos de fusão e ebulição da água serem elevados. Assim, as pontes de hidrogénio são fortes o suficiente para serem úteis mas fracas o suficiente para serem quebradas e restabelecidas de forma reversível. Como as moléculas de água formam pontes de hidrogénio, a água adquire propriedades únicas:

Coesão Tensão Superficial – mede a força da superfície da água. A tensão superficial da água é elevada, de tal forma que permite a alguns insectos permanecer à sua superfície sem se afundarem.

Adesão A adesão é a atracção entre duas substâncias diferentes. A água estabelece pontes de hidrogénio com outras superfícies, como o vidro, o solo, tecidos vegetais e algodão.

Temperatura

Os seus pontos de fusão e ebulição são elevados devido à formação de pontes de hidrogénio, que mantêm as moléculas mais ligadas umas às outras e leva a que apenas com mais energia elas se desagreguem. Também o seu calor específico e calor latente de fusão e evaporação são elevados, o que implica fornecer maior quantidade de energia para que a água mude de fase.

Solvência A água é um bom solvente para moléculas hidrofílicas como algumas moléculas polares e sais, e mau solvente para moléculas hidrofóbicas como os ácidos gordos.

A Energia Livre de Gibbs

Permite fazer uma previsão acerca das concentrações e direcção de uma reacção química;

Traduz-se pela equação: , onde ∆H é a variação da entalpia, T é a temperatura e ∆S é a variação da entropia;

– A reacção procede espontaneamente na direcção em que foi escrita; – A reacção requer energia para ocorrer.

Ilustração 8 - Estabelecimento de uma ponte de hidrogénio entre duas moléculas de água.

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A água é um bom solvente de moléculas polares pois forma pontes de hidrogénio com os mesmos e também dissolve sais através de interacções electrostáticas. Neste último caso, a água rodeia os iões que compõem o sal e diminui as interacções electrostáticas entres eles, contrariando a sua tendência para cristalizar e tornando-os solúveis. Durante a sua dissolução há um aumento da entropia e a energia livre de Gibbs é negativa, o que significa que a dissolução é favorecida. Quando uma molécula apolar (os elementos que a constituem têm electronegatividades muito semelhantes) é colocada em água, a água tenta dissolvê-la, criando uma espécie de jaula em torno dessa molécula. Este processo é desfavorável pois a entropia das moléculas de água diminui. Contudo, a molécula apolar tende a agregar-se a outras

moléculas iguais a si para diminuir a área de contacto com a água. Este é o efeito hidrofóbico.

Moléculas anfifílicas (como ácidos gordos), que contém simultaneamente grupos polares e grupos não-polares, tendem a dispor-se em aglomerados de modo a que as suas regiões hidrofóbicas não estejam em contacto com a água, verificando-se assim a formação de micelas. Nas micelas, as moléculas mantêm-se juntas não porque existam interacções entre si mas porque essa configuração contribui para a estabilidade do sistema e para o aumento da sua entalpia. A formação deste tipo de estruturas constitui o princípio base da formação de membranas celulares.

Ilustração 10 - Formação de micelas.

Uma outra propriedade característica das moléculas de água é a sua tendência para sofrerem ionização segundo a reacção:

Ilustração 9 - Dissolução de um sal pela água.

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Produto Iónico da Água A 25°C,

pH

Constante de dissociação de um ácido ,

Equação de Henderson-Hasselbach

O valor de pKa expressa a força relativa de um ácido: quanto mais baixo for o valor de pKa mais forte é o ácido. Este valor corresponde ao valor de pH do ponto médio de uma curva de titulação, ou seja, ao ponto para o qual [HA]=[A-] (ponto isoeléctrico). O pH do sangue ronda os 7.4 e pequenas variações, como 0.2, são suficientes para provocar a morte de um indivíduo. No entanto, o pH noutros locais do organismo pode ter valores muito diferentes (ex. pH do estômago pode variar entre 2.5 e 3.0) de acordo com as reacções que ocorrem nos diferentes órgãos/tecidos. Apesar dos diferentes valores que se podem registar

nos mais variados tecidos, é necessário que, em cada caso, o pH se mantenha constante, qualquer que seja o seu valor ideal, para que as reacções metabólicas se dêem correctamente. É para isso muito importante a existência de soluções tampão. Alguns ácidos ou bases e os seus conjugados podem ser utilizados como soluções tampão na medida em que mantém o pH do meio relativamente constante face a pequenas variações das concentrações de outros ácidos/bases da solução. Ácidos e bases fracas são os que melhor desempenham esta função. O intervalo de pH em que as soluções se comportam como tampão é .

Uma curva de titulação permite determinar o pKa de um ácido fraco.

III. Aminoácidos e Proteínas As Proteínas são as moléculas mais abundantes e mais versáteis de todos os organismos vivos. Estão presentes em todos os locais das células e resultam da expressão de informação genética. São formadas por polímeros de aminoácidos ligados através de ligações peptídicas,

Ilustração 11 - Curvas de Titulação.

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surgem em dimensões variadas, como pequenos péptidos até grandes cadeias, e desempenham variadíssimas funções, desde mediar reacções químicas a transmitir impulsos nervosos e a controlar o crescimento e diferenciação celular. Tanto podem ser estruturais como participar num ciclo enzimático, e podem ser reactivas ou meramente mediadoras. Entre os diferentes tipos de proteínas conhecidas podem destacar-se:

Enzimas (ex. amilase); Hormonas (ex. insulina); Proteínas transportadoras (ex. hemoglobina); Proteínas de armazenamento (ex. mioglobina); Proteínas estruturais (ex. colagénio); Proteínas protectoras (ex. anticorpos); Proteínas contrácteis (ex. actina e miosina); Proteínas Tóxicas.

Apesar da sua grande diversidade, as proteínas são formadas apenas por 20 tipos de aminoácidos cuja natureza e sequência condiciona a estrutura final da cadeia polipeptídica e, consequentemente, a função da proteína. Algumas das propriedades dos aminoácidos que mais contribuem para a estrutura e função das proteínas são:

Estereoquímica (disposição espacial das moléculas);

Hidrofobilidade e polaridade relativas; Propriedades das ligações hidrogénio; Propriedades de ionização.

Cada aminoácido apresenta a estrutura representada na imagem à direita. É o grupo R que permite distinguir os aminoácidos, dando-lhes propriedades diferentes. A glicina é o único aminoácido cujo carbono central, o

carbono-α, possui duas ligações iguais, pois o seu grupo R é um hidrogénio. Todos os outros aminoácidos possuem um carbono-α quiral, ou seja, um carbono com todas as 4 ligações diferentes. A treonina e a isoleucina apresentam dois carbonos quirais e, portanto, podem apresentar 4 estereoisómeros.

Devido à sua configuração tetraédrica, dois aminoácidos com a mesma constituição química podem apresentar imagens espelhadas, que representam uma classe de estereoisómeros – os enateófilos. De um modo simples, podemos classificar cada isómero em L (levo) ou D (dextro) conforme o seu grupo amina esteja orientado para a esquerda ou direita, respectivamente, numa

representação esquemática do aminoácido (esta classificação tem origem na comparação dos aminoácidos com gliceraldeído, que também apresenta este tipo de isómeros).

Ilustração 12 - Estrutura de um aminoácido.

Ilustração 13 - Isómeros da Alanina.

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Peptidoglicanos, constituintes das paredes celulares de células bacterianas, são formados por D-aminoácidos. No entanto, essa é uma excepção pois, apesar de em laboratório a síntese de aminoácidos dar origem a moléculas L e D, na maioria dos organismos vivos apenas se encontram L-aminoácidos. Classificação dos aminoácidos

Ap

ola

res

Alanina

Glicina

Isoleucina

Leucina

Metionina

Prolina

Valina

Po

lare

s se

m c

arga

Asparagina

Cisteína

Glutamina

Serina

Treonina

Bás

ico

s

Arginina

Histidina

Lisina

Áci

do

s

Ácido Aspártico

Ácido Glutâmico

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Aro

mát

ico

s

Fenilalanina

Tirosina Triptofano

Os aminoácidos apolares são tendencialmente hidrofóbicos; Os aminoácidos polares sem carga são hidrofílicos e possuem grupos R ionizáveis; Os aminoácidos básicos ou positivamente carregados possuem um grupo R com carga

positiva e comportam-se como bases; Os aminoácidos ácidos ou negativamente carregados possuem um grupo R com carga

negativa e comportam-se como ácidos; Os aminoácidos aromáticos apresentam anéis no seu grupo R, são hidrofóbicos e

absorvem radiação UV, enquanto todos os outros aminoácidos absorvem radiação IV. Os aminoácidos a laranja têm de ser obtidos pela dieta visto que o corpo humano é

incapaz de os produzir. Os aminoácidos têm grupos ionizáveis (grupo amina, grupo carboxílico e, por vezes, também o grupo R), pelo que podem encontrar-se sob a forma de catião ou anião. Excepto para valores de pH extremos, coexistem várias formas ionizáveis de um aminoácido, predominando uma delas, de acordo com a natureza ácida ou básica do meio. Em condições fisiológicas, nomeadamente em meio aquoso, os aminoácidos designam-se zwiteriões porque se apresentam na forma de dipolos iónicos, com ambos os grupos amina e carboxílico ionizados. Estes grupos comportam-se como ácidos ou bases fracas, respectivamente, pelo que é possível representar uma curva de titulação de um aminoácido. Em aminoácidos com grupos R não ionizáveis (aminoácidos dibásicos) destacam-se dois pontos na curva de titulação que correspondem, cada um, ao pKa de um dos grupos amina ou carboxílico.

pKa do grupo amina (NH3+) – corresponde ao pH para o qual há 50% do aminoácido na

forma aniónica e na forma de zwiterião, tendo um valor básico. pKa do grupo carboxilo (COO-) – corresponde ao pH para o qual há 50% do

aminoácido na forma de zwiterião e na forma catiónica, tendo um valor ácido.

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Ilustração 14 - Titulação da Alanina, um aminoácido dibásico.

Para aminoácidos com grupos R ionizáveis (aminoácidos tribásicos) distingue-se um outro pKa, num local que varia conforme a natureza ácida ou básica do grupo. O ponto isoeléctrico corresponde ao pH no qual predomina a forma de zwiterião do aminoácido, ou seja, o aminoácido não tem carga. Para um aminoácido dibásico, o seu ponto isoeléctrico calcula-se pela expressão:

Onde: e

. Para um aminoácido tribásico, o pI é a média dos pKas de valor mais próximo, correspondentes à passagem de um estado neutro para negativo ou de um estado positivo para neutro.

Ilustração 15 - Curva de Titulação para a Histidina, um aminoácido tribásico.

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A formação de péptidos dá-se por reacção de polimerização de condensação de aminoácidos. A ligação peptídica forma-se entre o átomo de carbono do grupo carboxílico e o átomo de azoto do grupo amina, com eliminação de água. As duas extremidades da cadeia assim formada são designadas por "terminal amino" e "terminal carboxílico" ou N-terminus e C-terminus. As ligações peptídicas são ligações covalentes muito

estáveis, com 40% de carácter duplo (têm comprimento de 0,133 nm, são mais curtas que uma ligação simples e

mais longas que uma ligação dupla), e têm uma disposição espacial dos seus átomos bem definida. O carácter duplo parcial da ligação C-N inibe a rotação em torno da ligação peptídica e os quatro átomos O, C, N e H definem um plano, o plano peptídico. Uma cadeia polipeptídica pode então ser considerada como um conjunto de planos que podem rodar em torno das ligações N-Cα (ângulo φ) ou C-Cα (ângulo ψ).

Ilustração 17 - Péptido.

Os ângulos de diedro, φ e ψ, não podem assumir valores arbitrários pois certas configurações da molécula são impossíveis devido à sobreposições de nuvens atómicas. Deste modo, estes

Exemplo de um problema:

Qual é o pH de uma solução de glicina em que o grupo –αNH3 está 1/3 dissociado?

A equação Henderson-Hasselbalch apropriada é:

Se o grupo αNH3 está 1/3 dissociado, existe uma parte de glicina com carga negativa para

duas partes de glicina neutra. O pKa a utilizar neste caso é o do grupo amina (9.6). Tem-se

então:

Ilustração 16 - Reacção de condensação para formação de um péptido.

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ângulos estão restritos a determinados valores que podem ser representados recorrendo a um gráfico de Ramachandran:

Ilustração 18 - Gráfico de Ramachandran.

Os diagramas de Ramachandran indicam quais as combinações dos ângulos de diedro possíveis numa ligação peptídica e são semelhantes para todos os aminoácidos. Pequenas variações podem ocorrer devido à complexidade dos grupos R envolvidos: as zonas favoráveis tendem a diminuir quando a complexidade dos aminoácidos aumenta. As ligações peptídicas são maioritariamente trans, ou seja, os grupos laterais de aminoácidos consecutivos estão de lados opostos. As configurações cis, por norma, são mais desfavoráveis energeticamente pelo que ocorrem numa razão de cerca de 1/1000 em relação às trans. A excepção está no aminoácido prolina, em que as configurações cis e trans têm a mesma energia – a sua razão cis/trans é 1/4. As ligações cis conferem instabilidade às proteínas, pelo que as células desenvolveram mecanismos capazes de reverter as configurações das ligações.

Ilustração 19 - Configurações trans e cis.

Os aminoácidos ligam-se entre si em número variado, dando origem a cadeias de dimensões e constituição diversa.

Péptidos ou Oligopéptidos – cadeias com 10 resíduos, no máximo; Polipéptidos – apresentam geralmente entre 10 e 50 resíduos; Proteínas – têm mais de 50 aminoácidos e pesos moleculares elevados (expressam-se

em Dalton – 1Da=1uma). No entanto, a distinção entre péptidos e proteínas não se baseia unicamente na sua dimensão, mas sim nas respectivas funções biológicas de cada molécula.

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As proteínas apresentam 4 níveis de organização estrutural: Estrutura primária – Sequência linear de aminoácidos, determinada pela informação

genética a partir da qual a proteína é transcrita, que se mantém por ligações covalentes (peptídicas). A sequência de uma proteína lê-se a partir do terminal amina para o terminal carboxilo;

Estrutura secundária – Arranjo local dos aminoácidos em cadeia – hélices-α e folhas-β (60% das estruturas mais frequentes), loops, turns, etc., que se mantém por ligações fracas (pontes de hidrogénio e interacções Van der Waals) e se consegue através da variação dos ângulos φ e ψ;

Estrutura terciária – Arranjo 3D da molécula em solução que se mantém por ligações fracas (pontes de hidrogénio e interacções Van der Waals);

Estrutura quaternária – Organização da proteína em subunidades que se mantém por ligações fracas (pontes de hidrogénio e interacções Van der Waals). Nem todas as proteínas apresentam este tipo de estrutura.

Ilustração 20 - Estruturas de uma proteína.

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Estruturas Secundárias H

élic

e-α

Forma cilíndrica com o esqueleto da cadeia linear em hélice e os grupos laterais em direcção ao exterior. Forma-se quando o oxigénio do grupo carboxílico forma uma ligação de hidrogénio com o hidrogénio do grupo amina de um aminoácido quatro resíduos a seguir, em direcção ao terminal-C. Ao longo da hélice, todos os átomos de oxigénio do grupo carboxílico estabelecem este tipo de ligação na mesma direcção, o que confere direccionalidade a este arranjo periódico. Ângulos característicos: A solubilidade desta estrutura fica determinada pela natureza das cadeias laterais porque os seus grupos polares já estão envolvidos em ligações hidrogénio. Cada espira da hélice representa, aproximadamente, 3.6 resíduos de aminoácidos e envolve 13 átomos – 3.613 helix. Cada resíduo estende-se por 1.5 Å, logo o passo da hélice (“altura” de cada volta) tem 5.4 Å. A hélice possui um momento dipolar bem definido: o terminal amina possui uma carga parcialmente positiva e o terminal carboxilo possui uma carga parcialmente negativa.

Folh

as-β

Cadeias, de 5-8 resíduos, agrupadas lado a lado, cujas folhas adjacentes se ligam por pontes de hidrogénio. A natureza das ligações estabelecidas leva as folhas a formarem planos e a terem uma conformação final pregueada. Têm uma direcção definida pelo que folhas adjacentes podem progredir na mesma direcção – paralelas, ou em direcções opostas – anti-paralelas (menos estáveis). Em ambas as situações, cadeias laterais R dispõem-se para um e outro lado da folha. Nas zonas de ligação, que fazem a continuação de uma folha para a outra, podem existir turns e loops.

Turn

s

Pequenas estruturas em forma de U, formadas por 3 ou 4 aminoácidos, que redireccionam o esqueleto da cadeia para o seu interior, revertendo a sua direcção, e permitem que as proteínas se tornem estruturas compactas. Em cada turn estabelece-se apenas uma ligação hidrogénio – entre o oxigénio do grupo carboxílico do primeiro resíduo e o hidrogénio do grupo amina do quarto aminoácido. β-turns são das estruturas mais comuns e fazem a ligação entre cadeias anti-paralelas de folhas-β. Muitas vezes contêm resíduos de glicina ou prolina e formam-se preferencialmente à superfície da proteína, de modo a que os grupos que não estão envolvidos na ligação hidrogénio possam interagir com a água.

Loo

ps

Fazem a ligação entre vários elementos da estrutura secundária das proteínas (ex. ligam folhas-β paralelas). Podem ocorrer em várias formas e tamanhos. No entanto, também se localizam à superfície das proteínas e, por isso, podem desempenhar um papel importante no reconhecimento de processos biológicos (por exemplo, os antigénios podem diferenciam-se entre si pelos loops que ligam as suas folhas-β). Devido à sua estrutura não organizada, uma mutação que ocorra numa zona associada a um loop tem tendência a ser menos grave do que se ocorresse numa folha ou numa hélice pois não implica a destruição da estrutura proteica e, consequentemente, a perda de função.

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Ilustração 21 - Estrutura Secundária - Hélice-α.

Ilustração 22 - Estrutura Secundária - Folhas-β.

Ilustração 23 - Estrutura Secundária - Turns.

As cadeias polipeptídicas podem ainda apresentar sequências com estrutura não tipificada, chamas sequências random. Apesar do nome, estas sequências são bem definidas para cada proteína e mantém-se mesmo após renaturação, não encaixando, contudo, em nenhuma das tipologias anteriores.

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A função das proteínas está relacionada com a sua configuração tri-dimensional e esta configuração, por sua vez, é especificada pela sequência de aminoácidos pelo que a natureza dos vários resíduos favorece a adopção de diferentes tipos de estrutura secundária. Por exemplo, o ácido glutâmico, a alanina e leucina dão sobretudo origem a hélices-α; a valina e a isoleucina originam folhas-β; e a prolina, a glicina e a asparagina estão muitas vezes associadas a turns. Aos diferentes tipos de estruturas secundárias estão associados ângulos φ e ψ diferentes, pelo que

a cada tipo corresponde uma zona específica de um diagrama de Ramachandran. A adopção de estruturas secundárias por parte das proteínas traz vantagens:

Permite uma compactação da estrutura, o que tende a minimizar o contacto das cadeias laterais hidrofóbicas com a água;

As ligações por pontes de hidrogénio entre os grupos polares CO e NH das cadeias principais (ligações essas que estabilizam as estruturas) compensam a energia gasta para as desviar das interacções com a água.

Destacam-se ainda 3 aminoácidos com características especiais:

Prolina – o seu grupo amina não é livre, encontrando-se ligado ao radical, o que lhe confere grande rigidez; introduz quebras nas hélices e nas folhas;

Glicina – Pode ser encontrada em qualquer lugar do diagrama de Ramachandran e, nas proteínas, é muitas vezes encontrada em regiões flexíveis;

Cisteína – forma pontes de dissulfureto.

A estrutura terciária das proteínas refere-se ao arranjo tridimensional dos resíduos de aminoácidos e tem uma importância fundamental para a actividade biológica das proteínas. Por exemplo, resíduos de aminoácidos muito distantes na cadeia linear podem aproximar-se devido a enrolamentos e formar regiões indispensáveis ao funcionamento da proteína, como o centro activo das enzimas.

Ilustração 24 - Diagrama de Ramachandran.

Ilustração 25 - Pontes de dissulfureto estabelecidas entre cisteínas.

Ilustração 26 - Estrutura terciária da Ribonuclease.

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Enquanto os elementos da estrutura secundária são estabilizados por ligações hidrogénio, a estrutura terciária é influenciada essencialmente pela natureza dos grupos R dos aminoácidos e depende de diversos tipos de ligações: iónicas, electrostáticas, pontes de hidrogénio, ligações hidrofóbicas e covalentes. Podem ainda estabelecer-se ligações difusas que ajudam a estabilizar a estrutura da proteína através de pontes cruzadas (crosslinks). As pontes mais comuns são as pontes dissulfureto, formadas pela ligação S-S entre duas cisteínas – aminoácido cisteína após a oxidação do seu grupo HS, e que ocorrem maioritariamente em meio extracelular. A estabilização da estrutura final leva à dobra de elementos da estrutura secundária e, como é maioritariamente devida a forças de interacção fracas, está em constante alteração (mantendo, no entanto, uma conformação base), o que tem consequências importantes para a sua função. Por fim, a estrutura quaternária não está presente em todas as proteínas. Também é influenciada pelos grupos R, é não linear e tem origem na associação entre várias cadeias polipeptídicas, idênticas ou diferentes, através de ligações não covalentes. Permite o aumento da estabilidade da proteína pela redução da relação superfície/volume, contribui para a economia e eficiência energética e favorece a cooperatividade e a aproximação de centro catalíticos – eficaz nas vias metabólicas/catalíticas. A desnaturação de uma proteína é resultado da alteração (perda) das suas estruturas secundária, terciária e quaternária, mas não da sua estrutura primária pois as ligações peptídicas só são afectadas em condições extremas. A desnaturação leva à perda de função da proteína e pode ser devida a agentes químicos, como o pH, ou físicos, como a temperatura. Quando são repostas as condições fisiológicas a proteína adquire a sua conformação funcional – ocorre renaturação. Nalguns casos, nomeadamente quando a estrutura primária é alterada, a proteína não é capaz de recuperar a sua função. Em 1953 Frederick Sanger sequenciou as duas cadeias proteicas da insulina (proteína com 51 resíduos composta por dois polipéptidos ligados por pontes de dissulfureto) através de um processo de identificação do terminal amina de uma cadeia. Os resultados de Sanger estabeleceram que todas as moléculas de uma determinada proteína têm a mesma sequência de aminoácidos. As proteínas podem ser sequenciadas de duas maneiras:

Sequenciação real da cadeia polipeptídica; Sequenciação do DNA do gene correspondente.

Também o processo de Edman permite sequenciar uma proteína:

Ocorre uma reacção do terminal amina com fanil-isotiocianato; A proteína modificada é submetida a hidrólise ácida e liberta o terminal amina

modificado, que é identificado por cromatografia; Segue-se novo ciclo de reacção com o próximo aminoácido da proteína, que se tornou

no terminal amina. Deste modo os aminoácidos vão sendo sucessivamente (e ordenadamente) individualizados, o que permite determinar a sequência completa de uma proteína.

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Purificação e Análise proteica

Ilustração 27 - Separação de proteínas com base na sua massa.

A separação das proteínas pode basear-se em propriedades físicas ou químicas:

Solubilidade; Forças interactivas; Hidrofobicidade dos resíduos; Carga dos aminoácidos; Ponto isoeléctrico; Tamanho e forma.

A cromatografia é um processo utilizado para separar componentes, podendo separar as várias proteínas de uma amostra.

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Ilustração 28 - Cromatografia de troca iónica.

Ilustração 29 - Cromatografia de exclusão por peso molecular: as proteínas são separadas pelo tamanho. Também se chama filtração gel. O gel possui poros de determinados tamanhos; as moléculas de maiores dimensões não entram nos poros e migram mais rapidamente; as moléculas pequenas entram nos poros e demoram mais tempo a migrar ao longo do gel.

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Ilustração 30 - Cromatografia por afinidade: as proteínas com afinidade com o gel do tubo ficam ligadas ao mesmo, enquanto que as proteínas sem afinidade saem do tubo.

Na primeira experiência realizada a bioquímica utilizou-se a técnica da electroforese em gel de SDS-Poliacrilamida para separar proteínas. O SDS é um detergente que cobre as proteínas de carga negativa e confere uma taxa carga/massa similar a todas as proteínas a que se liga. O SDS também contribui para desnaturar as proteínas.

Ilustração 31 - Acção do SDS sobre uma proteína.

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Outra técnica de separação de proteínas combina dois métodos de separação: primeiro as proteínas são separadas segundo o seu ponto isoeléctrico num gel com um pH decrescente; depois o gel é colocado num poço à medida feito num gel de SDS-Poliacrilamida para se dar a electroforese e separar as proteínas por pesos moleculares.

Ilustração 32 - Separação de proteínas pela combinação de dois métodos: ponto isoeléctrico e electroforese.

a. Catálise Enzimática

As enzimas, uma classe particular de proteínas, são catalisadores bioquímicos cuja função é baixar a energia de activação necessária a uma dada reacção e permitir que esta decorra a uma velocidade muito mais elevada. Em condições biologicamente favoráveis, muitas reacções comuns em bioquímica não são favoráveis e só ocorrem devido à intervenção de enzimas. Entre as características das enzimas é possível destacar:

São todas de natureza proteica, embora

possam conter uma parte não proteica – o Ilustração 33 - Acção catalítica.

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cofactor; Baixam a energia do estado transiente, diminuindo a energia de activação necessária a

uma reacção – aceleram a sua velocidade (velocidade até 1016x superior!); Não modificam a constante de equilíbrio K; Encontram-se intactas no final da reacção; Têm elevada especificidade; A sua actividade pode ser sujeita a controlo.

De acordo com o tipo de reacção que catalisam, as enzimas classificam-se da seguinte forma:

Nº Classe Tipo de Reacção catalisada Subclasses

importantes

1 Oxidorredutases Transferência de electrões (iões hidratados ou átomos H)

Dehidrogenases; Oxidases;

Peroxidases; Reductases;

Monooxigenases; Dioxigenases.

2 Transferases Transferência de grupos

C1 – Transferases; Glicosiltransferases; Aminotransferases; Fosfotransferases.

3 Hidrolases Hidrólises (transferência de grupos funcionais para a água)

Esterases; Glicosidases; Peptidases; Amidases.

4 Liases Adição de grupos para formar ligações duplas ou formação de ligações duplas para remoção de grupos

C-C liases; C-O liases; C-N liases; C-S liases.

5 Isomerases Transferência de grupos entre uma mesma molécula para formar isómeros

Epimerases; Cis trans isomerases;

Transferases intramoleculares.

6 Ligases Formação de ligações C-C, C-S, C-O ou C-N por reacções de condensação acopladas a clivagem de ATP

C-C ligases; C-O ligases; C-N ligases; C-S ligases.

As enzimas são divididas em classes, subclasses, sub-subclasses e números de série. Na sua nomenclatura internacional (EC) indicam-se 4 números que correspondem, respectivamente, a cada uma das subdivisões mencionadas. Ex: Phosphoglucomutase (EC 5.4.2.2) As enzimas podem ter especificidade para um determinado tipo de substrato e/ou de ligação, apresentando diversos níveis de especificidade. A especificidade é controlada pela estrutura – um encaixe único do substrato com a enzima assegura a selectividade. Às enzimas pouco específicas costuma dar-se o nome de enzimas promíscuas. Em qualquer enzima, o substrato liga-se ao centro activo onde a reacção é catalisada. O centro activo, constituído pelo conjunto de aminoácidos que entram em contacto com o substrato, compreende o local de fixação, que se combina com o substrato por ligações fracas, e o centro catalítico, que actua sobre o substrato levando-o a sofrer a reacção química.

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A interacção enzima-substrato pode dar-se segundo dois modelos: Chave-fechadura: sistema rígido, a configuração da enzima não é alterada aquando da

ligação do substrato; Induced-fit: a enzima e o substrato alteram a sua conformação após a ligação.

A ligação entre a enzima e o substracto pode estabelecer-se devido a interacções hidrofóbicas ou iónicas, por exemplo.

Ilustração 34 - Modelos da interacção enzima-substrato.

Um grande número de enzimas necessita, para a sua acção catalítica, de um cofactor ou de uma coenzima que promova a reacção. Os cofactores são elementos químicos, como iões metálicos ou grupos prostéticos (grupos orgânicos de natureza não proteica), e as coenzimas são moléculas, orgânicas ou metalo-orgânicas, mais complexas e de natureza não proteica. A reacção entre uma enzima (E) e um substrato (S) de modo a dar um produto (P) pode ser representada por:

(Numa fase inicial, assume-se que a reacção inversa à formação do produto P é negligenciável porque se verifica [P]~0 ).

Cinética enzimática – Michaelis-Menten

Concentração total de enzima Taxa de formação de [ES]

Taxa de desaparecimento de [ES] Como se assume , então

Assim,

Constante de Michaelis

Assim,

Velocidade da reacção

Então tem-se

Quando [S] é suficiente para saturar a enzima, a velocidade da reacção é máxima. Em saturação, [ES]=[ET]

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Quando:

Equação Michaelis-Menten

Turnover number

Índice de eficiência catalítica

Ilustração 35 - Cinética de Michaelis-Menten.

A equação de Michaelis-Menten assume algumas condições:

Formação de um complexo ES enzima substrato; Equilíbrio rápido entre o complexo ES e a enzima livre; A dissociação de ES em E+P é mais lenta que a formação do complexo ES a partir de

E+S e que a reacção inversa, a dissociação de ES para voltar a dar E+S. Vmax é uma constante e representa um valor teórico pois nunca é alcançada na realidade – implicaria que todas as enzimas estivessem ligadas ao substrato. Km, constante de Michaelis,

É a constante de equilíbrio para a dissociação do complexo E-S; É definida como a concentração de substrato quando a velocidade de reacção é

metade da velocidade máxima; É característica de cada enzima e não depende da concentração do substrato; É uma medida da afinidade da enzima em relação ao seu substrato, sendo 1/Kmo valor

dessa medida. Deste modo, quanto menor for o valor de Km maior é a afinidade enzima-substrato e menor é a quantidade de substrato necessária para atingir metade da velocidade máxima.

O turnover number, que se representa por Kcat, é uma medida da actividade catalítica máxima de uma enzima. O Kcat é definido como o número de moléculas de substrato que são convertidas em produto por molécula de enzima e unidade de tempo quando a enzima está saturada de substrato.

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Ilustração 36 - Curva de Michaelis para diferentes concentrações de substrato e para diferentes enzimas.

A interpretação da cinética enzimática de Michaelis não estabelece uma relação linear entre as grandezas em estudo. Na cinética de Lineweaver-Burk representam-se as variáveis 1/v e 1/[S], em vez de v e [S], obtendo-se uma relação linear mais fácil de interpretar. Equação linear de Lineweaver-Burk:

A velocidade das reacções é afectada por uma série de factores, tais como a temperatura e o pH do meio, ou a presença de activadores ou

inibidores. A actividade enzimática tende a aumentar com a

elevação da temperatura de forma exponencial, até que se atinge um determinado valor de T a que a enzima desnatura. A relação da velocidade com o pH é um pouco mais complexa, na medida que o pH do meio influencia vários aspectos das enzimas, desde o seu estado de ionização à ionização dos aminoácidos do centro activo e, em casos extremos, à desnaturação. Cada enzima tem assim uma gama de valores de T e pH para os quais a sua actividade é optimizada.

Ilustração 38 - Variação da actividade enzimática com a temperatura e com o pH.

Ilustração 37 - Equação de Lineweaver-Burk.

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A regulação alostérica, alteração da conformação proteica e das propriedades de um dos locais de ligação (pode ser o centro activo) de uma enzima pela associação de uma molécula ligante a outro local de ligação da mesma enzima (sem ser o centro activo), inclui mecanismos tanto de activação como de inibição enzimática e é muito importante pois intervém no controlo das sequências centrais do metabolismo. Inibidores são compostos que, ligando-se a uma enzima, reduzem a sua actividade e a velocidade da reacção

catalisada. Os chamados inibidores reversíveis não provocam alterações irreversíveis nas enzimas em que

actuam. Existem diversos tipos de inibidores que provocam a diminuição da velocidade da reacção actuando de modo diferente sobre a enzima:

Inibidores competitivos – são quimicamente semelhantes ao substrato e ligam-se ao centro activo das enzimas impedindo a ligação enzima-substrato. Têm semelhanças estruturais com o substrato para se conseguirem

associar mas não reagem com a enzima e, portanto, não dão origem a nenhum produto. Uma inibição deste tipo diminui à medida que se aumenta a concentração de substrato – para concentrações mais elevadas é mais provável que a enzima se ligue ao substrato que ao inibidor, mantendo-se assim o valor de vmax. Apenas Km é alterado, verificando-se o seu aumento;

Ilustração 41 - Inibição competitiva.

Inibidores não competitivos – ligam-se a locais da enzima que não o seu centro activo antes ou depois da formação do complexo ES, pelo que podem formar-se três tipos de complexos: ES, ESI (enzima-substrato-inibidor) ou EI. Como continuam a permitir a ligação do substrato o valor de Km mantém-se inalterado. No entanto, como apenas o complexo ES é funcional verifica-se a diminuição de vmax;

Ilustração 39 - Cinética alostérica de uma enzima.

Ilustração 40 - Inibição competitiva.

Ilustração 42 - Inibição não competitiva.

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Ilustração 43 - Inibição não competitiva.

Inibidores anti-competitivos – ligam-se a locais da enzima que não o seu centro activo

apenas após a formação do complexo ES. Há a formação de dois complexos, ES e ESI, sendo o complexo ES o único com actividade catalítica. Como o inibidor apenas se liga ao complexo ES, à medida que a concentração de substrato aumenta a inibição é mais acentuada. Verifica-se a diminuição do Km e de vmax na mesma proporção.

Ilustração 45 - Inibição anti-competitiva.

IV. Glúcidos Glúcidos, glícidos ou hidratos de carbono, as moléculas mais abundantes na Terra, são compostos de carbono, oxigénio e hidrogénio [(CH2O)n], e podem conter outros elementos como azoto e enxofre. Desempenham diversas funções, desde energéticas (glucose e sacarose) a funções de armazenamento ou estrutural. Classificam-se em:

Monossacarídeos – são os monómeros dos glícidos, como a frutose, glucose e galactose;

Dissacarídeos – são compostos por dois monómeros, sendo, portanto, dímeros, tais como a sacarose, a maltose e a lactose;

Oligossacarídeos – são compostos por 3 a 10 monómeros;

Ilustração 44 - Inibição anti-competitiva.

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Polissacarídeos – são compostos por mais de 10 monómeros, dividindo-se ainda em:

Polissacarídeos de armazenamento – como o amido e o glicogénio, que são polímeros de reserva energética nas células vegetais e animais, respectivamente;

Polissacarídeos estruturais – como a celulose e a quitina, que são constituintes da parede celular de células vegetais e fungos, respectivamente.

Ilustração 46 - Exemplos de glícidos em ambiente celular.

Alguns glícidos apresentam grupos aldeído (H-C=O) ou cetona (C=O). Se o grupo carbonilo (C=O) se localizar no final da cadeia carbonada (inclusive num grupo aldeído), então o glícido é uma aldose. Caso contrário, é uma cetose. Os hidratos de carbono têm estereoisómeros cuja classificação (comparação com gliceraldeído) segundo uma representação no plano se baseia na posição do grupo OH do carbono mais afastado do grupo aldeído ou cetona: D - lado direito; L - lado esquerdo. Ao contrário do que acontece nos aminoácidos, em que a forma mais comum é L-aminoácido, no caso dos glícidos, estes apresentam-se maioritariamente sob a forma D.

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Pentoses e hexoses (glícidos com 5 e 6 carbonos, respectivamente) têm tendência a assumir uma forma cíclica, principalmente quando se encontram em meio aquoso. No processo de ciclização há eliminação de uma molécula de água quando o grupo carbonilo reage com um grupo OH distante e o glícido passa a formar um anel, designado de hemiacetal. Também nestes casos se

verifica a existência de isómeros, desta vez relacionados com a posição do grupo

OH correspondente ao carbono-1: se este se localizar abaixo do anel tem a designação α, caso se localize acima do anel designa-se β. Além dos glícidos constituídos unicamente por monómeros existem também derivados de açúcares:

Álcoois – não possuem o aldeído ou a cetona. Ex.: D-ribitol;

Ácidos – o aldeído ou mesmo o grupo OH são oxidados para um grupo carboxilo. Ex.: ácido glucónico e ácido glicurónico;

Amino açúcares – o grupo amina substitui um grupo OH. Esse grupo amina pode também ser acetilado. Ex.: glucosamina e N acetylglucosamine.

A formação de polissacarídeos dá-se pelo estabelecimento de ligações glicosídicas. Estas reacções de condensação resultam numa ligação covalente e na libertação de uma molécula de água e têm liberdade de rotação. De acordo com o número de carbonos implicados na ligação e da configuração α ou β de cada monómero, as ligações têm diferentes classificações. Cada monómero pode estabelecer várias ligações glicosídicas em simultâneo.

Ilustração 49 - Exemplos de ligações glicosídicas.

Ilustração 47 - Aldose e cetose.

Ilustração 48 - Ciclização de glícidos. A forma ciclizada mais comum é a piranose (anel com 5 carbonos e 1 oxigénio), ocorrendo também furanose (anel com 4 carbonos e 1 oxigénio).

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Tal como as proteínas apresentam uma estrutura tridimensional, também os glícidos podem adquirir essa mesma estrutura, consoante os átomos entre os quais a ligação glicosídica é estabelecida.

(1 4) – Zig-zag – ribbon like

(1 3) & (1 4) – U-turn – hollow helix

(1 2) – Twisted – crumpled

(1 6) – Sem uma conformação ordenada Os polissacarídeos podem ser classificados de acordo com o tipo de monómeros e com o tipo de cadeia que formam:

Homopolissacarídeos Heteropolissacarídeos

Constituídos por apenas um tipo de monómeros

Constituídos por diversos tipos de monómeros

Não-ramificados

Ramificados Não-

ramificados Ramificados

Cadeia simples

Cadeia ramificada; alguns monómeros estabelecem mais do que uma ligação

Cadeia simples

Cadeia ramificada; alguns monómeros estabelecem mais do que uma ligação

Para além de ligações glicosídicas os glícidos podem estabelecer outros tipos de ligações. Por exemplo, podem estabelecer-se pontes de hidrogénio entre monómeros adjacentes como acontece na celulose (glícido que o organismo humano não consegue digerir sem o auxílio de outros organismos) e os peptidoglicanos (encontrados na parede celular de procariontes) formam cadeias ligadas entre si por aminoácidos (L e D).

V. Lípidos Lípidos são compostos de carbono e hidrogénio (cadeias alifáticas, formadas por –CH2–), geralmente com mais de 8 carbonos, caracterizados por uma baixa solubilidade em água e elevada solubilidade em solventes não-polares (como o benzeno e o clorofórmio). Desempenham funções variadas destacando-se os papéis de reserva energética (armazenam cerca de 38 KJ/mol contra os 17 KJ/mol das proteínas e glícidos), precursores hormonais, constituintes das membranas biológicas, cofactores, etc. A sua composição química é variada e dividem-se em várias classes, entre as quais se destacam os ácidos gordos e os fosfolípidos.

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Os ácidos gordos são ácidos carboxílicos (têm um grupo COOH) com cadeias de hidrocarbonetos formadas por um número variado de carbonos (entre 4 e 36). Raramente ocorrem livres na natureza e podem ser considerados como a unidade fundamental da classe dos lípidos. O grupo carboxílico, que tem um pKa entre 4-5, encontra-se ionizado em condições fisiológicas e constitui a extremidade polar do ácido gordo. A cadeia hidrocarbonada é apolar e as ligações covalentes entre os átomos de carbono são maioritariamente simples, mas também podem apresentar carácter duplo. Se todas ligações C-C forem simples, o ácido gordo diz-se saturado. Caso existam ligações duplas, então o ácido gordo é insaturado – monoinsaturado se tiver apenas uma ligação dupla ou polinsaturado se estas forem em maior número. O nível de saturação dos ácidos gordos está relacionado com o seu ponto de fusão. Regra geral, quanto mais insaturado o lípido for menor será a sua temperatura de fusão.

Na nomenclatura dos ácidos gordos indica-se o número de átomos de carbono da cadeia hidrocarbonada e o nº de ligações duplas, separados por “:”. Em índice superior e antecedido do símbolo Δ, indica-se a posição das ligações duplas. Assume-se que essas ligações são cis, excepto se especificado em contrário, e numeram-se os carbonos a partir do grupo carboxilíco. Ex: C 18:3 Δ9,12,15. Todos os ácidos gordos sintetizados pelo organismo humano são do tipo cis, ou seja, nas suas ligações duplas C=C os átomos de hidrogénio ligados aos átomos de carbono encontram-se orientados para o mesmo lado. Esta insaturação em cis altera a conformação das caudas carbonadas – deixam de ser lineares e passam a estar “dobradas”, formando-se um ângulo de ~30º na zona da ligação dupla. Este facto é muito importante quando os ácidos gordos se encontram em membranas ou agregados pois confere flexibilidade às estruturas. Ácidos gordos insaturados em trans são produzidos por algumas bactérias presentes no sistema digestivo dos ruminantes e são obtidos pelos humanos através do consumo de produtos lácteos, carne animal ou pelo consumo de produtos que sofreram hidrogenação. A natureza da ligação trans não altera a conformação das caudas carbonadas do mesmo modo que a ligação cis (não altera muito significativamente a linearidade da cadeia de carbonos) e está associada ao aumento dos níveis de LDL (“mau colesterol”) e diminuição de HDL (“bom colesterol”), pelo que é recomendável a sua ingestão moderada.

Ilustração 50 - Ácido Gordo.

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Ilustração 51 - Ácidos gordos insaturados.

A partir de ácidos gordos podem formar-se diferentes tipos de lípidos, sendo os triglicéridos dos mais simples. Os triglicéridos constituem uma grande fonte de reserva energética (encontram-se armazenados nas células adiposas) e são formados a partir de uma molécula de glicerol associada a três ácidos gordos. Se esses ácidos gordos forem iguais o triglicérido diz-se simples. A hidrólise de um triglicérido/diglicérido é uma forma de obter energia metabólica. A reacção de degradação leva à formação de um diglicérido/monoglicérido e à libertação de um ácido gordo, energia e uma molécula de água. Posteriormente o ácido gordo pode ser degradado fornecendo grandes quantidades de energia.

Ilustração 52 - Formação de um triglicérido.

Os fosfolípidos pertencem a uma outra classe de lípidos. Estas moléculas são os principais constituintes das membranas biológicas e apresentam duas zonas com polaridade distintas – são moléculas anfipáticas, ou anfifílicas. Têm uma cabeça polar hidrofílica formada por um grupo fosfato ligado a uma molécula de glicerol e, por vezes, a um outro grupo variável. Ao glicerol ligam-se dois ácidos gordos, que podem ser diferentes entre si, e que constituem a cauda apolar hidrofóbica. Quando se encontram em meio aquoso estas moléculas tendem a associar-se de modo a que as regiões polares estejam em contacto com a água e as regiões apolares não. Os agregados que se formam só são estáveis em ambiente aquoso e,

Ilustração 53 - Fosfolípido.

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dependendo do tipo de lípidos, podem originar micelas – estruturas esféricas constituídas por ácidos gordos (com forma mais cónica), ou lipossomas – bicamadas de forma cilíndrica formadas por fosfolípidos (com forma mais cilíndrica). Este princípio está na base da formação das membranas biológicas.

Ilustração 54 - Micelas, lipossomas e bicamadas fosfolipídicas.

As membranas biológicas são compostas por lípidos, maioritariamente fosfolípidos, glicolípidos, colesterol, e proteínas, que conferem especificidade. As funções das membranas são:

Individualização das células; Compartimentalização celular; Criação de uma barreira selectiva; Localização de sistemas enzimáticos (metabolismo energético); Localização de sistemas de transporte (transporte de moléculas para o interior e

manutenção da concentração iónica); Localização de sistemas de reconhecimento específico (hormonas, antigénios, etc).

As membranas são uma bicamada fosfolipídica assimétrica intercalada por outras moléculas, tanto de natureza lipídica (colesterol) como de natureza proteica (proteínas transportadoras). Os fosfolípidos têm liberdade para sofrer rotações, movimentos laterais e, por vezes, até trocas entre camadas.

Ilustração 55 - Movimentos laterais e flip-flop que ocorrem numa membrana fosfolipídida.

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A fluidez das membranas é afectada pelo nível de saturação das cadeias carbonadas (quanto mais insaturadas forem maior será a fluidez) e pela presença de colesterol. Se as membranas fossem constituídas por cadeias saturadas verificar-se-ia uma cristalização das mesmas a temperaturas mais baixas, ou seja, haveria uma grande tendência das cadeias para se empacotarem de forma extremamente ordenada e as interacções intermoleculares seriam fortes, o que diminuiria a fluidez da membrana. Com as ligações duplas cis ao longo da cadeia de carbonos, esta deixa de ser linear e não se “arruma” tão perfeitamente como na situação anterior, o que permite diminuir a temperatura de transição de fase e aumentar a fluidez da membrana.

Ilustração 56 - 4 Dos fosfolípidos mais abundantes nas membranas celulares dos mamíferos.

À superfície das membranas destacam-se zonas mais densas, as jangadas lipídicas, que são mais ricas em colesterol e ácidos gordos saturados. Estas jangadas são menos fluidas que as zonas adjacentes e são ricas em proteínas com determinadas funções. São bem definidas mas podem deslocar-se ao longo da membrana. O colesterol é um tipo de lípido formado por um conjunto rígido de anéis associado a uma pequena cadeia carbonada. É maioritariamente hidrofóbico mas apresenta um grupo hidróxido OH polar, pelo que é uma molécula anfipática. É produzido apenas por animais (no fígado), intercala-se nas membranas plasmáticas (pode formar pontes de hidrogénio com os fosfolípidos adjacentes) regulando a sua fluidez (diminuindo-a, neste caso), e é um precursor de hormonas como a testosterona e o estrogénio.

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Ilustração 57 - Colesterol.

As proteínas que ocorrem numa membrana têm várias funções. Podem ser:

Intrínsecas – atravessam a membrana por completo, têm uma conformação de hélice-α onde os grupos hidrofóbicos dos aminoácidos são projectados para o exterior da hélice, para contactarem com as caudas hidrofóbicas dos fosfolípidos, enquanto os grupos hidrofílicos formam pontes de hidrogénio entre si no interior da hélice.

Periféricas Ilustração 58 - Organização dos grupos

polares e apolares numa proteína intrínseca.

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Principais funções das proteínas numa membrana plasmática:

O transporte de substâncias para o interior da célula pode classificar-se da seguinte forma:

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Transporte passivo – as substâncias movem-se espontaneamente a favor do seu gradiente de concentração, atravessando a membrana sem gastos energéticos. A taxa de difusão pode ser aumentada através das proteínas membranares transportadoras.

Difusão – moléculas hidrofóbicas e pequenas moléculas carregadas podem difundir através da membrana.

Difusão facilitada – muitas das substâncias hidrofílicas difundem através membrana com o auxílio de proteínas transportadoras, quer pelos seus canais quer pela alteração de forma das mesmas.

Transporte activo – algumas proteínas injectam substâncias, no interior ou no exterior da membrana celular, contra o seu gradiente de concentração através da utilização de energia proveniente, habitualmente, do ATP.

Ilustração 59 - Difusão, Difusão Facilitada e Transporte activo.

VI. Ácidos Nucleicos Os ácidos nucleicos são macromoléculas (polímeros de nucleótidos) onde é armazenada a informação genética de uma célula. Estão presentes em todos os seres vivos e podem surgir sob a forma de DNA (ácido desoxirribonucleico) ou RNA (ácido ribonucleico). O DNA é actualmente a forma dominante de informação genética, embora alguns organismos, como os retrovírus, utilizem apenas RNA. As unidades fundamentais dos ácidos nucleicos, os nucleótidos, são formadas por uma base azotada e um grupo fosfato ligados a uma pentose. A estrutura básica de um nucleótido compreende então:

Base azotada

Purinas: formadas por um anel duplo (penta-anel e hexa-anel) Adenina (A) Guanina (G)

Pirimidinas: formadas por um anel simples (hexa-anel) Citosina (C) Timina (T) – exclusiva do DNA Uracilo (U) – exclusiva do RNA

Pentose – açúcar de 5 carbonos

Ribose – RNA

Desoxirribose – DNA (tem menos um grupo OH do que a ribose)

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Grupo fosfato – responsável pelo carácter ácido das moléculas. Tem um pKa≈1, pelo que em condições fisiológicas (pH≈7) está sempre ionizado e com carga negativa. Assim, os ácidos nucleicos necessitam de Mg2+, poliaminas, histonas e outras proteínas para equilibrar esta carga.

Ilustração 60 - Bases azotadas

Ilustração 61 – Pentoses e grupo fosfato.

Na formação de cada nucleótido intervêm reacções de condensação: a base azotada liga-se ao carbono 1’ da pentose, dando origem a nucleósidos. As bases azotadas têm a capacidade de rodar em torno do açúcar a que estão ligadas, podendo apresentar configuração syn ou anti, sendo a última a mais comum.

Com a ligação de um grupo fosfato ao carbono 5’ da pentose, forma-se um nucleótido. Os nucleótidos livres são tri-fosfatos – dNTP, perdendo dois grupos fosfato durante as reacções de polimerização – passam a dNMP (ex: dAMP – nucleótido de adenina monofosfato). No caso do RNA temos NTP e NMP, respectivamente. A polimerização de nucleótidos, que dá origem aos ácidos nucleicos propriamente ditos, requer a formação de ligações fosfodiesters entre o grupo hidroxilo do carbono 3’ de um nucleótido e o grupo fosfato do carbono 5’ do nucleótido seguinte. A cadeia polinucleotídica adquire assim uma direcção, apresentando no terminal 5’ um grupo fosfato (terminal negativo) e no terminal 3’ um grupo hidróxido (terminal positivo), e a sua síntese é sempre feita na direcção 5’-3’.

Ilustração 62 - Isómeros do nucleósido de adenina.

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Ilustração 63 - Nucleótido do ADN.

Em 1928, Fredrick Giffith descobriu um factor genético nas bactérias que modificava bactérias inofensivas em bactérias mortais e, em 1952, Rosalind Franklin obteve a primeira imagem de raio-X do DNA. Finalmente em 1953, com base nos resultados de experiências anteriores, James Watson e Francis Crick apresentaram, na Universidade de Cambridge, o modelo de dupla hélice para o DNA. Segundo este modelo, a molécula de DNA é composta por duas cadeias polinucleotídicas, que se dispõem em sentidos inversos, designando-se, por isso, antiparalelas. No esqueleto da cadeia distinguem-se duas cadeias laterais e degraus centrais: as bandas laterais são formadas por moléculas do grupo fosfato alternadas com pentoses e unidas por ligações fosfodiesters; os degraus centrais são pares de bases ligados por pontes de hidrogénio. A especificidade das ligações hidrogénio entre as purinas e pirimidinas é a chamada complementaridade de bases: a adenina liga-se à timina por uma ligação dupla (A=T) e a guanina liga-se à citosina através de uma ligação mais forte, uma ligação tripla (G C) – a quantidade de adenina e timina, e de guanina e citosina numa célula é sensivelmente a mesma (Regra de Chargaff). O DNA de dupla-hélice (dsDNA – double-stranded DNA) adquire, geralmente, a forma β – uma dupla hélice de mão direita com aproximadamente 10 pares de bases (3.4 Å cada par) por volta, ou seja, tem um passo de 34 Å; 20 Å de diâmetro e uma rotação de 36° entre os resíduos. De um ponto de vista vertical, a distância entre as cadeias de DNA pode ser pequena – minor groove, ou grande – major groove.

Ilustração 64 - Estrutura do ADN.

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O RNA apresenta uma estrutura em cadeia simples e está presente em 3 formas: RNA mensageiro (mRNA): cadeia de nucleótidos que transporta a informação para a

síntese de proteínas aos ribossomas; RNA de transferência (tRNA): transfere os aminoácidos para os ribossomas; RNA ribossómico (rRNA): entra na constituição dos ribossomas.

Nos seres procariontes, o DNA encontra-se no hialoplasma e é uma molécula circular. Já nas células eucarióticas, 99% do material genético está no núcleo e apresenta-se sob a forma de cromatina – filamentos de DNA associados a proteínas, as histonas.

Tipo de Cadeia

Pentose Bases

Azotadas Localização Quantidade

ADN Dupla Hélice

Desoxirribose A, G, C, T Principalmente no

núcleo

Constante para todas as células da

mesma espécie

RNA Simples,

por vezes dobrada

Ribose A, G, C, U Forma-se no núcleo

e migra para o citoplasma

Variável de célula para célula e com a actividade celular

Uma vez que o DNA se encontra sob a forma de uma dupla hélice, a sua estrutura pode ser modificada por factores externos, como a temperatura ou acidez do meio. O aquecimento do material genético enfraquece e quebra as ligações por pontes de hidrogénio entre bases complementares, levando à desnaturação do DNA. A quantificação deste processo pode fazer-se através da medição da absorvância a 260 nm (pico de absorção das bases azotadas), verificando-se que quanto maior for o valor medido maior é a desnaturação da cadeia – em cadeia simples, as bases outrora viradas para o interior da molécula, estão mais sujeitas à radiação, absorvendo-a em maior quantidade. Registando os valores de absorvância à medida que se aumenta a temperatura do meio verifica-se que estes vão aumentando, o que indica que a elevação da temperatura actua como agente desnaturante. Representando graficamente a absorvância em função da temperatura obtém-se as curvas de melting, nas quais se distingue um ponto de inflexão. Este ponto corresponde à temperatura à qual 50% da cadeia dupla de DNA se encontra desnaturada e designa-se temperatura de melting (TM), ou de fusão. Esta temperatura depende directamente do conteúdo de citosina e guanina da molécula, pois quanto maior for o conteúdo CG maior é o número de ligações triplas. Como estas ligações são mais fortes, para que sejam quebradas e ocorra desnaturação é necessária uma temperatura mais elevada, pelo que a um maior conteúdo CG corresponde uma maior TM.

Ilustração 65 - Temperaturas de Melting.

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Após a desnaturação, se a temperatura diminuir há hibridação do DNA, ou seja, restabelecem-se as ligações hidrogénio entre as bases complementares e volta a formar-se uma cadeia dupla. As moléculas de RNA são cadeias simples não lineares que apresentam estrutura secundária, como ganchos e hélices, pelo que pode ocorrer desnaturação do RNA. Cada molécula possui uma curva de melting diferente, em função do seu tipo de estrutura secundária, que pode não estar associada a nenhum ponto de inflexão, pelo que não se define temperatura de melting para o RNA.

VII. Metabolismo Entende-se por metabolismo o conjunto de todas as reacções químicas que se dão dentro das células. Inclui:

Catabolismo – processos oxidativos e exergónicos nos quais há libertação de energia pela degradação de produtos complexos em produtos mais simples. Ex: glicogenólise produz glicose a partir de glicogénio;

Anabolismo – processos redutivos endergónicos que requerem o uso de energia para formar produtos complexos a partir de moléculas mais simples. Ex: glicogénese armazena excesso de glicose sob a forma de glicogénio. Lipogénese armazena glicose e aminoácidos sob a forma de lípidos.

Enquanto as vias catabólicas convergem para poucos produtos finais as vias anabólicas divergem para a síntese de muitas biomoléculas diferentes. Por exemplo, o catabolismo de lípidos, glícidos e proteínas origina um intermediário comum – acetil-CoA, que é utilizado na respiração celular. Este intermediário, por processos anabólicos, pode depois dar origem às mais variadas moléculas, desde fosfolípidos a triglicéridos, hormonas esteróides e vitaminas. A maioria dos processos metabólicos inclui uma série de reacções e está organizada em vias metabólicas reguladas por enzimas. As enzimas intervenientes podem encontrar-se isoladas, em complexos multienzimáticos ou formar sistemas associados a membranas. A localização de todo o complexo numa zona específica da célula, como uma região da membrana, permite que o processo seja mais eficiente. Uma via metabólica tem início num substrato específico e termina num determinado produto. Durante todo o processo dão-se vários passos, cada um catalisado por uma enzima específica, e os produtos de uma reacção tornam-se substratos das seguintes, pelo que se designam intermediários. O facto de as vias estarem divididas em várias reacções permite não só que se obtenham produtos que, de forma espontânea, não seria possível obter (acoplamento de reacções termodinamicamente favoráveis a processos desfavoráveis), como também que se regule o calor/energia libertado e se mantenha a temperatura da célula dentro de valores fisiológicos. Embora as vias anabólicas e catabólicas de degradação e síntese dos mesmos compostos sejam semelhantes, é necessário que apresentem alguns passos diferentes. Só assim se obtêm mecanismos de regulação que permitem favorecer uma das vias e inibir a outra, e também só deste modo é que ambas as vias podem ocorrer em simultâneo e de forma espontânea, já que

Ilustração 66 - Variação da Temperatura de Melting com a maior quantidade de ligações GC.

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se não existisse qualquer diferença entre elas as leis do equilíbrio termodinâmico ditariam que as vias apenas se dessem num sentido. As principais vias metabólicas da maioria dos organismos apresentam muitas semelhanças, o que sugere que todas as formas

de vida descendem de um ancestral comum. A

molécula de ATP, por exemplo, é o intermediário energético mais utilizado por todos os seres vivos embora outras moléculas, como o NAD ou NADP, também desempenhem o mesmo papel. O ATP, adenosina trifosfato, armazena energia nas ligações dos seus grupos fosfato e a sua síntese ou degradação está acoplada a muitos processos endergónicos ou exergónicos, respectivamente. Através do ciclo do ATP, a energia conseguida durante a fotossíntese ou outros processos catabólicos é

transportada para os processos celulares que necessitam de energia. As reacções de oxidação-redução adquirem uma enorme importância na produção de ATP e de energia. Sempre que uma substância é oxidada, perdendo energia por atingir um nível mais estável, outra substância sofre redução e adquire mais energia. Existem coenzimas que agem como aceitadoras de electrões. Algumas das mais importantes são o FAD (dinucleótido de flavina-adenina), o NAD (dinucleótido de nicotinamida-adenina), e o NADP (dinucleótido de nicotinamida-adenina fosfato), cujas formas reduzidas são, respectivamente, FADH, NADH e NADPH. Estas coenzimas são transportadoras de electrões e armazenam energia sob a forma de electrões num alto nível energético.

Ilustração 69 - FAD (a) e NAD (b).

Ilustração 67 - Ciclo do ATP.

Ilustração 68 - ATP.

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A síntese de ATP dá-se por 3 processos: Glicólise, ou outras vias metabólicas que levem à formação de acetil-CoA

(metabolismo glicídico, lipídico ou proteico); Ciclo de Krebs, ou ciclo do ácido cítrico; Cadeia respiratória.

a. Glicólise e Neoglucogénese

A glicólise é o processo no qual uma molécula de glicose é degrada, através de 10 reacções catalisadas enzimaticamente, e forma 2 moléculas de ácido pirúvico, um composto de 3 carbonos. É comum a todos os organismos, não utiliza oxigénio e dá-se no citoplasma, onde se localizam as enzimas necessárias ao processo. Pode dividir-se em 3 fases:

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Ilustração 70 - Glicólise.

A equação global da glicólise é:

O balanço energético desta fase é:

Reacção ATP NADH+H+

1 -1 0 3 -1 0 6 0 2 7 2 0

10 2 0

Balanço energético final 2 2

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O produto final da glicólise é o ácido pirúvico, que vai depois ser utilizado na respiração celular. Em condições anaeróbicas (ausência de oxigénio) ocorre fermentação. Há vários tipos de fermentação, cada um com produtos finais diferentes, mas em todos os casos o balanço final de ATP é sempre de 2 moléculas:

Fermentação alcoólica – ocorre, por exemplo, nas plantas e leveduras, e os produtos finais são o CO2 e o etanol. Neste tipo de fermentação o ácido pirúvico proveniente da glicólise é descarboxilado, libertando CO2 e originando aldeído acético, um composto com 2 carbonos. Por acção do NADH reduzido, também proveniente da fase da glicólise, forma-se etanol.

Fermentação láctica – verifica-se, por exemplo, nos bacilos lácticos, e o ácido pirúvico

é reduzido a ácido láctico. Após a glicólise, o piruvado combina-se com o H+

transportado pela NADH e origina o ácido láctico.

O ciclo de Cori traduz uma cooperação metabólica entre os músculos e o fígado quando ocorre fermentação láctica. Após ser produzido nos músculos, o ácido láctico é transportado pelo sangue até ao fígado, onde é novamente convertido em glucose pelo processo da gluconeogénese. Na respiração aeróbia (em presença de oxigénio) o ácido pirúvico, formado durante a glicólise, é transportado para o interior das mitocôndrias, onde vai integrar o ciclo de Krebs e a cadeia de transporte electrónico. No final de todo este processo o balanço teórico final de ATP será de 36 nos organismos

eucariotas e de 38 nas bactérias.

Os seres humanos consomem cerca de 160 gramas de glucose por dia, sendo que 75% dessa quantidade é consumida no cérebro. Os fluidos corporais contêm apenas 20 gramas de glucose e as reservas de glicogénio rendem cerca de 180 a 200 gramas de glucose. É, portanto, necessário que os seres humanos e outros organismos sejam capazes de sintetizar a sua própria glicose. A neoglucogénese, ou gluconeogénese, é a via metabólica que conduz à síntese de glicose a partir de ácido pirúvico. Ocorre, principalmente, no fígado e nos rins e, apesar da maioria das suas reacções serem inversas às da glicose, algumas, que por razões de ordem termodinâmica não são reversíveis ( ), variam. Nesses casos, as reacções são

catalisadas por enzimas diferentes e constituem os principais pontos de regulação das duas vias. Os passos alterados são:

Ilustração 71 - O processo que se segue à glicólise depende da presença ou ausência de oxigénio.

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Reacção 10 – conversão de piruvato em fosfoenolpiruvado; Reacção 3 – conversão da frutose-1,6-fosfato em frutose-6-fosfato; Reacção 1 – conversão da glicose-6-fosfato em glicose.

A regulação da neoglucogénese está relacionada com a regulação da glicólise:

Quando a glicólise está em funcionamento, a gluconeogénese não está a realizar-se; Quando o estado energético da célula é elevado a glicólise deve ser desligada e o

piruvato, entre outros, deve ser utilizado para a síntese e armazenamento de glucose; Quando o estado energético da célula é baixo a glucose deve ser rapidamente

degradada de modo a fornecer energia; Os passos regulados da glicólise são os mesmos passos que são regulados na direcção

oposta. Destacam-se ainda outros processos que envolvem a glucose:

Glicogénese – processo de formação de glicogénio quando a glucose existe em excesso;

Lipogénese – processo de produção de lípidos, através de aminoácidos e glucose, quando as reservas de glicogénio estão lotadas;

Glicogenólise – processo de formação de glucose a partir da quebra das ligações do glicogénio.

b. Ciclo de Krebs

O ciclo de Krebs, ou ciclo do ácido cítrico, dá-se na matriz mitocondrial e consiste na oxidação de acetil-CoA a CO2 com libertação de energia sob a forma de electrões, que é armazenada em NADH e FADH2, moléculas transportadoras de electrões. A acetil-coenzima A é o produto de diversas vias metabólicas mas não é um produto final da glicólise. Para que o ácido pirúvico possa integrar o ciclo de Krebs é necessário um passo preparatório em que o piruvato é convertido em

acetil-CoA. Na respiração aeróbia, após a etapa da glicólise o ácido pirúvico entra nas mitocôndrias e, ao nível da matriz mitocondrial, sofre 3 reacções que culminam na formação de acetil-CoA:

Descarboxilação – é removido um carbono ao ácido pirúvico. Forma-se acetaldeído e dióxido de carbono;

Oxidação – são removidos dois H ao acetaldeído. Forma-se ácido acético e reduz-se NAD+ a NADH+H+;

Formação de acetil-CoA – o ácido acético combina-se com uma coenzima A e forma-se acetil coenzima A.

O acetil-CoA vai agora integrar o Ciclo de Krebs, que tem 8 passos:

Ilustração 72 - Formação da acetilcoenzima A.

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Ilustração 73 - Ciclo de Krebs.

A equação global do Ciclo de Krebs é:

O balanço energético desta fase é:

Balanço do Ciclo de Krebs Por acetil-CoA Por ciclo

ATP 1 2 NADH+H+ 3 6

FADH2 1 2 CO2 2 4

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c. Cadeia Respiratória

A cadeia respiratória, ou cadeia de transporte electrónico, é a etapa em que culminam todos os processos oxidativos de degradação de glícidos, lípidos ou proteínas. Esta fase dá-se nas cristas mitocondriais e permite a síntese de ATP utilizando a energia libertada durante a redução de O2 a H2O, cujos electrões são doados pelo NADH e FADH2 provenientes da glicólise e ciclo de Krebs. Nas cristas mitocondriais encontra-se um conjunto de 3 complexos enzimáticos (I, III, IV), ligados por dois transportadores electrónicos (CoQ e Citocromo C). O conjunto destas 8 enzimas, associadas a átomos metálicos (cofactores) capazes de aceitar e doar electrões, forma a cadeia respiratória. Seis das proteínas que fazem parte desta cadeia encontram-se fixas, enquanto as restantes duas são móveis. Quando os cofactores NADH+H+

e FADH2 libertam hidrogénio para a cadeia respiratória dá-se início ao processo de fosforilação oxidativa. Neste processo as reacções de oxidação e fosforilação estão acopladas, o que permite a síntese de ATP:

Cada H fornecido à cadeia é separado em H+ + e-;

Os protões são bombeados para o espaço intermembranar criando um gradiente de pH e um potencial electroquímico transmembranar de H+. Por cada NADH+H+ são bombeados 10 H+ e por cada FADH2 apenas 6 H+, pois o FADH2 liberta os seus protões apenas no segundo transportador;

Os electrões vão passar de transportador electrónico em transportador electrónico até serem entregues ao oxigénio;

Os electrões são fornecidos ao O2, dando origem a iões; Os iões oxigénio atraem H+ e forma-se água; O potencial de H+ provoca a difusão destes iões de novo para o interior da matriz

mitocondrial e permite a síntese de ATP via ATPsintase;

O complexo V, ATPsintase, é formado por três partes. A corrente criada pela passagem de H+ provoca a rotação de duas dessas partes, o rotor e o haste, e activa os sítios activos da terceira parte, o bastão, onde é formado ATP a partir de ADP+Pi;

Cada NADH origina 3 ATP e cada FADH2, como só leva ao bombeamento de 6 H+, permite apenas a síntese de 2 ATP.

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Ilustração 74 - Complexos enzimáticos que participam na cadeia respiratória.

Ilustração 75 - Processo de bombeamento de protões pelos complexos enzimáticos.

Curiosidade – o cianeto é uma substância que adere à cadeia transportadora de electrões e impede a produção de ATP, “asfixiando” as células e podendo levar à morte do indivíduo.

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Em 1960, Peter Mitchell propôs uma teoria, a teoria quimiosmótica, para a formação de ATP (teoria que lhe valeu o prémio Nobel em 1978). Quando os protões são bombeados para o espaço intermembranar cria-se um gradiente de pH e um potencial electroquímico transmembranar de H+. Os protões regressam, contudo, à matriz (movimentando-se para uma zona de menor concentração de H+) através da ATP sintetase. O fluxo de protões através desta enzima fornece a energia necessária para a fosforilação do ADP a ATP.

Ilustração 77 - Modelo da teoria quimiosmótica.

Ilustração 76 - ATP sintetase.

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O balanço energético desta fase é:

Nº de moléculas ATP por molécula ATP formado

NADH+H+ 10 3 30 FADH2 2 2 4

Total 34

O balanço final é:

ATP NADH+H+ FADH2 CO2

Glicólise 2 2 - - Obtenção de acetil-CoA - 2 - 2

Ciclo de Krebs 2 6 2 4 Cadeia Respiratória 34 -10 -2 -

Por molécula de glicose 38 0 0 6

Nos eucariontes, as moléculas de NADH formadas na glicólise são incapazes de atravessar a membrana da mitocôndria, sendo necessária a sua conversão para FADH2. Como na glicólise se formam 2 NADH, então, os 6 ATP provenientes destes NADH passam a ser somente 4 (uma vez que são obtidos pelo NADH convertido em FADH2 e este só origina 2 ATP, em vez de 3). Assim, o total de ATP produzido num eucarionte é de 36. O valor de 36 ATP é, contudo, um valor teórico. Na prática, verifica-se que os organismos eucariontes produzem apenas 30 ATP por molécula de glicose. Esta diferença deve-se ao facto de a célula utilizar o gradiente de protões criado durante o transporte electrónico para outros propósitos que não apenas a actividade da ATPsintetase.

Ilustração 78 - As várias etapas de produção de ATP.

A equação global da oxidação da glucose é:

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d. Outras vias metabólicas

Uma pessoa de 70 Kg tem cerca de 135000 kcal de energia armazenadas como gordura, 24000 kcal sob forma de proteínas e 720 kcal de reservas de glicogénio, assim como 80 kcal de glucose em circulação no sangue. É importante, pois, que o nosso organismo tenha mecanismos extra para produzir ATP, partindo de outras matérias-primas. Outras vias metabólicas que levam à produção de energia metabólica são a oxidação dos ácidos gordos (as reservas de lípidos no corpo humano perfazem cerca de 85% do total de energia disponível) e o catabolismo de proteínas.

i. Oxidação de ácidos gordos

Os triglicéridos podem ser degradados e dar origem a 3 ácidos gordos, que entram no ciclo de oxidação dos ácidos gordos, e a uma molécula de glicerol, que se torna um substrato da glicólise. As enzimas responsáveis pela quebra das ligações dos ácidos gordos são as lipases. Para poderem entrar no ciclo de oxidação os ácidos gordos livres têm que ser activados, isto é, têm que ser convertidos em acil-CoA gordo e transportados para as mitocôndrias, onde se vai dar todo o processo de extracção de energia. A activação dos ácidos gordos dá-se no citoplasma, pela enzima acil-CoA gordo sintetase e com gasto de 2 ATP, e o seu transporte está dependente da bomba de carnitina, onde o grupo acil-CoA é substituído por acil-carnitina para poder entrar na mitocôndria. Uma vez dentro do organelo a acil-carnitina volta a ser convertida em acil-CoA. A enzima acilcarnitina transferase I, enzima responsável pela substituição do grupo acil-CoA do ácido gordo, pode ser inactivada por malonil-CoA. Este processo impede o transporte de ácidos gordos para a mitocôndria quando estes se encontram a ser sintetizados.

Ilustração 80 - Processo de activação de um ácido gordo.

Ilustração 79 - As várias vias que conduzem à produção de ATP.

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A oxidação de ácidos gordos (activados) ocorre no interior das mitocôndrias e envolve três etapas:

1ª Etapa – β-oxidação: uma cadeia de ácidos gordos é oxidada dando origem a resíduos de acetil-CoA;

2ª Etapa – acetil-CoA entram no ciclo de Krebs e são oxidadas a CO2;

3ª Etapa – os electrões provenientes das oxidações anteriores entram na cadeia respiratória e permitem a síntese de ATP.

A β-oxidação é um ciclo em espiral e engloba 4 reacções:

Reacção 1, oxidação – remoção de H dos carbonos α e β (primeiros dois carbonos ligados a hidrogénios), formação de uma ligação dupla C=C em trans e redução de FAD a FADH2;

Reacção 2, hidratação – adição de H2O à ligação dupla acabada de formar, processo catalisado pela enzima enoil-CoA hidratase. Ao carbono α é adicionado um H e ao carbono β é adicionado um grupo OH, formando um grupo hidroxilo (COH).

A enzima enoil-CoA hidratase só actua em ligações duplas do tipo trans. Consequentemente, ácidos gordos insaturados, que contém ligações duplas do tipo cis, requerem a acção um outra enzima – uma isomerase, que converte as ligações cis em trans;

Reacção 3, segunda oxidação – oxidação do grupo hidroxilo, formação de um grupo cetona no carbono β e redução de NAD+ a NADH;

Reacção 4, clivagem – a ligação entre Cα e Cβ é clivada dando origem a uma molécula de acetil-CoA e a um acil-CoA gordo com menos dois carbonos que entra de novo no ciclo de β-oxidação.

Ilustração 81 - Bomba de carnitina.

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Ilustração 82 - β-oxidação de um ácido gordo.

A oxidação de ácidos gordos é o processo mais rentável para a obtenção de energia metabólica. O número de carbonos de um ácido gordo determina o número de oxidações necessárias e o número de acetil-CoA formadas, determinando consequentemente a quantidade de ATP que pode ser sintetizada. Deste modo, por cada ácido gordo com n carbonos (n par) tem-se:

Balanço energético final – n carbonos

Nº de ciclos Informações ATP Activação do ácido

gordo - - -2

β-oxidação

(1 ciclo origina 1 NADH e 1 FADH2)

Ciclo de Krebs (Acetil-CoA)

(existem n/2 acetil-CoA)

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ii. Catabolismo proteico

O catabolismo de proteínas nos mamíferos dá-se principalmente no fígado e envolve:

Quebra das ligações peptídicas e degradação das proteínas em aminóacidos; Deaminação dos aminoácidos (remoção de um grupo amina – NH2) com formação de

amónia (NH3) e de um ácido orgânico;

A amónia entra no ciclo da ureia e produz ureia, que é eliminada pelo organismo;

O ácido orgânico formado pode entrar em diferentes fases da glicólise ou do ciclo de Krebs, de acordo com a natureza do seu grupo R. Por exemplo, a deaminação da alanina dá origem a piruvato mas o aspartato já origina oxaloacetato.

Devido às diferentes moléculas que podem resultar do catabolismo das proteínas não é possível estimar a quantidade de ATP formado de um modo geral – cada caso é um

caso.

VIII. Fotossíntese Fotossíntese é o processo através do qual alguns seres vivos produzem matéria orgânica a partir de matéria mineral utilizando energia luminosa (armazenada, posteriormente, nas ligações químicas da matéria produzida). Os seres que realizam este processo chamam-se fotoautotróficos e neles estão incluídas as plantas, as algas e algumas bactérias. A equação que traduz o processo é:

A fotossíntese dá-se ao nível dos cloroplastos. O prolongamento da sua membrana forma tilacóides onde se encontram os pigmentos fotossintéticos, responsáveis pela absorção da luz, e a cujo conjunto se dá o nome de grana. Estas estruturas estão inseridas no estroma, uma matriz fluida.

Ilustração 83 - Entrada dos diversos aminoácidos no Ciclo de Krebs.

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Ilustração 84 – A maioria dos cloroplastos encontra-se nas folhas das plantas, existindo, contudo, um pouco por

todas as zonas verdes da mesma.

Existem diversos pigmentos fotossintéticos, que apresentam diversas cores e se encontram em diferentes seres vivos:

Tipo de pigmento Cor Distribuição

Clorofilas

A

Verde

Plantas, algas, algumas bactérias

B Plantas, algas verdes

C Algas castanhas, diatomácia

D Algas vermelhas

Caratenóides Carotenos Laranja Algas e plantas

Xantofilas Amarela Algas castanhas, diatomácias

Ficobilinas Ficoeritrina Vermelha

Algas vermelhas, algumas bactérias Ficocianina Azul

Os dois grandes grupos de pigmentos fotossintéticos que absorvem energia luminosa, elevando electrões para níveis de energia mais altos (o que aumenta a energia potencial), são as clorofilas e os carotenóides. Cada um destes pigmentos absorve preferencialmente uma gama de radiações: as clorofilas a e b absorvem principalmente radiações correspondentes às faixas azul-violeta e vermelho-alaranjado (apresentando assim cor verde), enquanto os carotenóides se restringem à faixa azul-violeta. No entanto, apenas a clorofila a participa directamente nas reacções luminosas. Todos os outros pigmentos apenas adicionam energia à clorofila ou dissipam energia que foi absorvida em excesso.

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Ilustração 85 - Clorofila a.

Note-se que os fotões azuis, mais energéticos, excitam os electrões para estados de energia mais elevados que no caso dos fotões vermelhos. Em 1930, Van Niel, estudando o comportamento de bactérias sulfurosas capazes de realizar a fotossíntese, concluiu que o oxigénio libertado neste processo provinha da água e não do dióxido de carbono. Marcou a água com oxigénio O18 e verificou que este era libertado na fotossíntese e não integrava os compostos orgânicos formandos. Mais tarde, na experiência de Calvin, através da marcação do dióxido de carbono com carbono radioactivo comprovou-se que as substâncias formadas, de carácter radioactivo, derivavam do CO2 fornecido. Através de uma experiência realizada em 1951, Gaffron provou que a luz era necessária para iniciar o processo fotossintético, o qual poderia depois continuar durante alguns segundos mesmo na sua ausência. A fotossíntese compreende assim duas fases sucessivas:

Fase fotoquímica, ou fase luminosa/clara – dependente da luz. Dá-se a excitação dos pigmentos fotossintéticos e a fotólise da água. É uma fase exergónica, produzindo-se ATP, NADPH e O2;

Fase química, ou fase escura – também conhecida como Ciclo de Calvin. Esta fase depende não da luz mas sim da presença de CO2 e é endergónica. A partir de dióxido de carbono e ATP e electrões do NADPH, provenientes da fase fotoquímica, produz-se glicose (C6H12O6).

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a. Fase fotoquímica

A fase fotoquímica ocorre nos tilacóides e transforma a energia luminosa captada pelos pigmentos fotossintéticos em energia química. Nesta fase intervêm dois fotossistemas – conjuntos de pigmentos associados a proteínas que se encontram na membrana dos tilacóides e providenciam a energia necessária para excitar os electrões da clorofila:

Fotossistema II (PSII) absorve comprimentos de onda correspondentes a 680 nm e participa na síntese de ATP. Encontram-se na face da membrana dos tilacóides que está virada para o interior do grana;

Fotossistema I (PSI) absorve comprimentos de onda correspondentes a 700 nm e participa na síntese de NADPH.

Encontra-se na face da membrana que está em contacto com o estroma.

Ilustração 87 - Tilacóides.

Nos fotossistemas os fotões são absorvidos pelos pigmentos antena e a sua energia é canalizada para o centro de reacção, composto por uma clorofila a e por um aceitador

Ilustração 86 - Fotossistema.

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primário de electrões. A energia captada oxida a clorofila e o electrão libertado é removido através da redução do aceitador primário de electrões, podendo então ser conduzido por dois caminhos:

Fotofosforilação acíclica; Fotofosforilação cíclica.

Ilustração 88 - Fotofosforilação.

Na fotofosforilação acíclica a clorofila a do centro de reacção do PSII é oxidada e os electrões libertados vão ser transferidos para outras moléculas através de sucessivas reacções de oxidação-redução, dando início ao transporte electrónico que permite a síntese de ATP por quimiosmose. As proteínas responsáveis por esse transporte são as plastocianinas. Electrões provenientes da fotólise da água reduzem a clorofila desse sistema, deixando-a apta a

recomeçar um novo ciclo, e é libertado O2 segundo a reacção: .

Ao longo do transporte electrónico os electrões vão perdendo energia e ao chegar ao PSI, já num baixo nível energético, reduzem a Cla+

aí existente. Pela incidência da luz solar, a Cla é oxidada de novo e dá-se início a mais um transporte electrónico que, juntamente com os protões libertados pela água, contribui para a redução de NADP+

a NADPH.

Ilustração 89 - Fosforilação acíclica.

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A fosforilação do ATP dá-se por quimiosmose, ou seja, a difusão de iões, neste caso H+, permite a síntese de ATP aquando da passagem de 2H+

pela enzima ATP Sintetase. A difusão destes protões é garantida pelo gradiente de concentração existente entre o estroma e o interior do tilacóide, um meio de pH muito mais baixo. Uma vez que na fotólise da água se libertam não só e-

como também H+, este processo ajuda a assegurar a diferença de pH necessária ao sucesso da fotossíntese. Ao passarem para o estroma um dos H+

é utilizado na formação de NADPH enquanto o outro é de novo enviado por transporte activo para o interior do tilacóide. A energia necessária a este transporte provém da energia libertada durante o transporte electrónico de electrões no PSII e durante a fotofosforilação cíclica.

Ilustração 90 - Processo de produção de ATP.

A fotofosforilação cíclica só contribui para a sintetização de ATP. Um electrão sai do PSI em direcção à zona de transporte activo de H+, voltando depois ao PSI onde recebe energia para recomeçar o processo. Durante o seu percurso o e-

liberta energia que vai ser utilizada no transporte activo de H+ que cria o gradiente necessário à síntese de ATP.

b. Fase química

A fase química é também conhecida como Ciclo de Calvin, ocorre no estroma dos cloroplastos e é onde se dá a produção de açúcares. Este ciclo engloba 3 fases:

Fase 1, fixação de CO2 – 3 moléculas de CO2 reagem com 3 moléculas de RuBP (ribulose bifosfato), um composto com 5 carbonos e 2 fosfatos, dando origem a um composto com 6C muito instável. A enzima que participa nesta reacção é a RuBP carboxilase, ou rubisco. O composto instável divide-se rapidamente formando 6 moléculas de 3-fosfoglicerado, que têm apenas 3C cada;

Fase 2, produção de açúcares – seguidamente, dá-se a fosforilação do 3-fosfoglicerado em 1,3-bifosfoglicerado utilizando-se 6 ATP e a sua redução em gliceraldeído 3-fosfato (PAGL) recorrendo-se a 6 NADPH. Formam-se então 6 PGAL, dos quais um abandona o ciclo e é mobilizado para a síntese de moléculas orgânicas. Os restantes 5 PGAL permanecem no ciclo de Calvin;

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Fase 3, regeneração de RuBP – 5 gliceraldeído 3-fosfato originam 3 moléculas de RuMP (ribulose monofosfato), um composto com 5C mas apenas 1P. Recorrendo-se a 3 ATP regeneram-se os 3 RuBP que serão utilizados para dar início a um novo ciclo.

Ilustração 91 - Ciclo de Calvin.

Quando se fala no ciclo de Calvin consideram-se 3 ciclos como a unidade, pois apenas assim se permite a formação e regeneração correcta de todos os elementos. O ATP e NADPH utilizados neste processo provêm da fase fotoquímica e o ADP e NADP+

resultantes são reintegrados nessa fase, onde se regeneram. Durante este processo gasta-se mais ATP do que NADH o que explica a necessidade da fotofosforilação cíclica.

c. Variantes do processo

Tanto a mitocôndria como os cloroplastos geram ATP via difusão de iões H+, resultante de uma concentração de H+ diferente no interior e exterior dos tilacóides. Ambos utilizam uma cadeia transportadora de electrões e um complexo ATP sintetase similar. A diferença surge ao nível do “combustível” a utilizar no processo. O processo de fotossíntese descrito é do tipo C3, que é o tipo mais comum e ocorre em plantas que tendem a ocupar áreas onde a intensidade da luz do Sol e a temperatura são

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moderadas, a concentração de dióxido de carbono é cerca de 200 partes por milhão ou superior e a concentração de água no solo é também elevada. As plantas que utilizam este tipo de fotossíntese não podem crescer em zonas quentes pois a rubisco incorpora mais oxigénio em RuBP à medida que a temperatura aumenta (começa a ocorrer fotorrespiração, com libertação de CO2 e sem produção de ATP e NADPH). Os outros tipos de fotossíntese são:

Fotossíntese C4 – ocorre principalmente em gramíneas (como a cana-de-açúcar e o milho), plantas adaptadas a altas temperaturas. As células mesófilas das plantas C4 captam o CO2, com o auxílio da enzima FosfoEnolPiruvato carboxilase (PEP) e formam ácidos com 4 carbonos, como o ácido málico. Estes ácidos podem ser descarboxilados a 3PGA, utilizado então pela rubisco. Também podem ser descarboxilados nas células da bainha vascular, libertando CO2 e aumentando a concentração deste gás. Esta grande concentração de CO2 permite evitar a competição entre CO2 e O2 na rubisco. Este tipo de fotossíntese é mais eficiente que C3 pois há um maior aproveitamento de CO2 e menor perda de água, graças a uma menor dependência do controlo da abertura e fecho dos estomas.

Fotossíntese CAM (Metabolismo Ácido das Crassuláceas) – ocorre em plantas suculentas, adaptadas a condições áridas. As plantas CAM abrem os estomas durante a noite, absorvendo dióxido de carbono durante este período e reduzindo a perda de água por transpiração, e armazenam-no sob a forma de ácido málico. Durante o dia, com a incidência de luz solar, o ácido málico entra no Ciclo de Calvin para originar moléculas de glicose.

Ilustração 92 - Fotossíntese C4 e CAM.

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IX. Replicação do DNA Durante a divisão celular é necessário copiar o material genético para que toda a informação possa ser transferida da célula-mãe para a célula-filha sem erros. A célula cria cópias do seu próprio DNA através de um processo de replicação semi-conservativa no qual 50% do DNA da célula-filha pertenceu anteriormente à célula-mãe – cria-se uma nova cadeia com base numa cadeia-molde original.

Ilustração 93 - Experiência que apoia a teoria de que o DNA se replica de forma semi-conservativa.

Para que ocorra replicação é necessário que o DNA se encontre na forma de cadeia simples. Existem 3 enzimas responsáveis por esta tarefa (helicases, SSB e girases) que, embora não participem directamente no processo de replicação, são auxiliares de replicação. A replicação tem início em zonas específicas, denominadas origem de replicação (Ori). Nos procariotas existe apenas uma destas regiões, contrariamente ao que acontece nos eucariotas, que apresentam várias origens de replicação. As regiões Ori são ricas em timina e adenina – a natureza desta ligações é mais fraca que as de guanina e citosina o que facilita a abertura da cadeia dupla, e são reconhecidas por um par de enzimas, as helicases. Cada helicase envolve uma

cadeia simples do DNA e move-se num dado sentido, quebrando as pontes de hidrogénio entre bases complementares. Essa quebra é bidireccional – existem duas forças de replicação para cada origem de replicação, e requer consumo de ATP. Quando já se encontra em cadeia simples o DNA tem tendência a voltar a estabelecer uma cadeia dupla, uma vez que esta é a sua forma mais estável. Para impedir esse processo existe um conjunto de proteínas, as SSB (single-stranded DNA-binding proteins), que actuam estabilizando a cadeia simples.

Ilustração 94 - Acção das helicases e das SSB.

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Há medida que ocorre a separação do DNA um outro tipo de enzimas, as DNA-girases ou topoisomerases, vão distorcendo a cadeia para que esta não se enrole em si própria e dificulte ou impeça o processo de replicação. Uma vez separada em cadeia simples a molécula de DNA pode finalmente ser replicada. Os dNTP’s existentes na célula vão sendo mobilizados e inseridos sequencialmente na cadeia (respeitando a complementaridade de bases) libertando um pirofosfato (dois fosfatos), por acção das DNA

polimerases. Estas enzimas actuam apenas no sentido 5’3’ e são

incapazes de colocar os primeiros nucleótidos, pelo que não dão início à replicação. Para isso existem as RNA polimerases, ou primases. As RNA polimerases começam o processo de replicação adicionando alguns NTP’s à cadeia de DNA e formam os chamados primers, ou iniciadores, constituídos por cerca de 3 a 10 nucleótidos de RNA. Uma vez sintetizados estes pedaços de RNA a DNA polimerase III (pol III) continua a replicação no sentido 5´3’, agora já utilizando dNTP’s.

Ilustração 96 - Acção das primases e das DNA polimerases.

A replicação dá-se em simultâneo nas duas cadeias do DNA. No entanto, enquanto na cadeia 3’-5’ (leading strand) ocorre replicação contínua no sentido da abertura da cadeia, isto é, a pol III actua sem interrupções no sentido 5’-3’, na cadeia 5’-3’ (lagging strand) dá-se replicação descontínua. Como a polimerase só actua no sentido 5’-3’ e está acoplada a um complexo que se movimenta na direcção da abertura da cadeia dupla, o único modo de fazer com que a enzima vá nessa direcção é sintetizar a lagging strand por partes. Os fragmentos descontínuos são chamados fragmentos de Okasaki e estão associados, cada um, a um novo primer. Quando a polimerase chega ao final de um destes fragmentos e encontra o fragmento anterior, dissocia-se da cadeia e a replicação desse pedaço termina.

Ilustração 95 - Acção das topoisomerases sobre o DNA.

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À medida que ocorre a replicação, a polimerase I (pol I) percorre as cadeias formadas em busca de erros de síntese, corrigindo-os, e de primers, substituindo-os pelos nucleótidos de DNA correctos. Tem, por isso, actividade de exonuclease – hidrolisa DNA ou RNA nos sentidos 5’-3’ ou 3’-5’, para além de actividade

de polimerase – adiciona novos nucleótidos.

Também as DNA polimerases III actuam como exonucleases. No entanto, enquanto as DNA polimerases I são capazes de reconhecer e corrigir erros de inserção de nucleótidos em qualquer ponto da cadeia e em qualquer sentido, as pol III apenas detectam erros nos últimos nucleótidos adicionados – correcção in loco, e no sentido 5’-3’.

Na tabela seguinte resumem-se as diferenças entre as diferentes polimerases:

Polimerase Polimerização

(5’3’) Exonuclease

(3’5’) Exonuclease

(5’3’) Nº de Cópias

I Sim Sim Sim 400 II Sim Sim Não ? III Sim Sim Não 10-20

Note-se a importância da acção, principalmente, da polimerase I, cujas correcções do DNA

permitem reduzir a taxa de erros do DNA para , enquanto que, sem a sua acção, a

taxa de erro seria de . Como a pol I não consegue estabelecer a ligação entre os nucleótidos que substitui e os que se encontram nas extremidades dos fragmentos de Okazaki, formam-se lacunas entre o grupo fosfato de um nucleótido e o carbono 3' do outro. Essas falhas são posteriormente corrigidas pelas DNA ligases através do estabelecimento de uma ligação covalente.

Ilustração 97 - Replicação do DNA.

Ilustração 98 - Configuração da DNA polimerase III consoante a sua função.

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Como as DNA polimerases apenas estendem os primers na direcção 5’-3’ são incapazes de copiar a extremidade 5’ (onde ocorre replicação descontínua) de cromossomas lineares, pelo que se torna necessária a intervenção de mecanismos especializados nesta tarefa. Existem então projecções de nucleótidos na extremidade 3’, os chamados telómeros, que não são mais do que

sequências repetidas de nucleótidos nos terminais dos cromossomas. Estas

sequências são replicadas à custa de enzimas, as telomerases, que catalisam a síntese dos telómeros mesmo na ausência da DNA polimerase. As telomerases são transcriptases reversas, ou seja, sintetizam DNA a partir de um molde de RNA, e cada telomerase tem um molde complementar da sequência do telómero. As telomerases ligam-se então ao telómero e prolongam-no, sintetizando uma cadeia simples de DNA a partir do RNA complementar. Findo este processo, a telomerase “desconecta-se” e a replicação de mais uma porção da cadeia de DNA pode dar-se por replicação descontínua convencional. Forma-se um novo telómero que pode ser prolongado de novo.

Ilustração 100 - Acção das telomerases.

Ilustração 99 - Na extremidade 3' do DNA não há local de colocação de um primer, o que origina problemas na replicação descontínua do DNA nessa extremidade.

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A maioria das células somáticas não tem níveis de telomerases suficientemente altos para manter o comprimento dos seus telómeros por um número indefinido de divisões celulares. Deste modo, à medida que a célula envelhece verifica-se o desaparecimento progressivo dos telómeros e o encurtamento dos cromossomas, o que pode levar à morte ou senescência (envelhecimento) celular. Algumas patologias humanas, como o envelhecimento precoce, têm vindo a ser associadas a mutações nas telomerases. Por outro lado, verifica-se que células cancerígenas apresentam níveis anormalmente altos destas enzimas, o que lhes permite dividirem-se indefinidamente. O problema da existência e replicação dos telómeros não se põe nos organismos procariotas pois estes têm um cromossoma circular. Neste caso, não existe nenhuma “ponta solta” e, portanto, todo o DNA é replicado sem problemas. É importante referir que a replicação do DNA mitocondrial é feita por enzimas específicas e que as enzimas mencionadas anteriormente, nomeadamente as polimerases, são responsáveis pelo processo de replicação em E.coli. Nos mamíferos intervêm outros complexos, como exemplificado na imagem seguinte:

Ilustração 101 - Enzimas intervenientes na replicação do DNA em E. coli e em mamíferos.

Na seguinte tabela encontram-se algumas das enzimas que participam na replicação do DNA em mamíferos:

DNA Polimerase Localização Função Capacidade de

Proofreading (revisão)

Tem actividade da RNA

primase – inicia a replicação do DNA

Núcleo Replicação do DNA Não

Núcleo Reparação do DNA Não

Mitocôndria Replicação do DNA

mitocondrial Sim

Substitui a pol α para continuar

a replicação

Núcleo Replicação do DNA Sim

Similar a pol δ, existe em

leveduras

Núcleo Replicação do DNA Sim

Núcleo Reparação do DNA -

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X. Reparação do DNA Alterações no DNA são de grande importância visto esta molécula guardar uma cópia permanente do genoma da célula. Se uma alteração não for corrigida antes da replicação então vai ser perpetuada para todas as gerações seguintes. Apesar da replicação ser muito fiável podem verificar-se algumas modificações do DNA no final deste processo devido à inserção de bases incorrectas. E não só nesta fase da vida da célula, mas em todas as fases do ciclo celular, podem ocorrer alterações na sequência e estrutura do DNA, espontâneas ou induzidas por diversos factores externos como químicos e radiação. Alterações ao nível da molécula de DNA podem impedir os processos de replicação e transcrição, bem como aumentar a frequência de mutações. Para manter a integridade dos seus genomas as células desenvolveram mecanismos de reparação que actuam no sentido de reverter reacções químicas responsáveis pela alteração do DNA e/ou substituir bases incorrectas ou danificadas. As alterações espontâneas dos nucleótidos manifestam-se das seguintes formas:

Deaminação – remoção de um grupo amina de uma base; Depurinação – remoção da base purina de um nucleótido); Metilação – adição de grupos metilo; embora seja um processo normal nos

nucleótidos, caso se dê de forma incontrolada é prejudicial. A deaminação ocorre principalmente nos nucleótidos de citosina e adenina e é o resultado da substituição, na base, de um grupo amina (NH2) por um átomo de oxigénio. A deaminação da adenina dá origem a hipoxantina, uma base modificada, e da alteração da citosina resulta uracilo pelo que esta base, considerada exclusiva do RNA, pode surgir em DNA danificado. Durante a replicação de uma região que sofreu deaminação vai formar-se uma cadeia mutada e outra cadeia intacta pois apenas uma das cadeias originais está modificada. Na deaminação da citosina, por exemplo, um dos moldes terá um nucleótido de uracilo pelo que a cadeia complementar irá apresentar uma adenina no local de guanina – ocorre uma mutação. A outra cadeia molde, como tem um nucleótido de guanina que é complementar da citosina, vai manter-se inalterada.

Ilustração 102 - Deaminação de uma citosina.

Na depurinação há remoção total da base de um nucleótido, por clivagem da ligação entre essa base e a desoxirribose. No local do nucleótido fica apenas a base associada ao grupo fosfato e designa-se esse local por local AP – local apurínico ou apirimidínico. À semelhança do que acontece na deaminação, a replicação de uma região danificada vai dar origem a uma cadeia mutada e outra cadeia intacta. Só que neste caso, a cadeia mutada tem um nucleótido a menos no local em que ocorre depurinação pois não apresenta nenhuma base que permita a ligação de uma base complementar. Esta mutação pode ter consequências gravíssimas para a célula, visto que se ocorrer numa região codificante pode modificar completamente a proteína resultante.

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Das alterações induzidas por radiação ou químicos, destacam-se a formação de dímeros de timina e de aductos de DNA, e a alquilação. A exposição à radiação UV induz a formação de ligações entre timinas de nucleótidos adjacentes, dando origem a um dímero de timina. As duas bases de timina ligam-se entre si, formando um anel de ciclobutano, e deixam de estabelecer ligações com as adeninas da cadeia complementar (ligação T-T é mais forte que a ligação A-T). Consequentemente há distorção da estrutura das cadeias de DNA, o que pode bloquear a transcrição ou a replicação. A reparação directa dos dímeros de timina dá-se através de fotorreactivação. Nesta reacção, inversa à dimerização, é utilizada energia da luz visível para quebrar o anel de ciclobutano e permitir que as timinas se liguem de novo às adeninas complementares. Apesar de as bactérias utilizarem este

processo muito frequentemente, os mamíferos e, nomeadamente, os seres humanos, não são capazes de corrigir os dímeros de timina directamente, estando por isso mais sujeitos aos efeitos noviços da radiação UV. Muitos agentes químicos são agentes alquilantes, isto é, são agentes reactivos que transferem grupos metilo ou etilo para bases do DNA, modificando-as quimicamente. A alquilação da guanina em particular dá origem a O6-metilguanina, uma base complementar da timina em vez da citosina, pelo que a cadeia complementar desta molécula virá alterada. Este tipo de alteração do DNA pode ser reparada directamente por acção de enzimas (O6 metilguanina metiltransferase) que transferem o grupo metilo, adicionado à posição O6 da guanina, para um resíduo de cisteína presente no sítio activo da enzima.

Ilustração 103 - Depurinação de uma adenina.

Ilustração 104 - Fotoreactivação para corrigir um dímero de timina.

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Ilustração 105 - AAlquilação da guanina.

Ilustração 106 - Reparação de uma alquilação de uma guanina.

Muitos agentes carcinogénicos danificam o DNA pela introdução de grandes grupos aos nucleótidos, os aductos de DNA, que alteram a configuração normal das cadeias e, por vezes, até da própria molécula de DNA.

Ilustração 107 - Introdução de aductos de DNA numa guanina.

Nem todas as alterações do DNA podem ser reparadas directamente, como acontece com os dímeros de timina e a alquilação, pelo que as células têm mecanismos que permitem reparar vários tipos de danos. Os mecanismos mais importantes, tanto em procariotas como em eucariotas, são os métodos de reparação por excisão – excisão de base, excisão de nucleótido e mismatch repair. Estes mecanismos reconhecem a zona danificada e eliminam a base ou nucleótido alterados permitindo depois a síntese de uma nova cadeia de DNA a partir da cadeia complementar intacta. A reparação por excisão de base permite corrigir problemas em bases individuais, quer estas tenham sido danificadas por oxidação ou ionização quer sejam o resultado de deaminação ou depurinação. Neste processo de reparação a base danificada é reconhecida e, por acção de

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enzimas específicas, é clivada a ligação entre a pentose e a base, formando-se um local AP. Este local é posteriormente reconhecido por uma AP endonuclease que quebra a ligação fosfodiester entre o fosfato do local AP e a pentose do nucleótido adjacente, deixando um nick (interrupção) na cadeia. O que resta do nucleótido a ser reparado é então removido e, por acção da DNA polimerase e DNA ligase, é adicionada uma nova base.

Ilustração 108 - Reparação por excisão de base.

A reparação por excisão de nucleótidos corrige dímeros de timina e aductos de ADN através da remoção de uma porção da cadeia de DNA que contém a lesão. Em E.coli existe um sistema, o sistema Uvr, constituído por 3 proteínas (UvrA, UvrB e UvrC) que actua neste sentido. A zona danificada é reconhecida por uma proteína (UvrA) e outras proteínas, as nucleases, clivam ligações fosdiesters na extremidade 3’ e 5’ da lesão (UvrB e UvrC, respectivamente). Por acção de helicases, são quebradas as pontes hidrogénio entre as bases complementares e é removido um oligonucleótido (com cerca de 12 a 13 bases) que contém a região alterada. DNA polimerase I e

ligases actuam, de seguida, no sentido de sintetizar correctamente o pedaço da cadeia excisado.

Ilustração 109 - Reparação por excisão de nucleótidos.

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O sistema mismatch repair reconhece e corrige bases não complementares adicionadas à nova cadeia de DNA durante o decorrer da replicação. Em E. coli esse sistema, designado sistema MUT, é formado por um conjunto de 3 proteínas (MutS, MutL e MutH) que reconhecem a cadeia-filha por esta ainda não estar metilada (a metilação ocorre nos resíduos de adenina de sequências GATC). MutS reconhece a base alterada e forma um complexo com as restantes proteínas. De seguida, a MutH, uma endonuclease, cliva a nova cadeia (ainda não metilada) no local da sequência GATC e a MutS e MutL, juntamente com uma helicase e uma endonuclease, removem a cadeia de DNA entre o local de clivagem e a base mal colocada. Posteriormente, polimerases e ligases procedem à síntese do DNA em falta.

Ilustração 110 - Sistema mismatch repair.

XI. Recombinação do DNA O genoma de um organismo tem uma enorme plasticidade, facto para o qual contribui a recombinação genética – troca de material genético. Podem distinguir-se 2 tipos de recombinação:

Recombinação homóloga – entre sequências de DNA semelhantes – homólogas;

Site-specific – requer homologia localizada e pode ser considerada um subgrupo da recombinação homóloga;

Recombinação não homóloga ou heteróloga – entre sequências de DNA não homólogas;

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Transposão – elementos genéticos (transposões) movem-se ao longo do genoma, sendo inseridos e/ou retirados de diferentes locais.

Do ponto de vista biológico, a recombinação tem diversos papéis importantes, dos quais podemos destacar:

Gerar novas combinações de genes/alelos. Ex: crossing-over da meiose; Gerar novos genes. Ex: rearranjo de imunoglobulinas; Integrar elementos de DNA específicos. Ex: vírus; Reparar DNA.

Relativamente à utilidade prática deste fenómeno, em biologia molecular utiliza-se recombinação para, por exemplo, mapear genes em cromossomas e criar células e organismos transgénicos.

Ilustração 111 - Recombinação genética através de vírus.

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A recombinação homóloga requer extensa homologia genética, ou seja, é necessário que haja uma extensa complementaridade entre os nucleótidos de 2 cadeias de cromossomas diferentes, ou mesmo de zonas do mesmo cromossoma que estejam repetidas ou invertidas. Usualmente a recombinação envolve a quebra de duas moléculas de DNA na mesma região, onde as sequências são muito semelhantes, e a junção de um DNA ao outro, o que resulta num processo de "cross-over". Neste tipo de recombinação o local de troca pode estar localizado em qualquer zona da região homóloga e não implica a alteração do arranjo dos genes nos cromossomas. O processo é mediado por enzimas e pode dar-se segundo dois modelos:

Recombinação por copy choice dá-se durante a replicação, quando duas cadeias de DNA próximas e homólogas estão a ser replicadas simultaneamente e, a dada altura, trocam de cadeia molde;

Recombinação por breakage and rejoining (que ocorre com a acção de enzimas) não se dá durante o decorrer da replicação e requer que as duas cadeias de DNA homólogas sofram um nick no mesmo local. A partir desses nicks, uma das cadeias de cada molécula é parcialmente separada e emparelha com a cadeia da outra molécula que lhe é complementar.

Em ambos os casos, há o cruzamento de duas cadeias de DNA e a formação de heteroduplexes, regiões da molécula de DNA formadas por cadeias de origens diferentes. À zona de cruzamento dá-se o nome de junção de Holliday e da sua resolução pode resultar uma recombinação com ou sem alteração de genes.

Ilustração 112 - Modelos da recombinação homóloga.

Após a formação da junção de Holliday, que pode migrar ao longo da cadeia, as duas moléculas rodam em torno do seu ponto de ligação. Dependo do sentido dessa rotação, as cadeias cruzam em direcções diferentes e o produto final deste processo pode resultar em heteroduplexes recombinantes ou não recombinantes. Para separar as duas moléculas é então necessário cortar as cadeias cruzadas ao nível da junção. Se o corte for horizontal então, após a ligação das cadeias obtém-se moléculas iguais às originais – heteroduplexes não-recombinantes. Por outro lado, se o corte for vertical verifica-se a recombinação propriamente dita, pois só neste caso há alteração na composição da cadeia – as moléculas resultantes são heteroduplexes recombinantes e, caso a região recombinada seja codificante, o gene pode deixar de ser transcrito ou a sua tradução pode resultar numa proteína completamente diferente da proteína original.

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Ilustração 113 - Junção de Holliday e recombinação genética.

No processo de recombinação homóloga intervêm enzimas e proteínas específicas, como as DNA polimerase e ligase e proteínas SSB. Em E.coli, existem dois sistemas principais que têm um papel fundamental na regulação dos mecanismos de recombinação – sistema Rec e sistema Ruv. O Sistema Rec é constituído por 4 proteínas – RecA e complexo RecBCD, e está envolvido nos passos centrais da recombinação homóloga. O complexo RecBCD liga-se ao DNA de cadeia dupla (dsDNA) e processa-o, transformando-o em cadeias simples (ssDNA) prontas a serem utilizadas pela RecA. A proteína RecA tem três locais específicos de ligação ao DNA, pelo que começa por se ligar a ssDNA, formando um filamento de DNA-proteínas, e, de

seguida, associa-se também a dsDNA. Segue-se o alinhamento das cadeias homólogas e a RecA, à custa de ATP, catalisa o emparelhamento da cadeia simples com a sua cadeia complementar proveniente do dsDNA, dando origem a um heteroduplex.

Ilustração 114 - Acção do complexo RecBCD: RecBCD makes ss nicks where RecA binds; Heterotrimeric product of recB, recC and recD SOS genes; Complex binds to free end of dsDNA and unwind it in ATP dependent reaction; Cleavage of both DNA strands; After Chi sequence (GCTGGTGG), stops cleaving 3’ end.

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Ilustração 115 - Acção da proteína RecA.

O Sistema Ruv é responsável pela resolução das junções de Holliday. A proteína RuvA reconhece a junção e recruta a proteína RuvB. O complexo RuvAB, que tem actividade de helicase, catalisa a migração da junção, promovendo a variação da extensão do heteroduplex, e RuvC, que tem actividade de endonuclease, cliva as cadeias cruzadas. DNA ligases actuam no sentido de ligar as cadeias das moléculas recombinantes, e termina o processo recombinação. A recombinação site-specific apenas requer homologia de pequenas regiões específicas e permite a introdução ou perda de informação genética. A grande variedade de imunoglobulinas do organismo humano deve-se a fenómenos de recombinação site-specific durante a maturação de linfócitos B e a construção de organismos geneticamente modificados (OMG) pode ser feita utilizando este processo. Na criação de OGM’s e também em processos de recombinação, por exemplo, entre cromossomas de bactérias e plasmídeos, o que acontece é que existem genes flanqueados por informação genética homóloga a uma região do DNA. Por recombinação, essa informação é inserida na molécula. Por outro lado, recombinação entre sequências homólogas de uma mesma molécula pode levar à perda da região entre essas sequências.

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Os eventos recombinantes podem ser classificados em dois grupos: Recombinação intermolecular – entre moléculas diferentes;

Cross-over simples – forma-se uma única junção de Holliday;

Cross-over duplo – formam-se duas junções de Holliday; Recombinação intramolecular – entre regiões da mesma molécula;

Repetições directas – as sequências homólogas são exactamente iguais. Implica a perda irreversível de DNA;

Repetições invertidas – as sequências homólogas estão invertidas. Pode resultar na perda de funcionalidade de um gene mas é um processo reversível. Este tipo de recombinação é muito utilizada por bactérias patogénicas que, ao inverterem as suas sequências, baralham o sistema imunitário do hospedeiro.

Ilustração 116 - Tipos de recombinação.

A produção de flagelina, um agente virulento, por parte das salmonelas é um bom exemplo de recombinação intramolecular com repetições invertidas. As bactérias podem produzir, alternadamente, flagelina H1 ou H2 conforme a orientação de uma das suas sequências, o chamado segmento H. Este segmento é flanqueado por duas sequências invertidas, podendo sofrer inversão por recombinação, e contém o promotor do gene da flagelina H2 e de um repressor do gene da flagelina H1. Quando o segmento H se encontra numa orientação que permite a sua transcrição, é produzida H2 e silenciado o gene da H1. Quando ocorre recombinação, o gene de H2 deixa de ser transcrito e passa a ser produzida H1. A alteração do tipo de flagelina produzida pela salmonela permite-lhe resistir mais tempo num organismo pois assim que o sistema imunitário do hospedeiro já está preparado para combater um tipo de virulência ela altera o tipo de flagelina produzida, desencadeando uma nova resposta imunitária.

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Ilustração 117 - Produção de flagelina pelas salmonelas.

A recombinação não homóloga não requer qualquer semelhança entre sequências de DNA, estando antes associada ao movimento de sequências – transposões, ao longo do genoma. Os transposões são encontrados tanto em procariotas como em eucariotas e, em algumas leveduras e protozoários, fazem parte de mecanismos de regulação de genes. As unidades fundamentais dos transposões são as sequências de inserção (IS), sequências de 800 a 2000 nucleótidos que contêm um gene que codifica a proteína transposase flanqueado por curtas sequências invertidas – repetições invertidas (IR).

Ilustração 118 – Sequência de inserção.

A transposase é responsável por encontrar sequências específicas de DNA e cortar a molécula nessa zona, separando a dupla-cadeia e deixando as sequências complementares por emparelhar. Ao nível dos transposões, esta proteína cliva as extremidades da sequência de inserção e junta a IS à cadeia previamente cortada. As falhas no DNA resultantes deste processo são reparadas por DNA polimerase e ligase.

Ilustração 119 - Inserção de um transposão.

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Destacam-se 2 tipos de mecanismos de transposição: Transposição mediada por DNA;

Transposição conservativa – o transposão move-se do sítio dador para o local alvo;

Transposição replicativa – uma cópia do transposão é inserida no local alvo, mantendo-se o elemento original. A frequência desta transposição é de cerca de 1 em 104 a 107 divisões celulares.

Transposição mediada por RNA – é feita uma cópia de RNA do retrotransposão que é depois traduzida em DNA e inserida no genoma. Este tipo de transposição ocorre, por exemplo, nos retrovírus como o HIV.

Ilustração 120 - Transposição conservativa.

Ilustração 121 - Transposição replicativa.

Ilustração 122 - Retrotransposição.

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A inserção de transposões em locais não específicos do genoma pode interferir com a expressão de genes, o que pode ter consequências negativas para a célula. No entanto, em algumas leveduras e protozoários, transposões fazem parte de mecanismos de regulação genética. Alguns transposões mais complexos, como os transposões compostos, são formados por genes flanqueados por sequências de inserção. Esses genes, por exemplo de resistência a anti-biótico, podem ser copiados para vários locais do genoma e contribuir para uma maior resistência por parte desse organismo.

Ilustração 123 - Transposão composto.

XII. Transcrição de DNA Transcrição é o processo através da qual se sintetiza RNA a partir da informação contida nos genes da molécula de DNA. Este processo apresenta algumas diferenças nos organismos procariotas e eucariotas e está sujeito a mecanismos de regulação, verificando-se que os genes são transcritos de acordo com as necessidades da célula. O genoma de procariontes é constituído maioritariamente por regiões codificantes, isto é, regiões que contêm genes e codificam a síntese de RNA. Já nos eucariotas, a maior parte do seu genoma está sob a forma de regiões intergénicas – regiões não codificantes (cerca de 98% do genoma humano são regiões não codificantes). Sabe-se actualmente que estas regiões, anteriormente sem qualquer função atribuída e designadas por junk-DNA, têm um papel importante na transcrição. Os genes contêm informação para a síntese de vários tipos de RNA, cujo processo de transcrição é o mesmo:

RNA mensageiro, mRNA – molde utilizado pelos ribossomas para a síntese de proteínas;

RNA de transferência, tRNA – intermediário entre mRNA e os aminoácidos durante a síntese proteica ao nível dos ribossomas;

RNA ribossomal, rRNA – um dos constituintes dos ribossomas. Um gene apresenta 3 regiões:

Região promotora – onde se encontra o promotor, é o local onde a RNA polimerase se liga para iniciar a transcrição – é essencial ao início da transcrição mas não é transcrito. Tem sequências específicas em determinados locais – as zonas consenso, que são reconhecidas pela polimerase e que têm que ser semelhantes para todos os genes pois nos procariotas só existe uma RNA polimerase (apesar de se verificar a existência de vários factores σ que direccionam a transcrição para locais diferentes, de acordo com as condições a que a célula é sujeita).

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Nos procariotas existem duas zonas consenso de 6 nucleótidos cada uma, uma na região -10 e outra na região -35, respectivamente 10 e 35 nucleótidos antes do início da transcrição propriamente dita, em +1. A região -10, também designada caixa TATA, é rica em adenina e timina e, devido à natureza mais fraca das suas ligações, é mais sensível à acção das helicases pelo que a cadeia dupla se abre preferencialmente nesta zona. Os promotores dos eucariotas são maiores e mais complexos. A sua caixa TATA encontra-se na posição -25 e outras zonas consenso localizam-se em -50, -75 e -100.

Parte estrutural – zona transcrita. Encontra-se apenas numa das cadeias e a sua região complementar, não codificante, denomina-se zona nonsense.

Zona de terminação – onde a transcrição é terminada.

Ilustração 124 - Promotor de um procariota.

Ilustração 125 - Promotor de um eucariota.

Na transcrição intervém uma enzima específica, a RNA polimerase. Esta enzima transcreve a informação contida no DNA para RNA e, à semelhança das DNA polimerases, catalisa o crescimento de cadeias de RNA no sentido 5’-3’. No entanto, não necessita de um primer para iniciar o processo. A RNA polimerase, assim como o processo de transcrição de procariotas e eucariotas apresenta algumas diferenças:

A RNA polimerase de E. coli é um complexo enzimático formado por 5 subunidades (duas α, β, β’, ω e σ). O factor σ é essencial para o reconhecimento da região promotora do gene e para a correcta ligação da RNA polimerase ao DNA mas não tem actividade catalítica, libertando-se da enzima quando já se encontram sintetizados alguns nucleótidos de RNA;

Nos eucariotas existe uma polimerase diferente para cada tipo de RNA (mensageiro, de transferência e ribossomal) mas todas são complexos formados por 12 a 17 subunidades e partilham algumas características, tanto entre si como com a polimerase dos procariotas.

Tipo de RNA sintetizado RNA

polimerase

Genes nucleares

mRNA II miRNA II tRNA III rRNA

5.8S, 18S, I

Ilustração 126 - RNA polimerase procariótica.

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28S 5S III

snRNA e scRNA

II e III

Genes mitocondriais

Mitocondrial Semelhantes à RNA

polimerase bacteriana Genes dos cloroplastos

Cloroplastos

O processo de transcrição pode ser dividido em 3 fases:

Iniciação – RNA polimerase liga-se a uma zona não específica do DNA e migra ao longo da cadeia até encontrar o promotor. Aí liga-se especificamente às zonas -35 e -10 e, ao nível da caixa TATA, helicases e girases promovem a abertura da cadeia dupla de DNA ao longo de 12-14 nucleótidos. A transcrição é iniciada na posição +1 pela adição de 2 NTP’s à cadeia molde e, após a polimerização de cerca de 10 nucleótidos no sentido 5’-3’, o factor σ é libertado e dá-se início à próxima fase. Nota: os nucleótidos livres encontram-se na forma de trifosfatos – NTP’s, pelo que durante a sua polimerização são libertadas moléculas de pirofosfato (dois fosfato);

Elongação – o crescimento da cadeia de RNA continua. A polimerase mantém-se ligada ao DNA e vai desenrolando a cadeia dupla à sua frente e hibridizando a cadeia que deixa para trás, ficando apenas uma região com cerca de 15 pares de nucleótidos na forma de cadeias simples. A transcrição continua até que a polimerase encontre um sinal de terminação;

Terminação – quando a RNA polimerase encontra a zona de terminação dissocia-se do DNA e o processo de transcrição termina. Existem dois mecanismos diferentes responsáveis pela terminação:

Dependente de factor ρ, independente da sequência – a terminação está dependente de uma proteína, o factor ρ, que se liga a longos segmentos (cerca de 60 nucleótidos) no final da molécula de RNA;

Independente de factor ρ, dependente da sequência – a zona de terminação é formada por duas sequências invertidas de citosina e guanina, intercaladas por outras bases e seguidas de nucleótidos de adenina. A transcrição das zonas ricas em CG leva à associação das bases complementares e à formação de uma estrutura secundária – um gancho de terminação, que destabiliza a ligação da RNA polimerase ao DNA e leva à sua dissociação. Para além do seu papel na terminação da transcrição, os ganchos de terminação desempenham também um papel protector: o RNA mensageiro tem um tempo de vida muito curto, sendo rapidamente digerido por RNAses no sentido 3’-5’. A formação de ganchos de terminação nos terminais do mRNA dificulta a sua digestão por parte dessas enzimas e funciona como uma forma de protecção, permitindo que o RNA se mantenha íntegro o tempo suficiente para que ocorra tradução.

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Ilustração 127 - Processo de transcrição dos procariotas.

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Ilustração 128 - Formação de um gancho de terminação.

O processo de transcrição acima descrito diz respeito aos organismos procariotas. Nos eucariotas a estrutura dos promotores e das RNA polimerases é diferente, pelo que vão existir algumas diferenças nos mecanismos de transcrição. O reconhecimento do promotor e a ligação da RNA polimerase não estão associados a um factor σ mas dependem de diversos factores de transcrição – factores gerais, comuns à transcrição de todos os genes, ou específicos para determinados genes. Os factores de transcrição são, geralmente, proteínas que têm uma região que se liga ao DNA e outra região que interage com outras proteínas e estimula a transcrição. Na iniciação da transcrição, a RNA polimerase II associa-se ao promotor, ao mediador e a outros factores de transcrição, dando origem ao complexo RNA polimerase II/Mediador – o complexo de iniciação. A este complexo podem ligar-se ainda estimuladores (enhancers), que são sequências de DNA que se associam a factores de transcrição que regulam a actividade da RNA polimerase. Os estimuladores situam-se em regiões intergénicas que podem estar localizadas em qualquer ponto dos cromossomas, sendo a sua ligação possível devido à existência de loops na molécula de DNA. A transcrição é iniciada quando se dá a fosforilação dos resíduos de serina e treonina do CDT (carboxi terminal domain), uma sequência de aminoácidos que faz parte da RNA polimerase.

Ilustração 129 - Factores de transcrição dos eucariotas.

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Iniciada a transcrição, o complexo de iniciação dissocia-se e o CDT fosforilado permite a ligação de factores de transcrição que intervêm na elongação e no processamento de RNA.

Ilustração 130 - Transcrição dos eucariotas.

Na terminação da transcrição em eucariotas, a RNA polimerase reconhece uma sequência de terminação e é libertada cerca de 10-35 nucleótidos depois. As sequências de terminação, por exemplo AAUAAA, são sempre semelhantes, embora possam não ser exactamente iguais em todos os genes

a. Regulação da Transcrição

O genoma de um organismo contém milhares de genes que não são todos transcritos em simultâneo. Existem mecanismos de regulação, tanto em procariotas como em eucariotas, que actuam ao nível da iniciação ou da elongação no sentido de silenciar ou promover a transcrição de determinados genes, de acordo com as necessidades da célula. Em organismos procariotas a regulação dá-se principalmente na etapa da iniciação e pode envolver diversos mecanismos, dos quais iremos estudar dois exemplos: a regulação do operão da lactose e do operão do triptofano em E.coli.

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i. Operão da lactose

A lactose pode ser degrada em glicose e galactose, moléculas de onde é extraída energia metabólica, por acção de uma enzima específica, a β-galactosidase. Esta e outras enzimas envolvidas no metabolismo da lactose só são sintetizadas quando existe lactose disponível na célula, evitando assim a síntese de proteínas e RNA desnecessárias, pelo que se diz que há regulação da transcrição por indução do substrato. Essa indução pode ser positiva ou negativa. Os genes responsáveis por esse metabolismo distribuem-se por uma estrutura monocistrónica e por uma estrutura tricistrónica. O operão da lactose, a estrutura tricistrónica, é constituído por um promotor, um operador e por 3 genes que são transcritos em conjunto:

Promotor (P) – sequência promotora, local de ligação da polimerase; Operador (O) – sequência à qual se pode ligar uma proteína reguladora (LacI), que

impede a transcrição dos genes do operão; Gene LacZ – codifica a β-galactosidase, enzima responsável pela quebra da ligação

glicosídica entre a glucose e a galactose. É o gene mais importante, apresentando maior afinidade na região RBS, e o facto de estar na extremidade 5’ protege o seu transcrito de mRNA de uma degradação demasiado precoce;

Gene LacY – codifica a permease, uma proteína de membrana específica para o transporte de lactose para o interior das células;

Gene LacA – codifica a transacetilase, uma proteína que modifica a galactose mas que não é essencial ao seu metabolismo. É o gene menos importante e, por esse motivo, está mais sujeito à degradação que os restantes genes.

A estrutura monocistrónica consiste em:

Promotor (Pi) – promotor do gene LacI; Gene LacI – gene repressor que codifica uma proteína reguladora (LacI). Na ausência

de lactose, LacI liga-se ao operador do operão da lactose e impede a transcrição dos seus genes.

Quando há lactose disponível na célula, esta liga-se à proteína reguladora LacI, alterando a sua configuração tridimensional. Consequentemente, deixa de existir afinidade entre esta proteína e o operador pelo que os genes do operão podem ser transcritos. São sintetizadas as proteínas LacZ, LacY e LacA e a lactose é degradada. Este tipo de regulação diz-se por indução negativa visto a presença de LacI impedir a transcrição.

Ilustração 131 – Degradação da lactose.

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Ilustração 132 - Na ausência de lactose, o operão é silenciado pela LacI.

Ilustração 133 - Na presença de lactose, a proteína LacI é bloqueada e os genes são transcritos.

Apesar de a lactose ser uma fonte de energia, como a glicose é um açúcar mais simples o seu metabolismo é mais rápido. Como tal, quando existe glucose disponível na célula esta vai ser utilizada primeiro e, só quando a glucose se tiver esgotado, é que a lactose começa a ser usada como fonte de energia. Na presença apenas de um açúcar, um gráfico do crescimento populacional de uma colónia de bactérias é do tipo (1). Mas na presença de dois açúcares, digamos glucose e lactose, o crescimento é do tipo (2) e diz-se um crescimento diauxico. Em (2) verifica-se que as bactérias se dividem exponencialmente para depois o seu crescimento estabilizar (a) à medida que o açúcar mais simples, neste caso a glucose, é consumido. Segue-se uma nova etapa de crescimento e estabilização (b) quando é consumido o açúcar restante, a lactose. Se representássemos os níveis de β-galactosidade na célula ao longo do tempo obteríamos uma curva do tipo (c).

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Ilustração 134 - (1) Crescimento normal. (2) Crescimento diauxico. (a) Glucose e lactose disponíveis; consumo de

glucose. (b) Apenas lactose disponível; consumo de lactose. (c) Níveis de β-galactosidade.

Verifica-se então que a o operão da lactose é reprimido na presença de glucose. Esta repressão catabólica pela glucose é mediada por um mecanismo de indução positiva associado aos níveis de AMP cíclico (cAMP – adenosina monofosfato cíclica): cAMP associa-se a uma proteína reguladora, CAP (catabolic activator protein), que se liga a uma sequência de DNA perto do promotor do operão da lactose. A CAP actua interagindo com a subunidade α da RNA polimerase e facilita a sua ligação ao promotor, promovendo a transcrição. Quando os níveis de glucose na célula são baixos há maior produção de cAMP, pelo que é favorecido o metabolismo da lactose. Por outro lado, em condições de elevada disponibilidade de glucose, a produção de cAMP é baixa e o operador da lactose é silenciado.

Ilustração 135 - Na ausência de glicose há maior produção de cAMP e o operão da lactose é activado.

Resumindo, a regulação da transcrição do operão da lactose é uma regulação por indução do substrato:

Indução negativa – LacI impede a transcrição. Na presença de lactose LacI é desactivado e a lactose é degrada;

Indução positiva – CAP promove a transcrição do operão. Na presença de glucose cAMP não activa o CAP e não há degradação da lactose.

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Lactose Lactose+Glucose

LacI inactivado LacI inactivado cAMP-CAP funcional cAMP-CAP não funcional

Elevada transcrição do operão Baixa transcrição do operão

Em engenharia genética é comum utilizar-se o promotor do operão da lactose (Plac) para clonar genes de interesse em plasmídeos, pois para iniciar a transcrição basta fornecer lactose à célula. No entanto, em vez de lactose utiliza-se uma molécula sintética análoga à lactose mas não metabolizável, IPTG (IsoPropilTrioGalactosídeo), que inibe o repressor LacI mas não é consumida pela célula, o que torna o processo mais rentável e igualmente eficaz.

ii. Operão do triptofano

A regulação da transcrição do operão do triptofano pode ser generalizada para os restantes aminoácidos e é uma regulação por repressão do produto final pois, ao contrário do operão da lactose que está sempre silenciado na ausência do substrato, o operão do triptofano está sempre activo, sendo reprimido apenas quando este aminoácido abunda na célula. A repressão da transcrição requer dois elementos:

Apo-repressor – proteína que por si só não é capaz de se ligar ao operador e inibir a transcrição. Necessita de um co-repressor para adquirir a sua forma activa;

Co-repressor – elemento que se liga ao apo-repressor, activando o complexo repressor e inibindo a transcrição. Neste caso, o co-repressor é o próprio triptofano.

O operão do triptofano é uma estrutura pentacistrónica que apresenta regiões específicas:

Promotor (P) – região promotora, local de ligação da polimerase; Operador (O) – tal como no operão da lactose, é uma sequência à qual se podem ligar

proteínas reguladoras que impedem a transcrição dos genes do operão; Região R (R) – codifica o apo-repressor; Região Líder (L) e região do Atenuador (A) – localizadas entre o promotor/operador e

os genes. Participam na regulação da transcrição por um mecanismo diferente do repressor, o mecanismo de atenuação;

Genes E, D, C, B, A – codificam as proteínas que intervêm na síntese de triptofano.

Ilustração 136 - Situação de ausência do triptofano.

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Ilustração 137 - Situação de presença de triptofano.

Para além da regulação por um complexo repressor existe um outro mecanismo que controla a transcrição de triptofano. Este mecanismo, associado às regiões L e A, é de regulação por atenuação e permite que a transcrição seja inibida mesmo quando a quantidade de triptofano na célula não é suficiente para activar o apo-repressor ou quando este mecanismo não é eficaz. Se não houve repressão ao nível do operador inicia-se a transcrição das regiões L e A. O RNA resultante pode ser dividido em 4 zonas – 1 (L) e 2, 3 e 4 (A), ricas em conteúdo CG e que tendem a formar ganchos. Dependo dos ganchos que se formam pode ou não ocorrer transcrição:

Gancho 2-3, gancho de anti-terminação: este gancho forma-se relativamente longe da RNA polimerase, não a destabilizando, pelo que a transcrição dos genes continua;

Gancho 3-4, gancho de terminação: a sua formação destabiliza a RNA polimerase e provoca a sua dissociação do DNA, interrompendo a transcrição.

A quantidade de triptofano disponível na célula é que vai determinar o tipo de gancho que se forma.

Ilustração 138 - Ganchos que se podem formar.

Logo após a transcrição inicia-se a tradução da região L no chamado péptido Líder. Este péptido é formado por 14 aminoácidos e na posição 11 e 12 requer a introdução do triptofano. De acordo com a quantidade de Trp disponível duas situações são possíveis:

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Se a concentração de Trp é elevada a tradução é rápida, o que apenas permite a formação de um gancho 3-4. A transcrição pára e não é sintetizado Trp, que existe em abundância;

Se existe carência de Trp a tradução é mais demorada e as zonas 2, 3 e 4 ficam livres para se associarem entre si. Como o gancho 2-3 é mais forte forma-se preferencialmente, implicando a continuação da transcrição e a posterior síntese de triptofano.

A regulação por atenuação é exclusiva dos procariotas pois implica que a transcrição e a tradução ocorram em simultâneo, o que não se verifica em organismos eucariotas.

Ilustração 140 - Diferentes tipos de controlo positivo e negativo da transcrição.

Ilustração 139 - Formação de ganchos consoante a ausência ou presença de triptofano.

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iii. Regulação em eucariotas

Como nos organismos eucariotas não existem estruturas policistrónicas nem ocorre transcrição e tradução em simultâneo, os mecanismos reguladores já descritos só se aplicam a seres procariotas. Nos eucariotas existem inúmeros factores de transcrição e estimuladores, como já foi visto anteriormente, e vários mecanismos, como a metilação, que regulam o processo de transcrição. Metilação é a adição de grupos metilo no carbono-5 de resíduos de citosina que precedem uma guanina, as chamadas ilhas CpG. As enzimas responsáveis pela metilação são as metilases e as deacetilases catalisam o processo inverso. A regulação da transcrição dá-se pela presença ou ausência de metilação do promotor de um gene: quando o promotor se encontra metilado verifica-se que a transcrição é inibida; se o promotor não está metilado então a transcrição decorre normalmente.

Ilustração 141 - Processo de metilação das ilhas CpG.

Nos eucariotas é necessária a interacção com várias proteínas e entre diferentes regiões do cromossoma para que ocorra a transcrição. No entanto, o DNA encontra-se muito compactado e associado a proteínas, as histonas, o que pode comprometer a sua disponibilidade para a transcrição. O DNA precisa então de ser uma estrutura compacta, para que se possa concentrar no núcleo da célula, mas simultaneamente dinâmica, de modo a permitir a transcrição. O genoma dos eucariontes está concentrado no núcleo e organizado em cromossomas. Os cromossomas só se encontram individualizados durante a divisão celular, chamando-se cromatina à sua forma indiferenciada. A unidade básica da cromatina são os nucleossomas, sequências de cerca de 200 nucleótidos enroladas em torno de um conjunto de proteínas, as histonas (H1, H2A, H2B, H3 e H4). A cadeia dupla de DNA dá duas voltas em torno de dois discos de 4 histonas (H2A, H2B, H3 e H4) empilhados e ligados lateralmente por uma outra histona (H1). Os nucleossomas são depois compactados e, no seu conjunto, podem apresentar-se na forma de:

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Eucromatina – contém genes e sequências que participam na transcrição. Não está demasiado compactada;

Heterocromatina – contém apenas regiões não codificantes (por exemplo, a região do centrómero) e está extremamente compactada.

A descompactação da cromatina está associada à acetilação (adição de grupos acetil – Ac) das histonas e à demetilação do DNA. Por outro lado, a compactação da cromatina é acompanhada pela metilação do seu DNA e pela desacetilação das histonas.

Ilustração 143 - Condensação da cromatina.

Ilustração 142 - Nucleossoma.

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Ilustração 144 - A descondensação da cromatina permite a transcrição.

XIII. Processamento de RNA Após a sua transcrição, os RNA’s sofrem processamento antes de adquirirem a sua forma funcional. rRNA’s e tRNA’s de procariotas e eucariotas são processados, em contraste com os mRNA’s, em que os únicos sujeitos a este processo são provenientes de organismos eucariotas.

a. Processamento de tRNA

Os aminoácidos são adicionados às proteínas durante a tradução por intermédio de RNA de transferência. Como existem 20 aminoácidos têm que existir, pelo menos, 20 tRNA’s. Na realidade verifica-se que, conforme a espécie, existem 60 a 80 moléculas diferentes de RNA de transferência, o que indica que um mesmo aminoácido pode ser transportado por vários tRNA’s. Cada molécula de tRNA é codificada por um gene diferente e da sua transcrição resulta uma sequência de nucleótidos, pré-tRNA, que se organiza numa estrutura secundária característica. Essa estrutura, comum ao pré-tRNA e ao tRNA, é em forma de trevo devido às ligações hidrogénio que se estabelecem entre bases complementares e levam à formação de ganchos. Por ser muito estável, permite ao RNA ter um tempo de vida na célula bastante longo. O processamento do pré-tRNA leva à sua maturação em RNA e à sua activação. O processamento tem duas fases, sendo que em algumas moléculas de pré-tRNA é ainda necessário clivar previamente sequências nos seus terminais, processo levado a cabo pela enzima RNase P. O processamento engloba então 2 fases sucessivas:

Adição de uma sequência CCA ao terminal 3’. Nalguns casos esta sequência é codificada no próprio gene do RNA de transferência, mas noutros casos tem que ser colocada por acção de uma enzima. É neste local que posteriormente se vai ligar covalentemente o aminoácido;

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Alteração de bases. Aproximadamente 10% das bases de nucleótidos em posições específicas são modificadas. O papel desta modificação ainda não foi bem esclarecido.

Ilustração 145 - Processamento do tRNA.

Após o processamento é ainda necessário activar o tRNA, passando este a ser designado aminoacil tRNA. A activação dá-se pela ligação de um aminoácido ao terminal 3’, reacção com gasto de ATP e mediada pela enzima aminoacil tRNA sintetase. Existe uma enzima para cada aminoácido, verificando-se que a activação de diferentes tRNA’s que transportam o mesmo aminoácido é feita pela mesma enzima.

Ilustração 146 - Activação do tRNA.

Uma vez activado, o tRNA pode seguir para os ribossomas e intervir na síntese proteica. A sequência de 3 nucleótidos, anti-codão, que permite o reconhecimento do codão de mRNA e a adição do aminoácido correcto, é oposta ao local de ligação do aminoácido, localizando-se no terminal de um dos ganchos da molécula de tRNA.

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Ilustração 147 - tRNA final.

b. Processamento de rRNA

Os ribossomas, locais onde ocorre a síntese proteica, são formados por rRNA e proteínas ribossomais. Cada ribossoma tem duas subunidades, uma subunidade pequena e outra grande, formadas por diferentes rRNA’s que são caracterizados pelo seu coeficiente de sedimentação (S). Também os próprios ribossomas se caracterizam por este coeficiente.

Ser Procariota Eucariota

Tipo de Ribossoma

70S 80S

Subunidade pequena

Tipo 30S 40S Nº de

Proteínas 21 33

rRNA constituintes

16S (1540 nucleótidos; este rRNA tem valor taxonómico e é utilizado para determinar, por exemplo, a

espécie de bactérias)

18S (1900 nucleótidos)

Subunidade grande

Tipo 50S 60S Nº de

Proteínas 34 49

rRNA constituintes

5S (120 nucleótidos) e 23S (2900 nucleótidos)

5S (120 nucleótidos), 5.8S (160 nucleótidos) e 28S (4700 nucleótidos)

Ilustração 148 - Ribossomas de procariotas e eucariotas.

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No processamento de rRNA dá-se a clivagem do transcrito de pré-rRNA nas sequências finais. Nos procariotas essa clivagem é feita em simultâneo para os 3 rRNA’s mas nos eucariotas, para além de o 5S ser codificado separadamente, o transcrito que contém as restantes sequências é primeiro divido em duas moléculas precursoras – uma que contém apenas 18S e outra onde se encontram 5.8S e 28S, e só depois é que estas são clivadas dando origem ao produto final. Posteriormente, o rRNA 5.8S liga-se ao 28S através de pontes hidrogénio.

Ilustração 149 - Processamento de rRNA de procariotas.

Ilustração 150 - Processamento de rRNA de eucariotas.

c. Processamento de mRNA

Nos procariotas, o mRNA está pronto a ser traduzido logo após a transcrição. Já nos organismos eucariotas, o transcrito de pré-mRNA sintetizado no núcleo ainda vai sofrer extensas modificações até poder ser utilizado no processo de tradução. O processamento de mRNA de eucariotas ocorre no núcleo e inclui:

Capping em 5’ – adição ao terminal 5’ de um nucleótido com uma base modificada, m7G – 7-metilguanina. É neste terminal que se vão ligar os ribossomas para que se dê a tradução completa do mRNA;

Poliadenilação – adição de nucleótidos de adenina ao terminal 3’ e formação de uma cauda poli-A de comprimento variável (pode atingir as 300 bases). Para além de regular mecanismos de tradução e estabilidade, esta cauda tem ainda um papel protector na medida em que atrasa a digestão do RNA pela RNase, permitindo assim que a sua sequência codificante se mantenha íntegra durante um período de tempo maior.

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Nota: a poliadenilação não é um processo exclusivo dos eucariotas, tendo-se vindo a verificar que também ocorre em alguns mRNA’s de procariotas;

Splicing – remoção de intrões e colagem de exões – intrões são sequências que não codificam para o mRNA final, em oposição ao exões, que codificam informação para o mRNA maduro. Ocorre em grandes complexos, os spliceossomas, formados por proteínas e pequenos RNA’s nucleares (snRNA). Os snRNA’s reconhecem sequências nos locais de splicing do pré-mRNA e catalisam a reacção de splicing. A maioria dos genes de eucariotas contém múltiplos intrões pelo que é possível juntar exões em diferentes combinações através de mecanismos de splicing alternativo. Estes mecanismos, muito importantes na regulação da expressão genética, permitem ainda que intrões passem a ser considerados exões, não sendo removidos e permitindo novas combinações.

Ilustração 151 - Processamento do mRNA.

Ilustração 152 - Splicing alternativo.

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XIV. Tradução de RNA Tradução é o processo que, ao nível dos ribossomas, permite a síntese de proteínas a partir de mRNA. Os mecanismos de síntese são semelhantes nos procariotas e eucariotas, embora existam algumas diferenças, nomeadamente na iniciação da tradução e no número de proteínas traduzidas a partir do mesmo mRNA. O mRNA de eucariotas é monocistrónico, ou seja, apenas contém informação para a síntese de uma proteína. Já o mRNA de procariotas pode ser policistrónico, o que significa que pode albergar informação para a síntese de várias proteínas. À sequência de genes contemplados no mesmo RNA, do qual resulta um mRNA policistrónico, dá-se o nome de operão. Nos terminais do mRNA, tanto de procariotas como de eucariotas, existem regiões não traduzidas (UTR – unstranslated regions) que podem conter informação necessária à iniciação e terminação da tradução.

Ilustração 153 - mRNA monocistrónico e policistrónico.

O processo de tradução pode ser divido em 3 fases – iniciação, elongação e terminação:

Ilustração 154 - Processo de tradução.

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Iniciação – as subunidades pequenas dos ribossomas ligam-se aos locais de iniciação do mRNA e quando é encontrado o codão de iniciação (metionina – AUG) liga-se a subunidade grande e forma-se um complexo funcional. A iniciação depende de diversos factores de iniciação, tanto nos eucariotas como nos procariotas, embora os locais de iniciação sejam diferentes para cada um dos casos. Nos eucariotas, os ribossomas ligam-se ao terminal 5’ do mRNA, que é reconhecido por ter a base modificada 7-metilguanina, e migram até encontrarem o codão de iniciação. A eficiência da iniciação é afectada pela sequência que rodeia o codão de iniciação que, em certos casos, pode não ser reconhecido. Nos procariotas, como não existe cap em 5’, os locais de iniciação são sequências específicas que precedem o codão de iniciação, as chamadas sequências Shine-Dalgarno (SD) ou ribossome binding-site (RBS). Estas sequências estão presentes antes da informação para a tradução de qualquer proteína, mesmo nos mRNA’s poliscistrónicos, e são complementares de uma região do rRNA 16S que constitui a subunidade pequena dos ribossomas procariotas. A maior ou menor afinidade do rRNA com as sequências SD traduz-se numa maior ou menor tradução, respectivamente, da proteína em questão. Deste modo é possível que num mRNA poliscistrónico o balanço final das várias proteínas produzidas possa não ser o mesmo. De um modo semelhante, as proteínas mais longe do terminal 3’ (por onde começa a degradação por parte das RNases) têm maior probabilidade de serem traduzidas;

Ilustração 155 - Iniciação do processo de tradução.

Elongação – a cadeia polipeptídica cresce pela sucessiva adição de aminoácidos. A tradução inicia-se pelo terminal N (amina) da proteína e segue até ao seu terminal C (carboxilo). O mecanismo de elongação é muito semelhante em procariotas e eucariotas. À subunidade pequena dos ribossomas encontra-se ligado o mRNA (a ligação corresponde a 9 nucleótidos, 3 codões) e a subunidade grande tem 3 locais de ligação para tRNA activado, os locais APE:

Local A – aminoacyl – onde se liga o aminoacil-tRNA que contém o aminoácido a ser adicionado ao péptido em crescimento;

Local P – peptidyl – local onde se encontra ligado o peptidil-tRNA, isto é, o tRNA cujo aminoácido já se encontra ligado ao péptido em formação;

Local E – exit – local de saída.

Ilustração 156 - Locais APE do ribossoma.

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Quando o ribossoma atinge o codão de iniciação liga-se um tRNA de metionina ao codão iniciador e é recrutada a subunidade grande do ribossoma. Formado o complexo, o tRNA de metionina encontra-se no local P e o local A fica vazio. O tRNA complementar do próximo codão ocupa então o local A, forma-se uma ligação peptídica entre os aminoácidos adjacentes e o tRNA iniciador muda-se para o local E, sendo depois expulso. No ribossoma, o mRNA desloca-se 3 nucleótidos no sentido 5’-3’, ou seja, desloca-se um codão, levando a que o segundo tRNA passe para o local P e que o local A fique livre para a ligação de outro tRNA. Este processo repete-se até que seja encontrado um codão stop e a síntese da proteína termine.

Ilustração 157 - Processo de tradução.

Os ribossomas podem existir livres ou associados ao retículo endoplasmático rugoso. Muitas vezes uma proteína é traduzida longe do local onde actua pelo que se torna necessário proceder ao seu transporte. Nalguns casos, o mRNA codifica uma sequência sinal no terminal amina (N) que não tem actividade catalítica e que participa no transporte da proteína, sendo libertada assim que esta atinge o seu destino final.

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Ilustração 158 - Sequência sinal no terminal amina que é libertada quando a proteína chega ao destino.

Assim que um ribossoma se afasta do local de iniciação um outro ribossoma pode ligar-se e dar início à tradução de mais uma proteína. É assim possível que um mesmo mRNA seja traduzido em simultâneo por vários ribossomas, que estão usualmente espaçados de cerca de 100 a 200 nucleótidos, e a cujo grupo se dá o nome de polissomas. Durante a tradução, a cadeia polipeptídica que vai sendo sintetizada fica sujeita a interacções entre os seus aminoácidos constituintes. Como a configuração final de uma proteína funcional é influenciada pela sua sequência total de aminoácidos e pelo meio em que se encontra, para prevenir a formação de estruturas tridimensionais antes de ser terminada a tradução e antes de a proteína ter sido transportada para o seu local de acção, um conjunto de proteínas estabilizam a sequência linear de aminoácidos. Quando a cadeia polipeptídica já foi toda sintetizada e já se encontra no local em que é necessária, essas proteínas, os chaperões, dissociam-se da cadeia e permitem então que a proteína adquira a configuração tridimensional que a torna funcional.

Ilustração 159 - Chaperões.

Terminação – é encontrado um codão stop e a síntese termina. A proteína é libertada e o ribossoma dissocia-se. Não existem tRNA’s com anti-codões complementares aos codões stop. Quando se atinge um codão stop este é reconhecido por factores de terminação, que são proteínas que se ligam ao

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local A e estimulam a hidrólise da ligação peptídica entre o péptido até aí sintetizado e o tRNA no local P. A proteína é então libertada, assim como as subunidades do ribossoma e o tRNA.

Ilustração 160 - Terminação.

A informação para a ordenação dos aminoácidos está contida nos genes, existindo um código de correspondência – código genético – entre as 4 letras do RNA e os 20 aminoácidos conhecidos. Ao conjunto de 3 nucleótidos, tripleto, necessários para a síntese de um aminoácido, chama-se codogene (DNA), codão (mRNA) e anti-codão (tRNA). O código genético apresenta diversas características:

Universal – é comum a quase todas as células; Não ambíguo – a um tripleto de nucleótidos corresponde apenas um aminoácido; Redundante/degenerado – vários codões podem sintetizar um mesmo aminoácido. A

degenerescência do código genético vai de 1 a 6 (aminoácido arginina está associado a 6 codões diferentes);

O terceiro nucleótido não é tão específico. A degenerescência dá-se muitas vezes na terceira base;

O tripleto AUG tem uma dupla função – codifica o aminoácido metionina e é ao mesmo tempo um codão de iniciação. Podem existir outros codões de iniciação mas a metionina é o mais comum;

Os tripletos UAA, UGA e UAG são codões de finalização ou codões stop – não codificam qualquer aminoácido e sinalizam o fim da síntese proteica.

Aminoácidos Codificação Aminoácidos Codificação Aminoácidos Codificação

Ácido

Aspártico GAT, GAC Glicina

GGG, GGA,

GGC, GGT Prolina

CCT, CCC,

CCA, CCG

Ácido

Glutâmico GAA, GAG Glutamina CAA, CAG Serina

AGT, AGC,

TCT, TCC,

TCA, TCG

Alanina GCT, GCC,

GCG, GCA Histidina CAT, CAC Tirosina TAT, TAC

Arginina

AGG, AGA,

CGT, CGC,

CGA, CGG

Isoleucina ATT, ATC,

ATA Treonina

ACT, ACC,

ACA, ACG

Asparagina AAT, AAC Leucina

TTA, TTG,

CTT, CTC,

CTA, CTG

Triptofano TGG

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Cisteína TGT, TGC Lisina AAG, AAA Valina GTT, GTC,

GTA, GTG

Fenilalanina TTT, TTC Metionina ATG Stop TAA, TAG,

TGA

Ilustração 161 - O processo de expressão genética: Transcrição, Processamento e Tradução.

XV. Ciclo Celular O conjunto de transformações sofridas por uma célula desde a sua formação até à sua divisão é conhecido como ciclo celular. Este processo, comum a todos os organismos vivos, inclui períodos de desenvolvimento (interfase) e períodos de divisão (fase mitótica). Durante a divisão celular uma célula-mãe origina duas células-filhas geneticamente iguais a si. O seu DNA é duplicado e os organelos, enzimas e outros constituintes da célula são repartidos pelas duas células-filhas. Interfase – período compreendido entre o final da divisão celular e o início da divisão seguinte. Corresponde a 90% da vida da célula e é um período de intensa actividade biossintética, verificando-se o crescimento e duplicação do conteúdo celular, incluindo o seu DNA. Nesta fase os cromossomas não são visíveis ao microscópio óptico. A interfase engloba ainda 3 períodos diferentes:

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Intervalo G1 ou pós-mitótico – é caracterizado por uma intensa actividade biossintética havendo a formação tanto de proteínas, enzimas e RNA, como de organitos celulares. Está compreendido entre o fim da mitose e o início da replicação do DNA. A célula passa a maior parte do seu tempo de vida neste estado;

Período S ou período de síntese de DNA – dá-se a replicação do DNA e cada cromossoma passa a ser constituído por dois cromatídeos ligados por um centrómero;

Intervalo G2 ou pré-mitótico – dá-se essencialmente a síntese de biomoléculas necessárias à divisão celular, como fibras e o fuso acromático. Este período, compreendido entre o final da replicação do DNA e o início da divisão celular, corresponde a um grande crescimento celular.

Fase mitótica – fase em que se dá a divisão celular, engloba duas etapas – mitose e citocinese:

Mitose – também chamada de cariocinese; período correspondente à divisão do núcleo. Está dividido em 4 subfases:

Profase – Nesta etapa, a mais longa da fase mitótica, a cromatina condensa-se gradualmente em cromossomas (DNA associado a proteínas, diferentes entre eucariotas e procariotas) bem definidos. Cada cromossoma é agora composto por dois cromatídeos unidos pelo centrómero, uma sequência específica de DNA à qual se liga um disco proteico, o cinetocoro. Os dois centríolos (nas células animais) ou o citoesqueleto (nas células vegetais) presentes na célula começam a afastar-se em sentidos opostos e dão origem ao fuso acromático ou mitótico, constituído por um sistema de microtúbulos proteicos que se agregam para formar fibrilhas. Os centríolos dirigem-se para os pólos e o invólucro nuclear e os nucleólos desagregam-se;

Metafase – fase mais curta em que os cromossomas atingem a condensação máxima e os pares de centríolos estão nos pólos da célula. Algumas fibrilhas do fuso acromático ligam-se aos cromossomas e estes dispõem-se com os centrómeros no plano equatorial e os braços para fora, formando a chamada placa equatorial;

Anafase – os dois cromatídeos separam-se e passam a constituir dois cromossomas independentes que migram para cada um dos pólos da célula, processo chamado ascensão polar. No final desta fase, os dois pólos da célula contêm moléculas de DNA equivalentes e a célula começa a alongar-se;

Telofase – a separação dos dois conjuntos de cromossomas é finalizada pela formação da membrana nuclear. O fuso acromático desaparece e os cromossomas relaxam novamente, tornando-se indistintos. O nucléolo é reconstituído e cada núcleo entra na interfase.

Citocinese – período correspondente à divisão do citoplama e à individualização das duas células-filhas. Nas células animais a separação das células ocorre por estrangulamento da membrana. No entanto, nas células vegetais, devido à existência de parede celular, isso não é possível. O complexo de Golgi liberta lamelas/vesículas que se alinham na região equatorial e se fundem formando a membrana plasmática. Posteriormente, vão depositar-se, nessa mesma membrana, fibras de celulose que vão dar origem à parede celular. Durante o ciclo celular pode não ocorrer citocinese e as células passam a ser polinucleadas, dizendo-se que têm uma estrutura cenocítica ou que formam sacos de núcleos. Alguns tipos de glóbulos brancos e células do músculo cardíaco podem apresentar estas estruturas e durante o desenvolvimento embrionário é comum a citocinese não conseguir acompanhar a divisão nuclear.

Nota: nos procariotas a divisão celular é uma fissão binária.

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Ilustração 162 - Fases da mitose.

Ilustração 163 - Citocinese vegetal.

A quantidade de DNA existente na célula vai variando ao longo do ciclo celular. Durante a Interfase, no período S, a replicação do DNA faz com que a sua quantidade aumente de Q para 2Q. Quando se dá a Anafase essa quantidade volta a ser reduzida de 2Q para Q. Um ser humano possui 23 pares de cromossomas, que constituem o seu cariótipo.

Um cromossoma caracteriza-se pelo seu comprimento, padrão de bandas e posição do centrómero.

Meiose é o processo de divisão nuclear através do qual se formam 4 núcleos haplóides (n) a partir de uma célula diplóide (2n). O número de cromossomas da célula é reduzido para metade pelo que a meiose também pode ser chamada de redução cromossómica. A meiose, tal como a mitose, é precedida pela replicação do DNA dos cromossomas. A esta replicação seguem-se duas divisões consecutivas. A primeira divisão chama-se divisão reducional, ou divisão I, e a segunda divisão tem por nome divisão equacional, ou divisão II. Estas divisões dão origem a 4 células diferentes entre si, cada uma das quais com metade do número de cromossomas da célula inicial.

Interfase – semelhante à interfase descrita para a mitose. Precede a divisão I e, durante o período S, dá-se a replicação do DNA. No final desta fase cada cromossoma é constituído por dois cromatídeos. 2

Divisão I – nesta divisão, um núcleo diplóide (2n) origina dois núcleos haplóides (n). Como ocorre uma redução no número de cromossomas, esta divisão também é designada divisão reducional.

Profase I – é a etapa mais longa e complexa. Os cromossomas condensam e os cromossomas homólogos emparelham, juntando-se gene a gene. Ao par de homólogos também se chama bivalentes ou tétradas cromatídicas. Durante o emparelhamento surgem pontos de cruzamento entre dois cromatídeos irmãos, os chamados pontos de quiasma ou sinapses. Pode ocorrer rotura de

Ilustração 164 - Quantidade de DNA ao longo das várias fases do ciclo celular.

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cromatídeos e trocas recíprocas de segmentos de DNA, fenómeno que se designa crossing-over. Os centríolos migram para os pólos da célula e o invólucro nuclear desintegra-se;

Metafase I – os bivalentes ligam-se a microtúbulos do fuso

acromático pelos centrómeros e os pontos de quiasma localizam-se no plano equatorial do fuso acromático. A orientação de cada par dá-se ao acaso;

Anafase I – os dois cromossomas homólogos de cada bivalente separam-se e migram aleatoriamente para pólos opostos da célula;

Telofase I – Em cada pólo da célula constitui-se um núcleo haplóide (n) cujos cromossomas apresentam dois cromatídeos. Os cromossomas descondensam, tornando-se mais finos e mais longos. O fuso acromático desaparece e o invólucro nuclear reorganiza-se. Em alguns casos, segue-se a citocinese e formam-se duas células haplóides.

Pode ou não existir uma Interfase entre a divisão reducional e a divisão equacional mas, em qualquer dos casos, não se verifica a replicação do material genético.

Divisão II – nesta divisão ocorre a separação de cromatídeos, obtendo-se assim, quatro núcleos haplóides (n), cujos cromossomas são constituídos por um único cromatídeo. Pelo facto de se manter o número de cromossomas, esta divisão também é designada de divisão equacional. Esta divisão da meiose é em tudo muito semelhante à divisão celular por mitose:

Profase II – Os cromossomas constituídos por dois cromatídeos tornam-se mais grossos e curtos. Organiza-se o fuso acromático e o invólucro nuclear desaparece;

Metafase II – Os cromossomas no seu máximo encurtamento dispõem-se com os centrómeros na zona equatorial do fuso acromático;

Anafase II – Os dois cromatídeos de cada cromossoma separam-se pelo centrómero, passando a constituir cromossomas independentes, e migram para pólos opostos da célula;

Telofase II – Os cromossomas descondensam, tornando-se mais finos e longos. Organiza-se o invólucro nuclear e formam-se núcleos haplóides. Dá-se a individualização das células e a partir de uma célula diplóide formam-se quatro células haplóides.

Ilustração 165 - Ponto de quiasma.

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Ilustração 166 - Divisão I da meiose.

Ilustração 167 - Divisão II da meiose.

A quantidade de DNA das células varia ao longo da meiose. Durante a interfase que precede a divisão I dá-se a replicação do DNA, passando a sua quantidade para o dobro – 2Q para 4Q. Na Anafase I, devido à separação dos cromossomas homólogos, a quantidade de DNA diminui para 2Q. Na Anafase II, devido à separação dos cromatídeos, o DNA volta a diminuir para metade, passando agora de 2Q para Q.

As mutações cromossómicas dão-se precisamente durante a meiose, podendo

Ilustração 168 - Quantidade de DNA ao longo da meiose.

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acontecer em diversas etapas: Durante a divisão I, pela não disjunção dos cromossomas homólogos; Durante a divisão II, pela não separação dos cromatídeos; Quando ocorre crossing-over.

Mitose Meiose

Nº de divisões 1 2 Nº de núcleos formados 2 4

Emparelhamento de cromossomas homólogos

Não ocorre Ocorre

Nº de cromossomas das células filhas em relação às

células mãe Igual Metade

Crossing-over Não ocorre Ocorre Informação genética das

células filhas em relação às células mãe

Igual Diferente

Divisão do centrómero Anafase Anafase II

Função

Crescimento e reparação de estruturas do organismo; reprodução assexuada com criação de clones em

seres unicelulares

Produção de gâmetas ou esporos para a

reprodução sexuada

A duração do ciclo celular varia com o tipo de célula:

Célula embrionária – ciclo com duração inferior a 20 minutos; Célula da pele – estas células dividem-se regularmente ao longo da vida; ciclo com

duração de 12 a 24 horas; Célula do fígado – apesar de ter capacidade para se dividir, reserva essa capacidade;

divide-se 1 a 2 vezes por ano; Neurónios e células musculares – depois de maduras não se dividem mais; estão

permanentemente em fase G0. A progressão do ciclo celular é regulada por factores externos e internos, como o tamanho da célula, a quantidade de nutrientes disponível, a presença de factores de crescimento, etc. Por exemplo, para que uma célula se divida é necessário haver um suporte (a célula possui touch sensors) e é necessária uma densidade celular baixa pois, perante uma sobrelotação celular, não ocorrerão divisões.

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Ilustração 169 - Factores de crescimento.

Um dos mecanismos de regulação está associado à acumulação e degradação cíclica de ciclinas durante o ciclo celular. Existem vários tipos destas proteínas, designadas ciclina A a ciclina H, cada uma dedicada a uma etapa do ciclo celular, que são sintetizadas e degradadas por proteólise ao longo do ciclo.

Ilustração 170 - Variação da quantidade e tipo de ciclinas ao longo do ciclo celular.

As ciclinas podem associar-se a enzimas com actividade fosforilativa, as cinases – Cdk (cyclin-dependent kinases), de modo a formarem o complexo MPF – maturation promoting factor, que promove a entrada da célula na fase mitótica. Quando se associam às Cdks, as ciclinas ajudam a direccioná-las para as proteínas alvo. A associação de uma ciclina B, sintetizada durante a fase G2, a uma cinase Cdk1 (inactiva) leva à formação de um complexo Cdk1/ciclina B (MPF) e à fosforilação de determinados resíduos de treonina (14 e 161) e de tirosina (15). A fosforilação de tri-14 e tir-15 provoca uma inibição da enzima e impede que esta entre prematuramente em mitose. Segue-se a desfosforilação desses resíduos, ficando apenas fosforilado o resíduo de tri-161. Esta é uma fosforilação activadora, verificando-se que activa o complexo MPF e despoleta a desagregação da membrana nuclear, a reorganização do citoesqueleto e a condensação dos cromossomas, permitindo assim a entrada da célula na fase mitótica. Terminada essa fase, a ciclina dissocia-se da Cdk1 e é destruída por proteólise. A cinase é desfosforilada e a célula inicia a citosinese e a interfase. Diferentes ciclinas podem associar-se à mesma Cdk, consoante a fase do ciclo celular em que a célula se encontra.

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Ilustração 171 - Complexo Cdk1/ciclina B que induz a entrada da célula na fase mitótica.

Durante o ciclo celular existem pontos de controlo durante os quais a célula verifica o seu estado e coordena os eventos que ocorrem em cada fase, prevenindo que a célula passe para uma fase se os eventos da fase anterior ainda não terminaram ou não ocorreram de forma correcta. Alguns mecanismos de regulação actuam nos períodos G1, S e G2 e na fase mitótica:

No final do período G1 diversos mecanismos verificam se existe DNA danificado e, em caso afirmativo, procedem à sua reparação para que a célula possa entrar no período S e iniciar a replicação do seu DNA. Mesmo que o DNA não se encontre danificado algumas células podem não iniciar o período S, permanecendo num estado de latência designado estado G0. O tempo de permanência nesse estado é muito variável e, em alguns casos, como nos neurónios e fibras musculares de um indivíduo adulto, podem mesmo não reiniciar o ciclo celular;

Durante o período S há monitorização contínua do DNA replicado de modo a que qualquer mutação, base incorrecta ou replicação incompleta seja reparada antes da divisão celular;

No final do período G2 há outro momento de controlo em que se verifica a integridade do DNA replicado. Se a replicação do DNA foi completa e bem sucedida prossegue-se para a mitose;

Na fase mitótica verifica-se se o fuso acromático está correctamente formado e se os cromossomas estão alinhados na placa equatorial, podendo ser divididos igualmente entre as duas células filhas.

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Ilustração 172 - Pontos de controlo do ciclo celular.

Em resposta às deficiências encontradas durante os pontos de controlo, o ciclo celular e a replicação do DNA de uma célula podem ser inibidos. Por exemplo, quando o DNA se encontra danificado verifica-se o aumento de um factor de transcrição, o p53, que induz a transcrição do gene p21. Este gene, por sua vez, permite a síntese de proteínas que se ligam às cinases e ao complexo MPF, inibindo o ciclo celular e a replicação de DNA.

Ilustração 173 - Acção do factor de transcrição p53 na inibição do ciclo celular e da replicação do DNA.

As mutações em alguns genes podem conduzir ao aparecimento de cancro:

Os proto-oncogenes são genes normais que, através de mutações, passam a ter a capacidade de promover o aparecimento de cancro. Um exemplo é o gene RAS, que activa as ciclinas e que, quando se encontra desregulado, estimula o crescimento celular excessivo.

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Existem genes supressores de tumores que inibem a divisão celular. Quando são “desligados” podem levar ao aparecimento de cancro pois as células danificadas não deixam de sofrer divisão, acumulando mais erros e originando células cancerígenas. Um exemplo de um gene supressor de tumores é o p53 (responsável pela estimulação de enzimas reparadoras do DNA, pela entrada das células na fase G0, pela permanência das células na fase G1 e pela apoptose de células danificadas). Todos os cancros apresentam o gene p53 “desligado”

Ilustração 174 - Actividade normal e anormal da p53.

O cancro aparece apenas ao fim de cerca de 6 mutações chave acumuladas por uma célula:

Crescimento ilimitado – “ligando” os genes que promovem o crescimento; Pontos de controlo ignorados – “desligando” os genes supressores de tumores; Ausência de apoptose – “desligando” os genes responsáveis pela apoptose; Imortalidade – número ilimitado de divisões conseguido pelos genes responsáveis pela

manutenção dos cromossomas (por exemplo, manutenção dos telómeros); Crescimento de vasos sanguíneos – “ligando” os genes responsáveis pelo crescimento

de vasos sanguíneos; Ausência de dependência de densidade e de suporte – “desligando” os genes de

“touch sensor”. Uma célula danificada deve ser destruída, quer por acção de macrófagos quer por apoptose – morte celular programada que passa pelos seguintes passos:

A célula diminui de tamanho; Os cromossomas condensam-se e fragmentam-se; A membrana nuclear rompe-se; Formam-se corpos apoptóticos.

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Ilustração 175 - Apoptose.

A activação intrínseca da apoptose está dependente das mitocôndrias: num dos transportadores electrónicos destes organelos dá-se a produção de citocromo-c, uma proteína que activa as caspases, uma classe de proteases que degradam o DNA no núcleo da célula. Este processo é regulado por dois genes, Bcl2 e BAX, que bloqueiam e promovem a apoptose, respectivamente. Algumas células tumorais produzem demasiado Bcl2 dando origem a cancros resistentes à quimio e radioterapia.

XVI. Laboratório – Restrição de Plasmídeos O material genético dos procariontes consiste, na maioria dos casos, numa molécula circular de DNA que se encontra numa região do citoplasma da célula designada por nucleóide. Os plasmídeos são moléculas circulares de DNA existentes normalmente no interior de bactérias e cuja replicação é independente da do DNA cromossómico. Os plasmídeos podem ser modificados geneticamente mediante a sua recombinação com genes exógenos, que são introduzidos numa região do plasmídeo designada por região de múltipla clonagem (multiple cloning site – MCS). Este processo inicia-se pela acção de enzimas de restrição – endonucleases, que, ao reconhecerem determinadas sequências específicas, cortam a molécula de DNA nessa região. De referir que no caso de um vector de clonagem iremos obter um único fragmento de restrição enquanto no DNA cromossómico se obtêm vários fragmentos, pois podem existir várias regiões reconhecidas pelas endonucleases de restrição. O gene a ser introduzido, previamente cortado pelas mesmas enzimas de restrição, será fixado no plasmídeo mediante a acção de DNA ligases, voltando este a adquirir a forma circular. Outras regiões igualmente importantes nos plasmídeos são as marcas de selecção (selectable marker) e a origem de replicação (origin of replication – Ori). As primeiras permitem isolar os plasmídeos recombinados mediante a introdução de genes que conferem, por exemplo, resistência a um antibiótico. Deste modo, na presença do mesmo, as bactérias que sobrevivem serão as que possuem o plasmídeo recombinado. A segunda região (Ori), contém uma

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sequência de nucleótidos responsável pela activação do processo de replicação do DNA plasmídico.

Ilustração 176 - Introdução de DNA exógeno num plasmídeo.