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    APONTAMENTOS DE FOLCLORE

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIAREITOR

    HEONIR ROCHAVICE-REITOR

    OTHONJAMBEIRO

    EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIADIRETORA

    FLVIAM. GARCIAROSA

    CONSELHOEDITORIAL

    ANTNIOVIRGLIOBITTENCOURTBASTOSARIVALDOLEOAMORIMAURINORIBEIROFILHOCIDSEIXASFRAGAFILHO

    FERNANDODAROCHAPERESMIRELLAMRCIALONGOVIEIRALIMA

    EDUFBARua Augusto Viana, 37 - CanelaCEP: 40 110-060 - Salvador-BA

    Tel/fax: (71)[email protected]

    Atendemos pelo reembolso postal

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    APONTAMENTOS DE FOLCLORE

    Salvador2001

    FREDERICO EDELWEISS

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    2001 BYFREDERICOEDELWEISSDIREITOSPARAALNGUAPORTUGUESACEDIDOS

    EDITORADAUNIVERSIDADEFEDERALDABAHIA.FEITOODEPSITOLEGAL.

    ILUSTRAODACAPAEX-LIBRIS DEFREDERICOEDELWEISS

    FICHACATALOGRFICAELABORADAPORPERCIVALSOUZADEJESUS

    Edelweiss, Frederico. Apontamentos de folclore / Frederico Edelweiss._ Salvador: EDUFBA, 2001. 112 p. : il (coleo nordestina)

    Co-edio com as Universidades de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraba, Sergipe, Piau, Cear, Maranho, Bahia e Acre.

    ISBN 85-232-0232-3

    1. Cultura Popular 2. Folclore I. Ttulo.

    CDU: 398.1

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    SUMRIO

    AQUI O BRASIL9

    NOTA SEGUNDA EDIO11

    NOTA EXPLICATIVA PRIMEIRA EDIO13

    APRESENTAO15

    PARTE I

    HISTRICO DO TERMO FOLCLORE

    17O DOMNIO DO FOLCLORE21

    ANONIMATO25

    0 FUNDO PSQUICO DOS FENMENOS FOLCLRICOS27

    A RELIGIODOSPRIMITIVOS28

    FOLCLORE E NACIONALISMO31

    FOLCLORE E CINCIA: OS ESTUDOS DO FOLCLORERACIONALMENTE COORDENADOS

    35AS RELAES DA ARQUEOLOGIA COM O FOLCLORE

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    AS RELAES DA ETNOLOGIA COM O FOLCLORE45

    ELEMENTOSINDGENASEMTABAS, CASASEALIMENTAO45

    AGRICULTURAECRIAO46

    CAAEPESCA47

    A FIAODOSTUPINAMBS

    48A CERMICATUPINAMB48

    A CESTARIA49

    A HIGIENE49

    A NAVEGAO

    500 SINCRETISMO RELIGIOSO

    51IEMANJ

    53NOESRELIGIOSASDOSNEGROSBRASILEIROS

    54

    AS FONTES MITOLGICAS DO FOLCLOREBRASILEIRO59

    A MITOLOGIATUPI60

    OS MITOS BRASILEIROS63

    ASPRINCIPAISFIGURASDAMITOLOGIATUPI64

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    NOTAS EXPLICATIVAS75

    PARTE II

    FOLCLORE MUSICAL79

    OSNDIOS

    80A INFLUNCIAAFRICANANAMSICABRASILEIRA89

    A MSICAEOCANTOPOPULAR94

    A MSICAPOPULARBRASILEIRA98

    A COLHEITAMUSICAL

    101NOTAS EXPLICATIVAS

    103PEQUENA BIBLIOGRAFIA FOLCLRICA

    SISTEMATIZADA105

    NOTAS

    110

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    AQUI O BRASIL

    AGORAeste livro sai nacionalmente, em Coleo interuniversi-tria, mais uma vez editado pela UFBA, atravs do dinmico trabalho da

    EDUFBA.O mestre Frederico Edelweiss, que no foi meu professor,

    era um sbio sobre as coisas da Bahia e do Brasil. Seus livros so muitos,sempre centrados nos ndios das bandas de c. Um seu livro, de grande

    valia, na condio de estudioso da lngua tupi, leva o ttulo deEstudosTupis e Tupi - Guaranis ( Rio, Livraria Brasiliana Editora, 1969, 301 p.),onde o mestre assinala a sua inteno, ao public-lo: ...demonstrar ainconsistncia da subserviente generalizao detupinamb em lugardetupi, principalmente quando aplicado lngua braslica; e, pensa-mos ter ressaltado, mais uma vez, as graves inexatides cometidas emestudos etnolgicos pelo despreparo lingustico de certos mentores.(op. cit. p. 10).

    Este texto, por sua natureza, deveria ter sido reeditado, assimpenso, no ano 2000, quando da ocorrncia desastrada das comemora-es dos 500 anos do Brasil histrico .

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    Um dia pode ser que a obra completa do Prof. Edelweiss sejapublicada, livros e artigos, quando houver sensibilidade maior e recur-

    sos. Sobre este livro,Apontamentos de Folclore, de imensa utili-dade e ensino, em 3 edio, basta ver a bibliografia sistemtica e obje-tiva para sentir a sua brasilidade, pois l esto Afonso Arinos, Cascudo,Manuel Querino, Slvio Romero, Mrio de Andrade, Oneyda Alvarenga,

    Jayme Corteso, Leite de Vasconcelos, Gilberto Freyre, Luiz Viana Filho,Fernando So Paulo, dentre tantos outros.

    A sua republicao, agora, oportunssima, pois todos sa-bem que o nosso folclore ( cincia e artes do povo), to localizado naspreocupaes de Mrio de Andrade, est esvaindo-se, sem registros su-ficientes e sistemticos, da alma dos brasileiros. A to falada globa-lizao um instrumento cortante e felino para aplacar e afogar, nonosso sentimento, tudo aquilo que seja nacional.

    Ainda vale a ressalva, evidente, de que aApresentao, agoratranscrita, da edio de 1979, foi da autoria da Prof Hidelgardes Viana,

    apesar de no estar assinada, uma grande conhecedora da nossa sabe-doria popular.Um livro objeto precioso que a juventude atual precisa amar,

    e o nosso folclore tambm. As razes para encerrar estas parcas pala-vras o leitor que descubra, na histria do presente.

    FERNANDODAROCHAPERES

    Professor Adjunto do Departamento de Histria da Universidade Federal da Bahia

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    NOTA SEGUNDA EDIO

    QUANDO, em 1979, no exerccio da direo do Centro de Estu-dos Baianos da UFBA, providenciamos, junto ao Centro Editorial e Di-

    dtico, a publicao de APONTAMENTOS DE FOLCLORE , da autoria deFrederico G. Edelweiss, objetivvamos , naquela oportunidade, divulgarnotas de classe do saudoso tupinlogo e historiador, incluindo-as nacoleo de textos didticos da nossa Universidade.

    Muito mais tarde, ao assumirmos a regncia da disciplina:ANTROPOLOGIA DO FOLCLORE, na FFCH, utilizamos o referido livrocomo referencial bsico, sobre o qual poderiam os alunos exercer aatividade critica, valendo-se dos atuais conhecimentos acerca do fasci-nante campo de estudo.

    Com efeito, a provocativa tarefa tem instigado o interesse dosdiscentes despertando-lhe o gosto pela pesquisa bibliogrfica e a anlisecrtica de vrios temas relacionados com o Folclore.

    Cumpre-se, assim, uma das funes precpuas das Faculda-des de Filosofia que devem, antes de tudo, promover o debate e a dis-cusso dos temas atinentes sua rea.

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    Justifica-se, pois, esta segunda edio, dos apontamentos deEdelweiss, que dedicada aos estudantes de Antropologia do Folclore,

    em muitos dos quais vislumbramos a possibilidade de honrarem atradio de nomes do porte de Edison Carneiro, Hildegardes Vianna,Jos Calasans e Renato Almeida, para citar apenas os mais prximos dens. Por uma questo de justia e continuado agradecimento folclo-rista Hildegardes Vianna, que se incumbiu de organizar o material aquidivulgado, mantivemos a sua apresentao, tal como se encontra naedio anterior.

    Salvador, 8 de agosto de 1992

    CONSUELOPONDDESENA*

    *Chefe do Departamento de Antropologia da FFCH da UFBA.

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    NOTA EXPLICATIVA PRIMEIRA EDIO

    DURANTEo processo de transferncia da Biblioteca FredericoEdelweiss, do seu anterior endereo da Barra para instalaes no antigo

    prdio da Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus, encontramos,entre muitas produes intelectuais do pranteado tupinlogo e histori-ador, um estudo para ns, at ento, desconhecido, que nos pareceudigno de ser publicado na coleo de textos didticos da UFBA. Para talfim, todavia, seria necessrio rev-lo, coment-lo e, anot-lo, escritoque fora em 1947, sem as precisas indicaes de quem pretendiaedit-lo, vez que se tratava de notas de aula.

    Entendendo, no entanto, ser o nosso achado um trabalhode real valor didtico e informativo, solicitamos renomada folcloristabaiana Hildegardes Vianna que, sem nus para o Centro de EstudosBaianos, efetuasse a reviso do texto em apreo, incumbindo-se, assim,de prepar-lo para o Centro Editorial e Didtico da UFBA, a fim de serpublicado e, posteriormente, colocado disposio do pblico leitor.Restava, ainda, contudo submet-lo a uma reviso ortogrfica, j que,elaborado h 32 longos anos, necessitaria de um novo exame no que se

    refere linguagem.

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    Ainda uma vez, como tem ocorrido em inmeras oportuni-dades, solicitamos o auxlio desinteressado e experiente da Bibliotecria

    Maria do Carmo Pond, a quem coube portanto, os trabalhos finaisindispensveis realizao grfica, que ora posta em circulao.Esperamos, assim, ainda uma vez, ter oportunidade de con-

    ceder ao pblico leitor o privilgio de acesso a mais um manuscritolegado Bahia por Frederico Edelweiss.

    CONSUELOPONDDESENA*

    *Diretora do Centro de Estudos Baianos

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    APRESENTAO

    POUCOSse lembram de que o Maestro Pedro Jatob, na Escolade Msica, e o Prof. Frederico Edelweiss, no Instituto de Msica, foram

    os primeiros regentes de cursos regulares de folclore na Bahia. Do pri-meiro, ficaram algumas pesquisas inditas cujo paradeiro tem sidomuito discutido. Do segundo, nada parecia ter ficado neste setor.Entretanto, a sua antiga aluna, Profa. Consuelo Pond de Sena, diretorado Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, quecustodia o acervo da biblioteca de Frederico Edelweiss, descobriu, num

    velho envelope de ofcio, apontamentos de folclore, feitos a lpis, numbloco de papel de jornal. Pginas e pginas escritas, riscadas, emenda-das, uns tantos assuntos ordenados e com aspecto de pontos, outrostratados s pressas, por vezes meros lembretes desenvolvidos ou nomais adiante.

    No nos foi difcil indicar a destinao de tais apontamentos,conhecedora das atividades didtico-folclricas de Frederico Edelweiss.Ordenamos os tpicos e fizemos umas poucas elucidaes em p depgina. Evitamos comentar a parte doutrinria, por representar a posi-

    o do autor, na poca, em face de assuntos at hoje debatidos e con-trovertidos.

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    Frederico Edelweiss, a rigor, no foi um folclorista. Polgrafo,historiador e etnlogo por excelncia, sempre mais voltado para a cul-

    tura indgena, que conhecia como poucos, do que para o estudo dacultura dos povos civilizados. Mas a clareza com que expe determina-dos itens da cincia folclrica, possibilitando melhor entendimento porparte dos que se iniciam na seara, justifica a divulgao de suas anota-es que datam de 1947.

    A esto os APONTAMENTOS DE FOLCLORE, publicao ps-tuma de um esboo de trabalho que no foi, infelizmente, revisto oudesenvolvido pelo autor.

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    PARTE I

    HISTRICO DO TERMO FOLCLORE

    0 TERMOfolclore ingls e apareceu pela primeira vez na lite-ratura, no nmero de 26 de agosto de 1846 da revista Athanaeum. Foi

    cunhado, ou pelo menos ali empregado em primeiro lugar por WilliamJohn Thoms, sob o pseudnimo de Ambrose Merton, em substituio expresso mais velha deAntiguidades Populares. Este ltimo teve atento emprego muito generalizado, talvez por ser o ttulo da mais com-pleta coletnea de lendas e tradies populares inglesas, publicada, emsua primeira edio, no ano de 1795 por John Brandt.

    Qual o significado exato defolclore?

    Folclore palavra composta de = povo e delore= saber,cincia; portanto, folclore quer dizer acincia, osaber do povo.0 seu antnimo em ingls, book-lore= a cincia haurida

    nos livros, ajuda-nos a circunscrever o domnio do folclore.0 correspondente cientfico defolcloreseriademologia. Este

    termo, ao que nos consta, proposto entre ns por Joo Ribeiro, noteve a fortuna do concorrente ingls (comp. democracia, demografia).

    No teve melhor sorte a criao do italiano Pifr:demopsico-

    logia, que se tentou perfilhar por aqui. Nem lhe caberia. A psicologia do

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    povo no tanto o folclore em si, mas antes a mola ntima que dorigem cincia do povo.

    Em Portugal, esto muito em voga os termosetnografia(des-crio do povo) earte popular. 0 primeiro, entretanto, j est generali-zado no sentido de descrio dos povos de baixa cultura, dos selva-gens, enquanto arte popular no abrange toda a extenso dofolclore.

    Na Frana, na Itlia e na Sua, usa-se tambm com freqn-cia, a expresso tradies populares e tradicionalista.

    Todos esses termos so relativamente recentes; nasceramcom a generalizao dos estudos folclricos, que datam de pouco maisde um sculo.

    Erraramos, porm, redondamente, se fssemos concluirda que os primeiros passos da nossa cincia foram ensaiados apenasnaquela poca. J, em 1646, se publicara na Inglaterra um livro deThomas Brown:Pesquisas das supersties vulgares e comuns(En-quiries into vulgar and common errors). Seguiu-se-lhe na Frana JooBatista Thiers com o seu Tratado das Supersties, em 1667.

    No domnio Contos Populares foroso mencionarmos asHistrias ou Contos do tempo passadode Perrault, publicado em 1697.Na Alemanha, destacaram-se os irmos Grimm com a publi-

    cao, entre 1812 e 1822, das lendas e contos populares alemes.Mas, Os primeiros precursores do Folclore so,de muito,

    anteriores aos que acabamos de citar. Lembraremos apenas Pausniasque, entre 160 e 180 d.C. comps a suaDescrio da Grcia, que umrepositrio de dados folclricos.

    0 fato de Pausnias no ter tido continuador compreens-vel. Todos julgavam suprfluo descrever o que tinha diariamente sob asvistas; e, assim, perdemos o registro das flutuaes que se produzemcontinuamente nas tradies dos povos.

    Esse saber do povo ou Folclore vem armazenado nas cren-as, usos e costumes, nas lendas, contos, aplogos, provrbios e cantos,nos divertimentos e comemoraes.

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    Parte desse acervo tem razes comuns que se estendem porgrandes reas; outra, mais recente, essencialmente regional ou naci-

    onal, como veremos no decurso dos nossos estudos.Mas, poder-se- perguntar, haver realmente um saber dopovo e outro que o no seja ou dele se distinga?

    S poderemos responder a esta pergunta numa breve incur-so pela psicologia. 0 filsofo Herbart fez notar que, enquanto a psico-logia teimasse em considerar to somente seres humanos isolados elasempre seria unilateral e os resultados no passariam de fragmentos,porque, frisava, ao lado da individual, h a alma coletiva, de fora nomenos intensa.

    A linguagem, o direito, a moral, as crenas religiosas, a litera-tura e a arte so, at certo ponto, produtos da alma coletiva, que se vodesenvolvendo sobre um ncleo antigo tornado inconsciente, instinti-

    vo. Esse ncleo origina o que Herbart chamou demecanismo psico-lgico, em contraposio aologismo.

    Omecanismo psico1gico ou amecnica psquicade Her-

    bart (1776-1841) o conjunto dos processos de inibio ou assimila-o, de fuso ou complicao das representaes mentais. Algunspertencem s associaes de Wundt (1832-1920). Produzem-se quan-do a ateno se mantm em estado passivo; so, portanto, involuntri-os, instintivos. Por vezes, esses processos sofrem a influncia mais oumenos pronunciadas do logismo, mas de um logismo primitivo, mul-tissecular. Dele se ressentem as supersties.

    O logismo de Herbart corresponde s apercepes de Wun-

    dt. So representaes psquicas produzidas em estado ativo da aten-o. Elas so, assim, voluntrias; mais do que isso, raciocinadas dentrodo mbito da sabedoria popular. O melhor do logismo popular acha-searmazenado nos aplogos e nos provrbios.

    Entrepopularecultoa diferena de sentido est principal-mente nas formaes psquicas. No que chamamos povo, em Folclo-re, predomina o mecanismo psicolgico com o seu quinho aprecivel

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    de associaes e comportamentos instintivos. Nos cultos prevalece oraciocnio guiado pelos conhecimentos adquiridos, pela cincia.

    Entretanto, por mais que falemos em popular e culto, impossvel definir os limites exatos de cada qual.0 esforo mental, que eleva o individuo ou um grupo social

    da esfera popular categoria culta, foge com freqncia nossa anli-se. Mas, por mais culto que o indivduo ou um grupo seja, nunca selibertar inteiramente dos comportamentos populares.

    E, assim, poderemos circunscrever o conceito popular daseguinte forma:

    Em dado momento, cada povo ou grupo humano apresen-ta determinado grau de cultura mdia. Esta se afere, no pela classemais avanada, mas por uma faixa comum onde todas se sentem rela-tivamente vontade (exemplo: uma refeio, uma funo musical).Tudo que excede essa faixa representa a classe culta. o que lhe ficainferior e, grande parte do que ela compreende, pertence ao povo, aoFolclore. Naturalmente, h transgresses de lado a lado. As lendas e os

    contos fixam os usos e costumes e, portanto, a cultura de um povo empocas mais ou menos remotas.A poesia moderna estilizou a velha poesia popular; a medici-

    na de hoje vai substituindo a magia, as supersties e o curandeirismo;a misteriosa astrologia, cincia de antanho, cedeu o seu lugar moder-na astronomia, etc.

    0 Folclore, o saber popular, so, em resumo, as manifesta-es variadas da alma popular atravs das idias e dos sentimentos

    coletivos, inconscientemente feitos e refeitos atravs dos tempos (exem-plo: oReprter Esso)1.

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    O DOMNIO DO FOLCLORE

    OSINICIADORESda nossa cincia atribuam ao nosso Folcloreum campo muito limitado: as lendas e os contos de fadas.

    A pouco e pouco verificou-se, porm, que havia nesses rela-tos ingnuos muito maior soma de sobrevivncias reais, de crenas ecostumes de antanho, do que de fantasia. As fadas e os bruxos, osgigantes e os anes, benfazejos ou malvados, eram velhas divindades oupersonagens poderosas da sua corte celestial que, banidas pela religioromana, a princpio, e depois pelo cristianismo, foram aos poucos rele-gadas ao rol das supersties ou criaes poticas.

    Entretanto, quantos vestgios se conservaram at hoje emnossos costumes, fundidos ou enxertados, e desenvolvidos no ambien-te novo! Basta lembrarmos o Natal, o Ano Bom, o Carnaval e tantosoutros festejos cujas razes vo muito mais fundo do que o cristianismoque os tolera ou os perfilhou.

    Da mesma forma, nem todos os episdios atribudos aossantos constam do hagiolgio catlico. Muitas das aes maravilhosasde alguns deles lembram velhas faanhas mitolgicas. H tambm des-

    tas lendas que so criaes locais, como devoes locais, peregrinaes.

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    Na mesma direo o Folclore recolhe certas prticas, ritos ecerimnias como, por exemplo, nos casamentos e enterros. E em tudo

    isso figuram comidas e bebidas, divertimentos, msica, canes, trajese enfeites; objetos, decoraes e arranjos caseiros a que as construesdo o seu ambiente, local s vezes, tradicional sempre.

    Isto tudo j deixa antever que os estudos folclricos no noslevam s ruas das grandes cidades, onde a multido cosmopolita de hmuito apagou o colorido local, mas s regies menos trepidantes, depopulao mais rala, extensas faixas martimas e dilatados sertes. Quan-to menor tiver sido o contato com o automvel, o avio e o rdio, tantomais genunos sero os fatos que se nos apresentam.

    Mas, o Folclore no classifica os fatos segundo a ida de, dan-do mais valor aos que forem mais velhos. o folclorista no coleciona-dor de antiguidades. Nada deve desprezar; mas deve sempre ter namente que o vivo, o atual, ainda que mais complexo, oferece melhorcampo a qualquer verificao. Esta se poder ento fazer tanto emextenso como em profundidade, isto , poderemos tentar verificar

    no s o quanto um fato folclrico se afunda no passado, como tam-bm a rea geogrfica que ele ocupa.Depois de todas essas observaes preliminares, vejamos ago-

    ra os principais aspectos da vida humana que incumbe ao Folclorepesquisar. So eles:

    I - O arraial, stio e disposioII - As construes, arquitetura e decoraoIII - Os objetos de uso de fabricao local

    IV - Vesturio e adereosV - Caa e PescaVI - Indstrias extrativas, agricultura e criaoVII - Distintivos e marcas de propriedadeVIII - Alimentos e bebidasIX - Msicas e canes, danas e divertimentos

    X - Os ofcios e as artes com as suas tcnicas

    XI - Hbitos e costumes, cerimnias e ritos

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    XII - Crenas e cultosXIII - Direito popular

    XIV - Magia, feitios e medicina popularXV - Literatura popularXVI - Linguagem popular

    Nesta diviso, seguimos de perto a dos tratadistas Hoffmann-Krayer, da Sua, com as alteraes que o meio e nossa finalidade pareceaconselharem2.

    Na Frana, uma das autoridades do Folclore, Paulo Sbillot dividiu o Folclore, segundo as relaes exteriores dos fatos:

    I - 0 Cu e a TerraII - 0 Mar, os Rios e os LagosIII - A Fauna e FloraIV - Povo e a Histria

    Cada qual destas quatro partes se reparte em diversas subdi-vises.0 maior inconveniente da classificao de Sbillot a frag-

    mentao por muitos captulos esparsos do que pertence a secescomo: a magia, as supersties, os contos, etc.

    sem dvida por isso que Sbillot, mesmo na Frana, temtido influncia relativamente limitada.

    No tem esse inconveniente o Manual da Sociedade Folclore

    de Londres, embora tenha indebitamente considerado o estudo depovos de baixa cultura, invadindo a rea da Etnologia, quando o Folclo-re, pela sua prpria etimologia, admite sempre uma classe culta nospovos que estuda.

    Nele encontramos toda a matria do Folclore, em trs gran-des seces:

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    I - Crenas e prticasII - Costumes

    III - Contos, Cantos e Sentenas.

    Entre ns, alguns deixaram-se contaminar por essa latitudedo tratado ingls, incluindo no Folclore estudos sobre os ndios, mes-mo quando os fatos considerados so desconhecidos dos civilizados.Baslio de Magalhes um deles. 0 Folclore to vasto que no precisacolher em campo alheio.

    De fato, se meditarmos um pouco sobre os 16 pontos donosso ndice de matria, convencer-nos-emos imediatamente de queningum, por mais preparado e diligente que seja, conseguir esgotaros estudos folclricos de uma nica regio.

    Mas, mesmo sem sair do seu domnio, a prodigiosa atividadedos folcloristas do mundo inteiro com a publicao anual de centenas,para no dizer milhares de livros, e a conquista progressiva das Universi-dades renomadas tm suscitado a inveja de muitos, que acusam o

    Folclore de exorbitar do seu programa, invadindo cargos alheios.Mas, qual a cincia que hoje tem os seus limites claramentetraados sem pontos de contato com outras? Essa concepo caiu deh muito, e estudos que estabelecem as relaes mtuas so cada diamais freqentes.

    A fisiologia musical, a filosofia da histria, a qumica orgni-ca, a fsica matemtica so exemplos que mostram a interdependnciade todas as cincias.

    O que indispensvel a uma cincia para justificar a suaexistncia que, precipuamente, se dedique a um ramo de conheci-mentos a que no se dedica especialmente nenhuma outra cincia.Esse elemento precpuo do Folclore est indicado pelo termo popular.O principal alcance restritivo de popular o Anonimato.

    Qualquer obra histrica, literria ou artstica tem o seu autorindividualque lhe imprime o seu cunho. 0 Folclore, ao contrrio, s

    trata de produescoletivas.

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    Quando dizemos coletivas no temos em mente qualquertrabalho em comum. Longe disso. Tudo que classificamos de popular

    tem sempre o seu autor, o seu inventor inicial. Entretanto, esse autor,mesmo quando se trata de uma verdadeira inveno como, por exem-plo, de um tipo novo de prensa de massa de mandioca de fabricaocaseira, obedece a determinadas molas psquicas, e, se o novo aparelhose difundir, as caractersticas sempre sero as mesmas. A pouco e pou-co essa prensa pode vir a ser tpica para determinadas reas mais oumenos extensas, sem que qualquer roceiro saiba da sua verdadeiraorigem.

    Os arraiais, as vilas e o tipo de construo das casas no sertoobedecem ao mesmo traado e so por esse lado um exemplo frisantede psicologia coletiva.

    o estudo de fatos e traos vivos que mais interessam, noFolclore. A verificao da sua ocorrncia e difuso, combinada com adas variaes, importa muito mais do que uma coleo de objetosantigos avulsos, por maiores que sejam os seus atrativos em si.

    ANONIMATO

    Vimos acima que as principais cincias tm no Folclore osseus primeiros ensaios. Mas, tais incios so sempre annimos. o

    cunho essencial de tudo que pertence ao Folclore. Tomemos qualquerfbula clssica. forma que lhe conhecemos erudita, coordenada. Assuas razes, porm, j so encontrveis quanto essncia, nas velhasprodues populares. 0 mesmo acontece em qualquer ramo do Fol-clore. claro que tudo teve o seu criador individual. Seja o produtouma cano ou uma panela. 0 que, porm, lhes tira depois esse cunho a imitao, a pardia, a generalizao o cunho local o anonimato.

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    0 FUNDO PSQUICO DOS FENMENOS FOLCLRICOS

    AOOPORMOSo mecanismo psicolgico ao logismo, dissemosque a mecnica psquica funciona instintivamente, em estado passivo

    da ateno, e que consiste nos diversos processos de inibio ou assimi-lao, de fuso ou complicao das representaes mentais.

    Mas, se so instintivas as reaes da alma popular, devem terum fundo hereditrio que se perde no laborioso desenvolvimento dahumanidade. Essa base cultural hereditria ampliada por tudo quan-to, como membros da sociedade, assimilamos, por assim dizer, incons-cientemente.

    Essa automatia, essa inconscincia tm qualquer coisa demisterioso; que, embora mortificante para o nosso orgulho de serespensantes, nos torna to intransigentes em assuntos de cultura instin-tiva. Somos muito mais cordatos em pontos do comportamento ad-quirido por esforo. A cultura assimilada por uma sociedade, sem dis-cusso e sem que os seus membros se dem, por assim dizer, conta doprocesso, compreende todos os setores dos seus conhecimentos, tantomaterial como espiritual, e as razes so quase sempre muito antigas.

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    Podemos verific-lo, facilmente, nas sobrevivncias de idiasreligiosas primitivas em nosso Folclore. Para tal, entretanto, preciso

    que se tenha alguma noo dos cultos principais entre os povos debaixa cultura.

    A RELIGIO DOS PRIMITIVOS

    Ao falarmos em religio dos primitivos, temos em mentetudo quanto os povos, desde o inicio da sua cultura, arquitetaram paraexplicar o que para eles constitua o sobrenatural, com as suas influn-cias nos acontecimentos e a correspondente reao do homem.

    Todos os primitivos tm e tiveram idias religiosas. A teoriadas tribos sem religio de John Lubbock e outros foi de h muito aban-donada, por insustentvel.

    Porm, de como a religio de fato comeou ser, em cincia,um ponto controverso, enquanto houver homens no mundo a B-blia apresenta-nos os primeiros homens como monotestas e a escolaetnolgica, chamada histrico-cultural, defende este e outros princpi-os conexos.

    Entretanto, a opinio mais antiga entre os etnlogos atribuicom de Brosses, ao fetichismo o incio das nossas crenas religiosas.

    0fetichismo o culto do fetiche, ou seja, de objetos nosquais se supe falso um esprito, geralmente poderoso. Assim: conchase limo verde dentro de um clculo de chumbo representam oorixal.Mas tarde, esses objetos reduziram-se a meros smbolos dos respectivosespritos.

    Sob a influncia principal de Max Muller seguiu-se-lhe a teo-ria domanismo (ancertolatria) que promove os espritos dos mortos adeidades iniciais e, da, a sua grande venerao, que se traduz nos cui-

    dados com os restos mortais.

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    Maior nmero de adeptos (at hoje ainda os h) faz a opiniode Eduardo Tylor com a teoria do animismo, que, segundo ele, se

    colocaria no comeo das religies. Oanimismo confere uma alma atudo que faz parte da natureza.Se admitirmos que esses espritos so as almas dos antepas-

    sados, a forma mais adiantada do animismo oDemonismono nosentido cristo, mas no sentido da mitologia clssica. O Demonismocaracteriza-se pela crena em espritos, onde j se perdeu a sua cone-

    xo com as almas dos antepassados. Dotados de poderes sobrenaturais,influenciam favorvel ou prejudicialmente a vida dos homens.

    O demonismo favoreceu grandemente o desenvolvimentoda feitiaria. Era preciso neutralizar os espritos malfazejos, e tornar-sepropcios outros mais acessveis.

    O feiticeiro, o paj dos nossos ndios tupi-guaranis, o inter-medirio especializado na lida com os espritos. um dos comeos dosacerdotismo e das cerimnias simblicas praticadas em quase todas asreligies.

    Oanimismo, se no a forma religiosa mais primitiva , semdvida, a mais espalhada.Com o sculo 20 surgiu a hiptese de Preuss, que faz prece-

    der o animismo de umestdio pr-animstico: o perodo dafeitiaria,a crena de poder o homem, com votos mgicos, influenciar o ambien-te a seu bel-prazer.

    Os espritos forneceram tambm outra crena, oanimalis-mo, que considera os animais receptculos de espritos que os tornam

    muitas vezes superiores aos homens.Doanimalismodecorre a venerao generalizada dos ani-

    mais, ou de alguns deles, que vo sendo promovidos a entidades prote-toras. Quando se desenvolve a idia de parentesco, ou melhor, quandoum grupo social acaba por admitir a sua descendncia de certo animaltutelar, ligao indicada pelo nome do grupo ou seu distintivo, fala-seemtotemismo.

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    0 totemismo levou s classes matrimoniais e aos tabus, estes,entre outras caractersticas, proibindo o consumo da carne de certos

    animais ou o uso de coisas ou foras elementares, por sagradas.Forma especial de religio primitiva temos num setor dacos-molatria, naastrolatria, tida como etapa natural no desenvolvimentodo esprito humano ainda h pouco menos de um sculo. Recuadapara segundo plano pela teoria animstica de Tylor, a astrolatria voltou amerecer alguma considerao nos sistemas mitolgicos do Pe.W. Sch-midt e de Paulo Ehrenreich, que nela v em uma degenerescncia domonotesmo primitivo. Segundo a escola histrico-cultural, aluaassu-me as funes de deidade, quando, com o matriarcado, surge um entesupremo feminino. Nas organizaes patriarcais osolque seria pro-movido a deus mximo.

    Para ns, Religio e Moral so inseparveis. Isto no se d nasculturas primitivas. A vida do alm simples continuao da que se levana terra. Em culturas algo mais adiantadas, a posio terrena da pessoa decisiva para a vida futura e, algumas vezes, a maneira de morrer. H

    povos de cultura relativamente baixa que j acreditam em represlias erecompensas no alm, embora os mritos no sejam aquilatados se-gundo as nossas concepes. Que, por exemplo, a mulher sucumbidanum parto tenha a sua recompensa perfeitamente compreensvel,mas j no acontece o mesmo com o suicdio, que, segundo outrascrenas tambm meritrio.

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    FOLCLORE E NACIONALISMO

    BASTAa leitura dos assuntos pesquisados pelo Folclore paranos convencermos do que ele essencialmente nacional. Os resulta-

    dos das suas pesquisas no se cobrem com os de quaisquer outrospases, por motivos bvios.

    A lngua que falamos, sendo portuguesa, j no a de Portu-gal e dela se vai afastando cada vez mais, na pronncia, no vocabulrioe na construo da frase.

    Os nossos costumes adaptaram-se aos novos meios, caracte-rizados pelas condies geogrficas, econmicas e, principalmente, pelocontato com os ndios e com os negros.

    Ao lado do bero ouve-se um ritmo africano, nas danas dopovo, os meneios indicam a mesma influncia.

    As lendas portuguesas so ajustadas ao novo meio; as anedo-tas e os contos mudam de roupagem.

    0 cardpio mais variado, em meio da natureza luxuriante,apimenta-se.

    0 trajo sofre influncias regionais e a casa adapta- se ao cli-

    ma.

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    A religio catlica sincretiza-se na mentalidade rudimentardo ndio, do africano, do curiboca, do mulato, do cafuzo, em toda a

    escala, enfim, da mestiagem brasileira.A medicina popular vai-se enriquecendo com plantas e co-nhecimentos novos; o fetichismo completa o anelo de demopsicologiacom o seu quinho de mistrio e sugesto.

    Os mitos sofrem a intruso de personagens ndias e de epis-dios africanos.

    Tudo isso constitui em breve uma srie de tradies locaisque nunca poderiam formar um conjunto uniforme, mas cujas sec-es locais esto todas longe de qualquer paradigma portugus ou deoutro pas qualquer. Diferentes, entretanto, so apenas os conjuntos.Elementos isolados comuns sempre se encontram em todas as regiese todos os setores.

    Essas peculiaridades que distinguem o Folclore de um pasdo de todos os outros, que, em sendo multivrias, tm sempre elemen-tos importantes em comum, conferem ao Folclore um cunho emi-

    nentemente nacionalista.Menos evidentes sero para muitos as qualidades estticasdo Folclore, evoludos que nos julgamos no gosto e nas aptides. Entre-tanto, todos os contra-sensos, por exemplo, na arquitetura, vm do seudesprezo pelo que o clima exige e os tempos consagraram. As rtulasdavam s moradas a necessria impenetrabilidade, sem tirar-lhe a ven-tilao, e, eram ao mesmo tempo um motivo de grande efeito orna-mental.

    Nas festas populares, encontraremos outros tantos motivosestticos dentro de uma expanso inocente de grande porte sociolgi-co, pois disfaram temporariamente a distino de classes, sempre emluta, ora mais ora menos.

    Quem poder dizer que na nossa poesia popular, os desafiosno sejam a seu modo, de empolgante beleza, que a nossa torturadapoesia clssica no chegou a sobrepujar?

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    E as nossas modinhas, as nossas toadas, que haver de maisadaptado ao nosso serto, acompanhadas ao violo?

    E mesmo as danas inteiramente nossas, como o samba,tiveram nos seus requebros lbricos mais o eflvio inconsciente danossa luxuriante natureza do que depravao; mais o frenesi do ritmodo que a vo1pia do contato. Esta lhes foi exagerada com a civilizao.Quanto ao carter cientfico do Folclore, j tivemos oportunidade dealudir a sua posio perante a Cincia.

    0 Folclore o resultado d mecnica psquica, do mecanis-mo psicolgico, que so os processos de assimilao, inibio, fuso ecomplicao das representaes mentais. A maioria desses fenmenosse produz durante o estado passivo da ateno, so involuntrios, ins-tintivos.

    Mesmo quando o logismo intervm, ele primitivo, falho.Portanto, o Folclore, sendo uma cincia, estuda prticas e

    fatos que, cientificamente, podem ser defensveis, mas o acerto casu-al ou devido longa experincia. O por qu, entretanto, foge ao saber

    popular.

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    FOLCLORE E CINCIA: OS ESTUDOS DO FOLCLORERACIONALMENTE COORDENADOS

    SEconsiderarmos funo da Cincia a coordenao dos co-nhecimentos para dominar a realidade em escala progressiva e, assim,

    afugentar mais e mais da mentalidade humana o terror provocado peloinexplicvel, as atividades humanas consideradas no Folclore colocam-se margemouno inciodas Cincias propriamente ditas.

    A margem, com a maioria dos complexos gerados no ho-mem pelo incompreendido, pelo misterioso. Neste recanto daDemop-sicologia, nasceram as supersties.

    No incio, por todas as atividades essenciais e rudimentares

    da vida humana, como sejam as relativas habitao e alimentao, oualgo mais longe, pela experincia, que se fixou nos provrbios, na medi-cina e no direito do povo, para citarmos apenas estes exemplos.

    0 saber do povo de que trata o Folclore reside, portanto, naexperincia e no hbito para as cousas palpveis, de um lado, e dooutro, no respeito supersticioso ou no pavor, quando os fenmenosfogem sua compreenso.

    Considerado assim, o Folclore demonstra mais experincia

    acumulada durante os sculos do que propriamente cincia e gosto

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    mais ou menos desenvolvido por tudo que torna a vida menos mon-tona, mais divertida.

    Como vimos, o assunto do Folclore afasta-nos com freqn-cia dos conceitos de uma verdadeira cincia. Mas, este material pode serestudado cientificamente.

    este trabalho da coordenao racional e da anlise cientfi-ca dos fenmenos folclricos que faz jus ao ttulo de Cincia. Comocincia, o Folclore deve ter o seu domnio privativo, dentro das CinciasSociais a que se filia.

    Consideremos esse domnio em relao Etnologia e Civi-lizao ocidental.

    A Etnografia e a Etnologiaestudam a cultura material eespiritual dos povos que, poltica e socialmente, ainda vivem alheios aogrande concerto nacional e internacional. So as tribos geralmentechamadas de silvcolas ou selvagens.

    A Civilizao ocidentalcompreende os povos adiantadosda Europa e Amrica, com as suas tcnicas em constante aperfeioa-

    mento, e a influncia dessas conquistas sobre a sociedade.O Folclore, a no ser em cata de certas origens, nada tem quever entre povos ainda no civilizados. 0 Folclore s estuda as tradiespopulares nas sociedades civilizadas; a cultura material e espiritual debases primitivas que nelas se desenvolvem e se vm mantendo relativa-mente pouco influenciadas pelas tendncias e pelo progresso moder-no e, muitas vezes, at em conflito com eles.

    0 Folclore tem por campo de ao, repitamo-lo, qualquer

    atividade da psicologia popular, da alma do povo, entre os civilizados.J indicamos os diversos setores dos estudos folclricos. Va-

    mos hoje relembr-los sob outro ngulo e subdividi-los3.

    Teremos assim:I -As narrativas em prosaDentre elas, distinguimos:

    a) As lendas e os contos populares

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    b) As anedotas e burlasc) Tcnicas e prticas no contar histrias

    II -Poesia, Msica e Danaa) Recitativosb) Cantos funcionais

    Cantigas de beroCantigas rituaisCantigas cerimoniais

    c) Danas cantadasd) Canto autnomo

    III -Linguagem Populara) Ditados e provrbiosb) Frases feitasc) Modismosd) Advinhas, trava-lnguas, etc.

    e) Nomes e alcunhasf) Linguagem figurada (dobres de sinos, salvas, sinalizao,etc.)

    IV- Tcnicas e Artesa) 0 arraial (stio, aspecto)b) As construes (arquitetura material,dependncias)c) Decorao e pintura

    d) Ofcios e Artes (material, tcnica)e) Instrumentos e veculos

    V- Habitao e Indumentriaa) Arranjo da morada e das suas dependnciasb) Mveis, adornos e utenslios domsticosc) Trajos caractersticos (da regio, de classes sociais)

    d) Penteados populares, enfeites

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    VI- Atos Coletivosa) O batalho ou mutiro, etc.

    b) As cerimnias e comemoraes familiaresc) Romarias, novenas e festas popularesd) Jogos e esportes regionaise) Caadas, pescarias, etc.

    VII- Alimentos e Bebidasa) 0 regime e as refeiesb) Os temperosc) Crenas e prticas relativas a tolerncia e intolerncia

    VIII - Cincias Popularesa) Medicina e Veterinriab) Cincias naturaisc) Agricultura e Pecuriad) Astronomia e Meteorologia

    IX -Direito Populara) Normas e sanesb) Distintivos e marcas de propriedade

    X - Crenas e prticas religiosasa) Religio, magia, feitiariab) Mitos

    c) Aparies

    XI -Escritosa) Literatura de Cordelb) Folhas volantesc) Inscries relacionadas com lendas ou superties.

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    Vemos que vasto o campo do Folclore. E bem pouco deletem sido estudado entre ns. A maioria dos folcloristas tm manifesta-

    da preferncia pelos contos e lendas. 0 ambiente negro tem atradoalguns bons cultores. Porm, enquanto no sul do Pas a populaorural se tornou assunto preferido dos folcloristas, o nosso sertanejo,menos acessvel, ainda representa um campo pouqussimo explorado.

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    AS RELAES DA ARQUEOLOGIA COM O FOLCLORE

    A ARQUEOLOGIABrasileira estuda o ndio pr-histrico atravsdos seus vestgios deixados nos sambaquis, nos tmulos ou encontra-

    dios ao acaso no solo. Pertencem a ela, tambm, alguns petrglifosmais antigos. Monumentos de pedra no deixaram os nossos ndios. Asua cultura no havia chegado a essas manifestaes artsticas, ou, noexistia, no vale inferior do Amazonas, material para estimul-las.

    O domnio da nossa Arqueologia , assim, muito restrito eainda mais a parte correspondente ao Folclore.

    Da habitao pr-histrica dos ndios brasileiros s restamraros vestgios como as estearias do rio Cajari, no Maranho, estudadasnum opsculo de Raimundo Lopes. Medem quase dois quilmetrosde extenso.

    As palafitas ou estearias tm a sua continuao nas habita-es isoladas construdas sobre esteios em quase todas as bacias fluviaissujeitas a inundaes.

    Conexo mais evidente existe entre as igaabas dos cemitri-os indgenas e as talhas ou potes ainda em uso. Entretanto, como a sua

    forma rudimentar mais generalizada, igual dos tempos histricos,

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    referir-nos-emos, a elas ao tratarmos dos elementos culturais etnolgi-cos.

    O cachimbo um dos objetos mais interessantes da arque-ologia brasileira e baiana, tanto mais quanto aqui acharam cachimbosdo tipo angular relativamente raro na Amrica do Sul indgena.

    As cunhas ou os machados polidos, escavados aqui e ali, ne-nhuma utilidade prtica podem ter nos tempos atuais. Achavam, po-rm, refgio nas crendices populares daqum e dalm-mar. So aspedras de raio, pedras de trovo, pedras de corisco, que tambmaparecem de formas e material diferente. que, nas crenas de mui-tos, o raio uma pedra. Segundo alguns, ao cair, afunda sete braas naterra e, depois, sobe uma de ano em ano. Guardada em casa, a pedracorisco um santo preservativo contra os raios.

    As tangasde barro e osamuletosde pedra encontrados emvrias regies do Brasil, principalmente no Amazonas, representaramcertamente papel importante nas crenas do ndio.

    Barbosa Rodrigues dedica aos amuletos os dois volumes do

    seuMuyrakyt, Rio, 1899, 2a. ed. Eram feitos de jadete ou de nefrite,uma pedra verde-malva, e o seu feitio varia das formas mais simples scomplicadssimas representaes zoomrficas. A lenda v nelas umaddiva feita pelas Amazonas aos homens por ocasio da sua visita anual.Eram de efeito infalvel em todas as dificuldades da vida. sua proce-dncia devem o nome que lhes do, s vezes, de pedras amaznicas.

    As tangasmarajoaras so pequenos tringulos de barro co-zido, cobertos de figuras lineares. 0 seu uso foi provavelmente ritual; os

    seus efeitos devem ter sido mgicos, como foram mgicos os arabescoscom que as oleiras cobriam as igaabas funerrias e as vasilhas quecircundam geralmente aquelas nos hipogeus. possvel que contives-sem alimentos que deviam prover subsistncia do falecido na sua

    viagem s plagas do outro mundo melhor.As inscries rupestresoupetrglifostm dado origem a

    muitas conjeturas e fantasias. Obras dos nossos ndios, nem todas as

    gravuras em rochedos so pr-histricas. No representam escritas,

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    embora, nem sempre, sejam o produto de mero passatempo. Nelasdeve entrar, com freqncia, algum sentido comemorativo ou mgico.

    No Folclore entram como partes componentes de lendas oufatos misteriosos, pois a fantasia popular por demais arguta para dei-xar de reforar provas e argumentos com sinais, por vezes, to vetustosquanto sugestivos.

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    AS RELAES DA ETNOLOGIA COM O FOLCLORE

    ELEMENTOS INDGENAS EM TABAS, CASAS E ALIMENTAO

    As tabas ou aldeias dos tupinambs eram geralmente situa-das em colinas, perto de um curso dgua. As casas, de 4 a 6 em nme-ro, eram dispostas em torno de uma rea quadrangular, a praa.

    Quem no v nessa disposio um esquema das nossas vilasdo serto?

    Se mudou nelas o material e a construo das casas, pelo

    menos o cip e a folha de palmeira ainda tm aplicao muito freqente.De porta adentro, as reminiscncias comeam a crescer. Alibalanam redes, no raro de tamanhos diversos. Mesmo o pobre jiraude varas, coberto, por uma esteira nas choupanas, no sendo tupi, , noentanto, indgena. Os bancos macios e as gamelas de pau so idnticosaos do ndio, talvez mais brutos pela pressa no feitio.

    Os potes e as gamelas de barro no causariam surpresa sndias. As gamelas e colheres de pau no mudaram. As urupemas con-

    servaram, alm do feitio e da aplicao, o prprio nome com que as

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    designavam os tupinambs. Nem falta ao conjunto o baque cadencia-do do primitivo pilo. Possivelmente, algumas cuias partidas ao meio

    ainda servem de copos e de concha, e os abanos continuam sendotranados de folha de palmeira. Nem mesmo o papagaio falta no qua-dro, embora esteja agora aprendendo lngua de civilizado.

    Na alimentao do nosso povo, a farinha indgena de mandi-oca continua ocupando o lugar de honra. Piro, mingau, beiju e tapio-ca so palavras tupis aportuguesadas que at hoje encerram tcnicasindgenas como a carim, a prpria mandioca-puba e o tipiti.

    Este ltimo o canudo estivado, feito de tiras de palma, quefoi a prensa indgena para espremer o suco venenoso da massa damandioca. Pouco ou nada acrescentou a civilizao mais admirveldas conquistas alimentares da Amrica.

    A pimentacontinua sendo o principal estimulante e o fumo,essa contribuio mxima dos ndios para a civilizao moderna, con-tinua enchendo o resto do dia, no apenas do nosso povo, mas domundo inteiro. Dos instrumentos cortantes s veio at ns a faca de

    bambu com que descascamos o caju para fazer doce. Em breve, asfacas inoxidveis iro afugent-las.Da preparao dos alimentos usados pelos nossos indgenas

    a mais caracterstica a moqueao. Naturalmente a grelha era de varascomo todo o moqum. A carne e o peixe que sobravam eram habitual-mente moqueados, o meio mais fcil para os conservar.

    AGRICULTURA E CRIAO

    Longe iramos, se quisssemos enumerar todas as plantascultivadas e transmitidas a conquistadores. Limitemo-nos s princi-pais.

    De mandioca e aipim os tupinambs conheciam nada me-

    nos que 24 variedades. Tinham milho de cinco coloraes diferentes,

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    diversos feijes, abboras e pimentas.Os cars e mangars, o amendo-im e o abacaxi tambm deles que os herdamos. Entre os seus arbus-

    tos cultivados mencionemos o mais precioso, o algodoeiro, que os tupi-guaranis espalharam por grande parte da Amrica do Sul.Do caju faziam o seu cauim predileto e to desejada era-lhes

    a estao dos cajus, que a esta palavra deram tambm o sentido de ano.Temos aqui a explicao do popular ditado nosso no vai aos cajus,isto no tem um ano, ou no tem muitos anos de vida4.

    As roas dos tupis eram feitas como as que ainda se fazem.Derrubavam a mata, queimavam o que podiam, enchendo as clareirasde sementeiras ou plantaes. Era a co na lngua deles. Alguns anosdepois, cansado o terreno, era abandonado e o mato ralo comeava atomar conta dele. Chamavam-no entoco puera, isto ,roa abando-nada, e que, na boca dos mestios e civilizados, transformou-se emcapueira.

    Os tupinambs nada criavam para fins alimentares. Tinhamces de caa, macacos e outros quadrpedes por mero passatempo;

    aves multicores: papagaios, araras, caninds, guars e, mais tarde, atgalinhas para lhes aproveitarem as penas.A apicultura era-lhes desconhecida, mas as nossas casas de

    abelha primitivas, numa seco de tronco de rvore pendurada nosavarandados o primeiro passo da simples coleta para a criao.

    CAA E PESCA

    compreensvel que o arco haja sido substitudo pela espin-garda; muitos outros elementos indgenas conservaram-se, porm, atos nossos dias.

    Tocaia o nome que os tupis davam a um abrigo redondofeito nas rvores para esperar a caa.Arapuca,AratacaouMunduso

    igualmente termos tupis para armadilhas que deles conservamos.

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    Fojo termo portugus, mas a fossa, recoberta de ramos,folhagem e terra, que.ele designa, veio-nos dos ndios.

    Tambm na pesca muito aprendemos dos tupinambs queapanhavam peixe de muitas maneiras. As barragens feitas de varas (pari)ou jiquis ou covas, o mut ou jirau de onde pescavam flecha, e otonteamento ou troviscada por meio do timb, so das mais interes-santes modalidades ainda em uso.

    A farinha de peixe, complemento da farinha de carne, eramteis conservas de grande alcance na alimentao dos ndios.

    A FIAO DOS TUPINAMBS

    O fuso tupinamb ainda continua em atividade no interior,embora nem sempre lhe imprimam hoje o movimento rotatrio sobrea coxa.

    Os Tupinambs no chegaram a tecer, no sentido prprio dapalavra. Tranavam as suas redes, entretanto, o que era esboo da tcni-ca da tecelagem, que aplicavam fabricao de tiras.

    Hoje, no interior, ainda tranam redes e outros objetos, masa tecelagem ampliou-se um pouco; da estreita fita chegaram a panosgrosseiros, de fios no raro coloridos.

    0 material empregado certamente o mesmo dos ndios.

    Em primeiro lugar, oalgodo, depois a paina, o caro, o ticum.

    A CERMICA TUPINAMB

    A arte da cermica era exclusividade das mulheres, que nelahaviam chegado a certo grau de perfeio.

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    A liga do barro, a forma dos vasos, a secagem, o revestimentocom uma camada de tabatinga impermevel, as linhas e os arabescos

    ornamentais, o cozimento, tudo isto fazia parte de precioso acervohaurido em longa experincia.As nossas sertanejas no s mantiveram a simplicidade das

    formas e dos enfeites, os mtodos de cozimento num buraco no cho,mas, por vezes, at o tamanho avantajado; entre os tupinambs alguns

    vasos atingiam a capacidade de 500 litros.Dos vasos de barro apenas o moringue, que nos veio de Por-

    tugal, no tem similar entre os tupinambs.A tcnica do rolo posto em espiral comunicou-se cestaria.

    A CESTARIA

    A cestaria dos tupinambs era bem desenvolvida, na tcnica

    e na forma. Conservamos quase toda a sua variedade. o simplesaba-noe a primitivasacolade palha de palmeira,o patudos tupinambs,que conservou o nome, embora seja mais de couro ou pano.

    opanacum, ojac, ocao, mais ou menos grosseiros;mas tambm opacar artisticamente tranado e ornamentado aolado daurupemade feitio variado.

    Herdamos da cestaria tupi no somente a tcnica e as for-

    mas, mantivemos tambm os termos indgenas.

    A HIGIENE

    Tem-se exagerado, algum tanto o senso inato da higiene en-tre os ndios. Entretanto, incontestvel o seu gosto pela higiene corpo-ral. O costume de passar gua na boca, aps a refeio, antes de sernosso, foi dos nossos ndios.

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    Uma raiz saponcea era empregada pelas tupinambs nalavagem diria da cabea e do corpo.

    O saboeiro, com o seu fruto, cuja casca serve de sabo, foi-nos revelado pelo ndio, que tambm tirava manchas de qualquer panopor meio da casca de abacaxi.

    O banho freqente foi uma lio do ndio ao europeu.

    A NAVEGAO

    Os tupi-guaranis pertencem aos melhores navegadores ind-genas da Amrica do Sul, e, na famlia tupi-guarani, os tupis destacam-se pelo contato mais ntimo com a costa martima e grandes rios nave-gveis.

    Os tupinambs fabricavam duas espcies de canoas: uma decasca e outra de um tronco de rvore inteirio, que escavavam. Esse

    tipo de canoa, ns o usamos at hoje e com ela nos veio tambm oremo dos tupinambs em forma de lanceta e a posio erguida doremador. Em muitos lugares a mulher continua na faina indgena de,com uma cabaa, esgotar a gua do fundo da canoa. Outra embarca-o dos tupinambs j foi descrita por Pero Vaz de Caminha: a janga-da, empregada de preferncia na pesca. Modalidade interessante dejangada, a de peri-peri, usavam os Caets nas margens do So Francisco.

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    0 SINCRETISMO RELIGIOSO

    OSAFRICANOSno trouxeram cultos puros do ponto de vistatribal. As lutas e outros contatos pacficos tm como conseqncia a

    gradativa mistura dos povos e das suas crenas.OsHaussstrouxeram idias religiosas islamitas e osBantos,

    em seus contatos com os brancos, j na frica haviam mesclado as suascrenas com elementos cristos. No Brasil, o sincretismo foi-se acentu-ando por efeito da catequese um tanto coercitiva. O negro, como, aolado dele, o ndio, ouvia o ensino religioso do patro e a mentalidadeprimitiva fundiu as novas idias com as que trazia. O catolicismo possuianjos e santos protetores contra determinados males ou para certosfins. Pois o africano tem nos seus orixs uma tendncia similar. A suaconverso a princpio foi, portanto, apenas aparente; no renegou osseus orixs nem recusou acreditar no Deus dos cristos, fundiu unsnos outros e, no fim, cada fetiche correspondia a uma entidade dareligio catlica. O processo continua e os fetiches tendem a converter-se cada vez mais em deuses, enquanto na mentalidade africana o cato-licismo se degrada pela confuso com o Orix. Da as comemoraes

    religiosas que mais se assemelham a orgias ou ao carnaval.

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    Havia Irmandades constitudas por escravos, como de NossaSenhora do Rosrio e de So Benedito.

    No fetichismo jege-nag da Bahia fixa-se com os tempos aseguinte identificao:Orixalou Oxalconfunde-se com o Senhor do Bonfim, no

    apenas porque ambos so venerados numa colina, mas por orixal serexatamente para os Africanos o que o Senhor do Bonfim para os baia-nos: o santo de maior devoo. Ambos so venerados especialmente nasexta-feira. V-se principalmente influncia africana na lavagem do tem-plo. No h dvida, muito nela africano, mas nem tudo. A lavagem dostemplos era costume velho em Portugal e em outros pases.

    Xangj foi idntico aSanta Brbara, mas, modernamen-te, Santa Brbara de prefernciaIans, mulher deXang, enquantoeste passa a ser so Jernimo. Entretanto, de quando em vez, tanto

    Xang como Ians representam Santa Brbara. Isto perfeitamentecompreensvel pelo fato de ser Santa Brbara a protetora contra osraios, portanto, aparentada com os orixs dos relmpagos e troves.

    Ogum o orix das lutas e guerras e devia, como tal, confun-dir-se na Bahia com o santo-soldado, Santo Antnio, que recebia soldo.No Rio, onde Santo Antnio no era conhecido como soldado, ogumfoi identificado com So Jorge, vencedor do Drago, e teve a as honrasde coronel.

    Oxum N. S. da Conceio, mas percebe-se claramente quetende a torna-se definitivamente Nossa Senhora das Candeias.

    Omulutornou-se So Bento, o Santo protetor contra os bi-

    chos peonhentos, e tambm So Lzaro.Oxossi aqui So Jorge, enquanto no Rio, so Sebastio.A Gameleira, rvore sagrada, estranhamente passou a ser

    representada por So Francisco. 0 seu nome fetichista Loco ou Iroco.If o Santssimo Sacramento e os gmeos Ibeji reaparecem

    nos Santos Cosme e Damio.Exu, o orix malfazejo, o diabo do catolicismo.

    Iemanj Nossa Senhora, N. S. do Rosrio, N. S. da Piedade.

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    IEMANJ

    Como j vimos, Iemanj a me-dgua dos iorubanos, oumelhor, o prprio mar divinizado. O culto das guas est difundido pelomundo inteiro e confunde-se com o complexo materno. To profun-da a fuso dos dois conceitos que, em algumas lnguas antigas, me egua se designam com palavras muito parecidas.

    O culto a Iemanj, originariamente o orix dos rios, das fon-tes e dos lagos, confundiu-se no Brasil com os de Ians, Oxum, Oxum-

    mar e Anamburucu ou Nanan, todos eles orixs meteorolgicos liga-dos gua e da fuso de todos eles surge, na Bahia, a Me-dgua.O dia especial da Me-dgua o sbado, e quase sempre

    festejada ao lado de Oxum. Entretanto, os negros realizam funes emqualquer dia, beira-mar, nos rios e nos lagos, sempre acompanhadasde oferendas. As cerimnias do presente me-dgua so quase sem-pre imponentes na Bahia. Realizam-se no Dique, nos fundos do Toro-r, nas enseadas da Ribeira, em Montserrat, da Barra at Itapu.

    Organiza-se uma sorte de procisso dirigida pelo pai de santotodo de branco e encabeada pelo estandarte branco de Iemanj. Asmulheres carregam potes e caixas cabea onde vo os presentes:sabonetes, perfumes, leques, p-de-arroz, pentes, voltas, cortes de sedae tudo que uma mulher vaidosa possa desejar em seu toucador. Osmais devotos cantam e, por vezes, embarcam em saveiros para jogaremos seus presentes bem longe dos olhares profanos.

    s vezes, ouve-se falar em D. Janana, rainha do mar, sereiado mar. a influncia do candombl do caboclo. A influncia catlicafez com que se identificasse Iemanj com N. S. do Rosrio e N. S. daPiedade.

    Voltamos, assim, a ter a confirmao, no sincretismo religio-so, da grande afinidade entre as duas entidades mitolgicas: gua eme.

    Opera-se aos poucos a fuso das entidades africanas com as

    sereias europias de um lado e da iara ou uiara, pseudo ndia, termi-

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    nando na intromisso do boto, da cabea de cuia e do ururo que somitos locais.

    NOES RELIGIOSAS DOS NEGROS BRASILEIROS

    Aquilo que se conservou das idias religiosas dos africanos eos cultos por eles praticados costumamos apelidar, aqui na Bahia, de

    Candombl.No Rio de Janeiro, chama-seMacumba, nos estados do Nor-deste fala-se emxange catimbe, mais ao norte, vai-se fixando otermo depajelanaonde se v a influncia ndia, pois a expresso derivada de paj, o feiticeiro do ndio.

    Pela perseguio movida aos cultos africanos, o verdadeirocandombl esotrico permaneceu ignorado dos estranhos, porqueera praticado em lugares recnditos. Esse ato religioso e mgico no

    deve ser confundido com as cerimnias profanas, osafochs, como aschamam os negros.

    As tradies religiosas dos negros no so todas iguais, vari-am de acordo com a religio. Os Candombls da Bahia e tambm al-guns xangs do Nordeste so de origem sudanesa, trazidos pelosnags(ou iorubas) e osjejes(ou daomeianos).

    0 rito jeje-nagH neles verdadeiro panteon de santos, ou orixs, originrios

    da Costa do Ouro e da Costa dos Escravos. 0 maior de todos Obatal.Outro santo poderoso dono dos raios e das tempestades Xang. 0patrono das lutas e guerras Ogum.

    Tambm os poderes malficos tm representante no culto;Este Exu, que preciso despachar antes de qualquer cerimnia paraque no venha atrapalhar a funo.

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    H tambm orixs femininos. Deles destacaremos, por se-rem mais ligados ao folclore, Iemanj, Oxum e Ians, respectivamente

    as protetoras do mar, dos lagos e dos rios.Dos cultos dessas trs donas aquticas s se popularizou ode Iemanj, fundido s reminiscncias europias relativas s sereias.

    Quanto s iaras ou uiaras, que se nos apresentam comoentidade da mitologia indgena, pouca influncia de cor local poderiamter sobre o culto de Iemanj, por um motivo muito simples: as iaras ouuiaras s tm dos ndios o nome; tudo o mais adaptao de mitosimportados da Europa.

    Todos esses Orixs tm o seu culto celebrado na Bahia, emrecintos ou templos chamados terreiros onde existem altares, os pejis.

    Os sacerdotes so os pais-de-santo, apelidados ainda: babala-s, babalorixs, babs, babaloxs, pejigam e, pejorativamente, candom-blezeiros e macumbeiros. Alis, o pai-de-santo , entre ns, um suces-sor algo degradado do verdadeiro babala africano. A luta pela vida o vaireduzindo mais e mais a funo de feiticeiro de manejos inconfess-

    veis. S em alguns candombls da Bahia o pai-de-santo conserva gran-de parte do seu prestgio primitivo como depositrio dos segredos doculto, das tradies, da magia e da medicina primitiva.

    Mas, religio e magia, que na frica constituem uma unida-de inseparvel, foram-se desligando no Brasil.

    A funo primordial do pai-de-santo a preparao dos ori-xs e a direo das cerimnias do culto nos terreiros. Fazer o santo fix-lo em qualquer objeto, que, feito residncia do orix passa a ser

    cultuado. Mesmo em manifestaes espontneas de algum Orix, este considerado um santo bruto, enquanto no for preparado pelo pai-de-santo.

    Para preparar o santo, o babala lava a pedra ou qualqueroutro objeto, o chamado fetiche, e coloca-o dentro de uma terrina debarro. A seguir, um sacerdote auxiliar, o Agochun ou Achogun sacrificao animal preferido do santo que se vai preparar e derrama o sangue em

    cima do fetiche.

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    A cerimnia varia para cada santo. Como j dissemos, antes demais nada, necessrio despachar Exu ao celebrar qualquer festa, para

    que no atrapalhe e, assim sendo, preciso prepar-lo por um rito todoespecial com matana de um galo, numa encruzilhada quando o terreirofica num ermo, e atrs da porta, quando na cidade. 0 sangue do galodecapitado derramado sobre um pedao de ferro (o fetiche de Exu)embebido em azeite-de-dend. Ao lado desse fetiche, depositam-se a ca-bea e as pernas do galo e moringues com gua. O santo no come osalimentos materiais oferecidos, mas, o esprito deles. Por isso, as ofertaspodem, depois da cerimnia, ser consumidas pela assistncia. Estas ofer-tas no constam apenas dos animais sacrificados, mas de outros quitutesconstantes da culinria baiana e que so de origem religiosa; eram primi-tivamente comida de santos, ou seja, omal.

    Depois de preparado, o fetiche levado para o respectivo peji,na casa do terreiro.

    Cada santo ou orix exige pessoas votadas a seu culto; sogeralmente mulheres - as filhas-de-santo, que passam por uma fase de

    iniciao. Em geral, as candidatas se apercebem da sua vocao, ou poruma revelao do santo atravs de uma espcie de ataque, ou por acha-rem um fetiche, seja verdadeiro, seja suposto. O pai-de-santo determi-na o orix ao qual deve pertencer a futura filha-de-santo.

    Comea ento a tarefa mais dura a de juntar o dinheiropara a cerimnia da iniciao. Resolvida esta, do novia, no primeirodia, num stio retirado e secreto, um banho de folhas aromticas, ape-nas conhecidas dos pais e mes-de-santo. Depois do banho, recolhe-se

    com roupas mudadas para o quarto, enquanto se apronta o fetiche aquem vai servir. Entrementes, comea a epilao. Antigamente era to-tal; hoje, se limita completa raspagem da cabea ao som de cnticosfetichistas. Depois da raspagem, a cabea lavada com nova infuso deplantas. Esta lavagem acompanhada da ingesto de certas infuses deveproduzir um estado de alucinao que tida por entrada do santo.

    Segue-se o efum, que consiste em pintar a cabea e o rosto

    da iniciante com traos de cor, lembrando a tatuagem primitiva.

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    Depois da entrada do santo, a novia permanece longosmeses no interior da casa, sujeita privao de certos alimentos e

    abstinncia total de relaes sexuais.O perodo de iniciao termina com nova cerimnia chama-da o dia de dar o nome, em que, entre msica e festas, derramam nacabea da iniciada o sangue de animais sacrificados e declaram-na en-to filha-de-santo feita. Desse dia em diante, ela pertence me doterreiro que lhe faz o santo.

    Os fetiches dos principais orixsOrixal ou Oxal ou ainda ObatalTem por fetiche um crculo de chumbo e dentro do mesmo,

    limo verde e cauris. O seu dia a sexta-feira. Os seus enfeites, todosbrancos. Sacrificam-lhe a cabra e o pombo.

    XangO orix do raio representado pela pedra de raio de tamanho

    variado, contas brancas e vermelhas, uma lana e um pequeno bordo. festejado na quarta-feira. Os seus alimentos: o galo e o carneiro mas,nos pejis, o omal de Xang o caruru e o angu de arroz.

    ExuQuando encontramos no caminho pipocas e farinha com

    azeite-de-dend estamos, em geral, diante de um despacho de EXU,

    sem o qual nada se faz no culto afro-brasileiro. 0 fetiche de EXU umamassa de barro onde os negros modelam um simulacro de cabea emque os olhos e a boca so representados por incrustaes de conchas.So-lhe consagradas as segundas-feiras e todos os primeiros dias dasfestas fetichistas, por que o despacho preliminar, como dissemos, indispensvel. Na frica, exigia sacrifcios humanos, mas, no Brasil, con-tenta-se com animais de funes sexuais mais pronunciadas, como, oco, o bode e o galo.

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    OgumTem um culto litoltrico como Xang, mas a pedra de Ogum

    tende a desaparecer como fetiche. Como divindade da guerra, hojerepresentado por um fragmento de ferro com apetrechos blicos deferro: espada, lana, foice, p, enxada, etc. a ferramenta de Ogun. Asua cor simblica a azul e os seus animais prediletos, os mesmos de

    Xang, o galo e o carneiro.

    Oxum como Iemanj, um orix das guas, porque 0xum um

    rio na frica. um orix feminino confundido facilmente pelos prpri-os negros com a Iemanj. 0 fetiche de uma e de outra uma pedramarinha, mas os outros smbolos divergem. Para Oxum, a pedra acompanhada por um leque (o abeb), palmeiras de lato. O seu dia sbado.

    Oxossi

    Est aumentando de importncia nos candombls. Comodeus dos caadores, o seu fetiche um arco, atravessado por umaflecha, acompanhado de quaisquer outros apetrechos usados nas ativi-dades venatrias.

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    AS FONTES MITOLGICAS DO FOLCLOREBRASILEIRO

    DEacordo com as nossas principais origens tnicas, os nos-sos mitos procedem de trs fontes: da Europa, atravs de Portugal, dosnossos ndios e da frica.

    Ao contrrio do que em geral se pensa, a maioria dos mitosbrasileiros foi trazido pelo elemento branco. De Portugal trouxe tudo oque na sua terra se havia amalgamado por influncias de fora e, a esseselementos, juntou outros da frica e da sia, ou pelo menos algumas

    variantes.So osLobisomens, as Mulas-sem-cabea, osFogos erran-

    tes, os Gigantes, osAnes, osMonstrose osMgicos.

    A influncia negra manifesta-se principalmente atravs docandombl, que tem preservado do olvido as figuras poderosas dasreligies africanas e dado origem a interessante fuso delas com ele-mentos da religio catlica, se que o comeo do sincretismo no vemdo tempo em que ao negro s seria lcito referir-se a entidades religiosasque tivessem nome de gente branca.

    Encontramos ainda a influncia negra no ciclo da angstiainfantil, o que natural num pas onde geraes inteiras foram criadas

    pela me preta.

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    So de carter puramente indgena os heris-culturais damitologia tupi-guarani tornados conhecidos por um sem-nmero de

    publicaes vulgarizadoras, e que nos interessam por estarem ligados aplantas e animais familiares a todos. Mais populares so os duendes dafloresta que nos povoam a fantasia desde a mais tenra idade.

    A MITOLOGIA TUPI

    Os Civilizadorestupis distinguem-se dos deuses das mitolo-gias clssicas, do criador na religio judaica e da sua descendente, acrist, por um trao peculiar: so mais transformadores do que propri-amente criadores e as suas obras so sempre incompletas.

    Os tupinambs tm, segundo Thevet, toda uma srie de he-ris-civilizadores, aparentados entre si, e desincumbindo-se de tarefasque em outras mitologias pertencem a um s. Mas, bem possvel que

    essa multiplicidade seja apenas aparente, e que o mesmo heri tivesseum qualificativo especial de acordo com a respectiva funo.

    Mon o primeiro da srie, o criador do cu, da terra, dosanimais e dos pssaros. Deve ter criado tambm o homem, emboraThevet no o diga, pois ele quem destri a primeira gerao por culpascuja natureza ignoramos. Singularmente, no ele o criador da partelquida da Terra, que foi formada pelo dilvio aps o grande incndio.

    Em segundo lugar, cita ThevetMaira-Mon,o transforma-dor, certamente idntico ao primeiro, que leva o adjetivoMaira, emdeterminadas funes. um tipo de Moiss tupi, apenas com poderessobrenaturais. ele quem prescreveu a tonsura, o achatamento donariz e proibiu o consumo da carne de animais lerdos, recomendando,dos geis. Os costumes tupi-guaranis tm nele a sua origem. As plantasalimentcias foram ddivas suas e as maneiras de preparar a mandiocae de distinguir as plantas venenosas das inofensivas foram ensinadas

    por ele. Nesta e noutras tarefasMaira-Monidentifica-se comSum.

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    MonouMaira-Monaparece ainda com o nome deMai-ra-at, na qualidade de pai dos dois gmeos mticos dos quais falare-

    mos mais abaixo. Tambm oMaira-poxide Thevet tem alguns caracte-res deMon.Os jesutas portugueses no mencionamMon. Falam em

    Sume incidentemente, referem-se a umMaira. Aquele era bom, estemau.Sumensinou aos Tupinambs o modo de plantar e preparar amandioca. OSum dos jesutas e de outros, oMaira-MonouMaira-atde Thevet,Maira-Humanede Hans Stadene oMairaso umanica entidade, um nicoheri civilizador, que formou o mundo e otornou habitvel. Apesar disso, foi perseguido pelos homens e teve quefugir.

    Desses nomes acima, o deSum, principalmente, nos fa-miliar, atravs da lenda que nos conta o padre Nbrega. Segundo este,Sumem fuga teria sido cercado em Itapu. de cima daquelas lagesque teria tomado impulso para o grande salto, livrando-se da persegui-o dos ndios ingratos. Os jesutas identificaramSumcom So Tom

    e para isto socorrem-se da semelhana, ou mesmo identidade dos no-mes. Efetivamente, em tupi, certas palavras comeadas por t, emdeterminados casos mudam otem s.

    Estava assim explicada a transformao de Tom para Somou Sum.

    Como a maioria das tribos tupi-guarans possuam a lenda,encontramos as pegadas de So Tom por toda a Amrica do Sul nasreas habitadas por essa famlia.

    0 mito da destruio do mundo vivo

    Temos duas verses da destruio da humanidade: uma pelofogo e outra pela gua.

    Conta Thevet que, Mon, irritado pela ingratido dos homens,fez descer fogo do cu, carbonizando a superfcie toda com todos osseres vivos. Somente Iri-maj se salvou, porque Mon o levou ao cu

    durante a vigncia do braseiro. Iri-maj, vendo tudo destrudo, supli-

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    cou a Mon para reconstituir a face da terra. Mon, atendendo ao pedi-do, fez cair uma chuva torrencial. A gua comeou a escorrer pelas

    depresses e gretas causadas pelo fogo e juntou- se nas partes maisfundas.Formaram-se assim os rios e os mares. Nestes, a gua se

    tornou salgada por influncia de cinza carreada. Quando o globo es-friou e comeou a se cobrir de vegetao, Mon deu a Iri-maj umamulher, e deste casal descende a humanidade toda.

    Outra verso do dilvio a seguinte:Tamanduar, um dos irmos gmeos sobrenaturais, irritou-

    se contra o outro Aricut, que lhe havia jogado o brao de um inimigomorto.

    Tamanduar bateu o p no cho, e, no mesmo instante, aaldeia onde se achavam foi arrebatada para o cu, e no lugar golpeadopelo p de Tamanduar, rebentou uma fonte to violenta que inundoutudo. Como as guas continuassem a crescer, Tamanduar subiu coma sua mulher numa pindoba, e Aricut refugiou-se num jenipapeiro.

    Mais tarde, o mundo teria sido repovoado pelos dois casais.

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    OS MITOS BRASILEIROS

    TRSso as procedncias dos mitos brasileiros: portuguesa,indgena e africana.

    O elemento branco foi o veculo da maioria dos mitos brasi-leiros. De Portugal trouxe no apenas o que se havia amalgamado nasua terra; importou outros elementos mticos da frica e da sia: Lobi-somens, Mulas-sem-cabea, Fogos errantes, Gigantes, Anes, Monstrose Mgicos.

    Predominam pela sua generalizao em todo o Brasil: o Lo-bisomem e o Boitat europeizado.

    So de carter indgena principalmente os duendes da flo-resta.

    A influncia negra manifesta-se, tambm, no ciclo da angs-tia infantil; dele principalmente o Quibungo da Bahia, esse terrficopeador de crianas.

    Tem-se chamado a ateno dos interessados para a grandemobilidade dos mitos brasileiros, onde quase no se conhecem mitoslocais, presos a certos acidentes geogrficos.

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    AS PRINCIPAIS FIGURAS DA MITOLOGIA TUPI

    As nossas notcias sobre as principais figuras da mitologiatupi so falhas, contraditrias e flutuantes. Os jesutas quase nada regis-traram. O que temos de melhor se deve a franceses, principalmenteThevet e Evreux.

    TupLonge de sugerir a noo de coisa sagrada, no passa de um

    gnio do ar, cujos deslocamentos produzem as trovoadas. A influnciacatlica fez dele o Deus todo poderoso. Tup foi o aventureiro mais felizda poca da conquista.

    JurupariAlguns dos antigos missionrios esto de acordo no ver em

    jurupari um smile do diabo da religio catlica. Alis, da leitura dosautores antigos colhe-se a impresso de que Jurupari foi, a cada mo-

    mento, confundido com as almas dos defuntos, pois habita, de prefe-rncia, aldeias abandonadas.

    Como, entretanto, os missionrios deviam saber distinguiros diabos dos espritos, podemos classificar o Jurupari como gniomalfico das taperas. Os tupis haviam estabelecido certa conexo entreo Jurupari e algumas aves de canto misterioso.

    0 Jurupari do Amazonas antes de tudo um heri cultural,reformador e, portanto, diferente do Jurupari dos tupis.

    Anhanga o nome que os jesutas portugueses davam ao diabo. A sua

    funo na literatura antiga idntica descrita para Jurupari. 0 seupouso preferido era a vizinhana dos tmulos, pois uma das suas fun-es seria a de torturar os covardes depois da morte. Maltratava tam-bm os vivos, publicamente, de forma invisvel. A defesa contra Anhan-

    ga era o fogo embaixo da rede e o facho em caminho.

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    Entretanto, estes Anhangas que maltratavam vivos e mortosno passam de almas vagabundas; provavelmente por confuso de

    origem lingstica ang sombra, alma.0 verdadeiro Anhanga um tipo de bicho-papo que apa-rece no episdio dos dois gmeos. A sua promoo a diabo deve-se aosjesutas.

    O Saci

    O Saci no consta dos velhos cronistas, e isto corresponde a

    dizer que relativamente novo em nosso folclore, embora seja citadodas Gianas Argentina.Conhecem-se dois Sacis: um uma ave, o outro, um negri-

    nho.Quanto ave-saci, esta varia de regio para regio. A sua ca-

    racterstica comum que, pelo seu canto, ningum capaz de encon-tr-la. Ora parece estar longe, ora perto, umas vezes direita, e depois esquerda, exatamente como o urutau ou a me-da-lua.

    No Amazonas, o saci-ave a Matin-taper que noite aparecenos povoados, soltando gritos arrepiadores. O povo, assustado, prome-te-lhe fumo e, no dia seguinte, costuma passar uma velha; a Matin-taper que vem cobrar a promessa.

    0 Saci-negrinho, o Saci-Perer do Sul. um negrinho bri-lhante como piche, todo pelado, de olhos vermelhos. 0 seu tamanhono passa de meio metro. Na cabea tem uma carapua vermelha e

    nela reside o seu poder sobre-humano.Gosta de assombrar o povo e correr a cavalo. Assobia no ou-vido do viajante tresnoitado, salta-lhe na garupa, desafivela os loros ejoga-lhe fora o chapu. Nas casas derrama a farinha, remexe os ninhose faz gorar os ovos. Os redemoinhos de vento so feitos por ele. Como oCurupira e a Caapora gosta de fumo.

    Parece que no Saci-perer concorrem elementos europeuse africanos.

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    0 Boitat

    Anchieta que cita o fenmeno misterioso pela primeira

    vez, em nossa literatura. Chama-lhe mba-tat, isto :coisa fogo, coisaque todo fogo. H em tupi uma palavra parecida e de sentido maissugestivo: mbia ou abreviadamboi, boi que se traduz por cobra eno tardou que o mba-tat se transformasse emmboi-tat. A coisa

    virara boi o fogo ftuo transformara-se em cobra de fogo. Hoje existe,ainda, sob o nome de bitat, batat, batato.

    No tempo do crdulo Anchieta,mba-tatacometia os ndi-

    os e matava-os. No Rio Grande do Sul, a boitat a cobra de fogo, mataos animais, come-lhes os olhos e de tanto comer pupilas tornou-seluminoso.

    Em Santa Catarina e outras regies, aparece o bo-tat, comum olho no meio da testa, lanando chispas de fogo e ameaando comos seus chifres.

    Em outros lugares os fogos ftuos so as almas penadas dosmeninos que morreram sem batismo. So influncias europias.

    0 Uirapuru

    Ao falarmos em saci-ave mencionamos a dificuldade no des-cobrir a ave que verdadeiramente o encarna.

    Como aquele, o uir-puru, ou passarinho-amuleto, no determinada espcie, mas toda e qualquer espcie capaz de impressio-nar pela sua plumagem, seu canto ou particularidade outra. 0 Uir-

    puru, entretanto, s puru, depois de temperado pelo paj, e sproduz efeito na especialidade para a qual foi temperado.H uirapurus preparados para a caa, outros para a pesca,

    para conquistar mulheres, dobrar homens e chamar dinheiro.Mas, no so apenas passarinhos em que se fixam as qualida-

    des mgicas; h plantas e animais nas mesmas condies.

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    0 Curupira

    Na regio amaznica um tapuiozinho de menos de um

    metro de altura, de cabea pelada, mas com o corpo todo coberto depelos compridos. Os seus dentes so verdes ou azuis, tem um olho s eorelhas grandes. Os seus ps so voltados para trs.

    0 nome Curupira s aparece, fora da regio amaznica, noEsprito Santo e no extremo sul. Nos outros estados toma o nome deCaipora.

    A despeito das divergncias que possam haver a seu respeito

    nos diversos autores, um gnio da floresta, protetor da caa e, emgeral, pouco afeioado aos homens.Anchieta j registra o Curupira, esprito da mata. Simo de

    Vasconcelos, ao contrrio, v nele algo de mais transcendente, dando-lhe o ttulo de esprito do pensamento. Segundo o padre Daniel, oCurupira tambm aparece nas praias dos rios.

    0 Caapora, Caipora

    uma figura confusa; ora a personificao do Curupira,apenas com os ps normais, ora a do Saci, com uma perna s.

    A sua etimologia indica tratar-se de um gnio da mata, possi-velmente um desdobramento do Curupira.

    No Nordeste, esse ente feminino, e montado geralmenteem porco do mato. Ressuscita os animais abatidos. Fuma tanto quantoo Curupira.

    Ao lado do Caapora ano, h referncias a outro, gigante.Na Bahia, em lugar de Caapora houve quem registrasse onome de Caara. Gosta muito de fumo.

    Ipupiaras e Iaras

    Os monstros aquticos e as sereias so entes mitolgicosmuito espalhados.

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    Em Portugal, houve convergncia entre asMourase asserei-asclssicas. Os tupis tinham o seu ipupiara,o monstro aqutico que os

    perseguia e matava, como diz Cardim, abraando-os e beijando-os atmorrerem sufocados. Depois, o ipupiara dava uns gemidos, s vezes,comia os olhos da vtima e fugia.

    Mais tarde, o ipupiara feminiza-se; torna se a iara, a medgua, sob a influncia europia.

    No Norte, o ipupiara uma cobra grande, a boina, isto ,cobra preta que segue a mesma trajetria, terminando igualmente name-dguacom os seis palcios no fundo dos rios. Sempre a mesmainfluncia europia.

    0 boto outra variante do ipupiara. O Dom juan aqutico.No mata as suas vtimas, mas desinteressa-se pela prole.

    A noite, sai da gua e vira homem; homem perfeito e folga-zo. Mas no tira o chapu, para que no lhe vejam o orifcio no alto dacabea por onde respira.

    A origem do fogoDois mitos corriam entre os Tupinambs sobre a origem do

    fogo.Segundo um deles, Mon era o possuidor muito cioso do

    fogo e trazia-o sempre escondido. Um belo dia, porm, Tamanduar eAricut descobriram o esconderijo: o cangote da preguia, onde o seucalor havia tostado o pelo.

    A estes mitos d-se o qualificativo de etiolgico. Aetiologiaexplica a origem e a causa de um fato.No segundo mito, contam os Tupinambs que Maira-Mon

    lhes ensinou no s a grande utilidade deste elemento civilizador porexcelncia, como tambm a maneira de o produzir.

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    Tup

    Temos hoje numerosos mitos onde Tup representa papel

    primordial. A maioria deles so mitos secundrios, so transformaesde temas indgenas na fantasia do mestio.

    Tup, na mitologia dos Tupinambs, era figura de segundaordem, mera personificao do raio e do trovo.

    Era quanto bastava para que os austeros jesutas traduzis-sem por Tup, o conceito cristo de Deus, depois de lhe atribuirquase todas as aes que, na pena de Thevet, se emprestam a Mon.

    Anhanga, Anh

    outra entidade da mitologia tupi que sofreu sensveis trans-formaes no correr dos tempos. De ogro malfazejo que entra em lutacom os dois gmeos, transforma-se em esprito mau, emSatans,com a propagao do cristianismo entre ns.

    O motivo principal da transformao reside provavelmenteno nome.

    Anga a designao tupi para: sombra, fantasma, alma,esprito. Da a sua invisibilidade aliada perversidade diablica inerenteao primitivo Anhanga.

    Nos escritos dos jesutas, fixaram-se desde cedo estas duasdesignaes:

    Tup ...... DeusAnhanga ... Satans

    Jurupari

    O jurupari vem do Norte e, a despeito do seu nome, noparece pertencer mitologia tupi. filho de uma virgem concebidonuma bebedeira por efeito do excesso de bebida ingerida. Quando veioo tempo de vir luz do dia, apresentou-se a grande dificuldade. A vir-gem no tinha partes sexuais. Felizmente, durante um banho da vir-

    gem-me, uma trara teve a idia salvadora de lhe dar uma profundadentada no baixo ventre, e assim Jurupari pde finalmente nascer.

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    Era um menino extraordinrio. Do corpo faiscavam luzes eestrondos do trovo. 0 movimento dos seus dedos produzia toda esp-

    cie de sons. 0 seu mal foi instituir na tribo o jejum obrigatrio e, poruma transgresso leviana de algumas crianas, mat-las e devor-las.Os pais, em represlia, embebedaram Jurupari e jogaram-no ao fogo.

    Das cinzas de Jurupari, nasceu instantaneamente a palmei-ra paxiba e, por ela, Jurupari conseguiu galgar ao cu na mesma noite.Depois disso, os homens cortaram a paxiba e dela fizeram as primei-ras plantas sagradas.

    Por este e outros episdios certas tribos indgenas atribuem aJurupari a organizao social onde transparece, ainda, a luta entre omatriarcado e o patriarcado.

    0 Jurupari que aparece nas lendas tupis um Jurupari deca-do. um diabo de segunda ordem. S com o correr dos tempos o

    Jurupari se confunde com o Satans, tornando-se, no Norte, sinnimode Anhanga.

    Luiz da Cmara Cascudo, imbudo de leituras sobre o Ama-

    zonas, no se inteirou suficientemente do desenvolvimento histricodo papel de Jurupari, e da lentido com que chega a ser Satans.O dicionrio tupi dos jesutas cita Jurupari como diabo de

    segunda categoria, dando a Satans, ao chefe do inferno, o nome deAnhanga, que se mantm nos catecismos tupis e guaranis do sculodezessete, embora se note em outros escritos, mesmo jesuticos, comoo nome Jurupari vai ganhando prestgio e acaba sendo sinnimo de

    Anhanga.

    H outras verses sobre a concepo e nascimento de Juru-pari.

    Entes da angstia infantil

    As cantigas de adormecer ou de ninar misturam, no raro, melodia embaladora, argumentos que mais impressionam os espritosdas crianas. So os entes fantsticos com que ainda costumam ame-

    dront-los.

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    H deles toda uma srie, uns mais conhecidos neste, outrosnaquele estado da Unio.

    Na Bahia, so principalmente os seguintes: a Bruxa, a Cabra-cabriola, a Coca ou Cuca e o Tutu-maramb.

    A bruxa

    No se trata aqui de uma bruxa com os atributos e artima-nhas das bruxas clssicas ou das feiticeiras medievais. Como aquelas,entretanto, uma velha, disforme, que se limita a levar as crianas

    rebeldes hora de dormir. Talvez, por influncia europia ou dos nos-sos vampiros e morcegos, levem, em algumas regies, a fama de chupa-rem o sangue das suas vtimas sem que sejam pressentidas. Lugares h,como na Bahia, em Minas e Gois, onde ela se transforma numa borbo-leta noturna.

    A Cabra-cabriola

    uma cabra antropfaga, que nos veio de Portugal. So ra-ros os lugares onde a sua presena ainda se registra; sempre no litoral,pois as terrveis cabriolas nunca chegaram a penetrar no serto.

    A Coca ou a Cuca

    Mais conhecida entre ns a Coca ou Cuca. A sua forma muito vaga. Aqui um ente informe que ningum sabe descrever; ali,uma velha cujo aspecto se aproxima do da bruxa, ou ainda um fantas-ma impreciso. Aparece e some num abrir e fechar de olhos, carregandonos braos, ou num saco, os meninos que pintam na cama ao invs dedormirem. Da a cantiga:

    Durma nenemseno a cuca vem,papai foi roa

    mame logo vem.

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    Quanto etimologia, cuca e coca ou coco so problemas desoluo to difcil quanto a origem desse ente misterioso.

    Em algumas localidades portuguesas e espanholas, condu-zem na procisso de Corpus Christi um animal monstruoso, ou umdrago, que apelidamcoca; ao lado dessa coca animal, h outra humana,envergando cogula e tnica; o nossofarrcocoou amortedas procis-ses. H, ainda, outra coca em Portugal: a abbora esvaziada, comburacos imitando olhos e boca e iluminada por uma vela. Colocam-naem lugares ermos para amedrontar crianas pequenas e grandes.

    Finalmente, vejamos ainda o mais conhecido dos espanta-lhos infantis entre ns.

    0 Tutu-maramb

    0 Tutu-maramb aparece sob vasta sinonmia: Tutu, bichotutu, tutu-marambaia ou tutu-marab, tutu-zamb ou tutu-camb, etc.

    Representa um animal informe, negro, que ningum des-creve. Se o nome vem do quimbundo quitutu (ogro), o baiano preferiu

    p-lo em contato com o porco do mato, o caititu, que lhe muito maisfamiliar. Estaramos, assim, em face de mais uma confuso verbal:entre tutu e caititu.

    J vimos que quitutu, segundo africanistas entendidos, querdizer ogro.

    A segunda parte da designao, algo flutuante entre maram-baia e maramb, bem pode vir do tupi marambae (o tumultuoso, o

    ruidoso, o que desfaz). Mais tarde, obliterada a conexo, a palavra teriamodificado o final para b ou bia. Todas as modificaes so possveisna boca das amas e das crianas.

    Notemos:Tutu marambiano venhas mais c,que o pai do menino

    te manda mat

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    Os monstros, todos eles de caractersticas muito flutuantes,a no ser a ferocidade, so de procedncia duvidosa.

    No folclore baiano no conhecemos:Mapinguaris,Capelobos,Ps-de-garrafa,Labatuts,Papa-figos eGorjalas.

    Aparece, entretanto, um o Quibungo6.

    0 Quibungo

    Imprecisa figura de negro papo, devorador de crianas, que,por vezes toma forma animal. , em ltima anlise, por vrios aspectosuma espcie de lobisomem afro-brasileiro, criao dos nossos negros.

    Meio homem, meio animal, segundo Nina Rodrigues, temcabea muito grande e tem no meio das costas, um grande buraco quese abre quando ele abaixa a cabea e se fecha quando a levanta. Nesteburaco joga as crianas.

    Para Silva Campos, um negro muito velho vira Quibungo,isto , um grande macaco peludo, que come crianas.

    0 Lobisomem

    A tradio do Lobisomem universal na rea geogrfica ondeos uivos dos lobos se fizeram ouvir, no correr dos tempos.

    A figura clssica do lobo sobrenatural deve ser procurada namitologia grega, de onde, passando para Roma, se pe na origem danao e culmina nas Lupercais, a festa do lobo, celebrada no dia maisfunesto de fevereiro, o dia 15. a februata, cujo nome foi mudadofinalmente para o de Festa da Purificao.

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